Gestão da Base de Fornecedores no Agronegócio de Processamento de Manga do Vale do São Francisco: Uma Análise a Partir das Orientações da Gestão da Cadeia de Suprimentos

May 28, 2017 | Autor: Andre Velloso | Categoria: Supply Chain Management
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Gestão da Base de Fornecedores no Agronegócio de Processamento de Manga do Vale do São Francisco: Uma Análise a Partir das Orientações da Gestão da Cadeia de Suprimentos. Autoria: André Vasconcelos Velloso, Marcos André Mendes Primo Resumo: O posicionamento de uma organização face aos demais agentes na cadeia de produção ainda é um tema que merece mais estudos. O objetivo do trabalho foi entender como as empresas processadoras de manga estão se posicionando junto a seus fornecedores primários. A estratégia de pesquisa adotada foi de estudo de casos múltiplos, empreendido em três empresas processadoras de manga situadas na região do Vale do São Francisco. Nestes estudos, foi constatado que as estratégias de internacionalização de mercado adotadas pelas três empresas estudadas fortalecem a orientação da gestão da cadeia de suprimentos no que concerne à seleção de fornecedores, com foco na qualidade. Em duas empresas que possuem dependência de suprimentos, a boa reputação junto à base de fornecedores tem contribuído para um bom relacionamento com eles, muito embora o formato dos contratos utilizados não favoreça o desenvolvimento de relacionamentos de longo prazo. Na conclusão deste estudo, verificou-se que as empresas pesquisadas têm se utilizado tanto das orientações defendidas pela gestão da cadeia de suprimentos - tais como o relacionamento mais próximo com fornecedores - quanto de relacionamento de spot market com estes fornecedores. 1 Introdução Como medida de marketing, empresários passaram a divulgar suas práticas e políticas de atuação industrial e comercial, também ambiental e social, e a informar seus prospectivos clientes daquilo que constitui um diferencial de seus produtos em relação aos concorrentes. Esta iniciativa agrada as empresas compradoras e, concomitantemente, aumenta suas exigências em transações comerciais futuras, na medida em que desenvolve a capacidade crítica dos consumidores. Mais relevante ainda é a competitividade decorrente do fenômeno da globalização e das vendas pela internet, bem como sua avassaladora influência no ambiente empresarial. A perseguição da melhoria contínua passou a ser a ordem do dia (NARVER; SLATER, 1990). Dentro deste novo contexto, as empresas, com intenção de conservar sua posição favorável no mercado, têm lutado por sua sobrevivência e pela preferência dos consumidores, adaptando, inovando, otimizando processos e agregando valor a seus produtos. Para conseguir posições competitivas mais favoráveis em relação aos concorrentes, muitas cortaram custos, reestruturaram processos, aumentaram índices de automação, modernizaram condições tecnológicas, tudo visando a melhorar o desempenho. À medida que a competição torna-se global e menos relacionada a mercados imediatos de vendas, sua eficiência passa a depender com maior intensidade da aquisição de insumos e serviços, e da produção, distribuição e comercialização, levando-as a incorporar mercados acima e abaixo da cadeia de atuação (WRIGHT; KROLL; PARNELL, 2000, p. 47-84; KUPFER; HASENCLEVER, 2002, p. 3639). 1

Por conseguinte, as empresas se empenharam em buscar ganhos diferenciais por meio da gestão da cadeia de suprimentos (supply chain management), especialmente em mercados de alta competitidade. Este proceder está em conformidade com a definição de Alfred Chandler (1998, p. 483): “Uma empresa é uma entidade legal que estabelece contratos com fornecedores, distribuidores, empregadores e, freqüentemente, com clientes”. Tal gestão busca oportunidades no ambiente relacional, visando à melhoria do desempenho de toda a cadeia. Isso tem uma implicação fundamental: em vez de atuar apenas na administração dos processos internos, devem elas concentrar-se nos processos interorganizacionais com fornecedores e canais de distribuição. Mais do que isso, devem perceber e identificar com clareza o consumidor final, concorrência, cadeia de suprimentos e ciclo de vida do produto. Oportunamente, a gestão da cadeia de suprimentos tem contribuído para melhorar o desempenho tanto das empresas compradoras quanto fornecedoras. Em relação às práticas que as primeiras costumam desenvolver junto à sua base de fornecedores, visando a uma eficiente gestão da cadeia de suprimento, literaturas sobre o assunto destacam quatro orientações de grande importância: (SHIN et al, 2000). a) b) c) d)

desenvolvimento de relacionamento de longo prazo; envolvimento do fornecedor no desenvolvimento de produtos; redução da base de fornecedores; seleção de fornecedores com foco na qualidade.

No entanto, a maior parte dos estudos realizados abrangeu indústrias tais como automotiva e de eletrônicos. Estes setores atraem a atenção dos pesquisadores, primariamente devido a sua importância na economia mundial, mas também por estarem na vanguarda das inovações tecnológicas e das modernas práticas de gestão. Torna-se, então, necessário conhecer melhor de que modo as prioridades competitivas de determinada indústria estão relacionadas às práticas de gestão de fornecedores na cadeia de suprimento. Também, é preciso determinar o impacto com que as características do produto e da produção afetam estas prioridades, de modo a responder com precisão à pergunta: “Que tipo de orientação da gestão da cadeia de suprimentos é a melhor para uma situação particular?” (SHIN et al, 2000, p. 331). Em razão disto, resolvemos direcionar nossa atenção para verificar a importância dessas orientações num contexto diferente: na indústria de processamento de manga. 2 Importância e organização da cadeia de suprimentos de manga no Brasil O agronegócio é um dos setores que vem se destacando em termos de crescimento de produção e de exportação na economia brasileira. Neste setor, podemos citar a fruticultura, especialmente da manga (mangifera indica). A manga tem tido participação relevante nas exportações de frutas frescas. A demanda por manga in natura no mercado internacional tem experimentado taxa de crescimento de 13% ao ano, maior que a de outras frutas tropicais que crescem, em média, 9,5% ao ano. O Brasil vem apresentando expressivos desempenhos nas exportações de manga nos últimos anos (ALVES; PIRES, 2005). A cadeia de suprimentos de manga possui grande importância econômica no Brasil, tanto no abastecimento do mercado interno quanto na exportação, como acontece com outras frutas frescas brasileiras. A manga vem se destacando não apenas em termos de volume, mas devido à excelente qualidade alcançada pelos produtores do Vale do São Francisco, localizado no Nordeste do Brasil. A região Nordeste do Brasil, em especial o Vale do São Francisco, é considerada a maior região produtora de manga no país, responsável por 66,4% da produção nacional, seguida das regiões Sudeste (31,08%), Centro-Oeste (0,96%), Sul (0,84%) e Norte 2

(0,72%) (IBGE, 2005). Também, é a região que mais exporta, respondendo por mais de 80% das exportações totais (ALVES; PIRES, 2005). A região do Vale do São Francisco possui grande vantagem comparativa em relação às demais regiões. Graças a sua condição climática e ao uso de técnicas de indução floral, ela mantém uma oferta regular da fruta durante o ano, embora o maior volume ocorra entre os meses de julho e dezembro. Essa é a época em que a fruta é mais exportada, devido a uma “janela” de exportação - período correspondente a entressafra dos principais países produtores - para os mercados norte-americano e união-européia. Por meio dela, pode-se obter melhores preços e privilégios comerciais. A região do Vale do São Francisco possui concentração de grandes empresas com boa infra-estrutura, organização e tecnologia capazes de atender aos requisitos do mercado externo. Muitas vêm realizando esforços para atender aos requisitos exigidos pelo mercado internacional e estão granjeando boa reputação neste mercado. Há também pequenos produtores pouco organizados, com baixa infra-estrutura, que atuam isoladamente ou por meio de associações. No mercado interno, os pequenos produtores, por não produzirem frutos que atendam aos padrões de qualidade em base regular, normalmente precisam recorrer a intermediários para vender sua produção. A pouca especialização dos pequenos produtores se deve ao baixo volume produzido individualmente e à relativa importância do mercado interno. Em função do baixo poder aquisitivo da maioria dos consumidores locais, o mercado possui menor grau de exigência e elevado nível de informalidade (MARTINELLI; CAMARGO, 2002). No mercado externo, a venda é normalmente feita sem intermediários e a exportação, diretamente pelas empresas de processamento (packing houses), que se qualificam junto ao mercado internacional por meio de sistemas de qualidade e participam de programas de certificação. A manga produzida no Vale do São Francisco é exportada principalmente para os Estados Unidos, União Européia e, mais recentemente, Japão (BRAZILIAN FRUIT, 2005). Encontram-se bem difundidas as normas que padronizam a qualidade nos diversos elos da cadeia da manga. Essas normas buscam atender a critérios definidos pelo consumidor final. Os protocolos utilizados são definidos de acordo com o destino da fruta. Além da “Produção Integrada”, programa de qualidade difundido e exigido pelas instituições públicas brasileiras que já conta com sistema de certificação acreditado pelo Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (INMETRO) -, as frutas destinadas ao mercado externo seguem as Boas Práticas Agrícolas (Good Agriculture Pratices - GAP). Os protocolos exigidos para as processadoras são as Boas Práticas de Manufatura (BPM) e a Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle – APPCC (Hazard Analyses Control Criteria Points – HACCP / FAO). A partir do estudo do Rabobank (1997, apud MARTINELLI; CAMARGO, 2002) podemos inferir os seguintes aspectos diferenciadores importantes da cadeia de frutas: a) presença de grande número de produtores; b) existência de associações de produtores em cooperativas; c) valorização do fator tempo, empacotamento e logística, em face da elevada perecibilidade dos produtos; d) dificuldade de formação de preços estáveis ao longo do ano, em razão da sazonalidade da oferta e da produção de países de origem de clima temperado, semitemperado e tropical, entre os hemisférios Norte e Sul; e) grande quantidade de países exportadores e importadores, e de empresas envolvidas no comércio internacional; f) existência de amplo leque de tipo de mercado final (de quitandas a grandes redes varejistas); 3

g) baixo retorno em termos de fidelidade do consumidor, em razão de fatores como: baixa possibilidade de agregar valor ao longo da cadeia, porque as marcas comerciais de frutas são ainda pouco difundidas. Isto permite a um comprador (por exemplo: uma rede de supermercados) mudar de fornecedor com maior facilidade. A fidelidade do consumidor se consolida muito mais em função das características do produto (qualidade, sabor, aparência etc) que em razão da marca comercial. Para obter melhor compreensão organizacional da cadeia de produção da manga, podemos observar na figura 1 a segmentação dos agentes envolvidos.

Figura 1 – A cadeia de suprimentos de manga no Brasil. Fonte: elaborado pelos autores. Os principais elos da cadeia são: os produtores, os processadores, os intermediários; no mercado doméstico: os pequenos varejos, o mercado institucional (restaurantes, hotéis, escolas etc.), as agroindústrias e os grandes varejistas; e, no mercado internacional: as trades (empresas especializadas no comércio internacional), os atacadistas estrangeiros e os grandes varejistas. Martinelli e Camargo (2002) identificam e classificam a etapa de produção em quatro diferentes categorias: a) pequenos produtores não-integrados: agrupa os produtores com baixa especialização na atividade; muitas vezes, resultado da sobra da agricultura de subsistência. Em geral comercializam manga a granel, por meio de agentes intermediários, e alcançam apenas o mercado interno; 4

b) pequenos produtores integrados: agrupa os produtores especializados e, em geral, organizados na forma de cooperativa ou de associação de produtores. Estas associações servem para reunir escala de produção e fornecer estrutura de processamento, seleção e padronização das frutas que se destinam aos diversos mercados, como também para aumentar o poder de negociação com os agentes compradores; c) grandes produtores especializados: identifica a produção altamente especializada, em termos de quesitos técnicos e comerciais, inclusive apresentando estratégias de consolidação de uma marca comercial específica para suas frutas. Alguns estão integrados às atividades de packing house, ou seja, realizam eles mesmos tarefas de seleção, classificação e embalagem, bem como estocagem e transporte. Esses podem relacionar-se diretamente com os seus compradores de frutas, firmando contratos de produção com grandes empresas atacadistas internacionais; d) produtores verticalmente integrados: pertencentes às grandes redes de varejo ou empresas atacadistas, que passam a produzir frutas para suprir parte de suas demandas. Conforme pode ser observado em nosso trabalho de mapeamento da cadeia de suprimento da manga, representado na figura 1, a montante dos produtores estão os fornecedores de insumos (mudas, fertilizantes, agroquímicos, equipamentos agrícolas, sistemas de irrigação, serviços técnicos e embalagens). A jusante da etapa de produção - objeto de nosso estudo - estão as empresas processadoras de manga (packing houses), altamente especializadas em termos de quesitos técnicos e comerciais na compra, seleção, classificação, embalagem, estocagem e transporte de frutas. Essas empresas possuem relações comerciais a montante - sendo as mais importantes aquelas mantidas com produtores de frutas especializados (pequenos e grandes) – e a jusante, com as redes de varejo e canais do mercado internacional. Podem utilizar marcas próprias ou vender serviços de compra e processamento, embalando a manga com a marca de seus clientes. É comum a mesma empresa possuir mais de uma marca, para diferenciar os níveis de qualidade e mercados a serem atingidos. Em geral, estas se relacionam diretamente com os seus compradores de frutas, firmando contratos com grandes empresas atacadistas internacionais, cujas exigências são maiores em termos de qualidade e condições mercadológicas e logísticas, sendo freqüente, por este motivo, a inspeção direta de empresas importadoras. Conforme pode ser observado na figura 1, numa terceira etapa – a dos agentes intermediários - podem ser identificadas no mercado interno três categorias: a) corretores: pessoas ou empresas que compram e revendem manga sem acrescentar nenhum tipo de beneficiamento ao produto; b)atacadistas: relacionam-se normalmente com pequenos produtores não especializados; c) centros de distribuição: agrupados nas CEASAs, que são centrais de empresas atacadistas nas capitais brasileiras. Normalmente, estas empresas estão posicionadas nas proximidades dos grandes centros. Em geral, esses agentes trabalham com frutas menos selecionadas em termos de tamanho, aparência etc, as quais se destinam principalmente a mercados menos exigentes, tais como feiras-livres, quitandas, sacolões e varejões, bem como ao mercado institucional, constituído da demanda de hospitais, forças armadas, universidades, empresas etc; alguns selecionam as frutas, separando-as segundo os diversos tipos de consumidores. No mercado externo, operam como agente intermediário as trades: empresas especializadas no comércio internacional de frutas, que importam e exportam, em geral, para vários países. Na quarta etapa, podem ser identificados canais de comercialização para o mercado doméstico e internacional. Para o doméstico, temos: 5

a) pequenos varejistas e o mercado institucional (hotéis, restaurantes, órgãos públicos etc), menos exigentes em termos de qualidade e seleção de frutas; b) as agroindústrias: empresas que processam frutas destinadas à produção de sucos, doces e geléias Estão mais focadas no custo, preferindo frutas menos selecionadas em termos de tamanho, aparência etc; c) os grandes varejistas (redes de super e hipermercados). São os seguintes os canais de comercialização para o mercado internacional: a) atacadistas: grandes empresas especializadas na compra e distribuição de frutas, em geral operando com a marca de seus fornecedores. Alguns reembalam a fruta, com marca própria e ou em menores porções; b) grandes varejistas (redes de super e hipermercados): estas empresas concentram grande parte das vendas de frutas. O crescimento das empresas processadoras de frutas, em conjunto com o aumento da preocupação com segurança, rastreabilidade e qualidade, entre outras influências, tem conduzido a mudanças na cadeia de suprimentos da manga. Muitos supermercados têm exigido de seus fornecedores de alimentos frescos serviços como processamento e empacotamento. Assim, o papel de agentes intermediários tem-se reduzido, a partir do contato direto dos supermercados com os produtores (FRESHINFO, 2001). 3 Gestão da cadeia de suprimentos A gestão da cadeia de suprimentos (supply chain management) oferece uma oportunidade para capturar sinergias no relacionamento entre empresas da cadeia de suprimentos (LAMBERT; COOPER, 2000). Neste sentido, a administração da cadeia de suprimentos busca a otimização de processos interorganizacionais e representa um modo novo de administrar relações com outras empresas da cadeia. Segundo Rapp (1999, p. 8), “as empresas de melhor desempenho serão aquelas capazes de montar associações com amplo espectro de empresas que ofereçam valor para o cliente”. O processo de coordenação deve ser desenhado visando a aumentar a eficiência e a efetividade de toda a cadeia. Administrar relacionamentos pode ser entendido como esforços administrativos ou filosóficos necessários à criação de ambiente operacional onde comprador e fornecedor interagem de forma coordenada (SHIN et al, 2000). Segundo Porter (1991), os elos de ligação, dentro da cadeia de valor entre fornecedores ou canais de distribuição, podem corresponder a uma diferenciação se a forma como uma atividade realizada afeta positivamente o desempenho da outra. A adequação entre as muitas atividades é fundamental, não apenas buscando vantagem competitiva, mas também sua sustentabilidade, porque é mais difícil para um concorrente copiar um conjunto de atividades interligadas que imitar uma atividade em particular. Os membros de uma cadeia são todas as empresas e organizações com as quais determinada empresa focal interage direta ou indiretamente, por meio de seus fornecedores ou clientes. Não sendo apropriado integrar e administrar todas as relações na cadeia de suprimentos, a empresa de concentrar seus esforços nas relações mais importantes. Utilizando o princípio de Pareto, a empresa identificará conexões vitais e o nível de integração aplicada a cada empresa da cadeia. O sucesso da gestão da cadeia de suprimentos depende da capacidade de gerir esta integração. Na literatura sobre relacionamentos, é digno de nota o que expressaram os autores Morgan e Hunt (1994): “As partes identificam o comprometimento entre parceiros de negócios como chave para obter resultados valiosos, e eles se esforçam para desenvolver e manter este precioso atributo em seus relacionamentos”. Estes autores afirmam existir comprometimento no relacionamento quando este é considerado importante e o parceiro comprometido faz questão de mantê-lo. Eles definem ‘comprometimento no relacionamento’ 6

como sendo o esforço máximo para mantê-lo, empreendido por pelo menos uma das partes. Gundlach, Achrol e Mentzer (1995) argumentam que o comprometimento possui três componentes: um, instrumental, oriundo de algum investimento; outro, atitudinal; e um terceiro, de dimensão temporal, indicando que o relacionamento persiste no tempo. Visando a melhorar a eficiência na coordenação das cadeias, Shin et al (2000) encontraram, a partir de revisão da literatura, quatro características de orientação da base de fornecedores na gestão da cadeia de suprimentos: a) relações de longo prazo entre comprador e fornecedor; b) envolvimento do fornecedor no desenvolvimento de produtos; c) seleção de fornecedores com foco na qualidade; d) redução da base de fornecedores. Entretanto, em nossa pesquisa, não abordaremos a análise do envolvimento do fornecedor no desenvolvimento dos produtos (característica b), em razão de sua minimizada importância na indústria de processamento da manga. ??A adição de valor no processamento de frutas por meio do desenvolvimento de novos produtos se dá através da participação de outros fornecedores, tais como: fornecedores de equipamentos, de embalagens, etc. As outras três características são por demais pertinentes para o nosso estudo e serão analisadas a seguir. 3.1 Relações de longo prazo entre comprador e fornecedor Relacionamentos, quando construídos a longo prazo na cadeia de suprimentos de uma empresa, podem proporcionar uma das barreiras mais fortes à entrada de novos competidores (PORTER, 1986, p. 138; CHOI; HARTLEY, 1996). Em outras palavras, quando uma empresa se torna parte de uma cadeia de suprimentos bem administrada, o efeito será duradouro na competitividade entre os participantes da cadeia. Steinman, Deshpandé e Farley (2000) também concordam ser a administração bem sucedida de relacionamentos com fornecedores a essência da orientação para o mercado. A escolha de empresas para realização de alianças, bem como a capacidade para mantê-las e desenvolvê-las, pode torná-las mais competitiva, quer adote estratégia de custo quer de diferenciação (PORTER, 1986, p. 139). As parcerias com fornecedores envolvem custos e benefícios. Entre estes últimos, inclui-se reduções da incerteza e eficiência nas trocas. É possível, contudo, os custos superarem os benefícios. A manutenção da associação requer recursos consideráveis, nos casos em que são divergentes as metas das empresas da cadeia de suprimentos (DWYER; SCHURR; OH, 1987). As empresas constroem relacionamentos de longo prazo quando compartilham riscos e recompensas de parceria e envidam esforços contínuos para manter o relacionamento. Quando tais esforços ocorrem em formas de investimentos irrecuperáveis – os que não podem ser aproveitados em outra relação - o relacionamento tende a se tornar mais forte. Vantagens operacionais oriundas de relação mais próxima - tais como compartilhamento de informações, melhor entendimento das necessidades do consumidor final e melhoria nos processos e na performance da qualidade - fortalecem a confiança entre comprador e fornecedor. Este relacionamento mais aproximado permite às empresas estabelecer metas e trabalhar em conjunto para alcançá-las, tendo por alvo atender melhor à necessidade do consumidor final (JURAN; GODFREY, 1998). Contratos de longo prazo podem deixar fornecedores mais à vontade para realizar investimentos em habilidades ou tecnologias específicas, para melhor atender às necessidades da empresa compradora. Estes investimentos específicos podem ser percebidos como demonstração de confiança na aliança entre empresas, de modo ao relacionamento entre elas tender a tornar-se mais próximo (McCUTCHEON; STUART, 2000). Os contratos de longo prazo aumentam a confiança de que a empresa parceira não irá agir de modo oportunista, trocando ganhos no curto prazo, em detrimento do bem-estar da própria empresa. Desse 7

modo, podem diminuir custos administrativos e proporcionar oportunidades de melhorias para os processos de toda a cadeia de suprimentos. A orientação para longo prazo sugere que, embora seja importante o foco na performance atual do fornecedor em atender as necessidades da empresa, a preocupação com o desempenho, capacidades potenciais e direcionamento para o futuro deve ser igualmente ou até mais valorizada. O entendimento desses fatores potenciais e a percepção correta do direcionamento do fornecedor são críticos para a seleção de parceiro, no estabelecimento de relacionamento de longo prazo. 3.2 Seleção de fornecedores com foco na qualidade Finalmente, qualidade tem se tornado critério fundamental nas práticas adotadas na seleção de fornecedores de uma cadeia de suprimentos. A tomada de decisão baseada em fatos é aspecto central da filosofia de administração da qualidade total, que enfatiza a coleta e análise de informações sobre necessidades do cliente, problemas operacionais e o sucesso nas tentativas de melhoria (DEAN; BOWEN, 1994). Fornecedores que possuem sistemas de gestão da qualidade estão mais aptos a compartilhar informações que colaborem com a garantia da qualidade e com a melhor visualização de preço justo para os insumos. A importância da seleção de fornecedores decorre do fato de recursos serem comprometidos em atividades simultâneas, como na administração de estoques, produção, fluxo de caixa e controle de qualidade dos produtos. De acordo com a visão da gestão da cadeia de suprimentos, as decisões de escolha de fornecedores devem estar baseadas em sistema formal de avaliação multicriterial cuidadosamente definido, alinhado com a estratégia da empresa (ISHIKAWA, 1985; ELLRAM, 1990). O objetivo destas decisões é selecionar fornecedores que possam adicionar valor para o longo, e não apenas para o curto prazo. Empresas compradoras buscam parceiros que possam contribuir continuamente para o relacionamento e ajudá-las a competir mais efetivamente em seus mercados. Critérios utilizados para seleção e avaliação de fornecedores podem ser classificados nas perspectivas financeira, qualitativa, operacional, relacional, tecnológica e estratégica. As características específicas de um bem ou serviço vão enfatizar critérios diferentes para determinar o fornecedor preferido. Entender os fatores envolvidos e determinar os mais importantes é fundamental para boa seleção e avaliação de fornecedores. Apesar de alguns fatores variarem, há alguns critérios normalmente levados em consideração na seleção de fornecedores, tais como qualidade do produto, prazo de entrega e histórico do fornecedor. Por exemplo, para as empresas da indústria automotiva e de eletrônicos, conformidade com especificações e cumprimento de prazos finais de entrega ainda parecem ser os critérios mais importantes (CHOI; HARTLEY, 1996). Estes itens emergiram como qualificadores de pedido; com efeito, se o fornecedor não puder demonstrar desempenho aceitável nestas duas áreas, será desclassificado como candidato durante a fase de seleção (HILL, 1994). Nesse caso, os fornecedores têm de ter certeza de satisfazer às exigências de seus clientes nestas duas áreas críticas, antes de focalizarem outras prioridades competitivas. 3.3 Consolidação e dimensionamento da base de fornecedores A redução da base de fornecedores é uma característica única da relação contemporânea entre compradores e fornecedores (SHIN et al, 2000). Algumas empresas têm reduzido o tamanho da sua base de fornecedores, ampliado o prazo de seus contratos de fornecimentos e desenvolvido relações mais próximas com aqueles. A meta destas empresas é administrar a cadeia de suprimentos de modo a aumentar a velocidade de entrega, diminuir o lead time de produção, reduzir os custos e melhorar a qualidade. 8

A literatura da gestão da cadeia de suprimentos enfatiza que as empresas costumam obter maiores benefícios e melhor qualidade na gestão na medida em que mantêm número mais reduzido de fornecedores em sua base. Este direcionamento pode ser atualmente observado em muitas empresas nos setores automotivos e de eletrônicos (SHIN et al, 2000; ISHIKAWA, 1985). A gestão da qualidade também destaca a redução da base de fornecedores como sendo estratégia importante para reduzir a variabilidade das falhas, diminuindo, assim, o custo da má qualidade (JURAN; GODFREY, 1998). Têm-se enfatizado até mesmo que as vantagens de se adotar um sistema single-sourcing superam as desvantagens, tais como dependência de um único fornecedor, baixa capacidade de atender a flutuações de volume e aumento do poder de barganha do fornecedor (SLACK et al, 1997). A redução da base de fornecedores, conforme recomendada pela gestão da cadeia de suprimentos, vai além do foco interno da gestão da qualidade. Esta redução aumenta a intensidade de coordenação entre empresas compradora e fornecedora, de modo a ambas poderem ajustar suas estruturas para equilibrar os lotes econômicos de compra e produção. Quanto mais ‘enxuta’ a base de fornecedores mais se propicia a chamada ‘economia de escala’, ou seja, direcionamento dos pedidos a número mais seleto e qualificado de empresas. A elevação do volume de compras poderá também significar barateamento de cargas transportadas. Cargas completas no transporte significam redução no custo total de aquisição. A prática de redução da base de fornecedores implica aumento da quantidade comprada para cada fornecedor, o que poderá significar economias de escala para toda a cadeia de suprimento (SHIN et al, 2000). Esta prática também pode proporcionar redução nos custos de transação ou de administração de relacionamentos com fornecedores, além de prover incentivo para administrar esforços de desenvolvimento do relacionamento com os poucos fornecedores restantes. (LOHTIA; KRAPFEL, 1994; HANDFIELD et al, 2000). De acordo com McCutcheon e Stuart (2000), num relacionamento mais próximo, os fornecedores podem expandir seus papéis e prover serviços adicionais que atendam a necessidades específicas de empresas compradoras, como na participação do fornecedor no desenvolvimento de produtos, assistência técnica e treinamentos baseados em suas competências. Esta relação mais próxima facilita e aumenta o fluxo de informações, transferências de tecnologias e compartilhamento de riscos entre as empresas. A realização de processos conjuntos para desenvolver melhorias em áreas como as de redução de custo, qualidade do produto e em sistemas de previsão de demanda aumenta a interdependência entre as empresas, em setores como engenharia, administração de materiais, pesquisa e desenvolvimento. Segundo Monczka et al (1998), interdependência e confiança são fatores-chaves para sucesso de relacionamentos de parcerias com fornecedores. Entretanto, para produtos de baixo valor agregado, não estratégicos, o custo de mudança para fornecedor novo é baixo. Para produtos com estas características, reduzir a base de fornecedores pode não ser a melhor decisão (HANDFIELD et al, 2000). Apesar das recomendações disponibilizadas pela gestão da cadeia de suprimentos, há controvérsias sobre adoção de relacionamentos de parcerias com fornecedores. Com exceção de algumas indústrias, tais como a automobilística e a de eletrônicos, este tipo de relacionamento tem sido pouco utilizado pelas empresas até o momento (McCUTCHEON; STUART, 2000). De acordo com os princípios da administração estratégica, as empresas compradoras não devem possuir nenhuma dependência de fonte, e a adoção de múltiplos fornecedores é uma técnica de redução deste risco (PORTER, 1986). Dessa forma, quando uma empresa decide adquirir insumos, depara-se com a escolha da melhor forma de coordenação da base de fornecedores, segundo suas estratégias de mercado e produção, podendo adotar modos alternativos para coordenar suas atividades, desde relações no spot market até uma total coordenação vertical. 9

4 Metodologia Em face dos objetivos e problema de pesquisa, optamos por uma estratégia que permitisse uma abordagem descritiva, bem como exploratória. Considerando as premissas da pesquisa qualitativa e a natureza do fenômeno, os estudos de caso constituem estratégia preferida quando se pretende estudar eventos contemporâneos, em situações nas quais comportamentos relevantes não podem ser manipulados e quando é possível fazer observações diretas e entrevistas sistemáticas, em busca de melhor entendimento do que está sendo investigado (MERRIAM, 1998, p. 26-32; YIN, 2001, p. 19-27). O método pareceu ser apropriado para o fenômeno em investigação. Vem sendo utilizado com destaque nas principais universidades - constituindo base e fundamento de pesquisa, ensino e extensão – e aplicado com freqüência para analisar fenômenos atuais nas empresas do agronegócio, tal como o programa de Agribusiness da Universidade de Harvard (ZYLBERSZTAJN, 1993, p. 7). As 11 etapas metodológicas utilizadas nessa pesquisa são resumidas no Quadro 1. Etapa 1ª: Descrição da cadeia em estudo

Procedimento "Desenho" da cadeia por meio de caixas respeitando o fluxo de produtos nos canais de distribuição. Da produção ao consumidor final.

2ª: Submissão da descrição da cadeia em estudo para especialistas, visando ajustes na estrutura. 3ª: Escolha do Segmento da cadeia a ser estudado

Com a primeira versão da descrição da cadeia, foi solicitado a especialistas e executivos de empresas atuantes no setor, a análise critica do "desenho" para aproximar a real estrutura da cadeia de suprimentos.

4ª: Escolha dos casos a serem estudados

Foi solicitado a especialistas a indicação de três empresas, que correspondessem aos tipos de empresa desejado, de acordo com o nível de integração vertical a montante. Foram procurados informações sobre as empresas e seus gestores em revistas especializadas, jornais, organizações especializadas, e por meio da internet.

5ª: Pesquisa por dados secundários

Foram identificadas as etapas de geração de valor no produto final, a produção e o processamento dos frutos. Foi escolhida a etapa de processamento por ser esta etapa a responsável pela apresentação final do produto. Sendo as etapas a jusante responsáveis apenas pela distribuição do mesmo.

6ª: Elaboração do protocolo de pesquisa

A partir dos objetivos específicos e do referencial teórico foi elaborado um formulário de entrevista semi-estruturado, para apoiar o pesquisador na realização das entrevistas. Foi adotado um conjunto de categorias de análise para facilitar a compreensão do fenômeno a ser estudado.

7ª: Entrevistas com executivos das empresas

As entrevistas foram realizadas pessoalmente. Tiveram em média 1,5 horas de duração e foram gravadas com uso de gravador de voz digital.

8ª: Tratamento das informações

As entrevistas foram transcritas na integra e tratadas utilizando o método de recorte, separando os trechos e codificando-os de acordo com o protocolo de pesquisa.

9ª: Análise individual dos casos

A análise individual dos casos foi feita utilizando as categorias definidas, procurando relatar a situação encontrada em cada empresa.

10ª: Validação dos casos

Após a escrita, os casos foram enviados por e-mail para os respectivos executivos, para que pudessem verificar a exatidão e veracidade do relatório. Este resultou em pequenas correções que foram logo inseridas nos casos. Foi realizada então uma comparação entre as empresas estudadas e o referencial teórico, de acordo com as categorias de análise previamente escolhida.

11ª: Análise cruzada dos casos

Quadro 1 – Descrição das etapas da metodologia. Fonte: Elaborado pelo autor. 10

5 Análise cruzada dos casos A partir das análises individuais dos casos e da literatura que fundamenta a matéria, podemos comparar as características de cada empresa, suas estratégias de internacionalização de mercado, relações verticais de produção e gestão de fornecedores na cadeia de suprimentos, as quais serão discutidas a seguir. 5.1 Caracterização das empresas Conforme se pode constatar no quadro 2 a seguir, as três empresas participam nas etapas de produção, processamento e exportação de manga e possuem suas unidades produtivas na região do Vale do São Francisco, entre os municípios de Petrolina (PE), Casa Nova e Juazeiro (BA). Juntas, empregam mais de 2.300 funcionários e faturam com a comercialização de manga mais de R$ 35 milhões por ano. Características da empresa

Caso A

Caso B

Caso C

16.800.000,00

15.400.000,00

Faturamento anual relativo à manga (em R$)

3.500.000,00

Participação da manga no faturamento da empresa

85%

45%

50%

Quantidade total de funcionários

240

1400

750

Quantidade de funcionários fixos

168

580

450

Quantidade de funcionários temporários

72

820

300

Quantidade de packing houses

1

2

1

Área própria relativa ao cultivo da manga (ha)

160 (97%)

500 (71%)

250 (23,8%)

Total das áreas de manga dos fornecedores (ha)

Não é específica (3%)

200 (29%)

800 (76,2%)

Quantidade de fornecedores

2a6

40

150

Percentual de exportação

90%

70%

90%

500 mil caixas

2.250 mil caixas

2.200 mil caixas

Inglaterra, França, Canadá, Arábia Saudita

Portugal,EUA, Inglaterra, Argentina

Europa, EUA, Ásia, Arábia Saudita

Relacionamento a jusante

rede varejista, atacadistas

rede varejista, atacadistas

Atacadistas

Percentual de exportação

90%

70%

90%

Localização da empresa

Petrolina- PE

Juazeiro – BA

Casa Nova - BA e Petrolina - PE

Volume de manga exportada Principais mercados

Quadro 2 – Caracterização das empresas Fonte: Dados da pesquisa referente ao ano de 2004 11

Além da manga, as três empresas comercializam outras frutas, sendo a uva a maior concorrente em termos de importância do produto no portfólio das empresas. No entanto, a manga é o produto que mais contribuiu no faturamento das empresas analisadas, tendo uma importância que variou entre 45% a 85% no faturamento do ano de 2004. Uma das estratégias adotadas pelas empresas é a comercialização da manga no mercado internacional. Como se pode observar no quadro 2, das três empresas estudadas, duas exportam cerca de 90%, e uma, 70% do total de manga comercializada. Observa-se também que as exportações se destinam principalmente a países da Europa e Estados Unidos, bem como Canadá e países do Oriente Médio, Ásia e Mercosul. O Caso A e o Caso B possuem relacionamentos a jusante com empresas distribuidoras e grandes redes de varejo no exterior. O Caso C, no entanto, opta por vender suas frutas apenas para distribuidores atacadistas. As empresas pesquisadas apresentam diferentes graus de integração vertical a montante. O Caso A apresenta integração quase total e, em conseqüência, baixa dependência de suprimento de fornecedores. No Caso B, o percentual de integração vertical a montante é de 71%, o que a torna dependente de suprimento de fornecedores para completar seu volume de exportação. O Caso C apresenta menor grau de integração vertical com a etapa de produção da manga, produzindo internamente apenas 23,8%, o que a torna muito dependente de suprimento de fornecedores. A Caso A elabora seu cronograma de vendas de manga baseada na previsão de colheita de sua produção, recorrendo a outros produtores tão somente para atender a pedidos não previstos. Estes costumam ocorrer com pouca freqüência e em pequenas quantidades, sendo necessário recorrer a poucos fornecedores para atender à demanda adicional. Apesar de possuir boa capacidade de produção de manga, com 500 hectares plantados em sua unidade produtiva, a Caso B possui uma base de aproximadamente 40 fornecedores para atender suas necessidades. O Caso C, no entanto, para corresponder ao rápido crescimento do seu volume de exportação nos últimos cinco anos, ampliou sua área de produção e construiu relacionamentos com uma base de aproximadamente 150 fornecedores. Enquanto o Caso A realiza as compras de manga na modalidade de negociação convencional, as empresas Caso B e Caso C utilizam uma combinação das formas de negociação consignada e convencional, a depender do relacionamento existente com cada fornecedor. Nos três casos estudados, percebemos a predominância do uso de contratos informais ou verbais, nas compras de manga. Outra característica neles observada é a regulação do suprimento da safra corrente. Na maioria das vezes, estes contratos contêm apenas cláusulas de especificação do produto, condições de seleção e classificação, preços, formas e prazos de pagamentos, não sendo previstas penalidades para o não cumprimento dos termos do contrato. 5.2 Práticas de gestão de fornecedores na cadeia de suprimentos 5.2.1 Relações de longo prazo entre comprador e fornecedor O Caso A não se empenhou em construir relacionamentos de longo prazo com seus fornecedores em razão de seu elevadíssimo nível de integração vertical a montante e de serem esporádicas suas necessidades de compras a terceiros. Apesar da empresa considerar vantajoso adquirir manga dos mesmos produtores, observou-se muita mudança de fornecedores no período pesquisado, o que não contribui para a construção de relacionamentos de longo prazo. Nos três casos estudados, o formato dos contratos de suprimento de manga, por ser de curto prazo, não pode ser percebido como demonstração de confiança na aliança entre 12

empresas e fornecedores. Não havendo penalidades para a quebra de contratos, permite-se às empresas agir oportunísticamente. Os esforços de aproximação realizados pelos Caso B e Caso C – tais como reuniões periódicas, acompanhamento técnico dos processos produtivos e outros – visando à construção de relacionamento mais próximo e duradouro com seus fornecedores, não são suficientes para assegurá-lo a longo prazo. Mais do que isso: embora considerados como forma de incentivar os fornecedores a manter o relacionamento e cumprir os contratos, esses investimentos não são específicos para a relação em particular. Com efeito, podem ser utilizados em outra relação, até mesmo melhorando as condições do produtor para vender suas frutas a outras processadoras, não constituindo barreiras de entrada para novas empresas neste segmento. Apesar da ausência de uma orientação para o futuro nos relacionamentos com os fornecedores, atualmente os Caso B e Caso C possuem uma vantagem competitiva decorrente das condições de compra e venda e do número reduzido de empresas processadoras, em relação ao número de empresas produtoras. Aquelas duas empresas possuem boa reputação junto a sua base de fornecedores, o que estimula, mas não garante, o cumprimento dos contratos por parte dos fornecedores. 5.2.2 Seleção de fornecedores com foco na qualidade Nos três casos estudados, um dos pilares da estratégia de internacionalização de mercados é a associação da marca da empresa com a capacidade de atender aos requisitos dos consumidores finais quanto à qualidade do produto. Na verdade, esta é a competência essencial dessas empresas. Por este motivo, adotam procedimentos de controle para garantir a qualidade quanto às características do produto e dos processos, a fim de assegurar a inocuidade dos alimentos. A capacidade de selecionar frutas segundo as características de cada mercado possibilita agregar maior valor ao produto. Para demonstrá-la, as empresas buscam certificados de que seus processos atendem aos padrões exigidos no mercado-alvo. Para proceder a tal seleção e garantir a qualidade final, as três empresas estabelecem critérios de qualificação de seus fornecedores. Um dos mais importantes é a rastreabilidade, ou seja, a capacidade de registrar os procedimentos e agroquímicos aplicados nos pomares, possibilitando o diagnóstico de causas provocadoras de má qualidade nos frutos e, conseqüentemente, afetando a marca da empresa junto aos seus clientes. Estas avaliações podem ocorrer no cadastramento do fornecedor, de forma sistemática, ou seja, por meio de um cronograma de avaliações ou a cada transação efetuada, a depender da consolidação e dimensionamento da base de fornecedores de cada empresa. 5.2.3 Consolidação e dimensionamento da base de fornecedores Devido ao nível de integração vertical a montante, o Caso A não consolidou sua base de fornecedores, preferindo arcar com os custos de procura e seleção, sempre que surgir a necessidade de compra. Embora o Caso B produza internamente 71% de sua necessidade, sua base de fornecedores está consolidada com 40 produtores. Isto significa uma pulverização nas compras, de modo a diluir os riscos no suprimento de mangas e melhorar o poder de barganha com os fornecedores, não tendo sido adotada a orientação de se reduzir a base de fornecedores, conforme defendido pela teoria da Gestão da Cadeia de Suprimentos. O Caso C também não reduziu sua base de fornecedores, distribuindo suas compras junto a 150 produtores. No entanto, adotou uma forma híbrida de gestão da base de fornecedores, por dividi-la em dois grupos, dispensando a cada um deles um tratamento 13

diferenciado. Pode, assim, capturar as vantagens de se estabelecer um relacionamento mais próximo com os fornecedores de um grupo – a exemplo dos ganhos do aumento de escala – e também aproveitar as vantagens de se estabelecer um relacionamento tradicional com os fornecedores do outro grupo, como menores custos de relacionamentos e oportunidades de ganhos de curto prazo, oriundas das condições e número de fornecedores. 6 Considerações finais A partir dos dados empíricos coletados, verificou-se, em um dos casos, uma forma de relacionamento com fornecedores que apropriou tanto os benefícios de um relacionamento mais próximo - orientado pela gestão da cadeia de suprimentos – quanto os da estrutura de governança de mercado. Em uma das empresas analisadas – Caso A -, a prática adotada foi a promoção de maior integração vertical, que resultou na redução da base de fornecedores. Por outro lado, para melhor atender às necessidades de seus clientes em circunstâncias de forte variação na demanda, outra empresa - Caso C - encontrou uma forma alternativa de coordenação da sua base de fornecedores. Esta forma alternativa concedeu ao Caso C maior capacidade de enfrentar as variações da demanda, tanto por possuir um grupo reduzido e selecionado de fornecedores que lhe assegura um nível de suprimento adequado ao atendimento de seu cronograma de entrega, quanto poder contar com um outro grupo mais ampliado em sua base que lhe confere a capacidade de atender melhor a variações significativas nos pedidos de seus clientes. Este posicionamento proporciona uma oportunidade para esta empresa adquirir insumos de fontes externas a preços mais baratos que seus custos de produção. Estas situações costumam ocorrer nos segundo semestre de cada ano, quando coincide a época de colheita da maioria dos produtores do Vale do São Francisco. Para desenvolver relacionamentos de longo prazo com fornecedores, a principal dificuldade enfrentada pelas empresas estudadas é a natureza e o formato dos contratos - por serem de curto prazo e pouco específicos - podendo resultar em comportamentos oportunísticos por parte dos fornecedores. Apesar disso, verificamos, nos casos estudados, que a reputação da empresa compradora – formada a partir do histórico do relacionamento – tem contribuído para tornar os fornecedores mais propensos a realizar esforços para desenvolver relacionamentos de longo prazo. Quanto à seleção de fornecedores com foco na qualidade, as empresas analisadas adotaram práticas convergentes com a orientação da gestão da cadeia de suprimentos, utilizando alguns critérios qualificadores, tais como qualidade do produto, prazo de entrega e histórico do fornecedor. Embora a gestão da cadeia de suprimentos oriente a redução da base de fornecedores como forma de aumentar a velocidade de entrega, diminuir o lead time de produção, reduzir os custos e melhorar a qualidade, de forma a melhorar o equilíbrio entre os lotes econômicos de compra e produção e tornar mais próximo o relacionamento com os fornecedores, a flexibilidade de volume é uma das características particulares da cadeia da manga, o que justificaria a não redução da base de fornecedores. A produção desta fruta - como toda a produção agrícola - está sujeita a variações climáticas e a outros agentes, tais como pragas e doenças nas plantações, desastres naturais etc. Nesse caso, uma base reduzida de fornecedores poderia dificultar ainda mais a administração dessas flutuações de demanda. Como visto na análise cruzada dos casos, o Caso C não reduziu sua base de fornecedores; no entanto, por classificá-la em dois grupos, teve condições de adotar simultaneamente dois posicionamentos diferentes, para melhor aproveitar os benefícios de 14

ambos. A partir desta estratégia, a empresa pode tanto capturar as vantagens de estabelecer um relacionamento mais próximo com um grupo de fornecedores – a exemplo do aumento da confiança na relação com as partes, de modo a facilitar as transações de compra na modalidade de consignação -, quanto as de estabelecer um relacionamento de mercado com os fornecedores de outro grupo, tais como menores custos de relacionamentos, aumento do poder de barganha e oportunidades de ganhos de curto prazo, oriundas do número de possíveis fornecedores qualificados. Concluímos, portanto, que o contexto do mercado e as características do produto e do processo produtivo influenciam fortemente as decisões sobre a gestão da base de fornecedores na cadeia de suprimentos, e que uma empresa pode adotar uma estratégia de múltiplos posicionamentos que resulte em maior eficiência e efetividade da gestão de sua base de fornecedores, o que pode corresponder à sua diferenciação em relação a seus concorrentes. Referências ALVES, Jaênes M.; PIRES, Mônica M. Impacto de barreiras não-tarifárias sobre a competitividade da cadeia produtiva de manga tipo exportação do nordeste do Brasil. Informe GEPEC, vol. 9, n.1, Jan./Jun., 2005. BRAZILIAN FRUIT. Site institucional: informações para o trade. Disponível em . Acessado em 20/10/2005. CHANDLER, Alfred. (Org.) Ensaios para uma teoria histórica da grande empresa. Rio de Janeiro: Fundação Getulio Vargas, 1998. CHOI, T.Y.; HARTLEY, J.L. An exploration of supplier selection practices across the supply chain. Journal of Operations Management. v.14, p. 333-343, 1996. DEAN, J.; BOWEN, D. Management theory and total quality: improving research and practice through theory development. Academy of Management Review, v.19, p. 392-418, 1994. DWYER, R.F.; SCHURR, P. H.; OH, S. Developing buyer-seller relationships. Journal of Marketing, New York, v. 51, p. 11-27, Apr, 1987 ELLRAM, Lisa M. The supplier selection decision in strategic partnerships. International Journal of purchasing and materials management. p. 8-14, fall, 1990. FRESHINFO. Site institucional. Disponível em , acessado em 10/06/2001. GUNDLACH, G. T.; ACHROL, R. S.; MENTZER, J.T. The structure of commitment in exchange. Journal of Marketing, New York, v. 59, p. 78-92, Jan, 1995 HANDFIELD, R. B.; KRAUSE, D. B.; SCANNELL, T. V.; MONCZKA, R. M. Avoid the pitfalls in supplier development. Sloan management Review. Winter, p. 37-49. 2000. HILL, T. Manufacturing strategy: Text and cases. 2 ed., Burr Ridge: Irwin, 1994. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Banco de dados agregados: agricultura. Disponível em . Acessado em 04/10/2005. ISHIKAWA, Kaoru. What is total quality control? The japanese way. New Jersey: PrenticeHall, 1985. JURAN, Joseph; GODFREY, A. Juran’s quality handbook. 5.ed. New York: Mcgraw-Hill, 1998. KUPFER, David; HASENCLEVER, Lia. Economia Industrial: Fundamentos teóricos e práticas no Brasil. Rio de Janeiro: Campus, 2002. LAMBERT, D. L.; COPPER, M. C. Issues in supply chain management. Industrial Marketing Management. v.29, p. 65-83. 2000. 15

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