Gestão dos resíduos sólidos e fornecimento de energia na favela Santa Marta: a integração de diferentes abordagens

June 1, 2017 | Autor: Ana Deveza | Categoria: Energy for Sustainable Development
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Gestão dos resíduos sólidos e fornecimento de energia na favela Santa Marta: a integração de diferentes abordagens Victoria Santosa, Beatriz Watanabeb, Ana Carolina Devezac, Ana Laura Moreira de Souza d a

Mestranda no Programa de Planejamento Energético, Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (COPPE), UFRJ, [email protected] b Doutoranda no Programa de Engenharia de Produção, Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (COPPE), UFRJ, [email protected] c Graduanda em Engenharia Ambiental, Escola Politécnica, UFRJ, anadeveza@poli,ufrj.br d Graduanda em Engenharia Civil, Escola Politécnica, UFRJ, [email protected]

Forma de Apresentação: Oral

Resumo Este trabalho tem como objetivo propor soluções sustentáveis para as questões de gerenciamento de resíduos sólidos e custo de fornecimento de energia para os habitantes da favela Santa Marta no Rio de Janeiro. A problemática que motivou este estudo advém das mudanças ocorridas na localidade após a implantação pelo governo estadual da primeira Unidade de Polícia Pacificadora no ano de 2008. As entrevistas com moradores, orientações com especialistas da academia e representantes das empresas que atuam na comunidade, somam-se à revisão bibliográfica das tendências de sustentabilidade que tornou possível a elaboração do sistema integrado de soluções apresentado neste artigo. As análises econômicas mostraram que a alternativa solar térmica é a que apresenta mais vantagem para moradores e concessionária. Enfim, mesmo após a pacificação, é possível que os habitantes desta favela mantenham-se em suas residências arcando com os novos custos de serviços que entraram em seus orçamentos.

Introdução

A cidade do Rio de Janeiro é a segunda mais populosa do Brasil (IBGE, 2011). Atualmente, cerca de 22% ou 1,4 milhão (IBGE, 2010a) de seus moradores vivem em aglomerados subnormais, categoria na qual se inserem as favelas. Existem n a cidade do Rio de Janeiro 763 aglomerados, o que corresponde a 12% do total no Brasil (IBGE, 2010a). Estas áreas sofrem devido à falta de urbanização, questão evidenciada pela precária disponibilidade de serviços públicos essenciais, tais

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como coleta do lixo e acesso à energia elétrica. Além disso, muitas delas encontram-se sob o domínio paralelo de traficantes de drogas ou milicianos. Em 2008, iniciou-se, na cidade do Rio de Janeiro, uma nova política de segurança pública. Trata-se da “pacificação” de favelas baseada na implantação das chamadas Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). Essa ação, além de diminuir o tráfico armado, permitiu a formalização de diversos serviços – como água, energia, televisão a cabo, coleta de lixo – nas localidades contempladas. No entanto, a este processo seguiu-se a elevação do custo de vida nas comunidades. Anteriormente às UPPs, serviços como fornecimento de energia elétrica e coleta regular de lixo eram, em muitos casos, providenciados informalmente pelos próprios moradores. A questão do aumento do custo de vida é comum em muitas favelas cobertas por essa ação governamental, mas o foco deste artigo se concentra na favela Santa Marta, localizada no bairro de Botafogo. Esta foi a primeira a receber uma UPP, em 2008, e já possui serviços, principalmente públicos, sendo fornecidos por um período maior, consolidando este momento de transição. Analisamos através de entrevistas com moradores da Santa Marta que uma das suas principais questões, no que se refere ao custo de vida, é a alta conta de energia. Também foi diagnosticado, através desse estudo, o fornecimento inadequado do serviço da coleta do lixo, pois resíduos podem ser encontrados por todas as partes do morro. Estes pontos refletem vieses que começam a se tornar mais nítidos com o passar do tempo na pós-ocupação da Santa Marta. Em virtude de uma análise complexa, este artigo é focado em questões acerca da energia e do lixo sendo estruturado com a apresentação de nossa metodologia, análise do contexto e dados, resultados e discussão, seguidos pela conclusão. Nosso objetivo é reduzir o custo de vida ao promover soluções integradas baseadas em conceitos sustentáveis.

Metodologia

As principais ferramentas utilizadas para realizar esse estudo foram: entrevistas com os habitantes locais acerca do fornecimento de energia; conversas com especialistas da academia (nas áreas de sustentabilidade, resíduos, energia e tecnologia) e representantes da concessionária de energia Light e da empresa de limpeza pública, COMLURB; coleta de dados socioeconômicos e ambientais (IBGE, FGV); busca por tendências atuais, benefícios, desafios e custos das tecnologias alternativas; análise técnica e econômica das soluções existentes. O esquema metodológico pode ser visualizado abaixo: A.

Pesquisa socioeconômica e ambiental i.

Informações sociais e econômicas,

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ii.

dados sobre questões de energia,

iii.

dados sobre questões de lixo, e

iv.

questões principais

B.

Oportunidades

C.

Análise econômica

D.

Implementação

As entrevistas com os habitantes locais, que se configuraram como pesquisa qualitativa, foram feitas de maneira semiestruturada5 com gravação do áudio para posterior análise e elaboração de matriz classificatória de dados. Essa parte da pesquisa foi realizada durante o mês de abril de 2012 com o consentimento e anonimização de nossos entrevistados. É importante ressaltar que na pesquisa qualitativa, segundo Gibbs (2009), há interesse no “acesso a experiências, interações e documentos em seu contexto natural, e de uma forma que dê espaço às suas particularidades” (p. 9). Esse tipo de análise conciliada a todas as outras fontes neste trabalho, além de dados quantitativos apresentam um quadro mais complexo das questões e atores envolvidos. Os princípios que nortearam o projeto foram: redução do custo de vida, aumento da eficiência energética das residências, utilização de fontes renováveis de energia, obtenção de viabilidade econômica tanto para os habitantes locais como para a concessionária, investimento no potencial local - alta declividade do terreno, clima quente durante a maior parte dos dias, alta produção de lixo orgânico - e incorporação da diversidade cultural ao levar em consideração o ponto de vista dos atores locais.

Análise do contexto e dados

As entrevistas feitas não são generalizáveis, porém nos aprofundaram na percepção do tema relativo à energia, sendo o seu alto custo pertinente a todos os participantes. Foi afirmado que deviam fazer o pagamento das contas, como é possível perceber na declaração de E4: “Claro que é justo, a gente também tem que colaborar também com o que a gente usa. Como a gente vai viver assim ‘ah não queria pagar nada’, é justo todo mundo pagar”. Contudo, a conta de luz, de acordo com E3 subiu de R$16 para R$110 em apenas 1 ano e oito meses, confirmando muitos relatos desse aumento. Perguntado sobre a possibilidade de implementação de energias alternativas, o entrevistado E5 respondeu: “é, na verdade, acho que são alternativas que realmente vem pra somar, porque somente essa alternativa de energia que é através da hidrelétrica... E para as pessoas que 5

Havia um roteiro de perguntas a ser feito para todos os entrevistados, mas caso houvesse alguma temática que fosse interessante no momento, esta também poderia ser abordada. No final havia espaço para o entrevistado deixar um comentário livre acerca do tema.

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moram aqui na favela tem que ter esse tipo de alternativa, porque realmente tá ficando caro o custo de vida aqui no Santa Marta.”. Este caso é tão importante na comunidade que passou a ser umas das lutas da Associação de Moradores da Santa Marta. A Light declara que a média cobrada pela energia na região é de 76 reais por mês. De acordo com indicadores de desenvolvimento sustentável do IBGE (2010b), 74,4% dos brasileiros recebiam entre ½ a 2 salários mínimos em 2008 per capita. Para comparar, obtemos dados do FIRJAN, IETS (2010) que mostram que a renda per capita na Santa Marta era de R$481,50. Podemos inferir que o custo da energia pode representar mais que 15% de sua renda per capita média, sendo válido pontuar que muitas famílias não possuem desconto pela tarifa social (seja por não se adequarem às regras ou por falta de informações). Quanto ao lixo, a Santa Marta produz 8 toneladas de resíduos diariamente de acordo com a COMLURB (2012), que provê o serviço desde a pacificação. Anteriormente, a limpeza era feita por garis comunitários organizados pela Associação de Moradores local. Hoje, ainda não existe um programa de coleta seletiva do lixo, sendo o programa de reciclagem de materiais existente na comunidade promovido pela concessionária de energia, no projeto Light Recicla. Através desse programa, as pessoas, ao levar resíduos para reciclagem, conseguem desconto em sua conta de luz. Mas ao compararmos os valores pagos por este projeto e a média encontrada no CEMPRE (2012) podemos observar perda de ganho para os moradores de, por exemplo, 20,8% no papel branco e de 35% no caso do alumínio (Tabela 1). Tabela 1: Comparação de valores pagos entre Light Recicla e CEMPRE (Abril, 2012). Materiais

Preço - Light (R$/kg)

Preço - CEMPRE (R$/kg)

% CEMPRE/ Light

Papelão

R$ 0,18

R$ 0,25

38,9%

R$ 0,58

20,8%

Papel branco

R$ 0,48

Papel misturado

R$ 0,10

Papel de jornal ou revista

R$ 0,10

Plástico filme

R$ 0,25

R$ 0,60

140,0%

Plástico rígido

R$ 0,25

R$ 0,50

100,0%

PET

R$ 1,00

R$ 1,40

40,0%

Lata de Alumínio

R$ 1,70

R$ 2,30

35,3%

Ferro

R$ 0,25

Embalagens Tetra Pak

R$ 0,10

R$ 0,21

110,0%

Vidro

R$ 0,06

R$ 0,15

150,0%

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A COMLURB aponta dois problemas principais: os moradores não colocam o lixo nos containers e não respeitam os horários de coleta. De fato observamos muito lixo espalhado pelas vielas da favela e também a dificuldade na mobilidade interna para o transporte desses resíduos. Já ao observar a série histórica da análise gravimétrica (Tabela 2) da COMLURB para a cidade do Rio de Janeiro podemos notar a grande presença de material orgânico. Isso indica que o lixo produzido na Santa Marta também pode ter alta composição desse tipo de matéria.

Tabela 2: série histórica da análise gravimétrica (COMLURB).

Fonte: (Comlurb, 2012).

Verificou-se uma ampla quantidade de dados que podem ser vistos de forma conjunta possibilitando a elaboração de soluções integradas. Assim, as potencialidades e necessidades locais norteiam nossas propostas. Entre as potencialidades destacamos o aproveitamento da energia solar,– de acordo com o Ministério de Minas e Energia (2012) “o Brasil possui uma série de características naturais favoráveis, tais como, altos níveis de insolação”-, a utilização de resíduos orgânicos e dos recicláveis, bem como de espaços públicos que estão ociosos (cobertos por lixo). Além disso, a ANEEL (2012) aprovou recentemente “o Sistema de Compensação de Energia, que permite ao consumidor instalar pequenos geradores em sua unidade consumidora e trocar energia com a distribuidora local. A regra é válida para geradores que utilizem fontes incentivadas de energia (hídrica, solar, biomassa, eólica e cogeração qualificada).”, que pode ser um grande incentivo para a implementação de novas fontes de energia, que possibilitem baixar as tarifas dos moradores.

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Resultados e Discussões

A análise realizada avaliou o comportamento de consumo de energia elétrica e eliminação de resíduos a partir de 2012 (ano de referência) até 2030 na favela Santa Marta. As soluções propostas são consideradas para ser implementadas a partir de 2013. São eles: aquecimento solar de água, solar fotovoltáica (PV) – conectada e não conectada à rede -, telhados verdes e coleta seletiva de resíduos em conjunto com um biodigestor que irá fornecer energia elétrica para a comunidade. Ressaltamos que o valor principal deste estudo é fornecer um ponto de vista sustentável para favelas, priorizando a situação local e as pessoas, mostrando que é possível para elas poder viver lá com menores custos e aumento da renda, mesmo após a pacificação. De uma perspectiva econômica, a proposta de uso da tecnologia solar térmica tem os menores custos de implementação, mas os sistemas solares fotovoltaicos fornecem 3 vezes mais energia. A térmica promove uma diminuição significativa da conta de energia - pois reduz o uso dos chuveiros elétricos que podem representar até 25% da conta, segundo o Instituto Akatu (2012) – e redução do volume de lixo produzido no local - no caso de se utilizar material reciclável em sua elaboração. Já os painéis de energia solar fotovoltaica permitiriam um grande abatimento dos custos com energia elétrica, porém dependem de alto investimento inicial. O biodigestor também é uma solução interessante por possuir muitos cobenefícios e o fato de alimentar o sistema de telhados verdes e diminuir consideravelmente o volume de lixo produzido pela comunidade. Os telhados verdes fariam uso dos resíduos do biodigestor. Eles diminuiriam a demanda por energia causada pelo uso de ar condicionado ao amenizar a temperatura interna das residências.. Seus cobenefícios trariam uma grande melhora na qualidade de vida da favela e do seu entorno. A Tabela 3 apresenta uma comparação dos resultados numéricos. A tarifa de energia elétrica atual é de US$ 251.63/MWh, EUA.

Tabela 3. Tecnologias avaliadas

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Soluções Solar FV Conectado à Rede Solar FV nãoConectado à Rede Solar Térmica

Energia elétrica evitada da concessionária (MWh) 23,037

23,037

Custo por MWh (US$/MWh) 157.60

352.42

6,700

-96.43

Telhado Verde

5,709

304.10

Biodigestor

776

342.52

Fonte: Elaboração própria

Além da redução de custos com energia elétrica da empresa de abastecimento, as soluções propostas também apresentam relevante cobenefícios. A Tabela 4 apresenta os principais.

Tabela 4. Soluções Solar fotovoltáica conextada à rede Solar fotovoltáica desconectada da rede

Cobenefícios Não há emissão de CO2, aumento da geração de renda pela venda da energia sobressalente, redução dos custos de expansão de linhas de transmissão Não há emissão de CO2, , redução dos custos de expansão de linhas de transmissão

Mudança do perfil da curva de demanda, redução dos custos de expansão de linhas de transmissão Aumento da geração de renda pelo aumento da produção particular de vegetais, redução dos ricos de enchentes e deslizamentos, Telhado Verde estimulação das relações homem-natureza, educação ambiental, melhoria do microclima Aumento da geração de renda e das margens de lucro através da Cooperativa para venda de recicláveis, redução dos custos logísticos, redução do seleção de resíduos e tempo de vida de aterros sanitários, educação ambiental, melhoria biodigestor das condições de saúde pública Solar térmica

Fonte: Elaboração própria

Sugerimos a criação de uma cooperativa local, pois assim seria possível gerar mais renda para os habitantes do que através dos programas presentes atualmente na favela. Ela seria o foco de conscientização ambiental, o que tornaria possível o uso do biodigestor e a coleta seletiva. As soluções propostas visam também a pró-atividade dos atores locais. Em relação às opções de financiamento, há no Brasil programas de eficiência energética e de responsabilidade social que apoiam iniciativas relacionadas a questões energéticas e comunidades pobres.

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Finalmente, é importante destacar que, a partir de uma perspectiva global, os temas abordados neste projeto têm relevância e aplicabilidade em todo o mundo. Além disso, as soluções propostas podem ser alcançar populações de variados níveis sociais.

Conclusão Este projeto demonstra que tecnologias “verdes” podem ser utilizadas como meio de desenvolvimento socioeconômico e ambiental de uma localidade; através da diminuição da demanda por energia e geração da mesma, criação de postos de trabalho, atração de investimentos para o local e melhora na qualidade de vida. Assim, a adoção do projeto proposto permite a sustentabilidade dos habitantes da favela Santa Marta na mesma. O sistema integrado proposto permite um desenvolvimento autônomo desta população, já que ele fornece serviços e gera renda para a própria favela Santa Marta. Estas medidas poderiam beneficiar a concessionária de energia elétrica, a empresa de gerenciamento de lixo, o governo, logo os investimentos poderiam ser feitos pelos mesmos. Como desdobramentos futuros, podem ser pesquisados dados mais específicos e precisos do local para cada solução. Além disso, poderia-se pensar em um estudo acerca de questões como o gerenciamento de entulho de obras e esgoto para geração de energia, buscando integrar soluções em outras problemáticas locais.

Agradecimentos Agradecemos a todos que ajudaram a tornar este trabalho possível, entre eles: COPPE e Escola Politécnica-UFRJ, Siemens AG, UNEP, professores e colegas da COPPE e Escola Politécnica que nos forneceram informações e orientações, concessionária Light, COMLURB, moradores da Santa Marta, Associação de Moradores da Santa Marta, EPEA Brazil e Aborgama.

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Referências ANEEL, 2012. ANEEL aprova regras para facilitar a geração de energia nas unidades consumidoras. Acesso em 10 Julho de 2012, disponível em: http://www.aneel.gov.br/aplicacoes/noticias/Output_Noticias.cfm?Identidade=5457&id_area=90

CEMPRE. Acesso em 4 de Maio de 2012, disponível em http://www.cempre.org.br/servicos_mercado.php FIRJAN, IETS, 2010. Pesquisa nas Favelas com Unidades de Polícia Pacificadora da Cidade do Rio de Janeiro. Resultado consolidado. Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil. Fundação Getúlio Vargas, 2009. Avaliação do Impacto do Policiamento Comunitário na Cidade de Deus e no Dona Marta. Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil. GIBBS, G., 2009. Análise de dados qualitativos, Artmed Editora, São Paulo. IBGE, 2011. Sinopse do Censo Demográfico. Rio de Janeiro. _____, 2010a. Censo Demográfico 2010: Aglomerados Subnormais, primeiros resultados, Rio de Janeiro. _____, 2010b. Síntese de Indicadores Sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira. Rio de Janeiro. Instituto Akatu, 2012. Instituto Akatu: pelo consumo consciente. Acesso em 20 de Maio de 2012, disponível em http://blog.akatu.org.br/mudancageral/energia/ Ministério de Minas e Energia, 2012. Inserção da Energia Solar na Matriz Elétrica Brasileira. Brazil.

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