Gestão e Avaliação de Políticas Sociais no Brasil

July 3, 2017 | Autor: Carlos Santanna | Categoria: Political Science, Gestão Pública, Políticas Públicas, Public Policy
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Gestão e avaliação de

Políticas Sociais no Brasil

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Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais Dom Walmor Oliveira de Azevedo Grão-Chanceler Eustáquio Afonso Araújo Reitor Dom Joaquim Giovani Mol Guimarães Vice-reitor João Francisco de Abreu Pró-reitor de Pesquisa e de Pós-graduação

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Gestão e avaliação de

Políticas Sociais no Brasil

Murilo Fahel Jorge Alexandre Barbosa Neves Organizadores

Editora PUC Minas Belo Horizonte 2007

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© 2007, Murilo Fahel e Jorge Alexandre Barbosa Neves Este livro ou parte dele não pode ser reproduzido por qualquer meio sem autorização escrita do Editor. _____________________________________________________________________________________________ Gestão e avaliação de políticas sociais no Brasil / Murilo Fahel, Jorge Alexandre G393 Barbosa Neves, organizadores. Belo Horizonte: PUC Minas, 2007. 428p.

ISBN 978-85-60778-17-1 Bibliografia. 1. Política social – Brasil. 2. Assistência social – Brasil – Avaliação. I. Fahel, Murilo. II. Neves, Jorge Alexandre Barbosa. CDU: 36.01(81) _____________________________________________________________________________________________ Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Coordenação acadêmica Carolina Proietti Imura Coordenação editorial Cláudia Teles de Menezes Teixeira Assistente editorial Maria Cristina Araújo Rabelo Revisão Bárbara Sampaio Costa Flecha Maria Lina Soares Souza Divulgação Danielle de Freitas Mourão Comercial Maria Aparecida dos Santos Mitraud Projeto gráfico Cássio Ribeiro | [email protected]

Editora PUC Minas Rua Pe. Pedro Evangelista, 377 Coração Eucarístico 30535-490 Belo Horizonte/MG Brasil Tel. 55 (31) 3375-8189 Fax 55 (31) 3376-6498 www.pucminas.br/editora [email protected]

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Às minhas filhas Júlia, Laura e Sofia Fahel, que sempre me motivaram a olhar adiante...

Murilo Fahel

À Dorinha, minha mãe, a meu pai, Jorge (em memória), e às minhas filhas (Sophia e Olívia), passado e futuro de minha vida.

Jorge Alexandre Barbosa Neves

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Agradecimentos Da concepção à conclusão deste livro, contamos com a importante cooperação técnica de colegas e com o apoio logístico de instituições que atuam na área de políticas sociais. Agradecemos aos autores e autoras que prontamente aceitaram o convite para a produção dos artigos que compõem esta coletânea e que, com desprendimento acadêmico, concordaram com a cessão dos direitos autorais para sua publicação. Em especial, agradecemos ao Superintendente Regional em Minas Gerais da Caixa Econômica Federal, Robledo Pinto Coimbra, pelo apoio institucional e entusiasmo pessoal com a proposta, e a Carolina Proietti Imura, pela sua dedicação e contribuição técnica para a viabilização da coletânea. Enfatizamos que o apoio institucional da Escola de Governo da Fundação João Pinheiro, da Universidade Federal de Minas Gerais (em particular do Departamento de Sociologia e Antropologia da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas), da Caixa Econômica Federal e da Editora PUC-Minas geraram as condições necessárias para a elaboração deste livro. Por isso, somos muito gratos.

Os organizadores

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Sumário Abertura

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Caixa Econômica Federal Políticas sociais e crescimento econômico

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Afonso Henriques Borges Ferreira Ciência, universidade e conhecimento aplicado

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João Pinto Furtado Introdução

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Os organizadores

Parte I Gestão de POLÍTICAS SOCIAIS Como pode ter dado certo? Insulamento burocrático, inserção social e políticas públicas no brasil: o caso do Programa bolsa família

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Jorge Alexandre Barbosa Neves Diogo Henrique Helal Controle e transparência na gestão do programa bolsa família

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Cristina Almeida Cunha Filgueiras Território como categoria de análise e como unidade de intervenção nas políticas públicas

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Carla Bronzo

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A participação cidadã nas políticas sociais e na gestão de programas e projetos: potenciais e desafios

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Flávia de Paula Duque Brasil Participação e governança local: a experiência dos conselhos municipais de educação na gestão da política educacional

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Carlos Augusto Sant’Anna Guimarães A mecânica do laço do enforcado: municipalismo, federalismo fiscal e políticas públicas

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Arthur Leandro Alves da Silva A avaliação nas políticas de assistência social: desafios para sua consolidação e para sua relevância

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Bruno Lazzarotti Diniz Costa

Parte II Avaliação de POLÍTICAS SOCIAIS Desigualdades em saúde no brasil: análise do acesso aos serviços de saúde por estratos ocupacionais

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Murilo Fahel Transferindo recursos para os estudantes no brasil: mais escola e menos trabalho infanto-juvenil?

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Magna Inácio Murilo Fahel Juliana Estrella Políticas de transferência direta de renda, capital social e alcance educacional no brasil

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Jorge Alexandre Barbosa Neves Danielle Cireno Fernandes Flavia Pereira Xavier Maria Carolina Tomás

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Impactos do capital social sobre a eficiência de políticas públicas de qualificação: um estudo do caso do Planfor em Minas Gerais

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Davidson Afonso de Ramos Educação, sexo e raça no mercado de trabalho da década de 1990: uma avaliação da política de expansão educacional

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Flávio Cireno Fernandes Jorge Alexandre Barbosa Neves A gestão das políticas públicas: a descentralização e o programa estadual de qualificação profissional em Pernambuco

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Henrique Guimarães Coutinho Moradia popular e política pública na região metropolitana de Belo Horizonte: revisitando a questão do déficit habitacional

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Ricardo Carneiro José Moreira de Souza

Sobre os autores

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Abertura

Promover a melhoria da qualidade de vida da sociedade, intermediando recursos e negócios financeiros de qualquer natureza, atuando, prioritariamente, no fomento ao desenvolvimento urbano e nos segmentos de habitação, saneamento e infra-estrutura, e na administração de fundos, programas e serviços de caráter social, tendo como valores fundamentais:  o direcionamento de ações para o atendimento das expectativas da sociedade e dos clientes;  a busca permanente de excelência na qualidade dos serviços;  o equilíbrio financeiro em todos os negócios;  a conduta ética pautada exclusivamente nos valores da sociedade;  o respeito e valorização do ser humano. Esta é a missão da Caixa Econômica Federal. Como empresa pública, controlada integralmente pela União, a CAIXA tem atuado como instrumento fundamental na execução das políticas de governo, perseguindo a sustentabilidade de suas operações, para que a evolução de seus negócios e os recursos produzidos revertam em benefício da sociedade. Estes objetivos têm permanecido ao longo da história da CAIXA, fundada em 12 de janeiro de 1861 para conceder empréstimos e incentivar a poupança popular. Nessa época, escravos ávidos por comprarem suas cartas de alforria

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Caixa Econômica Federal

abriram contas de poupança e nelas depositaram seus esparsos recursos, o que contribuiu para firmar a vocação da CAIXA para atuar como banco social. No decorrer dos 147 anos de sua existência, a CAIXA se transformou na maior agência de desenvolvimento social da América Latina, tornando-se órgão chave na execução das políticas sociais. A CAIXA é hoje um banco com características únicas, que utiliza sua estrutura comercial como sustentáculo de sua atuação social, na operacionalização de programas como o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS; o Programa de Integração Social – PIS; o Programa do Seguro Desemprego - SD; os programas de repasses de recursos do Orçamento Geral da União a Estados e municípios, entre outros, atendendo a milhões de cidadãos brasileiros. Além dos programas sociais, as maiores bases de informações sociais do País são hoje administradas pela CAIXA, tais como a do Número de Identificação Social – NIS, do FGTS e do Cadastro Único. Assim, por sua experiência, expertise e competência técnica e de gestão, pela ampla capilaridade de sua rede de agências, aliada a unidades lotéricas e correspondentes bancários, a CAIXA tem representação garantida em todos os municípios brasileiros, sedimentando sua posição de instrumento fundamental da luta contra a exclusão social, o que a habilitou a ser, também, o principal braço de operacionalização dos programas de transferência de renda. Nesse contexto, tornam-se objetivos relevantes na atual estratégia de atuação da CAIXA a operacionalização dos programas sociais do governo federal, com efetividade, eficiência e eficácia, que se soma ao esforço concentrado para promover a inclusão bancária e conceder microcrédito a milhões de brasileiros que ainda não têm acesso a esses serviços. A experiência prática da CAIXA tem mostrado que uma mesma forma de atuação não se aplica a todos os municípios brasileiros, havendo necessidade de estudar suas tipologias, para o desenvolvimento de processos mais adequados às diversas realidades, considerando suas diferenças tanto geográficas quanto políticas e culturais. A construção de parcerias, com a finalidade de aprimorar a condução das políticas públicas destinadas à redução das desigualdades na distribuição da renda e nos níveis de pobreza, tem se mostrado uma via de sucesso na articulação de políticas e programas governamentais com a participação da sociedade civil, do setor privado e instituições públicas, potencializando a

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Abertura



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promoção do desenvolvimento econômico, social e ambiental sustentado nos territórios e assegurando a transparência na utilização de recursos públicos, o fomento à participação popular na gestão dos processos e o controle social sobre as políticas públicas. Assim, a CAIXA tem conquistado credibilidade na execução de programas sociais e políticas governamentais, atuando de forma consultiva junto aos governos estaduais e municipais na implementação dos programas de repasse. Para cumprir o seu papel no fomento econômico, social e ambiental, a CAIXA avança na implementação de consistente estrutura de governança corporativa, com vistas a uma gestão com responsabilidade social e geração de valor para a sociedade. A notória participação da CAIXA na vida pública brasileira, materializada por sua atuação em programas de transferência de renda, desenvolvimento urbano, habitação, poupança, penhor, mercado de microcrédito, entre outras iniciativas, revela o grande potencial da empresa para fomentar ações que viabilizem o desenvolvimento econômico, social e ambiental do País. A presença da CAIXA vem crescendo na gestão de programas de intervenções sociais e ela tornou-se o principal agente das políticas de desenvolvimento social do Estado brasileiro, o que a qualifica como uma instituição em posição privilegiada para exercer o papel de fomentadora do debate sobre as políticas sociais em nosso país. Por tudo isso, a CAIXA tem satisfação em contribuir para a publicação do livro Gestão e Avaliação de Políticas Sociais no Brasil, cujos artigos oferecem uma visão abrangente de temas atuais e relevantes. Que todos aqueles que se interessam pelo assunto possam encontrar neste livro um instrumento de avanço do conhecimento sobre monitoramento e avaliação de políticas sociais no Brasil. Uma boa leitura! Caixa Econômica Federal

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Políticas sociais e crescimento econômico

A erradicação da pobreza, o atendimento universal das necessidades humanas básicas e o pleno desenvolvimento e emprego das capacidades dos indivíduos não são um subproduto obrigatório do crescimento econômico. É o conjunto de políticas governamentais genericamente designadas como políticas sociais que possibilita ao crescimento econômico servir como meio para a consecução dos fins mencionados acima, ao tornar mais eqüitativa a distribuição dos seus resultados entre os cidadãos. A relação entre políticas sociais e crescimento envolve, na verdade, um mecanismo de auto-reforço. As políticas sociais, ao elevar os níveis de saúde, educação e bem-estar da população, aumentam o impacto do trabalho sobre o produto, a produtividade do trabalho; a distribuição mais igualitária da renda, produzida pelas políticas sociais, por sua vez, também afeta positivamente o crescimento. A renda adicional gerada pela expansão da economia pode, então ser, em parte, canalizada para o financiamento de adições ao gasto social. Uma vez admitida a centralidade das políticas sociais para o crescimento econômico e para a efetividade deste como promotor do bem-estar, questões de grande complexidade se apresentam. Que políticas privilegiar? Que desenho específico tais políticas devem ter? Como elas devem ser financiadas? Como e por quem as decisões sobre prioridades, desenho de políticas e seu financiamento serão tomadas? Que arranjos institucionais e organizacionais

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Afonso Henriques Borges Ferreira

devem ser adotados para a implementação destas políticas? Como seus resultados devem ser medidos e avaliados? A resposta mais ou menos adequada a tais perguntas determina se o gasto social e o crescimento econômico atuarão de forma complementar, reforçando-se mutuamente na promoção do bem-estar social, ou se a expansão de um se fará à custa da contração do outro. Estes temas têm ocupado espaço importante na agenda de pesquisa da Fundação João Pinheiro e de sua Escola de Governo, diretoria à qual estão vinculados os técnicos da Fundação que contribuíram para esta coletânea. Para a Fundação e a Escola, a presente publicação cumpre dois importantes objetivos: disseminar os resultados da pesquisa conduzida em seu âmbito sobre a gestão e avaliação de políticas sociais e estreitar os vínculos de cooperação da instituição e do seu corpo técnico com outros estudiosos da área e as instituições a que estes se encontram afiliados. Destinada a um público amplo, que inclui tanto pesquisadores e docentes como praticantes e estudantes, esta coletânea de artigos certamente contribuirá para fazer avançar tanto a reflexão como a prática relativas à gestão e avaliação de políticas sociais em nosso país. Afonso Henriques Borges Ferreira Diretor da Escola de Governo “Professor Paulo Neves de Carvalho” da Fundação João Pinheiro

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Ciência, universidade e conhecimento aplicado

Até alguns anos atrás, era comum ler ou ouvir dizer que a universidade brasileira se assemelhava a uma torre de marfim, de onde alguns poucos sábios se propunham a interpretar o mundo a partir de critérios que nem sempre interessavam a este mesmo mundo no qual se inseria. Felizmente, nos últimos anos este quadro vem revertendo progressivamente, como bem demonstram trabalhos como o que ora se apresenta. Solidamente ancorado na pesquisa empírica e simultaneamente inspirado pela mais rigorosa orientação teórica, o texto que vem a público neste momento é cabal demonstração de que a academia hoje respira os mesmos ares que a sociedade da qual emana e à qual serve. É com grande prazer, portanto, que a Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais (FAFICH/UFMG) apresenta esta coletânea, resultado do esforço conjunto de pesquisadores e docentes da FAFICH/UFMG, da Escola de Governo da Fundação João Pinheiro e de outros pesquisadores que a eles se associaram. A partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, os gastos sociais no Brasil têm crescido de forma bastante significativa. Da mesma forma, têm aumentado os esforços para analisar tanto os processos quanto os resultados alcançados pelas políticas financiadas por esses investimentos. Todavia, entre os cientistas sociais brasileiros, a dedicação ao tema das políticas sociais no

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João Pinto Furtado

País tem sido muito menor do que seria desejável, em particular no que diz respeito à avaliação dos impactos das políticas públicas. Alguns trabalhos publicados nesta coletânea representam o resultado de um esforço de desenvolvimento analítico de dados empíricos – em particular, a partir de uma abordagem quantitativa – de vários de nossos sociólogos e cientistas políticos, o que tem tornado a FAFICH uma referência internacional em análise quantitativa de dados sociopolíticos e em avaliação de políticas públicas. Iniciativas como a do Curso Intensivo em Métodos Quantitativos Aplicados às Ciências Humanas, que ocorre anualmente na FAFICH/UFMG desde o final da década de 1990, têm um grande significado, ao formar centenas de cientistas sociais de várias partes do Brasil (alguns dos quais também têm trabalhos publicados nesta coletânea), todos inspirados pelo mesmo esforço de aliar uma sólida formação teórica à solução de problemas concretos e palpáveis. O tema da coletânea demonstra, ainda, como as ciências sociais hoje praticadas na FAFICH/UFMG buscam uma forte interligação com a realidade sociopolítica do Brasil, o que leva à formação de profissionais altamente qualificados para atuar em várias áreas das políticas públicas. Esta coletânea irá contribuir, portanto, para que essa formação diferenciada possa despertar o interesse de outros cientistas sociais do País. Da mesma forma, ela também representa um valioso subsídio para os gestores públicos no Brasil, em particular para aqueles que trabalham com a implementação de políticas sociais. João Pinto Furtado Diretor Geral fafich/UFMG

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Introdução

A expansão recente das políticas sociais no Brasil, acompanhada de uma efervescência de modalidades de programas sociais, requer dos especialistas da área o desenvolvimento de uma maior acuidade analítica para a compreensão dos seus objetivos e alcances. Essa nova configuração coloca desafios no campo da gestão na busca por maior eficácia e eficiência, bem como forja a prática da avaliação para fins de mensuração do seu impacto numa perspectiva de retroalimentação dessas políticas, com possíveis reflexos no seu desenho. Ante essa situação repleta de novos desafios, reconhecemos a necessidade de sistematizar uma contribuição acadêmica com análises teóricas e empíricas orientadas por uma visão mais sociológica. A partir desse recorte teóricometodológico, foi possível sistematizar uma modelagem diferenciada dos estudos prevalentes na área, regularmente, com uma inflexão baseada nos pressupostos das ciências sociais aplicadas: economia, administração e demografia. Nessa perspectiva, pretendemos ampliar o arcabouço analítico da área, acrescentando elementos da análise sociológica, na tentativa de transcender as visões analíticas tradicionais e proporcionar maior poder explicativo aos modelos teóricos e metodológicos comumente utilizados no campo da Gestão e da Avaliação de Políticas Sociais. O campo plural das políticas sociais abre espaço para a transcendência analítica, conformando um campo multidisciplinar e interdisciplinar com efeitos positivos no seu escopo, consolidando uma tendência de valoração da análise

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Os organizadores

da Gestão e da Avaliação. Essa tendência contribui para o aprimoramento da intervenção social implementada através dos programas sociais e, mais ainda, colabora para que os diversos agentes públicos e atores sociais reconheçam a importância das contribuições específicas das múltiplas análises realizadas nessa arena. Nesse sentido, interessa-nos disseminar as contribuições próprias do campo da Sociologia às políticas sociais, como mais um elemento analítico interessado no seu desenvolvimento, materializado aqui na organização desta coletânea. Este livro surge de uma cooperação institucional entre a Escola de Governo da Fundação João Pinheiro e o Departamento de Sociologia e Antropologia da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais, com apoio da Caixa Econômica Federal. Para esse fim, foram convidados especialistas dessas instituições organizadoras e pesquisadores que participaram do Vilmar Faria Program (Convênio Universidade do TexasAustin/Capes) com foco na área de avaliação de Políticas Públicas, além de convidados especiais de outras instituições. O livro está organizado em duas partes. A primeira aborda a questão da gestão de políticas sociais no Brasil, analisando os processos organizacionais e contextos institucionais recentes, com foco nas mudanças nas condições e processos de gestão. A segunda parte enfoca a avaliação dessas políticas, com ênfase no impacto e na promoção da eqüidade social. Assim, enquanto a Parte I prioriza as questões de caráter organizacional e institucional, analisando os papéis desempenhados por atores políticos e o desenvolvimento de mecanismos institucionais de execução e controle na esfera pública, a Parte II desenvolve análises quantitativas de dados para a mensuração dos impactos obtidos pelas políticas sociais, bem como outros indicadores de avaliação. A forte base sociológica dos artigos fomenta uma importante linha de contribuição conceitual para a análise das políticas sociais e traz inovações nas estratégias metodológicas de sua avaliação, com uma abordagem pouco desenvolvida na literatura nacional. Abrindo a primeira parte, Jorge Alexandre Barbosa Neves e Diogo Henrique Helal analisam o desenho institucional do Programa Bolsa Família, que conjuga uma agência federal (a Caixa Econômica Federal) e organizações de âmbito local (as prefeituras), diferentemente dos programas de países como o

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Introdução



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Chile e o México. Atribuem o êxito do Programa à combinação dos mecanismos de insulamento burocrático e inserção social, próprios dessas instituições, e respondem com uma argumentação da teoria sociológica e organizacional à questão: Como o PBF pode ter dado certo? O controle e a transparência na gestão do Programa Bolsa Família é a temática abordada por Cristina Filgueiras, propondo uma reflexão sobre a construção de mecanismos de accountability horizontal como componentes da gestão de programas sociais. A autora analisa o tema do controle realizado, tanto pelo Poder Executivo quanto aquele praticado por outros órgãos do Estado, e aponta os tipos de falhas e irregularidades mais freqüentes, bem como a atuação do gestor federal para prevenir e corrigir tais situações. O artigo de autoria de Carla Bronzo parte do referencial empírico do Programa BH-Cidadania para analisar a centralidade da categoria território como espaço de reprodução e de dinâmicas de reversão da pobreza. A partir do reconhecimento da heterogeneidade da pobreza nesse espaço, propõe que o desenho das políticas de inclusão social deve observar três questões básicas: i) a centralidade no território como elemento estratégico; ii) a noção de infraestrutura social, combinando percepções de território e da comunidade; iii) a atenção a formas flexíveis de provisão de serviços. A participação cidadã nas políticas sociais é o objeto de análise de Flávia Brasil, com foco no crescente reconhecimento da importância dessa premissa na formulação e gestão de programas sociais. Discutem-se as diferentes concepções, razões, potencialidades e possibilidades da participação social, destacando-se os principais atores em cena no ambiente das políticas sociais no Brasil. O artigo recorre ainda a alguns exemplos de recursos utilizados para efetivação da participação em contexto de programas de cunho territorializado. A partir de uma abordagem sobre a participação e governança local, Carlos Santana analisa a experiência dos Conselhos Municipais de Educação da Região Metropolitana do Recife (RMR), informado pela institucionalidade da Constituição de 1988, que regulamenta a descentralização político-administrativa e a participação social na gestão de políticas públicas. O autor, por meio de dados quantitativos, questiona os desafios e os obstáculos da participação dos cidadãos nos conselhos municipais da RMR e os limites do controle social sobre as ações do Estado.

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Os organizadores

Com o debate sobre municipalismo, federalismo fiscal e políticas públicas, Arthur da Silva discute as nuances do processo de custeio dos governos dos pequenos municípios do País. Aponta que a simbiose entre o movimento municipalista e os processos de descentralização da administração pública brasileira, iniciada nos anos 1980 e consagrada na Constituição de 1988, contribuiu para a restrição da capacidade de direcionamento do gasto público por parte da União e a pulverização da ação pública dos governos locais, mesmo para aquelas políticas nas quais se conseguiria maior eficiência mediante o provimento nacional ou regional. Concluindo a Parte I e colocando em tela a discussão da temática de Avaliação - foco da segunda parte - o artigo de Bruno Lazzarotti revela que, no vigoroso processo de institucionalização da política pública de assistência social no Brasil, persiste o desafio de implementação de uma cultura de monitoramento e avaliação (M e A). Apesar das dificuldades para sua viabilização, o autor ressalta que os sistemas de M e A devem contribuir para a busca de inovação, institucionalização e controle público no campo da assistência social. A Parte II inicia-se com o artigo de Murilo Fahel, que analisa o grau de acesso da População Economicamente Ocupada - PEO aos serviços de saúde. Com o uso do suplemento de saúde da PNAD-1998 e a partir de uma análise estatística multivariada, o autor evidencia que o acesso da PEO aos serviços de saúde é marcadamente estratificado, sendo favorável aos indivíduos de status socioeconômico alto, o que indica a necessidade de ações seletivas (focalização) no escopo da universalização proposta pelo Sistema Único de Saúde – SUS para correção desse paradoxo. O artigo intitulado Transferindo Recursos para os Estudantes no Brasil: mais escola e menos trabalho infantil?, de autoria de Magna Inácio, Murilo Fahel e Juliana Estrella, avalia os efeitos dos programas sociais voltados à educação sobre a matrícula escolar e a jornada de trabalho (remunerado ou não) de crianças e adolescentes. Utilizando-se dos microdados da PNAD-2003 e de um desenho de avaliação quasi-experimental, os autores mostram que há maior inserção escolar e menor jornada de trabalho entre os beneficiários dos Programas, mas o impacto destes não é suficiente para promover a saída do mercado de trabalho desses estudantes ou evitar sua inserção nele.

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Introdução



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Jorge Alexandre Barbosa Neves, Danielle Cireno Fernandes, Flavia Pereira Xavier e Maria Carolina Tomás buscam demonstrar que as avaliações feitas, até o momento, sobre o Programa Bolsa Família podem estar desconsiderando um efeito indireto da geração de maior estoque de capital social das famílias beneficiadas sobre o alcance educacional dos filhos. Ao testarem a hipótese de que tanto capital social familiar quanto comunitário apresentam efeito positivo sobre o alcance educacional, os autores utilizaram a PNAD-1988 (único banco de dados que permite a realização de um dos testes de hipótese propostos), a PNAD-2004, modelos estatísticos de Regressão Linear de Mínimos Quadrados Ordinários e o modelo econométrico de Heckman para estimações em dois estágios. As análises demonstram que o PBF apresenta um efeito indireto sobre o alcance educacional, com formação de estoque de capital social e com retornos sobre a educação dos beneficiários, caracterizando-se como um investimento social de longo prazo. O estudo de caso do Plano Nacional de Qualificação do Trabalhador – PLANFOR em Minas Gerais, desenvolvido por Davidson Afonso de Ramos, avalia os impactos do capital social sobre a eficiência de políticas públicas de qualificação. O autor investiga a correlação entre os impactos do PLANFOR e elementos do capital social, com uso da pesquisa experimental longitudinal realizada pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Universidade Federal de Minas Gerais (CEDEPLAR/UFMG), entre 1996 e 2000, e de modelos estatísticos de Regressão Logística Multinomial. Os resultados indicam que os programas públicos de qualificação profissional devem considerar os elementos ligados ao capital social que têm um efeito positivo e altamente significativo sobre a presença dos indivíduos no mercado formal de trabalho, fortalecendo o efeito das políticas sociais. Os autores Flávio Cireno e Jorge Alexandre Barbosa Neves discutem as mudanças estruturais do mercado de trabalho na década de 1990 e seus efeitos nas características dos indivíduos que compõem a demanda por postos de trabalho. Com a escolha dos anos de 1988 e 1998 como representativos dessas mudanças, aplicaram dois modelos de equações mincerianas aos dados das PNADs dos referidos anos, para mensuração dos efeitos do capital humano e outras variáveis. Os resultados apontam que, no quesito educação, o mercado de trabalho tornou-se mais seletivo, principalmente naqueles setores que

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Os organizadores

exigiam escolaridade mais baixa, devido ao aumento da escolaridade média e também ao fechamento de postos de trabalho de baixa qualificação. Além disso, observa-se, a partir de uma decomposição dinâmica dos coeficientes das funções mincerianas, que a queda do efeito da educação sobre o rendimento do trabalho não se deveu ao aumento da média da escolaridade. Henrique Guimarães aborda o fenômeno da descentralização das políticas públicas no Brasil pós-Constituição de 1988 e, nesse contexto, verifica o grau de institucionalização do Programa Estadual de Qualificação Profissional em Pernambuco, para análise de sua consistência institucional. Para isso, utiliza a base de dados do Núcleo de Opinião e Políticas Públicas da Universidade Federal de Pernambuco (NEPPU-UFPE) de 2001 e aplica um modelo de Regressão Linear de Mínimos Quadrados Ordinários para o teste da hipótese de que o “alinhamento político” dos municípios com o governo estadual gera preferência pela homologação da Comissão de Emprego e distribuição de recursos do PEQ. Identifica uma melhora na institucionalidade do programa e conclui que a distribuição dos recursos está obedecendo a um critério nãopolítico no estado. Concluindo a segunda parte, Ricardo Carneiro e José Moreira analisam as diferentes configurações da moradia na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), com foco nas mudanças ocorridas entre 1982 e 2002. Os autores tomam como base as informações das diferentes edições da Pesquisa Origem e Destino (1972, 1982, 1992 e 2002), da Fundação João Pinheiro, para execução do cálculo do déficit habitacional por município e por macrounidades espaciais e analisam como este é influenciado pelo processo de metropolização. O conceito de déficit adotado nesse estudo remete tanto à especificação das funções habitacionais exercidas pela moradia, quanto à prescrição de padrões de referência para avaliar a qualidade do preenchimento destas mesmas funções. Na conclusão, os autores apresentam propostas para embasar diretrizes de políticas de habitação de interesse dos municípios e do estado, bem como do órgão de planejamento da RMBH. Este livro busca atingir três públicos principais. Primeiramente, profissionais que trabalham com políticas, programas e projetos sociais, tanto no setor público quanto no setor privado e no terceiro setor. Em segundo lugar, os pesquisadores e docentes do ensino superior interessados no tema das políticas

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Introdução



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públicas. Finalmente, estudantes universitários de diferentes áreas, tais como: ciências sociais, administração pública, relações internacionais, economia, serviço social e direito. A linguagem apresentada está adequada a todos os três públicos-alvo, pois é técnica o suficiente para atender às expectativas dos pesquisadores e docentes e, ao mesmo tempo, é suficientemente didática para atender àqueles que estão buscando inteirar-se do assunto. A nossa expectativa é contribuir para um debate acadêmico e técnico profícuo na área de Gestão e Avaliação de Políticas Sociais no País. Assim, esperamos que os leitores aproveitem ao máximo o conteúdo desta produção acadêmica. Os organizadores

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Parte I Gestão de POLÍTICAS SOCIAIS

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Como pode ter dado certo? insulamento burocrático, inserção social e políticas públicas no Brasil: o caso do Programa Bolsa Família Jorge Alexandre Barbosa Neves Diogo Henrique Helal

Como pode ter dado certo? Tal pergunta, constantemente feita de forma quase idêntica por diferentes economistas brasileiros, diz respeito ao excelente nível de focalização do Programa Bolsa Família, observado a partir das análises de curva de concentração realizadas por economistas e cientistas sociais do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA) e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). A estranheza do questionamento decorre não de um espírito pessimista, alentado por alguns, mas do histórico de corrupção em nosso país. Ao analisarem o Programa Bolsa Família dentro desse

Pelo menos de duas ocorrências temos lembrança exata. Uma das vezes essa indagação surgiu de um renomado professor de economia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, quando de sua participação em debate sobre políticas sociais no Brasil em um canal de televisão por assinatura. A outra ocorrência se deu quando da aula inaugural do Curso de Especialização em Elaboração, Gestão e Avaliação de Projetos Sociais em Áreas Urbanas da Universidade Federal de Minas Gerais, proferida por um conhecido economista do IPEA.  Ver, em particular, os trabalhos de F. Soares et al. (2006) e de S. Soares et al. (2007). Este último, em particular, mostra ainda que, com uma estrutura mais simples e bem mais barata do que o México e o Chile, o Brasil alcançou resultados equivalentes, se não melhores. 

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contexto histórico clientelista, muitos costumam perguntar como é possível que o resultado tenha sido tão bom, se o cadastramento dos beneficiários é feito pelas prefeituras, tidas como antros de corrupção. Este artigo busca, através da teoria sociológica e organizacional e de alguns poucos dados empíricos, produzir uma resposta sociologicamente plausível para a pergunta dos economistas. Tal resposta está longe de ser definitiva, representando muito mais uma proposição para futuras análises do que uma constatação com forte embasamento empírico. Inicialmente, acredita-se que, para produzir uma resposta sociologicamente consistente para o questionamento que abre este trabalho, faz-se necessário discutir a questão institucional, ou seja, o papel que a teoria sociológica atribui às instituições na explicação de questões relacionadas a problemas de ação coletiva, em particular o controle do que os economistas costumam chamar de rent seeking.

Instituições, ação coletiva e rent

seeking

Os cientistas sociais – entre eles muitos economistas – identificam as instituições como um possível instrumento de solução para o problema da ação coletiva. Arrow (1974), por exemplo, vê nas instituições o papel de regulação das relações econômicas nas situações em que se observam falhas do mercado. Segundo sua visão, na presença de tais falhas, os pressupostos dos mercados eficientes se fazem totalmente implausíveis, o que requer a intervenção institucional. Em outras palavras, quando os mercados se mostram ineficientes, a ação institucional evita o caos econômico. Obviamente, não só a teoria sociológica, mas também a política e a econômica. É importante ressaltar que recentemente o institucionalismo ganhou uma extraordinária força entre os economistas, a partir do momento em que ganhadores do Prêmio Nobel (tais como Douglass North e Joseph Stiglitz) passaram a reconhecer a importância das instituições. Como bem salienta Portes (2006, p. 234), esse movimento levou um importante economista do desenvolvimento a afirmar: “somos todos institucionalistas agora” (ROLAND, 2004, p. 110, tradução nossa).  Rent seeking diz respeito à busca de benefícios econômicos por vias externas ao mercado. O que os economistas estão buscando classificar são movimentos de indivíduos ou grupos na busca de privilégios alcançados de forma imerecida. Para usar um exemplo relacionado ao Programa Bolsa Família, se um vereador cadastra sua família para ser beneficiária do programa (família esta que, obviamente, não é elegível para ser beneficiária), ele está praticando rent seeking. 

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De um ponto de vista menos econômico e mais social, Elster (1994) identifica papel semelhante para as instituições. Todavia, para ele, se as instituições representam uma solução, elas são, ao mesmo tempo, parte do problema. Seu argumento pode ser resumido no seguinte trecho: As instituições evitam que a sociedade se desmantele, desde que haja algo para evitar que as instituições se desmantelem. Por um lado, as instituições nos protegem contra as conseqüências destrutivas da paixão e do auto-interesse, mas por outro lado, as próprias instituições correm o risco de ser minadas pelo auto-interesse, a “ferrugem das sociedades”, como o chamou Tocqueville. Uma instituição apresenta como se fora duas faces. Parece agir, escolher e decidir como se fora um grande indivíduo, mas também é criada e formada por indivíduos. (ELSTER, 1994, p. 174)

Para o autor, as instituições, embora possam representar uma solução para o problema da ação coletiva, estão também sujeitas a ele. O problema, nesse caso, pode ser resumido com o breve questionamento apresentado por ele: ... Quem vai guardar os guardiães? Um sistema de vigilância mútua é vulnerável ao conluio. Um indivíduo que detecta uma prática corrupta poderia lucrar mais chantageando as partes corruptas do que as denunciando. Em geral, qualquer mecanismo que seja designado a detectar e agir contra a formação de ferrugem na máquina institucional é por si mesmo sujeito à ferrugem. (ELSTER, 1994, p. 185)

Assim, se as instituições representam uma solução “problemática”, qual seria a saída para o problema da ação coletiva, ou da “ferrugem social”, como Elster o denomina? A própria abordagem institucional é vista como solução por alguns cientistas sociais, que enfatizam o papel do desenho institucional (com uso de diferentes mecanismos, tais como o insulamento burocrático) na prevenção do problema. Elster (1994), contudo, é absolutamente cético com relação a essa solução. Para ele, a variação na “qualidade” das instituições seria explicada muito mais por fatores situados fora do âmbito institucional. Falando sobre o problema da corrupção governamental dos países, ele afirma:

Ver, em especial, Evans (1992; 2004). Em obra mais recente, escrita em co-autoria (ELSTER; OFFE; PREUSS, 1998), encontramos uma posição diferente: os autores defendem ali a relevância do desenho institucional.

 

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Embora seja difícil provar, acredito que a variação em corrupção entre países é explicada em grande parte pelo grau de espírito público de seus funcionários, não pela inteligência do desenho institucional. A moralidade e as normas sociais parecem contar mais que o auto-interesse esclarecido. Os desejos importam mais que as oportunidades. (ELSTER, 1994, p. 185-186)

Tal afirmação remete à questão central deste artigo: se os indivíduos são racionais e instrumentais, em que condições agem em prol do interesse coletivo? A partir da próxima seção, diferentes respostas teóricas são apresentadas para tal questão.

Uma primeira resposta possível: racionalidade, moralidade e formação de preferências A racionalidade e a moralidade foram temas centrais das obras de dois dos fundadores da Sociologia. De um lado, Durkheim desenvolveu a idéia de densidade moral, sendo esta a variável determinante da capacidade de uma sociedade se manter coesa: em uma sociedade com alta densidade moral, as normas sociais são altamente eficazes como instrumentos de controle. De outro, Weber desenvolveu a mais completa teoria sociológica sobre a ação social, na qual definiu, entre outras, as ações racionais. Na obra weberiana, são encontrados dois tipos de ação racional: no primeiro, a ação é motivada por uma racionalidade que se assemelha ao conceito neoclássico, qual seja, o de uma racionalidade instrumental, que guia a ação no sentido da busca da realização de fins objetivos relacionados à satisfação do interesse individual; no segundo, a ação é motivada por valores coletivamente compartilhados. Na ação racional voltada para valores, o indivíduo age buscando atender à satisfação de um valor coletivamente estabelecido. Embora a Teoria da Ação Racional, praticada pelos sociólogos e cientistas políticos contemporâneos, tenha lá suas diferenças em relação ao “imperialismo 

O termo “coletivamente” aqui não requer o compartilhamento de um referido valor com a sociedade ou um grupo macrossocial. Basta que dois indivíduos compartilhem um determinado valor para que ele possa ser identificado como “coletivo”.

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econômico” dos teóricos neoclássicos, ela se distancia sobremaneira da teoria weberiana, ao restringir o conceito de racionalidade a uma concepção apenas instrumental. Ou seja, embora reconheçam o comportamento moralmente motivado, esses cientistas sociais, de modo geral, não se ocupam dele em suas análises. Recentemente, alguns cientistas sociais adeptos da Teoria da Ação Racional têm tentado incorporar às suas análises – utilizando instrumental da Teoria dos Jogos – o comportamento motivado por fatores morais, para a explicação de fenômenos relacionados ao comportamento político. Esses autores denominam “agente ético” o ator social que decide motivado por fatores morais. Quem seria esse agente? Simplesmente, um indivíduo cuja função de utilidade prevê um alto valor para o comportamento ético, moralmente motivado. Ou seja, “agentes éticos são aqueles que recebem retornos positivos por agir eticamente” (FEDDERSEN; SANDRONI, 2006, p. 1272, tradução nossa). Nessa teoria, o comportamento ético ou moral é, portanto, nada mais nada menos do que uma questão de gosto ou preferência, ou, para utilizar a expressão proposta por Elster (1994), de desejo. Segundo Becker (1976), um dos pressupostos fundamentais da teoria econômica (neoclássica) é o de que os gostos e preferências10 são determinados de forma exógena e são estáveis ao longo do tempo.11 De fato, a teoria econômica neoclássica assume a exogeneidade e a estabilidade dos gostos e das preferências. De modo geral, isso significa para os economistas neoclássicos que gostos e preferências apresentam uma distribuição estocástica em relação às variáveis causais dos processos econômicos. Uma posição mais extrema, contudo, é defendida por Stigler e Becker (1977). Para esses autores, a estabilidade das preferências não significa apenas que os indivíduos mantêm suas preferências imutáveis ao longo da vida, mas também que elas não mudam de pessoa para pessoa. Nesse sentido, a variação de padrões dos diferentes hábitos individuais – principalmente de consumo – seria explicada puramente por Ver Goldthorpe, 2000. Ver, em particular, Feddersen e Sandroni, 2006. 10 Para Hirshman (1998), a diferença fundamental entre gosto e preferência é que o primeiro é mais efêmero, enquanto a segunda representa um padrão mais profundo de comportamento. 11 O que ele chama de “abordagem econômica do comportamento humano” teria três pressupostos: comportamento maximizador, equilíbrio de mercado e preferências estáveis (BECKER, 1976, p. 5).  

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variações de preço e de renda. Dessa forma, de gustibus non est disputandum, ou seja, gosto não se discute, porque não haveria o que se discutir, dado que todos os indivíduos teriam essencialmente os mesmos gostos e as mesmas preferências. Embora hegemônica na economia neoclássica, a concepção de que as preferências são determinadas de forma exógena não é consenso nas ciências sociais. Na Sociologia, há quase um consenso inverso, o de que gostos e preferências são determinados de forma endógena: eles dependem diretamente de variáveis causais de caráter socioeconômico. Mesmo entre os economistas, há os “dissidentes”, que compartilham da abordagem sociológica da formação endógena dos gostos e das preferências.12 Tanto para os sociólogos quanto para alguns dos economistas “dissidentes”, a escolaridade (além do estrato social) seria uma forte determinante dos gostos e das preferências. Todavia, outras variáveis podem desempenhar o mesmo papel, em situações específicas. Dessa forma, a preferência pelo interesse público, pelo comportamento moralmente motivado pode não ser aleatoriamente distribuída; pode, sim, ter um padrão determinado por variáveis socioeconômicas. Entre as inúmeras variáveis possíveis de tal padrão de preferências, destaca-se o associativismo ou pertencimento a grupo ou organização. Na Sociologia, há, pelo menos, duas posições teóricas, até certo ponto conflitantes, que devem ser consideradas em uma discussão a respeito da possível relação entre associativismo e interesse público. De um lado, Granovetter (1973) defende a idéia de que laços sociais de esferas diferentes não estão necessariamente associados e, algumas vezes, podem estar negativamente associados. Para ele, em comunidades nas quais se observa uma grande intensidade do que ele chama de “laços fortes” (fundamentalmente, relações sociais primárias), pode-se observar um quase total desinteresse pelos problemas mais amplos da coletividade. Portanto, se os “laços fortes” são muito intensos, os “laços fracos” podem não se desenvolver.13 Ver, entre outros, Bowls e Gintis (2000). Para ele, um exemplo de caso desse tipo seria o de alguns bairros italianos em grandes cidades dos E.U.A., nos quais se observaria uma grande intensidade nos “laços fortes” (relações de parentesco e amizade) convivendo com um subdesenvolvimento dos “laços fracos”, evidenciado pela incapacidade de organização coletiva para evitar a deterioração tanto física quanto de vida comunitária neles observada.

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De outro lado, Coleman (1988), em sua análise dos efeitos do capital social sobre a formação do capital humano, defende a idéia de que, em comunidades formadas por famílias nas quais predomina um alto estoque de capital social intrafamiliar, observar-se-á também uma capacidade maior de ação coletiva. Para ele, os mesmos pais que apresentam um padrão de comportamento voltado para o interesse na formação educacional dos seus filhos são indivíduos que irão se preocupar com a qualidade do ensino na escola pública da comunidade. Assim sendo, Coleman (1988) prevê uma relação associativa entre o que se pode chamar de uma “sociabilidade de curta distância” (relações com parentes, amigos ou vizinhos) – ou “laços fortes”, para utilizar o termo de Granovetter – e associativismo (participação em ações coletivas de maior envergadura). Fora da Sociologia, há outras abordagens que vislumbram a possibilidade de formação de preferências relacionadas ao compromisso com o interesse coletivo. Anderson (2001), por exemplo, tomando como base o trabalho de Sen (1977), ressalta que preferências capazes de levar os indivíduos a um comprometimento coletivo podem ser formadas a partir da convivência em uma coletividade que possibilite a constituição de identidades. Musgrave (1959), por outro lado, argumenta que as preferências são formadas endogenamente e que há preferências “corretas” (relacionadas à produção de bens públicos) e preferências “erradas” (relacionadas à satisfação de interesses individuais mesquinhos): o grau de sucesso econômico de uma sociedade dependeria da hegemonia de preferências “corretas”. Assim sendo, um dos principais papéis do Estado seria criar incentivos à formação de preferências “corretas”. Finalmente, uma última abordagem da formação de preferências merece ser referida. A chamada Economia Experimental tem produzido uma série de evidências contrárias aos pressupostos neoclássicos de formação exógena das preferências e de comportamento maximizador. Smith (2005), outro ganhador do Prêmio Nobel de Economia, ao comentar esses resultados – produzidos por ele e por outros pesquisadores – faz uso do conceito de “racionalidade ecológica”. Tal autor ressalta que, muitas vezes, indivíduos e organizações não se comportam da forma como a teoria neoclássica prevê. Por exemplo, muitas vezes indivíduos ou empresas não agem buscando a maximização de lucro ou de qualquer outro tipo de benefício marginal, como esperam os economistas neoclássicos. Ele apresenta uma interessante provocação através do seguinte questionamento: “Se você pudesse escolher seus ancestrais, iria preferir que

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eles fossem sobreviventes ou maximizadores de riqueza?” (SMITH, 2005, p. 149, tradução nossa). Para ele, indivíduos e organizações que priorizam a sobrevivência escolhem, muitas vezes, estratégias de cooperação, ou seja, tendem a ter preferências por estratégias cooperativas. Esse tipo de comportamento seria guiado não pelo que ele chama de “racionalidade construtivista” – conceito que pressupõe a consciência e o planejamento humano e que predomina nas Ciências Sociais como um todo, incluindo a Economia –, mas por uma racionalidade formada a partir do ambiente e do próprio processo de evolução biológica, a “racionalidade ecológica”. O comportamento cooperativo seria, portanto, absolutamente racional, resultado do processo evolutivo da humanidade, cabendo à ciência identificar e entender quando e por que ele se manifesta. Nesta seção, tentou-se mostrar argumentos que podem levar, em última instância, a uma explicação do sucesso do Programa Bolsa Família, em termos do seu elevado grau de focalização. Com base no que foi até aqui apresentado, seria possível afirmar que o sucesso do programa se deveria a um contexto favorável de formação de preferências. Embora essa possível resposta à pergunta que provocou a elaboração deste capítulo deva ser analisada no futuro, acredita-se que uma outra resposta tem maiores chances de se mostrar relevante.14 Tal resposta, enraizada na teoria organizacional e focada exatamente na questão do desenho institucional, é apresentada a seguir.

Uma segunda resposta possível: insulamento burocrático e inserção social A sociologia weberiana, como ressalta Evans (2004), desenvolveu o conceito de burocracia e, associado a ele, a noção de que o Estado burocrático moderno tem – e precisa ter – algum grau de distanciamento da sociedade. Isso passou a ser denominado insulamento burocrático. Essa abordagem provocou reflexões

Em particular, seria complicado tentar argumentar que essa é uma boa explicação para o caso em análise (o Programa Bolsa Família), pois se a formação de preferências cooperativas está presente nesse caso, ela deveria estar presente em outros casos de política pública no Brasil, o que não parece ocorrer. Por outro lado, se a explicação está no desenho institucional, como tendemos a acreditar, é possível que haja algo específico nesse programa que o torne um caso diferenciado.

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até mesmo entre os pensadores marxistas, que passaram a conjeturar sobre o que eles chamaram de “autonomia relativa do Estado capitalista”.15 Para os weberianos, o ápice da modernidade ocidental se dá quando o capitalismo encontra a burocracia. Ela seria o modelo fundamental de organização do capitalismo ocidental, resultante do processo de racionalização, que se tornaria hegemônica tanto nas empresas capitalistas quanto no Estado. Embora Weber tenha concebido a burocracia como um modelo analítico ideal típico, há algo de normativo (certo pano de fundo normativo) em sua análise da burocracia, em particular na discussão do Estado burocrático. Para os weberianos, “a superioridade do Estado burocrático moderno está em sua habilidade de superar a lógica individualista” (EVANS, 2004, p. 59). Ainda sobre esse ponto, Weber (1978) afirma que o Estado era útil àqueles que operavam no mercado porque as ações de seus encarregados obedeciam a uma lógica completamente diferente da lógica da troca utilitarista. A capacidade do Estado de apoiar os mercados e a acumulação capitalista dependia de a burocracia ser uma entidade corporativamente coerente, na qual os indivíduos encaram a implementação de metas corporativas como o melhor meio de maximizar seu próprio interesse individual. A burocracia estatal seria, portanto, um antídoto para o problema da ação coletiva. Isso revela como é ingênua a imagem freqüentemente presente no senso comum de que a burocratização representa uma barreira ao desenvolvimento socioeconômico. Na maior parte dos países periféricos, observa-se que, de fato, “é a insuficiência de burocracia que prejudica o desenvolvimento, e não sua prevalência” (EVANS, 2004, p. 71). O insulamento burocrático teria, nesse sentido, a função de preservar o Estado da pressão excessiva dos grupos de interesse – ou seja, do rent seeking – tornando-o menos poroso. Como fazer isso? De acordo com a concepção weberiana, os burocratas devem ficar isolados das demandas societárias, além de possuir um status distintivo e recompensador perante a sociedade. O Estado precisa ser dotado de uma burocracia forte e coerente, que lhe garanta a autonomia necessária no seu relacionamento com o mercado e a sociedade. O insulamento burocrático se daria, particularmente, através da profissionalização do Estado, com a adoção de procedimentos tais como a universalização do concurso público. Ver, em particular, Poulantzas (1986).

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Ocorre que, como bem demonstra Evans (2004), vários estudos têm revelado16 que dificilmente o Estado consegue realizar programas que levem ao desenvolvimento socioeconômico sem algum tipo de parceria ou outra espécie de ligação com grupos sociais. Resta, então, uma situação que parece paradoxal: o Estado moderno precisa ser insulado, porém esse mesmo insulamento pode impedi-lo de atingir o interesse público. Como afirma Evans (2004, p. 72), “o problema é separar os benefícios do insulamento dos custos do isolamento”. Que custos o insulamento burocrático pode produzir? O primeiro foi referido acima e diz respeito à incapacidade de realizar programas que de fato atinjam o interesse público: um Estado insulado pode estar excessivamente isolado da sociedade, o que pode levá-la a não colaborar com a implementação das políticas públicas. Outro problema diz respeito ao risco do corporativismo: o insulamento burocrático pode propiciar aos funcionários públicos condições de utilizar o Estado para satisfazer seus próprios interesses, e não o interesse público. O próprio Weber identificou perigos no excesso de autonomia e profissionalização da burocracia estatal. Em particular, ele identificou que, se a política não fosse forte o suficiente para servir de contraponto à burocracia, as democracias modernas se inviabilizariam. Num Estado moderno necessária e inevitavelmente a burocracia realmente governa, pois o poder não é exercido por discursos parlamentares nem por proclamações monárquicas, mas através da rotina da administração. Isto é exato tanto com referência ao funcionalismo militar quanto ao civil. (WEBER, 1974, p. 22)

Weber temia o crescente poder da burocracia. Para ele, e para seus seguidores, “à medida que aumenta a burocratização, tende a aumentar o poder dos burocratas” (WRIGHT, 1981, p. 164). O antídoto para esse mal está na valorização da política e na identificação de talentos políticos, o que, por sua vez, depende do fortalecimento do parlamento:

Ver, em particular: Amsdem (1985, 1989, 1992); Gerschenkron (1962); Hirschman (1958, 1967, 1973); Wade (1982, 1985, 1990). Para uma análise que inclui o caso brasileiro, ver Adler (1988), além do próprio Evans (2004).

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... só um parlamento ativo e não um parlamento onde apenas se pronunciam arengas pode proporcionar o terreno para o crescimento e ascensão seletivas de líderes genuínos e não meros talentos demagógicos. Um parlamento ativo, entretanto, é um parlamento que supervisiona a administração participando continuamente do trabalho desta. (WEBER, 1974, p. 44)

Portanto, para Weber, a burocracia pública precisa estar sob o controle da política. Ele constatava com pesar que, no período imediatamente posterior à Primeira Guerra Mundial, isso não se observava na Alemanha, onde um membro do parlamento percebia um burocrata do Estado como um “amador vê um virtuoso”. Isso porque, Desde a renúncia do príncipe Bismarck, a Alemanha tem sido governada por ‘burocratas’, resultado de sua eliminação de todo talento político. A Alemanha continuou a manter uma burocracia militar e civil superior a todas as outras no mundo em termos de integridade, educação, escrupulosidade e inteligência. Os militares, e também de maneira geral a atuação interna durante a guerra, provaram o que estes meios podem atingir. Mas o que dizer sobre a direção da política alemã (nacional e externa) durante as décadas recentes? O que de mais benévolo se dizia a esse respeito era que ‘as vitórias dos exércitos alemães compensavam as derrotas de tal política’. Faremos silêncio a respeito dos sacrifícios implícitos e indagaremos, em vez disso, sobre as razões destes fracassos. (WEBER, 1974, p. 33)

Tem-se, então, uma solução para o paradoxo do insulamento burocrático: burocracias protegidas da sociedade, porém submetidas ao poder político através do exercício parlamentar. Evans (2004, p. 72) propõe outro mecanismo de solução para esse paradoxo. Para ele, “assim como na realidade os mercados só funcionam se estiverem ‘inseridos’ em outras formas de relações sociais, tudo indica que os Estados também devem estar ‘inseridos’ para serem eficientes”. Para Hirschman (1973), o que falta em países em desenvolvimento não é capital, mas iniciativa empresarial no sentido da disposição de arriscar os excedentes disponíveis no investimento em atividades produtivas. O Estado deve propiciar incentivos desequilibradores para induzir os capitalistas privados a investir e, ao mesmo tempo, estar pronto para aliviar gargalos que estejam criando desincentivos ao investimento.

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Trata-se, na verdade, de uma visão de longo prazo: a corrupção na relação Estado-Sociedade continua a existir, porém, no fim das contas, as conseqüências da ação estatal mais promovem do que impedem o ajuste econômico e a transformação industrial. A posição do Estado oscila entre a possibilidade de atuar na sociedade e de manter sua autonomia perante ela (capacidade versus insulamento). Para os neomarxistas, há uma relação positiva entre capacidade e autonomia: quanto maior for a autonomia do Estado, maior será sua capacidade de ação. Já para alguns neoweberianos (em particular, Evans, 2004), o Estado deve estar mais inserido na sociedade do que insulado (a eficiência estatal exige inteligência acurada, inventividade, repartições ágeis e respostas elaboradas a uma realidade econômica mutável). Duas ressalvas, porém, devem ser feitas, como adverte Evans (1998). Primeiro, não se trata de erigir uma defesa irrestrita do Estado no que diz respeito ao seu papel no desenvolvimento econômico. Segundo, os Estados serão sempre instrumentos imperfeitos. Também não faz sentido desconsiderar os aspectos relevantes da teoria neo-utilitarista (ou neoclássica), no que ela oferece de contribuição para a compreensão do Estado, especialmente no que diz respeito à crítica contundente à teoria da crença em um Estado benevolente e competente (o que, paradoxalmente, segundo o autor, obriga todos a olharem com mais cuidado para o que os Estados fazem e por que o fazem). O debate acerca da relação Estado-Sociedade nos leva à análise da qualidade da intervenção do Estado na sociedade e não mais àquela referente à quantidade da intervenção (neo-utilitarismo). Essa inserção poderia se dar de diferentes maneiras. O controle parlamentar sobre a burocracia talvez seja uma delas. Todavia, outras formas de inserção social podem propiciar condições para o sucesso das políticas públicas. Como Evans (2004) bem demonstra, entre os chamados Tigres Asiáticos – em particular, a Coréia do Sul – observou-se um ciclo virtuoso de desenvolvimento decorrente de um processo que congregou, de um lado, a formação de uma burocracia estatal com alto nível de profissionalização e autonomia e, de outro, uma classe empresarial extremamente dinâmica e empreendedora. Nesse caso, a associação entre a burocracia estatal e a classe empresarial levou a um processo de desenvolvimento econômico dos mais impressionantes da história humana. Ou seja, no caso dos Tigres Asiáticos, a inserção social do Estado burocrático se deu através de suas vinculações com a emergente classe empresarial.

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Tenta-se argumentar, na próxima seção, que o relativo sucesso do Programa Bolsa Família pode ser explicado a partir da identificação de padrões e processos organizacionais. Afinal, o elevado nível de focalização do programa indica que: a) Ele tem baixo nível de vazamento, ou seja, poucas famílias não elegíveis ao programa encontram-se entre as beneficiárias. b) Ele tem baixo nível de ineficiência, ou seja, a grande maioria das famílias elegíveis ao programa encontra-se entre as beneficiárias. Esses resultados17 talvez sejam decorrentes do fato de, por um lado, a Caixa Econômica Federal (CEF) ser a responsável pela efetivação dos pagamentos e, por outro, as prefeituras serem as responsáveis pelos cadastramentos. Tal argumento é explicado mais detalhadamente na próxima seção.

Determinantes organizacionais do relativo sucesso do Programa Bolsa Família O trabalho desenvolvido por Cardoso et al. (2006) traz uma excelente pista para o entendimento de parte do processo organizacional que pode estar levando ao relativo sucesso de implementação do Programa Bolsa Família. Ao estudarem o funcionamento do programa nos municípios fluminenses de Duque de Caxias e Cabo Frio, os autores concluem que: Além dos recursos disponíveis e da cobrança da sociedade civil, a atuação conjunta com a Caixa Econômica Federal é determinante. Sendo um parceiro com um modelo de gestão burocrático/hierarquizado, a CEF constitui-se em referencial para as demais instituições locais. Este papel de referencial influencia a adoção de mudanças no modus operandi de administrar a Secretaria de Ação Social. Tais mudanças têm como objetivo permitir que as operações de cadastramento, inclusão, exclusão e gestão de cadastros sejam feitas em sintonia com os demais parceiros, entre eles, a CEF. (CARDOSO et al., 2006, p. 15)

Para uma descrição minuciosa dos critérios de avaliação de políticas públicas ver Fernandes e Pazello (2001).

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O texto acima define corretamente a CEF como uma organização burocrática. É possível aprofundar essa definição, acrescentando que a CEF é, hoje, uma típica burocracia profissional. Seus funcionários são concursados e apresentam elevado grau de qualificação e profissionalização,18 o que faz dela uma organização com alto grau de insulamento. Seus funcionários estão relativamente imunes a pressões de grupos de interesse locais. Isso faz com que a CEF possa exercer um rigoroso controle sobre o trabalho realizado pelas secretarias municipais. Evidencia-se, assim, o primeiro elemento organizacional relevante para o entendimento do relativo sucesso da implementação do Programa Bolsa Família, qual seja, o caráter de insulamento burocrático da CEF.19 Outro elemento organizacional que deve ser mencionado está relacionado ao mecanismo de “isomorfismo organizacional ou institucional”, definido como um processo restritivo que força uma unidade, numa população, a parecer com as outras unidades, que enfrentam o mesmo conjunto de condições ambientais e normativas (DIMAGGIO; POWELL, 1983). Segundo esses autores, o isomorfismo institucional produz conformidade através de três mecanismos: (1) o isomorfismo coercitivo, derivado de pressões formais e informais; (2) o isomorfismo mimético, baseado na imitação e resultante de respostas às

Em recente reunião com a diretoria de uma autarquia municipal de uma cidade interiorana da região central do estado de Minas Gerais, formada por técnicos altamente qualificados – o que é raro encontrar em municípios de menor porte –, ouvimos um dos diretores relatar um caso, ocorrido na primeira metade dos anos 1990, que só reforça essa classificação da CEF como uma típica burocracia profissional. O então presidente da CEF agendara com o prefeito de um determinado município mineiro um encontro em Brasília para a entrega de um projeto de saneamento do município e lhe prometera que o projeto seria encaminhado de forma prioritária. Durante a reunião em Brasília, o presidente da CEF incumbiu a secretária de encaminhar o projeto ao departamento de engenharia com a recomendação de que fosse dado a ele tratamento especial. Antes que a reunião se encerrasse, a secretária retornou à sala do presidente com um recado do chefe do departamento de engenharia de que não seria possível atender à demanda apresentada, pois as normas da CEF exigiam que o projeto fosse apresentado primeiro à Superintendência Regional, em Belo Horizonte. Mais interessante ainda foi o comentário final do diretor que relatava o acontecido: “Ora, aquele era um funcionário concursado, ele não tinha por que temer a recusa de um pedido da presidência da CEF, visto que tal pedido era contrário às normas estabelecidas”. 19 É curioso ressaltar que, em países em desenvolvimento, análises sobre o papel do insulamento burocrático nas políticas públicas se concentram nas pesquisas sobre políticas de desenvolvimento econômico (em particular, industrial) ou sobre a estruturação de organizações estatais. Para estudos sobre um dos dois tipos citados, ver Adler (1988); Juarez (1993); Oliveira (2003). Estudos sobre o papel do insulamento burocrático nas políticas sociais – como é o caso do presente artigo – são mais comuns em países desenvolvidos – ver Garza, Graves e Setzler (1999). 18

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incertezas; e (3) o isomorfismo normativo, decorrente da profissionalização dos gerentes e especialistas.20 Machado-da-Silva e Gonçalves completam o entendimento sobre esse assunto: O peso específico de cada mecanismo (isomórfico) depende do contexto de cada sociedade. Em sociedades com forte tradição democrática e com alto nível de competição na oferta de bens e serviços, por exemplo, a tendência é que predominem os mecanismos miméticos e normativos de pressão para a estabilidade e a mudança organizacional. No caso da sociedade brasileira, a forte tradição patrimonialista associada aos longos períodos autoritários durante o seu processo de formação sociocultural têm conferido especial destaque aos mecanismos coercitivos de manutenção e de transformação social. (MACHADO-DA-SILVA; GONÇALVES, 1999, p. 226)

Os três tipos de mecanismos podem ser analiticamente úteis para entendermos o caso do relativo sucesso na implementação do Programa Bolsa Família. O isomorfismo coercitivo é o mais adequado para o caso em análise. Primeiramente, porque o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) criou toda uma normatização – a chamada Norma Operacional Básica do Sistema Único de Assistência Social (NOB/SUAS) – que age no sentido de padronizar as ações e procedimentos dos municípios, o que funciona como um mecanismo de controle burocrático. Em segundo lugar, fica claro, a partir da citação apresentada de Cardoso et al. (2006), que a própria CEF termina forçando as secretarias municipais a se adequarem ao seu padrão de funcionamento. Em terceiro, porque, como se depreende de Machado-da-Silva e Gonçalves (1999), a tradição autoritária e centralizadora da sociedade brasileira força a existência de tais mecanismos coercitivos. Quanto ao isomorfismo mimético, DiMaggio e Powell (1983) identificam sua ocorrência em situações de incerteza: quando os membros de uma organização estão confusos sobre como agir em uma situação, eles tendem a copiar o que outras organizações fizeram. Como fica claro também pela citação de Cardoso et al. (2006), a CEF torna-se referência para as organizações locais, que terminam por imitá-la. Scott e Meyer (1991) apresentam uma abordagem que, em muitos aspectos, vai ao encontro daquela desenvolvida por Dimaggio e Powell (1983). Para uma excelente crítica a ambas as abordagens, ver Prates (2000).

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Finalmente, o isomorfismo normativo se observa pelo impacto, em termos de profissionalização, que a gestão do Programa Bolsa Família causa nas administrações municipais. É possível verificar, na NOB/SUAS, quinze referências normativas relativas à exigência de profissionalização.21 Como bem demonstram DiMaggio e Powell (1983), a cultura profissional leva ao isomorfismo normativo, pois os profissionais tendem a seguir padrões de conduta (normas) bastante semelhantes. Ainda sobre o mecanismo normativo, os autores ressaltam que o grau de profissionalização é provavelmente o elemento normativo mais importante, podendo ser resultante da educação formal ou da formação e manutenção das redes de trabalho. Como se sabe, o Programa Bolsa Família tem sido implementado por meio de uma profícua parceria entre a CEF e as prefeituras. A rede formada entre esses atores possivelmente tem estimulado a divulgação de tais padrões profissionais, resultando, possivelmente, em similaridades nas ações e procedimentos do Programa. Convém destacar que tais condutas semelhantes, no caso do Programa Bolsa Família, são desenvolvidas uma vez que “a similitude facilita as transações interorganizacionais ao favorecer seu funcionamento por meio da incorporação de regras socialmente aceitas” (MACHADO-DA-SILVA; FONSECA, 1993, p. 44). Nos parágrafos acima, relatou-se como o padrão burocrático da CEF e da NOB/SUAS produz o elemento relativo ao insulamento burocrático necessário ao sucesso de uma política pública. Falta, porém, entender o elemento relativo à inserção social necessária ao sucesso do Programa Bolsa Família. Bem, acredita-se que o insulamento burocrático propiciado pela participação da CEF e pela normatização da NOB/SUAS é, em muito, responsável pelo baixo vazamento do Programa. Todavia, ele não explica a baixa ineficiência que também se observa. Acredita-se que esta última pode ser explicada pela participação das prefeituras. Uma organização altamente burocratizada, rígida e com uma distribuição geográfica relativamente concentrada como a CEF dificilmente teria condições de chegar à quase totalidade das famílias elegíveis, como se tem observado atualmente. Portanto, é possível imaginar que a baixa ineficiência do programa seja conseqüência da capilaridade das Trata-se de exigências de que determinadas funções sejam exercidas por profissionais de nível superior; em boa parte das quinze referências, a exigência diz respeito à necessidade de que determinadas funções sejam de responsabilidade de assistentes sociais.

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prefeituras, o que propicia o elemento de inserção social necessário ao sucesso de implementação de uma política pública como essa. Além disso, o elemento de descentralização presente na participação das prefeituras facilita o controle da sociedade civil – como fica evidente, mais uma vez, a partir da citação de Cardoso et al. (2006), apresentada anteriormente. Acredita-se, portanto, que o desenho institucional do Programa Bolsa Família – embora conseqüência, talvez, não-intencional de decisões tomadas – é, em muito, responsável pelo relativo sucesso de sua implementação. A singular combinação de insulamento burocrático e inserção social nele observada propiciou os elementos necessários ao seu sucesso.

Conclusão Como pode ter dado certo? Foi essa a pergunta referente ao Programa Bolsa Família que inspirou a elaboração deste artigo. Acredita-se que, embora outras respostas plausíveis possam ser sugeridas, as duas aqui propostas devem ser levadas em consideração, se não por outras razões, no mínimo porque estão fortemente embasadas em uma discussão teórica, com forte fundamentação em diferentes abordagens presentes nas Ciências Sociais. Em particular, a segunda resposta – embasada nas teorias sociológicas e organizacionais – apresenta-se, a nosso ver, como mais promissora. Ao contrário do Chile e do México22 (SOARES et al., 2007), no Brasil, a implementação do Programa Bolsa Família não se baseou na criação de uma grande organização burocrática em nível federal (ou central). Enquanto naqueles países o programa é totalmente administrado de forma centralizada, no Brasil há uma gestão que conjuga uma agência federal (a CEF) e organizações de âmbito local (as prefeituras). Essa combinação permite a presença dos dois elementos identificados aqui como necessários ao sucesso de uma política pública, quais sejam, o insulamento burocrático e a inserção social. Ressalte-se ainda que o modelo brasileiro apresenta resultados de implementação e focalização semelhantes – se não melhores – que os do Chile e do México, porém com um custo operacional bem mais baixo, pois faz uso de uma organização O programa chileno é denominado “Chile Solidário”, e o programa mexicano é atualmente denominado de “Oportunidades”.

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burocrática em nível federal já existente (a CEF) e das organizações públicas em nível local que também já existiam (as prefeituras). Conclui-se, assim, que a melhor relação custo/benefício do programa brasileiro o torna o caso mais eficiente entre os três grandes programas latino-americanos. É possível que o engenhoso desenho institucional do Programa Bolsa Família seja conseqüência apenas da sorte. Todavia, é importante que se busque (tanto por parte dos pesquisadores quanto dos gestores públicos) aprender com experiência tão exitosa, pois assim será possível compreender as reais causas do sucesso revelado e, dessa forma, replicar o êxito em outras políticas públicas. Neste artigo, apresentou-se uma tentativa de identificar – a partir das teorias sociológicas e organizacionais – uma explicação plausível para o sucesso do programa. Acredita-se, porém, que a explicação sugerida deva ser tratada como apenas uma hipótese a ser confrontada com resultados de pesquisas futuras.

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Controle e transparência na gestão do Programa Bolsa Família Cristina Almeida Cunha Filgueiras

Muitos setores da sociedade brasileira suspeitam que os programas sociais sejam utilizados pelos governantes como moeda de troca política para distribuir e retribuir favores, para obter votos ou para apropriação particularista dos recursos públicos. São muitas as inquietações em relação aos programas públicos e, em especial, aos programas sociais de grande abrangência. Estarão favorecendo pessoas não necessitadas, em detrimento das necessitadas? Estarão favorecendo interesses particulares, partidários ou clientelistas? Os recursos estarão sendo utilizados de maneira eficiente? Os programas são alvo de corrupção e outros procedimentos ilegais? Estarão sendo operados de modo a garantir direitos sociais e promover melhora na condição dos setores mais vulneráveis da população? O Programa Bolsa Família (PBF), criado em 2003 pelo governo federal, é um bom exemplo para reflexão sobre a existência de controles interno e externo dos programas sociais no País. Trata-se de um programa de enorme cobertura em termos populacionais e territoriais, que envolve um volume importante de recursos orçamentários e cuja execução é alvo de constantes comentários nos meios de comunicação. Neste texto, será analisado o controle sobre o programa, tanto o controle realizado pelo Poder Executivo quanto aquele praticado por outros órgãos do Estado. Além disso, serão abordados os tipos de falhas e irregularidades mais freqüentes e a atuação do gestor federal para prevenir e corrigir tais situações.

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A transparência na administração dos bens e recursos públicos transformou-se em uma questão central para a democracia, associada à exigência da sociedade de que os governos prestem contas de suas decisões e ações. A existência de práticas de apropriação indevida de recursos públicos e de ineficiência na utilização desses recursos está entre os principais fatores que minam a confiança dos cidadãos nas instituições públicas e nos governantes. Nesse contexto, não é raro que, em muitos países, transparência ganhe o significado de anticorrupção (FREITAS, 2006). Contudo, ainda que seja correto associar os dois termos, o primeiro deve ser entendido numa perspectiva mais ampla. O seu valor não se refere apenas a que um governo “seja limpo”, mas também que ele seja democrático, preste contas e seja responsivo. A exigência pela sociedade de que decisões e ações dos governos sejam transparentes constitui, segundo Cunill (2006), um recurso-chave e um incentivo para melhorar a eficiência e o desempenho dos gestores públicos. Afinal, trata-se não apenas de fazer as coisas de forma clara e dentro das normas legais, mas também de demonstrar o esforço de melhor uso possível dos recursos públicos e o empenho na obtenção de resultados. Outra associação freqüente ocorre entre transparência e controle. Sem dúvida a existência de mecanismos eficazes de controle nas políticas públicas é indispensável para que haja também transparência. Contudo, controle e transparência não são sinônimos. Devem ser percorridas várias etapas, da criação dos mecanismos de controle até seu adequado funcionamento e a produção de resultados, para que seja possível afirmar que há transparência. São diversos os tipos de controle relacionados às políticas públicas. O controle vertical é aquele realizado pela sociedade sobre as organizações públicas e os políticos, sendo o controle eleitoral o mais comum. O controle horizontal, por sua vez, é exercido por uma organização pública sobre outras. Os mecanismos de controle horizontais envolvem órgãos estatais detentores de poder para realizar ações que vão desde a supervisão de rotina até sanções legais contra atos delituosos. Exemplos dessas entidades controladoras no Brasil são o Ministério Público e o Tribunal de Contas da União. Além do controle externo ao Poder Executivo, é necessário também considerar o controle interno realizado sobre a administração pública. O controle administrativo deriva do poder e do dever de tutela que a administração tem sobre seus próprios atos e agentes. Ele é normalmente exercido por meio de

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Controle e transparência na gestão do Programa Bolsa Família



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um poder hierárquico. É o caso da atuação da Controladoria-Geral da União sobre os órgãos do Poder Executivo. Existe ainda o controle administrativo que se realiza no âmbito da esfera de atuação de uma mesma organização pública. Trata-se de controle intrínseco à própria organização. Nesse âmbito pode ser considerado, por exemplo, o controle que um ministério realiza internamente sobre as instâncias subordinadas envolvidas na execução dos seus programas. No caso do Brasil, poderíamos incluir nessa situação o controle realizado pela União sobre governos estaduais e municipais envolvidos na execução de políticas públicas. Entretanto, é indispensável tomar em conta o modelo federativo brasileiro, onde se combinam e competem fatores de autonomia, interdependência e coordenação entre cada uma das unidades federativas (União, Estados e municípios). O governo federal não possui automaticamente poder hierárquico, em todas as situações, sobre os governos subnacionais. Apesar disso, em alguns setores de política pública, existe o que Almeida (1995) denomina federalismo centralizado, visto que os governos municipais e estaduais se limitam a executar iniciativas do governo federal. Na interação entre governo federal e município, surgem freqüentemente problemas de delegação associados às relações principal/agente. A relação principal/agente ocorre quando um indivíduo, um grupo ou uma organização que detém um poder específico delega, por meio de um contrato, responsabilidades a outro indivíduo, grupo ou organização (ARAÚJO; SANCHEZ, 2005). Tal situação pode dar margem a uma desvantagem de quem delega em relação ao agente no que se refere à informação sobre a execução. Nesse contexto, assumem importância os instrumentos de incentivos estabelecidos pelo principal, de modo a possibilitar ao agente um desempenho mais próximo do desejado, e a obtenção dos resultados esperados. No caso do Bolsa Família, objeto de análise neste artigo, o governo federal depende do desempenho dos governos municipais para o êxito das ações de combate à pobreza. Por outro lado, um governo municipal, mesmo estando interessado em beneficiar a população, pode não ter suficiente motivação para arcar com o ônus da gestão local do programa. Sobre o PBF recaem vários níveis de controle. Em primeiro lugar, o controle que realizam órgãos de outros poderes do Estado sobre o Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), gestor federal do

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programa. Em segundo, a fiscalização do próprio ministério com relação ao cumprimento das obrigações dos gestores municipais e à coincidência de interesses na execução do programa. Além disso, existe o controle da sociedade sobre os responsáveis pela implementação do programa. Considerando-se o que foi assinalado nesta introdução, percebe-se que os governos estão submetidos a múltipla observação e avaliação. Eles devem, por exemplo, demonstrar ter sob controle as ações que os agentes públicos realizam em seu nome. Devem também mostrar efetividade e transparência. Além disso, os órgãos públicos devem ser capazes de trabalhar de forma coordenada. Contudo, tais requerimentos não são obtidos apenas com a instalação de mecanismos de controle e fiscalização. Ao contrário, a adoção excessiva de normas estritas pode exigir sistemas de fiscalização caros e lentos, em contradição com a busca de melhor desempenho na gestão, e criar dificuldades para o relacionamento entre as diferentes instituições. Uma gestão pública transparente requer alto grau de compromisso político e institucional, que só pode ser alcançado com mudanças na cultura política (CUNILL, 2006). Parte dessa mudança está relacionada à importância dada à produção, difusão e manejo da informação sobre os programas públicos, incluindo aquela produzida pelas ações de controle e fiscalização. A informação é elemento crucial para uso na gestão e para o relacionamento com a sociedade, porém sua mera produção e difusão não produzem transparência. Somente se for relevante, consistente, oportuna e estiver disponível, é que a informação sobre os programas públicos poderá ser considerada instrumento de uma gestão transparente. Ademais, a transparência não depende unilateralmente dos órgãos públicos: ela exige uma contrapartida, ou seja, que a informação faça sentido para a sociedade e encontre interessados em utilizá-la em um sentido democrático. A seguir serão apresentados os aspectos principais do Programa Bolsa Família e dos instrumentos de controle sobre a sua implementação, assim como o tipo de informação produzida e divulgada por gestores do programa e órgãos de controle.

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O Programa Bolsa Família Aspectos programáticos e organizacionais O programa foi criado em outubro de 2003, tendo por objetivos combater a fome, a pobreza e outras formas de privação das famílias, promover a segurança alimentar e nutricional e o acesso à rede de serviços públicos de saúde, educação e assistência social. Ele associa transferências monetárias a contrapartidas das famílias, de forma a possibilitar-lhes meios e condições para que possam sair da situação de vulnerabilidade em que se encontram e romper com os processos de reprodução da pobreza. O Bolsa Família realiza transferências monetárias a famílias com renda per capita de até R$ 120,00 mensais. As famílias com renda per capita inferior a R$ 60,00 (consideradas extremamente pobres) recebem benefício fixo de R$ 58,00 e, ainda, um benefício variável de R$ 18 por beneficiário (até o limite de três filhos). As famílias com renda per capita mensal entre R$ 60,01 e R$ 120,00 recebem apenas o benefício variável. Tais valores podem ser acrescidos por contrapartida de municípios e estados, dependendo de pactos firmados por estes com o MDS. Ao ser criado, o Programa reuniu em um único benefício transferências de renda realizadas, até então, por meio de quatro programas do governo federal – Bolsa Escola, Bolsa Alimentação, Cartão Alimentação e Auxílio Gás – que estavam sob a responsabilidade de diversos órgãos. Posteriormente foi agregado também o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti). A unificação buscou integrar os esforços isolados dos diferences programas, racionalizar custos operacionais e focalizar no grupo familiar a política de combate à pobreza. A migração dos beneficiários dos programas remanescentes para o Bolsa Família ocorreu de forma gradual. Além de incorporar os beneficiários dos programas mencionados, o Bolsa Família expandiu rapidamente a cobertura total, com novos beneficiários que não estavam contemplados, até então, em nenhuma das ações. Em julho de 2006, ele alcançou a cobertura de 11,1 milhões de famílias, equivalendo à Os valores mencionados são posteriores ao reajuste de 18,25% nos benefícios, ocorrido em julho de 2007. Antes disso, o beneficio básico era de R$ 50,00 e o variável de R$ 15,00.



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totalidade das famílias no País com renda familiar per capita até R$ 120,00. O orçamento total do programa aumentou de forma significativa desde 2003, atingindo 8,3 bilhões de reais em 2006 (Tab. 1). Além do pagamento dos benefícios, são destinados recursos para gestão e administração do programa, publicidade de utilidade pública e pagamento dos serviços de operação prestados pela Caixa Econômica Federal. Tabela 1 Evolução dos recursos orçamentários destinados a programas de transferência de renda – Brasil, 2002-2006 (em milhões de reais) Programas

2002

2003

2004

2005

2006

1.537,10

1.429,50

-

-

-

Bolsa Alimentação

121,7

264,4

-

-

-

Auxilio Gás

609,2

800,2

-

-

-

Cartão Alimentação

-

290,6

-

-

-

Bolsa Família

-

572,4

5.308,80

6.537,80

8.303,00

5.308,80

6.537,80

8.303,00

58,1%

23,2%

27%

Bolsa Escola

Total Variação anual

2.268,00 3.357,10 -

48%

2002 a 2005: valores executados. 2006: planejado. Fonte: Senarc/MDS apud MESQUITA 2006, p. 476.

O Bolsa Família é executado em 99% dos municípios do País, havendo apenas quatro municípios sem o programa. Merece ser ressaltado que este e os demais programas de transferência de renda do MDS equivalem a uma elevada proporção do total dos repasses constitucionais de recursos do governo federal para os municípios (MARQUES, 2005). Associando medidas emergenciais de alívio da pobreza (transferência de renda) a medidas de médio e longo prazo (aumento de capacidades e oportunidades das famílias a partir de melhores níveis de educação, nutrição e saúde), o programa busca provocar nos beneficiários efeitos positivos, que promovam sua autonomia e lhes dêem condições mínimas para superação da pobreza. Os beneficiários do Bolsa Família devem cumprir os seguintes

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compromissos e responsabilidades: matricular crianças a partir de 6 anos e adolescentes até 15 anos no ensino fundamental e garantir que estes tenham freqüência escolar mínima de 85%; realizar, nas unidades municipais de saúde, controles de saúde e nutricional de gestantes, nutrizes e de crianças menores de sete anos; participar de atividades de educação alimentar oferecidas no município por órgãos dos governos federal, estadual e/ou municipal. Para que as condicionalidades possam ser cumpridas, é necessário que o poder público garanta, no âmbito local, a oferta e a qualidade dos serviços básicos de saúde, educação e educação alimentar. Em estudo sobre os sistemas básicos de controle e mecanismos de transparência em programas de transferência condicionada de renda em vários países, o Banco Mundial considerou o Bolsa Família um programa com bom nível de focalização, visto que 73% das transferências atingem o quintil mais pobre da população e 94% chegam aos dois quintis mais pobres (THE WORLD BANK, 2007). Com relação aos aspectos organizacionais do programa, dentro do MDS cabe à Secretaria Nacional de Renda da Cidadania (Senarc) a coordenação, gestão e operacionalização, o que inclui as ações necessárias à concessão e ao pagamento dos benefícios, a supervisão do cumprimento das condicionalidades pelas famílias, além do acompanhamento e fiscalização da execução. Essa secretaria é ainda responsável pelo Cadastro Único de Programas Sociais do governo federal, um recurso fundamental para o funcionamento do Bolsa Família, que será abordado mais adiante neste texto. Na estrutura organizacional da Senarc está localizado o Departamento de Operações, ao qual pertence a Coordenação-Geral de Fiscalização (CGF), encarregada da fiscalização do PBF. O programa também é objeto da atuação da rede pública de fiscalização, formada pelo Tribunal de Contas da União, Controladoria-Geral da União, Ministério Público Federal e Ministérios Públicos Estaduais. A esta rede se agregam os conselhos de controle social do programa nos municípios. A Caixa Econômica Federal desempenha a função de agente operador do PBF, mediante remuneração e condições pactuadas com o governo federal. São obrigações da Caixa: o fornecimento de infra-estrutura necessária à organização e à manutenção do Cadastro Único; o desenvolvimento dos sistemas de processamento de dados; a organização e operação da logística de pagamento dos benefícios; a elaboração de relatórios; o fornecimento de bases de dados

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necessárias ao acompanhamento, ao controle, à avaliação e à fiscalização, por parte do governo federal, da execução do programa. No âmbito local, o gestor do PBF e interlocutor junto às famílias é o governo municipal. Os municípios possuem uma série de atribuições, entre elas: estruturar uma equipe multissetorial de coordenação local e prover as condições para sua operação; assegurar a oferta de serviços essenciais de saúde, educação e acompanhamento alimentar e nutricional às famílias beneficiárias; viabilizar a oferta de ações complementares; divulgar o programa junto às famílias potencialmente beneficiárias; promover condições para validação da seleção das famílias; coordenar os processos de cadastramento, seleção, renovação, suspensão e desligamento das famílias; estimular e mobilizar as famílias para o cumprimento das condicionalidades; informar periodicamente aos responsáveis no âmbito do governo federal os dados sobre cumprimento das condicionalidades; capacitar os profissionais envolvidos no cadastramento, na gestão do programa e nas visitas domiciliares; avaliar o desempenho do PBF no município; e apoiar os conselhos municipais a fim de garantir o controle social. Como condição para a assinatura do Termo de Adesão para a execução do Bolsa Família no município, cada prefeitura deve designar um gestor local, que desempenhará um papel de grande importância na articulação local entre as Secretarias de Educação, Saúde e Assistência Social e na gestão do cadastro e dos benefícios. Esse gestor é o responsável pelo manejo e alimentação dos sistemas de informação do cadastro e da gestão de benefícios, implantados pelo governo federal para viabilizar a gestão descentralizada. Por meio de tais sistemas eletrônicos, os responsáveis credenciados no governo municipal podem realizar bloqueios, desbloqueios, cancelamento de benefícios e reversões de cancelamento. Para destacar a complexidade da gestão, é relevante mencionar a grande extensão do programa (territorial e em número de beneficiários) e a execução descentralizada, realizada com base na adesão pelo município ao Bolsa Família. É crucial para o bom desempenho do programa o estabelecimento de parceria entre governos federal, estadual e municipal, com a intenção de potencializar 

Apesar de os governos estaduais estarem incluídos na implementação, eles “não possuem uma agenda própria no programa”, como afirma Mesquita (2006). Sua atuação se refere principalmente ao apoio aos municípios para cadastramento das famílias e capacitação das equipes municipais.

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as ações de combate à pobreza. O governo federal adotou diversas medidas de incentivo para promover a qualidade da implementação local, merecendo destaque o repasse de recursos para gestão do programa, definidos com base no cálculo do Índice de Gestão Descentralizada (IGD). O IGD foi elaborado de forma a refletir a qualidade e a integridade das informações constantes no Cadastro Único (apurada por meio do percentual de cadastros de famílias válidos), a atualização da base de dados (considerando o percentual de cadastros atualizados pelo menos a cada dois anos) e as informações do município sobre o cumprimento das condicionalidades nas áreas de educação e saúde. O índice foi criado para medir o desempenho das administrações municipais e estabelecer critérios para a alocação do apoio financeiro do MDS à gestão do programa. Tais recursos constituem o principal incentivo dado pelo governo federal aos governos municipais, ao subsidiar custos administrativos no nível local, incentivo esse que está condicionado ao desempenho na execução. As prefeituras podem utilizar os recursos repassados mensalmente via Fundo Municipal de Assistência Social para diversas finalidades: contratação de pessoal, capacitação da equipe, compra de materiais que ajudem no trabalho de manutenção dos dados dos beneficiários locais; desenvolvimento de ações relacionadas à gestão de condicionalidades e à gestão de benefícios, acompanhamento das famílias beneficiárias, em especial daquelas em situação de maior vulnerabilidade social; cadastramento de novas famílias, atualização e revisão dos dados contidos no Cadastro Único; atividades relacionadas às demandas de fiscalização; implementação de programas complementares, nas áreas de alfabetização e educação de jovens e adultos, capacitação profissional, geração de trabalho e renda, acesso ao microcrédito produtivo orientado e desenvolvimento comunitário e territorial.

Cadastro Único O Cadastro Único de Programas Sociais do governo federal foi instituído pelo Decreto nº 3.877 de 24 de julho de 2001, para identificação, em cada um dos municípios do País, das famílias em situação de pobreza que são potencialmente beneficiárias dos programas sociais. Ele unificou as informações dos beneficiários de vários programas, até então dispersas em vários cadastros. Aperfeiçoado após 2003, o cadastro tornou-se um instrumento fundamental

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para execução e gestão do Bolsa Família, razão pela qual uma parcela importante do esforço de controle do programa por parte do MDS se refere à gestão e fortalecimento dessa base de informação. As principais informações das famílias incluídas no cadastro são: composição familiar, qualificação escolar dos membros, qualificação profissional e situação no mercado de trabalho, rendimentos, despesas familiares e características do domicílio. A cada pessoa incorporada é atribuído um número de identificação social (NIS), procedimento que torna o Cadastro Único instrumento importante para evitar ou reduzir a duplicação de benefício (como será visto nos procedimentos de controle detalhados mais adiante neste texto), além de oferecer informação para planejamento e favorecer o monitoramento do programa e análise de desempenho. Quanto às atribuições referentes ao cadastro, os governos municipais planejam e executam o cadastramento das famílias por meio de coleta de informações de indivíduos e de domicílios a partir de formulário padronizado. Além disso, zelam pela qualidade das informações coletadas, digitam, transmitem e acompanham o retorno dos dados enviados à Caixa. Eles devem manter atualizada a base de dados do cadastro, com as informações relativas a mudanças na situação das famílias, inclusive as atualizações exigidas após as auditorias realizadas pelo gestor federal. A Caixa desenvolve e fornece o aplicativo e os formulários relativos ao cadastramento, identifica e atribui o NIS às pessoas cadastradas, capacita gestores e técnicos para o uso do sistema operacional. A Senarc/MDS, por sua vez, concentra a responsabilidade pela gestão do Cadastro Único e pela seleção das famílias beneficiárias a partir do universo das famílias cadastradas. Ela está incumbida de coordenar a implantação, acompanhar e supervisionar a execução, realizar as capacitações de gestores e técnicos e prestar as informações e orientações necessárias à boa execução das atividades, além de avaliar a qualidade do cadastro em nível nacional. Além disso, essa secretaria deve desenvolver ações para estimular o uso do cadastro por outros órgãos do governo federal, estados e municípios. Na primeira fase do Cadastro Único, entre 2001 e 2003, ocorreram problemas relacionados à definição pouco precisa de responsabilidades na operação e à qualidade dos controles. Com a entrada em operação do PBF, apresentaram-se muitas distorções decorrentes da incorporação à base de

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dados dos beneficiários dos programas previamente existentes. Para enfrentar tal situação, desde 2004 foram desenvolvidos muitos esforços para organizar o Cadastro, visando solucionar problemas de duplicidade de benefícios. Foram também realizados investimentos no aspecto técnico-operacional que levaram à implantação do aplicativo eletrônico de entrada e manutenção de dados, ferramenta que permitiu, por exemplo, que o município passasse a realizar ações de bloqueio, desbloqueio e cancelamento de benefícios. O resultado desses esforços foi o aperfeiçoamento de diversos aspectos do Cadastro Único, o que repercutiu positivamente no conjunto da gestão do PBF. Cabe assinalar entre as ações de aperfeiçoamento: a regulamentação de responsabilidades institucionais e dos mecanismos operacionais; o treinamento de servidores públicos em todas as esferas de governo para operar o cadastro; e as novas definições no contrato com a Caixa com relação ao seu papel e supervisão pelo MDS. Foram também estabelecidas rotinas de controle interno e externo, com cruzamentos e verificação de dados em testes de consistência que permitem identificar duplicidade de nomes, entre outros problemas.

Controle e fiscalização do Programa A rede de controle e fiscalização externa ao MDS Em janeiro de 2005, foi lançada a Rede Pública de Fiscalização do Programa Bolsa Família, uma iniciativa formalizada por meio de convênios específicos assinados pelo MDS com o Ministério Público Federal e os Ministérios Públicos Estaduais, o Tribunal de Contas da União e a Controladoria-Geral da União. Compõem também a Rede os conselhos de controle social do PBF, instância que deve ser criada em cada município onde o programa é executado, conforme instrução normativa do gestor federal.

Tribunal de Contas da União Ao Tribunal de Contas da União compete a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, considerando a legalidade, a legitimidade e

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a economicidade. Essa função é exercida para auxiliar o Poder Legislativo, a quem compete a responsabilidade pela fiscalização dos aspectos mencionados. O Tribunal realizou em 2002 uma auditoria sobre o Cadastro Único dos Programas Sociais do Governo Federal, cujo relatório foi apresentado em março de 2003 (BRASIL.TCU, 2003). O trabalho foi desenvolvido em 32 municípios de oito estados da federação (Alagoas, Ceará, Minas Gerais, Pará, Paraná, Pernambuco, São Paulo e Tocantins), por meio de entrevistas estruturadas com beneficiários, gestores estaduais e municipais dos programas que utilizam o Cadastro Único e responsáveis pela digitação e envio dos dados, além de grupo focal com cadastradores. Nesse trabalho foram constatadas as principais debilidades do cadastro e propostas recomendações, fundamentais para as alterações realizadas posteriormente pelo MDS, que levariam ao fortalecimento do instrumento de gestão de políticas sociais. Entre as ações do Tribunal com relação ao PBF, destaca-se a avaliação realizada em 2004 (BRASIL. TCU, 2004 e BRASIL. TCU, 2005), baseada em amplo levantamento de dados através de análise documental e entrevistas em quatro estados da federação (Bahia, Goiás, Minas Gerais e Rio Grande do Sul). O exame identificou diversas falhas e disfunções, relacionadas a três âmbitos do programa: o cumprimento e monitoramento de condicionalidades, a atuação do controle social e a adequação do processo de distribuição de cartões e senhas aos beneficiários. Foram também incorporadas à auditoria questões relativas ao Cadastramento Único e à atuação dos governos estaduais. As recomendações proferidas pelo Tribunal, após a avaliação, referiram- se à atuação do MDS em relação aos pontos considerados críticos na execução do programa. Dentre elas estão as seguintes: • definir claramente e informar o sistema de controle de condicionalidades do programa, a sistemática de controle social e as sanções envolvidas no caso de descumprimento das contrapartidas pelos beneficiários; • enviar aos municípios listagem indicando as famílias beneficiárias do PBF e dos programas remanescentes Bolsa Escola e Bolsa Alimentação e o seu perfil de condicionalidades; • divulgar para os gestores municipais, agentes de controle social e beneficiários os critérios de inclusão no programa, bem como as exigências de cumprimento das condicionalidades e as regras para o seu monitoramento;

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• realizar capacitação dos gestores municipais a respeito do programa e divulgar para os municípios que a lista de beneficiários pode ser obtida no site do MDS; • realizar articulação entre o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (Pacs) do Ministério da Saúde e o PBF, visando promover o cumprimento e o acompanhamento das condicionalidades de saúde e nutrição; • divulgar os critérios de migração dos programas de transferência de renda anteriores e os procedimentos de inclusão das famílias; • capacitar os agentes envolvidos no controle social nos três níveis de governo e divulgar material de apoio com informações sobre o desenho do PBF, a competência a ser exercida pelo controle social e a importância dessa atuação; • definir mecanismos que permitam a troca de experiências entre órgãos de controle social de diferentes municípios; • elaborar cadastro dos órgãos de controle social do PBF; • identificar e divulgar aos municípios boas práticas de manutenção e atualização do Cadastro Único; • incluir, nas parcerias organizadas com os governos estaduais, os procedimentos esperados para que estes possam cumprir suas atribuições no programa; • adotar indicadores de desempenho do programa; • determinar à Caixa a revisão do processo de cadastramento das senhas, a entrega mensal aos municípios da lista de cartões não repassados às famílias e de benefícios não sacados, a descentralização (entre suas agências) da entrega dos cartões em grandes municípios, a adequação da rede de atendimento à previsão de expansão do Bolsa Família. A lista de recomendações apresentadas pelo TCU em 2004 com relação ao Bolsa Família é reveladora das características do processo de trabalho desenvolvido nas auditorias de natureza operacional que o órgão tem adotado nos últimos anos. A Constituição de 1988 atribuiu ao TCU competência para realizar auditoria de natureza operacional, também conhecida como auditoria de desempenho ou auditoria de gestão (NORONHA, 2003). Ao mesmo tempo, a lista é indicativa dos diversos âmbitos e detalhes a serem observados pelos órgãos fiscalizadores com relação ao programa. Nesse tipo de

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exame, há preocupação central com os resultados produzidos pelos programas governamentais. Todos os temas indicados pelo TCU foram posteriormente trabalhados pelo MDS e permanecem atuais, como preocupação dos gestores do programa.

Ministério Público A missão do Ministério Público é a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, bem como a tutela dos interesses difusos e coletivos e a defesa dos direitos dos cidadãos. A atuação principal do Ministério Público no que se refere ao Bolsa Família é a investigação de casos, por iniciativa própria ou a partir de denúncias individuais ou veiculadas através da imprensa. Procuradores e promotores realizam diligências para investigar irregularidades e, eventualmente, propor ações penais, cíveis ou administrativas. Tanto no âmbito federal quanto nos estados, eles têm solicitado ao MDS a fiscalização e a apuração de irregularidades na execução do programa. O Ministério Público também realiza reuniões públicas para esclarecer supostas irregularidades. No âmbito do Ministério Público, foi constituído o Grupo de Trabalho Alimentação Adequada, cujo objetivo é propor metas e procedimentos para atuação coordenada do Ministério Público Federal, em todo o país, em relação a esse tema, que inclui o Bolsa Família. Por iniciativa do Grupo de Trabalho, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão encaminhou à Senarc/MDS, em janeiro de 2005, um ofício solicitando esclarecimentos a respeito de um conjunto de quesitos relativos à execução do programa. Entre os temas para os quais foram solicitados esclarecimentos e para os quais o MDS entregou resposta, destacam-se os seguintes: orientações dadas pelo MDS aos municípios a respeito do cadastramento; controle de qualidade do cadastro; agentes responsáveis pelo preenchimento da ficha cadastral e pela inserção dos dados no sistema; critérios de vulnerabilidade social e econômica utilizados para a seleção das famílias; agente responsável pela seleção das famílias; remuneração da Caixa pelos serviços prestados; controle exercido pelo MDS sobre o trabalho da Caixa; controle do implemento das condicionalidades pelas famílias; verificação pelo MDS da atuação dos conselhos de controle social; forma como são feitos o cadastramento e a inclusão das comunidades indígenas no programa.

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Posteriormente, houve nova solicitação de esclarecimentos pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, com indagações mais incisivas a respeito das precauções do MDS no controle da execução do PBF e das fiscalizações realizadas. Transcrevemos integralmente as questões apresentadas, por considerar que elas permitem conhecer o interesse do Ministério Público Federal pela gestão do programa e, ao mesmo tempo, verificar a amplitude de temas que podem ser objeto de controle: 1. É permitida ou encorajada a seleção prévia, pelos agentes municipais, das

pessoas que podem preencher os cadastros? Qual a orientação do MDS a respeito? Por seleção entenda-se a recusa de preenchimento ou inutilização do formulário pelo agente cadastrador sob o argumento de que o interessado não preenche os requisitos do programa.

2. Por outro lado, pode o Município recusar o cadastramento de alguém,

sob a alegação de que não atende aos critérios do programa? Entende-se por recusa de cadastramento o não processamento ou não envio à Caixa Econômica Federal do formulário preenchido pelo agente cadastrador. Se possível, informar se esta pré-seleção e recusa de cadastramento são consideradas adequadas aos critérios do Programa e se há orientação quanto à prática destes procedimentos.

3. Considerando-se que a visita domiciliar é a estratégia mais indicada para o

cadastramento, segundo esse Ministério, é oferecido algum tipo de apoio ao Município para o desenvolvimento desse trabalho de busca ativa?

4. É fiscalizada a adequação da infra-estrutura que o Ministério dispôs para

realizar o cadastramento? Considerar, nesta questão, os casos em que o cadastramento é realizado por poucos funcionários, gerando grandes filas, inúmeros retornos dos interessados, ou mesmo situações em que são utilizadas senhas para atendimento com prazos longos de retorno (de três ou seis meses).

5. Há fiscalização por parte do MDS para a hipótese do Município realizar

um cadastramento aquém do número de bolsas disponíveis e de famílias que delas necessitam? Considerando-se os dados disponibilizados na Internet, por que não é possível averiguar, por esses dados, a ocorrência de casos nesse sentido? Em caso de haver controle dessas situações pelo MDS, são desencadeadas inspeções com o objetivo de verificar as causas de modo a evitar a exclusão de comunidades, seja pela distância das sedes, por discriminação de ordem étnica ou outras razões?

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6. O que tem feito o Ministério para assegurar às famílias a documentação

necessária para que possam receber o benefício?

7. Existe um teto para a concessão de novas bolsas famílias? Caso a abrangência

do Programa seja fixada em termos de metas de atendimento a serem cumpridas por Município, como é estimado o número de famílias pobres residentes em cada Município para efeito de cálculo da meta a ser atingida? Exemplificar, particularmente com capitais de Estado.

8. Se ficar comprovado erro na estimativa do número de famílias pobres na

qual se baseia a meta de cobertura por município, é possível haver ampliação do número de bolsas para o Município?

9. É possível que bolsas canceladas por irregularidades sejam direcionadas

para outras famílias que atendam aos critérios do programa e que ainda não tenham sido beneficiadas? Essa transferência pode ser feita para outro município e outro Estado da Federação?

10. Há alguma estratégia específica de cadastramento voltada para grupos

vulneráveis, como os assentados da reforma agrária ou deslocados pela construção de barragens, tendo em conta as situações em que estes, assim como grupos indígenas, ficaram à margem de cadastramentos realizados por Prefeituras Municipais?

11. Como deve proceder o agente municipal (cadastrador ou de saúde) diante

da constatação de que há criança com alto grau de risco nutricional? Existe algum procedimento de inclusão emergencial do Programa, uma vez que o cadastramento por si só não terá o condão de solucionar a situação de risco? Quais são os responsáveis pelo socorro à criança (dever de agir)?

12. Pretende o MDS adotar procedimentos de inclusão de criança e outras

pessoas vulneráveis, em situação de grave risco nutricional, no Programa Bolsa Família, que sejam independentes das contingências relativas ao teto de bolsas previstas para o Município e da espera pelo cadastramento municipal?

13. Está previsto o aprimoramento da base de dados disponível do sítio do

Bolsa Família, na Internet? Quais são as justificativas para a não divulgação dos endereços dos beneficiários e quais as perspectivas para detalhamento dos dados sobre o número de bolsas disponibilizadas e famílias efetivamente atendidas? (BRASIL. MDS. SENARC. 22/9/2005 e Brasil. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. 5/1/2005).

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A Procuradoria solicitou também à Caixa esclarecimentos sobre a atuação da instituição na operação do PBF, particularmente sobre os serviços prestados, a remuneração recebida e as providências adotadas tendo em vista o aumento da demanda de serviços nas agências, o processamento do cadastro e pagamento dos benefícios, bem como sobre o tempo para iniciar o pagamento do Bolsa Família após a inclusão de uma família no Cadastro Único. Percebe-se especial interesse do Ministério Público Federal pelo cadastramento e inclusão no PBF das populações vulneráveis, em particular famílias em extrema pobreza, crianças em grave risco nutricional, grupos indígenas, remanescentes de quilombos, assentados da reforma agrária e deslocados pela construção de barragens. Também há inquietação do órgão federal com relação às condições de prestação do serviço, pela Caixa, aos beneficiários do programa, principalmente a possível existência de grandes filas nas agências. O manual de orientações sobre o PBF, para uso do Ministério Público Federal e dos Ministérios Públicos Estaduais, publicado pelo MDS em 2005, é fruto do levantamento de informações feito em ofícios dirigidos ao gestor federal do programa. A publicação inclui também um mapa exploratório, no qual são identificados pontos do programa considerados mais críticos e passíveis de falhas e fraudes, assim como as possibilidades de atuação do Ministério Público na sua fiscalização.

Controladoria-Geral da União A Controladoria-Geral da União é o órgão central do sistema de controle interno do Poder Executivo federal, ao qual compete examinar a atuação de agentes públicos e a execução das ações governamentais. O exercício dessa atribuição visa contribuir para aumentar a racionalidade na tomada de decisões, ao identificar problemas, sugerir alternativas de solução, prever suas conseqüências e otimizar a utilização dos recursos disponíveis (REZENDE, 2004). As estratégias de controle se concretizam por meio de tomadas de contas realizadas no MDS como parte do Sistema de Controle Interno e por meio de fiscalizações e auditorias efetuadas por servidores do órgão em todo o país. Em um processo de tomada de contas realizado em 2005, a Controladoria analisou os controles realizados pela Coordenação Geral de Fiscalização da Senarc com relação ao PBF, o banco de dados de denúncias e a documentação

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referente a cada uma delas, os relatórios de fiscalização próprios da unidade e o atendimento às recomendações referentes aos sorteios de fiscalização de municípios. Ao mesmo tempo, foram examinados a base de dados da Caixa com relação ao PBF e programas remanescentes, os contratos de prestação de serviços firmados com o MDS, a relação de benefícios bloqueados do PBF, a relação de cartões emitidos e não entregues e os documentos relativos a recursos financeiros não sacados devolvidos pela Caixa ao MDS (BRASIL/ CGU, 2005). Um dos resultados desse exame foi a constatação de que os controles de denúncias recebidas eram incipientes, havendo demora do MDS no atendimento das denúncias, processos incompletos e sem documentação e falta de providências para atendimento das recomendações dos relatórios de fiscalização da CGU nos municípios. A fiscalização realizada pela CGU nos municípios é da maior relevância para o conhecimento sobre o controle do Bolsa Família e levantamento de irregularidades na sua execução. Através do Programa de Sorteios Públicos, a Controladoria fiscaliza a utilização dos recursos públicos federais transferidos para os municípios brasileiros e/ou neles aplicados, bem como os serviços públicos prestados diretamente ao cidadão por instituições e órgãos federais. Trata-se de uma inovação no sistema de controle interno no país, iniciada em junho de 2003. Desde então são sorteados publicamente, a cada dois meses, 60 municípios. Na fase experimental foram sorteados, para serem objeto de exame, 50 municípios com população acima de 20.000 habitantes. Posteriormente, definiu-se que seriam sorteados municípios com até 300.000 habitantes. Após o oitavo sorteio, passaram a ser selecionados municípios com até 500.000 habitantes, excluídas as capitais. A fiscalização compreende o exame de contas e documentos, a inspeção física das obras e serviços referentes a programas e ações de todos os órgãos do Executivo federal, além do contato com a população. Por decisão do governo federal, o PBF é examinado em todos os eventos, o que o diferencia dos demais programas públicos fiscalizados. As equipes da CGU verificam, nos municípios, um conjunto de aspectos do programa que fazem parte do questionário utilizado nas rotinas de fiscalização. Esse questionário foi elaborado com a colaboração da CGF/Senarc e inclui os seguintes aspectos: elegibilidade dos beneficiários (em cada município é verificada a situação de uma amostra de famílias beneficiárias); cadastramento; pagamento

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e operação do programa pela Caixa; monitoramento das condicionalidades; processo de implementação. É realizada análise de documentos obtidos junto a gestores municipais, agências da Caixa, instâncias de controle social e feitas entrevistas com diretores de escolas, beneficiários do programa e outros atores, selecionados em uma amostra representativa. Desde 2003 até julho de 2006 foram realizados 22 sorteios. Cada um deles seguiu uma rotina operacional consistindo de procedimentos de planejamento e realização das ações de controles, elaboração e encaminhamento dos relatórios aos prefeitos de cada município auditado, aos gestores federais, ao TCU, ao Ministério Público da União e dos estados, às presidências do Senado e da Câmara de Deputados. Após esse encaminhamento, são publicados os principais resultados das fiscalizações no site da CGU e é realizado pelo órgão o acompanhamento das providências tomadas pelo gestor a respeito das situações constatadas. O organismo gestor de cada um dos programas fiscalizados deve adotar medidas necessárias à correção das falhas e recuperação dos valores desviados, encaminhando à CGU os resultados das providências adotadas. Por tal razão, os relatórios das fiscalizações enviados ao MDS desencadeiam no Ministério uma série de procedimentos para apurar e solucionar os fatos. O trabalho de fiscalização da CGU em relação aos programas federais – o Bolsa Família entre eles –, cujo propósito é a exposição pública da forma como se aplicam os recursos federais nos municípios sorteados, busca gerar efeito dissuasivo de possíveis irregularidades, fraudes e atos de corrupção. Os relatórios de fiscalização são publicados no Portal da Transparência, onde a 

Os relatórios finais de fiscalização estão organizados nos seguintes itens: fato, evidências,

manifestação do prefeito e análise da equipe. São mencionados nos documentos muitos tipos de evidências, variando conforme os fatos investigados: base de dados do Cadastro Único; resposta do prefeito à solicitação de fiscalização; visitas aos endereços dos beneficiários; entrevista com beneficiários; registros fotográficos de imóveis e de veículos; vista de documentos da família (carteira de identidade, certidão de nascimento etc.); informação obtida com vizinhos; vistas de diários de classe nas escolas; entrevista com direção de escola; verificação realizada em agência da Caixa (de ofícios, folhas de pagamento e comprovantes de entrega de cartão); entrevista com responsável pelo programa na agência da Caixa; vista de fichas cadastrais; entrevista com secretário municipal de assistência social; entrevista com o gestor do programa no município; vistas de folhas de pagamentos ou de lista de pessoal da prefeitura; cruzamentos de dados da folha de pagamentos de servidores municipais com a folha de pagamentos de beneficiários do PBF.

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CGU divulga também a lista de beneficiários do PBF e a informação sobre o montante de recursos liberados para cada município, de forma a facilitar o acompanhamento pela sociedade.

Instância de controle social no município A constituição do conselho de controle social é um dos requisitos mínimos da adesão do município ao Programa Bolsa Família. Existem duas alternativas para a definição do conselho no município. A primeira é a criação de um conselho específico, dedicado exclusivamente ao controle do PBF, que deve ser formalizado e cumprir as exigências legais de funcionamento (estatuto, processos de escolha definidos, reuniões, atas de reuniões etc.). O conselho deve ser intersetorial, composto por representantes das áreas de assistência social, saúde, educação, segurança alimentar, da criança e adolescente, com paridade governo e sociedade. A segunda alternativa é o controle social ser exercido por um conselho já existente no município (por exemplo, o Conselho Municipal de Assistência Social ou o Conselho Municipal de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente), desde que garantidas a paridade e a intersetorialidade. Nesse caso, deve ser formalmente atribuída ao conselho a função de instância local de controle social do Bolsa Família no município. Cabem à instância municipal de controle social diversas atribuições relacionadas ao cadastramento único, à gestão de benefícios, ao controle do cumprimento das condicionalidades pelas famílias beneficiárias, às ações complementares e ao exercício de controle e fiscalização do PBF. O gestor federal do programa espera que cada conselho acompanhe de perto tudo o que se refere à implementação do programa na esfera local e contribua para dar conhecimento, ao governo municipal e às instituições integrantes da rede pública de fiscalização, da existência de eventuais irregularidades. Os gestores devem possibilitar o acesso dos membros das instâncias de controle social aos bancos de dados e às informações relativas à gestão do programa, em especial às listas de beneficiários no município, cartões não entregues pela Caixa, de benefícios não sacados pelas famílias, famílias que descumpriram os compromissos de contrapartida em educação e saúde, e famílias com benefícios bloqueados e cancelados. Para consulta ao sistema de

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gestão de benefícios, os representantes de cada conselho devem ser credenciados junto à Caixa.

A Coordenação-Geral de Fiscalização do MDS (CGF) As ações de controle do MDS sobre o Programa Bolsa Família se referem principalmente ao cadastramento (checagem de dados e cruzamento com outras bases de informação), à operação do programa pela Caixa e à gestão de benefícios. Cabe à CGF realizar fiscalização ativa e reativa, por meio de ações periódicas de vistoria e fiscalização, consistindo na apuração – in loco e a distância – de falhas na execução dos programas Bolsa Família e remanescentes. Desde o início do PBF, foram realizados trabalhos in loco em alguns municípios do país, que consistiram no exame amplo dos processos de trabalho, do modelo de execução, da consistência dos cadastros e do serviço prestado pela Caixa e seus agentes às prefeituras e aos beneficiários do PBF. Entre as responsabilidades da CGF estão as de esclarecer e dar providências com relação às denúncias relacionadas ao Programa Bolsa Família encaminhadas ao MDS pela população ou pelos órgãos fiscalizados e, em algumas ocasiões, denúncias veiculadas pela imprensa. A CGF cumpre uma extensa gama de atividades no desempenho de suas funções, entre as quais consideramos importante destacar: • apurar as denúncias sobre o PBF recebidas através da Central de Atendimento MDS, da Central de Atendimento do MEC – Fala Brasil, de e-mail, de cartas e encaminhados pelos organismos da Rede de Fiscalização. A Portaria nº 1, já mencionada, indica que “exceto quando manifestamente inconsistente ou incompleta, a denúncia formal endereçada ao PBF ensejará a abertura de processo específico” (art. 6º). Cada denúncia deveria desencadear um trabalho de consulta; • responder e dar encaminhamento às demandas dos órgãos da Rede Pública de Fiscalização; • fornecer dados e informações (relatórios e pareceres) aos gestores municipais e aos órgãos de controle que compõem a rede pública de fiscalização, para implementação de providências no âmbito de competências desses órgãos;

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• colaborar com os órgãos fiscalizadores no exercício de suas funções em relação ao PBF. Exemplos disso são a elaboração do manual de orientações para o Ministério Público e a elaboração do questionário base utilizado pela CGU nas fiscalizações nos municípios no Programa de Sorteios; • participar, abordando o tema controle e fiscalização, nas atividades de treinamento sobre a execução do PBF realizadas pela Senarc nos estados e municípios; • analisar o relatório da CGU para cada município fiscalizado após o sorteio e organizar a resposta do Ministério no prazo legal estabelecido. Isso inclui o tratamento de falhas e disfunções apuradas; • elaborar e encaminhar à CGU documento de resposta indicando as diligências realizadas com relação às irregularidades indicadas pela Controladoria nos relatórios de fiscalização nos municípios. O governo federal e a sociedade atribuem grande importância às fiscalizações realizadas pela Controladoria nos municípios. Tais exames geram um grande volume de informação que deve ser processada pela CGF. Tendo a atribuição de encaminhar dentro do MDS as questões que surgem dos relatórios de fiscalização, essa Coordenação deve adotar uma série de providências, tais como: análise das ocorrências apontadas em cada um dos relatórios; envio de ofícios a cada uma das prefeituras dos municípios onde foram apontadas disfunções e irregularidades, solicitando esclarecimentos e adoção de providências no prazo de 30 dias; envio de memorando solicitando à CoordenaçãoGeral de Benefícios/Senarc o tratamento dos casos de duplicidade detectados; elaboração de parecer sobre as respostas enviadas pelas prefeituras; envio de novo ofício às prefeituras quando são necessários esclarecimentos adicionais; arquivamento de processos quando da plena regularização da falha apontada; reiteração dos ofícios quando as prefeituras não respondem no prazo de 30 dias. A capacidade operativa da CGF é limitada, estando aquém do necessário para enfrentar as diversas atribuições e o volume de trabalho que elas representam. Em 2006, a Coordenação possuía uma equipe de trabalho de 15 pessoas, sendo que nem todos os técnicos podiam desempenhar a função de fiscalização nos municípios. Existiam, ademais, limitações quanto à logística para viagem, devido às restrições de recursos para financiar deslocamentos e diárias

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dos fiscalizadores. Outra restrição diz respeito ao fato de, até o final de 2006, a Coordenação não contar com um sistema computacional específico para controle de denúncias e acompanhamento dos dossiês que permitisse obter rapidamente relatórios gerenciais sobre as apurações (FILGUEIRAS, 2006).

Denúncias, falhas e irregularidades As denúncias sobre possíveis irregularidades na execução do PBF chegam ao MDS através de diversos canais: telefone 0800, central de relacionamento do MEC – Fala Brasil, e-mails e cartas. Entretanto, não está disponível uma sistematização das informações referentes a essas fontes. Sabe-se apenas que, entre os casos que chegam a ser investigados pela CGF, nem todas as irregularidades denunciadas se confirmam. Não existe informação quantitativa completa e atualizada sobre a ocorrência de irregularidades e fraudes na implementação do Bolsa Família. Para contar com informação completa e consistente, seria necessário estabelecer uma distinção entre as denúncias de suspeitas de irregularidades e os casos confirmados após averiguação, porém não existe base de consulta organizada sobre isso. É possível ter uma idéia aproximada do volume de casos de irregularidades a partir das conclusões dos relatórios da CGU para os municípios fiscalizados no Programa de Sorteio, já que constituem a única fonte acessível e sistemática. No quadro 1, são apresentadas informações referentes ao ano 2005.

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Quadro 1 Síntese dos principais fatos constatados sobre o Programa Bolsa Família nos municípios fiscalizados pela Controladoria-Geral da União em 2005 Área de Quantidade fiscalização

Principais fatos constatados Em 50% das prefeituras a coordenação municipal do programa não havia sido constituída. Em 62% dos municípios não ficou evidenciada a ocorrência de divulgação da relação dos beneficiários do programa. 32% das prefeituras não divulgaram o programa.

Atuação do gestor municipal

243 prefeituras visitadas

Em 40% dos municípios não foi encontrada evidência de mobilização da prefeitura para sensibilizar as famílias a manter o cadastro atualizado e cumprir as condicionalidades. Em 13% das prefeituras foram encontradas divergências entre as informações da base de dados do programa e os formulários de cadastramento das famílias. 22% dos diretores de 1.109 escolas visitadas não exerciam suas atribuições com relação ao programa, sendo que 13% desconhecem essas atribuições. Em 26% dos municípios a instância de controle social não havia sido constituída.

Controle social

Gestão de benefícios

Informações obtidas em 243 municípios

5.064 famílias beneficiárias visitadas

Atuação da Caixa como agente operador do programa

256 agências visitadas

Em 18% das instâncias de controle social existentes não havia paridade entre representantes governamentais e não-governamentais. 26% das instâncias de controle social afirmaram não ter acesso às informações básicas para acompanhamento do programa. 60% dos conselhos sociais não realizaram visitas às escolas e postos de saúde para acompanhar o cumprimento das condicionalidades pelas famílias beneficiárias do programa. 9% dos pagamentos de benefícios às famílias deixaram de ser pagos ou foram realizados em montante divergente do previsto. 7% das famílias beneficiárias visitadas apresentavam evidências de renda per capita superior à renda prevista no programa. 1,6% das famílias informaram que lhes foram impostas condições para saque do benefício (venda casada). Em 5% das agências não ocorreu ou ocorreu só eventualmente a divulgação das datas de pagamento dos benefícios. Em 17% das agências não foram apresentados os comprovantes de entrega dos cartões de saque aos beneficiários. 32% das agências onde havia cartões não entregues não se mobilizaram para localização e entrega dos cartões aos beneficiários.

Fonte: Filgueiras, 2006.

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Deve ser lembrado que as fiscalizações com base no sistema de sorteio ocorrem apenas nos municípios com população entre 20.000 e 500.000 habitantes. Os dados apresentados acima não permitem inferências para o conjunto do PBF, devendo a interpretação limitar-se ao universo de atores fiscalizados, isto é, prefeituras, agências da Caixa, escolas, famílias e conselhos nos municípios incluídos no sorteio. A síntese dos resultados das fiscalizações permite ainda conhecer a tipologia de problemas detectados nos temas do PBF investigados pelas equipes da CGU. As falhas e irregularidades denunciadas e/ou detectadas com maior freqüência na execução do PBF, segundo as várias fontes consultadas para este trabalho, podem ser agrupadas em: cadastramento e visitas às famílias, agente operador Caixa, atuação dos gestores municipais, acompanhamento de condicionalidades, e controle social. Em seu relatório de gestão do ano 2006, a CGU aponta que houve redução na incidência de problemas relacionados à constituição do órgão de controle social e às ações das prefeituras relacionadas à atualização do Cadastro e ao acompanhamento das condicionalidades, comparativamente ao ano 2005 (CGU, 2007, p. 133). a)

Cadastramento e visitas às famílias

De acordo com Lindert et al. (2006), o principal fator de risco para um programa de transferência condicionada de renda é a interferência de viés político na alocação geográfica das quotas do programa, nos processos de cadastramento, pagamento e relato do cumprimento das condicionalidades pelas famílias. Os mesmos autores afirmam que o risco maior do PBF está no processo de cadastramento. A eficácia dos programas sociais de transferência de renda depende, em grande medida, da confiabilidade do processo de cadastramento e da manutenção do banco de dados com as informações de potenciais beneficiários e beneficiários efetivos. A utilidade do cadastro diminui se ele apresenta inconsistências e se não é atualizado continuamente. Existe um impacto direto do cadastro na gestão do PBF. O impacto é positivo na medida em que ele facilita o planejamento e a focalização, reduzindo o risco de pagamentos indevidos de benefícios e dando maior confiabilidade à informação. Por outro lado, os problemas do cadastro podem ter impacto negativo no programa principalmente

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por gerar focalização deficiente devido a erros na informação sobre as famílias e multiplicidade de benefícios. Nas depurações feitas no Cadastro Único, os problemas mais comuns são: famílias com renda superior à permitida pelos critérios de elegibilidade do programa; duplicidade de pagamentos de benefícios (devido a duas situações possíveis: uma família registrada mais de uma vez, com NIS diferente do responsável; uma criança vinculada a mais de um responsável legal). Desde 2004 foram estabelecidas rotinas de críticas no sistema, de forma a contribuir para melhor focalização, com o cruzamento das informações com outros cadastros, tais como bases do INSS e bases de dados de servidores municipais. Desse modo, são detectadas pessoas e famílias que foram indevidamente incluídas no cadastro social ou que recebem mais de uma vez o benefício. Estimativas do MDS divulgadas pela imprensa em 2007 revelaram que 1,5 milhão de famílias tiveram benefícios cancelados ou bloqueados desde o início do Programa em 2003 (AGÊNCIA BRASIL, 2007). Como parte indispensável dos processos de cadastramento das famílias no município e manutenção da base de dados, as prefeituras deveriam realizar visitas domiciliares a uma amostra de pelo menos 15% das famílias cadastradas (isso quando o cadastramento é feito em postos de atendimento) para verificar se as informações prestadas conferem com a condição de vida da família. Entretanto, muitas prefeituras não estariam seguindo essa orientação. b)

Operação do Programa pela Caixa

Existe uma grande quantidade de falhas ou situações irregulares relacionadas à operação do PBF pelas agências bancárias da Caixa e casas lotéricas, identificadas nas fiscalizações realizadas nos municípios. Vale a pena enumerá-las: entrega de cartões aos beneficiários realizada por terceiros, no período em que somente a Caixa estava autorizada a fazê-lo; falhas na atribuição de senhas para saque; registro indevido de senhas associadas ao NIS; saques de benefícios realizados sem que a família tivesse recebido o cartão; imposição de venda casada à família para retirada do cartão; cobrança de taxa pelo serviço de pagamento; ausência de assinatura do beneficiário no Termo de Responsabilidade para uso do cartão/senha do cidadão; falta de comprovantes de entrega dos cartões de saque aos beneficiários; divulgação para funcionários de casa lotérica de senhas dos cartões magnéticos para saques; deficiência na rede

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de agências para entrega dos cartões de saque (distância muito grande entre domicílios dos beneficiários e agência bancária ou casa lotérica); filas e atrasos excessivos para realizar pagamentos; falta de divulgação – ou divulgação apenas eventual – da data de pagamento dos benefícios; não adoção, pelas agências, de medidas para encontrar as famílias que não retiram os cartões de saque; existência no município de famílias que são beneficiárias, porém desconhecem essa situação; cartões de saque não entregues aos beneficiários; demora em procedimento de bloqueio de cartões pela Caixa, após a solicitação da prefeitura. Foram identificadas outras situações relacionadas aos cartões de saque de benefícios que não podem ser atribuídas direta ou exclusivamente à ação da Caixa: posse indevida de cartão por terceiro; saques efetuados na conta de beneficiário-responsável falecido; cartão retido por agentes comerciais no município devido a dívida da família; necessidade de realizar despesas para receber o benefício (por exemplo: terceiro cobra de beneficiário 10% do valor do benefício para sacá-lo em agência da Caixa em cidade mais próxima); benefícios não sacados (seja porque os cartões não foram retirados pelas famílias, seja porque, de posse do cartão, as famílias não sacam os valores monetários que lhes correspondem). Para solucionar as falhas e irregularidades listadas, diversas providências foram tomadas pela Caixa e pelo gestor federal do PBF. Entre elas se destacam a revisão dos procedimentos de cadastramento das senhas, buscando gerar maior segurança, a colocação à disposição dos municípios da relação mensal dos beneficiários que não retiraram seus cartões ou que não estão sacando seus benefícios, e a modificação na sistemática de entrega dos cartões, que passaram a ser entregues pelos Correios diretamente no endereço da família, sem senhas ativadas e com aviso de recebimento (AR). c)

Atuação dos gestores municipais

As principais falhas identificadas nas ações de controle e fiscalização do programa pela CGU, com relação à atuação dos gestores municipais, são: inexistência da Coordenação Municipal do PBF; não capacitação da equipe de Coordenação Municipal do PBF; gerenciamento inadequado do cadastro; falta de estrutura para o monitoramento do cumprimento das condicionalidades e verificação das inconsistências nas informações cadastrais; ausência

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de responsáveis pelo acompanhamento das condicionalidades; precariedade na segurança do acesso ao aplicativo do Cadastro Único; falta de apuração da renda da família; falta de divulgação da relação dos beneficiários do PBF; atuação insuficiente do gestor municipal para tratamento dos bloqueios de benefícios em caso de suspeita de irregularidades; fraude do cadastro, pelo coordenador municipal e/ou servidores municipais, para receber benefícios. d)

Condicionalidades em educação e saúde

Um dos aspectos mais visados nas fiscalizações pela CGU é o cumprimento, pelas famílias beneficiárias, das condicionalidades em educação e saúde. Elas são contrapartidas sociais do núcleo familiar para ele ter direito ao benefício mensal. Trata-se de ações voltadas às crianças, aos adolescentes, às gestantes e às mães em fase de amamentação, que agregam valor às estratégias de enfrentamento da pobreza e da exclusão social. É de grande importância para os objetivos do PBF que as famílias cumpram os compromissos, para que o Programa não se limite à transferência de renda e, desse modo, contribua para a melhora das condições sociais dos beneficiários. As responsabilidades associadas ao cumprimento das condicionalidades são partilhadas por governos municipais e famílias. Com a criação do PBF, houve descontinuidade do sistema de controle de condicionalidades dos programas de transferência de renda, em particular os controles estabelecidos para o Bolsa Escola. Em 2004, uma auditoria realizada pelo TCU recomendou que o MDS adotasse medidas para o cumprimento das condicionalidades, definindo as regras de sanção no caso de descumprimento das contrapartidas pelos beneficiários e a sistemática de controle social a ser exercida nos municípios. Foi dado um prazo de seis meses ao MDS para implantar o sistema de controle. Contudo, a verificação do cumprimento das condicionalidades pelas famílias, subordinada aos ministérios setoriais, dependia de regulamentação que operacionalizasse a coleta de informações. Os procedimentos de acompanhamento de condições de contrapartida dos beneficiários foram finalmente definidos em setembro de 2005. Com relação à saúde, os municípios devem utilizar o Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional – Sisvan/Datasus – para informar sobre o acompanhamento da situação das famílias. No entanto, esse sistema não está implantado em todos os municípios e, onde ele está sendo utilizado, nem

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sempre é satisfatória a informação reportada sobre os membros das famílias beneficiárias do programa. No segundo semestre de 2006, apenas um terço das famílias beneficiárias “com perfil saúde”, isto é, que teriam de comparecer às unidades de saúde para cumprir as condicionalidades nessa área, recebiam acompanhamento da sua situação pelos serviços de saúde. É preciso reconhecer, contudo, que houve significativo aumento da taxa de acompanhamento desde o primeiro semestre de 2005: de apenas 6% ela passou para 33,4% em 2006 (Tab. 2). Tabela 2 Resultados de acompanhamento de condicionalidades em saúde – Brasil, 2005-2006 2005 1º Semestre

2006

2º 1º 2º Semestre Semestre Semestre

Municípios que informaram sobre acompanhamento

30,1%

71,6%

81,8%

85,6%

% Famílias beneficiárias com perfil saúde acompanhadas

6%

31.2%

38.3%

33.4%

% de crianças beneficiárias com perfil saúde acompanhadas

7.3%

36%

43.1%

40.3%

% de crianças beneficiárias com perfil saúde acompanhadas que cumpriram as condicionalidades

92,1%

99,4%

99,6%

99,5%

Fonte: http://www.mds.gov.br/bolsafamilia/condicionalidades/resultados-na-area-de-saude. Acesso em: 27/8/07

A respeito da educação, as fontes consultadas indicam falhas e irregularidades relacionadas às seguintes situações: crianças não localizadas nas escolas do município indicadas no Cadastro Único; crianças não matriculadas; inexistência de apuração mensal da freqüência escolar; freqüência escolar inferior ao mínimo exigido de 85%; município não está informando a freqüência escolar dos alunos; desconhecimento por diretores de escola das suas atribuições no programa; ausência de ações do governo municipal orientadas às famílias beneficiárias para estimulá-las a cumprir as condicionalidades;

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as escolas no município não repassam à prefeitura a freqüência dos alunos beneficiados. As escolas enviam relatório com dados de freqüência escolar das crianças beneficiárias do Bolsa Família ao MEC, por sistema de transferência de dados on-line. Existe, porém, uma porcentagem de estabelecimentos escolares que não o fazem, ou não o fazem regularmente. No período agosto-setembro de 2006, 89.76% das escolas informaram os dados. Devido a essa situação, existiu informação apenas para 70.23% das crianças beneficiárias, sendo que uma parte delas (4.8%) não havia cumprido a freqüência escolar mínima exigida pelo programa (Tab. 3). Tabela 3 Resultados de acompanhamento de freqüência escolar – Brasil, 2005-2006 Período de apuração

Total de crianças no PBF

% crianças com % crianças registro de com freqüência freqüência abaixo de 85%

Ago-Set 2005

13.363.210

77.47%

2.9%

90.84%

Out-Nov 2005

13.352.733

76.16%

2.9%

86.98%

Fev-Mar-Abr 2006

13.639.563

65.15%

2.3%

85.90%

Maio-Jun-Jul 2006

14.484.820

71.40%

4.6%

92.85%

Ago-Set 2006

16.278.589

70.23%

4.8%

89.76%

% de escolas que informaram

Fonte: http://www.mds.gov.br/bolsafamilia/condicionalidades/resultados-na-area-de-educacao. Acesso em: 27/8/07.

Desde dezembro de 2005 estão sendo feitas advertências por escrito pelo MDS às famílias com crianças cuja freqüência escolar é insuficiente. Em caso de reincidência, o benefício é suspenso por 30 dias, mas pago dobrado no mês seguinte. Em caso de nova reincidência, o pagamento é suspenso por 60 dias, mas volta a ser pago no mês seguinte. Havendo nova reincidência, ocorre nova suspensão por 60 dias. Apenas se houver reincidência uma quinta vez, o benefício poderá ser cancelado.

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e) Instância de controle social A instância de controle social constitui um dos aspectos do programa altamente valorizado pelo gestor federal. Contudo, uma parte das irregularidades apontadas pela CGU nas fiscalizações realizadas nos município em 2005 se refere a situações relacionadas a essa instância, tais como: inexistência do conselho; atuação deficiente, provocando a ausência de controle efetivo; falhas na criação: falta de paridade entre governo e sociedade na composição do conselho; falha na designação dos representantes; ausência de registro em atas das reuniões do conselho; desconhecimento, pelo conselho, da relação dos beneficiários; inexistência de visitas do conselho as famílias beneficiárias; não capacitação dos membros do conselho. A partir de 2006, aumentou significativamente o número de municípios onde foi criado o conselho social de controle do PBF. Esse fato, porém, poderia não estar associado a maior mobilização social em torno do Programa; ao contrário, poderia ser produto da capacidade de indução do MDS em relação a esse aspecto do Programa, considerando-se que se trata de uma exigência normativa e de fator pontuado no Índice de Gestão Descentralizada.

Atuação do MDS para correção das ocorrências e melhora da gestão do programa Como foi demonstrado, a implementação do PBF apresenta uma grande quantidade de situações que dão margem a falhas, irregularidades e até mesmo a fraudes. Para prevenir tais situações ou agir quando elas ocorrem, é necessário que o gestor do programa atue no sentido de fortalecer não somente o controle, mas também o conjunto da capacidade de gestão nos âmbitos federal, estadual e municipal. Após a publicação, em um jornal de circulação nacional, de matéria na qual se afirmava que o Bolsa Família tinha problemas em 90% de cidades auditadas, a Assessoria de Comunicação Social da CGU divulgou uma nota de esclarecimento à imprensa, afirmando que “o Ministério do Desenvolvimento Social vem respondendo, de forma imediata e eficaz, a todas as medidas recomendadas pela Controladoria para sanar as falhas apontadas pela fiscalização. A CGU

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considera o Bolsa Família um programa vitorioso sob todos os aspectos, inclusive devido à sua ampla visibilidade e transparência, uma vez que seus dados são publicados mensalmente no Portal da Transparência da CGU (...) com o nome de cada beneficiário, em cada município e com o respectivo valor recebido” (BRASIL. CGU. Assessoria de Comunicação Social, 2007). Com base no que foi apresentado neste trabalho, é possível confirmar que o MDS tem agido em diversas frentes para melhorar a gestão do PBF, aprimorar o processo de focalização do programa e monitorar o cumprimento das condicionalidades, além de cumprir de forma mais eficiente as funções de controle e fiscalização. Nesse sentido, podemos destacar: • averiguação de denúncias sobre o programa; • realização de fiscalização, vistoria e controle a distância e in loco; • realização de bloqueio de benefícios para averiguação e cancelamento, em casos comprovadamente irregulares; • apresentação de denúncia à Justiça quando é o caso; • encaminhamento de cobranças de devolução dos recursos desviados ou indevidamente recebidos; • respostas às demandas de esclarecimento e fiscalização do Ministério Público; • encaminhamento de respostas aos relatórios da CGU referentes às fiscalizações realizadas nos municípios através do Programa de Sorteios; • diligências junto às prefeituras dos municípios onde os fiscalizadores da CGU constataram falhas, irregularidades ou fraudes na execução do PBF; • definição de normas e divulgação de instruções aos municípios, com relação a temas como cadastramento, coordenação municipal, gestão de benefícios e instância de controle social; • auditorias nas folhas de pagamento do Bolsa Família e dos programas remanescentes, para identificação de casos de famílias que recebem múltiplos benefícios; • auditorias de cadastro, visando à melhoria na qualidade dos dados cadastrais e identificação de situações que justifiquem o bloqueio de benefícios. São realizados cruzamentos das informações do Cadastro Único com diversas bases de dados, tais como a Relação Anual de Informações Sociais

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do Ministério do Trabalho e Emprego (Rais), o Sistema de informações sobre óbito do Ministério da Previdência (Sisob). Sendo identificados cadastros de famílias com informações de renda diferentes das registradas, os benefícios são bloqueados ou colocados em averiguação. As auditorias e os procedimentos envolvidos são detalhados para os municípios através de instruções operacionais da Senarc e de ofícios-circular divulgando os trabalhos; • entrega às prefeituras de arquivos contendo as duplicidades encontradas nas auditorias realizadas e estabelecendo procedimentos para regularização das situações que justifiquem essas ações; • implementação de um plano de ação para melhoria do Cadastro Único, o qual incluiu o repasse de recursos aos municípios para apoio ao processo de manutenção, a regulamentação do cadastro, a capacitação dos municípios e estados para o cadastramento; o aprimoramento dos instrumentos de operação do cadastramento (formulários, material de informação e divulgação, implantação da versão 6.0 do sistema de cadastramento); a validação e checagem das informações cadastrais com base em cruzamento com outras bases de dados; • realização de auditorias de folhas de pagamento de benefícios da Caixa Econômica Federal; • aprimoramento do processo de entrega e substituição dos cartões do programa; • estabelecimento de um sistema de incentivo à melhora da gestão municipal do Programa, que inclui o repasse de recursos às prefeituras, segundo critérios amplamente divulgados, para que elas invistam no aprimoramento da sua capacidade operacional; • elaboração e distribuição de publicações destinadas a públicos diferenciados, com orientações sobre a execução do Bolsa Família; • desenvolvimento contínuo de ações de capacitação nos municípios, nos estados e no próprio MDS; • divulgação nos sites do governo federal em Internet da lista mensal de beneficiários e dos recursos transferidos a cada município.

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Considerações finais Para a compreensão dos desafios envolvidos no controle e na fiscalização do PBF, é indispensável tomar em consideração alguns elementos que contribuem para que a gestão do programa seja de grande complexidade. O Bolsa Família surgiu da fusão de vários programas, cada um deles possuindo procedimentos de implementação e base de dados próprios. Além disso, desde sua criação, o PBF sofreu diversos ajustes, os aspectos específicos da gestão foram sendo paulatinamente desenhados e foram sendo adotadas portarias e instruções normativas, o que exigiu trabalho contínuo de informação e divulgação junto aos agentes de diversas instituições envolvidos na execução. O ritmo acelerado imprimido à expansão do programa resultou em exigências múltiplas aos responsáveis pela execução em todos os níveis. Em três anos o programa se expandiu continuamente até atingir a cobertura de 11,1 milhões de famílias, beneficiando a 48.441.000 pessoas, isto é 25,9% da população brasileira estimada pelo IBGE para 2006, sendo que 30,8% dos beneficiários vivem em zona rural (BRASIL/MDS/Senarc, 2007). Trata-se de um programa federal de execução descentralizada em 5.560 municípios, dos quais 4.018 (75%) têm população de até 20.000 habitantes. Grande parte desses pequenos municípios, como também municípios de médio e grande porte, possuem limitada capacidade para o desempenho da gestão social. Registraram-se ocorrências de falhas e irregularidades relacionadas a vários aspectos do programa. Com relação à quantidade de casos de falhas e irregularidades na execução do Bolsa Família nos municípios, os números apresentados neste trabalho não são precisos, justificando cautela na sua apresentação. Contudo, é possível afirmar que os casos representam um porcentual baixo, se considerarmos a magnitude do programa e a complexidade do seu formato. No entanto, algumas situações podem gerar não apenas perda de recursos financeiros e ineficiência, mas também perda de confiança da sociedade brasileira nos gestores públicos. O gestor federal desenvolve diversas ações de controle e fiscalização do programa. Além disso, o desenho técnico, a organização do programa, sua regulamentação e o fortalecimento dos processos de cadastramento e controle têm contribuído para diminuir a possibilidade de irregularidades, bem como

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a margem de equívocos e de demora na atuação dos diversos agentes envolvidos na execução. O aperfeiçoamento dos mecanismos de operação do PBF tem se mostrado em geral eficaz para garantir a boa execução, a probidade e a transparência do programa. Merece destaque o Cadastro Único, que tem sido continuamente aperfeiçoado no seu formato e funcionamento, tendo passado por periódicas revisões e auditorias. Existe permanentemente o risco de manipulação de dados cadastrais no âmbito local, porém o gestor federal tem tomado providências de regulamentação e realizado auditorias para reduzir a possibilidade de que isso ocorra. Outro mecanismo que sobressai é o cartão cidadão, que elimina a influência de intermediários políticos na entrega mensal do benefício às famílias. O benefício é pago diretamente pelo MDS ao representante legal da família, que o retira de acordo com a sua decisão e conveniência nas agências da Caixa ou casas lotéricas. Merecem ser mencionados também os controles do MDS sobre a Caixa, que levaram ao melhor acompanhamento da atuação do agente operador e à correção de problemas operacionais que davam brechas a irregularidades. Finalmente, existem controles com relação aos gestores locais do programa, que ocorrem, por exemplo, por meio do credenciamento dos responsáveis pela entrada de informações nos sistemas de cadastramento e de gestão de benefícios, bem como de informação sobre acompanhamento do cumprimento das condicionalidades pelas famílias beneficiárias. Fez-se referência, neste texto, às exigências que recaem sobre a Coordenação-Geral de Fiscalização do MDS com relação ao programa. Tal Coordenação, criada praticamente junto com o Bolsa Família, cumpre os papéis de realização de vistorias e fiscalização, resolução de casos identificados nos municípios fiscalizados pela CGU através do Programa de Sorteios, resposta aos requerimentos apresentados pelo Ministério Público Federal e estaduais, além de recepção e tratamento das denúncias encaminhadas pela população ou divulgadas através da imprensa. As recomendações decorrentes de auditorias, fiscalizações e tomadas de conta realizadas pelos órgãos de fiscalização e controle do governo federal contribuíram para corrigir, regularizar e aperfeiçoar a operação do programa. Por iniciativa do MDS foi formada uma Rede Pública de Fiscalização. Os organismos que compõem a rede se esforçam para trabalhar de forma colaborativa, manter um nível adequado de informação entre eles e agir de modo

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coordenado para contribuir para a transparência da gestão do programa, a garantia de probidade e boa aplicação dos recursos públicos e a obtenção de resultados efetivos na situação das famílias. No entanto, essa importante articulação encontra-se ainda em sua fase inicial. Além disso, os diversos organismos superiores de fiscalização possuem suas próprias limitações para executar suas missões específicas (GOMES, 2005). Por outro lado, existe desnível de capacidade operacional entre eles. As investigações realizadas pela CGU, pelo TCU e pelo MP, algumas delas exigindo posterior aprofundamento para comprovação das denúncias e qualificação das responsabilidades, são encaminhadas à CGF e encontram aí um gargalo, devido às limitações na capacidade operacional dessa unidade fiscalizadora do MDS. Deve ser ressaltado o esforço de transparência da gestão do programa. A informação mensal com o nome do responsável legal de cada família beneficiária do Bolsa Família e o valor monetário recebido encontra-se disponível no Portal da Transparência do governo federal para consulta por qualquer pessoa ou instituição. Trata-se de um dos raros casos no país de possibilidade livre de consulta a respeito de recebimento de recursos públicos por pessoa física. Existe até mesmo um questionamento crítico por parte de setores da sociedade sobre o fato dessa difusão de informação ocorrer apenas em programas de combate à pobreza. Além dos dados dos beneficiários, está disponível no site do MDS a informação sobre as transferências monetárias realizadas a cada uma das prefeituras a título de incentivo à gestão do programa, bem como sobre a metodologia utilizada pela Senarc para o cálculo do IGD. Encontram-se no site da CGU os relatórios da fiscalização executada em cada um dos municípios selecionados no Programa de Sorteio. Tem sido muito enfatizado na literatura sobre gestão pública que a responsabilização gerencial implica um processo de substituição gradual de controles de procedimento por controle de resultados (ECHEBARRIA, 2005). Contudo, a análise de programas públicos no Brasil permite mostrar a dificuldade dessa transição, sobretudo porque o chamado controle de procedimentos e da legalidade é ainda frágil ou não está consolidado. De fato, dada a fragilidade dos controles sobre a burocracia no Brasil, não é irrelevante exigir que os governantes se esforcem em mostrar que os gastos são realizados de forma legal e que não estão ocorrendo favorecimentos e uso político nos programas públicos. Certamente ainda não foi alcançado no país um entendimento amplo

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de que não é suficiente que os recursos sejam utilizados de maneira honesta e as atividades executadas adequadamente. É preciso ampliar os horizontes e as exigências de controle, de forma a preocupar-nos em conhecer se os programas estão efetivamente gerando valor público. Afinal, os investimentos feitos pela sociedade para financiar tanto um programa como o Bolsa Família quanto os diversos tipos de controle analisados neste texto se justificam na medida em que eles contribuam para efetiva transformação na situação da população. De todo modo, devem ser destacados os estudos de avaliação que têm sido feitos, pelo MDS e por organismos internacionais, para conhecer os efeitos do PBF na situação das famílias pobres e no desenvolvimento social. Ao ser criado, o Bolsa Família inseriu-se no complexo padrão de relacionamento federativo brasileiro. Além disso, sua implementação foi influenciada pelos acertos e problemas advindos da descentralização das políticas sociais desde os anos 90. Desde o início da sua implementação, o programa é submetido a avaliação e crítica constantes por parte dos atores políticos, da imprensa e da sociedade. Foi mostrado, neste trabalho, que o programa exigiu uma densa arquitetura institucional e política, bem como o aprimoramento das capacidades estratégica, gerencial e operativa tanto por parte do governo federal e municipal quanto das entidades superiores de fiscalização e dos atores do controle social. Em torno do Bolsa Família ocorreu a combinação de três tipos de controle: o controle exercido por órgãos externos ao Poder Executivo (Tribunal de Contas da União e Ministério Público) e pelo órgão responsável pelo sistema de controle interno do governo (Controladoria-Geral da União); o controle interno, exercido pelo próprio gestor do programa, o MDS; e o controle social nos municípios, ainda incipiente, mas cujo potencial deve ser destacado. O Bolsa Família constitui um interessante exemplo das possibilidades e dificuldades de combinação desses três tipos de controle, bem como das exigências que o controle e o esforço para alcançar transparência implicam para governantes, atores políticos e sociais.

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Território como categoria de análise e como unidade de intervenção nas políticas públicas Carla Bronzo

No campo de estudos sobre pobreza e políticas para seu enfrentamento, a temática do território vem adquirindo centralidade como categoria analítica relevante, útil para entender processos de reprodução da pobreza e também processos e dinâmicas de reversão dessa condição. O presente artigo analisa o lugar que o território ocupa nas políticas de enfrentamento da pobreza, considerando, na dimensão empírica, a política de inclusão social desenvolvida em Belo Horizonte, a partir do programa BH Cidadania. A questão do território emerge com o reconhecimento da heterogeneidade da pobreza, com a constatação da diversidade de formas de sua manifestação, resultante da combinação múltipla de vetores de exclusão, que se articulam e interagem no âmbito local de forma diferenciada. Esse reconhecimento demanda estratégias de ação moldadas a partir das necessidades das pessoas e famílias, portanto mais flexíveis e sensíveis para captar especificidades. Três questões emergem, então, como centrais para o desenho de políticas de inclusão social: a) a centralidade do território para as políticas sociais, seja como elemento para o diagnóstico e a focalização, seja como objeto da intervenção; b) a noção de infra-estrutura social, que combina a noção de território com a de comunidade; c) a atenção necessária a formas flexíveis de provisão dos serviços. O presente artigo se constrói a partir dessas questões, fornecendo um referencial empírico de análise.

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Território: categoria central nas políticas de inclusão social O ponto central de grande parte da produção sobre o tema da pobreza e território é que determinadas áreas, por conta também dos efeitos de estigmatização, podem exacerbar e recriar a pobreza (TORRES; MARQUES, 2004). Pessoas que moram em certas áreas segregadas têm mais dificuldades de conseguir emprego ou de obter crédito, além de contarem com serviços piores e com seguros mais caros. Quer dizer, mantendo-se sob controle as demais variáveis, dentre as pessoas que apresentam a mesma renda, as que moram em áreas segregadas apresentam uma condição de vida pior e têm menos chances de superação da condição de pobreza. Nesse sentido, a temática do território ganha relevância como um elemento que contribui para explicar a permanência e a reprodução das condições de pobreza crônica. O foco na dimensão do território contribui para compor o arcabouço de análise dos processos de exclusão nos espaços urbanos modernos. Richardson e Munford (2002), Lupton e Power (2002) e Kleinman (1998) incorporam a dimensão espacial – do território, da comunidade e da vizinhança – como estruturante da própria concepção de pobreza. As comunidades e territórios constituem, nesse sentido, as unidades privilegiadas de análise. Esse enfoque não é novo. Os pioneiros no estudo da pobreza, Rowntree e Booth, no final do século XIX, realizaram o primeiro estudo focado em áreas, considerando os diferentes matizes da vida local, abrindo caminho para os sociólogos da Escola de Chicago, que realizaram seus estudos no século seguinte. Entretanto, embora os dois autores reconhecessem a dimensão central do território na compreensão do fenômeno, não o consideravam como estratégia para ações antipobreza (GLENNERSTER; LUPTON; NODEN; POWER, 1999). Os campos da economia, da sociologia urbana e da política social diferem quanto à percepção do lugar e do papel do território na explicação da pobreza e quanto às estratégias para enfrentá-la. Um debate intenso permanece, indagando sobre a pertinência, e mesmo sobre a legitimidade, do enfoque do território como estratégia de redução da pobreza, uma vez que o foco nessa dimensão obscureceria as causas da desigualdade.

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Embora existam críticas e ceticismo quanto à pertinência desse enfoque para o entendimento e o enfrentamento do problema, o fato é que, apesar de terem causas macro – nacionais e internacionais –, a pobreza e a exclusão são geograficamente concentradas, e o crescimento e a prosperidade para a sociedade como um todo não contribuem necessariamente para reverter processos nas áreas mais pobres. Mesmo que haja expansão, existe uma importante parcela que fica de fora: “growth and prosperity for the whole society does not necessarily aid the poorest areas” (GLENNERSTER; LUPTON; NODEN; POWER, 1999, p. 5). A maré cheia não levanta todos os barcos, para usar uma expressão corrente no debate sobre o tema da pobreza. A partir da categoria de espaço, articulam-se os determinantes macro e micro de análise, sendo que território e comunidade – termos distintos mas aqui inter-relacionados – são elementos para possíveis conexões entre o campo estrutural e o individual. Os chamados “efeitos de vizinhança” exemplificam esse tipo de relação macro-micro e explicam por que nem todas as áreas respondem da mesma forma às grandes mudanças que acontecem na sociedade como um todo. Não se sabe ao certo quais seriam as relações de causalidade, mas há evidências empíricas de que, nas áreas de extrema pobreza, existem dificuldades muito maiores para transpor as privações, uma provável decorrência da operação de múltiplos vetores de destituição que se somam, interagem e se reforçam mutuamente. Estudos estatísticos têm permitido importantes constatações acerca dos impactos da concentração e da persistência da pobreza nas condições de vida e no bem-estar de famílias e crianças pobres (GLENNERSTER; LUPTON; NODEN; POWER, 1999, p. 7). A conclusão é que incorporar a dimensão territorial importa, e muito, para explicar e combater a pobreza, sendo necessário desenvolver estudos que busquem explicar como tais fatores interagem, em

Alguns dados podem permitir exemplificar tais questões: em algumas áreas com grande concentração de negros em Chicago, a pobreza cresceu de 30% para 50% entre os anos 70 e 90, enquanto na cidade como um todo, ela cresceu apenas 7%. A tese defendida por alguns autores é de que as mudanças no padrão de emprego urbano provocam efeitos de polarização que, uma vez postos em movimento, se tornam automotivados, ou self reinforcing (WILSON, 1997. In: GLENNERSTER; LUPTON; NODEN; POWER, 1999, p. 5).



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determinados locais, para o recrudescimento e a permanência da pobreza. Considerar a dimensão do território e a comunidade contribui para uma melhor compreensão do problema ou, dito de outro modo, funciona como uma outra lente sob a qual se podem ver os processos de pobreza e exclusão que acontecem em territórios, permeados por relações sociais e laços de respeito, cooperação e conflito, reciprocidade, atuação de redes institucionais e comunitárias. Uma concepção ou categoria analítica que permite articular essas duas dimensões – território e comunidade – é a de infra-estrutura social.

Infra-estrutura social: concepção que articula território e comunidade Uma abordagem interessante, por sua clareza e pelo caráter de síntese que apresenta em relação ao tema do território, comunidade e políticas públicas, é a de Richardson e Munford (2002), que a desenvolvem sob a concepção de infra-estrutura social. As concepções de comunidade e vizinhança remetem à dimensão do espaço. Uma perspectiva sustentada por essas categorias e alinhada a uma visão sociológica considera a dimensão da infra-estrutura social e focaliza os aspectos da organização social, compreendidos como elementos centrais para a viabilidade de uma área ou vizinhança (neighbourhood). Richardson e Munford analisam as áreas e os processos de degradação e regeneração que aí ocorrem, Como interagem a política habitacional e a de educação? E as políticas de transporte e qualidade da alimentação? Como educação e saúde se conectam, quais as relações entre escolaridade da mãe e mortalidade ou escolaridade futura dos filhos? Como se explicam as relações e interações entre processo de estigma de áreas, declínio de serviços locais e perda de indústrias e pontos de comércio? Sob denominação de efeitos de vizinhança, trata-se da necessidade de estudar como fatores diversos interagem para permanência e recrudescimento da pobreza. Com perguntas como essas, Glennerster, Lupton, Noden, Power (1999) apontam para a existência de um importante campo de estudos aberto e ainda relativamente pouco explorado.  Território refere-se a espaços geograficamente limitados, enquanto comunidade é um termo que pode se distanciar da dimensão física e remeter a comunidades fundadas sobre outros princípios além da dimensão do espaço. Comunidade pode se sustentar em idéias, valores, identidade, tradição; território, em um nível mais geral, está mais colado ao plano físico. Estaremos aqui usando território como categoria de base, e comunidade para nos referirmos a processos de natureza social que podem,– ou não – ocorrer aí. No caso de Richardson e Munford (2002), esses termos são sobrepostos. 

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tendo como base os conceitos de comunidade, vizinhança e infra-estrutura social. As autoras utilizam o termo “infra-estrutura social” para definição de comunidade e, nesse termo, incorporam: a) os serviços e facilidades existentes, tais como habitação, acesso a crédito, educação, saúde, assistência à infância, meio ambiente bem-cuidado e transporte, dentre outros; b) a organização social, identificada a partir da existência e da qualidade das redes de amizade, da existência de pequenos grupos informais e do desempenho dos mecanismos de controle social, como regras e normas coletivamente partilhadas. Infraestrutura social comportaria ambos os aspectos presentes na concepção de vizinhança: pessoas e lugares. Nesse sentido, a noção pressupõe tanto as redes de serviços e bens existentes na comunidade quanto os aspectos da organização social (RICHARDSON; MUNFORD, 2002, p. 203). As autoras estão interessadas, sobretudo, em examinar o papel de grupos de residentes e da organização social, de forma mais geral, na recuperação de áreas degradadas. A importância da infra-estrutura social torna-se perceptível quando se analisam exemplos de espaços onde ela foi quebrada, como é o caso de áreas em declínio, em processo de degeneração. As autoras sustentam que a diferença entre essas comunidades degradadas e aquelas com uma infra-estrutura social saudável está na qualidade da organização social, na capacidade da maioria de fazer cumprir as regras. Quando essa capacidade diminui, aumentam atos Grande parte do texto é dedicada ao exame da atuação de pequenos grupos de moradores na regeneração das quatro áreas estudadas, examinando as famílias que ficaram nas regiões em processo de degeneração, comprometeram-se com elas e contribuíram, de forma crucial, para a mudança na condição de decadência em que estavam inseridas, revertendo a espiral negativa e colocando em marcha processos de regeneração. Seja a partir de ações diretas de atendimento a grupos vulnerabilizados, seja a partir de ações de advocacy e voice, tais grupos cumprem um papel central na recuperação de áreas degradadas (RICHARDSON; MUNFORD, 2002, p. 208-209), sendo tais ações identificadas como de auto-ajuda (self help) da comunidade.  As autoras basearam suas considerações em duas pesquisas realizadas pela London School of Economics/LSE, entre os anos de 1996 e 1999. A primeira teve como foco quatro regiões do Reino Unido que passavam por processos de declínio e a segunda pesquisa teve como foco processos de regeneração e revitalização de áreas, a partir de um projeto desenvolvido pela LSE, denominado Projeto Gatsby. Esse projeto envolve avaliação, pesquisa e intervenção, e tem como objetivo estimular os residentes de comunidades a promover a “auto-ajuda” (self-help), como forma de enfrentamento de processos de exclusão social (RICHARDSON; MUNFORD, 2002, p. 202).  Na medida em que essa capacidade diminui, seja por conta da saída de grupos e famílias da comunidade, seja pelo crescimento do estigma da área, tem-se uma infra-estrutura social negativa, que se expressa pelo comportamento agressivo das crianças e jovens, no uso abusivo e público de drogas, na hostilidade entre os moradores e na emergência de todo tipo de comportamento disruptivo (RICHARDSON; MUNFORD, 2002, p. 206). 

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de vandalismo, crimes e comportamentos anti-sociais. Tudo isso combinado com a crescente perda de autoridade dos representantes do poder público, que, incapazes de fazer frente às novas demandas, contribuem para o enfraquecimento do controle social e para a má imagem da região, condenando seus moradores a uma espiral negativa e comprometendo todos os aspectos da infra-estrutura social: instalações, serviços e organização social. Nas palavras das autoras, as the impact of the minority became stronger, an alternative set of accepted behaviors arose. A kind of negative social infrastructure made car-smashing by children, openly injecting drugs in stairwells, disposing of dirty nappies by chucking them out of the window, hostility toward your neighbors, seem like the norm, even when many people in the neighborhood were still quietly rejecting those ways of behaving. Negative social networks arose for the distribution for drugs and stolen goods, again even when the majority took no part in them. (RICHARDSON; MUNFORD, 2002, p. 208)

O processo de declínio das áreas ocorre a partir de uma série de acontecimentos interligados, mas não é esse o ponto que interessa diretamente aqui. O fato é que se trata de processos encadeados que, por um lado, levam à deterioração das relações e dos padrões de interação social e, por outro, a uma crescente demanda para a rede de serviços públicos existente. Estes são pressionados para atender um público cada vez mais carente, provocando déficits na capacidade de planejamento, frente à urgência de atender a demandas de curto prazo. A saída nesses casos, segundo as autoras, vem de uma combinação sui generis entre aspectos informais da esfera dos controles e das normas comunitárias e a ação dos serviços públicos. A infra-estrutura formal (serviços e instalações) poderia atuar como suporte para a reconstrução de redes sociais informais de controle e normas, ingrediente vital para uma organização social “saudável”. Esse é um ponto central do argumento das autoras, que sustentam, ao mesmo tempo, o papel A saída das famílias que têm condições de viver em um lugar melhor contribui ainda para o desmonte das redes sociais, uma vez que as pessoas que ficam não mais conhecem seus vizinhos e experimentam poucas interações sociais, com poucos parentes e amigos nas redondezas. Com isso, crescem a desconfiança, o medo e a insegurança, e diminuem as possibilidades de ajuda mútua e de formação de redes de amizade locais.



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estratégico do suporte e do envolvimento dos moradores para a melhoria das condições sociais das áreas. Críticas à abordagem revelam ceticismo quanto à capacidade da autoajuda da comunidade para promover a inclusão social em áreas com altos índices de privação social. Qual pode ser o impacto de ações muito pequenas e limitadas para o alcance de resultados sustentáveis no que se refere à inclusão social ou para a mudança de índices de criminalidade ou desempenho educacional? Ao considerarem a importância estratégica da infra-estrutura social e, principalmente, da organização social para a viabilidade de uma área, não se pode desconsiderar a relevância de ações pontuais, pequenas e específicas, e os efeitos que podem ter nas dinâmicas locais. Um papel fundamental cabe, nesse modelo, aos grupos comunitários, às associações e grupos de voluntários, que atuam como articuladores da organização social, como elementos da malha social, importantes para preservar os laços de cooperação e de controle social. Embora não se possa exagerar a importância dessa dimensão de auto-ajuda (self help) ou ajuda recíproca, não é pertinente desconsiderá-la, principalmente se se considera com prioridade a dimensão das relações sociais na produção de situações de exclusão e também de inclusão social. Grupos comunitários voluntários constituem um importante elemento para os processos de regeneração das áreas degradadas. Mesmo desenvolvendo ações pequenas e pontuais, eles atuariam no fortalecimento dos controles informais, das normas e padrões sociais, no estreitamento dos laços e das interações entre os moradores, contribuindo para uma organização social mais desejável (RICHARDSON; MUNFORD, 2002, p. 221). Além do fortalecimento dessa dimensão específica da organização social, os grupos comunitários podem fortalecer a infra-estrutura social formal,

O debate sobre o valor da ação comunitária para reverter processos de denegeração e privações de uma área é extenso e foi exemplificado pelo problema do “fishing trips”, que refere-se a um dos primeiros projetos estudados pelas autoras sobre a ação de uma dupla de pais que levaram um grupo de 10 crianças para pescarem na Baía de Colwyn (RICHARDSON; MUNFORD, 2002, p. 209). Certamente, tal ação tem muito pouca incidência na alteração das condições de vida da região. Como dizem as autoras, “a fishing trip is just a fishing trip”, mas ao reconhecer a centralidade da organização social para a viabilidade de uma área torna-se central entender o valor de tal ação comunitária.



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pressionando o setor público e servindo de ponte ou conexão entre este e os moradores, e contribuir para ampliar a infra-estrutura a partir da oferta direta de serviços. A constatação da heterogeneidade da pobreza, da diversidade de causas, fatores de manutenção e formas de superação dessa condição apontam para o reconhecimento do território como elemento central para a compreensão mais adequada da sua produção e reprodução. Trata-se do território como perspectiva que dirige o olhar para as condições da infra-estrutura urbana e de bens e serviços em diversos “pedaços” da cidade e também considera a dimensão das relações sociais que configuram o tipo de organização social existente. A concepção que permite agregar essas duas dimensões é a da infraestrutura social, conforme visto aqui. Os pontos colocados aqui embasam a discussão dos programas locais de combate à exclusão, fornecendo referências empíricas das variáveis e das interrelações entre as diversas dimensões envolvidas na pobreza e a degradação de áreas urbanas em grandes metrópoles.

Foco no território e aderência das políticas públicas aos problemas identificados Se as situações de pobreza são diversas, específicas e heterogêneas, tem-se como implicação a necessidade de se partir do exame de situações concretas e particulares de pobreza para, a partir daí, desenhar alternativas de intervenção. O reconhecimento da heterogeneidade das situações de pobreza não permite o desenho de estratégias desvinculadas das realidades e de demandas locais. 

De acordo com as autoras, o envolvimento dos moradores pode contribuir para definir agenda, desenhar o plano de intervenção, alinhar os projetos e ações de agências diversas que atuam em uma mesma região, tornando a oferta mais adequada às demandas, às necessidades e às características dos grupos e regiões. Além disso, os grupos podem atuar na implementação das ações, viabilizando maior eficácia e eficiência na entrega dos serviços sociais. Em regiões com grandes níveis de privação, a existência de uma multiplicidade de pequenos projetos e grupos na área pode suprir, ainda que parcialmente, algumas dessas necessidades. Embora seja difícil mensurar de forma precisa o impacto da participação da comunidade nos resultados alcançados em um processo de regeneração de uma área, o fato é que, segundo as autoras, tal envolvimento potencializa a satisfação dos moradores diante de tais processos.

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Disso decorre que o território emerge como dimensão necessária para focalização das políticas e da ação governamental, e também como dimensão-chave para estruturar um conjunto de ações integrais voltadas para a melhoria das condições de vida, para o combate à pobreza ou para a inclusão social. Portanto, o foco no território é central tanto para um conhecimento mais adequado do problema da pobreza quanto para as estratégias de ação. As tendências emergentes nas políticas sociais, quando apoiadas nas diretrizes da descentralização, participação, flexibilidade na oferta, aderência às necessidades e demandas locais, sinalizam a relevância de tomar o território como unidade de intervenção. O termo aderência é aqui utilizado para se referir a uma qualidade da provisão de serviços: a capacidade de se ajustar às demandas e de se moldar a elas e, mais que isso, às necessidades e aos problemas identificados. Essa perspectiva se sustenta pela visão de que el lugar donde uno vive o trabaja determina la propia historia de pobreza y las oportunidades; que una mayoria de los pobres viven en comunidades que concentran la gente pobre y que para combatir la pobreza es importante abordar las características de los lugares donde viven o trabajan los pobres, incluída la posición y las relaciones de estos lugares con el contexto social más amplio. (RACZYNSKI, 1999, p. 197)

A diretriz da territorialidade sugere uma estratégia de intervenção sobre territórios e manchas urbanas e sociais específicas, que possuam grau de homogeneidade suficiente para permitir ações focalizadas nas problemáticas do público-alvo. Essa perspectiva articula-se diretamente com a centralidade do nível local para a elaboração e execução de estratégias de inclusão social: ao reconhecer o território como unidade de intervenção, tem-se uma tendência a valorizar o âmbito local no processo de formulação e implementação de políticas de inclusão. A noção de território é pertinente para entender processos e dinâmicas que contribuem para a permanência da pobreza crônica, que é transmitida de forma intergeracional e se caracteriza pela intensidade e extensão das privações: espaços urbanos degradados, com uma infra-estrutura social negativa, estigmatizados e com carências variadas não constituem um ambiente minimamente favorável para a expansão de capacidades, para o fortalecimento de autonomia pessoal, familiar e comunitária, fatores cruciais para a superação da pobreza crônica.

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A noção de território articula-se ainda com a noção de redes – governamentais, locais, de serviços – que também integram, embora não sob essa designação, a abordagem de infra-estrutura social. Infra-estrutura social, entendida ao mesmo tempo como rede de serviços e como organização social, pode ser útil para analisar estratégias de inclusão desenvolvidas em contextos nos quais a degradação de áreas ou a localização de populações nas periferias urbanas manifesta a distribuição espacial da pobreza e da exclusão. A infraestrutura formal (serviços e instalações) combina-se com a organização social (valores, normas, controle social, densidade associativa) para a produção de uma infra-estrutura social que pode ser potencializadora dos processos de superação da pobreza ou atuar como barreira para tais processos. A eficácia das políticas de combate à pobreza está, em parte, condicionada à consideração do território como categoria de intervenção. A vulnerabilidade é cumulativa territorialmente. Os pobres que residem em áreas segregadas são mais pobres e apresentam piores condições de vida e chances de superação da vulnerabilidade do que os pobres que vivem em áreas não segregadas. A constatação desse ponto seria suficiente, por si só, para pautar estratégias mais fortemente orientadas para o tema da coesão urbana e social. A localização territorial da pobreza (territorialização da pobreza) constitui um mecanismo que possibilita ações mais bem direcionadas, ao delinear um diagnóstico mais preciso e focalizado sobre os problemas e sobre as formas de equacioná-los. Mas se o espaço é parte do problema, também pode ser parte da solução. A gestão ativa do território significa que áreas segregadas precisam ser claramente identificadas e ser objeto de políticas específicas. O “planejamento integral” do território (UAB, 1998, p. 25), envolve, por um lado, aspectos relativos ao desenvolvimento e crescimento urbano e, por outro, aspectos relativos ao tema da adesão comunitária e da cidadania – é nesse sentido que a expressão encontra correspondência com a concepção de infra-estrutura social. O poder público, via rede de programas, serviços e instalações, pode atuar como suporte para a reconstrução de redes sociais informais de controle e normas, ingrediente vital para uma organização social “saudável”. A existência de redes sociais informais e as alterações na infra-estrutura formal são condições necessárias para tais mudanças. Essa perspectiva pode ser mais útil para focalizar processos e dinâmicas que ocorrem no nível local e que sofrem

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o impacto, inclusive e de forma prioritária, da atuação do poder público como catalisador de processos de regeneração urbana. Interessa explorar como as políticas desenvolvidas, a partir do desenho das intervenções e da estrutura de gestão, podem potencializar – ou não – dinâmicas virtuosas centradas na mobilização dos ativos, no desenvolvimento da autonomia dos indivíduos, grupos ou famílias. De acordo com Torres e Marques (2004), processos de segregação e degradação de áreas podem ser produzidos pelo Estado, e este tem condições de mitigar efeitos. Para isso, os autores identificam dois conjuntos de políticas que têm impactos sobre espaço urbano: a) políticas governamentais relativas ao espaço construído: infra-estrutura, regulamentação, melhoria de condições nas periferias, habitação etc.; b) políticas sociais espacialmente organizadas, que podem ser desenvolvidas a partir da incorporação de lógicas territoriais às políticas setoriais tradicionais (diferenciações em função das características das áreas) ou a partir da convergência de diversas políticas setoriais para áreas particularmente problemáticas. Vale ressaltar, com relação a essa última forma, que estratégias em que diversas políticas setoriais convirjam para atuar de forma maciça em territórios segregados/degradados apresentam custos elevados, exigem forte apoio e adesão política, bem como o manejo de desenhos institucionais mais flexíveis e forte capacidade de coordenação. Uma atuação orientada para o território passa a ser, ao se considerar a pertinência dessa noção, uma estratégia necessária para a promoção da inclusão social. A gestão ativa dos territórios nas políticas emerge, a partir da análise da literatura, como condição necessária em uma estratégia efetiva de enfrentamento e superação da pobreza. Essa gestão ativa relaciona-se, entre outras coisas, com a maior adequação entre a oferta de serviços e as demandas e necessidades existentes, na perspectiva de fortalecimento da infra-estrutura social. O problema se coloca aqui, portanto, no âmbito da gestão, no qual a dimensão do território ganha centralidade como critério de focalização e/ou como unidade de intervenção.

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Reflexões sobre o território a partir do BH Cidadania O Programa BH Cidadania é um programa de inclusão social, desenvolvido pelo governo municipal de Belo Horizonte, pautado pelas diretrizes da intersetorialidade e pelo foco no território, dimensões centrais para o enfrentamento da vulnerabilidade e da exclusão social. O Programa parte de uma definição de inclusão social entendida como “processo que possibilita à população vulnerabilizada socialmente partilhar dos bens e serviços sociais conquistados pela sociedade” (Documento do Programa, 3/3, 2003, p. 6). Seus objetivos específicos são a melhoria do acesso a bens e serviços sociais, a redução dos fatores de vulnerabilidade e risco e a promoção de relações de solidariedade entre os membros das comunidades atendidas (Documento do Programa, v. 3/3, 2003, p. 8). Os componentes, centrados no direito à educação, no direito à saúde, na inclusão produtiva e social, traduzem a perspectiva da intersetorialidade e da multidimensionalidade da pobreza. Trata-se de construir uma oferta integral de bens e serviços visando atender o conjunto de famílias em territórios determinados, considerados como de maior vulnerabilidade social. Explicitamente, o Programa busca implementar um modelo de gestão baseado na descentralização, articulação e integração intersetorial, e inverter a lógica setorial fragmentada de operação dos diversos programas da área social da Prefeitura de Belo Horizonte. Em termos conceituais, o BH Cidadania adota explicitamente as seguintes diretrizes que pautaram a formulação do Programa: o planejamento e a intervenção a partir do território, a participação da comunidade em toda etapa de desenho e gestão do programa, o foco na unidade familiar, a lógica da integração dos recursos governamentais e não-governamentais, a perspectiva da autonomia das famílias (Documento do Programa v. 3/3, 2003, p. 6). Para implantar o projeto piloto do BH Cidadania, em 2002, foram identificadas nove áreas piloto que apresentavam os piores indicadores segundo um índice final construído a partir do Índice de Vulnerabilidade Social (IVS) e do Mapa de Exclusão Social e também segundo o Índice de Qualidade de Vida

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Urbana (IQVU) e o Índice de Risco à Saúde (IRS),10 abrangendo um conjunto de 23.114 pessoas ou 5.942 famílias. A vulnerabilidade é abordada pelo vetor espacial, entendendo-se que certas áreas urbanas concentram dinâmicas e condições próprias que produzem e reproduzem a pobreza. Daí adotar-se o território como eixo de atuação. Entretanto, esse tipo de focalização apresenta limites e impõe desafios para a provisão de bens e serviços. Estudos localizados indicam que os territórios do BH Cidadania, apesar de homogêneos quanto a vários dos indicadores utilizados, apresentam heterogeneidade entre as famílias dentro de cada área (MAGALHÃES; CORREA, 2004). Muitas famílias circunscritas ao território podem não apresentar as mais intensas situações de privação, enquanto outras que se situam fora dos limites territoriais do BH Cidadania podem estar em piores condições de vulnerabilidade e exclusão social. Mesmo com esse limite, a estratégia primeira de focalização adotada é o território. Embora esse processo não seja explícito nos documentos examinados, pode-se depreender que existe no Programa uma espécie de segunda focalização, com o atendimento de famílias, no território, que apresentam maior vulnerabilidade. A pista para essa dedução está na afirmação – essa sim explícita nos documentos – de que o BH Cidadania tem como foco de intervenção a família. Nesse sentido, é definido o perfil das famílias-alvo do programa: elas devem residir em área de elevado risco social, pertencer ao grupo de pobreza 1 (o grupo mais pobre), apresentar casos de violação de direitos e violência doméstica, uso de drogas e álcool, impossibilidade de acesso ao mercado formal de trabalho, “elevado grau de desagregação social” (Documento do Programa, v. 3/3, 2003, p. 8). O Programa tem como objetivo “promover a inclusão social das famílias residentes em áreas socialmente críticas consolidando modelos integrados de atuação na área social”. O IVS, construído a partir das “dimensões de cidadania” – ambiental, cultural, econômica, jurídica e de sobrevivência –, busca, a partir de indicadores populacionais ou domiciliares, dimensionar a qualidade de vida nas diversas regiões da cidade. Como se trata de um atributo negativo – vulnerabilidade –, quanto maior o valor do índice, maior a condição de exclusão e vulnerabilidade. A partir do IVS, tem-se o elemento central para a construção do Mapa da Exclusão Social de Belo Horizonte. Associando-se o índice de vulnerabilidade social com algumas informações demográficas, tais como faixa etária, cor e sexo, e com situações claras de exclusão social, tais como analfabetismo e trabalho infantil, tem-se o Mapa da Exclusão Social (PBH/URBAL, 2004). Além do IVS, tem-se também o Índice de Qualidade de Vida Urbana (IQVU) e o Índice de Risco à Saúde (IRS). A partir desses índices, foi elaborado um índice final (não disponível) que norteou a escolha das áreas piloto do BH Cidadania.

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No Programa BH Cidadania, o território é considerado como elemento da estratégia de intervenção. Na fase piloto foram implantados nove núcleos do Programa e, na fase de expansão, que teve início em 2005/2006, outras 15 áreas foram incorporadas (PBH, 2004). Portanto, no desenho da estratégia do BH Cidadania, o critério de focalização permitiu mapear regiões (dentro das divisões regionais) onde as condições de pobreza e vulnerabilidade eram piores. Na fase de expansão, que contou com um empréstimo do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), a intervenção incorpora a dimensão urbano-social por meio da definição de áreas de maior exposição a riscos e com alta concentração de pobreza. A proposta é articular as dimensões econômica, social e urbana ambiental. Serão quinze novas áreas, 127 setores censitários com risco muito elevado e 198 de risco elevado, com a previsão de atender 36 mil famílias e um universo aproximado de 150 mil pessoas. A partir do exame de algumas dimensões do Programa, pode-se analisar o lugar e o papel que o foco no território ocupa nas políticas de inclusão social, o que permite avançar na compreensão dos limites e possibilidades do uso dessa categoria nas políticas de enfrentamento da pobreza. A partir dos vários programas, o BH Cidadania busca reduzir vulnerabilidades, estimular a convivência familiar e comunitária e favorecer a autonomia das famílias. Para as famílias que fazem parte do recorte territorial priorizado pelo BH Cidadania (famílias que moram nas áreas de abrangência do Programa, no máximo 700 em cada uma das 9 áreas), tem-se um conjunto específico de ações: transferência de renda (Bolsa Escola Municipal/BEM); oficinas de esporte, arte e cultura para crianças e adolescentes; educação infantil em tempo integral; ações preventivas e atenção básica em saúde; cursos de capacitação de chefes de família e de jovens para ampliar as possibilidades de inserção produtiva; fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários; fortalecimento da rede local. As famílias são identificadas, cadastradas e acompanhadas pelas equipes dos Núcleos de Apoio Familiar (NAFs), equipamentos da assistência que emergiram como os principais responsáveis pela articulação da rede de serviços e pelo encaminhamento das demandas da população e que constituíam a referência do Programa no território. Após a expansão, em cinco novos núcleos, foram criados Unidades Municipais de Apoio à Família (UMAFs). Tais equipamentos

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executam diretamente ações de caráter sociocomunitário para as famílias. Ao propiciar encontros, espaços de interlocução e de troca de informações, têm um importante papel de fomentar relações, estreitar laços, contribuindo para estimular a cooperação e a confiança, atuando sobre o espaço das relações sociais e familiares. Esse equipamento e os programas e ações desenvolvidos a partir dele podem funcionar como instrumento de mobilização e formação de capital social (SOMARRIBA, 2004), o que poderia ampliar as bases da infra-estrutura social. A experiência do BH Cidadania aponta para um esforço de construção de redes de serviços e para uma estrutura intersetorial no planejamento e na gestão das ações, tendo como base os territórios de alta vulnerabilidade e exclusão. Ao considerar a natureza multidimensional da pobreza e adotar o foco da territorialidade, o Programa reconhece que a dimensão do território é estruturante. A perspectiva de construção e fortalecimento das redes locais, por meio da articulação de equipamentos, programas e serviços, constitui o centro da estratégia utilizada, conforme sugere o documento do Programa: “pode-se dizer que a inclusão social se desenha espacialmente, sendo necessário localizar a vulnerabilidade no município e organizar a atuação a partir do território, promovendo o acesso à oferta local e não-local de serviços, de modo a maximizar a eficácia das ações” (Documento do Programa, 2003, p. 6). Existe ainda o reconhecimento de que o princípio da territorialidade está relacionado diretamente à questão da diversidade, o que implica que “a forma de intervenção em uma região pode ser bastante diferente da intervenção em outra região, dependendo das necessidades de cada uma delas” (Documento do Programa, 2003, p. 7). Entretanto, embora seja afirmada a diversidade das formas de atuação a partir da heterogeneidade dos territórios, não fica evidente como o território se constitui, de fato, em unidade de intervenção. No BH Cidadania, o território é um critério de focalização, sendo que o Programa tem dois recortes básicos que orientam a identificação do público-alvo da ação governamental: os territórios e as famílias que neles habitam. Parece não haver, no caso do território, objetivos traduzidos em formas de atuação que permitam transformá-lo. Que tipo de mudança é esperado e por que meios ela irá se processar? Como definir o que se espera e como avaliar se o projetado foi alcançado? Sem definições básicas desses pontos, a intervenção fica fraca, com menos possibilidades para

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surtir efeitos, uma vez que não se tem um modelo mais claro do que deve ser feito.11 Existe uma preocupação de disponibilizar serviços e equipamentos para melhorar os padrões de convivência comunitária e dar suporte às famílias, como demonstram as ações voltadas para a criação de áreas de recreação e lazer e para a constituição dos espaços de referência do Programa; mas não existe no Programa um conjunto de ações explícitas e consistentemente articuladas voltadas para a melhoria das condições dos territórios, nem metas que levem em conta a melhoria da infra-estrutura social, em sua concepção mais ampla, entendida como infra-estrutura material e organização social. Um dos objetivos específicos do Programa refere-se à ampliação da oferta e do acesso aos serviços e instalações mantidos ou gerenciados pela administração pública e também ao fortalecimento das dinâmicas comunitárias que demandam espaços de convivência comunitária e criação de uma rede de serviços. Entretanto, os esforços ainda parecem insuficientes para atender à demanda e, antes de tudo, não se tem clareza sobre o que precisa ser implantado ou viabilizado em cada uma das áreas do BH Cidadania para responder aos problemas existentes. A perspectiva de infra-estrutura social supõe, como visto anteriormente, o plano da infra-estrutura material – entendida em um aspecto ampliado, envolvendo não apenas os aspectos físicos do território, mas também a rede de serviços e programas existentes – e também os aspectos menos tangíveis da organização social, que se referem, sobretudo, às redes sociais informais de controle e normas, ingrediente necessário para uma infra-estrutura social potencializadora dos processos de inclusão social. O BH Cidadania, caso O tema mais geral em que se insere essa discussão refere-se à complexidade dos problemas sociais, dada a multiplicidade de causas que interagem para a produção dos fenômenos e as dificuldades maiores para isolar causas ou estabelecer relações de causalidade. Se, por um lado, há uma complexidade inerente ao próprio objeto da intervenção, por outro, há bases teóricas frágeis para sustentar as estratégias de ação. Isso quer dizer que, nos programas sociais, geralmente não se tem um conhecimento adequado do problema, o que impossibilita a formulação segura de alternativas para seu enfrentamento. Programas sociais utilizam tecnologias com alto grau de incerteza, ou “tecnologias brandas”, tal como sugere Sulbrandt (1994, p. 382-383). Não se tem, além dessa precariedade teórica ou por isso mesmo, um conjunto de estudos sobre programas e experiências no campo social, de forma a gerar um conhecimento maior dos processos e mecanismos que interferem para produzir alterações nos públicos-alvo e alcançar os objetivos pretendidos das intervenções. Saber o que funciona e como, por quais mecanismos, constitui uma necessidade urgente para criar tecnologias mais duras e institucionalidades adequadas para enfrentar os desafios da pobreza e exclusão.

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reconheça o território como unidade de intervenção, necessariamente terá que enfrentar a superação da pobreza a partir dessas categorias e dimensões, simultaneamente material e não material, urbano e social, de empoderamento individual, familiar e comunitário. A atenção ao território como unidade de intervenção (e não apenas como estratégia de focalização) implica ações em rede, estratégias de participação e de atuação simultânea no plano da infra-estrutura formal (bens, equipamentos, serviços) e no plano da organização social. A perspectiva da construção e fortalecimento das redes locais, por meio da articulação de equipamentos, programas e serviços, é um elemento presente na estratégia do BH Cidadania, ainda que de forma não totalmente explícita. Tampouco são estabelecidas ou operacionalizadas as mudanças pretendidas no âmbito dos territórios. Entretanto, documentos de análise do Programa mostram as dificuldades de articular essa rede de forma efetiva, de garantir os fluxos e a capacidade de resposta da rede de serviços efetivamente existente nas regionais (PBH, 2004). Novamente aqui cabe recuperar um ponto que foi anteriormente ressaltado quanto aos NAFs ou às UMAFs. O fato de estes não disporem de “boa retaguarda”, conforme afirmado reiteradamente pelos técnicos envolvidos com a gestão do Programa, constitui uma expressão do tipo de questões que estão sendo aqui identificadas no que diz respeito à infra-estrutura social. Como na maioria dos centros urbanos no Brasil, as entidades não-governamentais que atuam na prestação de serviços de assistência são muito heterogêneas, de caráter filantrópico, religioso e assistencialista, caracterizam-se por níveis gerenciais e por capacidade técnica reduzida, sendo sustentadas por princípios, valores e diretrizes variados, o que conforma um quadro desafiador para o estabelecimento de políticas em parceria, para estratégias de governo em rede. Evidências da precariedade e da fragilidade da rede de serviços sociais no município ficam mais claras em alguns casos, como o das crianças em situação de risco que demandam assistência em abrigos, crianças pequenas que demandam o atendimento em creches, idosos que demandam atendimento em asilos (FJP, 2000; PAULA, 2004). A precariedade da rede de serviços é salientada de forma unânime em todas as regiões, e aparece sob as mais diversas interpretações: em alguns casos é ressaltada a ausência de espaços para atividades de socialização, cultura e lazer (Norte, Barreiro), em outras se ressalta o baixo número de entidades (Pampulha), enquanto em outras áreas a questão aparece

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como infra-estrutura precária e oferta inferior à demanda (Oeste, Nordeste, Leste, Venda Nova).12 A questão da rede de serviços, tanto governamental quanto não governamental, se constitui, dessa forma, como o calcanhar de Aquiles do Programa. Existe ainda, por parte do governo municipal, um “controle precário sobre a oferta de vagas nos serviços executados por ONGs”, sem controle “da porta de entrada para as vagas existentes”, o que limita a capacidade de o Executivo local atuar de forma mais efetiva na construção de uma boa retaguarda para as famílias atendidas pelo Programa, conforme apontado por Pinheiro e Rocha (2004, p. 110). Adiciona-se a esse controle precário a forma como atualmente essa rede está organizada no território e tem-se a magnitude do problema a ser ainda equacionado. A rede existente – e com a qual o Executivo tem que contar para atender às necessidades da população – não está sempre localizada nos territórios de maior vulnerabilidade social e onde existe a prioridade do atendimento, o que marca a existência de uma “territorialização da demanda e não da oferta”, o que implica que o Executivo fique “refém de uma rede instalada de maneira voluntária e sem planejamento” (PINHEIRO; ROCHA, 2004, p. 110). O desafio do programa parece ser o de estruturar uma rede de serviços, potencializando a que existe, mas ampliando e reorientando a prestação de serviços para adequá-la às necessidades do público-alvo. A construção dos centros BH Cidadania pode contribuir para o fortalecimento da infra-estrutura formal, mas pode ser ainda insuficiente diante da demanda. Uma vez que não há clareza para identificar a magnitude da demanda ou o conhecimento sistemático e compartilhado dos elementos capazes de qualificá-la, não é possível uma ação mais consistente voltada para o fortalecimento da infraestrutura social. A ausência do setor urbano e das políticas de habitação nas estratégias do Programa, que marcou o Programa em sua primeira fase, compromete um esforço efetivo de inclusão social das famílias que moram nessas áreas degradadas, segregadas e com grande superposição de vulnerabilidades de diversos tipos. Para lidar adequadamente com essa questão, são necessários Essas informações foram coletadas a partir de um encontro de capacitação (outubro de 2005), no âmbito do Projeto Urbal, que contou com a presença de técnicos e gestores que atuam no BH Cidadania e Bolsa Família, a partir do desenvolvimento de atividades em grupos voltadas para o mapeamento dos problemas principais nas regionais e para a identificação da rede disponível em cada território.

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níveis mais altos de investimentos no campo das políticas sociais e urbanas como um todo. A expansão do Programa constitui, nesse sentido, uma aposta e uma promessa.

Considerações finais O território, segundo a literatura examinada, passa a ser um elemento central para explicar tanto a pobreza (o componente espacial da pobreza) quanto a sua reprodução. As condições de habitação, saneamento, provisão de bens e serviços públicos são importantes para estabelecer os patamares de inclusão social. Embora necessárias, não são, contudo, suficientes. A eficácia da ação dos serviços públicos nesses territórios – reduzir vulnerabilidades de famílias e pessoas – dependerá não só de disponibilizar serviços, mas também da capacidade de uma atuação conjunta do setor público, ONGs e comunidade para resolver os problemas enfrentados pelas famílias e pessoas que vivem nos territórios, o que remete, novamente, ao tema da governança e da capacidade de criação e fortalecimento de redes em múltiplos níveis. Um plano efetivamente consistente de enfrentamento da pobreza articula o urbano e o social, compreendendo o território, e tudo o que a ele se refere, como um importante conjunto de ativos, condições favoráveis ou fatores protetores contra pobreza crônica e altos graus de vulnerabilidade. Boas condições de infra-estrutura, moradias adequadas, acesso a bens e serviços públicos de qualidade constituem pisos de cidadania, níveis básicos de proteção social que devem ser garantidos a todo custo para todos. Não basta que o território seja considerado como critério de focalização, usado para identificar áreas de maior exclusão social de forma a priorizar a intervenção. A gestão ativa do território, como estratégia de inclusão, demanda a construção de planos estratégicos e integrados; e, na consecução dos objetivos de melhoria das condições de vida das populações que vivem em territórios degradados, um papel central cabe ao Estado, como agente catalisador para promover a participação dos diversos atores atuantes no território e viabilizar uma adequada estrutura da rede de serviços. Essa rede de serviços, por sua vez, pode atuar como elemento que potencializa uma organização social mais virtuosa, como identificado na literatura sobre infra-estrutura social. A criação

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de redes e malhas de solidariedade e de integração em comunidades degradadas passa, necessariamente, por uma adequada provisão de bens e serviços de bemestar, o que inclui equipamentos e espaços de uso comunitário capazes de possibilitar a socialização e a interação social. Esses elementos, por sua vez, são fundamentais para o alcance de empreendimentos baseados na cooperação, no estabelecimento de redes e na confiança e disposição para trabalhos conjuntos de longo prazo. O ponto é que as condições da infra-estrutura social em determinadas localidades são tão limitadas que funcionam como estímulos negativos que reproduzem mecanismos de exclusão social. Isso remete à importância da atuação do Estado na produção desse tipo de segregação espacial, gerando valorização e desvalorização de determinadas áreas, facilitando ou dificultando o acesso a bens e serviços, à infra-estrutura etc. O argumento sobre o papel da infraestrutura formal para a existência de um espaço urbano e uma infra-estrutura social saudável ganha novamente aqui todo o sentido. Vários estudos mostram a correlação entre violência e processos de degeneração social em áreas urbanas e a presença ou ausência do Estado nessas áreas. A relação sustentada é entre o vazio institucional e o estímulo à violência, o que nos remete, novamente, ao tema da infra-estrutura social. Novamente aqui a noção de infra-estrutura social emerge como potencialidade para configurar um arcabouço capaz de modelar as ações dos agentes públicos e sociedade civil na recuperação e prevenção de áreas e espaços urbanos degradados, por meio de uma combinação sui generis de organização material de bens e serviços e de organização social. Essa última dimensão deve ser entendida como espaço de manifestação de “auto-ajuda” comunitária, de grupos de ação, de organizações comunitárias e de normas e regras de conduta, informais e extremamente poderosas como elementos de controle social. O ponto a ser ressaltado é que, ao considerar a dimensão territorial envolvida na produção e reprodução da pobreza, principalmente crônica, a implicação ou conseqüência é considerar o próprio território como objeto de transformação, e não apenas como estratégia de focalização. Isso quer dizer que a não alteração das condições dos próprios territórios – cristalizadas na concepção de infra-estrutura social – tem como resultado a permanência da pobreza e a não efetividade das ações desenvolvidas. Incluir o território como objeto de intervenção, contudo, vai além de uma estratégia de intervenção

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urbana, embora a intervenção nesse âmbito seja um pressuposto, ao ressaltar a importância de aspectos relativos à infra-estrutura material – base de equipamentos, bens e serviços disponíveis – como base da infra-estrutura social. Mas a atenção aos aspectos relativos à organização social também é central e as políticas desenvolvidas para o enfrentamento da pobreza ainda não foram capazes de articular, em modelos mais claros de intervenção, essas dimensões distintas. O objetivo deste artigo foi lançar luz sobre o tema do território na gestão de políticas sociais de enfrentamento da pobreza, apontando alguns condicionantes para sua aplicação como diretriz estruturante nas políticas públicas. Trata-se de uma análise preliminar, sem pretensões conclusivas, mas que demarca um campo fecundo a ser explorado.

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A participação cidadã nas políticas sociais e na gestão de programas e projetos: potenciais e desafios Flávia de Paula Duque Brasil

O reconhecimento do caráter essencialmente político das políticas públicas não é novidade. Esse traço tem sido destacado desde as formulações dos precursores do campo de análises de políticas públicas. Notadamente, podem-se destacar as contribuições de Lowi (1972), segundo o qual a política produz as políticas, e estas, por sua vez, criam política. Essa via de mão dupla remete, por um lado, aos diversos atores (com seus distintos interesses e valores) e aos processos políticos que engendram a formação de uma determinada política (ou, por extensão, aos programas e projetos); por outro lado, ao fato de que a trajetória de implementação de uma determinada política implica a conformação de novos processos políticos, a partir de sua repercussão, especialmente junto aos atores direta ou indiretamente interessados ou envolvidos. Ainda segundo esse autor, as várias áreas de políticas públicas ou de intervenções governamentais constituem arenas de poder distintas, que circunscrevem atores, grupos e relações, tendendo a desenvolver seu próprio campo e seus processos políticos. Em sintonia com essas premissas, as políticas públicas constituem espaços centrais de mediação e de gestão dos conflitos sociais no contexto das sociedades contemporâneas – complexas, plurais e diferenciadas. Resultam da atividade política, em campos ou arenas específicas, dos diferentes atores sociopolíticos que, a partir de suas demandas, pressões e atuação, procuram influir na

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formação da agenda e no curso das intervenções governamentais (BRUGUÉ; GOMÀ, 1999; SUBIRATS; GOMÀ, 1998; RUA, 1998). Nesse sentido, impõe-se considerar a dimensão política nas políticas públicas, quer no âmbito analítico, quer no âmbito de sua formulação e gestão, o que equivale a dizer, no mínimo, que se deve ter em vista os atores envolvidos ou afetados, seus interesses e valores, bem como os processos políticos engendrados a partir de sua atuação. Essa dimensão apresenta-se em todo o ciclo de uma política, desde os processos de formação da agenda e de construção do problema a ser enfrentado pela intervenção até os processos de implementação e de avaliação. Apresenta-se, também, desde o desenho das políticas públicas até à gestão dos seus instrumentos (programas, projetos e instrumentos regulatórios) . Vários autores têm discorrido sobre a importância de se levar em consideração, na formulação e gestão de programas e projetos sociais, a sua dimensão política – a constelação de atores envolvidos ou afetados, seus interesses, objetivos e valores distintos (e não raro conflituais), além de seus recursos distintos (materiais e simbólicos), bem como a sua interação, as alianças e conflitos potenciais. Uma questão-chave refere-se à identificação não apenas dos possíveis “ganhadores”, mas também dos “perdedores” no curso de uma dada intervenção pública (COSTA, 2004; RUA, 1998). Cabe, então, perguntar quem de fato ganha ou quem perde e, além disso, quem se percebe como beneficiado ou como prejudicado. Alguns recursos analíticos, passíveis de ser empregados por formuladores e gestores de programas e projetos, têm sido desenvolvidos com o objetivo de mapear atores e possíveis processos políticos. Podem-se citar a análise dos stakeholders ou atores envolvidos (sebastian, 2002); a análise de atores e das relações de poder (BRUGUÉ; FONT; GOMÁ, 2006) ou mesmo outras ferramentas menos específicas que incorporaram o mapeamento dos atores, como as análises de cenários (LICHA, 2000). Para além da identificação de atores envolvidos – que se faz necessária nas estratégias de formulação e de gestão de políticas e programas –, um significativo passo adiante se refere às formas de incorporação da participação desses atores no processo.

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Assinala-se a disseminação do termo participação no vocabulário sociopolítico, notadamente a partir dos anos 60, no bojo das reivindicações de atores coletivos quanto à implementação efetiva dos direitos sociais e políticos. Ao lado disso, a previsão de processos participativos nos programas e projetos sociais não chega a ser um fato novo, assim como a percepção de sua relevância, ainda que por razões bastante distintas. A participação integra a estratégia de organismos internacionais, especialmente a partir do final dos anos 1970, sob diversos rótulos e premissas tais como desenvolvimento de comunidades, planejamento participativo e desenvolvimento participativo, que chegam a ser incorporados a experiências no cenário brasileiro (TEIXEIRA, 2002; LICHA, 2002). A participação em programas e projetos sociais tem sido crescentemente incorporada às pautas das instituições multilateriais e bilaterais, por vezes apresentando-se como requisito nos financiamentos. Comparece com destaque nas agendas da Organização das Nações Unidas (ONU) construídas nos anos 1990, associada a um novo repertório de noções, como capital social, empoderamento e governança. Nas duas últimas décadas, a participação tem sido enfatizada, vinculada às transformações do Estado contemporâneo (sobretudo de cunho descentralizante) e de suas relações com a sociedade (de cunho democratizante). Os anos 80, como observa Cunill-Grau (1998, p. 81), inauguram um chamado à participação – não circunscrito ao circuito teórico, mas também fundado nas práticas dos atores sociais no bojo dos processos de democratização – como instrumento para o aprofundamento da democracia e para a reivindicação de democracia participativa, em caráter de complementaridade aos mecanismos de representação.

Em comum essas noções apontam para uma dimensão comunitária da participação. Destaca-se o recorrente emprego do termo desenvolvimento participativo desde os anos 60, inicialmente a partir de instituições internacionais, tais como a Organização das Nações Unidas. Mais recentemente, tem sido associado aos movimentos sociais e ONGs. A partir de Licha (2002), o desenvolvimento participativo pode ser considerado como um modelo de participação, que, de um lado, pressupõe a participação como direito dos cidadãos e, de outro, considera as comunidades como um instrumento de desenvolvimento. O modelo coloca especialmente em foco a dimensão territorial e comunitária, pressupondo o desenvolvimento das capacidades dos atores, dos potenciais solidários e cooperativos locais. Esse enfoque atualmente tem incorporado a perspectiva de mobilização das comunidades para gestão de seus recursos econômicos, implicando o reconhecimento dos valores e identidades locais, ao lado de ações destinadas ao fortalecimento do capital social.



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Uma questão nuclear diz respeito às diferentes conotações da participação nas políticas e programas. Dependendo do que entendem seus promotores e agentes e dos objetivos que pretendem, ela pode-se traduzir por processos fundamentalmente diferenciados, quanto à qualidade e amplitude dos processos participativos e quanto ao seu alcance deliberativo. Nesse sentido, pode-se tomar como horizonte a possibilidade de influência efetiva dos cidadãos nos processos macro e microdecisionais, em todo o ciclo das políticas e programas, desde a formação da agenda até a avaliação. Posto que a participação tem sido crescentemente valorizada por atores distintos no contexto contemporâneo, sob diferentes pressupostos, este artigo propõe-se explorar as formas de participação nas políticas, programas e projetos, em conexão com os possíveis atores societários envolvidos nesses processos. O percurso efetuado parte das razões que têm sido apontadas para a sua incorporação na formulação e gestão de políticas e programas sociais, ou seja, dos porquês dessa participação e, em sua decorrência, dos potenciais vislumbrados. Em seguida, discutem-se diferentes concepções e premissas da participação e procura-se qualificar esse termo, desembocando na noção de participação cidadã. Em um terceiro momento, analisam-se as possibilidades de participação no curso das políticas e programas no ambiente brasileiro. Abordam-se, em seguida, os diferentes atores que podem se colocar em cena (e que têm de fato atuado) no percurso das políticas e programas. No momento seguinte, recorre-se a um exemplo, com o foco em Belo Horizonte, para ilustrar as possibilidades de participação e a reconfiguração do quadro de atores desde os processos de formação da agenda. Finalmente, apresentam-se algumas considerações relativas às possibilidades e problemas da participação.

A participação nas políticas, programas e projetos sociais: por quê e para quê Desde os aportes dos clássicos, vários papéis e potenciais têm sido atribuídos à participação, como o de influência ou intervenção nos processos de tomada de decisão. A esse aspecto se acrescentam outros presentes no debate

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contemporâneo, como o controle público, a função educativa e integrativa, o aprendizado social que remete à cidadania e à dimensão pública. A democratização do Estado (e de suas relações com a sociedade) e as possibilidades de aprofundamento democrático têm sido os argumentos fundamentais mobilizados nos debates recentes em relação à participação nas políticas públicas. Ao lado disso, a associação da participação com a perspectiva dos direitos sociais, com as possibilidades de inclusão e de redução das desigualdades constitui outra questão-chave, especialmente no contexto dos países periféricos, marcados por profundas desigualdades sociais que se entrecruzam com assimetrias do poder político dos diversos grupos sociais. Tendo em vista os porquês da participação, Brugué, Font e Gomà (2006, p. 8) estabelecem uma distinção entre as justificativas tradicionais e as de nova geração. Para eles, as primeiras correspondem à legitimidade política e à melhoria das decisões. Ao se abordar questões complexas, as decisões tomadas a partir da escuta a múltiplas vozes tendem a maiores possibilidades de sucesso, não apenas pela incorporação de novas perspectivas, mas pelo próprio consenso gerado, que permitiria o atenuamento das resistências e maiores oportunidades de êxito. As segundas correspondem à incorporação de colaboradores e à geração ou fortalecimento de capital social. Nesse sentido, afirmam esses autores que a participação cidadã representa uma forma de superar os déficits administrativos e políticos que acompanharam a crise do Estado keynesiano, por meio do impulso de co-gestão e do capital social, bem como representa um processo de amadurecimento democrático. A primeira categoria de argumentos tende a privilegiar o ambiente institucional e pode ser considerada como um enfoque mais instrumental. Tem em vista sobretudo três potenciais: o aprimoramento das decisões, a sustentabilidade das ações e a conseqüente obtenção de melhores resultados. A melhoria das decisões tem sido associada principalmente à incorporação das perspectivas dos diversos atores envolvidos, que contribuiriam para a definição de problemas e das opções para seu enfrentamento. Em relação à sustentabilidade e à solidez das ações, tem-se destacado que a participação propiciaria a apropriação das propostas pelos atores envolvidos e o seu maior Ver essa discussão em Pateman (1992), que remete especialmente a Rousseau e Stuart Mill.



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comprometimento. Além disso, a participação favoreceria melhores condições de continuidade para as intervenções, não raramente interrompidas (MOLINA, 2002; LICHA, 2002; CARNEIRO, 2004). Ainda nessa linha de argumentação, nos termos de Nogueira (1998), a participação pode ser considerada um requisito necessário, dependendo das especificidades e objetivos dos programas e projetos sociais, que podem demandar graus distintos de interação com os destinatários das intervenções. Nos casos de programas que requerem algum tipo de mudança atitudinal (por exemplo, programas sociais de enfoque preventivo) e caracterizam-se por um maior grau de complexidade, a participação desde o desenho das intervenções pode contribuir para reduzir a incerteza das intervenções. Mais ainda, ela se mostra necessária nos programas focalizados, cujas ações são concebidas em função das necessidades dos receptores – caso dos programas de assistência social e de desenvolvimento social, que têm em vista a mudança das condições de vida e a construção de novas capacidades, requerendo câmbios nas atitudes e comportamentos. Como empregam tecnologias brandas ou de baixa formalização, implicando um alto grau de incerteza, tais programas, conforme o autor, demandariam a participação persistente do público focalizado em todas as suas etapas. Uma segunda categoria de argumentos privilegia a dimensão societária e tem-se apresentado sobretudo a partir da perspectiva do capital social. A participação tem sido considerada um meio de criação ou de fortalecimento do capital social, vislumbrado, por sua vez, como elemento propulsor de melhorias no desempenho institucional (LICHA, 2002; CARNEIRO, 2004). A participação propiciaria, nos termos de Licha (2002), o fortalecimento da solidariedade social, o fomento de ações cooperativas e democráticas, o fortalecimento das capacidades comunitárias de intervenção e a construção de redes. Em outros termos, a participação tem sido associada aos processos de aprendizagem coletiva, de fortalecimento da cultura democrática e das identidades coletivas e, ainda, às possibilidades de inovação nas políticas e programas. Esse enfoque confere ênfase aos aspectos sociopolíticos da participação e às possibilidades de inclusão e aprofundamento democrático. Nessa segunda linha de argumentos, a participação não estaria necessariamente associada a uma rota mais simples de formulação e de gestão de programas e projetos, já que pressupõe a manifestação dos interesses e valores dos diferentes atores e negociação dos conflitos nos processos participativos,

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tendo em vista intervir efetivamente nas tomadas de decisão. A participação pode implicar uma maior complexidade nos processos de formulação e gestão. Coloca em relevo uma racionalidade fundada nos processos de interação comunicativos, que podem tensionar lógicas tradicionais de atuação estatal (centralizadas, tecnocráticas e pouco permeáveis aos segmentos mais vulneráveis e excluídos, dentre outras características), apresentando, no mínimo, o desafio de maior flexibilidade nas formas de planejamento e de intervenção. Como discutido de forma breve nesta seção, podem ser identificados “por quês” e “para quês” da participação de natureza diversa e não excludente. Eles podem se situar numa perspectiva que privilegia os melhores resultados que se pode obter nas intervenções, como os possíveis ganhos relativos à sua eficácia e eficiência, à sustentabilidade e legitimidade das ações, ou mesmo relativos ao aprimoramento da concepção dos programas e projetos. E podem se situar numa perspectiva que privilegie aspectos relativos à democratização das políticas públicas e de seus instrumentos a partir da inclusão de novos atores nos âmbitos decisórios. Nessa ótica, incluem-se os aspectos relativos ao fortalecimento da sociedade civil e das identidades coletivas.

Participação nas políticas, programas e projetos sociais: algumas questões conceituais O tema da participação tem sido objeto de debates teóricos e reflexões sistemáticas no campo das ciências sociais e, ainda que em face dos limites deste artigo não se proponha uma revisão das diferentes perspectivas, de forma sucinta indicam-se algumas trilhas que possibilitam a sua problematização. A participação pode ainda ser abordada a partir de sua associação com modelos e pressupostos distintos em relação ao Estado, aos seus papéis e lógicas de intervenção, como o faz Santos (2002), que distingue duas concepções mais gerais da participação institucionalizada. A primeira refere-se à concepção da participação como meio de assegurar a governabilidade, visando à eficiência por meio do redirecionamento das formas de protesto e pressão dos movimentos sociais para formas controladas de participação e pela focalização das políticas nos extratos mais pauperizados da população. A participação seria um meio de reforçar a tendência de desresponsabilização do Estado. A segunda enfatiza as dimensões pública e política da participação. Nessa perspectiva, as instâncias participativas constituem espaços de publicização de conflitos, de negociação de interesses distintos dos segmentos sociais, e de afirmação e construção de identidades coletivas. A participação é assim considerada como um ponto de partida para a democratização das políticas públicas, vinculada à perspectiva da garantia dos direitos sociais e da possibilidade de redução das desigualdades



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No âmbito da teoria social, podem-se destacar, sobretudo, as abordagens contemporâneas da ação coletiva, que se caracterizam por concepções dicotômicas, estruturando-se principalmente em torno de duas correntes competitivas: o modelo norte-americano de mobilização de recursos e as abordagens européias dos novos movimentos sociais. Cada linha desenvolveu um quadro teórico que excluiu o foco principal do outro, implicando alternativas distintas de abordagem da ação coletiva. O resultado foi a escolha insatisfatória de interpretar a ação coletiva em termos estratégicos – de organização de estruturas para pressionar os domínios institucionais – ou em termos dos processos de construção de identidades coletivas e formas associativas societárias. Contudo, os desenvolvimentos mais recentes dos autores norte-americanos reformulam seu quadro teórico, que inicialmente privilegia a mobilização de recursos, introduzindo aspectos relativos à mobilização política e encampando elementos da corrente européia, como o reconhecimento dos processos de estruturação de significados compartilhados. McAdam, Mc Carthy e Zald (1999, p. 3-23) realizam um esforço dialógico, presente na identificação de três conjuntos de fatores para a análise da emergência e desenvolvimento dos movimentos: a) estrutura de oportunidades políticas, com ênfase nos processos políticos; b) as formas de organização formais e informais; e c) os processos coletivos de interpretação e de construção social. Conforme os autores, a combinação dos dois primeiros fatores pode implicar um certo potencial para a ação coletiva, mas seria insuficiente para tal, assinalando-se o papel da construção de significados compartilhados, que constituem um elemento de mediação entre as oportunidade, a organização e a ação. Cohen e Arato (1992; 2001) assinalam que, a despeito das diferentes concepções, ambas as correntes compartilham premissas que se contrapõem às abordagens clássicas da ação coletiva. Dentre outros pontos de interface, assumem que a ação coletiva conflitual é normal; insistem na racionalidade 

Destaca-se que até os anos 70 a abordagem social-psicológica da escola de Chicago afirmou-se como paradigma dominante. A ação coletiva é entendida em termos de ruptura e breakdown, concebidos como respostas irracionais à mudança social e desorganização social. Esse quadro teórico contrapõe ação institucional convencional e não institucional coletiva, formada a partir de situações não estruturadas e não guiadas por normas. A inadequação da perspectiva evidencia-se nos anos 70, a partir da pluralidade de novas formas de ação coletiva, que não podem ser enquadradas como respostas disruptivas às crises e envolvem atores sociais integrados, como os movimentos pacifista, ecológico, feminista e de autonomia local.

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do conflito; supõem racionais e integrados os participantes dos movimentos; e localizam a base da ação coletiva em grupos organizados, associações autônomas e redes sociais, reportando, assim, a dois níveis distintos: o das mobilizações e o das formas de participação e organização a priori dos atores. A sociedade civil, portanto, com suas associações e organizações intermediárias, constitui o espaço de aglutinação, de organização e de mobilização dos atores sociais, independentemente dos alvos e objetivos da ação coletiva. A reconstrução do conceito de sociedade civil feita por esses autores mostra-se relevante para a discussão da participação, ao voltar-se para a compreensão das novas formas de organização social e de ação coletiva que se desenham no contexto contemporâneo. Cohen e Arato (2001) afirmam que a idéia de defesa e de democratização da sociedade é a melhor forma de caracterizar as formas contemporâneas de auto-organização, e o conceito de sociedade civil permite focalizar as formas de ação coletiva que emergem a partir dos segmentos mais reflexivos dos movimentos sociais, geralmente não baseadas no recorte de classe, tampouco assentadas na perspectiva de “destruição do Estado”, mas orientadas para a defesa e expansão dos domínios societários, e para as instituições legais, para o controle da economia de mercado e do Estado burocrático. Ainda que assumam como objetivo central dos atores coletivos a democratização da sociedade civil e a defesa de sua autonomia, Cohen e Arato (1992, p. 497-503) ressaltam a possibilidade de sua atuação ofensiva e de aquisição de influência sobre os sistemas econômico e político, insistindo na ampliação das possibilidades de democratização das instituições políticas e econômicas. Argumentam que as duas lógicas não são necessariamente incompatíveis e que o próprio auto-entendimento dos atores coletivos enfatiza não apenas

Nessa formulação, o conceito de sociedade civil inscreve-se no interior do marco habermasiano da teoria da ação comunicativa, e em seu arcabouço tripartite (mundo da vida, subsistema econômico e subsistema político). Nesses termos, a sociedade civil enraíza-se no mundo da vida, correspondendo às instituições e formas associativas nos domínios da esfera pública – incluindo-se os movimentos sociais –, que implicam a interação comunicativa para sua reprodução. Remete à pluralidade de atores que se articulam em espaços públicos autônomos, podendo participar, reflexivamente, na redefinição de normas e de significados, na própria modernização cultural do mundo da vida e na possibilidade de penetração dessa estrutura moderna do mundo da vida nas instituições e práticas legais. Além da dimensão da pluralidade, a publicidade, a privacidade e a legalidade constituem elementos do conceito de sociedade civil construído pelos autores.



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os processos de construção de identidade, mas também as metas, os objetivos e estratégias da ação coletiva. Desse modo, sustentam que os movimentos sociais podem envolver todas as formas de ação coletiva – da orientação estratégica instrumental à normativa e expressiva – e que nenhuma ação é estritamente proativa ou reativa, ofensiva ou defensiva. Os movimentos tematizam questões e identidade, defendem normas, contestam interpretações sociais de normas, formulam novos problemas, propõem ações alternativas em relação ao seu ambiente e podem lutar simultaneamente para defender e democratizar a sociedade civil, assim como para promover a inclusão e expansão da sociedade política, de forma que a sua análise deve acomodar essas dimensões. Cabe notar que as contribuições dos referidos autores, assim como os fundamentos teóricos apoiados em Habermas (1984; 1989; 1997) têm sido apropriados também no âmbito dos debates da teoria democrática contemporânea, que constitui outra trilha a ser brevemente examinada, tendo em vista a noção de participação política. À teoria social habermasiana têm sido tributadas as bases para conceber a democracia ancorada nos processos de interação e comunicação localizados nos domínios societários, conferindo espaço para a emergência de novos atores e construção de novas práticas, bem como possibilitando a reconexão entre democracia e a noção de bem comum. Nesses termos, que apontam para a possibilidade de expansão e aprofundamento democrático, a teoria habermasiana “baseia-se na percepção de que a democracia está ligada a um processo discursivo que tem suas origens nas redes públicas de comunicação com as quais os processos de institucionalização legal e utilização administrativa do poder estão indissoluvelmente ligados” (AVRITZER, 1996, p. 15). Nessa linha, Santos e Avritzer (2000, p. 51) remetem ao entendimento alternativo da democracia concebida em termos substantivos e normativos “como uma gramática de organização da sociedade e da relação entre Estado e sociedade”, de forma que “o reconhecimento da pluralidade humana não se dá apenas a partir da suspensão da idéia de bem comum, mas a partir de dois critérios distintos: a ênfase na criação de uma nova gramática social e cultural, e o entendimento da inovação social articulada com a inovação institucional”. Entretanto, em linhas gerais, cabe notar a prevalência, no século XX, da concepção realista e elitista, que entende a democracia como um “método político, ou seja, (...) um determinado tipo de arranjo institucional para se

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chegar a decisões políticas legislativas e administrativas” (PATEMAN, 1992). Nessa linha, argumenta-se sobre a necessidade de relativa autonomia do Estado para governar e sobre o despreparo ou desinteresse da maioria para o exercício ativo de participação nos processos decisórios. A participação política assume, assim, um papel menor, ficando circunscrita aos mecanismos de competição política via representação, ou mais especificamente ao voto. Nos debates contemporâneos, recoloca-se a questão da participação nas formulações de democracia participativa a partir das discussões precursoras efetuadas por Pateman (1992) e Macpherson. Ainda que situados nos debates relativos à democracia industrial, os autores desafiam os limites do modelo elitista e recuperam os papéis mais amplos da participação, desde a intervenção no âmbito decisório até às dimensões de aprendizagem e integração. A noção de democracia participativa delineada não implica o descarte da validade dos mecanismos de representação, mas aponta para a sua complementaridade com formas ampliadas de participação nos processos decisórios e de deliberação. A recuperação de figuras da democracia direta, a participação dos cidadãos na formulação de políticas e decisões estatais e as possibilidades de deliberação pública constituem os conteúdos evocados na noção de democracia participativa, assim como a manutenção de um sistema institucional relativamente aberto para propiciar a experimentação. A participação política concebida nos marcos da noção de democracia participativa implica, desse Coube a Schumpter (1942), no pós-guerra, a cunhagem das bases dessa concepção minimalista de democracia. Nessa perspectiva, não apenas se estreitam os papéis e a dimensão central atribuída à participação pelos teóricos clássicos como se enfatizam os riscos antevistos na ampliação da participação. Santos e Avritzer (2002, p. 46) sustentam que a concepção hegemônica de democracia apoiada estritamente na representação não responde aos seguintes questionamentos: se as eleições esgotam os procedimentos de autorização e se os procedimentos de representação esgotam a representação da diferença, apontando para as dificuldades de representação de agendas e interesses específicos da pluralidade de atores sociais. Uma abordagem posterior constitui-se no pluralismo democrático, que retoma a questão da participação como parâmetro da qualidade da democracia. Dentre os requisitos para alcançar decisões voltadas para o interesse comum, o autor coloca o direito de definir e controlar a agenda pública e de informação referente às diferentes alternativas. O modelo poliárquico sustenta ainda a ampliação da competição política e da participação pela via da atuação de grupos de interesse, ou grupos de pressão, pressupondo-se sua neutralização recíproca – decorrente de cálculo estratégico dos atores políticos – e uma certa simetria dos recursos do poder no mercado político. Contudo, a concepção pluralista não chega a distender significativamente as fronteiras da democracia liberal-representativa ou a incorporar as dimensões substantiva e normativa da democracia como valor e construção coletiva.  Citado por Teixeira (2002). 

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modo, a redefinição das relações entre Estado e sociedade, o fortalecimento e a democratização da sociedade e do Estado. Nessa direção, Avritzer (2002) aponta os espaços entre a sociedade e o Estado como o local por excelência da democracia participativa e de deliberação, representando a possibilidade de soberania popular procedimentalizada na conjunção entre participação e representação. Em outros termos, conforme Pereira (2000), essas instâncias correspondem aos espaços híbridos, quer pela conjugação de mecanismos de representação com formas deliberativas, quer pela composição mista com atores estatais e da sociedade civil. A discussão efetuada sobre ação coletiva teve em vista assinalar a emergência de novas formas de organização coletiva e de ação coletiva, podendo-se enfatizar a sua lógica dual, que implica dimensões distintas de participação e de influência nas políticas públicas. A abordagem da questão da democracia permitiu situar a participação política nos marcos dos diferentes quadros teóricos, cabendo notar o alargamento das formas de participação política na concepção de democracia participativa. Além disso, permite ressaltar, a partir das bases habermasianas, as possibilidades de articulação entre inovação social e inovação institucional. Assim, indicadas algumas contribuições de maior envergadura que possibilitam situar e problematizar a participação, sob o ângulo da ação coletiva e da democracia, a seguir procura-se discutir o termo participação cidadã, que tem sido recentemente empregado na literatura relativa às políticas públicas. Nos termos de Santos (1998), no âmbito das tomadas de decisão, a participação cidadã pode ser definida “como possibilidade de intervir nas decisões relativas às escolhas de políticas públicas, independente do caráter convencional ou não convencional”, podendo ter seu curso nos espaços públicos e nas instâncias de interlocução entre o poder público e a sociedade. No esforço para delimitar esse conceito, Cunill-Grau (1998) inicialmente efetua o cotejamento com o conceito de participação política, destacando que a participação cidadã “se refere à participação política, embora se afaste dela por pelo menos dois sentidos: abstrai tanto a participação em partidos políticos como a que o cidadão exerce quando elege representantes”. Tendo por objetivo delimitar o conceito de participação cidadã, Teixeira (2002) e Cunill-Grau (1998) efetuam algumas distinções conceituais. Uma primeira noção examinada é a de participação comunitária, expressão empregada principalmente nos anos 1980, no âmbito de programas



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Cunill-Grau (1998) e Teixeira (2002) convergem ao delimitar esse conceito a partir de dois elementos: a expressão de interesses sociais e a intervenção nas atividades públicas, tendo como base a sociedade civil, considerada como autônoma e autolimitada. A participação cidadã refere-se à intervenção dos agentes sociais no curso das atividades públicas de diversas formas, que permitem sua influência nas decisões estatais ou na produção de bens públicos, constituindo expressão de interesses sociais. Para Teixeira (2000, p. 39), o conceito assim forjado, fundamentalmente ilumina duas dimensões da participação. A primeira é vislumbrada nos domínios da sociedade civil – concebida como autônoma e autolimitada – e constitui-se das diversas formas associativas e de mobilização societária. Constitui a base para a segunda dimensão, que aponta para os espaços institucionalizados de participação e para as relações entre Estado e sociedade. Assim, ainda de acordo com o autor, a participação cidadã refere-se a um “processo complexo e contraditório de relação entre sociedade civil, Estado e mercado, em que os papéis se definem pelo fortalecimento da sociedade civil através da atuação organizada de indivíduos, grupos e associações” (TEIXEIRA, 2000, p. 46). Neste ponto, é pertinente indicar que o emprego mais recente do termo participação cidadã ocorre em sintonia não apenas com a criação de novos arranjos institucionais voltados para a participação, mas também com uma abordagem da ação coletiva contemporânea que presume uma lógica dual dos governamentais destinados à provisão de bens públicos que envolviam a participação de associações comunitárias e correlatas em atividades estritamente vinculadas à implementação ou execução de atividades. Os balanços críticos dessa forma de participação enunciaram diversos problemas e limites, como as possibilidades de cooptação das entidades ou do estabelecimento de relações tradicionais clientelistas. Para ambos os autores, a noção de participação comunitária aponta para as relações da sociedade civil com o Estado em um caráter restrito, assistencial ou voltado para o atendimento de demandas mais imediatas. A participação social é outra noção discutida da pelos autores. Ambos destacam a dimensão organizativa e mobilizatória da sociedade civil como o aspecto que essa noção privilegia. É caracterizada por Cunill-Grau (1998) como a participação em organizações na sociedade civil voltada para a defesa de interesses sociais. Teixeira (2000, p. 47) define a participação social a partir da sua inscrição nos domínios da sociedade civil e dos processos de organização e mobilização societários. Adicionalmente, Teixeira (2000, p. 46) ainda procura caracterizar a noção de participação popular, entendida como a ação desenvolvida pelos movimentos – em grande parte em caráter reivindicativo –, visando ao atendimento a demandas ou realização de protestos. Para o autor, dois elementos podem ser destacados na cunhagem no conceito de participação popular: a marcação de um posicionamento anti-Estado e a sua circunscrição aos segmentos sociais explorados (trabalhadores, desempregados, favelados).  Nos termos de Cohen e Arato (2001).

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atores sociopolíticos: defensiva e ofensiva. Ou seja, de um lado, referida aos próprios processos de construção de identidades coletivas, de organização e mobilização societária e, de outro lado, destinando-se à aquisição de influência no sistema político, inclusive por meio da atuação em espaços institucionais de participação. Nesse sentido, tem-se constatado a complexidade de formas e bases associativas e a emergência de novos atores e formas de ação coletiva no ambiente das últimas décadas (TEIXEIRA, 2001; PEREIRA, 2000; DAGNINO, 2000). E, notadamente no contexto brasileiro, tem-se observado a multiplicação de instâncias e de espaços institucionais de participação com finalidades e alcances distintos, correspondendo a uma diversidade de arranjos institucionais, propiciando processos participativos de maior ou menor amplitude referida à capacidade deliberativa no âmbito dos processos decisórios.

As novas instâncias e arranjos de participação nas políticas, programas e projetos As mudanças no Estado contemporâneo e nas suas lógicas de intervenção têm-se nucleado, em especial, por processos e arranjos de descentralização, expressos sob várias formas e eixos. Constituem expressões desses processos a revalorização da dimensão local e a noção de “gestão de proximidade”, a inclusão de novos atores na produção, gestão e avaliação de políticas e programas sociais, quer via parcerias com a sociedade civil, quer via participação cidadã. No caso da participação, tem-se forjado uma multiplicidade de arranjos e de canais para essa finalidade. Dada essa diversidade, Brugué, Font e Gomà (2006, p. 70) buscam construir uma tipologia de fórmulas participativas e, para tanto, identificam variáveis constitutivas das instâncias e arranjos de participação. Primeiro, apontam os aspectos do processo decisório sobre os quais a participação pode incidir: elaboração de diagnósticos, processos decisórios de formulação ou gestão de equipamentos e serviços. Segundo, referem-se às bases sociais mobilizadas nos processos de participação: trata-se de um processo de base associativa, canalizado por intermédio de grupos organizados, ou da participação individual de cidadãos, ou, ainda de conjunção das duas possibilidades (como tem ocorrido

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em conferências, orçamentos participativos e Agendas 21)? Apontam ainda para duas outras questões: a lógica territorial ou setorial e o caráter intensivo ou extensivo. No caso brasileiro, a Constituição Federal de 1988 avançou no reconhecimento dos direitos sociais e estabeleceu novos arranjos de cunho descentralizante e democratizante que enquadram o conjunto das políticas públicas, balizando novas modalidades de formulação e de gestão assentadas na redefinição das relações entre Estado e sociedade. A trajetória de construção democrática brasileira marca-se pela emergência de novos atores coletivos que se organizaram, articularam-se entre si e empreenderam ações coletivas voltadas para a inclusão e a implantação dos direitos sociais, para a democratização do Estado, de suas formas de intervenção e das políticas públicas, de suas relações com a sociedade. À atuação desses atores sociopolíticos têm sido atribuídos o alargamento da agenda pública, avanços no terreno das políticas públicas e inovações institucionais. O texto constitucional, a legislação que regulamenta as políticas públicas e os arranjos que organizam os sistemas setoriais no âmbito nacional, a profusão de experiências inovadoras cunhadas especialmente na esfera local (referentes às políticas, programas, projetos voltados para a inclusão social e novas formas de planejamento) constituem expressões de tais processos, que denotam conexões entre as inovações sociais e institucionais. (AVRITZER, 2002; DAGNINO, 2002; TEIXEIRA, 2000; AVRITZER; PEREIRA, 2005). Uma vertente de inovações refere-se aos canais de participação institucional que se multiplicaram sob distintos formatos, escalas e arranjos desde a Constituição Federal. Constituem um conjunto diversificado e heterogêneo, de amplitudes e alcances diferenciados quanto aos processos participativos e às possibilidades de intervenção no curso dos processos decisórios. Compõem esse universo os conselhos gestores, conselhos de políticas públicas ou temáticos, conferências, orçamento participativo (OP) e outras formas de gestão orçamentária participativa, audiências, consultas e debates públicos, arranjos colegiados como comissões e comitês, dentre outros mais especificamente desenhados, destinados à participação nos programas e projetos sociais. Tendo em vista a diversidade de arranjos constitutivos desses espaços no contexto brasileiro, Bittar e Coelho (1997) sugerem variáveis para sua caracterização. A primeira delas é o grau de institucionalização, que alude à formalidade ou informalidade dos arranjos estabelecidos: no primeiro caso,

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corresponderia às instâncias, constituídas e regulamentadas por meio de legislação que define atribuições, funções e procedimentos; no segundo caso, corresponderia às relações e dinâmicas menos formalizadas, que podem se apoiar na deliberação mais ampla, inclusive quanto ao funcionamento dos processos. Outra variável explicitada é o poder decisório, ou seja, o caráter deliberativo ou consultivo (ou mesmo misto, como pode ocorrer) das instâncias de participação. A terceira variável remete à periodicidade dos “encontros” entre sociedade e Estado, que pode assumir uma feição regular e processual ou eventual e episódica (que corresponderia ao caráter intensivo ou extensivo do processo). Finalmente, os autores mencionam a questão da “escala” de planejamento ou de gestão para a qual a instância de participação está voltada. Em seus termos, pode ser uma escala de planejamento global ou de elaboração de políticas setoriais; de gestão de programas e projetos específicos, ou de gestão territorializada; ou, ainda, de equipamentos e serviços. Os elementos propostos pelos autores podem contribuir para o âmbito analítico assim como para a concepção dos espaços de participação, uma vez que o desenho institucional, em alguma medida, influi nas dinâmicas participativas. Por exemplo, ao se prever um papel apenas consultivo para uma determinada instância, pode-se supor que a motivação dos atores sociais em participar deve ser consideravelmente menor do que no caso de um espaço deliberativo, no qual existe de fato a possibilidade de intervenção em processos decisórios. No caso da periodicidade da interlocução ente Estado e sociedade, pode-se supor que a recorrência e a regularidade favorecem as dinâmicas das instâncias de participação e o fortalecimento de seus papéis, na medida em que se pode delinear uma trajetória de avanços associados ao seu funcionamento. Além disso, propiciam maiores oportunidades de aprendizagem coletiva dos atores sociais no interior desses espaços e, até mesmo, o fortalecimento dos atores e de sua identidade coletiva a partir dos embates e da influência que logram obter. Entretanto, não se pode descartar a relevância de arranjos episódicos como as consultas, audiências e debates, dentre outros, que podem associar-se a outros arranjos de participação. No que se refere ao grau de formalização, pode-se dizer que o pólo mais formalizado – caso dos conselhos, que usualmente são criados por legislação e também apresentam as regras de funcionamento regulamentadas – perde em termos de poder de deliberação. Contudo, vale destacar que, dependendo do arranjo

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estabelecido, a formalização não impede que, a partir dos processos participativos, se alterem papéis e as regras de funcionamento, passando por um novo processo de regulamentação legal, e isso de fato pode ocorrer em conseqüência do próprio funcionamento dos conselhos. Por outro lado, tem-se sugerido que o caráter mais institucionalizado pode favorecer a continuidade, uma vez que experiências num pólo oposto de informalidade estariam mais expostas ao risco de descontinuidade, por exemplo, em momentos de mudança de governo. Finalmente, no caso do que os autores denominam escala, apresentam-se papéis diferenciados e eventualmente complementares para as diversas instâncias, com os alcances e limites daí decorrentes. Podem-se destacar três instâncias, empregadas principalmente pelos municípios brasileiros: os conselhos, as conferências e o orçamento participativo. Os conselhos têm sido os arranjos mais difundidos e consolidados, inclusive pelo fato de alguns deles assumirem o papel de gestores em virtude de requisitos legais, como os conselhos de saúde. As conferências, que já eram empregadas por alguns municípios, têm recentemente se disseminado nos diversos campos setoriais, a partir do estímulo federal para sua realização. Quanto ao orçamento participativo, atualmente há cerca de duas dezenas de experiências em curso, mas pode-se supor o incremento dessas experiências, posto que o Estatuto da Cidade preconiza, em seu capítulo de gestão democrática das cidades, o emprego de instâncias de participação, entre elas a gestão participativa do orçamento.10 Os canais mencionados compartilham alguns elementos constitutivos como espaços híbridos de interlocução entre Estado e sociedade, que permitem a intervenção dos atores sociais nos processos decisórios e que apresentam mecanismos de deliberação e de representação (AVRITZER; PEREIRA, 2005), porém prestam-se a distintas finalidades. As conferências vocacionamse especialmente para alimentar a agenda pública, estabelecer diretrizes e efetuar, em alguma medida, uma avaliação participativa das políticas em curso. Os conselhos voltam-se principalmente para deliberação de aspectos relativos à gestão das políticas, embora possam se destinar aos aspectos decisórios Dados do perfil do município, do IBGE, indicaram a existência de mais de 27.000 conselhos municipais em 2001. Sobre os conselhos gestores e temáticos, ver Tatagiba (2002), que procurou distinguir os diversos tipos de conselhos que têm sido utilizados, bem como problematizar seu funcionamento.

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relativos à formulação. No OP está em questão a participação na gestão de uma parte dos recursos orçamentários. Ou seja, trata-se de canais com papéis distintos e complementares. As instâncias mencionadas podem-se diferenciar pelo escopo de atores incorporados e remetem a diferentes dimensões do conflito social. Os conselhos implicam a participação de atores inseridos numa determinada arena de políticas públicas, ou seja, de atores especializados num determinado corte setorial ou temático. Comparados com o OP, os conselhos apresentam uma participação mais restrita em termos dos atores envolvidos (neste caso, restritos a partir dos arranjos de representação de segmentos). Entretanto, nos conselhos um maior espectro político e uma maior contraditoriedade de interesses e de valores faz-se presente. Exemplo disso são os conselhos de políticas urbanas e ambientais, que têm representação expressiva de atores ligados às atividades privadas, constituindo um eixo de conflitos entre interesses privados (geralmente concentrados) e públicos (que podem ser difusos ou direcionados para determinados segmentos sociais vulneráveis). No caso do OP, ocorre uma maior incorporação de atores a partir da possibilidade de livre acesso dos interessados, e os conflitos giram em torno da definição dos beneficiados (AVRITZER; PEREIRA, 2005). Nas conferências, há a possibilidade de incorporação mais ampla de atores em um primeiro momento (como no OP), e essa incorporação implica (como nos conselhos) clivagens de interesses mais contraditórias e às vezes bipolares. A problematização do funcionamento, da efetividade, dos problemas e dos limites dessas instâncias de participação tem sido efetuada na literatura, de modo que se descarta sua abordagem neste artigo. As dificuldades obviamente apresentam-se tanto sob o prisma do poder público (que por vezes impõe, desde o desenho, constrangimentos à participação efetiva e à capacidade deliberativa desses canais) quanto da sociedade. Os problemas no funcionamento e na efetividade desses canais quanto às intervenções nas tomadas de decisão mostram que os processos são contraditórios e os avanços na maioria dos casos são lentos – o que poderia ser esperado se considerarmos a contraditoriedade de interesses e valores e a dimensão cultural, dentre outros aspectos. A meu ver, as dificuldades não invalidam o potencial desses espaços que vêm sendo

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instituídos, bem como denotam os processos de aprendizagens coletivas que podem implicar o amadurecimento e fortalecimento dos atores e desses canais. No que se refere aos programas e projetos sociais, as instâncias institucionalizadas abordadas, como os conselhos e conferências, podem contribuir de forma mais geral quer para os aspectos referidos à agenda e à definição do problema ou objeto de intervenção, quer para aspectos relativos ao seu desenho e acompanhamento. Ao lado disso, podem ser previstas formas de participação dos destinatários das intervenções, nos diversos momentos de seu ciclo, desejavelmente não restrita aos processos de implementação, voltando-se também para a identificação e seleção de alternativas. Nesses casos, as formas de participação dependem das especificidades das intervenções e de seu público, podendo mobilizar bases associativas ou mistas, articular processos intensivos e extensivos e ser definidas por meio de deliberação no decorrer dos processos.11 Cabe notar que os programas e projetos de cunho territorializado (ou seja, que recorram à territorialidade como um critério alternativo de focalização e à lógica de gestão de proximidade)12 favorecem a mobilização de seu público e os processos participativos. Esses potenciais associam-se às relações cotidianas e aos espaços públicos primários, das práticas de reciprocidade e de ajuda

Pode-se referir ao experimentalismo das formas e metodologias de participação para apoiar os processos de formulação, implementação e acompanhamento de programas, ao lado do emprego de instrumentos e recursos na linha de pesquisa-ação participativa, ancorados na perspectiva emancipatória de Paulo Freire. A esse respeito ver Licha (2002). 12 Para a discussão da noção de território e das territorialidades nas políticas sociais, dos potenciais e problemas dessa perspectiva, bem como de sua associação com novas formas de intervenção descentralizadas, intersetoriais e enraizadas na participação, ver Brasil (2004). O trabalho recorre à distinção efetuada na literatura entre políticas territorializadas e territoriais: “Michel Autés [...] efetiva uma distinção valiosa entre políticas territoriais e políticas territorializadas, embora as fronteiras entre as duas categorias possam não se mostrar tão claras. [...]. As políticas territorializadas correspondem à aplicação local de uma política a um território, o que, em certa medida, ocorre em face dos processos de descentralização. Constituem-se como alternativa aos modelos tradicionais das políticas sociais, implicando a incorporação da intersetorialidade nas lógicas de intervenção. Essas políticas remetem, portanto, à redefinição do mecanismo de focalização a partir da dimensão do território. As políticas territoriais assumem a centralidade do território como espaço privilegiado de formulação e de gestão territorializada, implicando a mobilização dos recursos locais para tratar os problemas sociais. Sua originalidade assenta-se na possibilidade de experimentalismo na gestão social a partir da dimensão concreta do lugar e de seus personagens . 11

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mútua às formas de organização e de mobilização emergentes a partir das condições de vida precárias.13 Para finalizar esta seção, uma questão nuclear a ser reafirmada é que, ainda que o desenho possa influir, às vezes de forma decisiva, nos processos participativos, reafirma-se a centralidade dos atores sociais que participam, que constituem a base fundamental dos diálogos entre Estado e sociedade. Nos termos de Daniel (1994), o funcionamento dos canais de participação e a qualidade dos processos participativos dependem duplamente dos arranjos estabelecidos pelo poder público e da disposição e capacidade dos atores da sociedade civil em participar. A participação em políticas, programas e projetos sociais remete, portanto, à dimensão organizativa da sociedade civil e à multiplicidade de canais e possibilidades de participação que podem ser vinculadas aos diversos momentos do seu ciclo. Nessa direção, Teixeira (2002) observa que “o processo decisório encampa diversos momentos, desde a tematização dos problemas relacionados à construção de parâmetros para nortear as ações e a criação de alternativas até a escolha da melhor solução, implementação, acompanhamento e controle”. Ao longo desse processo, a participação pode se realizar de diferentes maneiras e pode mobilizar atores distintos. Em outras palavras, se observarmos os atores envolvidos numa dada política ou programa, podemos notar que o quadro tende a se diferenciar no decurso de seu ciclo. Atores distintos, situados numa determinada arena sociopolítica, intervêm em momentos distintos: alguns no momento de tematização e de formação da agenda, podendo haver um realinhamento ou alteração nesse quadro nas macrodefinições e, adiante, outras mudanças nos microprocessos referidos à gestão, que tendem a encampar os beneficiários das intervenções ou os atores mais diretamente envolvidos. Ver a revisão de Brasil (2004) sobre essa discussão. Um dos autores referenciados é Koga (2003), que afirma que “o território também representa o chão da cidadania, pois cidadania significa vida ativa no território onde se concretizam as relações sociais, as relações de vizinhança e solidariedade, as relações de poder”.[...] O direito a ter direitos é expresso ou negado, abnegado, ou reivindicado a partir de lugares concretos: o morar, o estudar, o trabalhar, o divertir-se, o viver saudavelmente, o transitar, o opinar, o participar”. Ou, ainda, Santos (1995, p. 263) que aponta para as relações sociais espacialmente constituídas, relevantes no contexto das sociedades periféricas. Refere-se ao espaço da comunidade (ancorado na vizinhança e nas organizações societárias de base), “constituído pelas relações sociais desenvolvidas em torno da produção e reprodução dos territórios físicos e simbólicos, de identidade e identificações com referências as origens e destinos comuns”.

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Os novos (e os nem tão novos) atores em cena e seus papéis A sociedade civil brasileira organiza-se sob diversas formas ainda no período autoritário: organizações de trabalhadores/sindicais, movimentos sociais, associativismo urbano. No período mais recente, observam-se novas formas de organização, desde associações com recorte temático de atuação à conformação de redes, como os fóruns societários. O campo dos movimentos configurados em face dos múltiplos déficits de inclusividade mostra-se amplo e diversificado a partir de diferentes bases e recortes de atuação e também quanto às trajetórias, orientações políticas e lógicas de atuação. Pode-se referir ao seu papel e potencial, especialmente por meio de ações coletivas de cunho mobilizatório que procuram influir na formação das agendas, bem como outras formas de participação institucionalizada no curso das intervenções públicas.14 O potencial de pressionar a agenda pública ganha maior expressão ao considerarmos a construção de articulações e redes de movimentos desde os anos 1980, que têm atuado da esfera nacional à local.15 Ao lado desse segmento, destaca-se o associativismo urbano de base territorial, organizado principalmente (mas não necessariamente) em torno Nos termos de Teixeira (2000), os movimentos sociais “tematizam assuntos e identidade, defendem normas, contestam interpretações sociais de normas, formulam novos problemas, propõem ações alternativas em relação ao seu ambiente e podem lutar simultaneamente para defender e democratizar a sociedade civil, assim como para promover a inclusão e expansão da sociedade política, de forma que a sua análise deve acomodar essas dimensões”. 15 As redes têm sido destacadas como novos arranjos flexíveis, que refletem a complexidade do tecido social e as mudanças contemporâneas nas ações sociopolíticas e nas relações entre o Estado e a sociedade. Os fóruns denotam essa complexidade, em seu formato que articula redes de base a partir de seus componentes (no caso das redes movimentalistas) e podem-se conectar com outras redes temáticas e redes internacionais (especialmente a partir das ONGs). Essas conjunções podem se traduzir em ampliação ou fortalecimento de capacidade mobilizatória e de pressão no decorrer de ações coletivas específicas. Conforme Scherer-Warren (1996, p. 10), as redes de movimentos e redes temáticas caracterizam-se pela interação horizontal e práticas sociopolíticas pouco formalizadas ou institucionalizadas entre organizações da sociedade civil, grupos e atores informais, engajados em torno de conflitos ou de solidariedade, de projetos políticos ou culturais comuns, construídos em torno da identidade e valores coletivos. Cabe a distinção, portanto, entre essas redes e as redes de políticas públicas, de caráter híbrido, que podem envolver também atores governamentais 14

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das múltiplas carências e déficits relativos à provisão de bens públicos locais: correspondem às associações de moradores e correlatas, que apresentam também suas articulações e redes com atuação também no âmbito nacional. Para além de procurar influir na agenda pública, as associações têm tradicionalmente se envolvido na implementação de programas e projetos de cunho territorializado. Além dos movimentos, associações de moradores e de suas redes, os fóruns emergem no contexto brasileiro, sobretudo a partir da década de 1990, como uma das novas formas de organização e de ação coletiva, constituindo redes de corte temático inscritas nos diversos campos de políticas públicas: pobreza, reforma urbana, reforma agrária, saúde, segurança alimentar, gênero, direitos da criança e do adolescente, assistência social, meio-ambiente, dentre outros eixos de atuação.16 Esses espaços têm articulado atores coletivos de diferentes bases sociais: movimentos sociais e suas articulações, associações profissionais e temáticas, ONGs, e outros de base organizativa diversa, podendo vincular-se, ainda, a redes de entidades internacionais (TEIXEIRA, 2000 e 2002; DAGNINO, 2002; SCHERER-WARREN, 1996). A tematização de questões e influência na agenda tem sido destacada como vocação dos fóruns, embora esses atores participem crescentemente em instâncias institucionais e em outros espaços que têm em vista a influência em processos decisórios relativos à formulação, gestão e avaliação de políticas. O potencial dos fóruns de influir e intervir nesses processos pode ser atribuído principalmente à sua composição heterogênea que permite tanto canalizar potenciais mobilizatórios da sociedade civil (o segmento dos movimentos sociais afirma aí sua centralidade) quanto empreender ações mais institucionalizadas, como a própria participação em espaços destinados a esta finalidade (BRASIL, 2004).

Teixeira (2000) identificou fóruns relativos aos seguintes temas ao final dos anos 1990: reforma agrária, reforma urbana, participação popular, educação ambiental, cidadania contra a fome, democratização da comunicação, prevenção e erradicação do trabalho infantil, defesa da escola pública, entidades da saúde, habitação, contra a violência no campo, meio ambiente,defesa dos direitos indígenas, direitos da criança e do adolescente, combate a prostituição infantil, alternativas para a agricultura, direitos da mulher, educação, assistência social, contra o despejo, defesa do consumidor, antinuclear, rede mulher, agricultura alternativa. O autor levantou, ainda, as redes de movimentos e de associações nos diversos campos.

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O tecido organizativo e as formas de atuação dos fóruns colocam em evidência, assim, as duas dimensões da participação cidadã e da ação coletiva: a dimensão organizativa, nos domínios da sociedade civil, e a dimensão institucional, no âmbito dos espaços de interlocução entre Estado e sociedade, tendo em vista as possibilidades de influência e de intervenção dos atores sociais no curso das atividades públicas, nos processos decisórios e na produção de bens públicos (TEIXEIRA, 2002; DAGNINO, 2002; BRASIL, 2004). A articulação em rede de atores coletivos inscritos nas diversas arenas de políticas públicas implicou concretamente, em todos os casos, avanços no texto constitucional e nos marcos regulatórios. Obviamente esses avanços se apresentam de forma distinta nas diversas áreas, mais ou menos substantivos, dependendo de vários fatores: a própria trajetória institucional da política em questão, os atores mobilizados, seu alinhamento e suas formas de atuação, os conflitos potenciais com interesses privados em jogo, os processos de negociação e os acordos estabelecidos.17 No caso da saúde, por exemplo, logrou-se um avanço mais concreto e mais imediato em relação às outras áreas desde o texto constitucional até pelo fato de a legislação que regulamentou o sistema ter sido produzida e aprovada no momento subseqüente. Para além dos avanços concretos nos instrumentos regulatórios das políticas públicas, em todos os campos temáticos ou setoriais nos quais ocorreram processos de mobilização societária, a atuação dos atores coletivos implicou a tematização ou retematização de problemas sociais, configurados como problemas políticos. Ou seja, essa atuação alimentou substancialmente os processos de formação de agenda, devendo-se notar que a problematização das questões sociais já apresenta premissas e alternativas de intervenção, de um modo mais ou menos explícito. Essas redes de atores de base social distinta também remetem a alianças, estabelecidas anteriormente, de diversos segmentos com os movimentos populares, como as organizações católicas, as entidades de assessoria aos movimentos, associações profissionais e universidades, dentre outros.18 Nesse sentido, Santos (1998) destaca o apoio ou influência de atores coletivos e forças políticas organizadas, afirmando que a autonomia dos movimentos não pode ser concebida como espontaneidade popular. A esse respeito ver o trabalho de Menicucci e Brasil (2005) que compara os processos de participação e as trajetórias recentes das políticas urbanas e de saúde a partir da análise dos Movimentos Nacionais de Reforma Urbana e de Reforma Sanitária. 18 A esse respeito ver principalmente Doimo (1995). 17

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As dificuldades da participação cidadã, especialmente no caso dos movimentos e do associativismo urbano, têm sido exploradas na literatura. A falta de recursos (inclusive de informações) e as dificuldades de participação das bases sociais constituem alguns dos aspectos mais enfatizados. Ao lado disso, podem-se mencionar os tensionamentos internos (sobretudo no caso dos movimentos) decorrentes da incorporação de novas lógicas de ação coletiva em um contexto no qual se multiplicam as oportunidades de participação em espaços institucionais. Uma das questões em aberto é se a ampliação das oportunidades de participação nos espaços institucionalizados, ao lado das dificuldades dos processos, tem contribuído para o fortalecimento das identidades desses atores coletivos.19 As entidades vinculadas à Igreja Católica têm se mostrado historicamente importantes e influentes nas políticas e programas. Especial referência pode ser feita às Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), que contribuíram para a organização dos segmentos populares no período autoritário. Também as pastorais têm influído, de forma direta ou indireta, na agenda das políticas sociais, assim como outras organizações católicas, que têm estabelecido parcerias na gestão de programas sociais específicos. Outros recortes de associativismo têm se colocado em cena no período mais recente, como as associações temáticas – de defesa do meio ambiente, de defesa dos direitos da criança e adolescente, de segurança alimentar, para citar alguns exemplos. Outro fenômeno novo de conformação da sociedade civil no Brasil refere-se às novas associações profissionais constituídas a partir dos anos 70 (Avritzer; Pereira, 2005). Em ambos os casos, o papel de tematização de problemas pode ser apontado, notando-se também tecidos em

Melucci (1996, p. 65-75) tem contribuído para a discussão das identidades coletivas. Para o autor, a construção da identidade coletiva é um processo que pode ser analiticamente dividido dos pontos de vista interno e externo, contendo uma tensão entre a definição que o movimento se dá e o reconhecimento conferido pelo resto da sociedade. A identidade envolve definições quanto aos meios, fins e campos de ação, bem como à rede de relações entre os atores. Ainda em seus termos, a identidade coletiva refere-se ao processo interativo por meio do qual indivíduos ou grupos definem o significado de suas ações e o campo de oportunidades e constrangimentos para a ação. A construção da identidade coletiva é processual e demanda investimento, e tende a se cristalizar em formas de organização, sistemas de regras, relações de liderança, quanto mais a ação se desenvolve no sentido das formas mais institucionais

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rede20 e a participação desses segmentos (especialmente das associações profissionais) nos fóruns temáticos. Outro segmento que tem crescentemente se envolvido nas políticas e programas sociais, principalmente por meio de parcerias voltadas para a sua implementação, é o das ONGs. Cabe notar a expansão do número dessas organizações desde o final dos anos 1980, bem como sua heterogeneidade. Nesse conjunto, encontram-se desde aquelas oriundas das assessorias aos movimentos sociais, com um expressivo enraizamento e comprometimento com esse campo e com suas plataformas, até uma parte das organizações mais recentes, estritamente voltadas para a execução de projetos e serviços que se descentralizam a partir dos processos de reforma do Estado ou, ainda, ONGs internacionais que atuam, às vezes, como propulsoras de projetos locais. No primeiro caso, o escopo de atuação tende a ser mais amplo, incluindo atividades voltadas para o fortalecimento das capacidades dos atores coletivos, realização de encontros, pesquisas e publicações, bem como a sua inserção em redes temáticas e fóruns nacionais e internacionais. Nesses casos, portanto, para além da participação em programas e projetos pontuais, a atuação dessas organizações pode-se traduzir em influência na conformação da agenda pública e nos processos de formulação. Ao analisar as relações entre ONGs e Estado, no âmbito das políticas públicas, Teixeira (2002) identifica três tipos de vínculo ou formas de encontro, que remetem a possibilidades distintas de influir nas políticas e programas. A primeira constitui-se por relações menos formais, pautadas pela crítica, monitoramento e pressão ou, ainda, pela proposição, colaboração e acompanhamento. A segunda corresponde à prestação de serviços via contratação. A terceira se refere à consolidação de projetos elaborados conjuntamente, o que pode ser caracterizado como efetivação de parceria no sentido substantivo. De modo geral tem-se afirmado que essas organizações podem desempenhar um papel relevante nos programas sociais em virtude de sua estrutura técnica e operacional. Sedano e Botero (2002) elencam alguns argumentos nesse sentido. Da ótica do Estado, a partir dos processos de reforma, afirma-se a tendência a recorrer a grupos profissionais especializados para a execução Pode-se destacar a capacidade de vocalização e de relativa influência na esfera pública, especialmente das associações profissionais tradicionais anteriormente constituídas, como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB).

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de políticas – e as ONGs se enquadram entre eles. Certas virtudes como a composição profissional, a vinculação com problemáticas territoriais e sociais específicas, e a capacidade de desempenhar funções de forma ágil e flexível constituem algumas das virtudes atribuídas a essas organizações. Um segundo grupo de argumentos aponta para a busca de apoio social para as políticas e programas: as ONGs podem contribuir na divulgação de informações, organização de beneficiários, difusão de propostas e com aporte de conhecimentos metodológicos para instrumentar as políticas e projetos. As relações dessas organizações com o Estado marcam-se, de um modo geral, por vínculos breves e por tarefas específicas que não implicam compromissos de continuidade. Esse ponto é problematizado pelos autores, que apontam, em decorrência dessas relações, problemas de sustentabilidade das ONGs que dependem exclusivamente de contratos com o Estado – podendo implicar outras dimensões de dependência, como em relação a temas, metodologias e objetivos da participação fixados pelo Estado. Ainda de acordo com os autores, da ótica das relações com as comunidades, as ONGs têm- se afirmado em um papel de mediação entre a oferta estatal e as demandas comunitárias. A capacidade técnica e a especialização temática, ao lado da inserção em determinados territórios e grupos da população, bem como a destreza na dinamização de processos comunitários, qualificam-nas para esse papel de mediação. Os autores destacam que as ONGs têm se especializado como capacitadoras, formadoras de líderes, pedagogas e educadoras nos assuntos públicos. Apesar dessas características que facilitam o trabalho de mediação entre Estado e comunidades, os autores problematizam a possibilidade de essas organizações suplantarem o papel das organizações sociocomunitárias, em especial nos processos de negociação com o Estado (Sedano; Botero, 2002). Finalmente, no que se refere aos principais atores societários envolvidos nos processos participativos voltados para a formulação e gestão das políticas e programas sociais, deve-se considerar como um segmento expressivo os atores não-organizados e que frequentemente compõem o público focalizado pelas intervenções.

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A título ilustrativo, uma pesquisa recente (MENDES; BARBOSA; RODRIGUES, 2007)21 efetuada com beneficiários do Programa Bolsa Família na Bahia revela que 84,8% da população pesquisada não participa de associações ou sindicatos, ainda que as associações de moradores correspondam às instituições que apresentam o segundo maior percentual de credibilidade junto a esse público, em seguida das instituições religiosas, com o expressivo percentual de 74,1%. Os autores destacam o desconhecimento dos canais de participação (no caso, o conselho municipal de saúde) por 79,8% dos entrevistados. Ainda que se trate de um estudo de caso, que não comporta generalizações, o dado indica algo que poderia ser esperado: uma parte da população beneficiária dos programas e projetos sociais corresponde a segmentos não organizados da população. No caso desses segmentos, não se podem vislumbrar as possibilidades de influência nos processos de formação de agenda e nas macrodecisões, embora seus interesses e valores possam ser vocalizados por atores coletivos organizados. Contudo, tendo em vista a possibilidade de influência nos processos decisórios das políticas públicas, em tese esses atores podem participar das instâncias cujo desenho prevê o livre acesso e deliberação nas primeiras rodadas, como as conferências e os orçamentos participativos. No que se refere aos programas e projetos sociais, a previsão das formas de participação depende de suas especificidades e tende a ocorrer nas etapas de implementação. No próprio exemplo citado, o Programa Bolsa Família, na medida em que sua gestão se dá por via intergovernamental, ao implementá-lo, os governos locais podem efetuar rearranjos, quer no sentido de adaptá-lo e articulá-lo à sua oferta de programas sociais, quer no sentido da previsão da participação de seus beneficiários, inclusive associados aos demais programas. Cabe notar ainda que os projetos sociais cujo critério de focalização é territorializado ou cuja gestão é territorializada podem mais facilmente incorporar formas de participação dos segmentos não organizados.

A amostra da pesquisa foi composta por 1.588 beneficiários do PBF (de 10 municípios baianos incluindo Salvador) com mais de três anos de recebimento do benefício e em situação de uso dos serviços básicos de saúde.

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Um exemplo ilustrativo: atores e diversas formas de participação A título de exemplo examinam-se em linhas gerais, nesta seção, os programas de moradia voltados para a urbanização e regularização dos assentamentos informais, com o foco no caso de Belo Horizonte. Essas áreas historicamente remetem aos processos de espacialização da pobreza urbana e constelam precariedades, desigualdades socioespaciais e socioeconômicas, processos de exclusão e de segregação. Posto isso, ao focalizar-se o caso de Belo Horizonte, mostra-se pertinente referenciar de modo sucinto, ao final desta seção, as intervenções territorializadas e intersetoriais efetuadas nessas áreas por meio do Programa BH Cidadania. Ao focar na construção de agenda das políticas de moradia voltadas para a regularização jurídico-urbanística, cabe alargar o cenário de abordagem, uma vez que o problema da habitação de interesse social tem sido tematizado no país há décadas e, embora seja objeto de mobilização dos atores sociopolíticos, não foi ainda enfrentado de fato pelo poder público. A vocalização dessa questão tem historicamente ocorrido por um rol de atores amplo e diversificado: os movimentos de moradia organizados a partir de diferentes bases, trajetórias, recortes de atuação (moradores de cortiços, moradores de favelas, ocupações, sem-teto e outros); as suas articulações ou redes, que remontam aos anos 1980; as associações de base territorial; a pastoral da terra e outras entidades vinculadas à Igreja Católica; as associações profissionais vinculadas a essa arena; as entidades de assessorias aos movimentos; e, mais recentemente, organizações não-governamentais (ONGs). No âmbito nacional, esses atores coletivos pressionaram, em diversos momentos, a agenda pública com ações coletivas de natureza diversa: mobilizações, caravanas a Brasília, documentos propositivos e participação em espaços institucionais. Na década de 1980, a partir da oportunidade política desenhada pela democratização do país e pela Assembléia Nacional Constituinte, uma parte significativa desses atores alinha-se no Movimento Nacional de Reforma Urbana. A plataforma de reforma urbana22 já vinha sendo objeto de discussão A plataforma de reforma urbana apresentava, naquele momento, três pilares: direito à cidade e à moradia; função social da propriedade; e cidade e gestão democrática das cidades.

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e de tematização por esses atores, e o referido movimento encaminhou uma emenda popular com cerca de 161.000 assinaturas para a Constituinte. O capítulo constitucional de política urbana resulta desse processo e apresenta avanços como o enunciado da função social da propriedade e da cidade, ainda que não tenha contemplado a proposta de forma mais abrangente. Novas mobilizações foram necessárias para que a moradia fosse incorporada como direito – fato que só veio a ocorrer em 2000 por meio de emenda constitucional – e para que fosse criado o Fundo Nacional de Moradia (BRASIL, 2004, 2005). Em 1989, os atores se rearticulam, organizando o Fórum Nacional de Reforma Urbana (FNRU), também com uma base social heterogênea e em um formato que pode ser remetido à noção de rede. O fórum aglutina movimentos de moradia, de associações profissionais e sindicais, ONGs de assessoria e formação e, ainda, associações profissionais. Ou seja, articula atores organizados tendo como ponto de partida quer suas condições de vida e carências relativas a moradia e bens coletivos, quer suas vinculações com a questão urbana. No decorrer de toda a década de 1990, o FNRU atua, por meio de várias formas de mobilização e de ações, em instâncias institucionais tendo em vista a aprovação do Estatuto da Cidade, que ocorreu apenas em 2001. O Estatuto regulamenta a política urbana no País, apresentando princípios, diretrizes, objetivos e instrumentos que permitem intervir nas questões urbanas e habitacionais (brasil, 2004, 2005). As políticas sociais voltadas para a questão da habitação de interesse social pressupõem intervenções de natureza distinta, dentre as quais aquelas voltadas para a urbanização e a regularização fundiária dos assentamentos informais, que abrigam em torno da quarta parte da população brasileira. Se nos detivermos na esfera local, os governos municipais necessariamente devem considerar os marcos regulatórios federais, produzidos a partir de processos mobilizatórios, como o Estatuto da Cidade. Ou seja, devem assumir as diretrizes e princípios mais gerais (como a função social da propriedade, o direito à moradia, a gestão democrática das cidades, dentre outros) e aplicar os instrumentos regulamentados (de regularização fundiária, de intervenção no mercado imobiliário, de participação cidadã e de financiamento das cidades). Ao lado disso, no que se refere aos processos locais de formação de agenda, podem ter absorvido em maior ou menor grau (dependendo da organização da sociedade civil em cada

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contexto e de suas redes, bem como das coalizões de sustentação do governo) as questões tematizadas e as alternativas de intervenção propostas pelos atores sociopolíticos, que poderiam se traduzir em políticas e programas inovadores. Ainda, podem ter ocorrido processos de mobilização paralelos ao processo constituinte ou mesmo anteriores, que tenham implicado inovações antecedentes à promulgação da Carta Constitucional e do Estatuto da Cidade. Esse foi o caso de Belo Horizonte. Em meados dos anos 1980, o governo municipal reconheceu a ocupação informal das favelas, por meio de legislação (Profavela) que já previa a regularização urbanística e fundiária desses assentamentos e que implicou a formulação de uma política voltada para os assentamentos informais e o desenho de programas com essa finalidade. Os avanços referidos vinculam-se à atuação dos movimentos e associações de moradores das favelas nos anos 1980, articulados em redes, ao lado de entidades ligadas à Igreja Católica, que pressionaram a agenda pública. Entraram em cena movimentos sociais, associações de moradia, articulações ou redes desses movimentos de base local e entidades católicas que se alinharam e influíram decisivamente na formação de agenda, incluindo como objeto de intervenção uma questão até então não equacionada. Lograram sucesso em influir, de imediato, na formulação do instrumento regulatório que constitui o arcabouço inicial dessas intervenções e do reconhecimento das áreas de ocupação informais (como um setor especial – SE-4) na Lei de Uso e Ocupação Solo de 1986. Essa inovação foi precursora no país do que veio a ser adiante o estabelecimento do instrumento jurídico-urbanístico das Zonas Especiais de Interesse Social (Zeis), com a finalidade de regularização dessas áreas de ocupação informal (BRASIL, 2004). O conteúdo substantivo e as formas de intervenção dos programas habitacionais (não circunscritos aos programas de urbanização e de regularização dos assentamentos informais) foram redesenhados ou aprimorados em diversas ocasiões. Uma inflexão mais significativa ocorreu a partir de 1993, com a formulação da Política Municipal de Habitação e a criação do Sistema Municipal de Habitação, constituído pela Secretaria Municipal de Habitação e Companhia Urbanizadora de Belo Horizonte (Urbel) – responsável pela regularização jurídica e urbanística dos assentamentos informais –, pelo Conselho Municipal de Habitação, pelo Fundo Municipal de Habitação e pelo

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Orçamento Participativo.23 Ao longo dos anos 1990, foram se aprimorando as formas de intervenção do Programa de Regularização Fundiária, que apresenta a concepção de intervenção estrutural balizada pela formulação do Plano Global Específico (PGE) para cada vila-favela. O PGE adota uma abordagem integral a partir de três linhas de ação: regularização urbanística, regularização fundiária e desenvolvimento socioeconômico e organizativo. Além da formulação de uma política habitacional voltada para a regularização das vilas-favelas e de avanços nas formas de intervenção (para os quais o Estatuto da Cidade adiante também veio a contribuir), um elemento fundamental de inovação consiste na incorporação da participação cidadã por meio da criação de diversas instâncias de participação nos anos 1990. O Conselho Municipal de Habitação e, também, o Conselho Municipal de Política Urbana (no que se refere às interfaces com o Plano Diretor e legislação de uso e ocupação do solo), o OP, as Conferências de Habitação e de Política Urbana possibilitam a participação e a intervenção nos processos decisórios de gestão e, em menor medida, na formulação das políticas, programas e projetos. No caso dos conselhos, além dos atores societários organizados, participam representantes de outros segmentos sociais envolvidos, como as associações de profissionais, universidades e, no caso da política urbana, entidades ligadas ao setor imobiliário. No caso do OP e também das conferências, de início é livre o acesso e a deliberação nas primeiras rodadas que definem os delegados, possibilitando a participação de atores não organizados. Ao consideramos a formulação e implementação do PGE de uma dada vila-favela, ao lado de sua discussão no Conselho Municipal de Habitação, outros atores mais diretamente interessados passam a se envolver no decorrer do processo. O mapeamento desses atores de modo mais geral apontaria para associações e movimentos de base territorial, que podem se articular em redes distintas e para segmentos não organizados que integram o público focalizado na intervenção. Destaca-se, aqui, que a implementação de um plano global fatalmente implicará conflitos e atores que se perceberão como prejudicados, uma vez que, no mínimo, requer o reassentamento de alguns moradores, ainda que preferencialmente dentro da própria vila. Outros segmentos societários Em 1996 foi criado ainda o Orçamento Participativo da Habitação, destinado à alocação de recursos para construção de novas unidades habitacionais por meio de programas de autogestão ou de gestão pública.

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podem se envolver de forma mais ou menos direta nos processos participativos associados às intervenções, dependendo de cada contexto: entidades ligadas à Igreja Católica, entidades assistenciais e ONGs de natureza diversa que atuem na área, dentre outros. A implementação, nesses casos, necessariamente assume o caráter recentemente atribuído a essa etapa do ciclo de políticas – um processo microdecisório, que implica etapas intensivas e extensivas de negociação e redefinições, ainda que pontuais, em relação às alternativas de intervenções selecionadas. Os processos participativos associados à gestão das intervenções e a seu acompanhamento moldam-se por meio de reuniões e assembléias, que têm em vista a discussão, e de um percurso de apresentação e negociação das propostas do plano. A constituição de um “grupo de referência”, escolhido pela população envolvida, para acompanhar os processos tem sido um recurso empregado nesses casos e também em programas sociais de foco territorializado. Os grupos de referência podem ser considerados elementos de mediação entre os gestores e a comunidade envolvida. Têm por objetivos mobilizar o público, identificar problemas e demandas cotidianas, acompanhar as intervenções, desempenhando, ainda, o papel de multiplicadores das informações relativas às intervenções. Ao lado dos programas de regularização urbanística e fundiária, as vilasfavelas (especificamente nove áreas piloto) têm sido foco de intervenção por meio do Programa BH Cidadania, voltado para a inclusão de famílias em situação de vulnerabilidade e exclusão social. Seu critério de focalização é territorializado, apoiado no Índice de Vulnerabilidade Social produzido pela Prefeitura de Belo Horizonte. O desenho do programa incorpora como princípios a descentralização, territorialidade e intersetorialidade, além da participação. A partir das premissas de intersetorialidade, o programa – coordenado pela Secretaria Municipal de Coordenação das Políticas Sociais (Scomps) – conjuga programas, projetos e ações nas áreas de educação, saúde, socialidade (cultura, lazer e esportes) e inclusão produtiva. O Núcleo de Apoio à Família (NAF), equipamento da Secretaria Municipal de Assistência Social implantado nas áreas, se ocupa da mobilização de famílias, do encaminhamento de demandas, da realização de atividades endereçadas para segmentos específicos, como crianças, adolescentes e idosos, dentre outros.

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Os grupos de referência também são empregados como um recurso no BH Cidadania. Outro espaço de participação é a Comissão Local, composta pelos coordenadores do NAF, gerentes de equipamentos públicos municipais das áreas de intervenção e representantes da comunidade local. Essa comissão tem um papel-chave no processo de discussão e de aprovação de um Plano Local de Ação, delineado a partir da sensibilização da comunidade, da realização de um diagnóstico participativo e da pactuação de propostas para cada área a partir da oferta estruturada pelos programas. Destaca-se que a orientação intersetorial para intervir de forma mais efetiva nas múltiplas dimensões da pobreza e dos processos de exclusão (explicitamente incorporada ao BH Cidadania) não tem ainda envolvido de forma sistemática a articulação entre os programas de moradia (de regularização urbanística e fundiária) e os demais programas sociais. Desse modo, uma questão que pode ser levantada em relação à participação é que se dispõe de oportunidades específicas, pontuais e distintas de participação no âmbito das áreas-foco de intervenções, associadas aos diversos programas. Ou seja, tem-se uma relativa fragmentação que pode implicar dificuldades adicionais de mobilização e de participação da população local, especialmente no que se refere à disponibilidade de recursos como tempo e informações. A referência aqui efetuada, certamente redutora, a um exemplo ilustrativo de política e de programa teve em vista ressaltar as formas distintas de participação cidadã empregadas ao longo do processo, que apresentam finalidades, alcances e limites diferenciados, bem como o rol de atores envolvidos no seu ciclo, indicando a recomposição desse quadro.

Algumas considerações finais Apresentaram-se diferentes linhas de argumentação relativas às razões e aos potenciais da participação, bem como conotações e concepções distintas que o termo tem assumido. A despeito das divergências, não se pode discordar da afirmação de Sedano e Botero (2002) de que a participação cidadã “deixou de ser uma “boa idéia” para ser considerada um direito fundamental.” Mostrou-se que atores societários distintos envolvem-se nos diversos momentos do ciclo de uma política ou programa e que esse quadro tende a se

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reconfigurar no seu decurso. Nesse sentido, as várias formas de participação cidadã afirmam-se como relevantes. Os processos de organização e de mobilização podem alargar a agenda pública e influir na concepção das políticas e programas. As oportunidades de participação nas diversas instâncias institucionais, cada qual com seus limites, potencialidades, alcances e papéis, indicam possibilidades distintas de influência e de intervenção nos processos de formulação, gestão e avaliação das políticas e programas. Reitera-se a relevância dessa diversidade bem como os desafios decorrentes, tanto para a sociedade civil quanto para o poder público, relativos à articulação dessas instâncias. No caso dos programas sociais, em especial aqueles de cunho territorializado favorecem a mobilização da participação envolvida ou focalizada. Nesses casos, para além dos possíveis ganhos no processo de implementação, indicam-se potenciais de fortalecimento dos espaços públicos primários e dos sujeitos sociais, a depender da concepção dos programas, dos processos participativos previstos e de sua implementação. Em todas essas situações, pode-se dizer que há uma longa trilha a percorrer no sentido da qualidade, efetividade e do aprofundamento da participação, bem como de sua extensão. Esses espaços tendem a se direcionar mais freqüentemente para a implementação das políticas e programas, apresentando-se o desafio de ampliá-los para os processos decisórios relativos à implementação. Também constitui um desafio a incorporação dos segmentos não organizados da população nos processos participativos. Algumas dificuldades dos processos participativos de forma mais geral referem-se aos domínios institucionais. Uma questão se refere à vontade política e ao comprometimento efetivo dos quadros governantes com projetos democratizantes, fundados na inclusão ao lado da participação cidadã. Nessa linha, cabe questionar o que se pretende com a participação e qual concepção de participação está em jogo. Mais além, cabe indagar quais atores, no quadro político-burocrático, sustentam ou apóiam os processos de participação e quais se opõem a eles, como uma medida das possíveis dificuldades. Outro ponto se refere ao fato de que os processos participativos tensionam lógicas de planejamento e de intervenção de cunho tecnocrático, muitas vezes cristalizadas no poder público ou, melhor dito, nas práticas de pelo menos parte do sistema político e burocrático. Esses processos implicam mudanças nas formas de atuação, nos processos de formulação e gestão das políticas e

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programas e, portanto, adesão às novas premissas e fortalecimento das capacidades para essas novas formas de atuação. Este é, certamente, um dos desafios mais importantes relacionados à participação cidadã. Sua magnitude se evidencia na medida em que os processos intra-organizacionais se revelam ainda fundamentalmente centralizados, hierárquicos, no mínimo pouco permeáveis e participativos. Isso vale especialmente para os processos de formulação de políticas e desenho de programas e projetos que raramente superam a lógica top-down e de cisão entre quem formula e planeja e quem implementa, com prejuízo para a concepção das intervenções que usualmente deixam de incorporar a expertise dos implementadores, mais ancorada aos contextos de intervenção. Algumas dificuldades da participação cidadã referidas aos atores da sociedade civil podem ser superadas a partir da atuação do poder público (como tem ocorrido no âmbito dos governos locais), que poderia, por exemplo, fornecer informações no decorrer dos processos tendo em vista reduzir as enormes assimetrias; promover iniciativas de capacitação de conselheiros, delegados e dos demais participantes; ou, ainda, fortalecer as iniciativas de organização, de elaboração coletiva e capacidade crítica e propositiva no bojo dos programas e projetos sociais. Para os atores sociopolíticos, apresenta-se como desafio central sustentar, de forma reflexiva, as possibilidades de participação nos novos espaços institucionais forjados para essa finalidade, sem perder a autonomia, a dimensão interativa e expressiva da participação cidadã.

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Participação e governança local: a experiência dos Conselhos Municipais de Educação na gestão da política educacional Carlos Augusto Sant’Anna Guimarães A nova tessitura institucional plasmada durante a Constituinte de 1988 trouxe no seu bojo a descentralização político-administrativa e a noção da participação social na gestão das políticas públicas. O novo federalismo emerso desse processo caracteriza-se pela descentralização das políticas sociais e pelo estabelecimento de mecanismos que possibilitam a participação social na gestão municipal. No processo de redemocratização da sociedade brasileira, uma das críticas ao regime burocrático-militar dirigia-se a seu caráter autoritário e centralizador. O questionamento ao regime de exceção confundiu-se com a crítica à centralização, identificada com a falta de democracia e, já no seu estertor, com a ineficiência e ineficácia das políticas públicas. Parte significativa dos analistas acadêmicos assumiu como intrínseca a associação entre descentralização e democratização. Com freqüência, descentralizar era adotado quase como um sinônimo de democratizar. Incorria-se com freqüência na “falácia de proximidade”, isto é, quanto mais próximo fisicamente o cidadão estivesse das instituições estatais, maior seria sua efetividade potencial (MELO, 2003, p. 6). Reforçando esse argumento, Santos Junior (2001) informa que a relação entre descentralização, democracia e eqüidade não é inequívoca. Por conseguinte, a proximidade física com o governo municipal não é condição suficiente nem garantia de mais democracia e participação, nem de elevação da performance estatal.

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Qual é o lugar dos conselhos gestores nessa nova institucionalidade? A constituição de conselhos gestores é um passo importante na democratização do processo decisório no interior do aparelho estatal. Contudo, pesquisas demonstram ser uma tarefa difícil modificar a sua dinâmica de funcionamento, na medida em que o Estado ainda é o protagonista central na definição da agenda da política social (TATAGIBA, 2002). A partir do perfil sociopolítico dos conselheiros municipais de educação, o trabalho analisa o papel e a contribuição dos Conselhos Municipais de Educação (CME) na construção de uma governança democrática das cidades brasileiras a partir da segunda metade da década de 1990, com a instituição e funcionamento dos conselhos gestores, conforme previstos na Constituição de 1988. Os conselhos municipais representam a ampliação da esfera pública. Essa ampliação é um fenômeno decorrente do fortalecimento da sociedade civil, do aumento da participação social nos negócios públicos, associado à crescente publicização das ações do Estado, sendo um reflexo da democratização das sociedades ocidentais e de uma nova concepção de cidadania, na qual todos os sujeitos sociais, ou seja, os cidadãos possuem o legítimo direito de interpelar a gestão pública e deliberar sobre ela. Os conselhos gestores são espaços de interlocução entre Estado, sociedade civil e mercado, sendo, muitas vezes, a um só tempo, fórum de debates, instância consultiva, deliberativa e de gestão das políticas públicas. Conforme assevera Avritzer (2000, p. 18), os conselhos são “instituições híbridas”: na medida em que são “formadas em parte por representantes do Estado, em parte por representantes da sociedade civil, com poderes consultivos e/ou deliberativos, reúnem, a um só tempo, elementos da democracia representativa e da democracia direta”. A participação da sociedade civil nos processos de formulação, deliberação, acompanhamento e fiscalização das políticas públicas provoca, mesmo que de maneira embrionária, a democratização da gestão municipal. Contudo, muitos conselhos têm um poder bastante limitado, configurando-se em instâncias meramente consultivas, sem nenhum poder deliberativo (LUBAMBO, 2002). Isso sinaliza que não basta apenas a constituição formal/legal do conselho, é indispensável que a sociedade civil participe do processo da tomada de decisão.

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O texto discute a noção de participação articulada com a de governança, na medida em que tais conceitos, em certa medida, interpenetram-se e complementam-se, fornecendo balizas teóricas interessantes que possibilitam um refinamento analítico, mesmo com alguma restrição, para compreender o fenômeno estudado. Procura-se, neste trabalho, examinar o papel dos Conselhos Municipais de Educação (CMEs) no processo de democratização da gestão da educação, os obstáculos para o efetivo controle social sobre a política pública do setor, bem como a própria capacidade de articulação e intervenção da sociedade civil nesse novo formato institucional. O artigo encontra-se dividido em seis partes, inclusive esta introdução. Na segunda parte é explicitado, de maneira sucinta, o recorte metodológico. Em seguida, introduz-se a discussão acerca dos conceitos de participação e governança. O exame da história, natureza dos CMEs é feito na quarta seção. Na quinta parte do texto, são apresentados e discutidos os dados da pesquisa e, na sexta e última parte, são apresentados os comentários finais à guisa de conclusão.

Recorte metodológico Este trabalho caracteriza-se como um estudo de corte transversal, ou seja, pretende capturar e analisar dados de um determinado momento histórico, descrever o objeto de análise e, por fim, tenta estabelecer correlações entre variáveis. Assim, os dados aqui apresentados referem-se a um determinado momento. O instrumento utilizado para a coleta dos dados foi o questionário. Este era composto por um total de 48 questões, fechadas e abertas. Os dados foram coletados no período entre dezembro de 2004 e abril de 2005. Cabe informar que foram ouvidos apenas os indivíduos com mais de um ano de mandato como conselheiro em algum dos Conselhos Municipais de Educação na Região Metropolitana do Recife (RMR). Esta é formada por 14 municípios, dos quais dez constituíram formalmente os seus respectivos CMEs, porém apenas sete encontravam-se efetivamente em funcionamento quando da realização da pesquisa. De um total de 81 conselheiros, a pesquisa entrevistou

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70 deles, o que corresponde a 86% do universo. A amostra foi segmentada em dois grupos distintos de conselheiros: representantes estatais e da sociedade civil. Essas categorias são centrais na análise desenvolvida ao longo do texto.

Participação sociopolítica e governança democrática Participação é um conceito polissêmico e multidimensional. A palavra participação é empregada por diversas pessoas para reportar-se a uma miríade de situações. No senso comum, há participação em qualquer situação onde aconteça um mínimo de interação (PATEMAN, 1992). Devido à inexistência de uma definição precisa, o conceito de participação é empregado para nomear diversas atividades, resultando em pequena ou nenhuma contribuição em relação ao assunto tratado: desde a simples presença física, o ato de votar nas eleições, a elaboração de proposta de intervenção da administração pública, a atuação em movimentos sociais reivindicatórios, até a militância partidária. A discussão concernente ao encontro entre Estado e sociedade na esfera pública, tendo os conselhos municipais como um dos exemplos desse novo tecido institucional, traz para o centro do debate a reflexão em torno das dimensões da participação (participação cidadã e participação social). Em Gohn (2004), a participação cidadã pode ser compreendida como o direito dos cidadãos organizados de participar das discussões e dos processos decisórios nos assuntos de interesse público. De maneira mais direta, Jacobi (2002) diz que é aquela que “coloca a sociedade em contato com o Estado”. Enfim, ambas referem-se à institucionalização da participação, ou seja, à inclusão da sociedade civil no arcabouço jurídico. A segunda acepção é, para Jacobi (2002), o momento de fortalecimento e busca de um desenvolvimento autônomo; em Gohn (2004), seria aquela lastreada no conceito de cultura cívica e capital social. Pateman (1992), ao esboçar a sua teoria participativa da democracia, argumenta que a pura e simples existência de instituições estatais representativas no nível nacional não satisfaz à democracia. É necessário que o “máximo de participação” dos indivíduos ocorra em outras esferas. A autora destaca o local

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de trabalho. Ela ainda observa que as atitudes e qualidades necessárias à participação se desenvolvem no próprio processo participativo. A principal função da participação na teoria da democracia participativa é educativa. Portanto, neste modelo, o produto (output) não seria apenas as políticas, as decisões, mas também o desenvolvimento de capacidades sociais e políticas dos indivíduos envolvidos nesses processos. A participação “promove e desenvolve as próprias qualidades que lhe são necessárias; quanto mais os indivíduos participam, melhor capacitados eles se tornam para fazê-lo” (PATEMAN, 1992, p. 61). Por conseguinte, a condição sine qua non para a realização de uma forma democrática de governo é a existência de uma sociedade participativa. Depreende-se que somente por meio da experiência da participação, os indivíduos desenvolvem habilidades e competências sociais e políticas para participar mais e melhor. Enfim, “a experiência da participação, de algum modo, torna o indivíduo psicologicamente melhor equiparado para participar ainda mais no futuro” (PATEMAN, 1992, p. 65). Assume-se que um parâmetro importante para apreender a dimensão da participação social é fornecido pelo nível de cultura cívica. Esta, por sua vez, pode ser capturada pela existência de associações civis. Putnam (1996, p. 111) afirma que “a inexistência de associações cívicas e a escassez de meios de comunicação locais (...) significam que os cidadãos raramente se envolvem nos assuntos comunitários”. Para esse autor, governos democráticos eficazes prosperam em espaços onde florescem associações cívicas: “Quanto mais cívica a região, mais eficaz o seu governo” (PUTNAM, 1996, p. 112). O autor sugere que existe uma forte correlação entre a existência de associações cívicas e o desempenho das instituições públicas. De acordo com esse argumento, o desenvolvimento da democracia relaciona-se com a capacidade de uma determinada sociedade de criar e desenvolver relações de confiança e de colaboração que possibilitem solucionar dilemas de ação coletiva. No entendimento de Santos Junior, Ribeiro e Azevedo (2004), a cultura cívica não se restringe apenas a regras de reciprocidade, ela incorpora os sistemas de participação social constituídos pelas associações da sociedade civil, configurando também uma forma de capital social. Melo (2003) assinala que empowerment e governança são conceitos teóricos e empiricamente articulados. Esse autor argumenta que uma estrutura de governança adequada é aquela que combina elementos institucionais que

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propiciam o empowerment de populações pobres tradicionalmente excluídas dos processos decisórios das políticas públicas. A noção de governança é relevante na análise aqui desenvolvida, pois enseja uma reflexão sobre a complexidade das novas relações entre Estado, mercado e sociedade no novo arranjo institucional brasileiro. Gohn (2001, 2004) argumenta que a idéia de governança modificou o padrão e o modo de conceber a gestão de bens públicos, antes restritos a atores presentes unicamente na esfera estatal. Importante lembrar que o conceito de governança (governance) tem uma origem conservadora. Ele surge com base em trabalhos de agências multilaterais, notadamente o Banco Mundial, no início da década de 1990. O termo emerge fortemente associado à concepção de bom governo (good government) e capacidade governativa, ou seja, habilidade e competência de ser governo. De acordo com essa formulação, a governança seria expressa na competência de o Estado executar eficientemente as políticas públicas. Se, no primeiro momento, o conceito surgiu circunscrito a uma noção de desempenho gerencial e administrativo, ou seja, capacidade de ação de um governo (DINIZ, 1997 apud SANTOS JUNIOR, 2001, p. 58), quando passa a fazer parte do debate acadêmico, ele sofre transformações no seu conteúdo e passa a incorporar questões outras, além das relacionadas à boa performance da máquina estatal, como, por exemplo, a emergência da sociedade civil como ator político. Ao deslocar a centralidade da análise do modus operandi do Estado na implementação de políticas públicas, ou melhor, da relação de eficiência entre demandas e resultados da ação governamental, para a relação cooperativa e conflituosa de diversos atores envolvidos na gestão da cidade, o conceito opera uma redefinição. A idéia de hierarquia como princípio organizador da relação Estado e sociedade cede lugar à de colaboração. Nesse novo contexto, a governança é compreendida como um modelo alternativo à gestão baseada na noção de hierarquia (Estado) e mercado (KISSLER; HEIDEMANN, 2006). 

Na concepção do Banco Mundial, governance “is the exercise of authority, control, management, power of government”. De maneira mais precisa, “is manner in which power is exercised in the management of a country’s economic and social resources for development” (apud SANTOS, 1996, p. 6).

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De acordo com Melo (1995), o conceito de governança englobou questões relativas ao formato institucional dos processos decisórios, como à participação e descentralização e à própria definição do mix público/privado. Um aspecto fundamental da transformação do conceito é que a idéia de hierarquia, como princípio organizador da relação Estado e sociedade, cede lugar à de cooperação e colaboração, envolvendo as três esferas: Estado, mercado e sociedade civil. Governança, no seu significado hodierno, diz respeito à existência de mecanismos institucionais e informais que possibilitem e garantam um ambiente no qual ocorra o fortalecimento do poder local, dos processos de descentralização, a valorização dos movimentos comunitários, a promoção do associativismo, o “empoderamento” (empowerment) dos principais atores sociais, o desenvolvimento institucional e a democracia em rede (CAMARGO, 2005). Essa nova concepção de governança, também chamada de governança democrática (SANTOS JUNIOR; RIBEIRO; AZEVEDO, 2004), governança comunitária (FREY, 2004), ou ainda, governança pública (KISSLER; HEIDEMANN, 2006), está associada a mudanças na composição das formas de gestão das políticas públicas (KISSLER; HEIDEMANN, 2006), como o orçamento participativo e os conselhos de políticas públicas (FREY, 2004). Depreende-se que essa noção de governança relaciona-se com o estabelecimento de mecanismos institucionais que possibilitem encontros entre governo, mercado e sociedade civil, de tal modo que os atores não-estatais participem efetivamente do processo decisório, não atuando apenas para legitimar um discurso ideológico de democratização da gestão pública municipal que, na prática, leva ao reforço do princípio da hierarquia e primazia do Estado. Nos arranjos de governança local, as redes sociais desempenham um papel decisivo, uma vez que o princípio da hierarquia cede espaço ao princípio da cooperação baseada no estabelecimento de relações de confiança mútua. O desafio, então, é o de criar um ambiente institucional capaz de superar históricas relações de desconfiança não apenas entre Estado e sociedade civil, mas também entre as organizações desta última. O desenvolvimento da confiança entre os atores não é apenas um resultado esperado da cooperação, mas também seu pressuposto. A confiança se desenvolve na medida em que diminui a incerteza em relação ao comportamento dos participantes, levando estabilidade às relações entre eles (KISSLER; HEIDEMANN, 2006).

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A estrutura de rede faz com que o comportamento oportunista de alguns dos participantes seja minimizado, quando não neutralizado e, ao mesmo tempo, protege os atores (KISSLER; HEIDEMANN, 2006). Cada membro da rede, dentro de um processo pedagógico, aprende que a ação coletiva exige cooperação e produção de consenso. A ação isolada, além de supor um grande gasto de energia, tem resultado pequeno e não duradouro. Nessa perspectiva, adota-se aqui a idéia de governança democrática local como um novo modo de interação entre distintas esferas governamentais, o mercado e a sociedade civil, de modo a promover a cooperação e coordenação de ações públicas, além de assegurar e ampliar a participação dos diversos segmentos sociais nos processos decisórios das políticas públicas (SANTOS JUNIOR; RIBEIRO; AZEVEDO, 2004). Deve-se considerar que a consistência de qualquer processo de instauração de uma governança democrática passa necessariamente pelas demandas e potencialidades da sociedade civil. A existência de um capital social acumulado, nos termos colocados por Putnam (1996), desconsiderando a percepção fatalista desse autor (cf. FREY, 2004), incentiva – mas não garante – o desenvolvimento de uma estrutura de redes sociais de modo a concertar uma ação coletiva que modifique o jogo de soma zero. O traço distintivo de uma rede é a cooperação, baseada na confiança entre atores autônomos e interdependentes (FREY, 2004). Muito embora o conceito de governança seja impregnado de um forte teor normativo, ele fornece balizas teóricas importantes para analisarmos processos participativos no interior do Estado, além de ajudar a compreendermos melhor a natureza, composição e funcionamento desses novos formatos institucionais, bem como a sua força no processo de democratização da gestão das políticas públicas e no desenvolvimento de governos mais accountables. Nesse sentido, o desenho institucional é um aspecto relevante para explicar de que maneira a participação cívica e as redes sociais impactam a governança, ou seja, o sucesso ou fracasso das experiências de boa governança residem na capacidade de criação de mecanismos inclusivos nos processos decisórios e deliberativos no âmbito local (MELO, 2003). Os efeitos da participação nas estruturas de governança local dependem do capital social acumulado pelas comunidades envolvidas, não apenas em termos quantitativos, mas também em termos da qualidade da participação

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e dos níveis de empowerment dos grupos sociais historicamente excluídos dos processos participativos.

Surgimento e atuação dos Conselhos Municipais de Educação A Constituição Federal de 1988 (CF, Art. 211), juntamente com Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei nº. 9. 394/96 (Art. 8º), conferiu ao município novas atribuições e responsabilidades. Ele pode instituir, planejar, organizar e gerir o seu próprio sistema de ensino. O município, ao ofertar os serviços de educação pública, deve criar ou reorganizar sua estrutura administrativa, podendo ser uma secretaria municipal ou um órgão ou estrutura administrativa menor para gerir a educação municipal, observando, no entanto, o princípio constitucional da “gestão democrática do ensino público” (Art. 206, VI). A formalização desse princípio no ensino público é, conforme observa Cury (1997), algo inédito; sem presença nas Constituições anteriores ou mesmo nas leis infraconstitucionais. Cada sistema de ensino tem os seus respectivos órgãos administrativos, pedagógicos, consultivos, normativos e deliberativos. Na esfera federal, temse o Ministério da Educação (MEC) e o Conselho Nacional de Educação (CNE); os Estados têm as suas Secretarias de Educação e o Conselho Estadual de Educação; os municípios estão organizados em Secretarias Municipais de Educação ou, dependendo do tamanho do município e das condições financeiras, um órgão menor para gerir a educação. Alguns municípios têm ainda um Conselho Municipal de Educação como órgão de natureza consultiva, deliberativa e fiscalizadora (SANTOS, 1999). Ao contrário do que muitos autores afirmam (GOHN, 2001, 2004; SANTOS JUNIOR, RIBEIRO; AZEVEDO, 2004; CÔRTES, 2005, entre outros), não há obrigatoriedade de criação de Conselho Municipal de Educação, tampouco a sua existência está vinculada ao repasse de recursos do governo federal para o Município. Nem a Constituição Federal nem a LDB/96 fazem alusão à figura do CME. A legislação, quando trata da A legislação educacional faz menção explícita ao CME em apenas duas ocasiões: Lei nº 5.692/71 e Lei nº 9.424/96.



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organização do sistema municipal de ensino, refere-se genericamente a “órgãos municipais de educação” (LDB, Art. 18, III). A LDB concede ao município ampla liberdade e competência para estabelecer as regras que devem regular o sistema municipal de ensino, definir os órgãos que deverão compô-lo, além de estabelecer os mecanismos que assegurem a gestão democrática. A explicação para essa liberalidade na organização dos sistemas de ensino reside em dois aspectos: i) o município escolhe se quer instituir um sistema municipal de ensino ou integrar-se ao sistema estadual ou ainda compor com este último um sistema único de educação básica (SANTOS, 1999); ii) mesmo a existência de um fundo público de financiamento, tal qual nas outras áreas, não fomentou uma ação dos movimentos sociais de defesa da educação pública por uma definição explícita da lei de mecanismos de controle social materializado no Conselho Municipal de Educação. Se, por um lado, não há exigência legal ou vinculação de criação com recebimento de recursos financeiros, por outro também não há impedimentos à constituição de um Conselho Municipal, mesmo naqueles municípios que não criaram o seu respectivo sistema de ensino. Nesses casos, o CME desempenha apenas a função consultiva. Além da possibilidade de instituir o CME, no setor da Educação há outros tipos de conselhos: Conselho de Alimentação Escolar, Conselho de Acompanhamento e Controle Social (CACS), Conselho Gestor do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef ) e Conselho Escolar. Os dois primeiros decorrem de exigência legal, sendo, portanto de caráter obrigatório. A criação de órgãos municipais com a participação de representantes da sociedade não constitui uma novidade em si na área de educação. Werle (1998) observou a existência de estruturas colegiadas nos municípios e distritos desde o Segundo Império (1840-89). Registros informam que o primeiro conselho A LDB/96 cita apenas o Conselho Nacional de Educação (Art. 8, § 1º) e os conselhos escolares (Art. 14). Ver Dias et al. (2004) e Brzezinski (2003).  Não obstante o Fundo e Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef ) ser um fundo público, apresenta características bem particulares em relação aos da área de Saúde e da Assistência Social. Estes são de caráter permanente e cabe aos conselhos estaduais e municipais participar da sua gestão, não havendo um conselho específico para geri-lo, como é o caso do Fundef. 

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local de educação, no Rio Grande do Sul, data do ano de 1871. Durante o Segundo Império e até a Primeira República (1840-1930), a organização do ensino primário e profissionalizante era de responsabilidade das províncias. Esses colegiados, compostos por representantes da sociedade, desempenhavam funções de controle e coerção, e também de natureza executiva e instrumental. A sua atuação restringia-se à supervisão e inspeção do ensino. Esses conselhos não foram concebidos como espaço de participação social, mas como garantia de que a escola chegasse à sociedade. Como concretização do princípio constitucional da gestão democrática, o CME incorporou, além das funções tradicionais (normativa, consultiva e deliberativa), as funções propositiva, mobilizadora, de acompanhamento, fiscalização e controle social. Em outros termos, a novidade do texto constitucional de 1988 diz respeito ao formato institucional, que possibilita à sociedade civil participar no acompanhamento e controle da política municipal de educação, com repercussões importantes na própria gestão do setor. Afinal, o CME tem uma natureza específica? Essa questão é um aspecto importante para melhor apreendermos sobre o seu funcionamento. Para Balzano e Zanchet (2003, p. 11), eles são estruturas colegiadas autônomas, mas fazem parte do poder público e devem contribuir para democratizar a gestão da educação no âmbito municipal. Um problema enfrentado pelos CMEs é que eles exercem muitas atribuições de natureza técnico-pedagógicas, como, por exemplo: aprovar estatutos e regimentos; promover sindicâncias; credenciar escolas; elaborar normas educacionais complementares; autorizar cursos; séries ou ciclos (BALZANO; ZANCHET, 2003). Excetuando as atividades normativas, as demais são de natureza técnico-burocráticas. Atividades rotineiras, elas poderiam ser realizadas pela própria Secretaria Municipal de Educação, que, inclusive, dispõe (ou ao menos deveria dispor) de melhor infra-estrutura e pessoal técnicoadministrativo especializado, para atender à rede de escolas do Município. A incumbência dessas atribuições técnico-burocráticas contribui para configurar os CMEs como instâncias cartoriais e burocráticas.

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Recursos individuais: perfil sociopolítico dos conselheiros Na construção do perfil sociopolítico dos conselheiros, os dados aferidos referem-se a gênero, escolaridade, profissão, ocupação, principal empregador e principal motivação para participar do CME. No que se refere a gênero, há um nítido predomínio de mulheres: 58,6%, contra 41,4% de homens. Essa proporção permanece praticamente inalterada quando se analisa a distribuição de gênero por segmento social, governo (59%) e sociedade civil (58%). O setor Educação ainda é um reduto feminino. Quanto à escolaridade, os dados demonstram que a maioria dos conselheiros possui uma escolaridade alta – 78,6% têm formação universitária –, contudo essa distribuição apresenta uma certa desigualdade. Enquanto 64,7 % dos membros governamentais possuem pós-graduação, entre os representantes da sociedade civil esse nível de formação reduz-se para 47,6% (tab. 1). Importante frisar que os conselheiros com menor escolaridade são os representantes dos pais e, em alguns conselhos, dos próprios alunos (naqueles onde há representantes dos estudantes). Tal fato demonstra a desigualdade de recursos individuais justamente entre aqueles que talvez sejam os mais interessados na melhoria da qualidade da educação pública. A elevada escolaridade é explicada pelo fato de que a maioria dos conselheiros é de professores. O Conselho de Educação é, predominantemente, um espaço de professores. Eles representam a imensa maioria dos conselheiros (67,1%). Bem atrás aparecem os pedagogos, com 7,1%. As outras profissões e ocupações (agrônomo, sociólogo, contador, bancário, vigilante, dona de casa etc.) correspondem a 25,7%.



A variável renda não fez parte do questionário por ser um item delicado e que, na maioria das vezes, produz viés.

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Tabela 1 Escolaridade dos conselheiros por segmento Escolaridade

Segmento Social Governo (%)

Sociedade civil (%)

Fundamental incompleto

2,9

5,6

Fundamental completo

2,9

2,8

Médio completo

2,9

16,7

Superior incompleto

5,9

2,8

Superior completo

20,6

27,8

Pós-graduação

64,7

44,4

100,0 (34)

100,0 (36)

Total Fonte: Elaboração própria, 2006.

Verifica-se que o setor público municipal é o principal empregador (tab. 2). Quase 50% dos conselheiros são servidores públicos municipais. Entre os representantes da sociedade civil, 44,4% têm vínculo empregatício com a prefeitura. Essa situação nos remete a duas questões. A primeira sugere que o custo da participação é elevado. A segunda diz respeito ao grau de autonomia e liberdade na atuação dos conselheiros. Mesmo considerando a estabilidade do servidor público, é de se indagar em que medida – dada a proximidade com o poder público – esses conselheiros se sentem à vontade e seguros para questionar a conduta do Executivo municipal.

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Tabela 2 Principal empregador por segmento social Principal empregador

Segmento social Governo (%)

Sociedade civil (%)

Setor público municipal

51,5

44,4

Setor público estadual

27,3

8,3

Setor público federal

9,1

2,8

12,1

22,2

Não tem ocupação

-

5,6

Do lar (Dona de casa)

-

5,6

Aposentado

-

8,3

Autônomo

-

2,8

Setor privado

Total Sem resposta

100,0 (33)

100,0 (36)

1

Fonte: Elaboração própria, 2006.

Os conselheiros informaram que a principal motivação para participar do CME (tab. 3) foi a possibilidade de contribuir com a política de educação – 67,6% entre os governamentais e 63,9% entre os membros da sociedade civil. Observa-se um pequeno percentual daqueles cuja motivação é reivindicar direitos. Essa resposta apenas apareceu entre os conselheiros da sociedade (11,1%).

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Tabela 3 Principal motivação para ser conselheiro Principal motivação Contribuir para a política de educação

Segmento social Governo (%)

Sociedade civil (%)

67,6

63,9

-

11,1

20,6

11,1

Atender à solicitação de quem o indicou

8,8

5,6

Tentar fortalecer o Conselho

2,9

-

-

2,8

0,0

5,6

100 (34)

100 (36)

Participar e reivindicar direitos Já atua na área de educação

Fiscalizar o funcionamento Não sabem/ Não responderam

Total Fonte: Elaboração própria, 2006.

Associativismo e participação política O percentual de filiação sindical entre os conselheiros é, no geral, 57%. Isso corresponde, em números absolutos, a 40 respondentes da amostra da pesquisa. Quando se desagrega a variável, nota-se uma mudança. Entre os membros do governo, a filiação ao sindicato chega a 71%, enquanto entre os membros da sociedade ela não passa de 44,4% (GRAF. 1). Como os representantes do governo no CME são, na sua quase totalidade, servidores públicos, a maior filiação sindical entre os representantes governamentais pode ser explicada pelo fato de que, no setor público, o custo de sindicalização tende a ser bem menor de que na iniciativa privada. Segundo dados da Pesquisa Mensal de Emprego de abril de 1996, a taxa de sindicalização é 14% na RMR (IBGE, 1996). Observou-se que, embora uma parcela significativa dos conselheiros estatais seja sindicalizada, a participação ativa no interior dessas organizações, ou seja, participação na diretoria do sindicato e nas atividades por ele promovidas, é

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maior, em termos percentuais, entre os membros da sociedade civil. Cerca de 44% dos conselheiros da sociedade civil fazem parte da diretoria do sindicato. Entre os representantes do governo que são sindicalizados, 41,7% não participam de atividade alguma promovida pelo sindicato, contra 18,3% dos membros da sociedade civil. A filiação à associação de classe ou associações civis (comunitárias) entre os membros do CME, quando comparada aos dados do IBGE (1996), pode ser considerada alta. Entre os membros do governo, 20,6% declararam participar de algum tipo de associação. Um percentual levemente maior (25%) de conselheiros da sociedade civil informou fazer parte de alguma associação. Interessante notar que quase a metade (47%) dos conselheiros governamentais é filiada a algum partido político. Entre os representantes da sociedade civil, o percentual fica em 36%. Esses números estão um pouco abaixo dos encontrados em outra pesquisa sobre conselhos municipais na RMR. O importante a reter é que, no mesmo conselho, segmentos com práticas associativas convivem com outro com pequena ou nenhuma experiência nesse campo.

Gráfico 1 - Nível de filiação partidária, comunitária e de classe e sindical Fonte: Elaboração própria, 2006.



Cf. Lima e Bitoun (2004), o percentual de filiação de conselheiros da sociedade civil é de 43,8% e do governo, 56,2%. Ver Santos Junior (2001).

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Funcionamento do CME A percepção dos atores quanto às possibilidades de sucesso ou não de suas ações, em uma determinada arena de decisão, é um componente importante que condiciona a continuidade da participação. Em outras palavras, o reconhecimento, por parte dos atores, de que participam efetivamente do processo decisório é um incentivo a continuar participando. De acordo com Avritzer et al. (2005, p. 31), “a partir do momento em que os conselheiros reconhecem que estão influenciando nas decisões, parece haver uma motivação a mais para que continuem participando do processo deliberativo”. Os conselhos são arenas de embates e disputas, onde, em tese, são produzidas democraticamente decisões políticas e administrativas. Algumas delas com repercussões na política pública que lhes concerne e, também, em alguns casos, no funcionamento de uma parte da burocracia municipal. Em todos os conselhos pesquisados, o presidente é eleito pelos pares. Em apenas um conselho, o(a) secretário (a) de Educação era o presidente, e em quatro deles, o presidente era da sociedade civil. Em quatro municípios, o secretário de Educação não faz parte do conselho (não há coincidência com municípios onde a presidência é exercida pela sociedade civil). Se, por um lado, a ausência do secretário não cria constrangimentos aos demais conselheiros, por outro, pode revelar certa desatenção para com o conselho ou mesmo o não-reconhecimento dele como arena importante na gestão municipal. Outro aspecto que desvela uma desigualdade entre eles refere-se ao fornecimento de informações por parte da Secretaria de Educação. Enquanto mais de 82% dos conselheiros governamentais informaram receber sempre ou com muita freqüência as informações solicitadas, esse percentual cai para 61% entre os representantes da sociedade civil. Ainda nesse segmento, um terço informou que o fornecimento de informações não ocorre com muita freqüência. Como falar de conselho democrático e participativo sem acesso a informações que permitam conhecer os temas e assuntos educacionais e auxiliem na tomada de decisão?

Em Salvador-BA, até a pouco tempo atrás o secretário municipal era o presidente nato do CME (CARVALHO et al., 1999). Esse fato se repete em muitos municípios brasileiros.



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Quanto ao controle social, os dados da pesquisa não nos permitem asseverar se essa função vem sendo exercida pelos CMEs. Apenas 32% dos conselheiros afirmaram que o conselho faz o acompanhamento da aplicação dos recursos da Secretaria de Educação, 58% afirmaram que não e 10% não souberam responder. As formas de acompanhamento foram basicamente três: i) O orçamento da educação, que é enviado ao conselho (14%); ii) Análise de balancetes contábeis (13%); iii) Visita às escolas municipais (3%). Chama a atenção o fato de quase dois quintos dos conselheiros reconhecerem que o conselho exerce um fraco controle social. Esse dado serve para ilustrar as dificuldades enfrentadas pelos CMEs na sua tarefa de participar da gestão educacional. Na visão de muitos conselheiros, esse item não é um aspecto importante para o Conselho Municipal de Educação (MARQUES, 2006).

Capacidade individual e coletiva de influência nas decisões do conselho O otimismo dos conselheiros é alto quando o assunto é a capacidade ou o poder de influenciar as decisões do CME. Os dados sugerem que os conselheiros governamentais são mais comedidos. Mais da metade deles (58%) informou que a sua capacidade de influência era média. Cerca de um terço deles (36%) assumiu que o seu nível de influência era alto. Entre os conselheiros da sociedade civil, 45,5% informaram ser alto o seu poder de influenciar. Para 39% deles, a sua capacidade de influência era média. O número daqueles que acharam que a sua capacidade de influenciar é pequena ou nenhuma foi bastante reduzido, sobretudo entre os conselheiros estatais – dois representantes (6%) contra 5 membros da sociedade civil (15%). É preciso olhar com bastante cuidado para esses dados. Os representantes da sociedade civil são aqueles que, no geral, apresentam menos recursos. Qual a explicação para essa situação? Santos Junior (2001) e Fuks (2002) nos fornecem algumas pistas. Para o primeiro, as decisões emanadas do CME devem ser do próprio interesse da Secretaria. Conforme foi visto, muitas atividades desempenhadas pelo CME poderiam ser repassadas para as secretarias de Educação. A explicação sugerida por Fuks (2002) é que o segmento com menos recursos tende a ter uma avaliação mais positiva da sua atuação.

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Quanto ao grupo com maior poder de influência nas decisões do conselho, há uma certa inversão nos dados. O governo é indicado por 42% dos conselheiros da sociedade civil; em segundo lugar, aparece o sindicato dos professores. Entre os representantes estatais, mantém-se a mesma parcimônia apresentada na questão anterior. O sindicato dos professores aparece como um ator mais influente para 38% dos conselheiros governamentais, enquanto o próprio governo surge em segundo lugar. Na avaliação geral, o governo figura como o mais influente (38,6%), ficando o sindicato dos professores em segundo lugar (30%). Os demais grupos foram lembrados por menos de 5% dos conselheiros. Vale citar que 14% dos conselheiros não responderam a essa questão. O que podemos inferir é que conselheiros com experiência participativa em algum tipo de organização, tais como sindicatos, associações comunitárias ou de classe, partidos políticos, desenvolveram um cabedal de recursos, competências e habilidades que permitem uma participação mais ativa nessas arenas. Nesse sentido, o fato de os professores representantes do sindicato terem uma experiência associativa bem acima da média dos conselheiros, associado à própria natureza desse tipo de organização (reivindicatória), explica o destaque atribuído ao sindicato dos professores. Ora, a participação é um processo de aprendizagem que se constrói paulatinamente no exercício cotidiano. Para Pateman (1992) e Jacobi (1992), quanto mais um indivíduo participa, mais apto e hábil ele fica para participar. Acresce a isso que a lógica que preside a esfera pública é a da argumentação discursiva, em que cada uma das partes tenta convencer as demais da justeza das suas idéias e posições. Evidencia-se, assim, o papel da Retórica (sem conotação derrogatória) como instrumento democrático por excelência: atingir objetivos sem o uso da força, mas sim pela argumentação.

Considerações finais Este trabalho coloca-se na vertente otimista das análises acerca da participação (Cf. CÔRTES, 2005). Entretanto, reconhece que o caminho de construção democrática é longo, com progressos, períodos de paralisia e até mesmos recuos. Um aspecto fundamental da democracia é o da incerteza quanto aos seus resultados.

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O arranjo institucional pós-88 ainda não realizou todas as suas promessas. É imprescindível criar mecanismos institucionais capazes de garantir a inclusão de outros segmentos nesses espaços. No caso dos CMEs, um ponto importante é quebrar o quase monopólio profissional na representação, concentrado na classe dos professores, abrindo espaço para outros segmentos, até como forma de oxigenar e fortalecer o conselho. A particularidade e singularidade do CME se expressam sob três aspectos. Primeiramente, no reduzido conflito no seu interior, dado o fato de que não é nessa arena que ocorre a disputa por recursos. Em segundo lugar, ela se traduz no excessivo caráter normativo das suas funções. Quanto a esse aspecto, Lima (apud GOHN, 2001) adverte que os conselhos na área de educação devem romper com os limites técnico-burocráticos a que estão circunscritos e pensar a educação como um todo, caso contrário ficarão limitados a meros apêndices dos Conselhos Nacional e Estadual de Educação. Em terceiro, para o CME desempenhar todas as suas prerrogativas, é necessário que o município crie o seu sistema municipal de ensino. Considerando-se a fragilidade institucional, organizacional e financeira dos municípios brasileiros, é fácil supor que poucos são os que conseguem instituí-lo. Finalmente, em quarto lugar, os movimentos de defesa da educação pública não conseguem mobilizar outros atores sociais e políticos para participar dessa arena. Esse último aspecto conecta-se com a questão da representatividade dos membros do conselho. Quanto maior a representatividade dos conselheiros, maiores as chances de negociações bem-sucedidas com o poder público. Um ponto interessante a ser explorado por outras pesquisas é o quanto os conselheiros municipais de educação conseguem mobilizar os segmentos sociais que representam. A nossa hipótese é que a capacidade é pequena devido ao descrédito em que se encontra a educação pública brasileira. Uma das promessas dos conselhos gestores é o da ampliação da participação. Em que medida podemos afiançar o cumprimento dessa promessa? A participação nos conselho nos remete à questão da representação. Para além de ser uma rima fácil, coloca os limites da participação nesses espaços. Desnecessário mencionar que o ideal grego de democracia direta não é possível nas sociedades contemporâneas. Um dos objetivos do texto foi demonstrar que o CME possui algumas características bem peculiares e que precisam ser ressaltados nas análises. Não

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se pode negar que os conselhos ampliam a esfera pública e produzem novos padrões de interações entre Estado e sociedade civil. Os resultados ainda não nos permitem aquilatar o quanto se avançou na área, na direção de uma governança democrática. Contudo, os dados sugerem que o setor educacional incorporou, ainda que de maneira tímida (muitos conselhos são apenas consultivos), mecanismos institucionais que apontam para uma governança democrática das cidades.

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A mecânica do laço do enforcado: municipalismo, federalismo fiscal e políticas públicas Arthur Leandro Alves da Silva* Dêem-me minhas mãos (...)// Com elas/ alumiarei o cego/ afagarei a face do leproso / e enxugarei o suor do moribundo. // Violarei o cofre do usurário / e saciarei a fome do necessitado. // Eu quero minhas mãos, / para aliviar o laço do enforcado,/ (...) para estancar o sangue do esfaqueado (...) // Eu preciso das minhas mãos, para libertar o detento, para socorrer o fugitivo, para salvar o afogado. // Dêem-me minhas mãos,/ (...) eu preciso das minhas mãos, / para, com elas, milagres propagar. (José Bezerra Gomes)

O conceito buarqueano de cordialidade não se presta para assinalar unicamente a prática de “boas maneiras” no trato interpessoal ou as demonstrações ostensivas de bondade; antes, pode tanto designar a compaixão como a perversidade nas relações sociais, a depender fundamentalmente da circunstância social concreta e da perspectiva adotada na análise. No poema “Multiplicação”, excerto em epígrafe, o bardo potiguar José Bezerra Gomes (1928-1985) canta uma ode à compaixão, que por muitos é apontada como traço de caráter do povo nordestino. Metaforicamente, o mesmo poema pode retratar uma das características da cultura política nacional, o clientelismo, que tem sobrevivido às iniciativas de racionalização governamental, e que paira mesmo acima do mandamento constitucional de eficiência administrativa. * O autor agradece a Adolfo Sá (TCE-PE) e a Magna Inácio (UFMG) pela gentil revisão dos originais e registra que os erros remanescentes são de sua inteira responsabilidade.  Instigante análise das reformas administrativas brasileiras dos anos 90 pode ser encontrada em Rezende (2004).

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Este artigo evoca a imagem do laço do enforcado, que comprime na exata proporção da força aplicada para desatá-lo, para simbolizar uma das nuances do processo de custeio dos governos dos pequenos municípios do país, e concluir que há no federalismo fiscal brasileiro ao menos um dos elementos da cordialidade: grande parte dos recursos acumulados no superávit obtido pela política fiscal do governo federal tem sido sistematicamente dissipada em transferências intergovernamentais aos micro e pequenos municípios do País que, de fato, carentes de quase tudo, oneram o orçamento público e, conseqüentemente, o contribuinte. Este, por sua vez, sofre uma das mais altas cargas tributárias do mundo e não tem, no horizonte próximo, expectativa de alívio de seu padecer. Razões históricas ajudam a emoldurar a hipótese aqui assumida: um movimento municipalista bastante bem articulado acompanhou os processos de redemocratização política e descentralização da administração pública brasileira, iniciado ainda nos anos 80, e foi consagrado pela Constituição Federal de 1988. Conseqüência prática de tal simbiose foi o encolhimento do planejamento central do governo e a pulverização da ação pública dos governos locais, mesmo para aquelas políticas nas quais se conseguiria maior eficiência mediante o provimento nacional ou regional. Assim, o arcabouço institucional brasileiro permitiu a ampliação do número de governos locais – e, conseqüentemente, dos custos de sua manutenção – às expensas dos recursos que poderiam custear políticas sociais, serviços públicos e fomentar o desenvolvimento regional.

Descentralização política e descentralização fiscal Apesar de especialistas em relações intergovernamentais, descentralização e federalismo já assumirem por pacífico que situações de tensão entre níveis de governo tendem a favorecer as unidades subnacionais, o fato de países de diferentes características culturais, sociais, políticas e econômicas adotarem progressivamente medidas descentralizadoras de seus governos e instituições



Referência aos textos de Souza (1998) e Lima (2003).

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– isto somado ao impacto estimado de diferentes arranjos institucionais sobre o resultado das políticas públicas – mantém o assunto especialmente instigante para os interessados no controle da administração pública, e, em particular, na crônica escassez de recursos para investimentos próprios nessas mesmas unidades. Num arranjo federativo particular, o Brasil tem hoje pouco mais de 5.500 municípios, número que sofreu forte acréscimo nas duas últimas décadas, parcialmente como resultado da redemocratização: no regime militar, as exigências para a criação de municípios eram difíceis de serem cumpridas. De acordo com Souza (1998), mais de mil municípios foram criados entre 1975 e 1993, quando muitos deles não tinham qualquer base econômica que lhes assegurasse o exercício da autonomia prevista no texto constitucional. Como parte do processo de descentralização política, no Brasil pós-militar, os municípios não apenas continuaram a angariar mais recursos, mas também foram elevados a membros da Federação. Esses dois fatos são componentes do que a literatura tem tratado por federalismo municipal, fenômeno que constitui um aspecto, peculiar ao Brasil, da descentralização. Com a previsão constitucional brasileira, Art. 1. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de direito e tem como fundamentos (...)

Não é verdade que o número de governos subnacionais espelhe o tamanho da federação: nos Estados Unidos, por exemplo, há hoje mais de 85.000 governos locais divididos em 5 tipos; nos EUA, entretanto, governos locais não têm status de ente federado, como acontece no Brasil (O’SULLIVAN, 2003, p. 503).  Tal quadro de escassez de recursos e de tradicionalismo no ordenamento administrativo engendrou o que M. A. Melo (1996) batizou por “hobbesianismo municipal” – que faz apropriada referência à guerra de todos contra todos do Leviatã de Hobbes – e que se expressa, entre outras coisas, pela disputa por investimentos industriais pelos municípios. Analisando o fenômeno da dissipação dos recursos originados no esforço de superávit primário do governo federal, designo esse aspecto do federalismo brasileiro por “municipalismo pródigo”: localidades do interior do Brasil clamam por emancipação, mas sempre reclamam da insuficiência da “mesada” repassada pelos cofres do Tesouro.  O trabalho de Wilson (1993) explora o fato de que o federalismo americano se dá entre a Casa Branca e os estados, restando aos municípios competência residual; não deixa de chamar a atenção ao observador brasileiro, apesar disso, que os serviços de policiamento ostensivo, na América, pertençam à esfera local. 

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queda-se reinventada a definição do dicionário Aurélio Buarque de Holanda, que qualifica por federalismo a “forma de governo pela qual vários Estados se reúnem numa só nação, sem perderem sua autonomia, fora dos negócios de interesse comum”. É usual que federações possuam um Senado, ou Câmara Alta, a representar o princípio da territorialidade de jurisdição, onde cada membro federado – independente de sua extensão territorial ou importância econômica – tem direito ao mesmo número de votos. Não seria mesmo inadequado dizer que federações violam, pela sua própria natureza, o princípio democrático de um adulto, um voto: afinal o voto de cada cidadão vale mais em estados menores do que nos maiores. Realçando tal particularidade desses modelos, a federação brasileira (com municípios) estende tal princípio político à redistribuição de recursos tributários, fazendo com que esses municípios menores – os mesmos que padecem de baixo (ou nenhum) vigor econômico – sejam os que recebem maiores proporções dos repasses.

Stepan utiliza as expressões “demos constraining” e “demos enabling” para designar modelos políticos que limitem ou ressaltem, respectivamente, a vontade das maiorias constituídas. Para aquele autor, a natureza do federalismo praticado é um fator decisivo no debate sobre as perspectivas democráticas no Brasil, que teria um modelo de “federalismo centralizado” semelhante ao modelo americano.  Para Dahl (apud Stepan, 1999) os modelos representativos baseados na prevalência da Câmara Baixa – que se constituem pelo primado da população – estariam mais perto do princípio de igualdade democrática expressa na frase “um cidadão, um voto”. Modelos mistos como o brasileiro, sob influência da Câmara Alta, poderiam dissimular uma desigualdade maciça (o voto de um cidadão em um estado pequeno pode valer por mais de cem em um estado maior).  Já em 1998, o presidente do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo alertava para a gravidade da crise fiscal dos micromunicípios de seu estado, não raro apontado como exemplo de gestão fiscal. Ver artigo publicado no diário Comércio e Indústria, em novembro daquele ano (http://www. citadini.com.br/artigos/dci9811.htm). 

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Tabela 1 Capacidade tributária municipal (%), por tamanho do município e região – Brasil, 1996 Nordeste

Norte

Centro Oeste

Sul

Menos de 5.000 hab.

2.90

4.40

7.50

9.90

10.10

8.90

5.000 a 10.000 hab.

4.00

3.40

7.80

12.90

12.60

10.10

10.000 a 20.000 hab.

4.00

4.20

9.70

16.30

17.70

12.30

20.000 a 50.000 hab.

5.80

9.10

15.40

23.10

23.00

17.50

50.000 a 100.000 hab.

10.60

15.00

19.40

27.10

30.80

25.30

100.000 a 500.000 hab.

21.30

18.80

25.00

37.70

36.30

34.20

500.000 a 1.000.000 hab.

28.10

*

47.70

*

41.40

38.10

Mais de 1.000.000 hab.

43.60

32.20

43.40

52.50

60.20

55.90

Total

17.90

20.30

20.90

29.20

41.00

33.50

Grupos de municípios

Sudeste Brasil

Fonte: Gomes; MacDowell, 2000, p. 12.

Os dados da Tab. 1 ilustram bem a realidade do Brasil: os municípios menores, ou por terem menor circulação de riqueza, ou por não usufruírem de ferramentas fiscais adequadas (ou talvez mesmo pela junção de ambas as coisas), chegam a ser sete vezes menos capazes de se financiarem a si próprios que os maiores municípios no agregado nacional. Em se estratificando por região, no Nordeste do Brasil – conhecido tanto pela sua pobreza como pelo mandonismo de suas elites políticas – essa diferença chega a ser de 1:15. Entender a lógica da política fiscal brasileira é fundamental para desagregar a questão tratada aqui. De acordo com Resende (1987), existem dois tipos básicos de transferências: as retiradas do orçamento do transferidor, normalmente de caráter voluntário, e aquelas originárias da repartição de receitas Tabulação dos dados da Secretaria do Tesouro Nacional por Gomes e MacDowell (2000) para o Exercício Financeiro de 1996. A capacidade tributária (CT), de acordo com o trabalho de Nunes (2000) com base na metodologia da FIPE/Universidade de São Paulo, é dada pela participação das receitas tributárias municipais (oriundas, basicamente, da tributação da prestação de serviços e da propriedade territorial urbana) no total das Receitas do Orçamento (CT% = 100* RT / RO).



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tributárias, cuja arrecadação se concentrou em um ente da Federação por uma conveniência qualquer. As primeiras dividem-se ainda em incondicionais – que podem ser utilizadas em qualquer finalidade lícita – e condicionais – que obrigam o recebedor a seguir regras e restrições específicas para que a transferência se efetive (por exemplo, alguma contrapartida de dispêndio). O modelo brasileiro comporta as três modalidades acima mencionadas, sendo a principal delas as transferências incondicionais por repartição de receita tributária, que se destinam à equalização fiscal entre as unidades da Federação e à racionalização do sistema tributário nacional. Consistem basicamente nos Fundos de Participação dos Estados e dos Municípios, formados pelo produto da arrecadação do imposto de renda e do imposto sobre produtos industrializados. A União legisla, administra e arrecada esses tributos, transferindo considerável parcela para as demais esferas de governo. Há ainda a transferência de 50% da arrecadação do imposto territorial rural da União para os municípios, que recebem ainda dos estados a metade do imposto sobre propriedade de veículos automotores e 25% do imposto sobre circulação de mercadorias e serviços, ambos de competência estadual. Esse tópico já é bastante conhecido, tendo sido estudado por inúmeros autores, como Afonso (1993). O que ainda precisa ser analisado mais detidamente são as demais transferências,10 tanto pelo seu valor político como pelas suas particularidades técnicas. Existem dificuldades quanto aos dados e à metodologia de classificação de tais repasses, o que atrapalha comparações entre programas contemplados ao longo dos anos;11 de qualquer forma, tanto a literatura especializada12 como o conhecimento empírico do campo revelam que os municípios – principalmente os menores – são bastante sensíveis a qualquer variação no humor transferidor da União.

O muito hábil texto de Barry Ames (2001) mostra como as transferências voluntárias passam a integrar a própria agenda da política presidencial, por meio das quais o Executivo federal potencializa sua base de apoio no Congresso Nacional. 11 Na pesquisa de mestrado do autor (SILVA, 2004) foi feita classificação das receitas voluntariamente transferidas pela União a 75 municípios de Pernambuco durante os anos de 1997 a 2000, sendo restrita a análise ao financiamento de obras públicas. Como era de se esperar, 1998 e 2000 (anos eleitorais) concentram mais de 75% do valor global transferido. 12 Por exemplo, Gomes e MacDowell (2000) e Lima (2003). 10

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Municipalismo pródigo Como já se havia enunciado, as intensas criação e instalação de municípios observadas no País têm feito parte do processo mais geral de descentralização. De acordo com Gomes e MacDowell (2000, p. 8), de 1984 a 1987 foram instalados13 1.405 municípios no país, sendo as regiões Sul e Nordeste aquelas com maior contribuição absoluta ao processo. Dado que, em 1984, existiam 4.102 municípios no Brasil, conclui-se que, nos 13 anos que vão de 1984 a 1997, o número total de municípios no País aumentou em 34,3%. Tabela 2 Caracterização das transferências aos municípios – Brasil, 199714 Quantidade de transferências (Dados de 1997)

Transferência per capita (R$)

Municípios com menos de 50 mil habitantes

5026

7,68

Municípios com mais de 50 mil e menos de 100 mil habitantes

479

1,32

Municípios com mais de 100 mil e menos de 500 mil habitantes

200

2,90

Municípios com mais de 500 mil habitantes

26

3,33

Características do município

Fonte: Lima, 2003, p. 9.

A tabela acima nos pede uma reflexão sobre aquilo que é o dilema central da ação do governo (COHEN; FRANCO, 1993, p. 80): a parcimônia entre eqüidade e eficiência econômica. Os municípios menores – cujo quantitativo explodiu no período em análise – foram ao mesmo tempo os maiores beneficiários das transferências federais, não obstante o fato de eles abrigarem apenas O ato de instalar pressupõe o ato anterior de criar o município, o que, no caso de desmembramento de um município em dois, é antecedido de consulta popular. A instalação corresponde ao início de funcionamento efetivo do município, o que se dá com a eleição do primeiro prefeito. 14 Embora Lima (2003) não desagregue o volume total de transferências quanto à sua natureza (se constitucionais ou voluntárias), seus dados são sintomáticos para a análise que aqui se empreende. 13

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pequena parcela da população do País, e de contribuírem com muito pouco para o montante a ser dividido. Sendo esse fato uma violação do princípio de isonomia entre os cidadãos de uma mesma coletividade,15 deveria haver uma compensação – ao menos sob a ótica da racionalidade econômica – que legitimasse esse modelo. Isso, no entanto, não ocorre: os municípios menores, além de concentrarem as piores condições de vida do País, gastam mal16 e custam muito caro ao bolso do contribuinte. Isso cria um terrível círculo vicioso abrigado à própria sombra da Constituição Federal: federação indissolúvel, municípios protegidos contra extinção (apesar de facilmente criáveis),17 expansão de burocracias locais, mais repasses, crise fiscal crônica e permanente.

Mimetismo institucional e ineficiência econômica Convém repassar, pois, os elementos desse “municipalismo pródigo”, isto é, dessa escolha política que atenta contra a própria estabilidade da Federação que tenciona proteger: a Carta de 1988, em elevando o município à categoria de ente da Federação, conferiu cabal importância à Câmara de Vereadores, que passou a ter (em nível local) competências semelhantes às da Assembléia Estadual/Distrital e da Câmara de Deputados. Por um processo de reprodução

Uma argumentação em defesa desse modelo pode invocar o seu caráter inegavelmente redistributivo, e utilizar a fórmula normativista presente na teoria da justiça de John Ralws, segundo a qual a realização dos valores da democracia pressupõe que os indivíduos de uma mesma coletividade disponham dos meios mínimos para o exercício efetivo de sua liberdade. 16 Ver, sobre a qualidade do gasto em pequenos municípios, Silva (2004). 17 Uma importante modificação institucional foi introduzida em 1996, quando foi editada a Emenda Constitucional nº 15, que deu nova redação ao § 4º do artigo 18 da Constituição Federal e dispôs sobre a criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de municípios, determinando que esses atos só poderão ser confirmados com a edição de lei estadual, “em período determinado por lei complementar federal”, após estudos de sua viabilidade, dependendo ainda de consulta prévia às populações dos municípios envolvidos, por meio de plebiscito. Não obstante o caráter restritivo do documento constitucional, apenas em 1996, 53 municípios foram criados no País; entre 1996 e 2001 – um ano após a publicação da LC 101, mais conhecida como Lei de Responsabilidade Fiscal – foram 580 municípios, o que representa mais de 10% do total de entes de nossa inflada federação segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apresentados pelo ex-senador Rodolpho Tourinho (DEM-BA) quando da apresentação de PEC 12/04. Desses, 54,7% eram da região Sul, 32,1% da região Centro-Oeste, 9,4% do Nordeste e 3,8% do Sudeste. 15

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do que ocorre nas esferas superiores de governo, Câmaras de Vereadores ganharam tamanha expressão que qualquer ameaça à sua existência é ameaça – sob o ponto de vista institucional – à tripartição dos Poderes, ao pacto federativo e à segurança nacional. Como existem desde 1532 (ver GHISI, 1998), Legislativos locais não representam, em absoluto, novidade no Brasil, e talvez, por isso mesmo, a questão seja perguntar em que proporção as Câmaras de Vereadores têm contribuído – naqueles municípios muitos pequenos – para o desenvolvimento local. Um importante estudo realizado pelo Ipea (GOMES; MACDOWELL, 2000, p. 20) mostra que, em regra, o conjunto de municípios de cada estado brasileiro gasta uma parcela maior de sua receita corrente com o Legislativo do que os próprios estados (as exceções são Alagoas, Mato Grosso do Sul, Rondônia, Piauí e Rio de Janeiro); em relação à União, a diferença é ainda maior. Em outras palavras, municípios gastam mais com o Legislativo do que o fazem os estados e a União. Os dados, assim colocados, revelam os traços definidores do modelo brasileiro. Antes de tudo, criação de municípios significa aumento do número de vereadores (e de prefeitos, vice-prefeitos, assessores e burocratas em geral) e, por conseguinte, dos gastos municipais com o Legislativo (e com a administração local, em geral). Depois, em se gastando mais com a administração local, o aumento na proporção de recursos fiscais apropriados pelos municípios implica uma parcela maior do Erário nacional sendo destinada ao pagamento da folha funcional dos municípios. Como resultado dessa “preferência” alocativa, restará uma parcela cada vez menor desses recursos para financiar a prestação de serviços públicos, para os investimentos em obras públicas e para os projetos sociais de que a população tanto necessita. Os municípios de até cinco mil habitantes gastaram, em valores históricos de 1996, R$ 20,60 por habitante para manterem seus Legislativos (GOMES; MACDOWELL, 2000, p. 21), e esse valor é mais alto que o de qualquer outro grupo de municípios, classificados segundo sua população (Tab. 3). Convém notar que esses resultados – sublinhem-se aqui os gastos dos municípios menores, pronunciadamente o grupo que mais gastou – se mantêm inalterados para todas as regiões do país.

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Tabela 3 Gasto do município com a função legislativa18 - Brasil, 1996 (R$ /ano) Grupos de municípios Nordeste Norte (segundo sua população)

Centro Oeste

Sul

Sudeste Brasil

Até 5.000

18,0

22,5

26,4

19,3

20,2

20,6

5.000 a 10.000

13,4

13,5

21,4

12,2

12,8

13,7

10.000 a 20.000

9,2

10,4

15,7

10,4

13,1

11,0

20.000 a 50.000

8,6

8,6

12,7

9,7

13,3

10,5

50.000 a 100.000

10,8

12,6

16,9

12,1

15,6

13,5

100.000 a 500.000

11,5

9,7

15,4

11,4

17,2

14,7

500.000 a 1.000.000

17,4

*

21,4

*

16,2

16,9

Mais de 1.000.000

13,5

14,8

24,5

17,9

15,5

15,6

Total

10,8

12,6

16,9

12,1

15,6

13,5

Fonte: Gomes; MacDowell, 2000, p. 21.

Na medida em que a descentralização e o federalismo municipal têm sido caracterizados por uma proliferação descontrolada de municípios – e, muito particularmente, daqueles com menos de cinco mil habitantes, comuns em regiões pobres como o Nordeste do Brasil – é claro que parcelas cada vez maiores dos recursos arrecadados na esfera federal estão sendo consumidas no custeio de Legislativos locais. E o que é pior: como na parábola do filho pródigo, contada no Evangelho de São Lucas (Lc. 15, 11-32), localidades que instadas pelo comportamento rent seeking19 de suas lideranças almejam apaixonadamente a emancipação, não tardam, uma vez emancipadas, a bater às portas do pai generoso, que de Brasília distribui recursos ao filho jovem,

Dados referentes ao Exercício 1996, extraídos de Gomes e MacDowell, 2000, p. 22. Para Buchanan (1988), as lideranças políticas tendem a agir como o “homem em geral”, isto é, como maximizador de seus interesses pessoais, que poderiam ser seus ganhos individuais financeiros, ou a redução do seu trabalho efetivo, ou o desejo de ampliar sua esfera de decisão buscando sua própria renda (daí a expressão “rent-seeking”, “buscador de renda”, literalmente). Ao final, o interesse público acaba aprisionado pelos grupos políticos e de pressão, o que levaria à ineficiência dos aparelhos de governo, sem os correspondentes benefícios para a sociedade.

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andrajoso, mas irremediavelmente dissipador. De tal maneira, esgueirando-se entre o choro plangente dos prefeitos de micromunicípios e as pressões incessantes dos deputados seus padrinhos, o governo federal aperta o laço fiscal no pescoço dos contribuintes nacionais, pois precisa onerar o sistema econômico com uma das maiores cargas tributárias do mundo para pagar, mui compassivamente, as contas dos municípios que não arrecadam sequer os recursos necessários à manutenção de sua própria burocracia, fazendo confranger ainda mais a corda dos tributos a cada necessária invectiva de ajuste nas contas públicas. Menos dinheiro está disponível, portanto, para a realização de obras públicas e para a prestação dos serviços de saúde, educação, segurança pública e saneamento básico. Nas condições atuais, quanto mais numerosos forem os municípios, mais pobres eles serão; pior para o governo federal, pior para a Federação, pior para a sociedade.

Conclusão Neste artigo, vimos que o modelo de federalismo regulamentado na Constituição de 1988 tem particularidades que o diferenciam do modelo clássico: são entes federados, no Brasil, não só estados, mas também os municípios. Tal distensão política, no Brasil, engendrou a fragmentação do governo pela explosão do número de municípios; daí, a consolidação de um modelo fiscal descentralizante (que, de alguma forma, já existia) veio a conformar uma teia complexa de relações entre as unidades federadas. Como a grande maioria dos municípios depende de transferências federais para quase tudo, fragmentação não significou autonomia: pelo contrário, municípios precisam recorrer a Brasília para custear sua máquina e qualquer investimento necessário ao bem-estar da população. Num processo açodado de reconstrução nacional, quem parece que perdeu foi o País, e pior: os mais pobres do País. Municípios menores, embora recebam mais repasses da União e não gerem os recursos de que necessitam, gastam mais com a manutenção de sua burocracia que os maiores. A simples manutenção de um Legislativo nos pequenos municípios representa um custo

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difícil de suportar pelo Erário, fazendo com que recursos que poderiam ser mais bem aplicados – caso fossem geridos por um sistema regional ou metropolitano – sejam incinerados nas contas da burocracia.

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REZENDE, Flávio C. Por que falham as reformas administrativas? Rio de Janeiro: FGV, 2004. SILVA, Arthur L. A. Análise de políticas municipais de habitação e urbanismo: policy, eficiência e controle externo na esfera municipal. 2004. Dissertação (Mestrado em Ciência Política) – Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2004. SOUZA, Celina. Relações intergovernamentais e a reforma da administração pública local. In: MELO, Marcus A. (Org.). Reforma do Estado e mudança institucional do Brasil. Recife: Massangana, 1998. STEPAN, Alfred. Para uma nova análise comparativa do federalismo e da democracia: federações que restringem ou ampliam o poder da demos. Dados, v. 42, n. 2, p. 197-251, 1999. WILSON, Robert H. States and the economy: policymaking and decentralization. Newbury Park: Sage Publications, 1993.

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A avaliação nas políticas de assistência social: desafios para sua consolidação e para sua relevância Bruno Lazzarotti Diniz Costa

O campo da assistência social no Brasil tem sido palco, nos últimos anos, de dois tipos de processos importantes: de um lado, ocorrem na área, desde a década passada, iniciativas importantes de inovação e experimentação na maneira como se concebe e se executa o atendimento às populações vulnerabilizadas. Diferentes projetos e políticas têm procurado se haver com o desafio de desenvolver estratégias que combinem eficácia, sustentabilidade e participação com o respeito aos direitos de cidadania de públicos tradicionalmente marginalizados, como meninos de rua, população de rua, famílias vulnerabilizadas, crianças expostas ao trabalho infantil ou ao abuso sexual, adolescentes infratores, entre outros. Experiências e estratégias muito diversas, com níveis diferentes de êxito ou de fracasso e graus variados de cobertura testemunham, independentemente dos resultados, a necessidade e a busca de inovação normativa e técnica nessa área. De outro lado, a assistência social protagoniza, desde a última década, um esforço de institucionalização sem precedentes neste campo, esforço ao qual o Ministério do Desenvolvimento Social veio se somar e que, em grande medida, tem buscado liderar no período mais recente. Desde a conquista do Boa parte dos argumentos desenvolvidos aqui foram adaptados do texto de minha autoria “As mudanças na Agenda das Políticas Sociais no Brasil e os desafios da Inovação: o caso das políticas de assistência social à infância e adolescência”, 2001.



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Estatuto da Criança e do Adolescente e da Lei Orgânica da Assistência Social, vem sendo institucionalizado um campo de política que busca se orientar por certos princípios comuns, âmbitos de atuação mais ou menos compartilhados, participação democrática na gestão, transparência e controle público sobre as ações, entre outros aspectos. É uma trajetória já extensa no sentido de superar o caráter fragmentado, assistemático, repressivo ou tutelador e com alto grau de opacidade na gestão, que tradicionalmente caracterizou a assistência social no País. O SUAS, por sua vez, inspirado na experiência da saúde, procura aumentar o grau de coordenação intergovernamental das ações, criando níveis de atenção e de gestão, associando-o à maior racionalidade, transparência, universalismo e a um caráter mais estratégico e estável na alocação dos recursos da área. Isto, somado à institucionalização do Bolsa Família e ao aperfeiçoamento dos mecanismos de gestão e acompanhamento do programa, do cadastro e das condicionalidades fortalece a institucionalidade social da assistência e o papel coordenador do Ministério do Desenvolvimento Social. O processo de criação do SUAS expressa justamente as dificuldades e as tarefas para as políticas sociais nos estados federativos: combinar a autonomia dos entes federados com a necessidade de coordenação mínima para o alcance de certos objetivos comuns. Em outras palavras, ao lado das questões relativas a o que fazer, impõem-se com tanta ou maior importância as decisões sobre quem faz, com que recursos, quem decide o quê, entre outros problemas de ação coletiva (PIERSON, 1995). Estas características explicam – e são, a um só tempo, por ela explicadas – a vulnerabilidade desse campo a práticas de clientelismo e patrimonialismo, que acabaram também por perpetuar o caráter subalterno, ou mesmo marginal, da assistência social no âmbito das políticas sociais.  Conforme esclarece o Ministério do Desenvolvimento Social e combate à Fome (2007), “O Sistema Único de Assistência Social – SUAS regula em todo o território nacional a hierarquia, os vínculos e as responsabilidades do sistema de serviços, benefícios, programas e projetos de assistência social, de caráter permanente ou eventual, executados e providos por pessoas jurídicas de direito público sob critério universal e lógica de ação em rede hierarquizada e em articulação com iniciativas da sociedade civil”. Com uma organização claramente inspirada no Sistema Único de Saúde, o SUAS é hoje o principal marco para a institucionalização da Assistência Social no Brasil.  O Programa Bolsa Família foi criado em 2004, inicialmente incluindo a fusão de outros programas de transferência de renda existentes. Sua consolidação e ampliação para uma cobertura de mais de 11 milhões de famílias pobres do Brasil transformou o Bolsa Família no maior programa de transferência condicionada de renda do mundo e em uma referência para outros países. Colocou também o PBF no centro do sistema de proteção social brasileiro e dos debates sobre o combate à pobreza e à desigualdade. 

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É desnecessário afirmar que este é um processo longo e ainda incompleto, que guarda inúmeras dificuldades e encontra resistências – sociais, técnicas e políticas –, e no qual os erros e fracassos são, em certa medida, inevitáveis. É o preço que a inovação social cobra. Entre os desafios colocados para o êxito das inovações em curso na assistência social, nos dois eixos mencionados aqui – experimentação nas estratégias e institucionalização da política pública –, a implementação de uma cultura, ou de sistemas ou, no mínimo, de iniciativas de Monitoramento e Avaliação (M e A) são apontadas, por diversas razões, como fundamentais. Entretanto, se existe um amplo consenso – geralmente real e, às vezes, retórico – sobre a importância ou sobre a necessidade de avaliação no campo da assistência, é preciso ter mais claro o que avaliar, para que avaliar e como utilizar os resultados das avaliações. Algumas razões para isto encontram-se nas próprias características de boa parte dos projetos e políticas na área da assistência social e do contexto institucional em que são implementados. Já tive oportunidade de discutir este tema em outro artigo, mas vale aqui sintetizar novamente o argumento. As políticas sociais em geral, e as de assistência social em particular, apresentam algumas características que têm conseqüências diretas tanto sobre sua gestão quanto sobre sua avaliabilidade. Sulbrandt (1994) aponta algumas dessas características constitutivas das políticas sociais e que as diferenciam de outras: a) os problemas sociais que se pretendem enfrentar com estas políticas são debilmente estruturados e não podem ser definidos de maneira rigorosa; b) As políticas e programas frequentemente perseguem objetivos múltiplos, às vezes inconsistentes, e suas metas são definidas de maneira ambígua, devido tanto a razões técnicas quanto a necessidades táticas para assegurar sua aprovação; c) As metas tendem a ser redefinidas, dentro de um certo leque, no decorrer da implementação. Uma das razões que explica estas modificações e mudanças de metas é o processo de aprendizagem social que experimenta uma organização no desenrolar do programa. (...); d) O caráter brando das tecnologias utilizadas na quase totalidade dos programas sociais significa que as supostas relações causais que vinculam os insumos e as atividades com os produtos, resultados e impactos não respondem a um conhecimento certo e válido, mas, no melhor dos casos, apenas constituem hipóteses a serem verificadas. Ainda quando implementado corretamente, o programa pode não conduzir ao estado final Doravante M e A.



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desejado ou buscado. E mais ainda, boa parte dos programas sociais tem bases teóricas frágeis, as quais frequentemente não são explicitadas nem nos próprios programas nem nas avaliações. (p. 382-383)

Além disto, a implementação de programas sociais está geralmente exposta à ação de uma série de fatores organizacionais que também têm influência decisiva sobre seus resultados. Em primeiro lugar, os programas sociais raramente ficam a cargo de uma só agência, mas dependem de uma pluralidade de organismos. Por outro lado, atuam em sua execução diversas instâncias decisórias nos diversos níveis das agências envolvidas, o que faz com que as decisões dependam de uma complexa rede de negociação permanente entre os diversos atores, gerando, freqüentemente, modificações no conteúdo e nos prazos dos programas. Há também condicionantes relacionados ao contexto institucional da implementação. Um deles, que tem sido extensamente analisado, nos últimos anos, é a fragmentação da burocracia pública. As disputas burocráticas, a busca de liderança institucional ou pessoal nos papéis-chave de execução ou a defesa de espaços de poder por parte de grupos ou instituições não são exclusividade dos programas e políticas sociais, mas contingências da ação em contextos de organizações complexas. Entretanto, no âmbito do Estado, prejudicam de forma mais acentuada a organicidade dos programas sociais, já que estes, como já se disse, dependem geralmente da ação concertada de diversos órgãos e instâncias decisórias. Ainda do ponto de vista do marco institucional e de gestão dos programas, deve-se levar em conta a discricionariedade de que tendem a gozar os gerentes e funcionários de ponta de linha. Ora, em um contexto em que as tecnologias e o conhecimento sobre os problemas e o objeto da ação são precários, o grau de incerteza sobre o resultado e a natureza das tarefas passa a ser muito alto. Esta situação tende a tornar necessária – ou inevitável – a outorga de graus mais altos de autonomia às gerências médias e funcionários e técnicos de ponta, o que faz com que a adesão e a qualificação dos recursos humanos sejam fatores críticos na execução dos programas sociais, pois sua ação pode modificar substancialmente a direção e o conteúdo de tais programas. Finalmente, há que considerar o déficit em termos de capacidade institucional e gerencial do arcabouço institucional encarregado das políticas sociais na maioria dos países latino-americanos – inclusive o Brasil –, que faz com

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que a implementação de programas se defronte com precariedade tanto de informações importantes sobre sua execução, que permitam seu acompanhamento, quanto de controles sobre a atuação dos diversos setores, instituições e pessoas envolvidos nas intervenções. A conjunção destes fatores tende a dificultar fortemente o gerenciamento dos programas e políticas e a identificação e correção de problemas em sua execução. Às características institucionais soma-se o contexto mais propriamente político em que se decidem e se implementam as políticas de assistência social. Esta política tem lugar geralmente em ambientes caracterizados pela turbulência e pluralidade de atores – instituições públicas, funcionários ou grupos de funcionários, segmentos das burocracias envolvidas, partidos, parlamentares e lideranças políticas, ONGs voltadas para defesa de direitos ou apoio a projetos sociais, associações e entidades assistenciais comunitárias e os usuários e beneficiários dos programas, para citar alguns. Cada um destes grupos ou atores tende a desenvolver estratégias para que seus interesses e valores sejam levados em consideração nas políticas e programas sociais, o que tende a gerar modificações nos programas, no público atendido, nas metas e na duração. Mesmo sendo adequada, de maneira geral, a caracterização que Sulbrandt (1994) faz das políticas sociais e do contexto institucional e político, a diversidade da área, dos problemas e das intervenções feitas vão se tornando mais evidentes e relevantes justamente à medida que estas vão se institucionalizando e se tornando mais qualificadas. O argumento aqui desenvolvido é o de um modelo contingente de organização e de gestão de políticas, programas e projetos sociais, considerando-se que diferentes modelos de intervenção social demandam estilos diferentes de avaliação. De fato, como afirma Nogueira (1998), a implementação de projetos e políticas sociais envolve a mobilização de recursos de poder, de conhecimento (marco analítico), recursos organizacionais e institucionais (marco organizacional), além de estratégias para manter ou ampliar a legitimidade da intervenção. O papel da gestão é justamente combinar e mediar estes diferentes recursos, para converter as intenções em produtos, supondo que estes gerarão efeitos e impactos esperados (modelo de gestão) Esses elementos definem quatro dimensões que compõem um projeto ou política. Um primeiro marco é o padrão normativo. Orientado pelos valores

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e prioridades sociais, ele tem a ver com os objetivos desejados pela sociedade em um determinado momento e com os meios que considera legítimos para alcançá-los. Todo programa ou projeto traz implícita ou explicitamente um padrão normativo com relação tanto a fins quanto a meios, que orienta a própria formulação do problema e de sua natureza e a seleção dos meios e estratégias para seu enfrentamento. Em segundo lugar, identifica-se o que se chama de marco analítico. É a dimensão mais técnica do programa ou projeto. Depende em grande medida do conhecimento existente sobre os problemas e sobre as alternativas de intervenção e é definido pelos modelos ou supostos causais que informam a política ou projeto. O marco analítico é, portanto, a dimensão da eficácia, em que o conhecimento (e as controvérsias em torno dele) estabelecido sobre o problema e sobre as alternativas de intervenção são os elementos críticos. Trata-se, enfim, de saber o que funciona e como. Isso quer dizer que os conteúdos das políticas e projetos são apoiados em larga medida nessas suposições de causa e efeito, no conhecimento acumulado e estabelecido sobre o problema, nas teorias em uso. Talvez esta seja uma das dimensões mais frágeis da maior parte dos projetos da assistência social, os quais, muitas vezes, se assentam em uma forte orientação normativa, mas padecem de um marco analítico que a operacionalize. A avaliação interage bastante com esta dimensão no que diz respeito à estratégia e sua eficácia, mas também, com outras dimensões, no que toca à eficiência e sustentabilidade, por exemplo. Uma terceira dimensão para se analisarem os projetos e políticas é o modelo de organização. Ele tem a ver com a maneira como se distribuem responsabilidades, com a capacidade e os mecanismos de decisão, com os mecanismos O que reforça a irredutibilidade da gestão pública a uma atividade estritamente técnica ou administrativa, em que a escolha dos fins seria objeto da política, e os meios da administração, da técnica. Ainda que fosse possível o consenso sobre os fins desejáveis, há sempre diferentes maneiras para alcançá-los, que significará alocação e distribuição diferenciada de custos e benefícios entre os atores e o provável dissenso em termos de valores sobre as estratégias. Ou seja, o componente político e de legitimidade é intrínseco a todo o ciclo da gestão pública e o atravessa em todas as dimensões.  Teoria aqui pode ser entendida tanto no sentido estrito do termo, como as reformas educacionais que se apóiam na chamada teoria do capital humano (uma corrente acadêmica em economia da educação), quanto em sentido mais amplo, como um conjunto de suposições, mais ou menos refletidas, mais ou menos informadas sobre as causas e as conseqüências dos problemas a serem enfrentados. 

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de coordenação das ações, com a definição de processos de trabalho e com a estrutura organizacional. É o que define as estruturas mais concentradas ou desconcentradas; a maior ou menor descentralização de decisões, recursos financeiros e institucionais; a estrutura de incentivos (salários, carreiras, prêmios) aos diferentes atores; os mecanismos de accountability horizontal e vertical, entre outros. Finalmente, Nogueira (1998) define o modelo de gestão. Este tem a ver com a administração de recursos, a formação e gestão das equipes de trabalho, a maior ou menor flexibilidade em relação às mudanças no contexto em que se opera, a maneira de se relacionar com o entorno, a maior ou menor disposição para a inovação, para a experimentação e para a participação, entre outros fatores. Em princípio, em um modelo racional de decisão, o padrão normativo e o marco analítico expressam o conteúdo do projeto ou política, e, a partir dele, seriam definidos os modelos de organização e de gestão. Decorre daí que, dependendo de seu conteúdo e do contexto em que se inserem, as políticas, programas e projetos sociais devem se organizar e ser implementados de maneira diversa. Não existe em abstrato o melhor modelo de organização e de gestão nem a melhor estratégia de implementação para todas as situações. Nogueira (1998) propõe uma tipologia de projetos que permite discutir de maneira mais informada e menos genérica a relação entre esses componentes. Conforme se tentará demonstrar aqui, a avaliação deve enfrentar desafios diferentes e servir a propósitos um tanto distintos, dependendo do tipo de intervenção a que serve. Nogueira estabelece dois critérios de classificação para projetos e políticas sociais: a “programabilidade” das tarefas e a interação com os usuários. A “programabilidade” das tarefas de um projeto tem a ver com previsibilidade e incerteza, ou seja, a necessidade de variação ou adaptação em sua execução, diferindo no grau em que são passíveis de “rotinização” ou formalização. Depende, em grande medida, do tipo de tecnologia sobre a qual comentava Sulbrandt (1994), isto é, do grau de incerteza da tecnologia para alcançar os resultados buscados, da possibilidade de medir estes últimos e também do tipo de participação do destinatário na prestação ou no serviço. Responde, Como já demonstraram inúmeros trabalhos, a começar de Simon (1957) e Lindblom (1957), este é um modelo de decisão muito mais normativo do que descritivo.



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portanto, à disponibilidade maior ou menor de um tipo de conhecimento explicitado, sancionado institucionalmente ou profissionalmente, que forneça ao operador de linha critérios para resolver as diversas situações por ele enfrentadas durante a execução da tarefa. Já a interação com o usuário refere-se à relação entre o operador e o destinatário e à posição que o primeiro ocupa dentro da organização, estrutura ou unidade que executa o projeto. É definido também pela quantidade de dimensões da vida dos beneficiários que o projeto ou política busca modificar – ou de cuja modificação depende – e da intensidade dessas mudanças. A partir da combinação desses critérios, tem-se uma tipologia de projetos que pode ser resumida no quad. 1, a seguir: Quadro 1 Tipologia de Projetos Alta “programabilidade”

Baixa “programabilidade”

Interação mais fraca com usuários

Programas restritos de transferência de renda, alimentos ou bens

Programas de ajuda emergencial

Interação intensa com usuários

Atenção Básica de Saúde

Atendimento a populações de risco, (meninos de rua, moradores de rua, drogaditos), desenvolvimento comunitário, economia solidária

Elaboração do autor, a partir de Nogueira (1998).

Os programas mais inovadores e os que, de fato, vêm se institucionalizando no campo da assistência social e no próprio SUAS concentram-se entre os que combinam “programabilidade” mais alta e interação mais fraca e entre os que combinam baixa “programabilidade” e interação intensa com os usuários. O primeiro caso, alta “programabilidade” e baixa interação com os usuários, é a situação comparativamente mais simples. Geralmente se define por entregar benefícios tangíveis e padronizados (benefícios monetários, crédito, cestas 

É bom lembrar que simples é bem diferente de fácil.

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básicas, material didático ou cursos bastante padronizados), nas versões mais básicas. Isto porque, do ponto de vista da estratégia, é possível considerar seu público como mais homogêneo. Ou seja, do ponto de vista do programa, o público pode ser definido a partir de uma necessidade insatisfeita ou do compartilhamento de uma mesma faixa de renda etc. Definido esse conjunto limitado de características, outras especificidades de cada beneficiário são pouco relevantes para o projeto.10 Do ponto de vista da formulação e da implementação, o tratamento, as condições de atendimento e os critérios de elegibilidade podem ser estabelecidos ex-ante. Esse conjunto de condições permite que boa parte da gestão seja centralizada e operada por meio do modelo organizacional burocrático mais tradicional, conferindo graus menores de discricionariedade aos operadores e gestores de linha da estrutura de implementação. O caso mais visível e óbvio deste tipo de projeto na assistência social é o Bolsa Família. Há um esforço crescente de articulação deste programa com outras políticas e setores, mas trata-se justamente disto: articular e coordenar, mas não endogeneizar outras dimensões ou outros modelos de ação à estratégia mais estrita do PBF. E isto faz parte de seus méritos, não de seus defeitos. De outro lado estão os projetos que combinam baixa “programabilidade” e intensa interação com os usuários. Estes, por operarem normalmente em contextos técnicos pouco consolidados e por objetivarem e exigirem mudanças em várias dimensões da vida dos beneficiários (inclusive, muitas vezes, de valores, atitudes e comportamentos), têm que ser desenhados segundo as necessidades específicas do receptor. Por isso apresentam (ou deveriam apresentar) graus mais baixos de formalização e “rotinização”. Ao contrário do caso anterior, os destinatários e os serviços têm que ser personalizados, ou seja, o projeto ou a política tem que levar em conta as especificidades do público-alvo, para definir a natureza e a quantidade do benefício, que varia conforme o receptor e é distribuído de forma seletiva. O resultado é que neste tipo de intervenção o operador de “linha”11 dispõe de um grau de autonomia e discricionariedade bastante significativo, já que está sempre lidando com situações não antecipadas e tem que tomar decisões críticas no nível operacional todo o tempo. Daí a necessidade e esforço de muitos projetos deste tipo em se articularem com outros projetos ou iniciativas mais flexíveis e específicas dirigidas justamente às características mais heterogêneas do público. 11 Street Level Bureaucracy, nos termos de Lipsky (1980). 10

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Do ponto de vista do marco organizacional e do modelo de gestão, os projetos e políticas com baixa “programabilidade” e interação mais intensa com os usuários tendem a ser mais bem sucedidos quando implementados de maneira mais descentralizada e/ou desconcentrada e em estruturas mais horizontais e divisão menos nítida de papéis. Neste tipo de intervenção, podem-se incluir várias das iniciativas com que a assistência social vem lidando: trabalho com meninos com trajetória de vida nas ruas e população de rua, propostas de atendimento integral às famílias, empreendimentos populares de economia solidária, combate à exploração sexual infantil e atendimento a suas vítimas, entre outros. A estruturação de diferentes modelos de intervenção no campo da assistência implica diferentes estratégias de implementação que exigirão diferentes modelos e estilos de avaliação. A consolidação dos estudos sobre implementação de políticas públicas foi polarizada em torno de duas abordagens sobre o tema, a um só tempo analíticas e normativas.12 Berman (1980) classifica esses modelos em implementação adaptativa e implementação programada. A implementação programada parte de um diagnóstico sobre o que ficou conhecido como o gap de implementação, que atribui os problemas de implementação a três ordens de fatores. O primeiro tem a ver com a ambigüidade dos objetivos e metas, que faria com que, ao longo do sistema de implementação, diferentes atores, organizações, níveis de governo ou níveis hierárquicos interpretassem os objetivos segundo seus próprios pontos de vista ou interesse, gerando incoerência ou dispersão de recursos ou iniciativas. Em segundo lugar, a pluralidade de atores com competências e autoridades sobrepostas tenderia a agravar o problema anterior e fazer com que a implementação dependesse de um conjunto de “sinais verdes” e que estivesse sujeita a vários veto players, contribuindo para o afastamento da política de seus objetivos e estratégia iniciais. Finalmente, em parte como decorrência dos fatores anteriores e dos problemas de assimetria informacional, haveria discricionariedade excessiva dos implementadores de “linha”, que muitas vezes estariam refazendo a política que se

Berman tem consciência e adverte para a simplificação desta classificação, que deve ser vista mais como tipos ideais do que como descrições realistas dos processos de implementação ou da posição dos analistas.

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suporia que estivessem implementando, ou seja, a política teria sua viabilidade ou implementação dependente da maior ou menor resistência, falta de efetividade ou ineficiência dos operadores. Como se vê, esta abordagem parte de uma visão mais otimista sobre as possibilidades do planejamento, ou seja, da suposição de que é possível conhecer e, em certa medida, controlar ex-ante os fatores críticos para o sucesso ou fracasso de uma política ou projeto. Isto permite que haja uma separação mais forte entre as etapas de planejamento e execução e entre os responsáveis por cada uma delas. Neste caso, a etapa chave é a formulação da política, e o problema de implementação é basicamente o problema de garantir que a política ou projeto seja implementado conforme previsto. Deste ponto de vista, as recomendações para superar o gap de implementação seriam justamente as que enfatizam o aumento de controle: primeiro, recomenda-se a especificação mais estrita de objetivos ex-ante – hierarquia de meios e fins dentro das agências e entre níveis de governo (gestão por objetivos, marco lógico etc.) –, por negociação ou decisão superior. Em segundo lugar, deve-se enfrentar o sistema de implementação: simplificar ao máximo a implementação, pela restrição do número de atores, de organizações e de níveis hierárquicos com autoridade e especificar linhas claras de autoridade (a autoridade deve ser conectada com responsabilidade). Finalmente, em qualquer caso, deve-se enfrentar a discricionariedade dos atores de “linha”, por vários meios: pela formulação de novos e explícitos procedimentos operacionais padrão e rotinas; pelo aumento do controle para garantir que eles possam ser responsabilizados pelos novos procedimentos (inclusive com sanções previstas), pela mudança na alocação de incentivos, principalmente os seletivos (salários, bônus, prestígio etc.).13 De outro lado, o modelo de implementação adaptativa é quase simétrico ao descrito acima. Este modelo parte de uma visão mais pessimista sobre as possibilidades do planejamento, portanto, não se espera que a política seja implementada conforme previsto, mas que ela se adapte, isto é, que a implementação gere aprendizagem. Assim, ao contrário de uma separação clara entre decisão e execução ou entre planejamento e implementação, a política tende a se constituir de uma rede de decisões e execução em que, em grande medida, Não se ignora a possibilidade de situações não previstas, mas a recomendação é de planos de contingência e procedimentos padronizados para isto, além de “melhores práticas”; “passo a passo” etc.

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a implementação conclui a formulação. Esta abordagem procura também incorporar, e não evitar, o caráter eminentemente político e não administrativo da implementação. A partir desse enquadramento, pode-se compreender também o diagnóstico que esta abordagem elabora sobre o gap de implementação e as recomendações deles decorrentes. De acordo com esse modelo, os problemas de implementação decorrem de três fatores principais. O primeiro deles é a tendência à sobreespecificação de objetivos e metas, que impediria a adaptação da política às diferentes circunstâncias e especificidades e também a negociação e o acordo entre os diferentes atores para viabilizar a política. Em segundo lugar, a incapacidade ou falta de disposição dos decisores e formuladores para incorporar os diferentes atores comprometeria a legitimidade da política, geraria resistências e levaria a decisões menos informadas, piorando a implementação. Finalmente, ao contrário do modelo anterior, a pouca autonomia dos implementadores “de linha” e o excessivo controle sobre eles seria um equívoco. Dado que constantemente os implementadores se defrontariam com situações não previstas na formulação, ou eles seguiriam os procedimentos padrão recomendados e reduziriam consistência entre a situação e a intervenção ou não obedeceriam aos procedimentos (omitindo as informações para evitar sanções) ou apenas o fariam em termos formais, reduzindo a informação e a capacidade de correção da política. As recomendações que se depreendem das análises são também quase simétricas à que a abordagem da implementação programada faz. Em primeiro lugar, a formulação deveria incluir apenas acordo e compartilhamento de orientações gerais sobre os objetivos ou apenas sobre os meios; ou seja, estabelecer as regras gerais do jogo e permitir aos diferentes atores negociarem e, aos implementadores, fazerem ajustes ao longo da implementação, dentro de certos limites. Em segundo lugar, incorporar os diferentes atores ao processo decisório: isto aportaria mais informação às decisões e mais legitimidade e motivação ao processo de implementação. Por fim, assumir como inevitável, potencializar e aproveitar a autonomia dos implementadores: o controle excessivo levaria a comportamentos ritualísticos e impediria a inovação e o aprendizado. Portanto, a orientação é que a implementação deve produzir adaptação e aprendizagem. A referência central da implementação, portanto, não seria o plano, mas os resultados a serem obtidos. É uma abordagem mais custosa em termos de tempo, mais intensiva em gerenciamento e negociação e que requer, para ser efetiva, investimento em qualificação dos

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implementadores e em construção de consensos e orientações compartilhadas entre os diferentes atores. Estes dois modelos de implementação foram vistos inicialmente – e, em certa medida, ainda o são – como modelos gerais, independentemente do conteúdo e do contexto em que as políticas se implementam. Entretanto, um tipo de esforço, sumarizado por Berman (1980), foi o de tentar elaborar um modelo contingente de implementação de políticas, ou seja, dadas determinadas características, uma ênfase em uma ou outra estratégia seria mais pertinente. Berman propõe como regra geral que quanto mais estruturada uma situação, mais provável é que uma estratégia mais programada de implementação possa ser bem-sucedida; ao contrário, quanto menos estruturada a situação mais características do modelo adaptativo a implementação deverá incluir. Para operacionalizar esta proposição geral, Berman propõe cinco parâmetros, apresentados a seguir: Modelo contingente de implementação Característica

Situação estruturada

Situação pouco estruturada

Escopo da mudança Grau de conflito sobre metas e meios Grau de certeza da tecnologia Arranjo institucional Característica do ambiente

Restrito Baixo Alto articulado estável

intenso alto baixo frouxamente articulado turbulento

Fonte: Berman (1980). tradução e adaptação do autor.

Tem-se então um marco analítico – mas também normativo – de implementação, que combina parâmetros relativos ao conteúdo da política e à sua organização, ao contexto político em que opera ou que produz e ao ambiente em que se insere. Note-se que a maior parte dos casos empíricos não permitiria um alinhamento completo em uma ou outra coluna, pois se trata aqui de ênfases e tipos ideais, em relação aos quais os casos empíricos apresentarão diferentes graus de aproximação. Assim, é esboçada uma abordagem contingente sobre o desenho de políticas e programas (principalmente no que se refere aos modelos de organização e

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gestão) e também sobre a estratégia de implementação. Nesta altura, parece bem claro que o argumento de Nogueira sobre o desenho e gestão de projetos e políticas e o de Berman sobre as estratégias de implementação tendem a ser consistentes. Tendencialmente, pode-se esperar que projetos com alta “programabilidade” e baixa interação com os usuários estejam mais próximos de uma implementação mais programada e, de outro lado, projetos com baixa “programabilidade” e interação intensa com os usuários estejam mais próximos de uma situação pouco estruturada e, portanto, de uma estratégia mais adaptativa de implementação. à medida que a assistência social se institucionaliza no campo das políticas sociais, vai-se tornando mais clara a heterogeneidade como traço que distingue as iniciativas, políticas e projetos na área. Fica claro que esta heterogeneidade representa um desafio para a coordenação das diferentes intervenções e operacionalização de diretrizes como abordagem integral, matricialidade ou intersetorialidade das políticas e projetos. Do ponto de vista do arranjo institucional, das relações federativas e da gestão, para não dizer da tecnologia, a tendência é a de critérios distintos de organização e gestão, ritmos diferentes de implementação e também padrões diversos de interação com os usuários. Isso faz com que a integração e articulação entre diferentes modelos sejam bem mais difíceis do que em outras áreas. Esta heterogeneidade tem também implicações para a abordagem do tema da avaliação nas políticas de assistência social. Diferentes tipos de programa ou de política e diferentes estratégias de implementação demandam estilos e ênfases distintas da avaliação. Este trabalho procura avaliar justamente o perfil necessário e o papel da avaliação neste tipo de projetos ou políticas, bem como explorar os determinantes institucionais das interações entre avaliação, decisão e gestão. De maneira geral, a mudança (efeitos ou impactos) realizada pela política ou projeto decorre não apenas das ações previstas, mas da interação destas com a dinâmica dos contextos diversos em que estas ações se dão, nos vários níveis de implementação. Isto tem implicação importante para a avaliação das políticas sociais. A avaliação de impacto é, claro, sempre feita sobre a expectativa e a medida da mudança provocada por um projeto, programa ou política. Os modelos tradicionais de planejamento e de avaliação de políticas sociais partiam de uma concepção basicamente linear de mudanças, supondo que

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determinada quantidade de determinado insumo A provocará o resultado B e o efeito ou impacto C (ROCHE, 2000). Esta abordagem permanece tão mais válida quanto mais a política ou projeto a serem avaliados se aproximarem da combinação entre alta “programabilidade” e interação moderada com os beneficiários com uma estratégia mais programada de implementação. Nestes casos, parte-se de conhecimento mais consolidado e hipóteses causais mais sólidas. É o caso de programas estruturados como o Bolsa Família,14 em que o modelo tradicional de avaliação de resultados e impactos é adotado e válido. Quando se lida com este tipo de programa e de estratégia de implementação, a avaliação é centrada na seleção dos beneficiários (focalização) e nos resultados e impactos, e em grande medida, serve aos objetivos de accountability e controle. Entretanto, quando uma política se aproxima do modelo de baixa “programabilidade” e interação mais intensa com os beneficiários e de implementação adaptativa, cada vez mais se reconhece certo irrealismo ou otimismo exagerado da avaliação tradicional em relação à governabilidade das agências públicas sobre os principais fatores que afetam a situação objetivo. De fato, quando se lida com projetos deste tipo, cada vez mais se admitem modelos não lineares de mudança, que reconhecem não só que A e B podem influenciar um ao outro, mas também que essa interação pode resultar no mesmo insumo que produz divergentes e possivelmente inesperados resultados com o decorrer do tempo ou em diferentes locais. (ROCHE, 2000, p. 41)

Ou seja, os mesmos insumos podem levar a resultados distintos no futuro, dentro de determinados parâmetros. A cadeia de impacto destas políticas na assistência social (insumos - atividades – produtos – efeitos – impactos) apresenta, portanto, esta característica: quanto mais se avança na cadeia (na “direção” insumos – impactos) maior o grau de influência do contexto da implementação sobre as mudanças provocadas. E quanto mais longa, complexa e demorada for essa cadeia, quanto mais atores e organizações e níveis envolvidos, maior a influência do contexto e menor a previsibilidade das mudanças que podem ser provocadas pelas ações Ver, por exemplo, Soares (2006); Veras et al. (2006); Neri, 2007; Paes-Sousa; Vaitsman (2007).

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das políticas desenvolvidas. Isto implica um problema generalizado na avaliação de políticas sociais, que é o problema de atribuição. Como saber se e quanto das mudanças observadas na situação objetivo pode ser atribuído às ações do projeto ou da política? Dada a complexidade das cadeias de impacto, o caráter altamente contextual de sua operação e o tempo normalmente longo de implementação e consolidação de mudanças e de produção de impactos significativos, é geralmente difícil produzir uma estimativa direta a respeito do tipo e quantidade de impactos gerados pelo aumento, diminuição ou variações no perfil, distribuição ou combinação dos insumos. Não é por acaso que as análises de custo-efetividade deste tipo de políticas e programas sociais estão longe de produzir resultados concludentes e generalizáveis. Neste contexto, a avaliação deve cumprir papéis variados. De forma geral, pode-se dizer que, nos projetos com baixa “programabilidade” e interação intensa com os usuários e nos casos de implementação adaptativa, a avaliação deve gerar mais aprendizagem do que accountability. Esta orientação geral pode ser desdobrada de várias maneiras. Em primeiro lugar, há um problema de conhecimento para o qual a avaliação deve contribuir. Como se afirmou anteriormente, conhece-se muito pouco ainda sobre os problemas no âmbito da assistência e sobre os recursos sociais disponíveis. Além disto, as políticas e projetos lidam com problemas muito complexos, muitas vezes muito específicos e ainda não suficientemente estudados em termos das trajetórias causais que os produzem e dos determinantes de sua manutenção ou agravamento etc. A complexidade dos problemas enfrentados no campo da assistência tem levado a um processo de experimentação intenso. Entretanto, os avanços e os êxitos – bem como os fracassos – têm servido menos do que poderiam para promover um aprendizado social e institucional mais sistemático sobre a natureza dos problemas e sobre as alternativas de encaminhamento. Não se sabe muito bem quais resultados os programas sociais efetivamente alcançam, quais os custos das diferentes alternativas, quais fatores concorrem para o sucesso ou fracasso dos programas, como os diversos atores envolvidos tendem a se comportar etc. Ora, isto quer dizer que a avaliação no campo da assistência deve servir também para produzir conhecimento e aprendizado sobre os problemas e sobre as estratégias de intervenção. Para que isso seja possível, a avaliação tem que responder não apenas a perguntas do tipo se (funcionou ou não) e quanto

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(o quanto o programa ou política modificou as condições de vida de uma determinada população). A avaliação deve também fazer perguntas do tipo como e por quê. Ou seja, quais os processos sociais e institucionais que levaram à produção de determinados resultados ou à sua ausência? Como a interação dos insumos e processos com os contextos específicos e com o comportamento dos diferentes atores condiciona a viabilidade, o acesso, a eficácia, eficiência etc. das iniciativas. Isto significa que, quando se está lidando com situações menos estruturadas e com campos em que há pouco conhecimento consolidado, a avaliação de processos e estratégias, e não apenas de resultados, é fundamental para promover e disseminar a aprendizagem social. Em segundo lugar, o M e A tem uma função particularmente importante para a implementação e gestão de políticas de assistência social. De fato, as características dos projetos e políticas com baixa “programabilidade” e interação mais intensa com os beneficiários, bem como a busca de práticas inovadoras, demandam maiores flexibilidade e adaptabilidade dos programas, característicos do modelo adaptativo de implementação. Isto requer uma maior e mais intensa interação entre as diversas etapas do projeto: desde a definição dos problemas e atores – decisores, implementadores, beneficiários implicados – e seleção de alternativas até as fases relativas à implementação e geração de produtos e resultados, pois as etapas do ciclo de implementação não são necessariamente seqüenciais, mas cíclicas, conforme se argumentou. Certos entraves na implementação freqüentemente levam a redefinições dos problemas; a maior imprevisibilidade da relação entre produtos e resultados na área social pode levar a alterações na relação entre custos e resultados, obrigando a readequações nas metas ou mesmo na seleção de alternativas ou parceiros, por exemplo. Deste ponto de vista, em projetos deste tipo, o M e A é um instrumento que pode mediar as relações entre planejamento e implementação e promover a adaptabilidade dos programas e projetos, no sentido de torná-los mais capazes de alterar a realidade, e não no sentido oposto em que muitas vezes os programas sociais se adaptam, que é aquele em que os programas são “domesticados” pela realidade que deveriam alterar.15 Porém, dadas essas características e o esforço de promover a participação efetiva na formulação e gestão, há ainda certos elementos aos quais se deve Este risco é já apontado por Selznick (1949) em seu trabalho clássico sobre a TVA (Tenessee Valley Authority). A respeito, ver Perrow (1986).

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estar atento ao estruturar um sistema de M e A. A questão aqui é: para quem se orienta o M e A? Tradicionalmente, os sistemas de M e A “miram” o topo das organizações, ou seja, produzem as informações de que se julga que o ministro, o secretário ou o coordenador geral do programa necessitam. Na perspectiva que se defende aqui, a avaliação deve se orientar para servir aos diferentes atores – governamentais ou não – de cuja decisão depende o êxito do programa ou política. Isto implica repensar quais informações produzir, o nível de agregação delas e a maneira pela qual são comunicadas aos diferentes atores. Implica também qualificar os possíveis usuários para que possam interpretar e utilizar a informação disponível. A recorrente má vontade de muitos envolvidos em colaborar com o M e A e fornecer informações de qualidade sobre os projetos decorre em parte da percepção – muitas vezes real – de que não só aquela não é uma tarefa que seja aliada da gestão, não só de que se perde tempo que poderia ser utilizado de maneira mais produtiva, mas também de que aquele é um meio de controlar (no mau sentido) e punir os implementadores dos projetos e programas. Portanto, estruturar um sistema de M e A que atenda aos diferentes níveis de gestão e aos diferentes atores não apenas o torna mais eficaz, mas pode também melhorar sua confiabilidade. Este ponto é particularmente importante quando se trata do esforço de coordenar federativamente as ações na Assistência Social. A interação entre União, estados e municípios tende a ser estrategicamente orientada e a gerar processos de barganha federativa (ARRETCHE, 2000), nos quais a informação é um recurso central. A confiabilidade e qualidade da informação a ser disponibilizada pelos diferentes entes federativos tende a depender de e a levar em conta a sua legitimidade para os atores, bem como sua utilidade para a gestão nos diferentes níveis (e não apenas no nível federal) e seu uso nos processos de pactuação intergovernamental. Em terceiro lugar – e isto é algo que a área vem aprendendo lentamente e que as avaliações do Bolsa Família vêm ensinando16 – a avaliação, principalmente a de resultados, quando possível, pode servir também ao fortalecimento político da área e à busca de legitimação. Um dos fatores que desfavorece as Ver, por exemplo, nota 15. A este respeito, vale comentar que, em um contexto político tenso, os resultados das avaliações – e seu uso – e o apoio de instituições como o BID ou Banco Mundial serviram não apenas para aportar um pouco mais de racionalidade ao debate, mas também como recurso político de legitimação política do Programa, após um período marcado pela desqualificação da iniciativa por atores políticos, setores médios da sociedade e parte da imprensa.

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políticas sociais frente ao núcleo central dos governos é a falta de informações mais precisas sobre produtos, resultados e custos das políticas e programas. Outras áreas, como as de infra-estrutura, financeira e monetária ou mesmo a industrial levam larga vantagem sobre a área social nisto, o que lhes dá muito mais argumentos no momento de disputar recursos, além de contar também com aliados poderosos fora do governo, é claro. Enquanto isto, geralmente só resta aos defensores de projetos da assistência social lançar mão de argumentos mais exortativos, tentando mais sensibilizar do que convencer a opinião pública e o próprio governo. Além disto, informações mais sistemáticas sobre custos e resultados dos programas sociais tendem a ser altamente vantajosas para as políticas sociais e particularmente para o campo da assistência (como as pesquisas mais recentes sobre, por exemplo, o Bolsa Família mostram).17 O último aspecto a ser mencionado refere-se não às dimensões e às dificuldades propriamente técnicas da avaliação, mas à sua relevância. Quando se discute avaliação, principalmente no campo das políticas sociais, o debate e os esforços voltam-se muito freqüentemente para a produção de informação de boa qualidade sobre as políticas e programas e sobre seus resultados. Entretanto, particularmente quando se lida com projetos de baixa “programabilidade” e com estratégias mais adaptativas de implementação, outros elementos devem ser levados em conta. Primeiro, a informação é central para a avaliação, mas é bom lembrar que a informação não é a avaliação. A avaliação, como o nome indica, envolve conferir valor, ou seja, a avaliação são os juízos informados que se fazem sobre um programa ou política, seus méritos, seus problemas, seus custos etc. Portanto, envolve informação, mas envolve, principalmente, reflexão e debate sobre prioridades, dificuldades e estratégias. Deste ponto de vista, a avaliação não pode ser terceirizada. Muitas vezes, é necessário e/ou recomendável a contratação de assessoria ou consultoria para contribuir com os processos de avaliação. Mas o relatório final da consultoria não é o fim da avaliação; é o começo. Se os atores (governamentais ou não) envolvidos no programa não acordarem, no mínimo, acerca do que é relevante ser avaliado (ou seja, quais 17

No caso de programas e políticas que se desenvolvem em contextos técnicos de conhecimento menos consolidado, este ponto é mais obscuro, pois normalmente a ênfase da gestão tende a se concentrar inicialmente sobre a eficácia e, somente depois, sobre a eficiência. Talvez isto explique a pouca institucionalização e a postura às vezes defensiva dos gestores em relação à avaliação nestas áreas.

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são as perguntas importantes para a avaliação) em cada programa e não se apropriarem dos resultados da avaliação de tal maneira que esta possa estruturar o debate entre estes atores e o planejamento sobre diferentes estratégias para melhorar os projetos, o valor público agregado será pífio. Pode-se chegar a um excelente documento técnico ou a alguns bons artigos acadêmicos, eventualmente um instrumento útil para disputa ou propaganda na arena pública, mas irrelevantes para a gestão e para a própria política ou projeto. O elemento determinante da qualidade de um processo de avaliação não é sua solidez técnica (que é indispensável), mas sua utilidade para o processo de planejamento e de gestão. Isto leva à discussão da relação entre avaliação e decisão. Apesar do consenso sobre a importância da avaliação, de fato avaliam-se ainda muito pouco as políticas e programas de assistência social, e, principalmente, há muitas dúvidas sobre se realmente os resultados das avaliações feitas são utilizados da maneira mais produtiva. Mokate (2003), entre outros autores, aponta alguns fatores que contribuem para esta situação. A autora argumenta que, na América Latina, existem poucos incentivos à avaliação, pois o estilo de gestão predominante nas políticas sociais é pouco orientado para os resultados. Por um lado, conforme se afirmou, os objetivos geralmente são formulados de maneira excessivamente genérica e ambiciosa para serem operacionais, ou seja, para orientarem a ação e a avaliação. Por outro lado, os gestores e as instituições públicas são muito mais cobrados e avaliados pelos recursos disponibilizados e pela realização de atividades em relação aos planos de trabalho do que pelos resultados, iniciativas e inovações efetivamente obtidos. Deste ponto de vista, o monitoramento é mais que suficiente, e a avaliação torna-se supérflua. Portanto, para que a avaliação seja possível e relevante, é preciso modificar a maneira pela qual os projetos são formulados. É preciso formular objetivos operacionais (verificáveis) e realistas e explicitar a “teoria” dos projetos. O termo teoria é utilizado aqui num sentido muito amplo, referindo-se aos supostos causais que informam qualquer intervenção pública: por quê e como se supõe que os insumos, atividades, produtos propostos produzirão os resultados esperados? Toda avaliação, em certa medida, testa hipóteses críticas para a intervenção e sobre as quais ainda haja dúvidas, pois só assim ela produz conhecimento. Para que ela seja possível e relevante, as hipóteses têm que estar claras. Se não, mesmo que se produzam informações sobre o programa ou mesmo sobre seus resultados, como interpretá-las?

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Acrescente-se ainda que, muitas vezes, a maneira pela qual os processos decisórios se realizam nos diferentes níveis de implementação de projetos de assistência social os torna avessos à incorporação da avaliação. Desde os trabalhos de Simon (1957) e Lindblom (1959), o caráter limitado da racionalidade nos processos de tomada de decisão vem sendo ressaltado. Além disto, como o modelo garbage can de tomada de decisão ressalta, boa parte das decisões se tomam sem que se perceba, de maneira fragmentada ou reativa. Só depois é que se percebe que algo parecido com uma opção se realizou (MENY; THOENIG, 1992). Assim, no campo da assistência social, quando se lida com situações menos estruturadas e implementação mais adaptativa, os processos de decisão tendem a ser freqüentemente informais e pouco estruturados. Muitas vezes os implementadores percebem cada decisão como uma decisão pontual e destinada a resolver um problema também localizado. Não concebem cada decisão como relevante para o alcance ou não dos objetivos, mas como uma resposta atomizada a um problema específico. Ou seja, processos decisórios pouco estruturados levam a decisões pouco estratégicas, fragmentadas e reativas. Portanto, para que a avaliação seja incorporada ao processo de gestão, a maneira como se tomam decisões no cotidiano das políticas de assistência social tem que se tornar mais estruturada, criando-se espaços e momentos institucionalizados de reflexão sobre os resultados das avaliações e adotando-se um planejamento estratégico das ações nos diferentes níveis de implementação. Finalmente, Mokate aponta a necessidade de se criarem condições institucionais que induzam tanto a que a gestão se oriente para os resultados quanto para que se promovam e se utilizem as avaliações. Conforme já se mencionou, o sistema de M e A deve estar orientado aos diferentes atores envolvidos, e não apenas ao topo das organizações, para que cumpra sua função de estruturar o debate e a participação dos diferentes atores. Assim, poderá ser visto pelos que devem fornecer as informações como um aliado da gestão, e não como um aborrecimento a mais ou mesmo como uma ameaça. Por outro lado, a avaliação só se torna relevante em um contexto institucional em que exista alguma tolerância ao erro e à experimentação e alguma autonomia por parte dos implementadores para promover ajustes. Se a avaliação é também um instrumento de responsabilização, ela deve ser mais um instrumento de aprendizagem e menos de punição.

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Considerações finais Há desafios difíceis para esse tipo de empreitada. Há que haver incentivos organizacionais – financeiros ou outros – para a busca de resultados e para a utilização da avaliação, estabelecendo orientações para o desempenho e maneiras de reconhecer seus resultados. Como fazer isto num campo em que se lida, conforme se discutiu acima, com problemas complexos e dimensões pouco tangíveis de resultados, é ainda um grande desafio. Um dos riscos aqui é um lugar comum na gestão pública: os gestores deixam de buscar melhorar os programas e projetos e passam a buscar melhorar apenas os indicadores. E, muitas vezes, a escolha dos indicadores se dá a partir do que é mais mensurável e verificável, e não necessariamente do que é mais importante no programa. Outro risco está associado aos processos de decisão orientados para metas e resultados delimitados de maneira muito específica: a avaliação da eficiência social de diferentes políticas ou alternativas de intervenção deve levar em conta não apenas seus efeitos diretos sobre a variável problema, mas também considerar que boa parte das intervenções produz significativas externalidades positivas ou negativas, que podem alterar ou inverter o resultado agregado de uma política sobre a sociedade ou sobre determinados grupos, bem como o conjunto de seus custos (custos ambientais ou dumping social, por exemplo). Entretanto, apesar desses riscos, a busca da melhoria na gestão de programas sociais não pode deixar de considerar que, se os resultados são importantes, esta importância tem que, de alguma maneira, estar refletida na organização e nos incentivos que apresenta. Sem isto, a tendência é que a gestão continue orientada pelo cumprimento das atividades, o que dispensa a avaliação. Finalmente, há que criar mecanismos institucionais que vinculem os processos decisórios e de planejamento à avaliação. Mokate aponta várias maneiras pelas quais se pode iniciar esta vinculação. Podem-se estabelecer valores de referência ou de metas para as diferentes unidades; podem-se criar pontos específicos de decisão. Eis alguns exemplos: o orçamento do ano seguinte para um determinado programa só pode ser decidido após a avaliação do ano anterior e o acerto de iniciativas de ajuste ou melhorias; as escolas que apresentem os piores resultados em relação a um conjunto de dimensões deverão, com assessoria adequada, apresentar um diagnóstico e um plano de melhorias para

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o próximo período. Isto contribuiria para tornar as avaliações mais relevantes e os processos de decisão e planejamento menos fragmentados e reativos e mais estratégicos. Como se vê, os desafios colocados para a assistência social são vastos. A avaliação é um deles e os custos e dificuldades para sua viabilização não são poucos. Só vale a pena arcar com estes custos se os sistemas de M e A contribuírem para a busca de inovação, institucionalização e controle público no campo da assistência social.

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Parte II AVALIAÇÃO de POLÍTICAS SOCIAIS

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Desigualdades em saúde no Brasil: análise do acesso aos serviços de saúde por estratos ocupacionais* Murilo Fahel

A criação do Sistema Único de Saúde (SUS) a partir da Constituição de 1988 consolidou o processo de reforma sanitária em curso no país. Atualmente o SUS protagoniza uma política pública de saúde pactuada entre as três esferas de governo e conta com uma parceria público-privado, com o claro objetivo de promover a universalização da assistência à saúde da população brasileira. Essa política estabeleceu um novo marco regulatório na área de saúde, ao substituir a garantia de assistência à saúde condicionada a contribuição para a previdência social pelo direito universal de acesso à saúde para todo cidadão, sem qualquer condicionalidade. Desde sua implementação, observam-se avanços significativos no acesso aos serviços de saúde, mas, ainda, há um longo caminho a ser percorrido para dotar o sistema de condições aceitáveis de acessibilidade, mesmo considerando as inovações e as reconfigurações dos modelos assistenciais.

* Pesquisa multicêntrica apoiada pela Fapemig através do Programa PPSUS, contando com a colaboração dos Bolsistas Carolina Portugal (Cedeplar) e Eduardo Caldeira (Fafich) da UFMG.

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Uma crítica constante ao processo de universalização do acesso aos serviços de saúde diz respeito ao fenômeno da universalização excludente. Um dos fatores explicativos desse fenômeno pode estar relacionado à qualidade dos serviços prestados pelo SUS, que acaba forçando os estratos sociais com melhor nível socioeconômico a recorrer aos serviços ofertados pelo setor privado. Como mecanismo maximizador das contradições do SUS, observa-se que o setor privado, em parte, é financiado por recursos públicos, através de subsídio governamental a empresas (renúncia fiscal) para oferta de planos de saúde aos seus empregados. Além disso, alguns setores privilegiados dos servidores públicos dispõem de cobertura de planos de saúde públicos e, até mesmo, de rede ambulatorial e hospitalar própria para assistência à saúde. Assim, as políticas regressivas do Estado acabam por criar situações de privilégios de acesso aos serviços de saúde para determinados estratos ocupacionais, colocando em cheque o princípio da universalização do acesso. Dessa maneira, parece que, mesmo com a universalização da atenção à saúde no País, não foi interrompido o ciclo histórico de segmentação do acesso aos serviços de saúde, mantendo-se, ainda, privilégios para os estratos sociais de níveis socioeconômicos mais altos. Em parte, devido às próprias políticas de proteção do Estado brasileiro e a iniciativas do setor privado, que vem contribuindo de maneira significativa para a cristalização dessa segmentação, mantendo a perspectiva histórica no Brasil de políticas de saúde de natureza corporativista-conservadora (ver DRAIBE, 1990). Nesse cenário, propõe-se desenvolver uma análise do acesso aos serviços de saúde, visando identificar uma possível estratificação social dessa acessibilidade e suas conseqüências, num contexto de universalização excludente provocada pelo SUS. Mesmo considerando que a temática de desigualdades em saúde no Universalização excludente, segundo Favaret e Oliveira (1990), é produto de um efeito colateral de ampliação do acesso aos serviços públicos de saúde, a partir da implementação do SUS, que passa a excluir progressivamente a classe média, a qual, por sua vez, começa a buscar a solução de seus problemas de saúde através dos planos de saúde privados.  O setor privado de assistência à saúde é fortemente dependente de subsídios públicos (renúncia fiscal) e, como indicado na análise da Pesquisa Nacional de Amostra Domiciliar (Pnad) 1998, beneficia a estratos específicos da população: 60% dos beneficiários de planos de saúde têm acesso assegurado pela participação no mercado formal de trabalho, sendo que entre esses, apenas em 13% dos casos o empregador paga integralmente a mensalidade do plano e em 46% paga apenas parcialmente. 

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Brasil vem sendo objeto de ampla investigação, gerando uma importante produção científica na área, nota-se que a análise da relação entre desigualdades em saúde e estratos ocupacionais vem sendo pouco estudada, apesar da sua relevância na determinação do acesso e do uso dos serviços, principalmente em função de uma distribuição segmentada da cobertura de planos de saúde. Assim, a análise aqui será das desigualdades de acesso aos serviços de saúde em relação à População Economicamente Ocupada (PEO) no Brasil, com uso da Pesquisa Nacional de Amostra Domiciliar (Pnad) 1998, que inclui o suplemento sobre saúde, considerando a condição socioeconômica dos indivíduos em função da sua posição ocupacional no mercado formal.

Desigualdades em saúde As clivagens encontradas nas sociedades atuais apresentam uma natureza multidimensional marcada por diferenças sociais, econômicas, étnicas, culturais, geográficas e outras, compondo um mosaico de desigualdades no mundo. Importantes diferenças na qualidade de vida e nas capacidades humanas, resultantes de desigualdades no acesso a bens sociais, tendem a se sobrepor aos atributos individuais. Da mesma forma, as privações sociais múltiplas, dependentes muito mais de desigualdades estruturais, que se mantêm ao longo do tempo (PINHEIRO et al., 2002). No entanto, cada vez mais, as dimensões do bem-estar passam a ser consideradas como eqüidade no acesso às oportunidades geradas pelo processo de desenvolvimento. Assim, o desenvolvimento passa a ser compreendido como um processo abrangente de expansão do direito de escolhas individuais em diversas áreas: econômica, política, social, cultural (SEN, 2001).

A variável (V9906) da Pnad 1998 utilizada para classificação das ocupações refere-se ao “código da ocupação que exercia no trabalho que tinha na semana de referência”, caracterizando os indivíduos na faixa etária de 10 e 64 anos que compunham, na data de 20 a 26/9/88, a População Economicamente Ocupada do País.  Em função da alteração da Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), a partir da Pnad de 2002, não foi possível incluir os resultados da Pnad 2003 nessa análise, que inclui também o suplemento de saúde, mas não apresenta compatibilidade com a categorização de ocupações adotada em 1998. 

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Vários estudos demonstram que a determinação das condições de saúde de uma população é multidimensional, sendo que os determinantes interagem, influenciando a saúde dos indivíduos até a morte, através de gerações. Desse modo, as desigualdades em saúde têm sido evidenciadas entre grupos sociais com diferentes condições socioeconômicas, étnicas, idade, gênero e território; e como conseqüência vêm gerando, principalmente nos grupos sociais mais vulneráveis, um excedente de danos: mortalidade precoce, sobrecarga de procedimentos médicos, ampliação de demandas por serviços sociais e redução da possibilidade de ascensão social (OMS, 2002). Nessa perspectiva, as desigualdades em saúde assumem contornos que vão desde o processo de distribuição dos índices de saúde entre distintos grupos populacionais até a iniqüidade no acesso aos serviços do setor. A associação desses fatores resulta principalmente no agravamento das condições de saúde das populações vulnerabilizadas por precárias condições econômicas e sociais, conduzindo a um quadro de diferenças epidemiológicas e de consumo de serviços entre a população. A partir da publicação do Black report (TOWNSEND; DAVIDSON, 1982), que apontou para o incremento das desigualdades em saúde na população britânica, verifica-se um esforço investigativo no sentido de analisar as diferenças nas condições de saúde e no acesso aos serviços do setor de acordo com o nível socioeconômico (NSE) da população, seja esse medido por renda, educação, ocupação ou posição na hierarquia social (ACHESON, 2000; CULYER et al., 1992; GAKIDOU et al., 2000; PAMUK, 1985; VAN DOORSLAER et al., 1993; WAGSTAFF, 1992). Nos EUA, a desigualdade nas distribuições salariais tem-se mostrado associada à distribuição desigual das tendências de mortalidade na população, e as diferenças quanto à renda relativa, associadas aos homicídios e ao baixo peso ao nascer (KAPLAN et al., 1996). Na Europa, os resultados do Projeto Socioeconomic Factors in Health and Healthcare (GIRALDEZ, 2001) e do Projeto Socioeconomic Inequalities in Mortality and Morbidity in Europe (MACKENBACH et al., 1997) indicam que a falta de eqüidade socioeconômica afeta a saúde da população e, em

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países da União Européia, se manifestam, sobretudo, no domínio da educação, nutrição, na utilização dos serviços e gastos per capita em saúde. A repercussão dessa perspectiva no Brasil se faz notar em importantes estudos. Foram desenvolvidas pesquisas cujos resultados indicaram que a morbidade referida para a população urbana tende a aumentar inversamente à renda familiar per capita (TRAVASSOS et al., 1995). Mais recentemente, foram desenvolvidas metodologias para o monitoramento das desigualdades em saúde com construção de indicadores de acesso e utilização dos serviços de saúde, qualidade e condições de saúde e outros (NUNES et al., 2001). A análise da epidemiologia das desigualdades em saúde (CENEPI, OPAS/ OMS, 2002) aponta para uma polarização nacional e intra-regional dessas desigualdades, sendo macrodeterminantes dessas diferenças a urbanização, a pobreza e aspectos relacionados à organização dos serviços de saúde. Em outra dimensão, a partir da geração do suplemento de saúde da Pnad 1998 surgiram vários trabalhos com ênfase nas desigualdades em saúde: estudos sobre desigualdades geográficas e sociais na utilização dos serviços de saúde (TRAVASSOS et al., 2000), sobre determinantes das desigualdades na auto-avaliação do estado de saúde (DACHS, 2002), sobre gênero, morbidade, acesso e utilização de serviços de saúde (PINHEIRO et al., 2002); análises sobre os perfis de utilização de serviços de saúde (SAWYER et al., 2002), alguns deles com ênfase na segmentação do mercado de saúde, analisando a cobertura populacional por planos de assistência (FARIAS; MELAMED, 2003; PINTO; SORANZ, 2004). Os estudos nessa linha de investigação com uso da Pnad 2003 são mais escassos, e os existentes apresentam, de maneira geral, características de replicabilidade.

Acesso aos serviços de saúde Acesso aos serviços de saúde remete à possibilidade de uso (consumo) dos serviços de saúde, que implica uma relação dinâmica entre oferta (capacidade instalada) e demanda (centrada nas necessidades de saúde da população). Nesses projetos foi utilizado o método do coeficiente de GINI como medida de eqüidade para mediar as desigualdades existentes entre os 15 países da União Européia, relativamente a educação, estilos de vida, nutrição, desemprego, utilização de serviços de saúde e despesa com saúde.



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A abordagem do consumo de serviços de saúde remete à análise de duas dimensões sinérgicas do fluxo de acesso aos serviços de saúde: 1) a demanda da população por serviços de saúde caracterizada pelas necessidades de saúde individuais e coletivas; 2) as características da oferta do sistema de saúde que, no caso Brasil, há cerca de duas décadas, assume um perfil de universalidade e gratuidade com a gradual consolidação do SUS. O desequilíbrio nessa relação oferta-demanda afeta a natureza e abrangência do consumo dos serviços de saúde, podendo gerar processos de desigualdades, que se caracterizam pelos graus diferenciados de consumo dos serviços de saúde por parte de indivíduos e estratos sociais. Inicialmente, é preciso compreender que a possibilidade de uso dos serviços de saúde (acesso) supõe a existência de serviços disponíveis para uso regular por parte da população, ou seja, é necessária a existência de estruturas de saúde disponíveis e acessíveis, com uma distribuição territorial adequada, para sedimentação de um locus (onde) da ocorrência da atenção à saúde da população, demarcando um espaço de referência para os usuários do sistema. A estrutura dos serviços de saúde, suas características e abrangência não serão alvo de análise neste artigo, mas é preciso destacar sua importância e efeitos na modelação do consumo desses serviços. As características da oferta podem facilitar ou obstruir a capacidade de uso dos serviços de saúde demandado pelas pessoas. Logo, as barreiras de acesso estão ligadas ao grau de disponibilidade e distribuição geográfica dos serviços, à disponibilidade e qualidade dos recursos humanos e tecnológicos, aos mecanismos de financiamento, ao modelo assistencial e à informação do sistema, entre outros (TRAVASSOS et al., 2004). Em princípio, a demanda da população pode ser, ou não, atendida pela estrutura de saúde, desenhando um padrão de consumo (uso) dos serviços. Esse padrão é, predominantemente, explicado pelo perfil de necessidades de saúde de determinado grupo populacional, mas é influenciado também por fatores internos e externos do setor, tais como: a disponibilidade, o tipo, a quantidade de serviços e recursos (financeiros, humanos e tecnológicos), a localização geográfica, a cultura médica local, a ideologia do prestador, entre outros 

As Pnads não são representativas por municípios, portanto não são compatíveis com as bases de dados censitárias e por município da Assistência Médica Sanitária (AMS), também feitas pelo IBGE, que retratam a estrutura de serviços de saúde no Brasil, o que cria dificuldades técnicas e estatísticas para a incorporação da análise dessa dimensão.

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(WENNBERG, 1985, in TRAVASSOS et al., 2004). As necessidades de saúde são delineadas, também, pelas diferenças de comportamento do indivíduo perante a doença, pelas escolhas e preferências individuais, conformando o perfil da demanda nem sempre atendida pelo sistema de saúde, além das características de oferta de serviços disponibilizada para os membros de cada sociedade, que pode atender e induzir demanda. Nessa perspectiva, pode-se deduzir que as desigualdades no uso dos serviços de saúde refletem as desigualdades individuais em relação ao risco de adoecer e morrer (PINHEIRO et al., 1999). O consumo dos serviços de saúde é interdependente do comportamento da relação demanda-oferta da área, portanto o conceito de acesso a esses serviços está relacionado à percepção dos indivíduos de suas necessidades de saúde e à conversão dessas necessidades em demanda e dessas em uso (OJANUGA; GILBERT, 1992; PUENTES-MARKIDES, 1992, in TRAVASSOS et al., 2004), mas fatores ligados à oferta podem facilitar ou reprimir o acesso. A proposição desta análise é a adoção de um conceito dinâmico de acesso aos serviços de saúde que absorva os aspectos relevantes da relação demandaoferta na área de saúde como dois pólos do sistema de acesso a esses serviços e, ao mesmo tempo, dê relevo aos atributos individuais, com base no Modelo Comportamental de Andersen (1968). Andersen constrói um modelo teórico próprio para explicar a utilização dos serviços de saúde, no qual o acesso a esses serviços é definido por três dimensões: predisposição dos indivíduos, fatores capacitantes e necessidades de saúde. Os fatores de predisposição referem-se às características sociodemográficas e familiares (sexo, idade, raça, escolaridade etc.) que podem aumentar a chance de uso dos serviços de saúde. Já os fatores capacitantes referem-se à capacidade do indivíduo de procurar e receber serviços de saúde e associam-se positivamente com as condições econômicas individuais e familiares e, em outra perspectiva, com a oferta de serviços na região e comunidade onde o indivíduo reside. Segundo Andersen (1995), esses fatores incluem ocupação, renda, planos de saúde, suporte familiar, disponibilidade, proximidade e quantidade de serviços ofertados. As necessidades de saúde reportam tanto à percepção subjetiva das pessoas acerca de sua saúde, quanto ao estado de saúde objetivo dos indivíduos. Nessa perspectiva, o acesso aos serviços de saúde encontra-se associado, principalmente, às características biológicas, demográficas, socioeconômicas,

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tais como: carga genética, idade, sexo, renda, escolaridade, hábitos de vida e de consumo. Essas características são importantes por terem efeito tanto sobre o perfil epidemiológico e de necessidades em saúde, quanto sobre as preferências, decisões e capacidades dos indivíduos para buscar serviços de saúde. Ou seja, além da necessidade, existem fatores de capacitação e predisposição, ligados diretamente às condições socioeconômicas e características demográficas dos indivíduos, que determinam o uso efetivo dos serviços de saúde; fatores de predisposição que aumentam a propensão à necessidade e por isso, afetam as chances de uso desses serviços, ultrapassando as características individuais; existem, ainda, fatores relacionados ao sistema de saúde que interferem na relação demanda-oferta, impedindo ou facilitando o acesso aos serviços de saúde. Para fins de operacionalização do modelo analítico proposto, com a devida compatibilização com as variáveis representativas das suas dimensões e disponíveis na Pnad 1998, propõe-se a distribuição descrita no quad. 1 abaixo: Quadro 1 Dimensões selecionadas para composição do Modelo Comportamental Fatores predisponentes

Fatores capacitantes

Necessidades de saúde

Sexo Raça (Cor) Idade Anos de estudo

Estratos ocupacionais Plano de saúde Renda Local de residência Região Tipos de atendimento

Auto-avaliação de saúde Problemas de saúde

Material e métodos A base de dados utilizada será a Pnad realizada em 1998 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que inclui um suplemento específico sobre acesso e utilização de serviços de saúde. A amostra, constituída de 110 mil domicílios, é representativa da população de cada estado da federação, com exceção da população rural dos estados da Região Norte. A base contém 344.975 casos e a subamostra referente à População Economicamente Ocupada (PEO) utilizada neste estudo é de aproximadamente 142.000 casos.

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Para fins de categorização da PEO, utilizou-se a classificação ocupacional de 16 estratos (SILVA, 2003) com a seguinte composição: 1. Profissionais liberais; 2. Dirigentes; 3. Proprietários empregadores; 4. Outros profissionais liberais; 5. Supervisores do trabalho manual; 6. Ocupações técnicas artísticas; 7. Empresários por conta própria; 8. Ocupações não manuais de rotina; 9. Trabalhadores da indústria moderna; 10. Trabalhadores em serviços gerais; 11. Vendedores ambulantes; 12. Trabalhadores da indústria tradicional; 13. Trabalhadores em serviços pessoais; 14. Trabalhadores em serviços domésticos; 15. Proprietários empregadores rurais; 16. Trabalhadores rurais. Segundo Silva (2003), a classificação dos estratos ocupacionais pautou-se na discriminação de situações socialmente distintas e significativas e numa caracterização da relativa homogeneidade nas situações de trabalho e mercado, isto é, na posição socioeconômica semelhante na divisão técnica do trabalho. A partir de uma Análise de Variância Simples (Anova) dessa classificação ocupacional, com o interesse de avaliar em que medida captura adequadamente distinções quanto à situação dos indivíduos no mercado – utilizada como preditora de certas características individuais – o autor selecionou duas características: o nível educacional individual (medido em termos de anos de escolaridade completos com sucesso) e os rendimentos individuais em logaritmos naturais. Em seguida, procedeu à classificação das ocupações de acordo com a média de anos de escolaridade mais a renda percebida em função da posição ocupacional no mercado de trabalho, gerando uma escala de 0 a 100 para definir o status socioeconômico das ocupações declaradas na semana de referência da aplicação das Pnads. A análise estatística utilizada inclui a análise descritiva, curvas de concentração e análise multivariada com uso da Regressão Logística Binomial conforme a seguinte notação:

Não se trata de uma escala de prestígio ocupacional, e sim de status socioeconômico. Como se baseia na educação e renda de cada indivíduo dentro de cada ocupação, vai além do posicionamento dado pelos rendimentos. Segundo Pastore e Silva (2000), escalas desse tipo foram construídas no Canadá (BLISHEN, 1958), Estados Unidos (DUNCAN, 1961; BOGUE, 1963), Nam e Powers (1968), Grã-Bretanha (GOLDTHORPE; HOPE, 1974) e Austrália (BROOM et al., 1977) para fins de estudos sobre mobilidade e estratificação social.  O programa estatístico utilizado é o SPSS 14.0. Para aplicar a regressão logística aos dados, será utilizado o peso da amostra da Pnad 1998 – que é fornecido pelo IBGE – ponderado pela média do peso de expansão da amostra, conforme descrito por Lee et al. (1976). 

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Modelo de Regressão Y (Consulta médica ou não nos últimos 12 meses) = bo + b1(variáveis fatores predisponentes) + b2(variáveis necessidades de saúde) + b3(variáveis fatores capacitantes) + b4(variável tipo de atendimento) + € O quad. 2 contém a descrição das variáveis e suas derivadas desagregadas por conjunto de fatores ou necessidades componentes do Modelo de Análise Multivariada: Quadro 2 Descrição das variáveis componentes do Modelo Multivariado Variável Dependente (dummy): consultou médico ou não nos últimos doze (12) meses

(Continua)

Variáveis Independentes Fatores Predisponentes Sociodemográficas Sexo

Dummy: homens e mulheres

Raça (Cor)

Dummy: brancos e não brancos (agregando pretos e pardos). Asiáticos e indígenas foram excluídos por representarem apenas 1% da população.

Idade

Variável constante com intervalo de 10 a 64 anos

Anos de Estudo

Categórica: dividida em menos de 1 ano de estudo (sem escolaridade), de 1 a 3, de 4 a 7 anos, de 8 a 11 e 12 anos ou mais de estudo.

Necessidades de Saúde Auto-avaliação de Saúde

Dummy: saúde boa (agregando muito boa e regular) e ruim (agregando ruim e muito ruim)

Número de Doenças

Categórica: dividida em não tem doença, 1 doença, 2 ou 3 doenças e mais de 3 doenças.

Fatores Capacitantes Estratos Ocupacionais

Categórica: classificada em 16 categorias e construída a partir das ocupações exercidas na semana de referência.

Renda

Categórica: construída para a renda familiar per capita – que exclui agregados e crianças menores de 10 anos. Ela foi agrupada em quintos de renda.

Plano de Saúde

Dummy: cobertura ou não por Plano de Saúde Público e/ou Privado

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(Conclusão)

Região Rural – Urbana

Dummy que indica o local de residência: rural e urbana. A variável rural não possui dados da região Norte.

Região Metropolitana e NM

Dummy que indica o local de residência: metropolitana e não metropolitana

Regiões Brasileiras

Categórica: dividida em Norte, Nordeste, Sudeste, Sul e Centro-Oeste

Atendimento Público-Privado

Categórica: construída para o tipo de serviço de saúde que o indivíduo costuma procurar. É classificada em atendimento: público, privado e público-privado.

Considerando os fatores determinantes do acesso aos serviços de saúde descritos pelo Modelo Comportamental e a sua operacionalização proposta aqui pelo Modelo Analítico, será feita uma análise sobre o acesso aos serviços de saúde por estratos ocupacionais, ou seja, a conformação ou não das desigualdades em saúde por estratos ocupacionais. Para tal, parte-se da hipótese de que o grau de acesso aos serviços de saúde pode ter uma diferente distribuição por estratos ocupacionais, sendo que essa estratificação encontraria seus determinantes, principalmente, na constituição do status socioeconômico (renda mais escolaridade) das ocupações e no seu impacto na amplitude da cobertura de planos de saúde da PEO. Nessa direção, os dados da Pnad 1998 informam que dos titulares de planos de saúde 91,9% são trabalhadores com carteira assinada, militares, funcionários públicos estatutários, autônomos e empregadores.

Análise do acesso aos serviços de saúde Para a análise do acesso aos serviços de saúde por estratos ocupacionais, utiliza-se uma medida de acessibilidade produzida pela questão “consultou médico nos últimos doze meses” presente na Pnad 1998. A seleção dessa variável baseia-se na percepção do seu poder explicativo do acesso, na medida em que traduz um procedimento básico de atenção à saúde e é um dos mecanismos mais usuais de entrada do indivíduo no sistema de saúde. De acordo com os dados da Pnad 1998, 75% da população brasileira dependem unicamente do SUS e apenas 25% (38,7 milhões de indivíduos) têm cobertura de planos de saúde. Dentre os que têm cobertura, 11% são

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provenientes de empresas privadas, 7% do setor público, 4% são individuais, 2% dependentes e 1% outros. Os portadores de planos de saúde apresentam uma condição de acesso de mão dupla, com uso do sistema privado e público de saúde, enquanto os demais usam exclusivamente o SUS. A distribuição da cobertura de planos de saúde entre a população total (Tab. 1) indica uma proporção de mulheres (25,7%) levemente superior à de homens (23,1%). Indica ainda uma nítida prevalência das pessoas de cor branca (32,4%) sobre pardos (14,3%) e pretos (16,8%). Entre as pessoas residentes em área urbana a cobertura chega a 29,2%, e entre residentes em área rural é de apenas 5,8%. As regiões ricas (Sudeste, Sul e Centro-Oeste) concentram maior cobertura de planos de saúde no país. Os dados apontam para uma clara concentração da distribuição de planos de saúde entre as pessoas de cor branca, residentes na área urbana e nas regiões ricas do país, indicando uma visível correlação com as condições socioeconômicas dos indivíduos e das áreas geográficas de residência. Tabela 1 Distribuição percentual da população por características sociodemográficas e local de residência, segundo proporção da cobertura de planos de saúde. Brasil, 1998

(Continua)

Características Sócio-demográficas



População Total (%)

Planos de Saúde (%)

Gênero

Feminino Masculino

51,0 49,0

25.7 23.1

Raça

Branco Pardo Pretos

54,0 39,5 5,7

32.4 14,3 16,8

Residência

Urbana Rural

79,6 20,4

29,2 5.8

Em pesquisa mais recente da Pnad 2003, que incluiu também um suplemento de saúde, mantémse a proporção de 24,6% (43,2 milhões de indivíduos) da população com cobertura de planos de saúde, indicando que não houve expansão relativa dessa cobertura.

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(Conclusão)

Nordeste Norte C. Oeste Sul Sudeste

Regiões

Total

29,0 5,0 7,0 15,3 43,7

12,4 17,0 22,5 25,3 33,3

100,0

24,5

Fonte: Pnad 1998, IBGE.

Quanto à cobertura por faixa etária (tab. 2), observa-se que, nas primeiras três faixas, ela é ligeiramente superior para os homens, mas, a partir dos 15 anos, cresce acentuadamente em favor das mulheres, decrescendo na faixa de 65 anos ou mais. A diferença é estatisticamente significativa nessas faixas etárias, indicando uma maior concentração da cobertura de plano de saúde entre mulheres. Tabela 2 Proporção da população com cobertura de planos de saúde, segundo faixa etária e sexo. Brasil, 1998 Faixa Etária

Masculino (%)

Feminino (%)

Diferença (%)

0 a 4 anos

20,7

19,7

- 1,00

5 a 9 anos

20,8

20,6

- 0,20

10 a 14 anos

20,5

20,4

-0,10

15 a 24 anos

20,2

22,7

2,5**

25 a 49 anos

26,0

30,1

4,1**

50 a 64 anos

26,9

30,4

3.5**

65 anos ou mais

23,5

28,2

4,7**

Total

23,1

25,7

2,6**

Fonte: Pnad 1998, IBGE. 0 = N S ** p< 0,001

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A análise exclusiva para a população em idade ativa,10 entre 10 a 64 anos, demonstra que a concentração da cobertura de planos de saúde para um ou mais planos está fortemente associada ao poder aquisitivo (renda), determinando um padrão de desigualdade acentuado. Nesse sentido, observa-se uma concentração em torno dos 60% no último quintil para brancos e não brancos, o que se acentua para mais de um plano (graf. 1) e no primeiro quintil apresenta valores próximos de zero. Isso indica que a cobertura de planos independe da cor do indivíduo, ou seja, brancos e não-brancos ricos tendem a concentrar ativos de saúde em relação aos seus pares pobres, mas o padrão de desigualdade é mais acentuado entre os negros. Em áreas urbanas e rurais (graf. 1), a concentração de cobertura é também muito alta entre os quintis superiores, mas com um padrão mais distributivo nas áreas urbanas, com níveis de concentração ainda desfavoráveis aos quintis inferiores. População de 10 a 64 anos Gráfico 1 Gráfico 2

Gráficos 1 e 2 - Curvas de concentração com percentual acumulado de pessoas com cobertura de um ou mais planos de saúde na população de 10 a 64 anos, segundo raça e local de residência. Brasil, 1998 Fonte: Pnad 1998, IBGE.

A população em idade ativa (PIA) subdivide-se em população economicamente ativa (PEA)

10

e população não-economicamente ativa (PNEA). A PEA compreende todas as pessoas com 10 anos ou mais de idade, que constituem a força de trabalho, abrangendo os empregados e empregadores, os trabalhadores autônomos, os trabalhadores que estão temporariamente desempregados etc. Já a PNEA é formada, principalmente, por aposentados, donas de casa, estudantes e pessoas com necessidades especiais (JANUZZI, 2001)

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O padrão de desigualdade mantém-se alto entre as regiões pobres e ricas do país (graf. 3 e 4), com destaque para a Região Nordeste, onde se verifica a concentração de cerca de 70% entre os 4º e 5º quintis para cobertura de apenas um plano e de 90% para mais de um. Gráfico 3 – 1 plano Gráfico 4 – mais de 1 plano

Gráficos 3 e 4 - Curvas de Concentração com percentual acumulado de pessoas com cobertura de 1 ou mais planos de saúde na população de 10-64 anos, segundo regiões do país. Brasil, 1998 Fonte: Pnad 1998, IBGE.

Os resultados apresentados confirmam que, com relação ao ativo Plano de Saúde, prevalece uma alta concentração de distribuição entre os indivíduos de maior renda e residentes em regiões com maior desenvolvimento econômico, o que evidencia a distância de um padrão distributivo mais equânime. Assim, observa-se uma associação positiva e progressiva entre cobertura de plano de saúde e renda familiar, pois a cobertura é de apenas 2,6% entre famílias de renda familiar inferior a um salário mínimo e amplia-se para 76,5% entre as famílias com renda de 20 salários mínimos ou mais. Com referência à distribuição de consultas (Tab. 3), observa-se um percentual maior de mulheres (62,3%) em relação aos homens (46,7%). O perfil segundo faixa etária cresce acentuadamente a favor das mulheres e diminui nas duas últimas faixas. A preponderância do uso dos serviços de saúde por

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parte das mulheres, a partir dos 10 anos de idade, pode estar relacionada a demandas específicas do ciclo reprodutivo, processos de autopercepção de saúde e a uma tendência de maior cuidado com a saúde, influenciada por uma visão mais preventiva, entre outros. Tabela 3 Proporção de consultas ao médico nos últimos 12 meses, segundo faixa etária e gênero. Brasil, 1998 Faixa Etária

Masculino (%) Feminino (%)

Diferença (%)

0a 4 anos

68,9

68,1

-0.8 0

5 a 9 anos

50,9

50,6

-0,30

10 a 14 anos

38,0

40,2

2,2**

15 a 24 anos

33,6

55,0

21,4**

25 a 49 anos

43,5

67,7

24,2**

50 a 64 anos

56,7

74,8

18,1**

65 anos ou mais

67,1

78,0

10,9**

Total

46,7

62,3

15,6**

Fonte: Pnad 1998, IBGE. 0 = N S ** p< 0,001

Quando se analisa a relação entre o nível educacional e o uso de tipos de serviços de saúde (público/privado), constata-se que a população brasileira com menor nível educacional tende a utilizar mais o SUS, tendência que se inverte entre as pessoas com nível educacional alto (graf. 5). Enquanto 80% das pessoas com menos de 1 ano de estudo tiveram atendimento pelo SUS, entre pessoas de nível mais alto de escolaridade essa parcela corresponde a menos de 10%. A correlação entre escolaridade e uso de serviços privados pode ser explicada, em parte, pela forte associação entre escolaridade e renda: os indivíduos com melhor nível econômico adquirem planos de saúde, que atuam como indutores do uso de serviços privados; além disso, níveis educacionais mais elevados podem atuar na direção de um maior reconhecimento da saúde como um atributo (agregação de valor) estratégico para uma melhor qualidade de vida.

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Gráfico 5 - Distribuição percentual da população que teve algum atendimento de saúde nos últimos 15 dias por tipo de serviços de saúde, segundo nível de escolaridade. Brasil, 1998. Fonte: Pnad 1998, IBGE.

Análise do acesso aos serviços de saúde por estratos ocupacionais A partir da premissa teórica indicativa de uma importante associação entre estratos ocupacionais e ativos de saúde (planos de saúde), determinada principalmente pelo status socioeconômico11 (média de escolaridade e logaritmo natural renda) da posição ocupacional dos indivíduos no mercado de trabalho formal, mostra-se necessária a análise do impacto da condição ocupacional sobre o acesso aos serviços de saúde. Cabe observar que a escala de status socioeconômico de Silva (2003) não apresenta, necessariamente, uma hierarquização stricto sensu dos estratos. No entanto, observa-se uma distribuição concentrada dos atributos de escolaridade e renda dos primeiros aos últimos estratos, dentro de uma lógica hierárquica, possibilitando uma ordenação dos dezesseis estratos ocupacionais como superiores e inferiores.

11

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É importante ressaltar que os titulares dos planos de saúde têm em média 1,4 dependente e entre aqueles com mais de 10 anos de idade, cerca de 90% exerciam alguma ocupação na semana de referência da pesquisa da Pnad 1998. A distribuição da cobertura de planos de saúde da PEO mostra que os estratos com status socioeconômico mais elevado apresentam maior cobertura do que os estratos com status mais baixo (tab. 4). No entanto, essa proporcionalidade não é linear, em função da participação de estratos ocupacionais intermediários com cobertura mais acentuada de planos. Os primeiros estratos apresentam uma alta cobertura de planos de saúde, com destaque para profissionais liberais (81%) e outros profissionais universitários (73,5%); entre os estratos intermediários, destacam-se os supervisores de trabalhos manuais (55,4%), ocupações técnicas e artísticas (50,8%) e ocupações não-manuais de rotina (46%). Em contrapartida, os trabalhadores rurais, apesar de representarem mais de 22,2% da PEO, contam com apenas 3.3% de cobertura. Tabela 4 Distribuição percentual dos estratos ocupacionais e proporção da cobertura de planos de saúde. Brasil, 1998

(Continua)

Estrato Ocupacional

Total (%)

Planos de Saúde (%)

1. Profissionais Liberais

1,2

81,0

2. Dirigentes

2,1

66,0

3. Proprietários Empregadores

2,2

51,6

4. Outros Profissionais Universitários

2,6

73,5

5. Supervisores do Trabalho Manual

1,1

55,4

6. Ocupações Técnicas e artísticas

6,6

50,8

7. Empresários por conta própria

3,6

23,6

8. Ocupações não-manuais de rotina

13,5

46,0

9. Trabalhadores da Indústria Moderna

5,3

32,7

10. Trabalhadores de Serviços Gerais

11,5

24,0

11. Vendedores ambulantes

2,7

13,1

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(Conclusão)

12. Trabalhadores da Indústria Tradicional

13,5

14,9

13. Trabalhadores dos Serviços Pessoais

3,9

23,0

14. Trabalhadores dos Serviços Domésticos

7,5

9,1

15. Proprietários Empregadores Rurais

0,5

24,9

16. Trabalhadores Rurais

22,2

3,3

100 %

25,7%

Total Fonte: Pnad 1998 , IBGE (adaptado de Silva, 2003).

O resultado esperado seria uma associação linear positiva progressiva entre estratos de nível socioeconômico elevado e cobertura de planos de saúde, conformando uma ordenação bastante hierarquizada dessa relação. No entanto, as evidências indicam um efeito seletivo sobre alguns estratos ocupacionais, o que pode se dever a políticas governamentais e empresariais de proteção à saúde de determinados estratos de trabalhadores, demandando uma análise mais acurada e desagregada de cada estrato da PEO. As necessidades de saúde por estratos ocupacionais são analisadas a partir das variáveis explicativas auto-avaliação do estado de saúde12 e autodeclaração de presença de doenças crônicas.13 No graf. 6, observa-se que a PEO apresenta uma auto-avaliação positiva (bom) mais favorável aos estratos de maior status socioeconômico (superiores), enquanto a negativa (regular e ruim), apesar de assimétrica, é mais concentrada nos estratos com status socioeconômicos mais baixos (inferiores). Segundo Dachs (2002), a auto-avaliação é geralmente medida em escala com quatro ou cinco categoriais (NCHS, 1996; IBGE, 2000). Apesar de seu caráter subjetivo, a auto-avaliação é freqüentemente utilizada em inquéritos populacionais e tem especial relevância na explicação do uso de serviços de saúde. Os resultados com uso dessa questão estão relacionados com mortalidade futura e também se associam com o estado real ou objetivo das pessoas. Mackenback et al (1997) afirmam que a proporção de pessoas que define o seu estado de saúde como regular ou ruim é um poderoso preditor do uso de serviços e já foi associado com a mortalidade em estudos longitudinais. 13 A autodeclaração da presença de uma ou mais doenças por parte dos indivíduos é estimulada por uma apresentação de uma listagem de doenças crônicas largamente conhecidas pela população, proporcionando sustentabilidade cognitiva e estatística para uma mensuração adequada do quadro de saúde dos entrevistados e da sua família. 12

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Gráfico 6 - Distribuição percentual da auto-avaliação do estado de saúde por estratos ocupacionais. Brasil, 1998. Fonte: Pnad 1998, IBGE.

As evidências de necessidades de saúde entre estratos ocupacionais referentes à autodeclaração de doenças crônicas apresentam uma distribuição assimétrica (graf. 7), mas verifica-se também uma maior concentração de duas ou mais doenças entre os estratos inferiores.

Gráfico 7 - Distribuição percentual da autodeclaração de doenças crônicas por estratos ocupacionais. Brasil 1998. Fonte: Pnad 1998, IBGE.

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Os resultados da relação entre necessidades de saúde e estratos ocupacionais, apesar de não apresentarem diferenças percentuais muito altas, evidenciam um quadro desfavorável aos estratos inferiores, com importantes implicações na demanda por serviços de saúde. A tendência assimétrica mantém-se em relação à distribuição de consultas (graf. 8), na medida em que a proporção e as médias de consultas nos estratos intermediários, como ocupações técnicas artísticas (6), e baixas, como trabalhadores de serviços pessoais (13) e trabalhadores de serviços domésticos (14), são maiores ou similares às encontradas nos estratos com status socioeconômico superior. Em relação à média de consultas, nota-se uma importante diferença entre o estrato trabalhadores rurais (16) – uma média pouco superior a uma consulta – e o estrato ocupações técnicas e artísticas (6) – a média é praticamente o dobro (mais de 2) –, diferença que se torna ainda maior se a comparação é feita com o estrato outros profissionais universitários (4) – média de mais de 2,5 consultas/ano.14

Gráfico 8 - Proporção e média de consultas nos últimos 12 meses segundo estratos ocupacionais. Brasil, 1998 Fonte: Pnad 1998, IBGE.

Importante ressaltar que alguns estratos, como trabalhadores dos serviços pessoais e dos serviços domésticos, apresentam uma forte presença de mulheres (feminilização), o que pode estar influenciando nos resultados no sentido de ampliação da proporção e média de consultas observadas.

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A cobertura por planos de saúde tem um efeito importante sobre a realização de consulta, com um impacto significativo na média de consultas por estrato ocupacional (graf. 9). O aumento das médias de consultas é mais acentuado entre os estratos intermediários, como vendedores ambulantes, trabalhadores em serviços pessoais e serviços domésticos (3,5 consultas em média por ano). Mesmo quando se discrimina a distribuição de consultas intra-estratos ocupacionais, considerando os indivíduos com e sem cobertura de planos, observa-se que a média de consultas por ano é sempre maior para os portadores de planos de saúde, confirmando que a posse desse ativo é indutora do uso de serviços de saúde.

Gráfico 9 - Média de consultas por estratos ocupacionais segundo cobertura de planos de saúde. Brasil, 1998 Fonte: Pnad 1998, IBGE.

Essa constatação demonstra, também para os estratos ocupacionais, que a variável cobertura de plano de saúde continua a ter forte influência na determinação do acesso aos serviços de saúde, ou seja, a estratificação do acesso aos serviços de saúde é determinada fundamentalmente pela capacidade de posse desse ativo. Quanto à extensão dessa cobertura, ela pode ser determinada, por um lado, pelo status socioeconômico de cada estrato, que permite a aquisição

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de planos orientada por uma lógica de maior ou menor capacidade aquisitiva junto ao mercado; e, por outro lado, à aplicação de políticas públicas de saúde específicas, orientadas a determinados estratos ocupacionais das áreas públicas e privadas, o que produz uma estratificação do acesso sustentado na lógica do privilégio político, em função da capacidade histórica de negociação (barganha) de cada categoria profissional com o poder público. Na seqüência, propõe-se o desenvolvimento de uma análise multivariada, que atende à condição estatística de ceteris paribus,15 do processo de estratificação do acesso aos serviços de saúde, através do Modelo de Regressão Logística, levando em conta os principais fatores determinantes – posição ocupacional e plano de saúde –, além das variáveis sociodemográficas e territoriais, e caracterizando-se o tipo de atendimento: público, público-privado e privado. O refinamento dessa análise busca identificar as diferenças de acesso entre os estratos ocupacionais, para melhor compreender os efeitos seletivos das políticas de saúde do País, que, em última instância, podem estar acentuando as desigualdades em saúde.

Resultados e discussão Os resultados do Modelo de Regressão Logística (Anexo I) indicam que as mulheres têm maior probabilidade (130%) de acesso aos serviços de saúde do que os homens. Isso confirma a hipótese predominante em estudos de gênero e saúde, que apontam que mulheres usam com maior freqüência os serviços de saúde em função de apresentação de maior morbidade referida e aspectos psicobiológicos relacionados ao ciclo reprodutivo. Com relação à cor (raça), os resultados são desfavoráveis aos não-brancos (pardos e pretos) atingindo 3,0% no último modelo. Apesar de os não-brancos apresentarem importantes desigualdades sociais em relação aos brancos, principalmente nos atributos de renda e escolaridade, observa-se que a cor não apresenta um incremento importante da probabilidade de acesso – ele é determinado de maneira mais significativa por outras variáveis. Significa “mantendo constante as demais variáveis” e é muito utilizada quando se propõe a avaliar o efeito de um variável num modelo estatístico, pressupondo as demais constantes.

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A idade é um importante preditor de demanda por serviços de saúde e os resultados indicam um aumento proporcional de 0,7% por ano acrescido, mas cabe lembrar que a faixa etária analisada é de 10 a 64 (PEO), não incluindo as faixas críticas: infância (0-9 anos) e velhice (mais de 65 anos), largamente consideradas pela literatura como ciclos de vida de maior demanda de atenção à saúde. Mas, mesmo em estratos etários mais homogêneos (10-64 anos), verifica-se que o efeito idade é significativo sobre o acesso. O efeito de renda e escolaridade sobre o acesso apresenta uma associação positiva progressiva, porém não totalmente linear (exceção do 4º quintil de renda) com o uso dos serviços de saúde. Assim a diferença de chances de acesso entre os indivíduos situados no 5º quintil em relação ao 1º é praticamente de 16% e, entre os com mais de 12 anos de escolaridade em relação aos com menos de 1 ano de escolaridade, fica em torno de 20%, demonstrando que esses fatores são fortemente associados ao uso de serviços de saúde. Os resultados indicam que a condição socioeconômica (escolaridade e renda) é um fator determinante do acesso aos serviços de saúde, contribuindo de maneira decisiva para a estratificação (segmentação) desse acesso. Em geral, os estratos ocupacionais, foco desta análise, apresentam maiores probabilidades de acesso aos serviços de saúde do que os trabalhadores rurais (Variável de referência), o que não se confirma apenas para os estratos que não apresentaram resultados estatisticamente significativos: proprietários empregadores (3º), empresários por conta própria (7º) e trabalhadores de serviços pessoais (13º). Os demais resultados, estatisticamente significativos, indicam uma importante vantagem de todos os estratos, com destaque para dirigentes (37,78%), outros profissionais liberais (28,35%), supervisores do trabalho manual (34,17%) e vendedores ambulantes (23,96%), confirmando uma relativa estratificação (segmentação) do acesso aos serviços de saúde. Os resultados anteriores não obedecem a uma lógica hierárquica dos estratos, mostrando que mesmo aqueles que têm um status socioeconômico mais elevado não apresentam necessariamente maior acesso aos serviços de saúde. Vendedores ambulantes (23,96%), por exemplo, apresentam maior probabilidade que profissionais liberais (23,28%), apesar de estarem situados na 13ª e 1ª posições, respectivamente. Ou seja, a hipótese proposta por esta análise confirma-se parcialmente, na medida em que as chances de acesso aos serviços de saúde por estratos ocupacionais apresentam uma tendência

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assimétrica, e não uma associação linear positiva progressiva, como se observa para outras variáveis como renda (parcialmente) e escolaridade. Logo, pertencer a qualquer estrato pode ter implicações diferenciadas no grau de acesso aos serviços de saúde, e isso pode estar relacionado ao impacto de políticas de saúde específicas dirigidas, historicamente, a determinados estratos componentes da estrutura ocupacional brasileira, da área privada e, principalmente, da área pública, herdeiras dos benefícios das políticas de saúde do Estado. Os resultados relativos aos efeitos da cobertura de plano de saúde são robustos, atingindo o incremento de 130% de probabilidade de acesso, controladas as demais variáveis. Assim, cobertura de plano de saúde apresenta-se como relevante preditor do acesso aos serviços de saúde para a PEO. Provavelmente, esse efeito poderia ser expandido para toda a população, apesar de ser mais expressivo entre a PEO. Isso revela, por sua vez, a existência de uma profunda segmentação do acesso aos serviços de saúde no Brasil, com privilégio de determinados setores da força produtiva do país. Os indicadores de necessidades de saúde analisados através das variáveis de auto-avaliação e problemas de saúde são fortemente relacionados às oportunidades de acesso aos serviços de saúde, sendo que aqueles que auto-avaliam seu estado de saúde como ruim e muito ruim têm muito mais probabilidade de acesso aos serviços (63%) do que aqueles que avaliam como bom (muito bom, bom e regular). Já os portadores de doenças crônicas têm um incremento linear positivo variando de 119% para os portadores de apenas uma doença a 436% para os portadores de mais de três doenças. A discriminação do tipo de atendimento aponta que, apenas quando ocorre a assistência no mix público-privado,16 há incremento de 3% na probabilidade de acesso em relação ao tipo exclusivo público. Isso pode estar refletindo as características duais do SUS, que está sustentado por uma parceria públicoprivado, com o credenciamento de parte importante da rede hospitalar que também realiza atenção ambulatorial. Pode estar evidenciando também o uso dos serviços públicos por parte expressiva de usuários que são portadores de Variável Tipo de Atendimento é derivada da classificação dos estabelecimentos de saúde identificados pela pergunta da Pnad 1998 “onde você foi atendido nos últimos quinze dias” e só permite a identificação de três tipos de atendimentos: exclusivamente privado, exclusivamente público e público e privado (Mix). Os atendimentos público e privado são possíveis no mesmo estabelecimento de saúde, porque existe uma rede de clínicas e hospitais conveniados ao SUS (pública) e que atendem também a demandas particulares (privada).

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planos de saúde. Mas, esse resultado ressalta a necessidade de desenvolver uma análise que discrimine o acesso público e privado mostrando as diferenças entre os fatores determinantes do acesso em cada área específica. O fato de os indivíduos residirem em área urbana e região metropolitana resulta no incremento em torno de 7% e 9%, respectivamente, na probabilidade de acesso, em relação às pessoas residentes em áreas rurais e não metropolitanas. Esses resultados podem estar refletindo as diferenças de estrutura de serviços de saúde existentes nas áreas urbanas e rurais e também entre as cidades de grande porte (metrópole) e de portes médio e pequeno, criando uma desigualdade de acesso com viés espacial (geográfico). Nas diferentes regiões do território nacional, observa-se uma grande discrepância com resultados contra-intuitivos, indicando que os indivíduos residentes nas regiões mais ricas e com melhor capacidade instalada na área de saúde teriam menos probabilidade de acesso do que os residentes na região Nordeste, excetuada a região Centro-Oeste, que não apresenta resultado estatisticamente significativo. Esses resultados poderiam ser explicados, em parte, pelo grau de complexidade das regiões Sul e Sudeste, que, apesar de mais desenvolvidas e ricas, apresentam uma alta densidade demográfica e mais contrastes sociais e econômicos, pois convivem com os efeitos perversos da urbanização e metropolização da pobreza. Para corrigir essas distorções, o mais factível parece ser a introdução, no modelo, de uma variável referente à estrutura de serviços de saúde (como mencionado no início dessa análise).

Conclusões As variáveis explicativas do grau de acesso aos serviços de saúde são múltiplas e complexas, exigindo modelos de análises cada vez mais refinados. Na análise aqui proposta, pôde-se evidenciar que são muitas as variáveis explicativas desse acesso, indo desde características sociodemográficas dos indivíduos até aspectos territoriais. Isso mostra que o fenômeno das desigualdades de acesso aos serviços de saúde no Brasil apresenta um escopo multifacetado e é fortemente influenciado pelo desenho das políticas na área e alocação de suas ações.

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Os resultados encontrados mostram que o perfil do acesso aos serviços de saúde no Brasil é marcadamente estratificado. Apesar da assimetria de acesso entre estratos ocupacionais apontar para uma relativa quebra de uma ordenação hierárquica, ainda persiste uma importante determinação dos componentes do status socioeconômico (escolaridade e renda), que se materializam através do ativo plano de saúde. Assim, indivíduos da PEO de cor branca, com renda e escolaridade elevadas e residentes nas áreas urbanas e metropolitanas, conformando características fortemente associadas a um status socioeconômico privilegiado, tendem a ter maior acesso aos serviços de saúde no Brasil. Por sua vez, a política de universalização do acesso aos serviços de saúde promovida pelo SUS deve considerar esses processos de estratificação, buscando minimizar as desigualdades em saúde principalmente através de políticas de focalização voltadas para os indivíduos com acesso restrito. Em outras palavras, não se pode continuar seguindo um único padrão de universalização dos serviços de saúde para todos os indivíduos e áreas geográficas do País, e sim buscar uma focalização (ação seletiva) no escopo da universalização. A partir dos pressupostos anteriores, verifica-se a necessidade de redirecionar as políticas de saúde para os indivíduos e regiões com maior vulnerabilidade, não se restringindo aos aspectos administrativos (descentralização) ou relacionados à economia da saúde (distribuição equânime dos gastos), como se observa atualmente, em alguma medida, na política nacional. Parece ser fundamental, também, redesenhar as ações de saúde, visando uma atenção focalizada nos indivíduos homens (e não apenas nas mulheres), não-brancos, pobres e de baixa escolaridade, integrantes de estratos ocupacionais desprotegidos, para reversão dos processos determinantes da estratificação conservadora do acesso aos serviços de saúde, que vêm privilegiando, ao longo da história desse país, os indivíduos portadores de alto status socioeconômico. A alternativa política, diante desse quadro, é a superação dessa dicotomia da estratificação do acesso ao Sistema Nacional de Saúde. Isso pode ser feito, em alguma medida, pela limitação de privilégios de determinados estratos financiados pelo Estado e pela ampliação do investimento público no desenvolvimento da cobertura da assistência do SUS, na tentativa de minimizar as desigualdades em saúde entre os estratos ocupacionais e sociais da sociedade brasileira.

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É importante destacar que os resultados analisados neste artigo apresentam uma abordagem limitada ao campo da demanda por serviços de saúde e, apenas destacam alguns aspectos geográficos que estão mais associados à oferta dos serviços de saúde. Nesse sentido, surge a necessidade de incluir nos próximos estudos os aspectos referentes à oferta dos serviços, na tentativa de construir uma explicação mais integral do acesso aos serviços de saúde.

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Anexo I: Regressão Logística Binomial Variável dependente: consulta médica nos últimos dozes (12) meses (dummy)  

Modelo 1

Modelo II

Modelo Full

% increm.

p-valor

% increm.

p-valor

% increm.

p-valor

158,92

0,00

130,49

0,00

130,33

0,00

Cor (não-branco*)

-0,97

0,43

-4,48

0,00

-3,10

0,05

Idade (constante)

2,57

0,00

0,69

0,00

0,69

0,00

Renda familiar (quintil 1*)

0,00

0,00

0,00

0,00

0,00

0,00

quintil 2

11,31

0,00

6,88

0,01

7,27

0,01

quintil 3

14,37

0,00

9,63

0,00

10,27

0,00

quintil 4

20,26

0,00

6,36

0,03

7,24

0,02

quintil 5

44,61

0,00

15,69

0,00

15,98

0,00

1 a 3 anos de estudo

13,94

0,00

16,84

0,00

18,02

0,00

4 a 7 anos de estudo

18,43

0,00

18,54

0,00

19,76

0,00

8 a 11 anos de estudo

33,60

0,00

28,51

0,00

29,07

0,00

12 anos ou mais

63,28

0,00

40,59

0,00

40,73

0,00

Profissionais liberais

42,89

0,00

30,41

0,00

23,28

0,01

Dirigentes

64,99

0,00

45,60

0,00

37,78

0,00

Proprietários empregadores

23,88

0,00

12,60

0,03

6,92

0,23

Outros profissionais liberais

51,19

0,00

35,20

0,00

28,35

0,00

Supervisores do trabalho manual

48,59

0,00

42,22

0,00

34,17

0,00

Ocupações técnicas artísticas

38,66

0,00

26,74

0,00

20,68

0,00

Empresários por conta própria

4,42

0,20

2,97

0,50

-2,00

0,65

Ocupações não manuais de rotina

41,78

0,00

19,84

0,00

13,79

0,00

Trabalhadores da indústria moderna

41,59

0,00

23,60

0,00

18,06

0,00

Trabalhadores em serviços gerais

35,11

0,00

22,41

0,00

16,84

0,00

Sexo (homem *)

Escolaridade (sem escolaridade*)

Estratos (Trabalhadores Rurais*)

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Vendedores ambulantes

21,82

0,00

31,06

0,00

23,96

0,00

Trabalhadores da indústria tradicional

20,58

0,00

14,84

0,00

9,99

0,00

Trabalhadores em serviços pessoais

34,80

0,00

23,94

0,00

17,61

0,00

Trabalhadores em serviços domésticos

4,32

0,10

2,22

0,50

-1,83

0,60

Proprietários empregadores rurais

25,95

0,00

23,82

0,03

21,55

0,05

Plano de saúde (não tem*)

 

 

131,32

0,00

130,41

0,00

Auto-avaliação de saúde (ruim*)

 

 

-63,41

0,00

-63,45

0,00

Número de doenças (não tem*)

 

 

0,00

0,00

0,00

0,00

1 doença

 

 

119,15

0,00

119,27

0,00

2 ou 3 doenças

 

 

220,80

0,00

220,94

0,00

mais de 3 doenças

 

 

434,54

0,00

436,12

0,00

Tipo de atendimento (público*)

 

 

privado

 

 

-2,05

0,35

-1,88

0,40

público-privado

 

 

4,35

0,01

3,13

0,07

Região urbana (rural*)

 

 

 

 

7,53

0,00

Região metropolitana (região não metropolitana*)

 

 

 

 

9,09

0,00

Regiões do Brasil (Nordeste*)

 

 

 

 

Norte

 

 

 

 

-19,95

0,00

Sudeste

 

 

 

 

-11,53

0,00

Sul

 

 

 

 

-5,83

0,02

Centro-Oeste

 

 

 

 

3,13

0,34

Log-likelihood

174875,38

 

113733,58

 

113632,42

 

Pseudo R2 (Cox-Snell)

0,09

 

0,15

 

0,15

 

Pseudo R2 (Nagelkerke)

0,13

 

0,20

 

0,20

 

N

134167,00

0,52

91271,00

0,35

91271,00

0,35

Df

26,00

 

33,00

 

39,00

 

OBS. 1) * Variáveis de referência. 2) Resultados estatisticamente não significativos estão em negrito.

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Transferindo recursos para os estudantes no Brasil: mais escola e menos trabalho infanto-juvenil? Magna Inácio Murilo Fahel Juliana Estrella

As políticas de redução da pobreza têm conferido crescente importância ao componente inter-geracional, contribuindo para colocar os programas sociais voltados à educação no centro da agenda das políticas públicas. A crescente difusão de programas focalizados, principalmente aqueles envolvendo income targeting, e baseados na introdução de condicionalidades (BOURGUIGNON; FERREIRA; LEITE, 2003), aponta para os desdobramentos dessa agenda e a necessidade de aprofundá-la. Particularmente, cabe explorar um conjunto de questões sobre os potenciais e limites desses programas em relação a tal objetivo. A rationale subjacente a tais programas supõe que a inclusão e retenção da população em idade escolar no sistema educacional convertem-se em um mecanismo de mobilidade social e redução da pobreza, na medida em que reduzem a baixa escolaridade e os incentivos para o trabalho infantil, ou seja, os fatores que garantem, no futuro, piores condições de inserção socioeconômica (SABÓIA; ROCHA, 1998; GODOY, 2004).

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Não sendo problemático apontar os efeitos da escolarização sobre a capacidade econômica futura, o foco da discussão tem se deslocado para o problema da validade acerca da trajetória desses efeitos. Ou seja, como o desenho e as condições de implementação desses programas afetam as oportunidades escolares dos seus beneficiários e se, e como, tais resultados podem impactar a redução da pobreza. Isto é particularmente importante para se avaliar os efeitos de programas de transferência de renda vinculados à educação que prevêem a condicionalidade de freqüência escolar sem a exigência de o estudante retirar-se das atividades que exerce, o que pode, potencialmente, comprometer o seu engajamento escolar. Em primeiro lugar, a compatibilidade, ou não, de incentivos entre o benefício ofertado pelo programa e aquele auferido em outros ambientes afeta as decisões dos participantes, impactando os patamares de sucesso do programa. Segundo, embora tal desenho envolva a suposição de que a exigência de freqüência escolar reduz o tempo livre para outras atividades, sejam elas remuneradas ou não, tal combinação permite ao estudante e seu grupo familiar um leque de escolhas e estratégias em relação às contrapartidas que assumem ao aderir ao programa. Adiar a inserção no mercado de trabalho ou reduzir a participação dos estudantes em outras atividades não-escolares torna-se, neste caso, uma questão de spillover effects.Tais efeitos de transbordamento, no entanto, podem estar associados a diferentes estruturas de escolhas, associadas desde ao tipo de grupo familiar até às oportunidades abertas nos ambientes externos. Ao nosso ver, continuam incipientes os esforços tanto para se apreenderem os efeitos desses programas em relação aos objetivos educacionais, quanto a relação entre estes efeitos e o objetivo, ainda que latente, de reduzir a pobreza numa perspectiva inter-geracional. O objetivo deste trabalho é avaliar o efeito de benefícios voltados para a educação sobre a freqüência à escola e o trabalho realizado por crianças e adolescentes. Para isto, propõe-se uma estratégia de avaliação baseada em um desenho quasi-experimental, utilizando informações ex-post ao ingresso em programas dessa natureza.

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Transferindo recursos para os estudantes no Brasil...



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A dinâmica recente da escolarização no Brasil No Brasil, a trajetória recente da política educacional evidencia uma expansão da taxa de escolarização em todos os níveis de ensino, embora fortemente concentrada no ensino fundamental (7 a 14 anos). Segundo o IBGE (PNAD, 2001), entre 1992 e 2001, a parcela que não freqüentava a escola caiu de 46,1% para 23,8% no grupo em idade pré-escolar (5 a 6 anos), de 13,4% para 3,5% entre aqueles de 7 a 14 anos de idade e de 40,3% para 18,9% no grupo de 15 a 17 anos de idade. Trabalho (remunerado ou não), distância da escola ou ausência de vagas são relacionados como os principais motivos para estar fora da escola. Pode-se observar, no entanto, que tais justificativas estão associadas a diferentes estruturas de oportunidades disponíveis aos diferentes grupos etários. A distância da escola em relação ao local de residência ou a ausência de vagas são os motivos apresentados em maior proporção entre os que não estudam, no grupo de 5 a 9 anos (25,0%). Já a freqüência da ‘realização de atividades’ como principal motivo para estar fora da escola aumenta de acordo com idade, indo de 0,3% no grupo de 5 a 9 anos para 25,1% no grupo de 15 a 17 anos. O caráter concorrencial do trabalho das crianças e adolescentes em relação à decisão de inserir-se no sistema escolar é evidenciado na análise do suplemento Trabalho Infantil (IBGE/PNAD 2001): no contingente ocupado com idade entre 5 e 17 anos e que não freqüentava a escola, 65% trabalhavam 40 horas ou mais por semana. Esta porcentagem diminui para 25,7% entre os ocupados e matriculados na escola. Cabe destacar, no entanto, as diferenças no perfil da ocupação entre as crianças e adolescentes quando se consideram os grupos etários: a relação entre as horas de trabalho e freqüência à escola muda com o aumento da idade. A maioria das crianças (83,0%) ocupada alocava em 2001 até 20 horas semanais, basicamente em atividades não-remuneradas. No grupo de 10 a 14 anos, entre aqueles que estudavam e trabalhavam, 9,8% cumpriam até 40 horas semanais de trabalho, sendo que entre os que não estudavam a porcentagem era de No grupo de 10 a 14 anos, a porcentagem é de 10,2 e de 5,9% entre aqueles com idade entre 15 a 17 anos. Trabalho infantil – IBGE / PNAD, 2001



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51,9%. Já em relação ao grupo de 15 a 17 anos, a diferença é menor (40,2% e 69,4), o que pode ser associado à maior inserção deste contingente na força de trabalho. Em outras palavras, a introdução de transferências condicionais ocorre num contexto de expansão do nível de escolarização no País. Do ponto de vista da avaliação da focalização e dos efeitos dos programas voltados para a educação, isto mostra a importância de se avaliarem as condições em que ocorre essa expansão, como ela afeta a população em idade escolar em geral e os beneficiários potenciais desses programas. Do ponto de vista do gênero, análises recentes destacam a ausência de diferenças significantes na taxa de matrícula líquida entre homens e mulheres no Ensino Fundamental, ou seja, relativamente à escolaridade mínima e obrigatória. Esses desequilíbrios ampliam-se nas transições escolares subseqüentes. A proporção de mulheres com idade adequada ao respectivo ciclo é maior do que a obtida pelos homens: respectivamente, 44,5% e 35,6% no Ensino Médio e 11,3% e 8,3% no Ensino Superior (IPEA: ODM, 2004). No que tange à raça, estudos chamam a atenção para as assimetrias em relação à freqüência escolar principalmente no Ensino Médio e Superior. Em 2002, a taxa de matrícula no ensino médio entre os brancos atingiu 52,4%, enquanto não ultrapassou 29% entre os estudantes de cor parda e preta (IPEA: ODM, 2004). Focalizando os efeitos da raça sobre as chances de completar as transições escolares, Fernandes (2004) demonstrou que os não-brancos (pardos e negros) encontram barreiras significativamente mais altas no ingresso e nas últimas transições escolares. A análise da introdução e expansão de programas sociais voltados à educação no Brasil deve ser situada neste contexto de mudança na área educacional. Partindo da dinâmica educacional, cabe indagar qual o papel e o impacto efetivo que tais programas têm ou podem ter neste cenário.

Incentivando a educação: a vinculação de benefícios à participacão no sistema escolar No caso brasileiro, a avaliação dos impactos de programas de transferência de renda ou outros tipos de auxílios sobre a taxa de escolarização e trabalho infantil é uma agenda recente, mas crucial diante da expansão da cobertura

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destes programas e a centralidade que têm assumido no interior da rede de proteção social existente no País. Essas experiências, inicialmente executadas de forma localizada por governos municipais, informaram a execução de uma política nacional de transferência de renda, o programa Bolsa-escola a partir de 2001. A focalização dessa política articula dois componentes: o critério de elegibilidade do tipo means-tested, baseado na definição de um nível máximo de renda familiar, e a condicionalidade de freqüência escolar. Esta condicionalidade não se estende à interrupção de atividades remuneradas ou não exercidas pelos beneficiários, com exceção da política nacional de erradicação do trabalho infantil. Neste caso, o programa é dirigido para crianças envolvidas em trabalho precoce, mas focalizados naqueles envolvidos em atividades consideradas “perigosas, penosas, insalubres ou degradantes”. O programa do governo federal focaliza famílias pobres, não existindo mecanismos de transferência diferenciada em relação ao gênero, ciclo/série escolar ou área geográfica. O montante transferido varia apenas em função do número de filhos em idade escolar, sendo previsto um teto máximo, ou seja, são transferidos R$15,00 por criança, até o máximo de três por família. Redesenhado a partir de 2004, quando o governo federal criou o programa bolsa-família com a unificação de vários programas de transferência de renda, a condicionalidade de freqüência escolar é mantida nos casos em que a concessão do benefício se deve à presença de crianças e adolescentes em idade escolar (até 15 anos). Em 2001, o programa bolsa-escola beneficiou 4,8 milhões de famílias, tendo o programa Bolsa-família atingido em março de 2005 uma cobertura de 6,562 O público-alvo do programa são famílias em situação de pobreza. Em 2005, o teto era definido a uma renda familiar per capita de até R$ 100, 00 (cem reais), equivalente a 1/3 do salário mínimo nacional (maio/2005).  O Programa de Erradicação do Trabalho Infantil – PETI – do Governo Federal foi criado em 2001.  O Bolsa-família unificou os programas federais Bolsa-escola, Bolsa-alimentação, Cartão Alimentação e o Auxílio-gás.  Com foco nas famílias em situação de pobreza, a transferência de recursos passou a ter dois componentes: (a) um valor básico para famílias em situação de extrema pobreza (renda familiar mensal per capita de até R$ 50,00) e (b) uma parcela variável, destinada às famílias com renda familiar mensal per capita de até R$100,00, e que tem sob a sua responsabilidade crianças e adolescentes (0 a 16 anos). As condicionalidades previstas no programa são: Acompanhamento de saúde e do estado nutricional das famílias; Freqüência à escola; Educação alimentar. 

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milhões de famílias, representando 58,6% do total de famílias pobres, conforme estimativa do governo federal (MDS, 2005). Relativamente ao volume das transferências, em dezembro de 2004 o montante mensal foi da ordem de R$440 milhões (MDS, 2005). Sobre a identificação adequada das conexões causais entre o programa e os resultados obtidos, assegurando a validade interna da avaliação, cabe considerar aspectos da implantação do programa que possam afetar a seleção do seu grupo de beneficiários. Em termos da expansão do programa, o graf.1 mostra as diferenças na cobertura por estado. A Paraíba atinge a maior cobertura (70,9%) e o Mato Grosso do Sul a menor (28,9%).

Gráfico 1 - Famílias atendidas pelo programa bolsa-família no total de famílias pobres estimadas por estados. Brasil, 2005 (em milhares). Fonte: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, maio/2005. Elaboração própria.

Comparando a participação relativa de cada estado no total de famílias pobres e no total de famílias beneficiadas, verifica-se que Minas Gerais e Ceará 

A meta do governo federal era atingir 11,4 milhões de famílias até 2006.

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apresentam as maiores discrepâncias, ou seja, a proporção de famílias beneficiadas no total daquelas estimadas como beneficiários potenciais (pobres), é relativamente mais alta, observando-se o inverso principalmente no caso do Rio de Janeiro e Pará. Essas diferenças remetem para a importância de se considerar a trajetória de expansão do programa na avaliação de seus resultados. Na qualidade de uma política que requer a adesão e pactuação intergovernamental, essa expansão pode expressar diferentes condições de barganha federativa e de gestão do programa. Cabe destacar ainda que a seleção de beneficiários é baseada em um cadastro das famílias, sendo o governo municipal responsável pela execução do levantamento, cabendo a um comitê local (‘controle social’) validar a seleção dos beneficiários.

Estratégias de avaliação de programas sociais Estratégias de avaliação ex post têm se revelado uma variante importante na análise dos efeitos dos programas em tela, particularmente em face da nacionalização da política e da recente inclusão da temática em pesquisas nacionais, como é o caso da PNAD. A disponibilidade de microdados relativos às características da família, trajetória educacional, inserção no mercado de trabalho e participação em programas sociais torna possível o desenho de avaliação ex post e quasi-experimental para estimar os efeitos desses programas. Uma implicação importante é a possibilidade de se utilizar non-equivalent group design (TROCHIM, 2002) para estimar os efeitos relativos aos beneficiários e não-beneficiários, mantendo-se sob controle possíveis efeitos relacionados a diferenças prévias entre os grupos e problemas do tipo selection bias. Utilizando um desenho de avaliação ex-ante, Bourguignon et al. (2003) realizaram micro-simulações para avaliar os efeitos potenciais do programa Embora mantenha a validação local da seleção dos beneficiários, o governo federal criou um sistema unificado de cadastro com o objetivo de dotar o programa de ferramentas informacionais e gerenciais de seleção e acompanhamento da concessão dos benefícios. Denúncias de irregularidades e fraudes na seleção dos beneficiários, comprovação de elegibilidade em pagamentos efetuados foram freqüentes na fase de implantação do programa.  Como é sabido, a PNAD tem abrangência nacional, com exceção da área rural dos estados de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá. 

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Bolsa-escola no Brasil. Os autores estimaram um forte impacto da condicionalidade de freqüência escolar sobre a matrícula entre aqueles que não freqüentam a escola no grupo de 10 a 15 anos (um aumento de 40%) e nas famílias pobres (60%). As simulações apontam, no entanto, o efeito nulo ou marginal do programa em reduzir a proporção de crianças e adolescentes que trabalham e estudam. Uma forma de confrontar tais estimativas com os resultados ex post é utilizar a informação da PNAD sobre a participação em programas sociais. A partir de 2001, a PNAD introduziu uma questão sobre a participação de pessoas de 5 a 17 anos em programas sociais voltados para a educação, diferenciando beneficiários de inscritos (potenciais beneficiários). Embora essa informação possa ser utilizada para estimar efeitos de programas que concedem benefícios vinculados à educação, é importante ressaltar as restrições que oferece: em primeiro lugar, a natureza dos benefícios não é especificada, podendo referir-se à transferência monetária ou não; segundo, não discrimina a origem do benefício, se se trata de um programa governamental (e em qual nível de governo) ou de organizações sem fins lucrativos.10 Embora não seja possível estimar os efeitos da presença de condicionalidades ou do montante do benefício diante da possibilidade de que programas distintos possam estar incluídos, parece-nos importante explorar essa informação com vistas a estimar os efeitos da vinculação de benefícios na área educacional. Utilizando os microdados de 2003, Schwartzman concluiu que os programas estão bem focalizados do ponto de vista da renda familiar dos beneficiários, mas direcionados para os grupos etários cuja inserção escolar não é deficitária e necessitam menos de incentivos para ir à escola (2004, p. 13). Ainda que observado um pequeno efeito dos programas na redução do trabalho infantil, principalmente nos grupos mais pobres, o autor chama a atenção de que este efeito é mitigado pelo fato de que a cobertura dos benefícios declina justamente entre os grupos etários mais afetados pelo trabalho infantil, ou seja, a partir dos 14 anos. 

É considerada como “beneficiária de programa social voltado para a educação a pessoa

cuja família atendia aos pré-requisitos necessários e já tinha recebido ou teve homologado o direito de receber esse benefício”, e ‘inscrita em programa social a pessoa cuja família tenha se inscrito em algum programa e estava aguardando homologação da concessão desse benefício” (IBGE, PNAD/2003).

Esclarecimento realizado mediante consulta dos autores junto ao IBGE.

10

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Com foco sobre o trabalho infantil, Ferro e Kassouf (2004) concluíram que a concessão de benefícios vinculados à educação impacta o número de horas mensais de trabalho das crianças, reduzindo-o em até duas horas nas áreas urbanas e três horas na área rural. O aspecto problemático, no entanto, refere-se ao seu impacto sobre a decisão de trabalhar. Para as autoras, entre os que combinam estudo e trabalho, a participação no programa permite aumentar os rendimentos, o que não se aplicaria ao caso daqueles que trabalham em período integral. Nesta situação, o valor dos benefícios não “compensa o seu custo de oportunidade, representado pelos salários de mercado” (2004, p. 14), e os resultados da análise são inconclusivos em relação à decisão de trabalhar ou não. Estimar o efeito dos programas na redução das horas de trabalho requer considerar que a distribuição da probabilidade de trabalhar pode diferir entre os grupos analisados, sendo necessário considerar possíveis efeitos de aspectos não observados que possam afetar a estimação destes resultados. Em atenção a isto, utilizaremos uma estratégia de avaliação do impacto dos programas sociais na redução da jornada de trabalho de crianças e adolescentes, controlando-se os efeitos de condições ou características não observadas que afetam a decisão da pessoa de se inserir no mercado de trabalho. Em primeiro lugar, examinaremos o efeito da participação em programas sociais sobre a freqüência escolar e, em seguida, sobre a jornada de trabalho.

A participação em programas sociais voltados à educação A amostra expandida da PNAD (2003) aponta para um contingente de 8,4 milhões de beneficiários de programas sociais voltados à educação na faixa etária de 5 a 17 anos. A participação relativa dos beneficiários e inscritos nesta população, por estado, é apresentada no gráfico abaixo. A cobertura dos programas é maior, principalmente, nos estados do Nordeste, sendo observada uma participação reduzida de beneficiários entre a população pobre nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Amazonas, Santa Catarina e DF (menos de 15%). Isto indica variações importantes na cobertura desses programas no eixo territorial,

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ou seja, as chances de receber benefícios vinculados à educação variam de acordo com o estado em que o beneficiário potencial reside.

Gráfico 2 - Participação relativa de beneficiários e inscritos na população de 5 a 17 anos, por estados – Brasil, 2003. Fonte: PNAD, 2003 – Elaboração própria.

Contrastando os beneficiários em relação ao income targeting, observam-se variações importantes na focalização dos programas em relação à população pobre. Entre os estados com maior cobertura, parte apresenta programas menos focalizados, como é o caso de Tocantins, Ceará e Bahia. Entre os mais focalizados, destacam-se os estados de Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Paraná e o Distrito Federal (Graf. 3).

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Gráfico 3 - Percentual de pobres e não pobres no total de beneficiários por estados – Brasil, 2003. Fonte: PNAD, 2003 – Elaboração própria. *População pobre = renda familiar mensal per capita de até R$100,00 (set./2003)

Em relação à distribuição dos beneficiários nos principais ciclos educacionais, constata-se a concentração na faixa da escolaridade mínima obrigatória (7 a 14 anos), ou seja, no Ensino Fundamental, principalmente da 3ª à 6ª séries, quando a proporção de beneficiários está entre 29 e 35% dos alunos matriculados. A partir desse ponto, a participação começa a declinar sistematicamente. Esta tendência é aprofundada na transição para o Ensino Médio (de 16,96% para 11,05%) e, depois, na passagem para a segunda série deste ciclo (11,05% para 5,72%). Cabe ressaltar que a idade adequada para esta última série é de16 anos, ou seja, acima da idade elegível para receber, por exemplo, o bolsa-escola/família do governo federal.

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Tabela 1 Idade (média) e participação relativa dos beneficiários e não-beneficiários no total de matriculados por ciclo/série escolar – Brasil, 2003 Não-beneficiários

Curso Série

%

Idade (média)

%

Idade (média)

93,00

5,72

7,00

6,03

1

87,27

7,40

12,73

8,57

2

76,05

8,46

23,95

9,57

3

64,72

9,64

35,28

10,33

4

64,32

10,83

35,68

11,24

5

67,08

12,02

32,92

12,24

6

70,93

12,95

29,07

13,10

7

77,46

13,78

22,54

13,92

8

83,04

14,70

16,96

14,64

1

88,95

15,48

11,05

15,18

2

94,28

16,09

5,72

15,97

3

98,16

16,59

1,84

16,54

4

79,16

16,24

20,84

16,00

Pré-escolar

Regular de 1o. grau (Fundamental)

Regular de 1o. grau (Médio)

Beneficiários

Fonte: PNAD, 2003 – Elaboração própria.

No que tange à trajetória escolar, a tabela acima mostra ainda que os beneficiários matriculados nas primeiras quatro séries do Ensino Fundamental apresentam, na média, uma idade mais elevada do que os não-beneficiários, indicando a inclusão daqueles em atraso escolar. Isto fica claro quando os beneficiários são diferenciados em termos da correspondência entre idade e série em que estão matriculados. Entre os beneficiários matriculados nas duas primeiras séries do Ensino Fundamental, é maior a proporção daqueles em atraso escolar (com idade acima da esperada para a respectiva série). A partir deste ponto, a tendência reverte e este grupo, mais vulnerável à evasão e defasagem escolar, concentra ligeiramente menos beneficiários nas séries e ciclos subseqüentes (Graf. 4).

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Gráfico 4 - Porcentagem de beneficiários de programas sociais vinculados à educação segundo relação idade/série – Brasil, 2003. Fonte: PNAD, 2003. Elaboração própria. IEA = idade escolar adequada para a série; AE = Atraso escolar.

Além dessas variações, cabe considerar outras dimensões do background social da população entre 5 e 17 anos e suas implicações em relação às oportunidades econômicas e educacionais. Do ponto de vista de gênero, as diferenças entre os beneficiários do sexo feminino e masculino, relativamente aos nãobeneficiários, não são estatisticamente significativas. A dimensão racial, entretanto, introduz variações importantes em relação aos beneficiários. A participação de pardos e negros no grupo dos beneficiários é ascendente até a quarta série do Ensino Fundamental, declinando a partir deste ponto. Embora, a proporção de brancos entre os beneficiários seja relativamente menor, a sua participação nas demais séries não sofre as oscilações observadas em relação aos demais grupos (Graf. 5).

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Gráfico 5 - Percentual de beneficiários por raça e série do Ensino Fundamental – Brasil, 2005. Fonte: PNAD, 2003. Elaboração própria.

Efeitos da participação em programas sociais sobre a matrícula escolar Nesta seção analisaremos o efeito da participação em programas voltados para a educação sobre a matrícula escolar, ou seja, pretende-se verificar se estes programas incentivam a inserção dos beneficiários no sistema escolar Quando consideramos a proporção de beneficiários e não-beneficiários no total dos matriculados, observamos uma oscilação expressiva no grupo etário abaixo e acima da faixa de escolaridade mínima obrigatória (Graf. 6).

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Gráfico 6 - Proporção de beneficiários e não-beneficiários de programas sociais que freqüentam escola, por idade – Brasil, 2003. O desafio de estimar os efeitos dos programas em questão, considerando os beneficiários e não-beneficiários em uma avaliação quasi-experimental, é o de estabelecer uma base adequada de comparação entre indivíduos que podem diferir sistematicamente em relação às características prévias, evitando-se assim estimativas enviesadas (DEHEJIA; WAHBA, 1994). Procedimentos como o propensity score-matching são uma alternativa neste sentido. A estimativa dos efeitos dos programas é baseada na comparação entre unidades em termos de características observáveis, emparelhando beneficiário a não-beneficiário(s) similares. Este propensity score refere-se à probabilidade condicional de participar de um dado tratamento, no caso os programas sociais, ao longo de co-variáveis observadas (ROSENBAUM; RUBIN, 1983). A partir desta estimativa, que reduz a multidimensionalidade a uma única informação, comparam-se os beneficiários e não-beneficiários com escores próximos. Tendo em vista a possível heterogeneidade dos benefícios e dos procedimentos de inclusão nos programas inseridos na amostra em análise, a estimativa de seus efeitos sobre a matrícula escolar será feita a partir desta metodologia.

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Para a estimativa da probabilidade de ser beneficiário, consideramos as seguintes variáveis: grupo etário (5-9 anos; 10-14 anos; 15-17 anos), sexo (feminino como categoria de referência); raça (branco como referência); residência em área urbana, região e, por fim, a renda familiar mensal per capita (logaritmo natural). A tabela abaixo descreve os coeficientes estimados pela regressão logística para cada variável independente. Os resultados apontam que estar nos grupos etários de 10-14 anos e 15-17 anos aumenta a chance de ser beneficiário, e que ocorre o inverso com as crianças menores. De fato, o grupo intermediário (10-14) concentra o maior número de beneficiários. Cabe ressaltar que isto não implica que os estudantes dos ciclos escolares mais avançados sejam mais beneficiados devido à incidência de atraso escolar entre aqueles elegíveis para programas dessa natureza. Gênero não afeta a probabilidade de participar dos programas, não sendo estatísticamente significativo o coeficiente obtido para a variável sexo. Do ponto de vista racial, o modelo indica que a probabilidade de ser beneficiário, no caso dos negros e pardos é, respectivamente, 25,1% e 26,7% maior em relação aos brancos, sendo que para indígenas e asiáticos o resultado não é estatisticamente significativo. Conforme esperado, a renda familiar per capita está negativamente associada à probabilidade de participar de programas dessa natureza. O valor predito para a variável “Beneficiário de Programas Sociais” é assumido como propensity score, ou seja, uma medida da probabilidade de participar desses programas. A comparação entre beneficiários e não-beneficiários é feita para os pares com comum suporte, ou seja, cada beneficiário é associado a um não-beneficiário que tenha perfil similar.11 Em seguida, o efeito dos programas sobre a matrícula escolar é estimado: os resultados mostram que o efeito dos programas em relação à proporção de beneficiários matriculados (Average Treatment Effect on the Treated –ATT) é .116 ou uma diferença de 11,6% em relação aos não-beneficiários. Isto indica que entre os beneficiários a proporção de matriculados atinge 97,8%, enquanto entre os não-beneficiários com perfil similar a porcentagem é de 86,2%. Considerando o efeito global dos programas (Average Treatment Effect – ATE), a diferença é de 7,9%. Nesta análise, definimos o matching em relação a quatro vizinhos mais próximos em termos do propensivity score.

11

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Tabela 2 Estimativa do Propensity score para a participação em programas sociais voltados à educação – Brasil, 2003 Beneficiário

[95% Conf. Interval]

Coef.

Std. Err.

z

P>|z|

05-09 anos

-.1670579

.0304415

-5.49

0.000

-.2267221

-.1073937

10-14 anos

.9071384

.0180691

50.20

0.000

.8717236

.9425532

15-17 anos

.2597764

.0145873

17.81

0.000

.2311858

.288367

Masculino

-.0043381

.0183234

-0.24

0.813

-.0402513

.031575

Indígena

.238284

.1846391

1.29

0.197

-.123602

.6001699

Negro

.2243469

.0408488

5.49

0.000

.1442848

.3044091

Amarela

-.3229601

.2225805

-1.45

0.147

-.7592099

.1132897

Parda

.2368941

.0213375

11.10

0.000

.1950733

.278715

-.42258

.0231392

-18.26

0.000

-.4679319

-.3772281

Nordeste

.3123162

.0297876

10.48

0.000

.2539335

.3706989

Sudeste

-.1850228

.0334332

-5.53

0.000

-.2505506

-.119495

Sul

-.0266048

.0394048

-0.68

0.500

-.1038369

.0506273

Centro-Oeste

.1110629

.0385897

2.88

0.004

.0354285

.1866973

LN Renda fam. Per capita

-.7320019

.010895

-67.19

0.000

-.7533557

-.7106482

_cons

1.064.939

.0695977

15.30

0.000

.9285302

1.201348

Urbana

N= 87923 (amostra) Log likelihood=-37296.547 P chi2= 0.0000 (Continua)

Horas de trabalho semanais

Coef.

Std. Err. Robusto

Z

P>|z|

Masculino

3.088663

.3785057

8.16

0.000

2.346806

3.830521

Idade

2.623918

.0721867

36.35

0.000

2.482434

2.765401

Indigena

-3.567979

2.922121

-1.22

0.222

-9.295.231

2.159272

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95% intervalo de confiança

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270

Magna Inácio | Murilo Fahel | Juliana Estrella

(Conclusão)

Negro

-1.651024

.7725198

-2.14

0.033

-3.165.135

-.1369132

Asiatico

-4.732995

3.443357

-1.37

0.169

-1.148185

2.015861

Pardo

.1254316

.3178345

0.39

0.693

-.4975125

.7483757

Famíla uniparental (mãe)

1.658132

.4527441

3.66

0.000

.7707695

2.545494

Beneficiário

-1.255265

.3430541

-3.66

0.000

-1.927639

-.5828915

Frequenta escola

-11.59357

.4952773

-23.41

0.000

-12.5643

-10.62285

_cons

-7.609598

1.632311

-4.66

0.000

-1.080887

-4.410328

LNRenda familiar (pc)

-.0486972

.0086228

-5.65

0.000

-.0655976

-.0317968

Nordeste

.0717387

.0265004

2.71

0.007

.0197989

.1236784

Sudeste

-.173105

.0284347

-6.09

0.000

-.228836

-.1173741

Sul

.1594963

.031283

5.10

0.000

.0981827

.2208099

Centro-oeste

-.0982276

.0323537

-3.04

0.002

-.1616396

-.0348155

urbana

-.7969174

.0193732

-41.13

0.000

-.8348882

-.7589465

Masculino

.437242

.0161326

27.10

0.000

.4056228

.4688613

Idade

.1446313

.0042534

34.00

0.000

.1362949

.1529677

Indigena

-.1759545

.1896399

-0.93

0.353

-.5476419

.1957329

Negro

-.0754657

.03791

-1.99

0.047

-.149768

-.0011634

Asiatico

-.1451862

.1635113

-0.89

0.375

-.4656626

.1752902

Pardo

.0510083

.018167

2.81

0.005

.0154018

.0866149

Famíla uniparental (mãe)

-.0605328

.0206213

-2.94

0.003

-.1009499

-.0201157

Beneficiário

-.0297302

.019702

-1.51

0.131

-.0683455

.0088851

Frequenta escola

-.4725333

.0278509

-16.97

0.000

-.5271201

-.4179464

_cons

-1.919641

.0849951

-22.59

0.000

-2.086228

-1.753054

/athrho

.298389

.0410882

7.26

0.000

.2178577

.3789204

/lnsigma

2.555497

.0120146

212.70

0.000

2.531949

2.579045

rho

.2898377

.0376365

.2144752

.3617695

sigma

12.8777

.1547208

1.257799

1.318454

lambda

3.732442

.5155943

2.721896

4.742989

Seleção Se trabalha

Wald test of indep. eqns. (rho = 0): chi2(1) = 52.74 Prob > chi2 = 0.0000 Fonte: PNAD, 20003. Elaboração própria.

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A chance de estar trabalhando é menor para quem frequenta a escola do que para aqueles que estão fora dela. Embora o sinal do coeficiente para “ser beneficiário de programas sociais” seja também negativo, a associação não é estatisticamente significativa. Este resultado, no entanto, deve ser interpretado no contexto da correção de vieses associados à seleção das unidades de análise. Cabe destacar que, no procedimento utilizado, os resíduos da equação de seleção são convertidos em fator de controle de selection bias, que reflete os efeitos dos fatores não observados que afetam a probabilidade de trabalhar. O valor deste fator é expresso pelo lambda ou o coeficiente estimado para a variável de seleção, neste caso, igual a 3.81. O erro padronizado, ajustado para a equação das horas trabalhadas, é dado pelo sigma (12.90905). O coeficiente de correlação entre as características não observadas que determinam a probabilidade de trabalhar e aquelas que determinam as horas trabalhadas é dado pelo rho = .295. Esta correlação entre as características não observadas nas equações relativas à seleção (se trabalha) e horas de trabalho é positiva. Ou seja, os fatores que aumentam a probabilidade de as crianças e adolescentes trabalharem atuam, também, para aumentar o número de horas trabalhadas. Após corrigidos os vieses associados à probabilidade de trabalhar e controlado o efeito de outras variáveis que podem afetar o número de horas trabalhadas, o fato de ser beneficiário dos programas sociais voltados à educação mantém-se ainda um importante efeito sobre a redução das horas trabalhadas. Embora não seja estatisticamente significativo o efeito de ser beneficiário de programas sobre o envolvimento de crianças e adolescentes em atividades laborais, ele o é sobre o número de horas trabalhadas. Dado o efeito de estar matriculado, os programas que condicionam o acesso aos benefícios à freqüência escolar – e se isto é de fato efetivo – podem induzir a uma redução significativa da jornada de trabalho das crianças e adolescentes.

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Conclusões Neste artigo procuramos avaliar os efeitos de programas sociais voltados à educação sobre a matrícula escolar e jornada de trabalho. Com este objetivo, utilizamos estratégias de análise que permitiram uma avaliação quasi-experimental dos resultados dos programas sociais voltados à educação a partir dos microdados da PNAD. A mensuração dos resultados contou com condições mais adequadas de comparação entre os beneficiários e não-beneficiários de programas sociais, principalmente em face dos limites para a diferenciação dos grupos a partir das informações disponíveis em relação às suas características prévias, processos de inclusão e condição de participação em tais programas. Constatamos que os beneficiários do programa estão matriculados em maior proporção do que os não beneficiários, indicando que um efeito importante do programa é o incentivo ao engajamento da criança e adolescente no sistema escolar. Como este efeito é significativamente maior entre os beneficiários quando comparados a indivíduos com características similares, é possível argumentar que a participação deles não está associada apenas à expansão educacional. Em relação à jornada de trabalho, a análise do efeito dos programas sobre o número de horas trabalhadas baseou-se na probabilidade de crianças e adolescentes trabalharem ou não. Constatamos que, de fato, o volume de horas trabalhadas é maior entre aqueles com maior probabilidade de envolver-se em atividades laborais, considerando as características observadas (sexo, raça, renda, tipo de família, local de residência, inserção escolar e participação em programas sociais) e não observadas. Ainda que não tenha impacto significativo sobre a realização de atividades remuneradas ou não, a participação nos programas vinculados à educação reduz o número de horas trabalhadas. Isto aponta para a tendência de combinar trabalho e estudo por parte daqueles que são mais propensos a entrar para o mercado de trabalho e/ou assumir responsabilidades e tarefas na esfera familiar. Em suma, a ausência de efeito sobre a decisão de trabalhar deve ser interpretada à luz dos diferenciais na probabilidade de trabalhar que podem ser observados em relação aos beneficiários daqueles programas.

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Magna Inácio | Murilo Fahel | Juliana Estrella

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Políticas de transferência direta de renda, capital social e alcance educacional no Brasil Jorge Alexandre Barbosa Neves Danielle Cireno Fernandes Flavia Pereira Xavier Maria Carolina Tomás

As políticas de transferência direta de renda, embora bastante recentes, têm se tornado cada dia mais importantes no cenário latino-americano. No caso brasileiro, o Programa Bolsa Família alcançou grande relevância política e social nos últimos anos. Ele tem sido identificado como um dos grandes responsáveis pela popularidade relativamente elevada do Governo do Presidente Lula. Todavia, muitos o têm criticado por seu suposto assistencialismo e por representar apenas um gasto de consumo, que em nada lembraria um investimento com impactos de longo prazo. Embora a avaliação do programa realizada recentemente (OLIVEIRA, 2007) tenha demonstrado que ele tem alguns importantes impactos sociais, os resultados relativamente inconclusivos com relação a seus possíveis efeitos sobre a educação têm reforçado as críticas ao programa, visto que as condicionalidades e outras características dessa política pública levavam à expectativa de consistentes efeitos sobre a educação. Nosso objetivo principal neste artigo é demonstrar que as avaliações feitas a respeito do Programa Bolsa Família até agora podem estar desconsiderando um importante efeito indireto do programa sobre a educação. Mais especificamente, mostraremos que através da geração de um maior estoque de

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capital social o Programa Bolsa Família pode impactar o alcance educacional dos filhos das famílias beneficiadas.

Capital social e educação Embora o que hoje é denominado capital social seja um fenômeno de grande interesse da Sociologia desde o século XIX, a discussão específica sobre este conceito ganhou grande força a partir dos anos 1980. Vários aspectos, dimensões e efeitos diferentes do capital social têm sido abordados desde então. Morgan e SΦrensen (1999), entre outros, chamam a atenção para a relativa imprecisão do conceito de capital social. Embora eles tenham certa razão, acreditamos que é possível uma definição geral de capital social a partir da capacidade de uma coletividade qualquer de agir em prol da maximização da satisfação do interesse coletivo, superando assim dificuldades relativas ao problema da ação coletiva, quando predomina a ação individual egoísta – de caráter racional-instrumental – que leva à ineficiência coletiva, ou seja, à não realização do interesse comum. Portes (1998, p. 9) ressalta que o entendimento a respeito de capital social na Sociologia atual indica que ele apresenta três diferentes funções: “a) como uma fonte de controle social; b) como uma fonte de suporte familiar; c) como uma fonte de benefícios, por meio de redes extrafamiliares” (tradução nossa). Na discussão do presente artigo, nossa análise irá se focar sobre as duas últimas funções do capital social. A maior parte dos estudos sobre os efeitos do capital social sobre a educação está focada na questão do suporte familiar. Neste caso, busca-se observar os possíveis efeitos do que se convencionou chamar de “capital social familiar” (ou “intrafamiliar”) sobre o desempenho ou alcance educacional de crianças e adolescentes. A hipótese a ser testada seria, portanto, a de que, mantendo-se constantes todos os outros fatores, quanto maior o estoque de capital social familiar, melhores seriam os indicadores de desempenho ou o alcance educacional das crianças e adolescentes pertencentes à família. Esta hipótese tem sido confirmada por várias pesquisas empíricas, inclusive no Brasil. Todavia, muitas dessas pesquisas – inclusive brasileiras (HASENBALG, 2003) – têm utilizado como indicadores de capital social familiar apenas informações sobre número de filhos e sobre a presença do pai e da mãe no domicílio. Ora, se o

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estudo sobre os efeitos do capital social familiar sobre a educação diz respeito à disponibilidade de recursos familiares de caráter não-financeiro para as crianças e adolescentes da família (como é o caso dos dois indicadores citados acima), um outro importante fator tem estado ausente de grande parte das pesquisas, qual seja, a questão do tempo disponível dos pais para o acompanhamento dos filhos. Outros estudos já apresentaram algumas primeiras evidências a esse respeito (ALVES, 2006). Outro aspecto da relação entre capital social e educação que tem sido bem menos explorado nos estudos educacionais diz respeito à terceira função do capital social citada acima, qual seja, a obtenção de benefícios individuais ou coletivos a partir de redes sociais extrafamiliares. Uma exceção se refere aos estudos sobre o que ficou conhecido como intergenerational social closure. Esses estudos – entre os quais se destaca o de Carbonaro (1998) – têm tentado identificar possíveis efeitos positivos da presença de redes sociais intergeracionais (ver nota 2 ao final desta página) sobre o desempenho educacional de estudantes. Coleman (1988) acreditava que, entre outras razões, a forte presença desse tipo de redes sociais entre pais e alunos de escolas católicas explicaria a superioridade dessas escolas sobre as escolas públicas – medida a partir do desempenho dos alunos em testes padronizados – nos EUA. Embora as evidências a favor dessa hipótese sejam contraditórias (MORGAN; SΦRENSEN, 1999), ela abriu um interessante caminho de investigação. O próprio trabalho de Morgan e SΦrensen (1999) aponta para possíveis efeitos positivos da presença de redes sociais sobre o desempenho educacional. Este tipo de capital social, constituído por redes sociais extrafamiliares, pode ser bastante relevante para o estudo do desempenho ou alcance educacional. Para Bourdieu (1980), esse tipo de capital social pode ser definido como o conjunto de recursos atuais ou potenciais que estão vinculados à posse de um conjunto durável de relações mais ou menos institucionalizadas de interconhecimento e de reconhecimento mútuo, ou, Esse estudo mostra que quanto maior a presença da mãe no ambiente doméstico (medido a partir do número de horas de trabalho não-doméstico realizado pela mãe) melhor é o desempenho escolar dos filhos. Em outras palavras, quanto menos tempo a mãe trabalha fora do ambiente doméstico, melhor para os seus filhos, em termos de desempenho escolar. O mesmo tipo de relação não se observa – no referido estudo – para o caso dos pais.  Não parece haver uma boa tradução desse conceito para o português. Uma tradução ao pé da letra seria “fechamento social intergeracional”. Esse conceito, proposto por Coleman (1988), se refere a “uma rede social na qual os pais de um grupo de amigos também são amigos entre si” (HALLINAN; KUBITSCHEK, 1999, p. 687, tradução nossa). 

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em outros termos, à vinculação a um grupo, como conjunto de agentes que não são somente dotados de propriedades comuns, mas também são unidos por ligações permanentes e úteis. Portanto, o capital social comunitário estaria relacionado à rede de relações sociais dos indivíduos. E de que forma ele poderia agir positivamente sobre o desempenho ou alcance educacional de crianças e adolescentes? Em termos macro-sociais, esta é uma pergunta que pode ser respondida de diferentes formas, a partir de um mergulho em importantes tradições sociológicas. Entre os grandes fundadores da Sociologia, Durkheim (1977) foi, provavelmente, o que primeiro percebeu a ligação entre pertencimento a grupos sociais e coesão social. Ele apresentou o conceito de “densidade moral” para representar a coesão do tecido social. Por outro lado, Weber (1978) – ao analisar os tipos ideais da ação social – propôs um importante conceito, qual seja, o de “ação social racional com relação a valores”. Nesse tipo ideal de ação racional, o indivíduo é guiado por valores que ele compartilha com outros. Nesse sentido, é possível argumentar que a participação em grupos sociais ou organizações pode influenciar a formação de valores coletivos, a partir da identificação dos indivíduos com o grupo ou organização, o que pode colaborar para a coesão social. Anderson (2001) argumenta justamente que a identificação dos indivíduos com grupos ou organizações é um importante mecanismo de superação do problema da ação coletiva (através da transformação de preferências), o que pode fazer com que os indivíduos possam racionalmente escolher estratégias de cooperação. Coleman (1988) – ao analisar o papel do capital social na formação de capital humano – identificava, precisamente, os efeitos positivos da coesão social intrafamiliar ou comunitária sobre a formação educacional das novas gerações. Em outras palavras, podemos esperar, portanto, que a formação de capital social leve à superação do problema da ação coletiva, resultando, assim, em maior coesão social e na escolha de estratégias cooperativas. Mais especificamente, acreditamos que o processo de formação de capital social é tanto um sinalizador quanto um formador de 

Smith (2005) mostra que a chamada Economia Experimental tem demonstrado que os indivíduos, com freqüência, escolhem estratégias cooperativas opostas ao que os economistas neoclássicos costumam esperar. Todavia, sua linha de explicação vai em uma direção bastante diferente daquela apresentada por Anderson (2001), visto que Smith faz uso de um conceito de racionalidade (que ele chama de “ecológica”) que é bastante diferente do conceito geralmente presente nas ciências sociais (e presente na abordagem de Anderson), que ele chama de construtivista. Para ele, estratégias cooperativas são racionais porque se provaram eficazes no processo evolutivo da humanidade.

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preferências morais, ou seja, de um lado, um maior estoque de capital social é um indicador da presença de maior moralidade dos indivíduos e, de outro, o processo de formação de capital social leva à constituição de preferências individuais de caráter moral. Apresentamos neste artigo, portanto, uma hipótese a respeito da relação entre capital social comunitário (ou seja, baseado em redes extrafamiliares) e educação, que tem fortes raízes na teoria sociológica. Nossa hipótese é a de que há uma associação positiva entre capital social comunitário e educação (medida tanto em termos de desempenho quanto de alcance educacional), ou seja, nossa expectativa é a de que em famílias nas quais os pais têm maior nível de participação em redes extrafamiliares seus filhos apresentarão melhores resultados educacionais. Essa relação operaria através de dois diferentes mecanismos igualmente plausíveis: I. Primeiramente, propomos o argumento de que capital social comunitário

está associado a preferências morais, ou seja, acreditamos que a maior inserção de indivíduos em redes extrafamiliares é tanto um sinalizador quanto um formador de preferências. Mais especificamente, estamos argumentando tanto que indivíduos com maior nível de inserção em redes extrafamiliares tendem a apresentar um maior grau de moralidade (no sentido de maior comprometimento com o interesse coletivo), quanto que o processo de inserção dos indivíduos nessas redes opera no sentido da transformação de suas preferências, elevando assim seus níveis de moralidade.

II. Em segundo lugar, acreditamos que a maior inserção dos pais em redes

extrafamiliares opera no sentido de expandir as oportunidades educacionais para seus filhos (o que seria mais relevante para famílias de menor nível socioeconômico), visto que através dessas redes os pais podem conseguir vagas para seus filhos em escolas de melhor qualidade.

Esta hipótese é apresentada em adição àquela sobre os efeitos positivos do capital social familiar sobre a educação, que é uma hipótese já presente em trabalhos anteriores, o que foi ressaltado acima.  Nossa hipótese é aplicável tanto para uma análise do desempenho quanto do alcance. Todavia, devemos ressaltar que nossa análise empírica – que será apresentada adiante – só nos permite testar a hipótese com referência ao alcance educacional.  Ambos os mecanismos estão embasados em abordagens teóricas sobre capital social. Ao passo que o primeiro mecanismo teria como base a abordagem de Coleman (1988), o segundo estaria fundamentado na abordagem de Bourdieu (1980). Acreditamos que ambas as abordagens são relevantes e que são complementares, o que faz com que seja possível trabalhá-las de forma conjunta. 

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Para testar as hipóteses de que tanto o capital social familiar (representado em nossa análise por diferentes indicadores, mas devotando especial atenção ao indicador referente ao tempo de trabalho da mãe fora do ambiente doméstico) quanto o comunitário apresentam efeitos positivos sobre o alcance educacional, utilizamos os dados da Pesquisa Nacional por Amostra Domiciliar de 1988 (PNAD-1988), pois é o único banco de dados que permite a realização da análise proposta. No caso do capital social comunitário, a PNAD-1988 tem um excelente indicador, referente à participação dos indivíduos em organizações sociais (de diferentes naturezas: religiosas, políticas, sindicais etc.). Foram selecionados 39.998 jovens entre 18 e 24 anos, pois nessa faixa de idade os indivíduos já concluíram boa parte de sua formação educacional, e uma significativa proporção deles ainda reside na casa dos pais. Ao todo, 51% são mulheres e 49% são homens. Cerca de 55% são brancos. As variáveis incluídas na análise são:  Sexo – variável indicadora, na qual masculino = 1 (variável de controle);  Cor – variável indicadora, na qual negro = 1 (variável de controle);  Regiões – quatro variáveis indicadoras, tendo a Região Sudeste como categoria de referência (variáveis de controle);  Educação da mãe – anos de estudo completados com sucesso (variável de controle);  Ocupação do pai – índice socioeconômico da ocupação (variável de controle);



Coleman (1988) propõe a existência de uma associação positiva entre os dois tipos de

capital social (familiar e comunitário). Em sua análise dos efeitos do capital social sobre a formação do capital humano, ele defende a idéia de que em comunidades formadas por famílias nas quais predomina um alto estoque de capital social intrafamiliar, se observará também uma maior capacidade de ação coletiva. Para ele, portanto, em sua análise do efeito do capital social sobre a educação, os mesmos pais que apresentam um padrão de comportamento voltado para o interesse na formação educacional dos seus filhos serão indivíduos que irão se preocupar com a qualidade do ensino na escola pública da comunidade.

A residência na casa dos pais é um critério necessário para que tenhamos as informações relativas às variáveis referentes às mães e aos pais. Todavia, na análise foram incluídos aqueles que não residem com seus pais. Para tanto, foram incluídas variáveis de controle de viés de seletividade através da imputação pela média.  Ver Pastore e Silva (2000). 

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 Horas trabalhadas pela mãe – logaritmo das horas trabalhadas por semana pela mãe (variável teste);10  Número de irmãos – número total de irmãos do indivíduo, baseando-se no número de filhos que residem no domicílio, ou seja, não se está considerando os filhos/irmãos que moram fora do domicílio (variável teste);  Proporção de crianças por adulto no domicílio – razão entre o número de crianças até 12 anos e o total de adultos que residem no domicílio (variável teste);  Participação do pai em organizações sociais – duas variáveis indicadoras; uma em que 1 indica que o pai participa de algum tipo de associação (variável teste) e outra em que 1 indica que o pai do jovem não respondeu a esse quesito (variável de controle);  Participação da mãe em organizações sociais – duas variáveis indicadoras; uma em que 1 indica que a mãe participa de algum tipo de associação (variável teste) e outra em que 1 indica que a mãe do jovem não respondeu a esse quesito (variável de controle);  Alcance educacional do jovem – anos de estudos completados com sucesso (variável dependente). As variáveis relativas aos pais e às mães foram construídas a partir das informações dos chefes e cônjuges do domicílio. Ou seja, todos os homens que se declararam chefes ou cônjuges foram considerados pais e o mesmo foi considerado para as mulheres. Dessa maneira, as variáveis referentes à participação de pais ou mães em organizações sociais e o total de horas trabalhadas por semana pelas mães não podem ser calculadas para os jovens que não estão na posição de filhos. Para essas variáveis, bem como as variáveis referentes ao número de irmãos e a proporção de crianças por adulto, educação da mãe e ocupação do pai, foi introduzida uma variável para o controle de seletividade para os jovens que não apresentavam a resposta, ou seja, para aqueles que se declararam pensionistas, outros parentes, agregados etc. Ressalta-se, ainda, que os dados sobre ocupação e educação dos pais e educação das mães para os chefes e cônjuges são as respostas diretas dos entrevistados, ao passo que, para os jovens na condição de filhos, foi considerada a informação dos chefes e cônjuges homens como pais e chefes e cônjuges mulheres como mães. As horas de trabalho dos pais não foram incluídas no modelo, pois isto mostrou-se irrelevante.

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Os resultados da análise mostram forte evidência a favor das hipóteses referentes aos efeitos tanto do capital social familiar quanto do comunitário. O terceiro modelo da TAB. 1 mostra que, mesmo consideradas todas as variáveis de controle, todas as variáveis de capital social apresentaram efeitos extremamente significantes. Podemos resumir assim os resultados observados: todos os indicadores de capital social familiar apresentaram os efeitos esperados. Podemos observar que o aumento tanto do número de irmãos quanto da proporção de crianças por adultos no domicílio reduz significativamente o alcance educacional do jovem. Da mesma forma (e ainda mais importante para os objetivos deste artigo), vemos que uma elevação no tempo de trabalho extradoméstico das mães reduz o alcance educacional dos filhos. Mais especificamente, podemos concluir, a partir dos resultados, que a elevação de 100% no tempo de trabalho extradoméstico da mãe reduz em quase 0,15 ano de escolaridade o alcance educacional do filho.11 I. A participação dos pais em organizações sociais eleva, em média, em 0,4

ano a escolaridade do filho, ao passo que a participação das mães eleva em quase 0,17 ano a escolaridade do filho. Portanto, podemos concluir que o associativismo dos pais tem, de fato, um efeito independente e significante sobre o alcance educacional dos filhos. Tabela 1 Coeficientes não-padronizados e padronizados dos Modelos de Regressão Linear Múltipla Modelo I

  Variaveis

Modelo II

(Continua)

Modelo III

Coeficientes

Beta

Coeficientes

Beta

Coeficientes

Beta

sexo

-0,501*

-0,067

-0,741*

-0,099

-0,728*

-0,097

cor

-0,870*

-0,115

-0,758*

-0,006

-0,738*

-0,098

sul

0,019

0,002

0,060

0,006

0,006

0,0005

-0,789*

-0,096

-0,627*

-0,076

-0,634*

-0,077

centro-oeste

0,004

0,0003

0,119**

0,008

0,116**

0,008

norte

0,087

0,004

0,332*

0,016

0,349*

0,017

nordeste

Visto que o coeficiente de regressão referente a essa variável deve ser interpretado como um modelo lin-log (ver Gujarati, 2000, p. 159-163).

11

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283

(Conclusão)

viveu no meio urbano até 15 anos

2,556*

0,337

2,406*

0,317

2,409*

0,317

viveu no meio urbano e rural até 15 anos

1,461*

0,114

1,465*

0,114

1,474*

0,115

educação da mãe

0,438*

0,346

0,412*

0,326

0,402*

0,318

controle de seletividade da educação da mãe

0,415*

0,042

0,333*

0,033

0,250*

0,025

ocupação do pai

0,013*

0,052

0,022*

0,029

0,021*

0,011

controle de seletividade da ocupação do pai

0,390*

0,024

0,219*

0,040

0,079***

0,039

número de irmãos

 

 

-0,067*

-0,013

-0,074*

-0,015

controle de seletividade de numero de irmãos

 

 

0,397*

0,052

-0,634*

-0,083

logaritmo das horas trabalhadas da mãe

 

 

-0,177*

-0,011

-0,148*

-0,010

controle de seletividade das horas trabalhadas da mãe

 

 

-0,267*

-0,029

-0,278*

-0,030

proporção de crianças por adultos

 

 

-1,271*

-0,102

-1,239*

-0,099

controle de seletividade de crianças por adultos

 

 

-1,037*

-0,135

-1,041*

-0,136

participação do pai em associações

 

 

 

 

0,401*

0,041

não resposta quanto a participação do pai

 

 

 

 

-0,270*

-0,036

participação da mãe em associações

 

 

 

 

0,167*

0,014

não resposta quanto a participação da mãe

 

 

 

 

-0,780*

-0,103

constante

3,326*

 

5,328*

 

6,392*

R2

0.3756

 

0.4068

 

0.4101

 

Observações Variavel dependente: educação do indivíduo * significante a 0,01 ** significante a 0,05 ***significante a 0,10

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Podemos observar, portanto, que o capital social – tanto familiar quanto comunitário – tem um efeito positivo, estatisticamente significativo e substantivamente relevante sobre o alcance educacional dos jovens. Dessa forma, podemos concluir pela confirmação das duas primeiras hipóteses de pesquisa apresentadas neste artigo.12

Políticas de transferência direta de renda e capital social A questão das transferências intergeracionais de recursos familiares de várias naturezas tem sido central em diferentes disciplinas (ver, entre outros, BECKER; TOMES, 1986; BECKER; MURPHY, 1988; ROBERTS; RICHARDS; BENGTSON, 1991; KRONEBUSCH; SCHLESINGER, 1994; RIOSNETO, 2005). Um dos principais exemplos de transferências intergeracionais é o investimento dos pais na educação dos seus filhos (RIOS-NETO, 2005). Tal investimento se dá através da transferência de recursos financeiros e não financeiros. Entre os recursos não financeiros encontra-se, em particular, o capital social familiar, representado pela dedicação de tempo dos pais à formação educacional dos filhos. Como pudemos ver na seção anterior, todos os indicadores de capital social familiar apresentam efeitos bastante robustos sobre o alcance educacional dos jovens. Todavia, quando as famílias sofrem com fortes restrições orçamentárias, há uma tendência a um sub-investimento na educação dos filhos, causando uma situação de ineficiência na transmissão intergeracional de recursos (BECKER; TOMES, 1986; RIOS-NETO, 2005). “Um programa de transferência direta de renda como, por exemplo, o Programa Bolsa Família brasileiro, poderia também melhorar esta eficiência” (RIOS-NETO, 2005, p. 38). Todavia, a recente avaliação do Programa Bolsa Família realizada pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar) da Universidade Federal de Minas Gerais (OLIVEIRA et al., 2007) parece indicar resultados pouco claros quanto aos efeitos diretos do programa É importante ressaltar que mesmo um detalhamento apresentado na segunda hipótese – qual seja, o de que o efeito do capital social comunitário seria maior para famílias de menor status socioeconômico – se mostrou válido. Foi feito um teste do termo interativo entre status ocupacional do pai e a participação do pai em organizações sociais e foi encontrado um valor negativo e estatisticamente significante.

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sobre alguns indicadores de educação, em particular, freqüência e progressão. Torna-se necessário, portanto, analisar a relevância de alguns possíveis resultados indiretos do Programa Bolsa Família sobre variáveis de educação. Um possível mecanismo de efeito indireto desse programa sobre a educação pode se dar justamente através do capital social. Como vimos acima, o tempo de trabalho extradoméstico das mães age no sentido da redução do alcance educacional dos jovens analisados. Portanto, lançamos nesta seção a hipótese de que o Programa Bolsa Família reduz o tempo de trabalho das mães, contribuindo, assim, para o melhor nível de alcance educacional dos filhos, no longo prazo. A segunda parte dessa hipótese foi testada acima, quando ficou claro que uma menor jornada de trabalho por parte das mães contribui para um maior alcance educacional dos filhos. Iremos, agora, testar a primeira parte da hipótese, observando se o recebimento do benefício do Programa Bolsa Família leva, de fato, a uma menor jornada de trabalho extradoméstico por parte das mães. Para a realização do teste de tal hipótese, estimamos um Modelo Heckman de Dois Estágios, a partir dos dados da PNAD-2004.13 No primeiro estágio estimamos – a partir de uma Equação Probit para dados categóricos – se a mulher está ou não trabalhando em atividades extradomésticas. A partir dessa equação, geramos um coeficiente (lambda) que é utilizado para o controle de possíveis vieses de seletividade na estimação do segundo estágio, baseado em uma equação linear, cuja variável dependente é o logaritmo natural do tempo de trabalho das mulheres. Nossa intenção é observar se as mulheres beneficiárias do Programa Bolsa Família tendem a trabalhar menos horas do que as não beneficiárias. Foi selecionado da amostra total da PNAD-2004 um conjunto de 17.759 mulheres que eram mães de filhos com até 15 anos de idade e cujas famílias apresentavam as características necessárias para torná-las admissíveis aPrograma Bolsa Família. As variáveis incluídas no modelo são:  É beneficiária do Programa Bolsa Família – variável dicotômica, na qual sim = 1 (variável teste);  Idade (variável de controle);  Escolaridade – em número de anos concluídos com sucesso (variável de controle); A PNAD-2004 foi a primeira pesquisa amostral de âmbito nacional a coletar dados sobre o recebimento do Programa Bolsa Família.

13

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 Raça – variável dicotômica, na qual branca = 1 (variável de controle);  Renda familiar per capita (variável de controle);  Horas de trabalho doméstico (variável de controle);  Tem filho de 0 a 7 anos – variável dicotômica, na qual sim = 1 (variável de controle);  Número total de filhos de 0 a 15 anos (variável de controle);  Vive em área urbana – variável dicotômica, na qual sim = 1 (variável de controle);  Série de variáveis dicotômicas para as regiões do País, na qual a Região Nordeste é o grupo de referência (variáveis de controle);  Cônjuge trabalha – variável dicotômica, na qual sim = 1 (variável de controle);  Cônjuge ajuda nas tarefas domésticas – variável dicotômica, na qual sim = 1 (variável de controle);  Lambda – variável estimada a partir do primeiro estágio e utilizada para o controle do viés de seletividade amostral (variável de controle);  Logaritmo natural do número de horas semanais de trabalho não doméstico (variável dependente). A tab. 2, abaixo, apresenta os resultados encontrados. Para o teste de nossa hipótese de pesquisa, interessa observar o coeficiente de regressão referente à variável que indica se a entrevistada é beneficiária do Programa Bolsa Família. Podemos ver, então, que – mesmo quando controlamos todas as outras variáveis independentes do modelo – ser beneficiária do programa reduz, em média, em quase 11% o tempo médio de trabalho extradoméstico das mães.14 Este resultado corrobora a hipótese de pesquisa, indicando que o Programa Bolsa Família tem um importante efeito de geração de estoque de capital social familiar. É importante ressaltar que tal efeito encontrado para o caso das mulheres não se observa no caso dos homens. Tal referência é importante para esclarecer aqueles que vêem no Programa Bolsa Família um elevado risco de geração de incentivos adversos que levem à redução da oferta de mão-de-obra masculina. Provavelmente, a diferença entre os resultados para homens e mulheres se explica pelo fato de que os recursos financeiros transferidos pelo programa para as famílias são recebidos pelas mulheres.

14

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Tabela 2 Resultados do segundo estágio da estimação do Modelo Heckman Variável

Efeito (%)

É beneficiária do Programa Bolsa Família (sim = 1)

-10,83*

Idade

-0,13*

Escolaridade

-1,00*

Raça (branca = 1)

2,69**

Renda familiar per capita

-0,25*

Horas de trabalho doméstico

0,23

Tem filho de 0 a 7 anos de idade

11,33*

Número total de filhos (de 0 a 15 anos de idade)

1,00***

Vive em área urbana

70,05*

Região Sul

7,44*

Região Sudeste

10,56*

Região Centro-Oeste

8,02*

Região Norte

10,16*

Cônjuge trabalha (sim = 1)

-8,28*

Cônjuge ajuda nas tarefas domésticas (sim = 1) Lambda Constante N R2 R2 ajustado

423,81* 3,41** 528,06* 17.759 0,189 0,189

Observações: Variável dependente: Logaritmo natural das horas semanais de trabalho extradoméstico Fonte: PNAD-2004 *p < 0,01 **p < 0,05 ***p < 0,10

Os resultados do nosso teste de hipóteses levam à conclusão de que se o Programa Bolsa Família não tem efeito direto sobre a educação, ele talvez tenha um importante efeito indireto, através do capital social. Assim, propomos o

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seguinte diagrama de causalidade (fig. 1) para a explicação da relação entre o Programa Bolsa Família, o capital social e o alcance educacional de jovens e crianças: Programa Bolsa Família



Capital Social



Alcance Educacional

Figura 1 - Diagrama teórico de causalidade do efeito indireto do Programa Bolsa Família sobre o alcance educacional A fig. 1, acima, representa um modelo teórico que pode ser testado com dados futuros. Da mesma forma, ele pode ser testado a partir de dados de outros países nos quais existam programas de transferência direta de renda. A corroboração desse modelo levará, inevitavelmente, à conclusão de que o Programa Bolsa Família tem efeitos de longo prazo sobre a educação, representado, assim, um investimento também no que diz respeito à educação. É bom ressaltar que os possíveis efeitos do programa sobre o capital social podem existir não apenas com relação ao capital social familiar. No momento em que as mulheres beneficiárias do programa passam a ter uma jornada de trabalho extradoméstico menor – como foi demonstrado a partir de nossa análise, na seção anterior – elas passam a ter mais tempo (menor custo de oportunidade) para participar de ações coletivas e organizações sociais, o que pode ter, em última instância, também um impacto positivo sobre o alcance educacional (a partir do que vimos na primeira análise apresentada neste artigo).

Conclusão Os resultados de nossas análises mostram que o Programa Bolsa Família apresenta um efeito indireto sobre o alcance educacional. Mais especificamente, vemos que o programa atinge positivamente a educação através da formação de um maior estoque de capital social.15 Desta forma, podemos concluir que o programa tem retornos de longo prazo também sobre a educação. Esses efeitos, somados àqueles identificados pela avaliação realizada pelo Cedeplar No caso do capital social familiar o efeito sobre a formação de seu estoque é muito claro. No caso do capital social comunitário esse efeito não é tão claro, mas talvez esteja presente.

15

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(OLIVEIRA, 2007), justificam a conclusão de que o programa não é uma política simplesmente assistencialista, mas representa um investimento social de longo prazo. Finalmente, deve-se ressaltar que a redução do tempo de trabalho extradoméstico das mães não é evidência de incentivos adversos. Ao contrário, ele representa um importante impacto de longo prazo para a formação de um maior estoque de capital humano, o que terá substantivos efeitos econômicos no futuro.

Referências ALVES, Maria. Efeito-escola e fatores associados ao progresso acadêmico dos alunos entre o início da 5ª série e o fim da 6ª Série do Ensino Fundamental: um estudo longitudinal em Escolas Públicas no Município de Belo Horizonte. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2006. ANDERSON, Elizabeth. Unstrapping the Straitjacket of ‘Preference’: a comment on Amartya Sen’s contributions to philosophy and economics. Economics and Philosophy, v. 17, 2001, p. 21-38. BECKER, G.; MURPHY, K. The family and the State. Journal of Law and Economics, v. 31, n. 1, 1988, p. 1-18. BECKER, G.; TOMES, N. Human capital and the rise and fall of families. Journal of Labor Economics, v. 4, 1986, p. 213-236. BOURDIEU, P. Le capital social – notes provisoires. Actes de la Recherche en Sciences Sociales, Paris, n. 31, jan. 1980, p. 2-3. CARBONARO, William. A little help from my friend’s parents: intergenerational closure and educational outcomes. Sociology of Education, v. 71, 1998, p. 295-313. COLEMAN, James. Social capital in the creation of human capital. American Journal of Sociology, v. 94, 1988, p. 95-120. DURKHEIM, Emile. A divisão do trabalho social. Brasília: Martins Fontes, 1977. GUJARATI, Damodar. Econometria básica. São Paulo: Makron Books, 2000. HALLINAN, Maureen; KUBITSCHEK, Warren. Conceptualizing and measuring school social networks. American Sociological Review, v. 64, n. 5, 1999, p. 687-693.

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HASENBALG, Carlos. A distribuição de recursos familiares. In: HANSENBALG, C.; SILVA, N. (Org.). Origem e destino: desigualdades sociais ao longo da vida. Rio de Janeiro: Topbooks, 2003. p. 55-84. KRONEBUSCH, K.; SCHLESINGER, M. Intergenerational transfer. In: BENGTSON, V. L.; HAROOTYAN, R. A. (Org.). Intergenerational linkages: hidden connections in American society. Nova York: Springer, 1994, p. 112-151. MORGAN, Stephen; SØRENSEN, Aage. Parental networks, social closure, and mathematical learning: a test of Coleman’s social capital explanation of school effects. American Sociological Review, v. 64, n. 5, 1999, p. 661-681. OLIVEIRA, Ana et al. Primeiros resultados da análise da linha de base da pesquisa de avaliação do impacto do Programa Bolsa Família. In: VAISTMAN, J.; PAES-SOUSA, R. (Org.). Avaliação de políticas e programas do MDS – resultados. Brasília: MDS, 2007. p. 19-68. PASTORE, José; SILVA, Nelson. Mobilidade social no Brasil. São Paulo: Makron Books, 2000. PORTES, Alejandro. Social capital: its origins and applications in modern sociology. Annual Review of Sociology, v. 24, 1998, p. 1-24. RIOS-NETO, Eduardo. Questões emergentes na demografia brasileira. Texto para discussão, n. 276, Belo Horizonte: Cedeplar, 2005. ROBERTS, R.; RICHARDS, L.; BENGTSON, V. Intergenerational solidarity in families: untangling the ties that bind. Marriage and Family Review, v. 16, 1991, p. 11-46. SMITH, Vernon. Behavioral economic research and the foundations of conomics. The Journal of Socio-Economics, v. 34, 2005, p. 135-150. WEBER, Max. Economy and society. Los Angeles: UCLA Press, 1978.

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Impactos do capital social sobre a eficiência de políticas públicas de qualificação profissional: um estudo do caso do Planfor em Minas Gerais Davidson Afonso de Ramos

A década de 1990 no Brasil caracterizou-se pelo expressivo crescimento das taxas de desemprego e sua manutenção em patamares significativos. Ao mesmo tempo, ganharam espaço as discussões acerca da importância da educação profissional como precondição para a competitividade e a produtividade dos trabalhadores. Tendo em vista essa realidade, o presente artigo é uma tentativa de analisar os resultados de uma importante política pública de qualificação profissional, implementada durante a década de 1990 – o Plano Nacional de Qualificação do Trabalhador (Planfor) –, levando-se em consideração componentes de capital social.

Conhecendo o Planfor Deve-se ressaltar que não é objetivo deste artigo desenvolver uma análise aprofundada dos aspectos históricos, conceituais e de implementação do programa. Entretanto, torna-se necessário esclarecer as principais características do Planfor. Maiores detalhes sobre como a questão do emprego se tornou um problema para as sociedades contemporâneas, em especial no Brasil, ver Azeredo (1998) e Ramos (2006).



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O Plano Nacional de Qualificação do Trabalhador foi um programa iniciado em 1995 pelo governo Fernando Henrique Cardoso, no âmbito do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), visando oferecer educação profissional. O programa parte do princípio de que a qualificação profissional é um componente fundamental para o desenvolvimento com maior eqüidade social. Elaborado pelo Ministério do Trabalho e Emprego, o Planfor tinha como objetivo treinar pelo menos 20% da População Economicamente Ativa (PEA) entre 1996 e 1999. Para atingir esse objetivo, o programa tinha uma concepção participativa e descentralizada. Diferentemente dos programas de treinamento do chamado Sistema “S”, tradicionais no Brasil (como o Senai, por exemplo), o Planfor visava atender os segmentos mais pobres da população, não exigindo escolaridade prévia. Os gestores do programa entendiam que a agregação de capital humano, por meio da formação profissional, resulta em mais possibilidades para o indivíduo conseguir um emprego, além de reduzir a alta rotatividade do mercado de trabalho. Outro ponto importante enfatizado por alguns autores seria o fato de que programas de qualificação dos trabalhadores não padeceriam do grande mal das políticas de bem-estar social, a saber, o incentivo ao não-trabalho, um suposto efeito adverso de políticas universalistas de transferência de renda sem condicionalidades.

Qualificação e capital social Nas ciências sociais, o momento de se definir os conceitos é crucial para os passos seguintes, entretanto costuma ser o mais difícil. Nesse campo de conhecimento é comum haver várias definições distintas e até antagônicas para um mesmo conceito. Em se tratando do conceito de capital social, o primeiro problema que se impõe para o pesquisador é saber se ele expressa uma característica individual, ou uma característica da comunidade, como queria Putnam (1996). Para esse 

Uma discussão mais detalhada sobre o conceito de Capital Social pode ser encontrada em Portes (1998) e Santos (2006).

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autor, capital social “diz respeito a características da organização social como confiança, normas e sistemas, que contribuam para aumentar a eficiência da sociedade, facilitando as ações coordenadas” (PUTNAM, 1996, p. 177). Ele acredita que: Uma característica específica do capital social – confiança, normas e cadeias de relações sociais – é o fato de que ele normalmente constitui um bem público, ao contrário do capital convencional, que normalmente é um bem privado. Por ser um atributo da estrutura social em que se insere o indivíduo, o capital social não é propriedade particular de nenhuma das pessoas que dele se beneficiam. (PUTNAM, 1996, p. 180)

Segundo Putnam, o sucesso de políticas públicas de governos, e até mesmo da economia, pode ser largamente explicado pela progressiva acumulação de capital social. E para ele a forma essencial de capital social são os sistemas de participação cívica (associações comunitárias, partidos, sindicatos, clubes desportivos etc.). Se uma sociedade é forte, o Estado e a economia também serão fortes. Nessa perspectiva, “ao se chegar ao ponto em que um alto índice de capital social é encontrado, chega-se à fórmula para a resolução de todos os problemas” (CIRENO, 2005, p. 76). Também na visão de James Coleman (1988), o capital social é um atributo da comunidade e não é passível de acumulação individual. Apesar disso, ele pode ser utilizado pelos membros do grupo individualmente, em benefício próprio. Para Coleman, o capital social é um aspecto estrutural facilitador da ação individual. Outra corrente trata o capital social apenas como um recurso individual, acumulável e passível de utilização em benefício próprio por parte de seu detentor. Para essa corrente, ... do ponto de vista individual, quanto maior for a rede de relacionamentos e maior for o volume de capital social acumulado pelos membros desta rede, maior é o volume de capital social que pode ser mobilizado pelo indivíduo [...] o acúmulo de capital social está intrinsecamente ligado à posse de redes duráveis de relacionamentos, mas se dá no âmbito individual. (ALVES; FERNANDES, 2005, p. 7)

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De acordo com Granovetter (1973), o capital social facilita a procura de trabalho, bem como o melhor posicionamento na escala social. Neste artigo, entende-se capital social como sendo inerente às interações entre os indivíduos, ou seja, os grupos sociais em que os indivíduos estão inseridos. Esse recurso é individual, acumulável e passível de utilização por parte de seu detentor. Dessa forma, o capital social pode ter um efeito positivo na entrada e/ou permanência do indivíduo no mercado de trabalho, bem como nos rendimentos que ele vai auferir. Esse conceito será operacionalizado por meio da proxy sobre participação dos indivíduos em grupos e organizações sociais.

Características do banco de dados A avaliação de impacto do Planfor, levando em consideração variáveis de capital social, baseia-se na pesquisa de avaliação realizada pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar), que forneceu um banco de dados longitudinal, permitindo avaliar o impacto imediato do programa e ter idéia de sua duração. O Cedeplar conduziu um estudo experimental entre 1996 e 2000, acompanhando uma amostra de egressos do treinamento, que constituiu o grupo de tratamento, e uma amostra de comparação, que constituiu o grupo de controle. Os dois grupos foram acompanhados ao longo de quatro anos. A avaliação foi feita com base em uma análise amostral e domiciliar de acompanhamento dos participantes em quatro rodadas. A justificativa para a utilização dos grupos de tratamento e de controle é o pressuposto de que uma análise de acompanhamento de egressos dá apenas um indicativo parcial da eficácia do programa, uma vez que o desempenho do indivíduo pode ser afetado por diversos fatores contextuais, sem qualquer relação com a sua participação em cursos de qualificação. Como toda pesquisa longitudinal está sujeita a perdas amostrais, o questionário âncora, ou baseline, era muito mais amplo do que os questionários de acompanhamento, ou follow-up. O primeiro traça um perfil completo do indivíduo, enquanto os subseqüentes foram apenas atualizações de aspectos que, de alguma forma, verificariam as conseqüências dos cursos de qualificação sobre a vida profissional do indivíduo.

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O questionário âncora, ou baseline, foi a campo em dezembro de 1996 e janeiro de 1997, tendo sido aplicado em uma amostra de 3.721 indivíduos. O primeiro follow-up, ou segunda rodada, foi a campo em junho de 1997 e conseguiu recuperar 2.839 indivíduos. O segundo follow-up, ou terceira rodada, foi a campo em março de 1998 e teve a mesma amostra do primeiro. O terceiro follow-up, ou quarta rodada, foi realizado em dezembro de 2000, com uma amostra de 1.159 indivíduos. O terceiro follow-up tem uma característica distinta dos anteriores, visto que nele a amostra se restringiu à Região Metropolitana de Belo Horizonte. Outro ponto peculiar é que nessa última rodada todos os indivíduos da amostra eram do grupo de tratamento no questionário base. A amostra implementada baseou-se em uma estratificação dos municípios participantes do programa de qualificação em grandes regiões do estado. Em cada região (estrato), municípios foram selecionados com probabilidade proporcional ao número esperado de vagas oferecidas. Em cada município escolhido, turmas foram selecionadas ao acaso dentre todas as que foram oferecidas em dezembro e janeiro, período da coleta de dados do baseline. Em cada turma, todos os alunos inscritos e presentes no dia das entrevistas responderam ao questionário da pesquisa. Nas rodadas seguintes, os indivíduos eram entrevistados em seus domicílios, identificados a partir do endereço contido no questionário. Os entrevistados para o grupo de controle foram escolhidos dentre aqueles que se candidataram aos cursos de treinamento, mas não obtiveram ingresso. O não-ingresso desses indivíduos foi devido ao excesso de candidatos ou ao número insuficiente de candidatos para constituírem uma turma. O grupo de controle deveria ter as mesmas características do grupo de tratamento, principalmente no tocante à motivação. As entrevistas do grupo de controle foram realizadas no domicílio de cada indivíduo, identificado a partir da ficha de inscrição. Esse seria o grupo de controle ideal, mas, na maioria dos cursos, a demanda foi pequena, havendo mais vagas que candidatos, o que criou a impossibilidade ética de construir o grupo de controle como planejado (não seria possível negar o ingresso no curso para alguns, uma vez que havia vagas). Esse fato dificultou a distribuição aleatória de indivíduos nos grupos de tratamento e de controle.

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Em linhas gerais, esse foi o desenho metodológico do banco de dados utilizado neste trabalho.

Análise descritiva dos dados: freqüências Analisando brevemente a freqüência das principais variáveis presentes no modelo de análise, podem-se perceber algumas características interessantes da amostra. Observando as tab. 1 e 2, a seguir, constata-se que no baseline, ou questionário âncora, o grupo de tratamento – formado por aqueles que fizeram curso de qualificação – representa quase 80% da amostra. No que diz respeito à participação no mercado de trabalho, no baseline, os desocupados predominam, fato que pode ser explicado pela característica dominante da amostra, ou seja, pessoas com baixa escolaridade que procuram cursos de qualificação. No tocante ao follow-up 3, algumas características devem ser novamente salientadas. A primeira é que todos os entrevistados são do grupo de tratamento, ou seja, todos fizeram curso de qualificação até 1996. Entretanto, no questionário da quarta rodada havia a seguinte pergunta: “participou de algum curso ou outra forma de treinamento formal desde março de 1998?” Sendo assim, esse quesito foi utilizado como variável de tratamento para a amostra do follow-up 3. A segunda característica distintiva da quarta rodada é que ela se restringiu à Região Metropolitana de Belo Horizonte. Feitas essas ressalvas, observa-se que, na quarta rodada, a maior parte dos indivíduos da amostra não fez um segundo curso de qualificação. Em relação à participação no mercado de trabalho, encontra-se uma situação radicalmente distinta da amostra do questionário base. Na quarta rodada, o percentual de desocupados é muito menor (25,2%), sendo que o percentual de pessoas no mercado formal é de 40% da amostra.

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Tabela 1 Distribuição da amostra segundo participação em curso de qualificação Especificação

Base Line Freqüência Percentual

Não fez curso

Follow Up 3 Freqüência Percentual

738

20,5

656

58,4

Fez curso

2.867

79,5

468

41,6

Total

3.605

100,0

1124

100,0

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da Pesquisa Experimental de Avaliação do PLANFOR realizada pelo CEDEPLAR/UFMG.

Tabela 2 Distribuição da amostra segundo participação no mercado de trabalho Especificação

Base Line Freqüência Percentual

Informal

Follow Up 3 Freqüência Percentual

1.140

31,6

391

34,8

623

17,3

450

40,0

Desocupado

1.842

51,1

283

25,2

Total

3.605

100,0

1.124

100,0

Formal

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da Pesquisa Experimental de Avaliação do PLANFOR realizada pelo CEDEPLAR/UFMG.

Ao analisar os indivíduos do follow-up 3 no baseline (tab. 3), constata-se uma conjuntura parecida com o restante da amostra do questionário âncora, ou seja, predominância de pessoas desocupadas e na informalidade. Tabela 3 Participação no mercado de trabalho da amostra do Follow Up 3 no Base Line Especificação

Freqüência

Percentual

Informal

339

30,2

Formal

164

14,6

Desocupado

621

55,2

1124

100,0

Total

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da Pesquisa Experimental de Avaliação do PLANFOR realizada pelo CEDEPLAR/UFMG.

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No tocante à escolaridade (tab. 4 e 5), os dados também evidenciam diferenças entre as amostras do questionário âncora e da quarta rodada. A amostra da quarta rodada tem um nível de escolaridade mais alto: 56% concentram-se no nível médio de escolaridade incompleto ou completo, ou seja, entre 9 e 11 anos de estudo completados com sucesso; no baseline, mais de 61% concentram-se no nível fundamental de escolaridade incompleto ou completo, entre 1 e 8 anos de estudo. Tabela 4 Distribuição da amostra segundo anos de estudo Anos de Estudo

Base Line

Follow Up 3

Freqüência Percentual Freqüência Percentual

1 Ano de Estudo

5

0,3

3

0,3

2 Anos de Estudo

15

0,8

3

0,3

3 Anos de Estudo

40

2,0

3

0,3

4 Anos de Estudo

306

15,7

57

5,1

5 Anos de Estudo

210

10,7

72

6,4

6 Anos de Estudo

177

9,1

54

4,8

7 Anos de Estudo

161

8,2

67

6,0

8 Anos de Estudo

283

14,5

186

16,6

9 Anos de Estudo

91

4,7

87

7,8

10 Anos de Estudo

79

4,0

115

10,2

11 Anos de Estudo

463

23,7

429

38,2

12 Anos de Estudo

14

0,7

30

2,7

13 Anos de Estudo

8

0,4

-

0,0

14 Anos de Estudo

52

2,7

16

1,4

15 Anos de Estudo

51

2,6

-

0,0

1.955

100,0

1.122

100,0

Total

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da Pesquisa Experimental de Avaliação do PLANFOR realizada pelo CEDEPLAR/UFMG.

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Impactos do capital social sobre a eficiência de políticas públicas...



299

Tabela 5 Distribuição da amostra segundo faixas de escolaridade Anos de Estudo

Base Line

Follow Up 3

Freqüência

Percentual

Fundamental Incompleto

914

46,8

259

23,1

Fundamental Completo

283

14,5

186

16,6

Ensino Médio Incompleto

170

8,7

202

18,0

Ensino Médio Completo

463

23,7

429

38,2

Superior Incompleto

74

3,8

46

4,1

Superior Completo

51

2,6

-

0,0

1.955

100,0

1.122

100,0

Total

Freqüência Percentual

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da Pesquisa Experimental de Avaliação do PLANFOR realizada pelo CEDEPLAR/UFMG.

As tab. 6 e 7 mostram, no baseline, somente o nível de escolaridade dos integrantes do follow-up 3. Novamente, percebe-se uma equalização das diferenças. Os indivíduos que estão na amostra do follow-up 3 têm características muito semelhantes às dos que estão no baseline: observa-se uma concentração no nível fundamental, com uma prevalência no fundamental incompleto. Tabela 6 Anos de estudo da amostra do Follow Up 3 no Base Line (Continua)

Anos de Estudo

Freqüência

Percentual

1 Ano de Estudo

-

0,0

2 Anos de Estudo

3

0,5

3 Anos de Estudo

11

1,9

4 Anos de Estudo

93

15,9

5 Anos de Estudo

75

12,8

6 Anos de Estudo

60

10,3

7 Anos de Estudo

52

8,9

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300



Davidson Afonso de Ramos

(Conclusão)

8 Anos de Estudo

83

14,2

9 Anos de Estudo

22

3,8

10 Anos de Estudo

20

3,4

11 Anos de Estudo

122

20,9

12 Anos de Estudo

5

0,9

13 Anos de Estudo

3

0,5

14 Anos de Estudo

22

3,8

15 Anos de Estudo

13

2,2

584

100,0

Total

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da Pesquisa Experimental de Avaliação do PLANFOR realizada pelo CEDEPLAR/UFMG.

Tabela 7 Anos de estudo da amostra do Follow Up 3 no Base Line Anos de Estudo

Freqüência

Percentual

Fundamental Incompleto

294

50,3

Fundamental Completo

83

14,2

Ensino Médio Incompleto

42

7,2

Ensino Médio Completo

122

20,9

Superior Incompleto

30

5,1

Superior Completo

13

2,2

584

100,0

Total

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da Pesquisa Experimental de Avaliação do PLANFOR realizada pelo CEDEPLAR/UFMG.

Com relação ao sexo (tab. 8), as duas amostras são compostas majoritariamente por homens.

POLITICAS_SOCIAIS_miolo.indd 300

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Impactos do capital social sobre a eficiência de políticas públicas...



301

Tabela 8 Distribuição da amostra segundo sexo Base Line

Sexo

Follow Up 3

Freqüência

Percentual

Freqüência

Percentual

homem

2.625

72,8

853

75,9

mulher

980

27,2

271

24,1

Total

3.605

100,0

1124

100,0

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da Pesquisa Experimental de Avaliação do PLANFOR realizada pelo CEDEPLAR/UFMG.

O ponto de fundamental importância para o presente trabalho é a participação em sindicato ou organização comunitária (tab. 9), que foi mais significativa entre os integrantes do follow-up 3. Analisando esse aspecto em separado (tab. 10 e 11), constata-se que a participação em sindicatos é a que tem o maior peso e, novamente, a amostra do follow-up 3 apresenta níveis mais altos. Entretanto, isso acontece em pontos distintos no tempo. Analisando, no questionário base, os indivíduos que participaram do follow-up 3 (tab. 12), essas diferenças deixam de existir: o índice de participação é menor que o da amostra como um todo. Tabela 9 Distribuição da amostra segundo participação em sindicato e/ou organização comunitária Especificação

Base Line

Follow Up 3

Freqüência

Percentual

Freqüência

Percentual

Não

3.061

84,9

844

75,1

Sim

544

15,1

280

24,9

Total

3.605

100,0

1.124

100,0

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da Pesquisa Experimental de Avaliação do PLANFOR realizada pelo CEDEPLAR/UFMG.

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302



Davidson Afonso de Ramos

Tabela 10 Distribuição da amostra segundo participação em sindicato Especificação

Base Line

Follow Up 3

Freqüência

Percentual

Freqüência

Percentual

Nao

3.196

88,7

963

85,7

Sim

409

11,3

161

14,3

3.605

100,0

1124

100,0

Total

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da Pesquisa Experimental de Avaliação do PLANFOR realizada pelo CEDEPLAR/UFMG.

Tabela 11 Distribuição da amostra segundo participação em organização comunitária Especificação

Base Line

Follow Up 3

Freqüência

Percentual

Freqüência

Percentual

Nao

3.414

94,7

974

359,4

Sim

191

5,3

150

55,4

3.605

100,0

1124

414,8

Total

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da Pesquisa Experimental de Avaliação do PLANFOR realizada pelo CEDEPLAR/UFMG.

Tabela 12 Participação em sindicato e/ou organização comunitária da amostra do Follow Up 3 no Base Line Especificação

Freqüência

Percentual

Não

961

85,5

Sim

163

14,5

1124

100

Total

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da Pesquisa Experimental de Avaliação do PLANFOR realizada pelo CEDEPLAR/UFMG.

Por essa rápida análise das freqüências, é possível perceber que os indivíduos que participaram do follow-up 3 apresentaram uma sensível melhora ao longo

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Impactos do capital social sobre a eficiência de políticas públicas...



303

do tempo: a) o número de desocupados diminuiu; b) a participação no mercado formal aumentou; c) a escolaridade melhorou; d) aumentou a participação em sindicatos e/ou associações comunitárias. Analisando a distribuição segundo a idade (tab. 13 e 14), é possível constatar que mais de 70% da amostra total do baseline é composta por jovens entre 15 e 29 anos, com uma preponderância do grupo de 15 a 19 anos, que representa 37% da amostra. Observando apenas aqueles indivíduos que participaram da quarta rodada no questionário base, percebe-se o mesmo padrão, com uma pequena diferença: eles são ainda mais jovens – cerca de 43% estão no grupo de 15 a 19 anos. Tabela 13 Distribuição da amostra do Base Line, segundo grupos de idade Grupos de Idade

Freqüência

5a9

2

0,1

10 a 14

38

1,1

15 a 19

1.335

37

20 a 24

717

19,9

25 a 29

481

13,3

30 a 34

325

9

35 a 39

237

6,6

40 a 44

237

6,6

45 a 49

126

3,5

50 a 54

64

1,8

55 a 59

31

0,9

60 a 64

10

0,3

65 a 69

1

0

70 a 74

1

0

75 a 79

0

0

Total

3.605

100

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da Pesquisa Experimental de Avaliação do PLANFOR realizada pelo CEDEPLAR/UFMG.

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304



Davidson Afonso de Ramos

Tabela 14 Distribuição da amostra do Follow Up 3 no Base Line, segundo grupos de idade Grupos de Idade

Freqüência

Porcentagem

5a9

1

0,1

10 a 14

11

1

15 a 19

487

43,3

20 a 24

181

16,1

25 a 29

131

11,7

30 a 34

104

9,3

35 a 39

60

5,3

40 a 44

73

6,5

45 a 49

42

3,7

50 a 54

20

1,8

55 a 59

12

1,1

60 a 64

1

0,1

65 a 69

0

0

70 a 74

1

0,1

75 a 79

0

0

Total

1.124

100

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da Pesquisa Experimental de Avaliação do PLANFOR realizada pelo CEDEPLAR/UFMG.

Análise dos cruzamentos Analisando os cruzamentos das principais variáveis do modelo, observam-se as seguintes características: de acordo com as tab. 15, 16 e 17, percebe-se que, no baseline, os indivíduos que fizeram curso de qualificação eram basicamente desocupados; no follow-up 3 os indivíduos que já estavam trabalhando é que fizeram um segundo curso, principalmente aqueles que estavam no mercado formal. Novamente, analisando as características dos integrantes da quarta rodada no baseline, constata-se o mesmo padrão: a maior parte dos que participaram de cursos de qualificação eram desocupados. Proporcionalmente, os homens tiveram uma maior participação em cursos de qualificação.

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Impactos do capital social sobre a eficiência de políticas públicas...



305

Tabela 15 Participação em curso de qualificação, segundo participação no mercado de trabalho (%) Participação no Mercado de Trabalho

Participação em curso de Qualificação Não fez curso

Fez curso

Informal

30,08

32,02

Formal

21,27

16,25

Desocupado

48,64

51,73

100,00

100,00

Informal

33,69

36,32

Formal

40,40

39,53

Desocupado

25,91

24,15

100,00

100,00

BASE LINE

Total FOLLOW UP 3

Total

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da Pesquisa Experimental de Avaliação do PLANFOR realizada pelo CEDEPLAR/UFMG.

Tabela 16 Participação em curso de qualificação e participação no mercado de trabalho da amostra do Follow Up 3 no Base Line Participação no Mercado de Trabalho

Participação em curso de Qualificação Nao fez curso

Fez curso

Informal

0

30,2

Formal

0

14,6

Desocupado

0

55,2

Total

0

100,0

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da Pesquisa Experimental de Avaliação do PLANFOR realizada pelo CEDEPLAR/UFMG.

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306

Davidson Afonso de Ramos

Tabela 17 Participação em curso de qualificação segundo sexo

(%)

Sexo

Participação em Curso de Qualificação

Homem

Mulher

Nao fez curso

17,26

29,08

Fez curso

82,74

70,92

100,00

100,00

Nao fez curso

74,85

77,35

Fez curso

25,15

22,65

100,00

100,00

BASE LINE

Total FOLLOW UP 3

Total

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da Pesquisa Experimental de Avaliação do PLANFOR realizada pelo CEDEPLAR/UFMG.

Cruzando a participação no mercado por faixas de escolaridade (tab. 18 e 19), percebe-se que, no baseline, a amostra estava concentrada no ensino fundamental, inclusive os participantes do follow-up 3 no baseline. Analisando somente a amostra do follow-up 3, novamente percebe-se um aumento na escolaridade da amostra. Tabela 18 Participação no Mercado de Trabalho por faixas de escolaridade Anos de Estudo

(Continua)

Participação no Mercado de Trabalho Informal

Formal

Desocupado

Fundamental Incompleto

47,4

43,9

47,9

Fundamental Completo

13,4

14,8

15,3

Ensino Médio Incompleto

9,4

8,9

7,9

Ensino Médio Completo

21

27,2

24

Superior Incompleto

5,2

2,5

3,2

Superior Completo

3,5

2,7

1,7

Total

100

100

100

BASE LINE

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Impactos do capital social sobre a eficiência de políticas públicas...

307

(Conclusão)

FOLLOW UP 3 Fundamental Incompleto

21,9

21,3

30,1

Fundamental Completo

16,4

19,3

14,3

Ensino Médio Incompleto

22,2

15,2

18,8

Ensino Médio Completo

36,9

43,8

35,3

Superior Incompleto

2,6

0,5

1,5

Superior Completo

0

0

0

100

100

100

Total

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da Pesquisa Experimental de Avaliação do PLANFOR realizada pelo CEDEPLAR/UFMG.

Tabela 19 Participação no mercado de trabalho por anos de estudo da amostra do Follow Up 3 no Base Line Anos de Estudo

Participação no Mercado de Trabalho Informal

Formal

Desocupado

Fundamental Incompleto

50,9

40,8

54,8

Fundamental Completo

13,8

17,6

12,9

Ensino Médio Incompleto

6,4

10,4

6,2

Ensino Médio Completo

18,8

21,6

22,4

Superior Incompleto

7,3

5,6

2,9

Superior Completo

2,8

4

0,8

Total

100

100

100

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da Pesquisa Experimental de Avaliação do PLANFOR realizada pelo CEDEPLAR/UFMG.

Com relação à participação em sindicatos ou organizações comunitárias (tab. 20 e 21), constata-se que a participação é sempre maior dentre aqueles que estão no mercado formal. Os indivíduos que participaram da quarta rodada da pesquisa apresentam uma taxa de participação maior, tanto no baseline quanto no follow-up 3. A tab. 22 mostra que a participação é maior dentre aqueles que têm o ensino médio completo.

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308



Davidson Afonso de Ramos

Tabela 20 Participação em Sindicato e/ou Organização Comunitária e Participação no Mercado de Trabalho Base Line Participação no Mercado de Trabalho

Participação em Sindicato e/ou Organização Comunitária Não

Sim

Total

Informal

84,7

15,3

100

Formal

64,8

35,2

100

Desocupado

91,8

8,2

100

Informal

77,7

22,3

100

Formal

67,1

32,9

100

Desocupado

84,1

15,9

100

BASE LINE

FOLLOW UP 3

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da Pesquisa Experimental de Avaliação do PLANFOR realizada pelo CEDEPLAR/UFMG.

Tabela 21 Participação em sindicato e/ou organização comunitária, segundo participação no mercado de trabalho da amostra do Follow Up 3 no Base Line Participação no Mercado de Trabalho

Participação em Sindicato e/ou Organização Comunitária Não

Sim

Total

Informal

83,2

16,8

100

Formal

59,8

40,2

100

Desocupado

93,6

6,4

100

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da Pesquisa Experimental de Avaliação do PLANFOR realizada pelo CEDEPLAR/UFMG.

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Impactos do capital social sobre a eficiência de políticas públicas...



309

Tabela 22 Participação em sindicato e/ou organização comunitária, segundo faixas de escolaridade Anos de Estudo Base Line

Participa de Sindicato e/ou Organização Comunitária Não

Sim

Fundamental Incompleto

51,4

29,1

Fundamental Completo

14,8

13,2

Ensino Médio Incompleto

8,2

10,5

Ensino Médio Completo

21,8

30,8

Superior Incompleto

2,1

10,3

Superior Completo

1,7

6,1

Total

100

100

Fundamental Incompleto

24,4

21,6

Fundamental Completo

17,1

16,8

Ensino Médio Incompleto

19,5

15,4

Ensino Médio Completo

38,2

42,5

Superior Incompleto

0,7

3,7

Superior Completo

0

0

100

100

BASE LINE

FOLLOW UP 3

Total

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da Pesquisa Experimental de Avaliação do PLANFOR realizada pelo CEDEPLAR/UFMG.

Análise de regressão O modelo estatístico usado para investigar a influência do Capital Social e da participação nos cursos de qualificação do Planfor no mercado de trabalho foi a regressão logística multinomial. A Regressão Logística Multinomial é uma generalização do modelo logístico binário. Enquanto na regressão logística binária a variável resposta tem Para maiores informações sobre a regressão logística multinomial veja Long (1987), Agresti (1990).



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310

Davidson Afonso de Ramos

duas categorias, na logística multinomial a variável resposta tem mais de duas categorias. No caso do presente trabalho, a variável resposta tem três categorias: desocupado, ocupado no setor informal e ocupado no setor formal. As variáveis sexo, participação em curso de qualificação e participação em sindicato ou organização comunitária são dicotômicas, ou seja, atribuiu-se à característica presente o valor 1 e à ausência dela o valor 0. Com isso, a média dessas variáveis será a proporção dos indivíduos com a característica presente, e os efeitos encontrados no modelo referem-se à variável com o valor 1. A variável experiência foi obtida através da seguinte operação: a idade dos indivíduos (obtida a partir da data de nascimento) foi subtraída dos anos de estudo e do número 6 (idade em que normalmente as pessoas entram na escola). Essa variável contínua foi centralizada, ou seja, foi calculada a média da variável experiência e posteriormente subtraiu-se a média de cada valor. Esse procedimento teve o intuito de evitar colinearidade entre a experiência e a experiência elevada ao quadrado. Também foi construído um termo interativo entre participação em cursos de qualificação e participação em sindicatos e/ou associações comunitárias. Resumindo, as variáveis foram as seguintes: • Participação no mercado de trabalho (desocupado, ocupado informalmente e ocupado formalmente) - obtida através dos quesitos: “Você trabalhou na semana de referência?” e “Tinha carteira de trabalho assinada?”; • Anos de estudo - obtida através dos quesitos: “Curso mais elevado que freqüentou?” e “Última série que concluiu nesse curso?”; • Experiência centralizada; • Experiência centralizada ao quadrado; • Sexo - mulher = 1; homem = 0; • Participação em curso de qualificação - obtida através da questão: “Participou de algum curso ou outra forma de treinamento formal?”; • Participação em sindicato e /ou organização comunitária (capital social) - obtida através dos quesitos: “Você é sindicalizado ou associado a algum órgão de classe?” e “Você é associado a algum órgão comunitário?”; • Termo interativo entre participação em cursos de qualificação e participação em sindicato ou organização comunitária.

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Impactos do capital social sobre a eficiência de políticas públicas...



311

As hipóteses testadas pelos modelos foram as seguintes: a) As pessoas que participam de sindicatos ou organizações comunitárias têm maior probabilidade de estarem ocupadas do que as que não participam. b) Os indivíduos que participaram de cursos de qualificação têm maior probabilidade de estarem ocupados. c) Há efeito positivo de interação entre as variáveis de participação em associações e participação em cursos de qualificação na ocupação dos indivíduos. O primeiro modelo utilizado (sem termo interativo) foi o seguinte: Ln Y [P (formalmente ocupado = 1) / 1 - P(formalmente ocupado = 1)] = β0 + β1 Anos de estudo + β2 Experiência centralizada + β3 Experiência centralizada ao quadrado + β4 Sexo + β5 participação em curso de qualificação + β6 participação em sindicato ou organização comunitária + β. O segundo modelo (com termo interativo) utilizado foi o seguinte: Ln Y [P (formalmente ocupado = 1) / 1 - P(formalmente ocupado = 1)] = β0 + β1 Anos de estudo + β2 Experiência centralizada + β3 Experiência centralizada ao quadrado + β4 Sexo + β5 participação em curso de qualificação + β6 participação em sindicato ou organização comunitária + β7 Termo interativo (participação em curso de qualificação). (participação em sindicato e organização comunitária) + β. Ambos os modelos foram aplicados, tanto no baseline quanto no follow-up 3. Os resultados do modelo sem termo interativo para o baseline encontram-se nas tab. 23 a 25. Tabela 23 Teste de Razão de Verossimilhança Modelo sem Termo Interativo Base Line (Continua)

Participação no Mercado de Trabalho

-2 Log Likelihood Chi-Square of Reduced Model

df

Sig.

Intercept

2838,147

2,373

2

0,305

Anos de Estudo

2837,408

1,634

2

0,442

Experiência Centralizada

2861,099

25,325

2

0,000

Experiência Centralizada ao Quadrado

2862,681

26,908

2

0,000

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312



Davidson Afonso de Ramos

(Conclusão)

Sexo

2875,597

39,823

2

0,000

Participação em Curso de Qualificação

2844,098

8,325

2

0,016

Participação em Sindicato e/ou Organização Comunitária

2940,930

105,157

2

0,000

The chi-square statistic is the difference in -2 log-likelihoods between the final model and a reduced model. The reduced model is formed by omitting an effect from the final model. The null hypothesis is that all parameters of that effect are 0. Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da Pesquisa Experimental de Avaliação do PLANFOR realizada pelo CEDEPLAR/UFMG.

Tabela 24 Regressão Logística Multinomial sem termo Interativo Base Line

Participação no Mercado de Trabalho

B

Std. Error

Wald

df

Sig.

Exp(B)

(Continua)

95% Confidence Interval for Exp(B) Lower Upper Bound Bound

Informal Intercept

-0,188

0,177

1,126

1

0,289

Anos de Estudo

0,023

0,018

1,594

1

0,207

1,024

0,987

1,061

Experiência Centralizada

0,029

0,007

19,858

1

0,000

1,029

1,016

1,043

Experiência Centralizada ao Quadrado

-0,002

0,000

15,557

1

0,000

0,998

0,997

0,999

Sexo

-0,425

0,120

12,581

1

0,000

0,654

0,517

0,827

Participação em Curso de Qualificação

0,199

0,128

2,396

1

0,122

1,220

0,948

1,569

Participação em Sindicato e/ou Organização Comunitária

0,601

0,156

14,739

1

0,000

1,824

1,342

2,478

Intercept

-0,293

0,199

2,180

1

0,140

Anos de Estudo

0,016

0,022

0,556

1

0,456

1,016

0,974

1,060

Experiência Centralizada

0,030

0,008

15,175

1

0,000

1,031

1,015

1,047

Formal

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15/12/2007 22:04:59

Impactos do capital social sobre a eficiência de políticas públicas...



313

(Conclusão)

Experiência Centralizada ao Quadrado

-0,002

0,001

19,318

1

0,000

0,998

0,996

0,999

Sexo

-0,902

0,149

36,804

1

0,000

0,406

0,303

0,543

Participação em Curso de Qualificação

-0,224

0,144

2,412

1

0,120

0,799

0,603

1,060

Participação em Sindicato e/ou Organização Comunitária

1,566

0,160

95,482

1

0,000

4,789

3,498

6,557

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da Pesquisa Experimental de Avaliação do PLANFOR realizada pelo CEDEPLAR/UFMG.

Tabela 25 Efeito percentual das variáveis* Participação no Mercado de Trabalho

Efeito Percentual

Informal Intercept Anos de Estudo

2,360

Experiência Centralizada

2,940

Experiência Centralizada ao Quadrado

-0,168

Sexo

-34,616

Participação em Curso de Qualificação

21,981

Participação em Sindicato e/ou Organização Comunitária

82,359

Formal Intercept Anos de Estudo

1,621

Experiência Centralizada

3,081

Experiência Centralizada ao Quadrado

-0,243

Sexo

-59,410

Participação em Curso de Qualificação

-20,064

Participação em Sindicato e/ou Organização Comunitária

378,939

*obtido através da operação [Exp(B) - 1] X 100 Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da Pesquisa Experimental de Avaliação do PLANFOR realizada pelo CEDEPLAR/UFMG.

POLITICAS_SOCIAIS_miolo.indd 313

15/12/2007 22:04:59



314

Davidson Afonso de Ramos

Os resultados do primeiro modelo (tab. 24 e 25) confirmam a hipótese da importância dos elementos que compõem a variável de capital social. A participação em sindicato ou organização comunitária é estatisticamente significante tanto para aqueles que estão no mercado formal, quanto para os que estão na informalidade (tab. 24). O indivíduo que participa de sindicato ou organização comunitária tem 82% a mais de chance de estar empregado no setor informal e cerca de 379% a mais de chance de estar empregado no setor formal (tab. 25). A participação em cursos de qualificação não apresenta resultados significativos, corroborando os diversos estudos de avaliação do Planfor, que apontavam o fracasso dessa política (tab. 24). O sexo (mulher = 1 e homem = 0) foi estatisticamente significante, apontando para o fato de que ser homem aumenta em cerca de 35% a chance de estar no mercado informal e em quase 60% a chance de estar no mercado formal (tab. 24 e 25). A seguir, podem-se analisar os resultados do modelo com termo interativo no baseline (tab. 26 a 28). Tabela 26 Teste de Razão de Verossimilhança Modelo com Termo Interativo Base Line (Continua)

-2 Log Likelihood of Reduced Model

Chi-Square

df

Sig.

Intercept

2834,480

1,177

2

0,555

Anos de Estudo

2834,760

1,457

2

0,483

Experiência Centralizada

2858,034

24,732

2

0,000

Experiência Centralizada ao Quadrado

2860,154

26,852

2

0,000

Sexo

2873,364

40,062

2

0,000

Participação em Curso de Qualificação

2842,131

8,829

2

0,012

Participação no Mercado de Trabalho

POLITICAS_SOCIAIS_miolo.indd 314

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Impactos do capital social sobre a eficiência de políticas públicas...



315

(Conclusão)

Participação em Sindicato e/ou Organização Comunitária

2845,175

11,872

2

0,003

Termo Interativo*

2835,774

2,471

2

0,291

The chi-square statistic is the difference in -2 log-likelihoods between the final model and a reduced model. The reduced model is formed by omitting an effect from the final model. The null hypothesis is that all parameters of that effect are 0. * Termo Interativo entre Participação em Curso de qualificação e Participação em Sindicato e/ ou Organização Comunitária Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da Pesquisa Experimental de Avaliação do PLANFOR realizada pelo CEDEPLAR/UFMG.

Tabela 27 Regressão Logística Multinomial com termo Interativo Base Line

Participação no Mercado de Trabalho

B

Std. Error

Wald

df

Sig.

Exp(B)

(Continua)

95% Confidence Interval for Exp(B) Lower Upper Bound Bound

Informal Intercept

-0,157

0,183

0,737

1

0,391

Anos de Estudo

0,022

0,019

1,448

1

0,229

1,023

0,986

1,060

Experiência Centralizada

0,029

0,007

19,544

1

0,000

1,029

1,016

1,042

Experiência Centralizada ao Quadrado

-0,002

0,000

15,554

1

0,000

0,998

0,997

0,999

Sexo

-0,426

0,120

12,624

1

0,000

0,653

0,517

0,826

Participação em Curso de Qualificação

0,167

0,136

1,506

1

0,220

1,182

0,905

1,545

Participação em Sindicato e/ou Organização Comunitária

0,322

0,352

0,835

1

0,361

1,379

0,692

2,749

Termo Interativo*

0,351

0,390

0,810

1

0,368

1,420

0,661

3,051

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316



Davidson Afonso de Ramos

(Conclusão)

Formal Intercept

-0,201

0,207

0,944

1

0,331

Anos de Estudo

0,013

0,022

0,385

1

0,535

1,014

0,971

1,057

Experiência Centralizada

0,030

0,008

14,625

1

0,000

1,030

1,015

1,046

Experiência Centralizada ao Quadrado

-0,002

0,001

19,316

1

0,000

0,998

0,996

0,999

Sexo

-0,904

0,149

37,037

1

0,000

0,405

0,302

0,542

Participação em Curso de Qualificação

-0,325

0,158

4,222

1

0,040

0,722

0,530

0,985

Participação em Sindicato e/ou Organização Comunitária

1,097

0,332

10,890

1

0,001

2,995

1,561

5,747

Termo Interativo*

0,596

0,375

2,526

1

0,112

1,815

0,870

3,788

* Termo Interativo entre Participação em Curso de qualificação e Participação em Sindicato e/ ou Organização Comunitária Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da Pesquisa Experimental de Avaliação do PLANFOR realizada pelo CEDEPLAR/UFMG.

Tabela 28 Efeito percentual das variáveis* Participação no Mercado de Trabalho

(Continua)

Efeito Percentual

Informal Intercept Anos de Estudo

2,254

Experiência Centralizada

2,918

Experiência Centralizada ao Quadrado

-0,168

Sexo

-34,672

Participação em Curso de Qualificação

18,228

Participação em Sindicato e/ou Organização Comunitária

37,927

Termo Interativo*

42,048

POLITICAS_SOCIAIS_miolo.indd 316

15/12/2007 22:04:59

Impactos do capital social sobre a eficiência de políticas públicas...



317

(Conclusão)

Formal Intercept Anos de Estudo

1,352

Experiência Centralizada

3,031

Experiência Centralizada ao Quadrado

-0,242

Sexo

-59,525

Participação em Curso de Qualificação

-27,772

Participação em Sindicato e/ou Organização Comunitária

199,549

Termo Interativo*

81,548

*obtido através da operação [Exp(B) - 1] X 100 Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da Pesquisa Experimental de Avaliação do PLANFOR realizada pelo CEDEPLAR/UFMG.

Analisando o modelo com o termo interativo entre participação em curso de qualificação e participação em sindicato ou organização comunitária (tab. 26, 27 e 28), percebe-se que tanto o capital social quanto o termo interativo são estatisticamente significantes apenas para o setor formal (tab. 27), o que aponta para o fato de que, entre aqueles que participam de organizações sociais, a participação em cursos de qualificação tem um efeito positivo sobre a empregabilidade, em particular no setor formal da economia. Os modelos citados acima foram replicados na amostra do follow-up 3, entretanto uma grande mudança foi necessária. Como toda a amostra do follow-up 3 era composta pelo grupo de tratamento no questionário base, nos modelos abaixo foi usada a participação em um outro curso de qualificação (“Você participou de algum curso ou forma de treinamento formal desde março de 1998?”), como sendo a variável de participação em curso de qualificação. As tab. 29, 30 e 31 trazem os resultados dos modelos do follow-up 3, sem o termo interativo.

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318



Davidson Afonso de Ramos

Tabela 29 Teste de Razão de Verossimilhança Modelo sem Termo Interativo Follow Up 3 -2 Log Likelihood of Reduced Model

Chi-Square

df

Sig.

Intercept

1757,468

2,424

2

0,298

Anos de Estudo

1759,614

4,569

2

0,102

Experiência Centralizada

1757,410

2,365

2

0,306

Experiência Centralizada ao Quadrado

1756,169

1,124

2

0,570

Sexo

1756,022

0,977

2

0,614

Participação em Curso de Qualificação

1755,615

0,570

2

0,752

Participação em Sindicato e/ou Organização Comunitária

1784,863

29,819

2

0,000

Participação no Mercado de Trabalho

The chi-square statistic is the difference in -2 log-likelihoods between the final model and a reduced model. The reduced model is formed by omitting an effect from the final model. The null hypothesis is that all parameters of that effect are 0. Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da Pesquisa Experimental de Avaliação do PLANFOR realizada pelo CEDEPLAR/UFMG.

Tabela 30 Regressão Logística Multinomial sem termo Interativo Follow Up 3

Participação no Mercado de Trabalho

B

Std. Error

Wald

df

Sig.

Exp(B)

(Continua)

95% Confidence Interval for Exp(B) Lower Upper Bound Bound

Informal Intercept

-0,484

0,311

2,425

1

0,119

Anos de Estudo

0,071

0,036

3,967

1

0,046

POLITICAS_SOCIAIS_miolo.indd 318

1,073

1,001

1,151

15/12/2007 22:05:00

Impactos do capital social sobre a eficiência de políticas públicas...



319

(Conclusão)

Experiência Centralizada

0,011

0,011

0,917

1

0,338

1,011

0,989

1,033

Experiência Centralizada ao Quadrado

0,000

0,001

0,518

1

0,472

1,000

0,999

1,002

Sexo

0,126

0,188

0,450

1

0,502

1,134

0,785

1,639

Participação em Curso de Qualificação

0,056

0,166

0,114

1

0,736

1,058

0,764

1,464

Participação em Sindicato e/ou Organização Comunitária

0,399

0,204

3,809

1

0,051

1,490

0,998

2,224

Intercept

-0,280

0,301

0,864

1

0,353

Anos de Estudo

0,063

0,035

3,291

1

0,070

1,065

0,995

1,140

Experiência Centralizada

0,017

0,011

2,358

1

0,125

1,017

0,995

1,039

Experiência Centralizada ao Quadrado

0,000

0,001

0,011

1

0,915

1,000

0,999

1,001

Sexo

-0,030

0,187

0,026

1

0,871

0,970

0,673

1,399

Participação em Curso de Qualificação

-0,055

0,163

0,111

1

0,739

0,947

0,687

1,305

Participação em Sindicato e/ou Organização Comunitária

0,958

0,192

24,829

1

0,000

2,606

1,788

3,798

Formal

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da Pesquisa Experimental de Avaliação do PLANFOR realizada pelo CEDEPLAR/UFMG.

POLITICAS_SOCIAIS_miolo.indd 319

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320

Davidson Afonso de Ramos

Tabela 31 Efeito percentual das variáveis da Regressão Logística Multinomial sem termo Interativo Follow Up 3 Participação no Mercado de Trabalho

Efeito Percentual

Informal Intercept Anos de Estudo

7,331

Experiência Centralizada

1,067

Experiência Centralizada ao Quadrado

0,048

Sexo

13,424

Participação em Curso de Qualificação

5,754

Participação em Sindicato e/ou Organização Comunitária

49,015

Formal Intercept Anos de Estudo

6,480

Experiência Centralizada

1,698

Experiência Centralizada ao Quadrado

-0,007

Sexo

-2,979

Participação em Curso de Qualificação

-5,305

Participação em Sindicato e/ou Organização Comunitária

160,579

*obtido através da operação [Exp(B) - 1] X 100 Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da Pesquisa Experimental de Avaliação do PLANFOR realizada pelo CEDEPLAR/UFMG.

No caso da quarta rodada da pesquisa, a participação em sindicato ou organização comunitária passou a ser altamente significante apenas para o setor formal. No caso do mercado informal, é significante ao nível de 0,051, ou seja, envolvendo uma probabilidade de erro de 5,1% (tab. 30). Nesse caso, a variável anos de estudo passou a ser significante para o setor informal, mas o impacto é baixo, de apenas cerca de 7% (tab. 30 e 31).

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Impactos do capital social sobre a eficiência de políticas públicas...



321

A seguir, tem-se o modelo com o termo interativo (tab. 32 a 34). Tabela 32 Teste de Razão de Verossimilhança Modelo com Termo Interativo Follow Up 3 -2 Log Likelihood of Reduced Model

Chi-Square

df

Sig.

Intercept

1756,095

2,306

2

0,316

Anos de Estudo

1758,345

4,556

2

0,103

Experiência Centralizada

1756,064

2,275

2

0,321

Experiência Centralizada ao Quadrado

1754,885

1,095

2

0,578

Sexo

1754,815

1,025

2

0,599

Participação em Curso de Qualificação

1755,025

1,235

2

0,539

Participação em Sindicato e/ou Organização Comunitária

1765,089

11,299

2

0,004

Termo Interativo*

1755,045

1,255

2

0,534

Participação no Mercado de Trabalho

The chi-square statistic is the difference in -2 log-likelihoods between the final model and a reduced model. The reduced model is formed by omitting an effect from the final model. The null hypothesis is that all parameters of that effect are 0. * Termo Interativo entre Participação em Curso de qualificação e Participação em Sindicato e/ ou Organização Comunitária Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da Pesquisa Experimental de Avaliação do PLANFOR realizada pelo CEDEPLAR/UFMG.

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322



Davidson Afonso de Ramos

Tabela 33 Regressão Logística Multinomial com termo Interativo Follow Up 3 Participação no Mercado de Trabalho

B

Std. Error

Wald

df

Sig.

Exp(B)

95% Confidence Interval for Exp(B) Lower Bound

Upper Bound

Informal Intercept

-0,473

0,312

2,297

1

0,130

Anos de Estudo

0,071

0,035

3,953

1

0,047

1,073

1,001

1,150

Experiência Centralizada

0,011

0,011

0,899

1

0,343

1,011

0,989

1,033

Experiência Centralizada ao Quadrado

0,000

0,001

0,533

1

0,466

1,000

0,999

1,002

Sexo

0,123

0,188

0,429

1

0,513

1,131

0,782

1,635

Participação em Curso de Qualificação

0,032

0,183

0,030

1

0,862

1,032

0,721

1,477

Participação em Sindicato e/ou Organização Comunitária

0,327

0,269

1,476

1

0,224

1,387

0,818

2,349

Termo Interativo*

0,179

0,414

0,187

1

0,665

1,196

0,532

2,691

Intercept

-0,242

0,302

0,639

1

0,424

Anos de Estudo

0,063

0,035

3,280

1

0,070

1,065

0,995

1,139

Experiência Centralizada

0,017

0,011

2,267

1

0,132

1,017

0,995

1,039

Experiência Centralizada ao Quadrado

0,000

0,001

0,006

1

0,938

1,000

0,999

1,001

Sexo

-0,039

0,187

0,043

1

0,835

0,962

0,666

1,388

Participação em Curso de Qualificação

-0,148

0,184

0,649

1

0,421

0,862

0,601

1,237

Participação em Sindicato e/ou Organização Comunitária

0,783

0,251

9,728

1

0,002

2,188

1,338

3,578

Termo Interativo*

0,408

0,390

1,093

1

0,296

1,504

0,700

3,233

Formal

* Termo Interativo entre Participação em Curso de qualificação e Participação em Sindicato e/ ou Organização Comunitária Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da Pesquisa Experimental de Avaliação do PLANFOR realizada pelo CEDEPLAR/UFMG.

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Impactos do capital social sobre a eficiência de políticas públicas...



323

Tabela 34 Efeito percentual das variáveis da Regressão Logística Multinomial com termo Interativo Follow Up 3 Participação no Mercado de Trabalho

Efeito Percentual

Informal Intercept Anos de Estudo

7,312

Experiência Centralizada

1,056

Experiência Centralizada ao Quadrado

0,048

Sexo

13,095

Participação em Curso de Qualificação

3,218

Participação em Sindicato e/ou Organização Comunitária

38,659

Termo Interativo*

19,606

Formal Intercept Anos de Estudo

6,465

Experiência Centralizada

1,666

Experiência Centralizada ao Quadrado

-0,005

Sexo

-3,821

Participação em Curso de Qualificação

-13,789

Participação em Sindicato e/ou Organização Comunitária

118,787

Termo Interativo*

50,411

*obtido através da operação [Exp(B) - 1] X 100 Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da Pesquisa Experimental de Avaliação do PLANFOR realizada pelo CEDEPLAR/UFMG.

No que diz respeito ao setor informal, apenas a variável sobre os anos de estudo mostrou-se significante, mas novamente com um efeito percentual baixo: cerca de 7% novamente (tab. 33). No setor formal, a participação em sindicato ou organização comunitária é altamente significante e tem um efeito percentual em torno de 119% (tab. 33 e 34). Todavia, dessa vez o termo interativo não se mostrou significante, nem mesmo para o setor formal.

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Análise final dos dados Os resultados das análises empreendidas neste artigo apontam para um efeito nulo da participação em cursos de qualificação em relação à empregabilidade das pessoas. Os dados também apontam para uma melhoria da escolaridade daqueles que participaram da quarta rodada da pesquisa. É possível que a participação em cursos de qualificação tenha motivado os egressos a continuar estudando. O resultado mais consistente obtido por meio das análises multivariadas aponta para a importância das variáveis de capital social na empregabilidade das pessoas, em especial no mercado formal. Os modelos que utilizaram termos interativos entre participação em sindicatos ou associações comunitárias e participação em cursos de qualificação indicaram, em alguns casos, de maneira bastante consistente que, para os indivíduos que participam dessas associações, a participação em cursos de qualificação tem um efeito positivo maior sobre a empregabilidade, em particular no setor formal, no caso do baseline. Segundo os modelos aqui desenvolvidos, o Planfor não apresentou avanços significativos do ponto de vista da melhoria da competitividade do seu público alvo.

Conclusão A partir das análises realizadas, fica claro que políticas voltadas para o mercado de trabalho, em particular programas públicos de qualificação profissional, devem levar em consideração, dentro dos seus referenciais teóricos, a importância dos elementos ligados ao capital social. Esses elementos têm um efeito positivo e altamente significativo sobre a presença dos indivíduos no mercado formal de trabalho. Um indivíduo com uma boa rede de relações tem uma probabilidade maior de estar trabalhando. Isso significa que, de certa maneira, o capital social promove um fortalecimento das pessoas. Da mesma forma, os resultados encontrados indicam haver uma interação positiva entre a participação em cursos de qualificação e o capital social. Isso pode indicar que os cursos talvez tenham um certo efeito positivo

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sobre a empregabilidade, porém de forma indireta, ou seja, os cursos podem promover a expansão das redes de relacionamentos dos indivíduos que já tenham redes mais sofisticadas, elevando assim suas chances de colocação no mercado de trabalho. Dessa forma, os resultados dos modelos desenvolvidos neste artigo apontam para um fato de fundamental relevância: o capital social parece fortalecer o efeito das políticas sociais e a participação nas políticas sociais parece fortalecer o capital social. Apesar da complexa operacionalização dessa variável e das divergências conceituais entre os diversos autores, a presente análise leva à conclusão de que o capital social deve ser levado em conta no planejamento de intervenções no mercado de trabalho.

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Educação, sexo e raça no mercado de trabalho brasileiro na década de 1990: uma avaliação da política de expansão educacional Flávio Cireno Jorge Alexandre Barbosa Neves

O mercado de trabalho no Brasil sofreu, a partir de meados da década de 1980 e durante toda a década de 1990, uma grande mudança no que diz respeito tanto aos fatores estruturais quanto às características dos indivíduos que compõem a demanda por postos de trabalho. Para a elaboração deste artigo, definiram-se dois pontos no tempo que melhor representassem as mudanças ocorridas no País, naquele período, em especial no que tange ao mercado de trabalho. Assim, os anos de 1988 e 1998 foram escolhidos como objeto de estudo e, através da análise dos dados das Pesquisas Nacionais por Amostra de Domicílio (Pnads) de 1988 e 1998, serão investigadas as transformações ocorridas no perfil dos trabalhadores e do mercado. Com a finalidade de avaliar o impacto das transformações sobre o capital humano e outras variáveis, serão propostos dois modelos de equações mincerianas para os dois anos. Em um segundo momento, será apresentada uma decomposição dinâmica dos coeficientes das referidas equações. A equação minceriana tem este nome por causa do trabalho clássico de Jacob Mincer (1974), no qual o autor apresenta um modelo funcional para testar a teoria do capital humano.



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A decomposição dinâmica dos coeficientes das equações mincerianas terá como principal objetivo fazer uma análise dos efeitos da política de expansão do acesso à educação no Brasil na década de 1990 – em particular, da universalização do ensino fundamental ocorrida no período – sobre o mercado de trabalho. Mais especificamente, se buscará entender que efeitos essa política teve sobre a relação entre educação (principal fator de capital humano) e rendimentos do trabalho.

Mercado de trabalho e educação no Brasil na década de 1990 Durante a década de 1990, o Brasil sofreu um grande impacto na estrutura do mercado de trabalho, com conseqüências importantes sentidas até hoje. A conjunção singular de fatos, como a abertura do País ao mercado externo e o aparecimento de novas tecnologias, e fatores macroeconômicos desfavoráveis provocou uma grande transformação na estrutura ocupacional no mercado de trabalho, e o desemprego cresceu de forma preocupante. Isso se mostrou uma condição nova em um país que raras vezes teve problemas de desemprego e que, até meados da década de 1970, tinha como principais problemas a baixa qualificação do trabalhador e, conseqüentemente, a sua produtividade insuficiente. Uma das principais mudanças que ocorreram durante a década de 1990 no País foi a diminuição da interferência do Estado na economia. Até então, a atuação do Estado na economia pautava-se por um forte intervencionismo e protecionismo de mercado. Também agia como um grande empregador, através da estrutura burocrática e de empresas estatais, onde, salvo honrosas exceções, a indicação política era mais importante do que o mérito pessoal. Porém, no início da década de 1990, iniciou-se uma mudança radical na própria função do Estado e na forma pela qual este atua na economia. A abertura radical do País às importações e a reforma do Estado, com a venda de Para uma revisão das mudanças enfrentadas no mercado de trabalho na década de 1990, Cf. Ramos (2002), Camargo (1997), Amadeo (1997) e Cireno (2002 e 2004), entre outros.  Durante o governo Collor de Melo, 1990-1992, foram efetuadas as principais medidas de abertura, juntamente com a restrição das contratações para o governo, só autorizadas com concurso público, a partir da Constituição de 1988. 

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estatais, foram sentidas em toda a estrutura produtiva e tiveram como resultado imediato o desemprego. A paridade do dólar em relação ao real, a partir de 1994, com pequenas valorizações até 1998, juntamente com um modelo econômico monetarista e restritivo, causou uma segunda onda de impactos no mercado de trabalho, culminando na desvalorização do real, em dezembro de 1998, após a crise da Rússia. Dentro deste contexto, como explicar as mudanças ocorridas nos postos de trabalho no período? A literatura especializada em mercado de trabalho acredita que alguns componentes, como o conjunto de habilidades dos trabalhadores, bem como características pessoais, como gênero e raça, são considerados preponderantes na explicação das variações das recompensas do trabalho. Fatores como experiência, educação, gênero e raça, bem como as características geográficas e de setores produtivos, conseguem razoavelmente explicar os retornos monetários do trabalhador. Entre os fatores explicativos dos retornos de renda, o mais universal de todos eles é, sem dúvida, a educação. A partir da teoria do capital humano, este se tornou talvez o assunto mais discutido na literatura de sociologia do mercado de trabalho e da economia do trabalho. Para o caso do Brasil, Coelho e Courseuil (2002) apresentam um panorama dos retornos econômicos da educação. Analisando vários trabalhos das décadas de 1970 a 1990, eles constatam que os retornos da educação para a equação minceriana de renda apresentam-se entre 10% a 18% sobre o salário do indivíduo por ano de educação.

Metodologia Para operacionalizar o trabalho, foram utilizadas os dados das Pnads dos anos de 1988 e 1998, das quais foram selecionados os casos e as variáveis de interesse para integrar o modelo. Durante o processo de trabalho com Para uma crítica ao modelo adotado pelo Brasil durante o governo Cardoso e outros países da América Latina, o chamado consenso de Washington ou modelo neoliberal, como é conhecido vulgarmente, ver Portes e Hoffman (2002) e Kaztman (2002), que fornecem subsídios para a discussão.  Para uma revisão do papel desses fatores sobre os retornos do trabalho, cf. Mincer, (1974), Becker (1964), Schultz (1973), Telles (1993 e 1994) e Sakamoto e Chen (1992), entre outros. 

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microdados, optou-se por utilizar uma amostra constituída de pessoas entre 18 e 65 anos que estivessem trabalhando na semana de referência, chegando-se a um total de 99.903 casos para o ano de 1988 e 118.931 observações para o ano de 1998.

O modelo de MQO O método de regressão utilizado foi o de Mínimos Quadrados Ordinários (MQO), a partir do qual, para os dois anos, foram calculados os rendimentos de todos os trabalhos em número de salários mínimos. Para cada um dos dois pontos no tempo em questão foi estimada uma função de regressão de MQO, com a seguinte especificação do modelo: LN(Y) = α + β1 RAÇA + β2 SEXO + β3 REGIÃO + β4 IDADE + β5 IDADE2 + β6 EDUCAÇÃO + ε

Onde: LN(Y) = Logaritmo neperiano do número de salários mínimos recebidos mensalmente por todos os trabalhos; RAÇA = Variável indicadora para raça do entrevistado, dividida entre brancos e negros atribuindo-se o valor 1 para os brancos; SEXO = Variável indicadora para o sexo do entrevistado, atribuindo-se o valor 1 para o homem; REGIÃO = Série de variáveis indicadoras para as regiões do país (Norte, Nordeste, Sul, Centro-Oeste e, ainda, uma para o Distrito Federal), sendo a Região Sudeste a categoria de referência; IDADE = Idade do indivíduo em anos; Os valores reais do salário mínimo para os dois anos de referência são muito próximos, sendo de R$ 242,43 em setembro de 1988 e de R$244,00 em setembro de 1998, mês anterior ao de referência da PNAD, apresentando uma diferença real de apenas 0,65% entre eles.  Foi considerada população negra a soma de negros e pardos, excluídos os indígenas e amarelos.  A mensuração da experiência pela idade é controversa, sendo amplamente debatida entre os pesquisadores que utilizam equações mincerianas. Todavia, Fernandes, Neves e Haller (1999) encontraram uma correlação acima de 0,9 entre as variáveis, a partir de dados brasileiros. Isso indica ser consistente utilizar a idade como proxy para a experiência. 

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IDADE2 = Idade do indivíduo em anos elevada ao quadrado; Escolaridade = Número de anos de estudo concluídos com sucesso (de 0 a 15).

Decomposição dinâmica dos coeficientes Em um segundo momento foi realizada a decomposição dinâmica dos coeficientes de ambas as regressões, uma vez que é possível fazê-lo sem perda da lógica da regressão, como justificado em Sakamoto e Chen (1992), quando afirmam que: ... uma das propriedades da regressão de mínimos quadrados é esta, quando a regressão estimada é avaliada pela média das variáveis independentes, o valor predito para a variável dependente é igual à média.10

Ou seja, uma vez que as regressões por MQO são baseadas nas médias e o valor predito em cada um dos termos da equação é dado pelo produto da posse por parte de cada um dos indivíduos das características dos termos da equação, podemos utilizar a média geral e os valores dos coeficientes para decompô-los da seguinte maneira:

(98Y’ - 88Y’) = (α98- α88) + Σ β88 (98X’ - 88X’) + Σ 88X’ (β98- β88) + Σ (98X’ - 88X’) (β98- β88) Onde: Y’: média da variável dependente; X’: média de uma variável independente; 98: indica que a medida diz respeito ao ano de 1998; 88: indica que a medida diz respeito ao de 1988; α: constante; β: coeficiente de regressão referente a uma variável independente.

Os escores de educação com mais de 15 anos de idade foram convertidos para 15 anos, para evitar problemas de heterocedasticidade no modelo. 10 Tradução nossa. 

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O primeiro componente do lado direito da equação diz respeito à constante, o segundo à média da variável de interesse, o terceiro ao coeficiente e o último ao termo interativo. Isto se dá porque, ao decompormos um termo matemático multiplicativo, em que ambos variam durante o tempo, a simples diferença entre os dois indicadores não explica a diferença no período, tendo a diferença no produto que ser levada em consideração. O termo interativo pode ser visto como um fator estrutural não explicado pela variação da média ou dos coeficientes, ou seja, pode ser interpretado como uma adequação maior ou menor das variáveis de interesse na mudança estrutural decorrente do período, pois se houvesse uma adequação significativa, ou seja, uma preparação, o termo interativo tenderia a zero e, em situações de maior inadequação, o termo interativo tenderia a crescer. Esta interpretação contradiz a interpretação correntemente apresentada por alguns pesquisadores de que apenas o aumento da média de educação faria com que o efeito de cada ano da escolaridade diminuísse no Brasil.

Apresentação e discussão dos resultados Nesta seção, serão analisadas as mudanças ocorridas, inicialmente a partir de estatísticas univariadas e bivariadas, mostrando os efeitos das variáveis de interesse no mercado de trabalho e na empregabilidade das pessoas. Em um segundo momento, serão analisadas as duas equações de Mincer, e depois será analisada a decomposição destas equações.

Rendimentos do trabalho no Brasil: sexo, raça e região Durante a década de 1990, os rendimentos do trabalho se alteraram de maneira significativa em relação à medida utilizada aqui (rendimento recebido de todos os trabalhos), principalmente no que diz respeito às razões entre os grupos de gênero e raça utilizados. Como mostra o graf. 1, os valores em número de salários mínimos do rendimento do trabalho para a população aumentam, passando em média de

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4,57 para 6,41 entre os homens brancos, que têm os rendimentos mais altos, e de 1,31 para 2,10 entre as mulheres negras, que têm os rendimentos mais baixos. Isto mostra, ao menos relativamente, que a diferença entre os rendimentos médios das mulheres e dos homens diminuiu. Os homens obtiveram um aumento médio de 40%, no caso dos brancos, e 35%, no caso dos negros, ao passo que entre as mulheres os aumentos foram de 63% e 60% para as brancas e negras, respectivamente.

Rendimento em salários mínimos

Rendimento médio por sexo e raça

Gráfico 1 – Salário médio pago, por sexo e raça – Brasil, 1988-1998 Fonte: Pnad/IBGE – elaboração própria.

Os resultados apresentados no graf.1 indicam aumentos médios nos rendimentos do trabalho de todos os quatro grupos resultantes das combinações de classificações de sexo e raça. Todavia, quando observados os rendimentos através das razões11 entre os dois períodos, pode-se notar uma queda relativa da diferença de salário com relação ao sexo (queda de aproximadamente 23%), pois os homens recebiam aproximadamente duas vezes mais que as mulheres e passam a perceber aproximadamente uma vez e meia a mais. Com relação à raça a tendência é inversa, com um aumento de 13% na razão As razões de rendimento foram postas de maneira que o grupo presente no denominador apresente desvantagem com relação ao grupo do numerador, fazendo assim com que os resultados sejam sempre maiores que um e os efeitos percentuais sejam compreendidos mais facilmente.

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dos salários dos brancos sobre os negros, saindo de 78% de vantagem para 100% entre os dois períodos, como mostrado na tab. 1. Tabela 1 Razões de rendimento por sexo e raça – Brasil, 1988-1998 Razões

1988

1998

Variação %

Homens/mulheres

1,96

1,51

-23,07%

Brancos/negros

1,78

2,01

12,66%

Homens brancos/ homens negros

1,98

2,05

3,52%

Homens brancos/mulheres negras

3,48

3,05

-12,30%

Homens brancos/mulheres brancas

1,81

1,55

-13,98%

Homens negros / mulheres negras

1,75

1,49

-15,28%

Mulheres Brancas / mulheres negras

1,93

1,96

1,95%

Mulheres Brancas/ homens negros

1,10

1,32

20,34%

Fonte: Pnad/IBGE, elaboração própria.

Este efeito é corroborado quando observamos as razões de sexo e raça dos quatro grupos, nas quais as variações entre os dois períodos dentro dos grupos de sexo permanecem aproximadamente constantes (variações positivas de 3,5% entre os homens e 2% entre as mulheres, em favor dos brancos) enquanto que, nos casos nos quais as razões envolvem sexos diferentes, nota-se uma queda significativa, com uma diminuição das razões variando entre 12% e 15%, aproximadamente. Por outro lado, nota-se um aumento de 20% da vantagem das mulheres brancas sobre os homens negros, saindo de um diferencial médio de 10% para 32%, em favor do primeiro grupo. Com isto, podemos observar que, no período estudado, os diferenciais de rendimento entre homens e mulheres caíram significativamente, enquanto que os diferenciais de rendimento entre os grupos de negros e brancos permaneceram praticamente inalterados. Isto se deve, provavelmente, a uma melhor inserção das mulheres no mercado de trabalho, juntamente com o fechamento de muitos postos de trabalho em ocupações tipicamente masculinas, como ocorreu no setor industrial, que remunerava bem e exigia um baixo índice de escolaridade.

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Educação e trabalho na década de 1990 A distribuição dos retornos da educação durante o período estudado apresenta características interessantes. O graf. 2 mostra que a conclusão do Ensino Fundamental (ou seja, o oitavo ano de escolaridade) passa a ser uma credencial com efeito mais forte e visível em 1998 do que era em 1988. Ao mesmo tempo, a conclusão do primeiro ciclo deste nível de ensino (do quarto ano) parece perder importância. Ou seja, o mercado passa a reconhecer como credencial o Ensino Fundamental completo e a remunerar de forma diferenciada os indivíduos com este grau de escolaridade, ao passo que a conclusão da primeira metade deste nível de ensino perde importância. Vale a pena ressaltar, também, que os dados de 1998 mostram um diferencial de rendimento do trabalho bem menor entre os que concluíram o Ensino Fundamental e os que concluíram o Ensino Médio do que em 1988. Renda média por anos escolaridade (1988 - 1998)

Anos de escolaridade

Gráfico 2 – Distribuição do rendimento médio por escolaridade – Brasil, 1988-1998 Fonte: Pnad/IBGE – Elaboração própria.

Porém, observando mais atentamente as curvas de rendimentos com relação ao sexo do trabalhador, podemos notar uma queda relativa na remuneração dos indivíduos do sexo masculino com o Ensino Fundamental completo em

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diante, e uma diminuição da diferença salarial nesta faixa com relação às mulheres, que aumentam os seus retornos, como mostra o graf. 3. Razão de rendimentos: gêneros por anos de escolaridade

Anos de escolaridade

Gráfico 3 - Distribuição da razão do rendimento médio por sexo e anos de escolaridade – Brasil, 1988-1998 Fonte: PNAD/IBGE – Elaboração própria.

Com relação às médias de escolaridade, quando comparadas aos retornos de rendimento, um dos diferenciais do período foi o aumento destas, como mostra a tab. 2. Particularmente, em um grupo específico – os homens brancos (com um aumento de 20% na média de escolaridade) –, isso se observou de forma ainda mais marcante. Todavia, esse aumento na escolaridade não foi acompanhado pelo retorno em rendimento que se suporia, o que indica que simplesmente o aumento desta média não trouxe retornos para todos os grupos populacionais. Talvez, mais uma vez, esta diferença se deva ao tipo de ocupação, com uma barreira de entrada para os homens de baixa escolaridade, cujas ocupações desapareceram.

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Tabela 2 Número médio de anos de escolaridade por sexo e raça – Brasil, 1988-1998 Sexo

Raça

1988

1998

Diferença

Masculino

Negra

4,16

5,09

0,93

Branca

6,19

7,38

1,20

Negra

5,32

6,44

1,12

Branca

7,63

8,74

1,11

Feminino

Fonte: PnadD/IBGE – Elaboração própria.

Finalizando, podemos apresentar algumas indicações para a análise multivariada, uma vez que com relação aos grupos de sexo/raça e a educação, o grupo que teve o maior aumento da média de escolaridade, tanto relativa quanto absoluta, obteve o menor retorno em rendimento, quando comparado aos outros grupos de interesse. Ou seja, a relação entre escolaridade e retornos de rendimento está mediada por variáveis sociais de caráter individual, como sexo, ou estrutural do mercado de trabalho, não discutidas neste artigo.

Análise multivariada Como descrito na seção anterior, os retornos de educação atuam de forma diferente com relação aos grupos de sexo/raça durante o período escolhido. Por causa deste efeito, optou-se por uma estratégia de utilizar duas equações mincerianas de MQO e, em um segundo momento, fazer a decomposição destas, indicando assim qual o efeito real da variação dos coeficientes e da média, levando em consideração o termo interativo. O Valor de Predição (R2) dos modelos descritos anteriormente foi de aproximadamente 0,47 para 1988 e 0,48 para 1998. Para todos os preditores em ambos os modelos, foi conseguido um p-valor abaixo de 0,001, e foram testados possíveis problemas de heterocedasticidade e endogeneidade, o primeiro através de análise gráfica e o segundo através do teste de Hausman, com resultados negativos para ambas. Na análise dos coeficientes apresentados na tab. 3, vai-se concentrar nos coeficientes de escolaridade, raça, sexo e região, uma vez que o termo da idade só se torna analisável para cada uma das idades determinadas, e a análise para a média da distribuição não traria grande poder heurístico ao trabalho.

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5,69

0,65

0,53

0,16

0,29

0,09

0,03

0,10

β6 EDUCAÇÃO

β2 GÊNERO

β1 RAÇA

β3 REGIÃO S

β3 REGIÃO NE

β3 REGIÃO N

β3 REGIÃO DF

β3 REGIÃO CO

-0,0875

0,1988

-0,0347

-0,3958

-0,0492

0,1799

0,7738

0,1364

1344,57 -0,0013 1413,79 -0,0010

0,09

0,03

0,07

0,29

0,18

0,54

0,62

6,83

-0,1041

0,2815

-0,1489

-0,3673

-0,0495

0,1706

0,5627

0,1270

0,0916

β5 IDADE2

35,80

0,1199

34,73

-2,256

B

β4 IDADE

 

0,8610

Xbar

-3,2515

B

1998

α

0,3882

Xbar

1988 1998

-0,01

0,01

0,00

-0,11

-0,01

0,10

0,50

0,78

-1,77

4,16

-0,01

0,01

-0,01

-0,10

-0,01

0,09

0,35

0,87

-1,35

3,28

-3,252 -2,256

1988

TERMO DA EQUAÇÃO

0,00

0,00

-0,01

0,01

0,00

0,00

-0,15

0,09

0,42

-0,88

0,995

0,4728

DIF

 

COEF.

-0,0534

0,4886

5,50%

34,90%

72,39%

-8,53%

12,15%

-4,08%

-0,0016

0,0023

-0,0097

0,0082

0,0000

-0,0049

-44,02% -0,1371

10,58%

-31,39%

-26,89% -0,9803

 

VAR. PERC.

 

INT.

0,0009

0,0005

0,0005

0,0002

0,0002

0,0015

0,0008 -0,0001

-0,0010 0,0000

0,0013 -0,0001

-0,0227 0,0062

0,1560 -0,0107

-0,0911 0,0252

0,1285 -0,0303

0,9951

0,4728

MÉDIA

-0,0005

0,0029

-0,0078

0,0089

-0,0011

-0,0037

-0,1536

0,0918

0,4227

-0,8820

 

DIFERENÇA

DECOMPOSIÇÃO



LN(Y)

VARIÁVEIS NO MODELO

Tabela 3 Decomposição dinâmica dos coeficientes da equação de Mincer

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Para o ano de 1988, a média de anos de escolaridade encontrada foi de 5,7 anos. Pode-se observar que, controlado pelos outros fatores, cada ano a mais de educação tem um efeito de aproximadamente 13,6% no rendimento do trabalho. Com relação ao ano de 1998, a média de escolaridade aumenta em cerca de 1,1 ano, quando comparada ao ano de 1988, chegando-se a uma média de 6,8 anos. Em 1998 cada ano a mais de educação gera um acréscimo de 12,7% no rendimento do trabalho. Isto demonstra uma queda no retorno salarial da educação, o que leva imediatamente a atribuir este efeito ao aumento da média. Porém, quando se observa a decomposição, nota-se que a variação real é bem menor com relação ao efeito da média, de cerca de 15% no rendimento do indivíduo médio, enquanto que o efeito do coeficiente, que é negativo, gera um diferencial de 5%. O termo interativo da equação gera uma diferença geral para o indivíduo com educação média de 9,18%, em termos positivos, com uma variação não explicada de 2,52%. Embora os sinais se mantenham da mesma forma, pode-se observar que as mudanças no coeficiente e na média são menores nas diferenças simples, com um baixo grau de influência de fatores externos (termo interativo). De outra maneira, podese dizer que a variação “real” do termo total é dada pelo aumento da média e diminuição (embora pequena) do coeficiente, e um baixo grau de variação não explicada. Já com relação ao sexo do indivíduo, em 1988 pode-se interpretar que pertencer ao sexo masculino implica um diferencial de salário de aproximadamente 77,4% a mais, controlando-se pelas outras variáveis. Os homens ocupavam aproximadamente 65% no mercado de trabalho. Em 1998, há uma diminuição na proporção de homens no mercado de trabalho, de aproximadamente três pontos percentuais, com uma diminuição na vantagem de ser homem, de cerca de 21 pontos percentuais. Para as proporções da distribuição, os homens teriam, em média, uma massa salarial cerca de 50% maior em 1988, o que é reduzido para uma vantagem de cerca de 35%. Ao observar-se esta diferença, pode-se dizer que as mulheres têm um diferencial positivo com relação à qualidade da ocupação, em termos de rendimento do trabalho, mesmo controlando-se pela educação. Com relação à raça, observa-se que houve uma pequena diminuição de negros no mercado de trabalho, de 47% para 46%. Cada ano a mais de escolaridade representava para os brancos, em 1988, um acréscimo 17,9% no rendimento do trabalho. Em 1998 este percentual caiu para menos de

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17,1%. Com relação à região, como nas equações anteriores, o fato de ser da região Nordeste reduz o rendimento do trabalho em cerca de 40% em 1988 e 37% em 1998, em relação à região Sudeste, com uma diminuição de três pontos percentuais aproximadamente, ou 7,5%, e o fato de ser do Distrito Federal aumenta o rendimento do trabalho em cerca de 28% em relação à região Sudeste em 1998, um acréscimo de cerca de oito pontos percentuais, em relação a 1988, ou quase 42%. Isto não levou a uma diferença significativa com relação às estruturas regionais, havendo uma relativa estabilidade nas regiões, embora haja um pequeno aumento na proporção da participação da região Norte e Centro-Oeste na composição da amostra e um ligeiro aumento na região Sul.

Conclusões Após a análise dos dados no período, tanto da análise das estatísticas descritivas quanto das equações de Mincer e da decomposição dinâmica, pode-se afirmar que, com relação à educação, o mercado de trabalho tornou-se mais seletivo, principalmente com relação aos setores que exigiam escolaridade mais baixa, como apresentados na análise gráfica. Isto se deve ao aumento da escolaridade média e também ao fechamento de postos de trabalhos de baixa qualificação. Nota-se também uma estabilidade desconcertante com relação aos coeficientes de raça nas equações, bem como na escolaridade dos indivíduos. Pode-se dizer que a escolaridade média das pessoas no Brasil foi aumentada no período de maneira uniforme com relação à raça – bem como mantidos seus efeitos no mercado de trabalho –, o que não se pode dizer que seja um indicador muito positivo com relação à universalização do acesso à educação fundamental ocorrida no período, visto que a estrutura de extrema desigualdade educacional entre pessoas de cor branca e de cor negra praticamente se manteve inalterada. A grande mudança no período se deveu à entrada das mulheres no mercado de trabalho, visto que, controlando-se pelos outros fatores nas equações, conseguiram diminuir em 15% o diferencial de rendimento do trabalho em relação aos homens. Isto se dá, como se pôde ver anteriormente, pela

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diminuição dos aumentos de rendimentos do trabalho associados aos anos de escolaridade, especificamente nas ocupações que exigem menor e maior escolaridade. Uma análise mais aprofundada deverá mostrar que isto se deve a uma queda na disponibilidade das ocupações masculinas que exigiam baixa escolaridade e traziam retornos mais altos, bem como pela diminuição da diferença dos salários dessas mulheres em relação aos homens, no que diz respeito a ocupações mais qualificadas, a partir dos 11 anos de escolaridade. Porém, para corroborar estes resultados, seria necessária a realização de um estudo mais específico em relação à estrutura ocupacional, levando em consideração a questão de gênero. Finalmente, uma última e importante conclusão que se pode tirar das análises apresentadas é a de que há pouca (ou nenhuma) evidência para se afirmar que a queda na taxa de retorno salarial da educação ocorrida no Brasil durante os anos 1990 se deveu à elevação da média dos anos de escolaridade da População Economicamente Ativa. Os resultados da decomposição dinâmica das equações mincerianas de 1988 e de 1998 mostram que esta é uma hipótese muito pouco plausível. Isto mostra que, a política educacional de universalização do Ensino Fundamental não teve o impacto positivo esperado (por quem a concebeu) sobre o mercado de trabalho. A queda da taxa de retorno se deveu, provavelmente,12 à falta de dinamismo do mercado de trabalho, que não conseguiu gerar empregos de qualidade para absorver uma mão-de-obra mais qualificada. Portanto, pode-se concluir que os resultados aqui encontrados evidenciam as limitações das políticas educacionais para atuar sobre o mercado de trabalho. A expansão da educação tem vários efeitos desejáveis para a sociedade, porém parece ser pouco provável que ela sozinha13 consiga causar maiores impactos positivos sobre o mercado de trabalho.

Este “provavelmente” aqui colocado é deveras importante, pois neste capítulo não se tem uma única evidência para se chegar a esta conclusão. Trata-se, portanto, apenas de uma hipótese. 13 A palavra “sozinha” aqui também merece um comentário, pois o que se está querendo afirmar é que políticas de expansão educacional podem até ter efeitos positivos sobre o mercado de trabalho, porém apenas se acompanhadas por um processo robusto de geração de empregos de qualidade. Como afirma Thurow (1975), só há trabalhadores qualificados com salários adequados quando há empregos de qualidade. 12

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A gestão das políticas públicas: a descentralização e o Programa Estadual de Qualificação Profissional em Pernambuco Henrique Guimarães

No Brasil, a redefinição dos papéis dos governos locais em relação às ações de políticas públicas está associada diretamente ao processo de retomada do federalismo juntamente com a redemocratização do país a partir do fim da ditadura militar, no começo dos anos 1980. Dentro do quadro gerado pela redemocratização e pela Constituição de 1988, o governo federal começou a repassar atribuições e responsabilidades, através de uma política de descentralização dos programas sociais, aos governos locais (neste caso, entendendo-se como governos locais os estados e os municípios). Essa mudança obedeceu a uma lógica da evolução do sistema da gestão pública inserida num ambiente democrático, em busca de eficiência e eficácia dos seus programas sociais. O modelo de descentralização proporcionou uma mudança no planejamento e execução das políticas públicas, alocando para o âmbito local (estado e municípios) a responsabilidade por diversas ações em várias áreas (educação, saúde, qualificação profissional etc.). Isto trouxe à tona problemas fundamentais existentes dentro do antigo modelo centralizado, como, por exemplo, a distância entre os policymakers e a população focalizada, a falta de proximidade da burocracia com as realidades locais, a falta de sintonia entre a demanda social

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de fato e política a ser executada e, ainda, a ausência de avaliações consistentes e técnicas dos impactos de programas executados. Com esta nova lógica, os atores locais se tornaram os elementos executores dos programas, tornando-se necessária a melhoria da qualificação das burocracias locais, pois de acordo com Arretche (2001), o “grau de sucesso de um programa de descentralização está diretamente associado à decisão pela implantação de regras de operação que efetivamente incentivem a adesão do nível de governo ao qual se dirige”. Os críticos do modelo de descentralização argumentam que as burocracias locais seriam inaptas e pouco qualificadas para conduzir boa parte dos programas sociais. É fato que as burocracias locais são pouco qualificadas, mas é também fato que, a partir desse processo, o governo federal tem o poder de associar a liberação de verbas a uma contrapartida de melhoria técnica e profissional dos municípios envolvidos. O modelo foi utilizado em grande escala, a partir de 1995, no governo de Fernando Henrique Cardoso. Na área de emprego e renda, foi desenvolvido programa nacional de âmbito bastante generalizado, que se propunha a atingir uma grande parcela da população. De acordo com os defensores do modelo, a sociedade teria não apenas condição de participar mais efetivamente no processo, por intermédio das comissões municipais de emprego, como também poderia exercer o controle social sobre a execução do programa. O Planfor foi criado em 1995 pelo governo federal e objetivava promover em todo o País a educação e a qualificação profissional para grupos de trabalhadores, atendendo prioritariamente àqueles: a) em situações adversas para a competição por vagas ocupacionais; b) sob risco de desocupação; c) que buscam o primeiro emprego; d) pertencentes a grupos sociais historicamente discriminados. Pretendia qualificar 20% da População Economicamente Ativa – PEA por ano e utilizaria os recursos oriundos do Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT. Esta política pública foi implantada em Pernambuco em 1996, no governo de Miguel Arraes, através da Secretaria de Trabalho e Ação Social (STAS), dentro do Programa Estadual de Qualificação Profissional – PEQ. Em 1999, na gestão Jarbas Vasconcelos, o programa passou a ser gerido pela Secretaria 

Plano Nacional de Formação do Trabalhador. Para mais detalhes ver Conhecendo o Planfor: como o Governo Federal e o Ministério do Trabalho e Emprego estão qualificando o Brasil. (2001)

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de Planejamento e Desenvolvimento Social (Seplandes) e em 2000 passou a ser executado pela Agência do Trabalho. Dentro deste contexto, as comissões municipais de emprego surgiram como novos e importantes atores institucionais sintonizados com a lógica da descentralização (participação e controle social) e foram concebidas como canais institucionais para a otimização do controle social e da participação da sociedade sobre o processo de gestão das políticas públicas no âmbito local (municipal). Nas comissões municipais de empregos os membros de cada bancada (governo, trabalhadores e empregadores) se revezam na presidência em mandatos de um ano. As comissões são fundamentais para a eficácia e a eficiência dos programas de qualificação profissional porque os seus membros são incumbidos de deliberar sobre as demandas locais em função das especificidades econômicas do município, visando buscar um ponto ótimo na relação “oferta X demanda” de cursos . Por outro lado, as burocracias locais, em geral, possuem baixa formação e qualificação e estão mais sensíveis às pressões políticas e aos interesses de elites locais, além de conviverem num ambiente caracterizado por assimetrias de informações em relação às burocracias federais e estaduais. Este artigo se propõe ir um pouco mais além do que foi abordado nos estudos realizados até hoje, e irá verificar as condições em que o programa está sendo executado no Estado de Pernambuco, através da análise dos dados do ano de 2001. Abordará também o papel das comissões municipais de emprego nesse processo de descentralização, estudando a distribuição dos recursos no estado para aferir se o programa está sendo conduzido dentro de uma lógica racional e democrática de alocação das verbas ou se há interferência de interesses ou atores políticos.

Mobilidade política nas prefeituras Fazendo um cruzamento entre os pleitos de 1996 e 2000 (Tab. 1), a diagonal principal resultará na imobilidade política, ou seja, o número de prefeituras que cada partido manteve de um pleito para o outro, quem não mudou Esta estratégia foi utilizada por Nélson do Vale Silva e José Pastore nos seus estudos sobre mobilidade social (ver Silva e Pastore, 2000).



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de partido ou quem não perdeu as eleições. Este método é um modelo clássico de mobilidade. Constata-se que apenas 29% das prefeituras conquistadas em 1996 por um determinado partido foram mantidas em 2000 e, portanto, em 71% dos municípios os prefeitos mudaram de partido entre as duas eleições. Como resultado, o percentual de municípios da base de sustentação do governo estadual aumentou, ou seja, independentemente da linha ideológica do governo estadual, sua base sempre reunirá a grande maioria dos municípios do estado. Houve uma grande volubilidade partidária entre um pleito e outro, mas é difícil mensurar as razões efetivas para tal neste estudo. É provável que a volubilidade partidária tenha influências negativas sobre a condução das políticas públicas, mas para confirmar isto seria necessário um outro tipo de pesquisa. O ideal é que o poder público conseguisse desenvolver e manter uma burocracia suficientemente profissionalizada, capaz de manter-se ao largo das tempestades políticas, cumprindo de forma eficaz o papel que é atribuído ao Estado em nossa sociedade.

Testes das hipóteses Hipótese 1: • A aliança política entre o poder local e o poder estadual propicia uma correlação positiva e significante com a homologação de comissões municipais de emprego no Estado. As comissões foram homologadas preferencialmente nos municípios onde o poder local está alinhado ao governo estadual. Esta primeira hipótese busca testar se o processo político que norteou a homologação das Comissões Municipais de Emprego (CMEs) nos municípios obedeceu a algum critério político. É por demais lógico imaginar que os municípios aliados do governo estadual seriam priorizados para a homologação das CMEs. A negação da hipótese indicará que o programa é pautado por critérios técnicos e pelas demandas reais dos municípios. Foram utilizadas duas variáveis: o ano de homologação da CME e a variável dicotômica ‘prefeitura aliada ao governo estadual’ (valor 1) ou prefeitura não aliada ao governo estadual (valor 0). Depois, foi realizado um cruzamento entre as duas variáveis

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0

2

6

1

3

2

1 1

2

5

0

0

1

3

2

3

3

0

1

4

48

4

9

17

 

5

1

PC do B

46

80

13

9

184

1

27

4

PSDB

1

0

PV

31

20

1

3

16

11

1

1

1

44

PSB

9

1

17

2

1

4

3

6

 

0

2

1

1

1

PV PSDB PC do B

PRTB

PHS

PSDC

PFL

3

4

20

1

2

PSB

PPS 3

1

PRTB

1 1

1

PHS

PL

PSC

PSL

2

1

1

PSDC

Total



Fonte: TRE - PE

ANO 2000

1

6

1

1

7

2

1

PMDB

5

2

1

1

1

 

PL

PTB

PT

PDT

PPB

PSC

PPS PFL

PSL

 

PPB PDT PT PTB PMDB

ANO 1996

 

Tabela 1 Mobilidade política nas prefeituras no período entre 1996 e 2000

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para detectar a diferença na proporção entre ser aliado e não ser aliado do governo estadual na homologação de CMEs entre 1997 e 2001. Isto foi utilizado para atenuar o efeito de a maioria das prefeituras do estado ser sempre da base governista nos dois períodos analisados, o que compromete um pouco os resultados, por se tratar de uma amostra com apenas 184 casos (municípios). Tabela 2 Proporções de homologações de CMEs entre municípios aliados e não aliados ao governo estadual ANO

1997 1998 1999 2000 2001

Município aliado

Município não aliado

GOVERNO ESTADUAL

GOVERNO ESTADUAL

Formou CME 11% 14% 19% 38% 31%

Não formou CME 88% 86% 81% 62% 69%

Formou CME 06% 12% 24% 30% 30%

Não formou CME 94% 88% 76% 70% 70%

Fonte: TRE – PE / Pesquisa da avaliação externa do PEQ/FAT 2001 – Ipsa/Neppu.

Os resultados apresentados acima não permitem a confirmação da hipótese 1, porque a diferença da proporção na formação de CMEs nos partidos da base aliada não é representativa. Em todos os anos estudados, houve um padrão pouco consistente de homologação nos municípios não aliados, exceto no ano de 1999, quando a diferença se inverteu em favor dos municípios não aliados. Portanto, não parece haver um padrão lógico de ações (ou interesses) políticas nas homologações por parte do governo estadual. Não foi possível com esses dados detectar padrões racionais e lógicos de ingerência política nas homologações de CMEs entre 1997 e 2001 em Pernambuco, como mostra o gráfico a seguir, que traz a evolução das homologações no período estudado.

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Gráfico 1 - Evolução percentual das homologações de CMEs entre aliados e não aliados ao governo estadual de Pernambuco (1997 e 2001). Fonte: IPSA/ Neppu. Relatório de Avaliação Externa do PEQ/FAT em Pernambuco (anos de 2001 e 2002).

O gráfico mostra que houve um aumento linear nas homologações de CMEs entre os anos de 1997 a 2001 em Pernambuco, tanto em municípios aliados à base de sustentação do governo estadual quanto nos demais. Isto está ligado à necessidade de os municípios formarem suas CMEs para a obtenção de recursos do PEQ/FAT. Por isso, a partir de 2000 o número de homologações de CMEs no estado começa a cair (a maior parte dos municípios nesta data já estava com suas CMEs homologadas). A linha de crescimento das homologações de CMEs nos municípios não aliados mostra uma relação constante e linear assim como nos municípios aliados Nestes últimos, houve um ligeiro pico de crescimento no ano de 2000 (coincidentemente, um ano de eleições municipais), mas logo em seguida a linha volta a se aproximar da linha dos não aliados. Assim como na Tab. 2, os resultados não permitem nenhuma conclusão mais acurada acerca do beneficiamento direto do governo estadual aos municípios de sua base de sustentação política nas homologações de CMEs. Não é possível afirmar que houve critérios políticos na escolha dos municípios para esse caso específico com os dados encontrados pela pesquisa.

Hipótese 2: • A aliança política entre o governo municipal e o governo do Estado tem um efeito positivo e significante na alocação dos recursos para os municípios no ano de 2001, de acordo com o tamanho do município.

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Esta hipótese tem como objetivo principal verificar se os municípios agraciados com o programa e que são aliados do governo estadual recebem mais recursos e, conseqüentemente, oferecem treinamentos a mais pessoas. Isto porque, quanto maior o universo atingido por determinada política pública, maior será a possibilidade de o prefeito e as elites locais, assim como também o governo de estado, colherem dividendos políticos sobre os eleitores. A tendência central desta hipótese é verificar, através de sua negação, a institucionalidade do programa no seu quinto ano de execução, ou seja, se os recursos realmente estão distribuídos de acordo com as diretrizes descentralizadoras do programa e se são priorizados os municípios com comissão municipal instalada. A confirmação desta hipótese indicaria que o programa não está suficientemente institucionalizado no estado e mostraria os municípios pertencentes à base de sustentação do governo receberiam mais recursos. Para testar a segunda hipótese do estudo foi utilizado o modelo de regressão de MQO discriminado a seguir:

Variáveis do modelo Variável dependente: • Logaritmo dos recursos alocados por município (foi tirado o logaritmo da variável recurso por município para resolver os problemas de heterocedasticidade bastante comuns em variáveis representativas de renda ou que envolvem recursos).

Variáveis independentes: • Aliança com o governo estadual - Variável dummy contendo o valor 1 para os aliados e 0 para os não aliados. • População dividida por mil (pop/mil): variável de controle espacial e populacional.

 

Sobre heterocedasticidade, ver Bussab (1988). Sobre variáveis dicotômicas (dummies), ver Wannacot e Wannacot (1994).

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• Ano de homologação da CME – uma série de dummies para comparar cada ano de homologação das CMEs para os anos de 1997, 1998, 1999 e 2000, e como categoria de referência os municípios que não tinham CME homologada em 2001.

Análise dos resultados do modelo O R2, ou seja, o poder explicativo do modelo, dado pelo percentual da variância explicada, é de 61,7%, o que é um excelente nível de explicação para os dados em questão. Resumo dos resultados do modelo Modelo

R

R2

R 2 Ajustado

Erro padrão estimado

1

0,786

0,617

0, 597

0,86328

efeito (%)

IC-95 Limite superior

B

EXP

Constante

9,03

8386,45

Aliado 2000

-0,12

0,89

-11,05

-10,77

H1997

1,69

5,41

441,09

H1998

1,70

5,46

H1999

1,21

H2000 H2001

erro padrão

beta

p

0,18

49,63 0,00

-11,32

0,14

-0,04 -0,83 0,41

441,60

440,59

0,26

0,39

6,57

0,00

445,73

446,20

445,26

0,24

0,43

7,02

0,00

3,34

234,43

234,86

233,99

0,22

0,34

5,44

0,00

1,21

3,37

236,99

237,38

236,60

0,20

0,39

6,12

0,00

0,68

1,98

97,54

97,99

97,09

0,23

0,17

2,98

0,00

1,00

0,31

0,31

0,31

0,00

0,29

5,39

0,00

POP/MIL 0,0001

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A variável “população por mil habitantes” apresentou um grau de significância positivo, tendo para cada mil habitantes um acréscimo de 0,3% nos recursos recebidos pelos municípios, indicando uma boa distribuição nas populações-alvo. A variável “alinhamento político” com o governo estadual em 2000 (aliado 2000) não apresentou significância, uma vez que o valor da probabilidade de cometer um erro do tipo 1 no teste “t” é de 0,41 ou 41%, sendo o valor máximo admitido neste tipo de estudo de 0,05 ou 5%. Portanto, deve-se aceitar a hipótese nula de não influência dos agentes políticos na alocação dos recursos para o ano de 2001, indicando que estes recursos seguem a lógica institucional, sendo aportados de acordo com o estabelecido pelas metas do programa. Isto sugere que o programa atingiu, ao menos em uma análise preliminar com os dados disponíveis, um grau relativamente elevado de institucionalização, no ano pesquisado. Esta análise permite afirmar que a variável “alinhamento político” não representa um elemento capaz de confirmar a hipótese de que este interfere na alocação dos recursos do programa dentro do modelo. O fato de ter comissões formadas desde 1997 aumenta em até 441% o volume de recursos por habitante em relação aos municípios que não têm CME instalada, mesmo controlando-se o tamanho do município, supondo-se que cidades maiores têm uma maior capacidade institucional (ARRETCHE, 2000). Isto denota que os municípios que primeiro buscaram a institucionalização através da implantação da “comissão municipal de emprego”, agindo dentro da nova lógica de gestão pública voltada para descentralização, obtiveram ganhos significativos no volume e na probabilidade de receberem recursos do programa, em relação àqueles municípios que não formaram comissões e serviram de padrão comparativo no modelo. Seguindo essa tendência, o fato de ter comissões formadas desde 1998 aumenta em até 445% o volume de recursos por habitante em relação aos municípios que não têm CME instalada. O fato de ter comissões formadas desde 1999 aumenta em até 234% o volume de recursos por habitante em relação aos municípios que não têm CME instalada, sendo de 237% para o ano de 2000 e de 97% para o ano de 2001, quando comparados aos municípios sem CME. A grande diferença – presente entre os anos de 1997-98 com relação aos anos de 1999-2000 e especialmente o ano de 2001 – pode ser atribuída a uma virada institucional no programa; Isto fica patente na comparação dos relatórios das avaliações externas em 2001 e 2002, e pode ser explicado porque, na hora

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da mudança do programa com o novo governo, quem já possuía comissão formada em 1999 teve uma vantagem comparativa sobre quem não tinha comissão formada. Este percentual veio caindo a cada ano, porque os municípios que não tinham CME homologada naquele momento estavam menos preparados institucionalmente para receber os cursos e captar os recursos do programa. Isto de certa forma fortalece a hipótese de que esta política pública vem sendo cada vez mais consolidada e a sua institucionalidade ao longo desse espaço de tempo vem assumindo um formato cada vez mais delineado. Na verdade o modelo demonstrou-se robusto, pois foi capaz de verificar estatisticamente o que se percebe através das teorias e das análises dos relatórios de avaliação: que o programa em Pernambuco está razoavelmente consolidado institucionalmente (para os dados de 2001) e que a aliança política com o governo estadual não representou vantagem significativa na alocação dos seus recursos. O Modelo tem a virtude de demonstrar que o tamanho dos municípios é uma variável importante e considerada pelos gestores do programa, pois ficou evidenciado que quanto maior a população municipal maior foi a quantidade de recursos alocados. Isto é importante do ponto de vista estratégico do programa, a fim de evitar que municípios com grandes populações recebam relativamente menos recursos que aqueles com populações menores. Deve-se lembrar que as taxas de desemprego nos municípios maiores são também mais elevadas devido à atração econômica que estes exercem sobre os demais, originando rotas migratórias, principalmente de pessoas oriundas das áreas rurais, em busca de ocupação. É mais um indicativo do grau de institucionalização do programa, porque permite ao analista de políticas públicas mapear, através desta variável, a coerência na distribuição orçamentária do programa comparando os recursos recebidos com a população do município.

Conclusões As conclusões acerca das análises dos dados são orientadas no sentido de se abordarem questões que, antes, não tinham sido objeto principal de estudos desenvolvidos por diversos especialistas da área. No artigo tido como referência na área de estudos sobre descentralização, desenvolvido por Arretche (1999), a preocupação central consiste em verificar o grau de descentralização

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existente em Pernambuco, Bahia, São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul e as variáveis que, isoladamente, poderiam explicar as diferenças entre os níveis de descentralização nesses estados. A autora desenvolve um estudo bastante ilustrativo da realidade dos programas sociais no Brasil e sua evolução na década de 1990. A preocupação deste artigo segue uma perspectiva diferente: a primeira hipótese de trabalho faz referência à relação entre ser da base de apoio do governo e a preferência na homologação das comissões. Isso não foi confirmado, visto que no período de 1996 até 2001 não foi possível identificar um padrão coerente entre o alinhamento político com o governo estadual e a homologação de comissões municipais de emprego. Não foi possível relacionar positivamente o fato de ser aliado político do governo estadual com a preferência na homologação das comissões. Nos três primeiros anos o programa funcionou focalizado para a oferta de cursos, e não havia preocupação com a demanda, pois não existiam ainda comissões municipais e, tampouco, planos de trabalho que sugerissem os tipos de curso de acordo com as necessidades e vocações econômicas dos municípios e das regiões de desenvolvimento. Isto dá uma conotação de pouca institucionalização do programa, apesar de ele estar extremamente descentralizado espacialmente e atender praticamente a todo o estado de Pernambuco. A distribuição espacial do programa não serve, isoladamente, como um indicador de descentralização e institucionalização do programa. É preciso verificar se a distribuição dos recursos está de acordo com o porte dos municípios (população, desenvolvimento econômico etc.) e se o programa está devidamente institucionalizado para garantir que a demanda seja atendida adequadamente (é importante verificar se o município atendido tem comissão municipal homologada, porque isto indica um mínimo de institucionalização e de participação dos segmentos sociais interessados). Com a não confirmação da primeira hipótese de trabalho, não se deve simplesmente desconsiderar a ocorrência de influências e ingerências de atores com interesses privados e de integrantes da base governista. Estes interesses apenas não se refletiram diretamente na homologação das comissões. Existem 

Sobre a espacialização do programa e distribuição dos recursos ver os relatórios de avaliação externo do PEQ/FAT realizados pelo IPSA e Neppu em 2001 e 2002 e o termo de referência para formação profissional e emprego em Pernambuco

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indicativos de uma (re) articulação em torno de entidades executoras na primeira fase do programa (1996 a 1998), quando as entidades eram selecionadas pelo próprio Secretário do Trabalho ou por técnicos da secretaria e a base estrutural e logística do programa ainda não tinha sido montada. Em entrevista realizada com a diretora da Agência do Trabalho Cláudia Lira (2000 a 2003), esta afirmou que, “no período entre 1996 e 1998 o PEQ-FAT era centralizado na figura do secretário. Quem indicava as entidades para ministrar os cursos era o secretário titular da pasta do trabalho e ação social. Por mais que a equipe da secretaria recebesse os documentos para a habilitação, o que definia era o critério político”. Houve uma melhora na institucionalidade do programa, uma vez que foram criados critérios mais democráticos para as entidades se candidatarem como, por exemplo: publicação de edital de convocação, publicização do processo, dos prazos, exigências técnicas e burocráticas etc. Com relação à distribuição dos recursos, é importante uma análise mais refinada para responder principalmente a duas questões fundamentais. A primeira questão consiste em verificar se a distribuição foi realizada de acordo com critérios não políticos, ou seja, independentemente de o município pertencer à base aliada ao governo estadual. A segunda questão é analisar se essa distribuição está respeitando os critérios de importância econômica dos municípios na relação com o volume de recursos disponibilizados. Isto pode ser aferido utilizando-se o tamanho da população de cada município como uma variável de controle no modelo de regressão linear múltipla, eliminando-se o efeito causado pela diferença econômica e populacional dos municípios e obtendo-se o efeito preciso da variável alinhamento político com o governo estadual na distribuição dos recursos. Os municípios que se preocuparam com as exigências institucionais mais cedo acabaram por adquirir uma maior probabilidade de receber os recursos do que aqueles que não buscaram a institucionalização do programa. A descentralização espacial do programa e a homologação crescente de CMEs nos municípios de Pernambuco entre 1997 e 2001 são fatores percebidos facilmente na análise dos resultados da pesquisa, até porque são condicionantes para o acesso aos recursos disponibilizados pelo PEQ/FAT. O modelo estatístico desenvolvido e as análises descritivas dos resultados mostram que

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houve uma ação institucional voltada para a implementação da diretriz de descentralização dos recursos do PEQ/FAT através das CME’s e também voltada para o atendimento de uma das premissas centrais do programa, que é a participação e o controle da sociedade sobre os recursos públicos através de comissões municipais de empregos. Foi verificado que a alocação dos recursos levou em conta as questões socioeconômicas dos municípios, uma vez que a variável “população” apresenta significância para a alocação dos recursos. O modelo conseguiu demonstrar que não existiu uma relação estatística entre o fato de ser aliado político do governo estadual e o recebimento dos recursos do programa entre 1997 e 2001. Com isto o estudo não tem a pretensão de afirmar ou defender que os interesses políticos locais e privados, tradicionais da política pernambucana e brasileira, estão alijados do processo e que esta política pública, em especial, estaria “blindada” contra tais arranjos, interesses e ações, numa situação em que o tecido institucional do programa seria impermeável à ação de agentes externos capazes de direcionar e manipular os recursos do PEQ/FAT. Não se trata disso. Provavelmente ocorrem situações em que os interesses políticos de atores ligados ao poder estadual direta ou indiretamente ainda são capazes de interferir no processo de forma concreta e, até mesmo, pressionar e/ou influenciar membros das comissões municipais e estaduais como parte de uma estratégia traçada para objetivos eleitorais e de manutenção de espaços políticos. O importante na interpretação dos resultados é que esses atores, que antes eram representados por elites econômicas locais tradicionais e, ainda, pelos prefeitos (como membros dessa elite ou representante político dela), tiveram que renovar suas estratégias e ações, uma vez que o esqueleto institucional montado para executar essa política pública, norteada por modelos descentralizados e regulados pela sociedade, acabou por dificultar a ação na sua condição mais tradicional. Isto porque tanto a sociedade como os órgãos fiscalizadores do estado passaram a ter papéis relevantes e decisivos no processo. Observa-se que o programa, em Pernambuco, com dados de 2001, atingiu uma situação de institucionalização tal que é possível afirmar que sua execução está pautada 

Essa variável foi utilizada com a intenção de verificar se os municípios com populações mais elevadas (conseqüentemente com maior capacidade econômica e maior complexidade social) estavam recebendo um maior volume de recursos do PEQ/FAT

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na focalização da demanda, ou seja, os cursos são oferecidos de acordo com necessidades e realidades específicas dos municípios. A distribuição dos recursos está obedecendo a um critério não-político no estado, denotando uma institucionalidade latente desta política em Pernambuco. Isto certamente tem o poder de inibir as ações articuladas dos atores políticos locais interessados em capturar os recursos e obter dividendos políticos com o programa. Somada às exigências técnicas (competência e qualificação) e formais (publicação de editais de seleção para as entidades se candidatarem), a institucionalização dificultará cada vez mais a atuação de grupos locais na esfera desta política pública.

Referências AGÊNCIA DO TRABALHO. Termo de referência para formação profissional e emprego em Pernambuco. Recife, 2000. ARRETCHE, Marta T. S. Políticas sociais no Brasil: descentralização em um estado federativo. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 14, n. 40, p. 111-141, 1999. ARRETCHE, Marta T. S. Relações federativas nas políticas sociais. Campinas: Educação Social, v. 23, n. 80, p. 25-48, 2002. ARRETCHE, Marta T. S. Dossiê agenda de pesquisas em políticas públicas. Revista Brasileira de Ciências Sociais, fev. 2003, v. 18, n. 51, p. 7-10, 2003. BUSSAB, Wilton. Análise de variância e de regressão. 2. ed. São Paulo: Atual, 1988. CONHECENDO O PLANFOR: como o Governo Federal e o Ministério do Trabalho e Emprego estão qualificando o Brasil. Brasília: Mte, SPPE, 2001. GOUNET, Thomas. Fordismo e toyotismo na civilização do automóvel. São Paulo: Boi Tempo, 1999. IPSA/NEPPU. Relatório de avaliação externa do programa estadual de qualificação profissional de Pernambuco. Recife, 2001. IPSA/NEPPU. Relatório de avaliação externa do programa estadual de qualificação profissional de Pernambuco. Recife, 2002.

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MELO, Marcus André. Crise federativa, guerra fiscal e “hobbesianismo municipal”: efeitos perversos da descentralização? São Paulo em Perspectiva, Fundação Seade, v. 10, n. 3, 1996. MELO, Marcus André. Empowerment e governança no Brasil: questões conceituais e análise preliminar de experiências selecionadas. Background paper. World Bank – Brazilian Office. DRAFT, 2003. OLSON, Mancur. A lógica da ação coletiva: os benefícios públicos e uma teoria dos grupos sociais. Tradução Fábio Fernandez. São Paulo: Edusp, 1999. REZENDE, Fernando; OLIVEIRA Fabrício A. (Org.). Descentralização e federalismo fiscal no Brasil: desafios da reforma tributária. Rio de Janeiro: Fonrad Adenauer Stiftung, 2003. SILVA, N. do Valle; PASTORE, José. Mobilidade social no Brasil. São Paulo: Macron Book, 2000.

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Moradia popular e política pública na Região Metropolitana de Belo Horizonte: revisitando a questão do déficit habitacional José Moreira de Souza Ricardo Carneiro

Pobreza e desigualdades sociais são traços característicos da realidade brasileira, imprimindo sua marca nas múltiplas dimensões da vida em sociedade, como os processos de morar. As disparidades nas condições de moradia têm, nas capitais e seus entornos, a principal vitrine, onde o elevado padrão construtivo das áreas residenciais dos estratos superiores de renda faz um contraste agressivo com os domicílios precários da pobreza, distribuídos por favelas e áreas de uma periferia crescentemente alargada. A Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) não foge à regra, condensando problemas críticos no tocante ao atendimento da demanda por moradia popular, que se reproduzem ao longo do tempo histórico sem ressonância política suficiente para assegurar sua inserção como prioridade efetiva na agenda pública. É esta a questão mais geral examinada no presente artigo. A análise empreendida contempla quatro seções principais. A primeira seção trata, brevemente, da relação que se estabelece, nas modernas sociedades capitalistas, entre mercado e Estado como mecanismos alternativos de alocação de recursos e distribuição da produção ou riqueza gerada. Evidencia-se a prevalência, no País, de um baixo grau de institucionalização da intervenção pública no campo das políticas sociais, de um modo geral, e da política habitacional, em

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particular. A segunda seção cuida de recuperar o processo histórico de uso e ocupação do solo no espaço urbano de Belo Horizonte, enfatizando aspectos atinentes ao tratamento dispensado pelo poder público à demanda por habitação popular. A terceira seção parte de um exame crítico da conceituação de déficit habitacional, utilizando-o para discutir a complexidade imbricada nos processos de morar das metrópoles brasileiras contemporâneas, onde se salienta o papel desempenhado pela autoconstrução nos segmentos populacionais da pobreza. A quarta se dedica à análise de resultados de algumas pesquisas em série histórica, iniciadas em 1972 para subsidiar o planejamento da RMBH, explorando aspectos relacionados à questão da moradia, de forma a melhor qualificar o entendimento de déficit habitacional. Por fim, as conclusões sintetizam o argumento analítico construído, que serve para reafirmar os limites de políticas setoriais informadas pela noção de déficit habitacional, qualquer que seja o critério utilizado em sua mensuração.

Mercado e Estado na provisão de bens e serviços à população As modernas economias capitalistas se caracterizam pela coexistência de “dois mecanismos mediante os quais os recursos produtivos são alocados para usos diversos e distribuídos para os consumidores: o mercado e o Estado” (PRZEWORSKI, 1995, p. 7). São mecanismos que operam com lógicas de funcionamento distintas, às quais se associam resultados também distintos. Enquanto a dinâmica de mercado se fundamenta na garantia de direitos de propriedade e na liberdade de iniciativa, o suporte primário da atuação do Estado é a autoridade de que se reveste como forma de poder político soberano A RMBH é examinada sob duas formas de agregação: a da Aglomeração Metropolitana, composta por municípios ou parte deles que formam um tecido urbano contínuo ao da Capital e a das Macrounidades, definida segundo o tipo de comprometimento que cada porção do espaço mantém com os processos metropolitanos. São oito as macrounidades: Núcleo Central, Área Pericentral, Pampulha, Eixo Industrial, Periferias, Franjas do Aglomerado, Área de Expansão Metropolitana e Área de Comprometimento Mínimo.  No sistema de mercado, a motivação da subsistência – aquilo que Polanyi denomina de princípio do lugar – é substituída pela motivação do lucro. Com isto, “todas as transações se convertem em transação monetária” (1992, p. 53). Tudo é comprado e vendido, assumindo a configuração de mercadoria, o que inclui a terra e o trabalho. 

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e legitimamente constituído na sociedade. Ancorado em tal poder, o Estado não apenas ordena e disciplina as múltiplas interações que se processam no mercado, mas produz e distribui bens e serviços, em sintonia com prioridades estabelecidas por quem governa, concorrendo, por assim dizer, com este mesmo mercado. Em conseqüência, é inerente ao capitalismo a existência de uma “tensão permanente entre o mercado e o Estado” (PRZEWORSKI, 1995, p. 7), onde o que está em jogo é a demarcação de fronteira que especifique a competência de um frente ao outro. A complexidade subjacente à demarcação dessa fronteira não comporta nenhum tipo de solução padronizada ou univocamente determinado. A abordagem daquilo que o Estado faz ou que se espera que faça e do que está capacitado a fazer na economia, correlativamente ao mercado, só ganha sentidos teórico e prático se relacionada a formas particulares de organização da sociedade, nos contextos específicos em que elas se inscrevem. O tratamento mais convencional da questão, contudo, remete ao contraponto entre as “falhas” de mercado e as “falhas” de governo. Envolve examinar, numa ponta, o Estado regulador, lidando com as ineficiências e inconsistências no funcionamento do mercado, e, na outra, a atuação do Estado na economia, suscetível também a ineficiências e inconsistências alocativas e distributivas, ainda que de natureza distinta. O argumento canônico desenvolvido pela economia neoclássica é que o mercado promove uma alocação eficiente dos recursos produtivos da sociedade e, com ela, o bem-estar social. De um lado, a utilização dos recursos se daria de forma socialmente desejada, significando uma produção de bens e serviços em quantidade e qualidade, consoante a manifestação das intenções de consumo dos indivíduos, que reverte em benefício do interesse coletivo (VINCENT, 1995). De outro, “nenhuma pessoa ou grupo específico seria sistematicamente favorecido” (TSEBELIS, 1990, p. 104). Além de neutro “entre os desejos das pessoas” (NOZICK, 1991, p. 104), o mercado incorporaria forte princípio igualitário, assegurando oportunidades abertas para a iniciativa autônoma e voluntária dos indivíduos. No entanto, ao se transitar da abstração teórica para o que se passa no mundo real, o argumento da eficiência alocativa como atributo da coordenação de mercado se defronta com uma série de limitações ou problemas associados às premissas de sua dinâmica de funcionamento e aos resultados decorrentes

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das interações que nele ocorrem (CARSON, 1992; PRZEWORSKI, 1993; VINCENT, 1995). Os aspectos mais destacados pela literatura no tocante ao funcionamento do mercado têm a ver com a assimetria de poder entre os agentes, deficiências de educação e informação em seus processos decisórios e condutas típicas do estado de natureza hobbesiana (PRZEWORSKI, 1993; VINCENT, 1995). As falhas referentes aos resultados alcançados expressam disfunções nas propriedades de auto-regulação atribuídas ao mercado e aparecem associadas tanto à esfera da produção quanto à esfera da distribuição ou do consumo. Na primeira categoria comparecem não só situações nas quais os mercados não se encontram adequadamente estruturados como situações em que eles simplesmente não existem (PRZEWORSKI, 1993, 1995; CARSON, 1992). A segunda categoria remete a resultados socialmente insatisfatórios ou ineficientes sob a ótica da repartição e apropriação da riqueza. A dinâmica de mercado não incorpora princípios valorativos de natureza moral no tocante aos resultados que produz, que podem ser, e com freqüência o são, profundamente desiguais em termos distributivos, variando “da igualdade mais perfeita à desigualdade mais profunda” (DAHL, 1993, p. 229). Das considerações anteriores advém a constatação de que a operacionalização do mercado não pode prescindir da ação do Estado. Ainda que em termos mínimos, o poder público se faz necessário para assegurar não só a livre manifestação das preferências nas transações de mercado, mas também o cumprimento dos resultados dela decorrentes, através de um sistema legal capaz de garantir a segurança na propriedade e o contrato. Sem prejuízo desse papel estruturante, não há como negligenciar a importância da intervenção estatal em face das falhas do mercado, onde o que se coloca é a promoção de resultados socialmente mais eficientes que o produto agregado da busca individual do interesse próprio. O Estado constitui a instância com competência e legitimidade para interagir com a dinâmica de mercado, regulando e gerenciando a produção, num processo balizado, teoricamente, pela promoção de fins coletivos. E a concepção de fins coletivos vai ser crescentemente associada Mercado não dispõe de mecanismos capazes de assegurar o compromisso dos agentes com as regras do jogo que balizam as interações que fazem, nem a observância de condutas pautadas pelo respeito a valores éticos da sociedade ou pela consideração de interesse público (CARSON, 1992).  Para o liberalismo mais ortodoxo, o objetivo de impor a lei e garantir a ordem constitui o principal papel funcional do poder público (TONETO JR., 1996; GRAY, 1999). 

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a uma partição mais justa e eqüitativa da riqueza gerada, onde ganha destaque a questão da justiça social (RAWLS, 2003). Passando ao largo de um exame mais detido do debate suscitado pela interpretação de justiça social, interessa destacar que as opções efetivamente abertas ao indivíduo, na dinâmica de mercado, isto é, aquilo que pode fazer ou se imaginar fazendo, como membro de uma dada comunidade, são reconhecidamente condicionadas “por pontos de partida e condições de escolha bastante desiguais” (MURPHY; NAGEL, 2005, p. 91). A liberdade do indivíduo não se transmuta automaticamente em autonomia decisória ou capacidade de agência. Isto implica proporcionar ao indivíduo uma combinação de liberdade e igualdade básicas, sob a forma de direitos de cidadania, capaz de assegurar-lhe um patamar mínimo de vida digna, independentemente da dinâmica das forças de mercado, na linha das denominadas políticas de seguridade social. Requer, portanto, avançar além dos estreitos limites da concepção “laissez-fairiana” de ordem social. Numa evidência dos limites da ortodoxia do laissez-faire, a necessidade de lidar com os efeitos perversos da economia de mercado progressivamente se impõe na conformação das agendas públicas dos diferentes países capitalistas. De uma tímida e precária assistência a indivíduos absolutamente incapazes de garantir a subsistência por meios próprios, a atuação do Estado na área social segue uma trajetória rumo à ampliação da cobertura e ao adensamento do conteúdo da proteção assegurada à população frente a situações de desamparo, marginalidade e pobreza. O conteúdo objetivo da proteção decorrente da seguridade social proporcionada pelo Estado e o grau de cobertura ou acessibilidade efetivamente assegurado aos diversos segmentos da população projetam, contudo, diferenças muito expressivas entre os modelos adotados pelos diferentes países. O contraste mais nítido se manifesta na comparação entre os países desenvolvidos e os países em desenvolvimento, principalmente no tocante à cobertura, em que o enfoque universalista prevalecente no primeiro grupo encontra pouca ressonância no segundo. Para ser mais específico, ao contrário dos países desenvolvidos, como aqueles da Europa Ocidental, países como o Brasil sequer Trata-se, conforme Gray, de avanço natural, no sentido de que livre mercado “existe apenas enquanto o Estado for capaz de impedir que a necessidade humana de segurança e de controle dos riscos econômicos [como a marginalidade e a miséria] ganhe expressão política” (1999, p. 28).



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levaram a termo a construção propriamente dita de um sistema de seguridade social, caracterizando-se por direitos sociais precários em conteúdo e restritos em cobertura. Objetivos ligados a uma repartição mais eqüitativa da renda e à adequada provisão de bens e serviços básicos à população sempre encontraram dificuldades de inserção na agenda pública brasileira, ofuscados pela priorização de objetivos de recorte econômico, como a promoção do desenvolvimento industrial e, mais recentemente, da estabilidade monetária. Numa breve recuperação histórica, a política de seguridade social, que começa a ser desenhada no Brasil em meados dos anos 1930, nasce sob o signo da exclusão. O traço marcante é a partição da sociedade em duas categorias principais, colocando, de um lado, o segmento populacional com direito a ter direitos sociais, constituído pelas pessoas inscritas na economia formal, e o segmento composto pelas pessoas que não possuíam tais direitos, formado pelo restante da população. Somente com a promulgação da Constituição de 1988 o País avança, formalmente, na direção da universalização dos direitos sociais, junto com a ampliação do conteúdo da proteção assegurada. Resta pendente, no entanto, fazer valer os novos direitos universalizados prescritos no texto constitucional. A atuação do Estado brasileiro na área social continua caudatária de uma lógica caracterizada pelo elevado grau de discricionariedade dos governantes frente às prescrições institucionais, notadamente quando estão em pauta interesses dos segmentos mais pobres da população, levando a descompassos recorrentes entre o que é feito e o que deveria ser feito. É eloqüente, a esse respeito, o encaminhamento dado à agenda de reformas sociais proposta pelo governo federal, em meados dos anos 1990, com o intuito de conferir efetividade aos preceitos constitucionais. Conforme Draibe, efetivamente reformada foi apenas a política de saúde, embora tenham sido significativas as mudanças no campo dos programas sociais e do enfretamento da pobreza. (...) Na política educacional, as importantes mudanças restringiram-se praticamente ao ensino fundamental (...), enquanto áreas como habitação, saneamento básico e transportes coletivos entre inúmeras outras praticamente estiveram ausentes da recente agenda mudancista. (1999, p. 102)

Não apenas estiveram, mas estão e correm um risco não desprezível de continuarem fora de qualquer esforço mais consistente de implementação de

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uma política social comprometida com a efetividade dos direitos básicos de cidadania. Em diversas áreas, o direito a que a população tem direito tende a permanecer como mero dispositivo constitucional. Embora criticado pela literatura no campo das finanças públicas, o uso das denominadas vinculações de receitas orçamentárias desempenha papel crucial na administração pública brasileira, assegurando a disponibilidade compulsória de recursos para financiar políticas sociais entendidas como de maior prioridade, casos da saúde e educação, independentemente da vontade do governante de plantão. Para as áreas que ficam a descoberto de vinculação de receita, como é o caso da habitação, a situação revela-se muito mais adversa. São, convenientemente, vítimas do esquecimento político. Com esquálida previsão de recursos no orçamento, não existem ou se tornam quase que virtuais no âmbito das políticas sociais. E, na ausência de soluções coletivas, pela via do Estado, restam as soluções individuais, pela via do mercado. Soluções pela via do mercado refletem não apenas as preferências que os indivíduos têm, as quais são socialmente informadas, mas sua capacidade de manifestá-las, que é economicamente determinada. A renda emerge nesse contexto como uma variável central, influenciando tanto os padrões de escolha – o que se quer –, quanto as escolhas efetivamente feitas – o que se pode querer. Numa sociedade com um padrão de distribuição de renda histórica e estruturalmente desequilibrado como a brasileira, aquilo que parte expressiva da população pode efetivamente escolher revela escopo muito restrito. É o que ocorre, em particular, nas escolhas referentes aos processos de morar, como ilustra o percurso histórico do processo de construção e desenvolvimento da capital mineira. O decorrer de mais de um século da existência da cidade de Belo Horizonte não foi suficiente para que surgissem soluções satisfatórias para as necessidades habitacionais da pobreza, seja através da coordenação espontânea de mercado ou do desenho e implementação de políticas públicas com tal propósito. Numa circunstância onde não consegue se materializar nem como consumidor de moradia nem como cidadão com direito à moradia, a principal alternativa que resta ao pobre, por exclusão, é o mecanismo da autoconstrução, praticada nos espaços segregados das favelas ou em loteamentos precários de uma periferia cada vez mais distante do centro da capital.

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A trajetória das políticas de habitação popular na RMBH Belo Horizonte nasceu planejada, consoante uma perspectiva de longo prazo que estabelecia diretivas para sua forma de expansão e desenvolvimento (GUIMARÃES, 1993; PLAMBEL, 1974, 1979). O plano traçado pela Comissão Construtora da Cidade, liderada por Aarão Reis, determina o que pode ser feito, o que deve ser feito e o que não pode ser feito no tocante ao uso e ocupação do solo. A lógica desse planejamento é não só seletiva como segregadora. Reserva áreas para as funções mais nobres de uma cidade construída para ser a capital do estado, como as atividades de governo e a moradia da elite dirigente e dos funcionários da administração pública, remetendo as classes trabalhadores para as zonas suburbanas. Deliberadamente, não abre espaço para os segmentos populacionais que compõem aquilo que se entende como pobreza indesejada, onde se incluem, junto com os indivíduos sem condições de assegurar a própria sobrevivência, os operários envolvidos na construção da cidade (PLAMBEL, 1979). A dinâmica urbana da cidade real, contudo, não irá se acomodar às restrições impostas à ocupação e uso do solo pela cidade desejada, o que já se evidencia no momento mesmo de sua construção. Assim é que, “mal se inaugurava a nova capital (...), surgia a Sociedade São Vicente de Paula” (SOUZA, 2004, p. 45), para prestar assistência a indivíduos ou famílias sem fonte de renda que inevitavelmente seriam, como o foram, atraídos pela implantação desta. Outra dificuldade que se manifesta de imediato tem a ver com a demanda habitacional do operariado e de migrantes em busca de trabalho. A ausência de locais institucionalmente demarcados para atender suas necessidades de moradia desemboca na invasão de áreas públicas na zona nobre da cidade (GUIMARÃES, 1993). A seletividade imbricada na atividade planejadora cedo obriga o governo a adotar medidas ad hoc, de natureza reativa, para lidar com o problema. A alternativa encontrada com o intuito de conter as invasões, ou pelo menos desestimulá-las, consiste na concessão de lotes a operários e proprietários de habitações miseráveis – as denominadas cafuas –, que começa a ser feita a partir do ano de 1900. Essa iniciativa converge rapidamente para a criação de uma área reservada para a moradia das famílias dos

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estratos inferiores de renda, o que se faz através do Decreto-lei n. 1.516, de maio de 1902, formalizando uma primeira transgressão à cidade planejada. Estabelece-se, dessa forma, o padrão de solução pública para a demanda de moradia advinda do afluxo indesejado, mas inevitável, de população pobre para Belo Horizonte. Se a pobreza impõe sua presença, o que cabe fazer é segregá-la, confinando-a em áreas que impliquem o menor transtorno possível para a implantação e a dinâmica de funcionamento da cidade “administrativa” concebida nas pranchetas de Aarão Reis. O que está em consideração não é propriamente o equacionamento das necessidades habitacionais da pobreza. A questão que mobiliza o governo é a preocupação com a observância do plano original de uso e ocupação do espaço da capital. O assentamento de famílias na área então destinada à moradia da pobreza caracteriza-se pela precariedade, notadamente no que se refere às condições de saneamento. O fato é reconhecido pelo próprio poder público, segundo o qual o povoado nela constituído expressava uma ameaça à saúde pública, de tal ordem que deveria “dali ser removido com a possível brevidade” (GUIMARÃES, 1993, p. 103). A despeito dessa precariedade, no entanto, o lugar cresce de forma acelerada para rapidamente se tornar superpovoado, levando à decisão governamental de suspender a concessão de novos lotes na área, o que ocorre já em 1906. Tensionado pelo recrudescimento da invasão de áreas públicas, decorrente dessa decisão, o governo adota determinadas medidas que, embora tímidas, revestem-se de significado especial, na medida em que demarcam, formalmente, o início da estruturação de um mercado imobiliário em Belo Horizonte. Com a promulgação da Lei n. 38, em fevereiro de 1909, passa a ser autorizada a venda de até dois lotes contíguos, a quem o requeresse, para fins de construção de moradia. Ainda que sob condições bastante restritivas, a terra assume feições de mercadoria no espaço urbano da capital. No mesmo ano, surge o primeiro empreendimento privado destinado à locação de imóveis para famílias de baixa renda, dando forma ao que se convencionou chamar de vila operária. Posteriormente, é concedida ao proprietário do empreendimento permissão para a ampliação do número de casas construídas e, mais importante, para a sua venda, junto com o respectivo terreno (GUIMARÃES, 1993). De forma silenciosa, o processo de “mercadorização” estende seus domínios, alcançando a moradia. A produção de imóveis para fins de comercialização, restringida

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mas consentida, começa a se esboçar como uma atividade integrante do setor formal da economia local. O modelo de vilas operárias assim constituído será reproduzido pelas empresas industriais que paulatinamente se instalam em Belo Horizonte. Torna-se também o principal instrumento adotado pelo governo para lidar com a questão da habitação popular na capital. Editada em outubro de 1919, a Lei n. 1.787 cria as vilas proletárias da Lagoinha. A opção por tal modelo, especialmente no que se refere à segregação espacial dos domicílios da pobreza, ganha contornos institucionais mais sólidos com a Lei n. 212, de outubro de 1921. Com ela, fica proibida a construção de cafuas nas zonas urbana e suburbana, que só seria permitida em áreas constitutivas de vilas operárias, fora do perímetro suburbano (GUIMARÃES, 1993; PLAMBEL, 1979). Aquilo que a legislação vedava consistia na solução factível e efetiva de que a população pobre dispunha no tocante ao atendimento de suas necessidades de moradia. A incipiência do mercado imobiliário e a esqualidez ou omissão da política pública estreitavam o leque de escolhas abertas à pobreza, restandolhe, a rigor, a alternativa da construção clandestina. Cafuas e barracões eram erguidos pelo próprio morador em lotes obtidos através da invasão e ocupação de terrenos públicos. Enquanto as vilas operárias, de iniciativa estatal, não se materializavam, a “favelização” imperava soberana como veículo de acesso à moradia para os segmentos pobres da população. Num ambiente político-institucional caracterizado pela reduzida capacidade de enforcement, o dispositivo legal que proibia a construção de moradias do operariado no perímetro urbano e suburbano da capital revela-se praticamente inócuo. Como não consegue impedir, por decreto, a invasão das áreas de domínio público, o governo resolve, enfim, colocar em prática a construção de vilas operárias. Essa intenção é oficializada em 1928, com o anúncio da construção da Vila Concórdia, cuja implantação, no entanto, só irá ocorrer na década de 1940. E, quando ocorre, a iniciativa governamental não tem como finalidade atender demandas habitacionais dos segmentos pobres da população, já que se destina “às famílias que seriam removidas das favelas do Barro Preto, Barroca e Pedreira Prado Lopes” (GUIMARÃES, 1993, p. 156), não implicando, portanto, incremento do estoque de moradias. A lógica que preside a atuação governamental continua prisioneira da preocupação com a preservação do plano urbanístico traçado originalmente para a cidade, o que

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supunha alijar “da zona urbana tudo que comprometesse sua imagem e fosse visto como indesejável” (GUIMARÃES, 1993, p. 204). É a mesma lógica que informa a construção, alguns anos depois, da Cidade Ozanan, visando acomodar os mendigos e as famílias assistidas pela Sociedade São Vicente de Paula. São iniciativas que marcam a inserção da remoção de favelas na pauta das intervenções da administração local na área habitacional. A tentativa de preservar o perímetro urbano da cidade planejada da presença daquilo que era visto como indesejável, através da remoção de favelas, no entanto, dificilmente poderia ser bem sucedida, como de fato não o foi. De um lado, esbarra na resistência, ainda que parcial, da população a ser removida, para a qual a mudança não é necessariamente vantajosa. De outro, não estanca a invasão de terrenos públicos e o “favelamento”, até porque não constitui uma opção aberta às famílias que não dispõem de moradia. A “favelização” já se encontra por demais enraizada para se reverter em decorrência de uma intervenção pública que se preocupa apenas com as conseqüências do fenômeno, descurando suas causas – a inexistência de soluções adequadas para o atendimento das necessidades habitacionais da pobreza. A expansão propriamente dita do estoque de moradias populares, quando finalmente passa a ser considerada pela política pública, tem como principal protagonista o governo federal. Marcada por descontinuidades, a atuação do poder central na área da habitação converge, de forma recorrente, para a concessão de financiamentos com vistas ao fomento do mercado imobiliário, como se a natureza do problema estivesse radicada nas dificuldades de acesso ao crédito. A despeito de a prática explicitar, de forma categórica, os limites desse tipo de solução, o aprendizado parece não fazer parte do repertório das ações do governo, que insiste em reproduzi-la, para colher sucessivos fracassos. As origens dessa linha de intervenção podem ser associadas à criação das Cooperativas de Casa, introduzidas nos anos 1930 como uma nova modalidade institucional de acesso à moradia. Lastreadas nas Carteiras Prediais dos Institutos de Aposentadoria e Pensão, tais cooperativas canalizam recursos para o financiamento da construção de imóveis para fins residenciais. Com elas, a questão habitacional deixa de ser um assunto estritamente local, tornando-se objeto de uma política de âmbito nacional. Permanece, contudo, Os Institutos de Aposentadoria e Pensão foram criados no País junto com as profundas reformas político-institucionais postas em movimento pela revolução de 1930.



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seletiva ou excludente, já que as casas são destinadas apenas aos trabalhadores formalmente inscritos nos respectivos Institutos. Além disso, poucas serão as casas construídas, o que fica patente na experiência belo-horizontina. O reduzido alcance dos resultados obtidos pelas Cooperativas de Casa não é suficiente para impedir que seu modelo de intervenção sirva de referência para a criação da Fundação Casa Popular (FCP). Instituída pelo Decreto-lei n. 9.218, de maio de 1946, a FCP representa o primeiro órgão de caráter nacional voltado para a habitação popular. A iniciativa governamental pretendia equacionar as demandas habitacionais dos trabalhadores de um modo geral através da provisão de financiamento público para a construção e comercialização de imóveis mais baratos, compatíveis com sua capacidade de pagamento. Conforme Azevedo e Andrade, “a experiência se encarregaria de demonstrar, nos anos seguintes, quão irrealistas e pretensiosas eram” (1982, p. 21) as metas de expansão da oferta de moradias populares então intencionadas. Concorrem para tanto uma série de fatores, a começar pelos problemas advindos da incapacidade do ente estatal de mobilizar os recursos financeiros, técnicos e político-institucionais requeridos na materialização da ambiciosa função habitacional que avocara a si. Somam-se a isto as dificuldades que se colocam no tocante à dinamização de um mercado imobiliário ainda em formação, com uma lógica de funcionamento que não se coaduna necessariamente com os propósitos da política pública. Belo Horizonte ilustra bem a questão. Para uma cidade que se queria planejada, sua dinâmica de expansão urbana escapava, cada vez com maior intensidade, à regulação e ao controle do poder público. O fenômeno transparece com nitidez na análise empreendida pela autarquia Planejamento da Região Metropolitanaa de Belo Horizonte – Plambel, acerca do acelerado crescimento físico-espacial da cidade no período 1930-45, transcrita a seguir:



As Cooperativas de Casa começam a funcionar em Belo Horizonte a partir de 1936, com a implementação de um projeto imobiliário financiado pela Carteira Predial do Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Ferroviários e Empregados do Serviço Público (IAPFESP). Das unidades residenciais previstas, contudo, pouco mais de 10% do total, foram efetivamente construídas. Em 1942, é implantando outro empreendimento do gênero, com recursos do Instituto de Pensão e Aposentadoria dos Industriários (IAPI), reproduzindo, ainda que em menor escala, o descompasso entre previsão e realização observado no projeto do IAPFESP (GUIMARÃES, 1993).

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(...) essa expansão se dá notadamente fora do perímetro urbano e em constante avanço para áreas não previstas pela Comissão Construtora da Cidade. Já em 1931, a Prefeitura (...) chama a atenção para o fato de que a área urbana esteja circundada de ‘maneira asfixiante por um emaranhado de vielas de 10 a 14 m de largura, prejudicando evidentemente, as estradas da cidade’. De acordo com as informações (...) levantadas pela municipalidade, com 34 anos de existência a Capital mineira já havia ultrapassado, em aproximadamente 30 milhões de m2 de área ocupada, a previsão da Comissão que a planejou. (PLAMBEL, 1979, p. 240)

O mercado imobiliário da cidade revela, à mesma época, “conotações tipicamente especulativas” (PLAMBEL, 1979, p. 244). O procedimento mais comum consiste na aprovação de loteamentos junto à Prefeitura, sem a intenção de lançamento imediato. Aprovados sem qualquer ônus para os proprietários, tais loteamentos, quando comercializados e ocupados, acabam gerando problemas para a administração pública, sobre a qual recai a demanda da população quanto à provisão de serviços básicos essenciais, como água, esgoto e iluminação, para ficar nos itens mais comuns. Numa reação ao quadro de “especulação desenfreada do comércio imobiliário” (PLAMBEL, 1979, p. 244) é promulgado, em novembro de 1935, o Decreto Municipal n. 54, introduzindo medidas restritivas aos novos loteamentos. A iniciativa governamental, contudo, tem pouco efeito prático. De acordo com a análise do Plambel, o surgimento de loteamentos, sob a forma de vilas, “não sofreu nenhuma solução de continuidade. A diferença era que a maioria delas, a partir de 1935, se tornou clandestina, ou seja, as vilas eram lançadas no comércio independentemente da aprovação da Prefeitura” (1979, p. 245). O controle que o poder público procura exercer sobre o uso e ocupação do solo urbano na capital tende a ser ainda mais erodido no período do pósguerra, com a intensificação do movimento de urbanização no País. Como principal centro de atração dos fluxos migratórios do estado, Belo Horizonte cresce em ritmo acelerado nas décadas de 1950 e 60, com taxas médias de, respectivamente, 7,0% e 6,1% ao ano (PLAMBEL, 1979). Em decorrência, a coexistência de “duas cidades – uma legal, oficial e a outra, ilegal e clandestina, que era notória desde o início” (PLAMBEL, 1979, p. 255) de sua construção, torna-se ainda mais patente. E a cidade ilegal e clandestina é principalmente, mas não de forma exclusiva, a cidade dos segmentos pobres da

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população. O acesso ao lote se dá pela aquisição de terrenos em loteamentos quase sempre irregulares, com infra-estrutura precária, ou através da invasão de áreas públicas. As casas são construídas sem autorização da Prefeitura, num processo informal condicionado basicamente pela capacidade (limitada) de mobilizar recursos do proprietário ou morador, que não segue qualquer padrão arquitetônico ou urbanístico. Impotente para impor a um mercado imobiliário pautado pela lógica da especulação as diretivas de expansão e uso do espaço urbano, a atuação do governo local pouco difere de um rito ou mera formalidade, na medida em que se limita, grosso modo, a sancionar as decisões tomadas pelos empresários do setor, aprovando os loteamentos que faziam (PLAMBEL, 1979). Igualmente impotente para impedir a construção clandestina, especialmente em áreas públicas ocupadas através de invasão, o governo local pouco faz além de ações tópicas de remoção e reassentamento habitacional. Tolera-se a moradia ilegal da pobreza, até porque o poder público continua sem proporcionar alternativa plausível para lidar com o atendimento de suas demandas habitacionais. A remoção é praticada basicamente quando essa modalidade de ocupação, por razões circunstanciais, emerge como um problema a ser resolvido, como mostra a construção da Vila Concórdia, anteriormente mencionada (GUIMARÃES, 1993; PLAMBEL, 1979). A partir da década de 1950, com a valorização dos terrenos provocada pelo crescente adensamento demográfico e econômico do espaço urbano da capital, esse tipo de intervenção torna-se mais sistemático, dando contornos mais sólidos e institucionalizados à política de erradicação e remoção de favelas. Recorrendo, mais uma vez, à análise do Plambel: Uma das grandes preocupações do Poder Público Municipal e Estadual no período foi o desfavelamento. Esta preocupação era decorrente do crescente número de novas favelas resultantes das invasões às extensas propriedades urbanas, por parte da camada menos favorecida da Capital (...). A política de desfavelamento estava implícita em todas as tentativas de estudar o problema das favelas belohorizontinas (...). A maneira como o problema foi encarado pelas diversas administrações variou, o que não variou foram, evidentemente, os objetivos: desfavelar – afastar para áreas da periferia os ocupantes de áreas já altamente valorizadas. (1979, p. 275-276)

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A política de desfavelamento, contudo, não consegue evitar a expansão da ocupação ilegal no espaço urbano da capital. A construção clandestina em terrenos invadidos mantém-se como solução habitacional intensamente utilizada pela pobreza. De fato, o crescimento da população favelada de Belo Horizonte entre 1955 e 1965 supera em muito o da cidade como um todo, com variações de, respectivamente, 229% e 168% no período (PLAMBEL, 1979). Num efeito não pretendido, a expansão contínua e acelerada das grandes cidades, como Belo Horizonte, ao longo dos anos 1950 e 60 atua no sentido de lançar luz sobre os limites dos governos subnacionais para lidar com a questão do atendimento à demanda por moradia da população. Esse fato contribui para que o governo federal, que não tivera êxito em sua política habitacional implementada através da FCP, faça uma nova incursão no setor. No contexto da centralização político-administrativa decorrente da instauração do regime militar, é criado, por força da Lei n. 4.380, de 1964, o Banco Nacional da Habitação (BNH). Sua concepção pouco difere daquela que informara a instituição da FCP, estruturando-se em torno da concessão de financiamentos para a construção e comercialização de imóveis residenciais. E, como havia ocorrido com a FCP, a atuação do BNH tem impacto modesto no tocante ao atendimento das necessidades habitacionais da população dos estratos inferiores de renda. Os recursos disponibilizados para financiamento, através do banco, são capturados pelos segmentos populacionais dos estratos superiores de renda, em consonância com as preferências dos empreendedores imobiliários. Esse direcionamento dos investimentos das empresas do setor imobiliário para “um mercado bem definido, isto é, para as classes de renda média e alta” (PLAMBEL, 1974, p. 33) ocorre, de forma muito nítida, em Belo Horizonte. A despeito de representar 57,1% da demanda habitacional do então denominado Aglomerado Metropolitano de Belo Horizonte entre 1967 e 1972, a faixa de renda média familiar de 0,5 a 3 salários mínimos “foi muito pouco atingida pela oferta do mercado formal” (PLAMBEL, 1974, p. 33).

O Aglomerado Metropolitano de Belo Horizonte era constituído então pelos municípios de Belo Horizonte e Contagem, além de partes dos municípios de Sabará, Santa Luzia e Ibirité (PLAMBEL, 1974).



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Desvestido de atratividade mercantil e sem resposta adequada por parte do poder público, o atendimento da demanda por habitação popular em Belo Horizonte mantém-se, assim, fortemente dependente da alternativa da auto construção. Ao contrário dos segmentos populacionais dos estratos de renda média familiar mais alta, para os quais existem condições satisfatórias de oferta de imóveis para fins residenciais, os segmentos populacionais dos estratos de renda média familiar mais baixa vêem-se compelidos a assumir a “função de agentes da oferta de moradias, usando com prioridade a construção clandestina” (PLAMBEL, 1974, p. 34). A expressividade demonstrada pelo fenômeno, na transição dos anos 1960, não deixa dúvidas acerca da institucionalização conquistada pela informalidade como mecanismo utilizado pela pobreza no acesso à moradia, ao mesmo tempo em que desnuda por completo a fluidez do controle governamental sobre o uso e ocupação do solo urbano na capital. Nada menos que 67% das moradias construídas no Aglomerado Metropolitano de Belo Horizonte ao longo do período 1967-72 constituem construções clandestinas (PLAMBEL, 1974, p. 35). Outra implicação relevante da expansão desordenada das grandes cidades nos anos 1950 e 60, especialmente as capitais, é a saliência que confere ao fenômeno da metropolização, contribuindo para torná-lo uma questão emergente na agenda urbana nacional. Sintonizado com o processo, o governo federal edita a Lei Complementar n. 14, em julho de 1973, criando as denominadas regiões metropolitanas, entre elas a de Belo Horizonte. No rastro dessa medida, é promulgada da Lei estadual n. 6.603, em abril de 1974, que cria a autarquia Planejamento da Região Metropolitana de Belo Horizonte – Plambel, para tratar de temáticas pertinentes à metropolização da capital. São iniciativas que também não escapam à instabilidade e à fluidez que tipificam a dinâmica político-intitucional do País. A despeito de sua competência técnica, o Plambel não tem vida muito longa, sendo formalmente extinto em 1996, com sua incorporação à estrutura da Fundação João Pinheiro – FJP. As regiões metropolitanas, por sua vez, nunca chegaram a se afirmar efetivamente como instância político-administrativa, consoante os propósitos que nortearam sua criação. Embora cada vez mais visíveis na conformação do tecido urbano brasileiro, como bem o mostra o caso da capital mineira – o que pode 

São criadas também, pela referida Lei Complementar, as regiões metropolitanas de São Paulo, Porto Alegre, Curitiba, Salvador, Recife, Belém e Fortaleza (PLAMBEL, 1979).

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ser visualizado na fig. 1 –, persistem como uma virtualidade institucional, pouco contribuindo para a construção de arranjos cooperativos capazes de articular a atuação dos governos locais das cidades envolvidas pela dinâmica da metropolização. Isto se aplica, em particular, ao ordenamento e controle do uso e ocupação do solo urbano, o que abrange os processos de morar. Questões recorrentes e estados de coisas não equacionados no tocante ao atendimento à demanda habitacional em Belo Horizonte assumem crescente complexidade, até porque extravasam os limites territoriais da cidade, conferindo relevo à necessidade de se dispor de instrumentos políticos para lidar com as implicações da ordem metropolitana, cuja provisão passa por arranjos institucionais que deveriam existir, mas que não existem.

Figura 1: Mancha urbana da RMBH 2002. Fonte: Fundação João Pinheiro.

De fato, a transição da cidade para metrópole imprime uma nova configuração à problemática habitacional no espaço urbano (ampliado) da capital. O principal vetor dessa reconfiguração tem a ver com a crescente pressão sobre

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o uso do solo e a concomitante valorização dos terrenos, cujo estoque é fisicamente limitado. Indo direto ao ponto, aumenta a saliência do custo da terra urbana no desenvolvimento da função habitacional, cujos efeitos incidem, com maior intensidade, nos segmentos pobres da população, recrudescendo as restrições determinadas pela renda no acesso ao lote. Historicamente utilizada pela pobreza, a invasão e ocupação de terrenos públicos persiste como alternativa de acesso à terra urbana, embora condicionada por um estoque cada vez menor de áreas vazias, passíveis de apropriação para fins habitacionais. Um desdobramento natural é o adensamento das favelas já existentes, com a exploração ao máximo das possibilidades de aproveitamento do espaço útil para a edificação de novas moradias. Cresce, em simultâneo, a pressão sobre espaços públicos com limitações de uso, como terrenos nas margens de eixos viários ou de córregos, numa “favelização” que se caracteriza por condições ainda mais precárias de solução residencial. Áreas remanescentes de alguma intervenção governamental, por menores que sejam, ou mesmo áreas de domínio privado em aparente abandono tendem a ser rapidamente ocupadas, formando pequenas favelas. A segregação espacialmente concentrada das formas pretéritas de “favelização” é substituída pela segregação fragmentada e dispersa dos anos mais recentes, forjando um mosaico de favelas minúsculas no tecido urbano da capital (FJP, 2002). O estreitamento das possibilidades para a expansão das favelas no perímetro de Belo Horizonte se faz acompanhar também de sua crescente migração para cidades circunvizinhas, ocupando terrenos estrategicamente posicionados, sob a perspectiva da acessibilidade, em relação à capital (FJP, 1982, 2002). Outra frente importante de “favelização” remete a áreas incrustadas em loteamentos destinados à fixação de moradia dos segmentos populacionais dos estratos inferiores de renda. Numa circunstância de reduzida capacidade de exercício da função regulatória do poder público, a pressão pelo acesso ao solo urbano leva ao “sub-retalhamento do lote com a construção de outras unidades [residenciais] menores, dando origem ao barracão e, nos casos mais extremos, à favela de fundo de quintal” (PLAMBEL, 1974, p. 15). No entanto, são os loteamentos em áreas periféricas ao perímetro urbano da capital que vêm se constituindo, desde a década de 1980, no principal vetor do acesso à moradia pela pobreza. A progressiva ampliação da periferia, incorporando à mancha urbana da metrópole, áreas cada vez mais afastadas do núcleo central de Belo Horizonte, possibilita a oferta de lotes ao alcance

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do baixo poder aquisitivo dos segmentos populacionais dos estratos inferiores de renda. Favorecidos pela combinação de uma regulação da ocupação e uso do solo altamente permissiva com a inapetência das administrações locais em fazê-la cumprir, os loteamentos direcionados à população de baixa renda multiplicam-se em determinadas cidades da RMBH, que apresentam elevadas taxas de crescimento demográfico ao longo dos anos mais recentes (FJP, 2004). A metropolização da pobreza sinaliza que Belo Horizonte continua pouco amigável à fixação de residência por parte da população dos estratos inferiores de renda em seu espaço urbano. Há, contudo, mudanças substantivas na dinâmica do processo, que passa a prescindir, em larga medida, da intervenção direta do poder público com tal finalidade. A seletividade do mercado imobiliário, que alargou enormemente seus domínios sobre o estoque de terras localizadas no perímetro urbano da capital, transformando-as em mercadoria, encarrega-se de expulsar a pobreza. A terra que está ao alcance do poder aquisitivo de quem é pobre – a solução individual que o mercado proporciona – constitui mercadoria escassa na cidade. Sua oferta revela-se muito mais abundante e generosa nos loteamentos lançados pelos empreendedores imobiliários nas áreas periféricas da metrópole. Nelas, os pobres podem manifestar suas preferências como consumidores, livres para escolher o que conseguem pagar. E é para lá que eles se retiram, numa resignação tácita em face da precariedade da proteção social assegurada pelo Estado. Ao adentrar o século XXI, a questão habitacional na RMBH caracteriza-se pela configuração mais complexa assumida por problemas recorrentes, como, e principalmente, o atendimento da demanda por moradia da pobreza. A despeito do inegável reforço do papel desempenhado pelo mercado imobiliário, suas atividades referentes à população dos estratos inferiores de renda mantêm-se concentradas na produção e comercialização de lotes em áreas periféricas da metrópole. A oferta de moradias – casas e apartamentos – demarca um patamar mínimo de renda média que exclui a possibilidade de o pobre se credenciar como consumidor. Na esfera de atuação do Estado, o fato marcante consiste no protagonismo reassumido pelas administrações locais, refletindo os efeitos descentralizantes da Constituição de 1988, de um lado, e retroação dos níveis mais elevados de governo, em especial a União,10 de outro. Isto é Desde a extinção do BNH, ocorrida em 1986, o governo federal praticamente se eximiu da responsabilidade de fazer política habitacional.

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acompanhado de um alargamento do repertório das políticas ou intervenções adotadas, com a incorporação de novos princípios, formatos e conteúdos, na linha das ações de regularização fundiária ou da realização de investimentos em urbanização e melhorias no acesso a serviços de infra-estrutura urbana. A Prefeitura de Belo Horizonte assume papel de destaque nesse contexto, o que começa a tomar forma ainda nos idos dos 1980, com o Programa Municipal de Regularização Fundiária – Profavela.11 Sintetizando o percurso feito, a metrópole na qual Belo Horizonte se transformou guarda pouca relação com a concepção original da cidade criada para ser a capital do estado. O crescimento acelerado dificultou em muito a já difícil execução da função regulatória do poder público no tocante ao uso e controle do espaço urbano, marcada por transgressões variadas, que se insinuam em fenômenos como a especulação imobiliária e a informalidade. No cerne desse processo se inscreve a questão da moradia popular, para a qual não surgem soluções satisfatórias, seja pela via do mercado ou do Estado. E é a ausência de soluções satisfatórias para a demanda por moradia popular que dá sentido às discussões recorrentes sobre déficit habitacional no País.

Processos de morar e a fluidez do conceito de déficit habitacional A noção de déficit habitacional condensa a percepção da existência de uma insuficiência ou inadequação no atendimento às necessidades habitacionais da população. Pode ser identificada, numa primeira aproximação, ao descompasso entre oferta e demanda por moradia. É o que se insinua na abordagem da questão feita pelo Plambel, segundo o qual “tradicionalmente, as estimativas de déficit habitacional partem de uma relação direta entre o estoque de moradias e a população demandatária” (1977, p. 10). Esse procedimento metodológico informa, em particular, as estimativas de déficit habitacional produzidas pela FJP, que realizou três estudos dedicados

Para Guimarães, o Profavela “teve o mérito de se constituir no instrumento através do qual o poder público reconhecia, de forma explícita, o direito do favelado à sua moradia” (1992, p. 8).

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ao exame da questão no Brasil.12 Nos referidos estudos, o “conceito de déficit utilizado está ligado diretamente às deficiências no estoque de moradias” (2004, p. 7). Trata-se, evidentemente, de definição muito restritiva, ao deixar de fora moradias que, embora permanentes, não atendem satisfatoriamente as necessidades habitacionais das famílias nelas residentes. Aponta-se aqui na direção dos imóveis residenciais produzidos através do processo de autoconstrução que, como visto na seção anterior, apresentam alta expressividade no cenário habitacional da RMBH. Isto posto, a definição de déficit habitacional, sob a concepção simplificadora de falta de moradia ou moradia improvisada, revela-se pouco apropriada para subsidiar a formulação e implementação de políticas públicas direcionadas ao setor. Tendo em mente esse propósito mais geral, o conceito de déficit habitacional deve ser alargado, de forma a abranger aquilo que se considera como moradia inadequada, na linha da opção metodológica adotada pela FJP (2004). Lidar com a questão remete, de um lado, à especificação das funções habitacionais exercidas pela moradia e, de outro, à prescrição de padrões de referência para avaliar a qualidade do preenchimento destas funções. De acordo com o Plambel (1974), a moradia cumpre três funções habitacionais: abrigo, localização e segurança.13 São funções explicitadas para fins analíticos ou operacionais, já que, na realidade, aparecem interligadas, numa interação ao mesmo tempo complexa e dinâmica, formando diferentes quadros de prioridades ou necessidades, em função das circunstâncias socioeconômicas e culturais específicas dos diversos grupos ou segmentos da população. Por abrigo entende-se a “função habitacional exercida pela moradia, dimensionada a partir das características do usuário, que se expressa através de O primeiro estudo – “Déficit Habitacional no Brasil” –, divulgado em 1995, procurou calcular as necessidades habitacionais para as unidades da Federação e algumas regiões metropolitanas, com base nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 1990, do IBGE. Tal estudo foi demandado pela Secretaria Especial de Desenvolvimento Urbano (SEDU), atual Ministério das Cidades, por meio de contrato com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), no âmbito do Projeto Habitar-Brasil do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). O segundo estudo – Déficit Habitacional no Brasil 2000 - decorre também de demanda da SEDU. Divulgado em 2001, procede a uma revisão das estimativas realizadas no estudo anterior. O terceiro e último – Déficit Habitacional no Brasil: municípios selecionados e microrregiões geográficas – é editado em 2004. Procura dimensionar e qualificar o déficit habitacional nos municípios com população acima de 20 mil habitantes e nas microrregiões geográficas do IBGE, a partir de contrato firmado com o Ministério das Cidades e o PNUD 13 Ver, a respeito, Plambel, Orientações para uma política habitacional. Belo Horizonte, 1974 12

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seus componentes materiais – terreno, infra-estrutura e construção” (PLAMBEL, 1974, p. 3). Destaca aquilo que está no cerne da necessidade básica de morar, ou seja, oferecer proteção ao indivíduo contra as intempéries. A localização põe em relevo a forma como a moradia se articula com a estrutura urbana onde se inscreve. A habitação se apresenta, sob a perspectiva dessa dimensão funcional, “como a atividade que tem, como ponto de referência a moradia e se desenvolve através dos fluxos que a interligam com” (PLAMBEL, 1974, p. 4) os diversos equipamentos que dão sustentação ao desenvolvimento das atividades econômicas e sociais de todo o tipo. Já a segurança articula e qualifica as outras duas funções, sendo “exercida pela moradia através de seus componentes materiais e de sua localização no espaço urbano, podendo assumir diferentes aspectos” (PLAMBEL, 1974, p. 5). De um lado, tem-se a segurança física, que remete a aspectos referentes à estabilidade e salubridade da construção. De outro, tem-se a segurança social, que engloba aspectos mais estreitamente ligados à localização da moradia no espaço urbano, onde se destacam questões atinentes à satisfação do indivíduo e sua família no tocante à fruição das múltiplas relações que consubstanciam a vida em sociedade. A consideração das funções habitacionais, consoante o delineamento feito pelo Plambel (1974), implica introduzir, nas análises focadas no déficit habitacional, uma variável de natureza qualitativa, capaz de aferir o padrão de conforto e bem-estar que a moradia assegura à família nela residente. Como qualquer questão de conteúdo valorativo, definir padrões de referência para a qualidade da moradia – aquilo que se entende como satisfatório – é inerentemente polêmico ou controverso. Desdobramento imediato, a avaliação do déficit habitacional assume maior complexidade, na medida em que se torna contingente dos parâmetros utilizados em sua mensuração, os quais, em várias circunstâncias, sequer são explicitados. Com a especificação de padrões de qualidade para a moradia, torna-se possível examinar, de forma um pouco mais detida, o comportamento do mercado imobiliário e suas interfaces com a conformação do déficit habitacional. A análise empreendida na seção anterior colocou em evidência o papel desempenhado pela autoconstrução no atendimento à demanda de moradia dos segmentos populacionais dos estratos inferiores de renda, que não encontram soluções satisfatórias pela via do mercado ou da política pública. Quando se pensa no mercado, o problema não é, como pode parecer à primeira vista, decorrente

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de limitações na capacidade de oferta das empresas de construção civil. O estoque disponível de imóveis residenciais vagos, fechados ou de uso ocasional constitui um indicador que permite uma aproximação analítica da questão. De acordo com estimativa feita pela FJP (2004), o número de domicílios em tal situação alcançava, em 2000, um total de 6.030 mil unidades no conjunto dos municípios brasileiros, para um déficit habitacional básico14 da ordem de 5.890 mil unidades no mesmo ano. Abstraindo-se, portanto, dos aspectos atinentes à propriedade dos imóveis, o estoque de moradias existentes no País revela que, em lugar de déficit, o que há é um superávit habitacional. O foco analítico deve ser direcionado, assim, para o lado da demanda, no qual o poder aquisitivo, ao mesmo tempo reduzido e incerto, de quem é pobre dificulta e, no extremo, inviabiliza a manifestação de suas preferências no mercado imobiliário. A política habitacional centrada na concessão de crédito para a compra da casa própria não altera em substância a situação, pelo menos da forma como foi concebida e implementada no País. É o que mostraram as experiências da FCP e do BNH, rapidamente comentadas na seção anterior. Da perspectiva do mercado, a casa constitui uma mercadoria indivisível, que atende a determinados padrões estabelecidos pela ação reguladora do poder público. Por menos exigentes que sejam as especificações advindas de tais padrões, sua observância implica um patamar mínimo de custo de construção, que informa o preço de venda. A aquisição do imóvel residencial junto ao mercado exige, portanto, uma poupança financeira de que o pobre não dispõe ou que não está disposto a mobilizar com vistas ao acesso à moradia. A autoconstrução emerge neste contexto como uma opção mais satisfatória para quem é pobre, dando forma a um produto não disponível no mercado imobiliário, que pode ser sintetizado na idéia de “casa inacabada”. Aquilo que é indivisível, quando transacionado no mercado, torna-se, assim, divisível, fracionável e sem qualquer padrão pré-estabelecido. Em outras palavras, o mecanismo da autoconstrução permite decompor a casa em seus elementos constitutivos, o terreno e a edificação, a qual, por sua vez, pode ser desagregada nos materiais utilizados no processo construtivo. Em lugar do consumidor de moradia, surge o produtor de moradia, que atua como consumidor no mercado da terra, onde comparece apenas para adquirir o lote, e no mercado “O déficit habitacional básico refere-se ao somatório dos totais referentes à coabitação familiar, aos domicílios improvisados e aos domicílios rústicos” (FJP, 2004, p. 14).

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de materiais de construção, onde comparece sempre que necessário e possível, para adquirir itens utilizados na complementação ou melhoria do padrão da edificação. Independentemente das implicações que tem no tocante ao custo final da moradia, comparativamente ao preço de referência do mercado imobiliário, a autoconstrução potencializa algumas vantagens que a tornam uma opção habitacional atraente para o pobre. Primeiro, permite a este escalonar no tempo os gastos relacionados à moradia, conferindo-lhe autonomia decisória para ajustá-los aos constrangimentos decorrentes da sua limitada capacidade de mobilizar recursos. Segundo, dilui e ameniza as severas restrições impostas pela renda sobre as opções de consumo, abrindo espaço para soluções construtivas mais permeáveis à manifestação das preferências individuais, o que significa conferir algum grau de soberania a um consumidor pouco ou quase nada soberano. Como a autoconstrução passa ao largo de considerações atinentes ao aproveitamento de economias de escala e de escopo, as casas dela decorrentes tendem a apresentar características bastante heterogêneas, não preenchendo, em várias situações, os requisitos mínimos desejados ou esperados das funções habitacionais desempenhados pela moradia. São situações que, embora nem sempre explicitadas, compõem as estimativas referentes a necessidades de realização de melhorias em imóveis existentes, presentes em estudos dedicados à mensuração de déficits habitacionais. Estimativas dessa natureza, contudo, nada mais revelam que uma fotografia de um cenário em permanente e rápida mudança. Sobre a questão, interessa salientar que, nos segmentos populacionais constitutivos da pobreza, o processo construtivo envolve a promoção de melhorias graduais no imóvel e, conseqüentemente, da qualidade das funções habitacionais por ele desempenhadas, conformando uma trajetória não intencionada rumo ao que é considerado como condições satisfatórias de morar. Em simultâneo, novas construções são iniciadas, realimentando o estoque de moradias inadequadas. Se observada essa dinâmica, que anda na contramão da tendência à depreciação do imóvel, o tempo se encarrega de promover uma mudança no status da moradia, que transita de inadequada a adequada (PLAMBEL, 1977). No entanto, ainda que prescinda, em larga medida, do mercado de imóveis para o acesso à moradia, através da autoconstrução, a população pobre não consegue escapar do mercado da terra. A alternativa da invasão e ocupação

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de terrenos vagos, públicos ou privados, revela-se, como já discutido, cada vez mais restrita em metrópoles como Belo Horizonte. No mercado da terra, a mercadoria acessível a quem tem baixo poder aquisitivo são os terrenos de uma periferia em progressivo alargamento. A solução que a pobreza adota no tocante ao atendimento de sua demanda habitacional condena-a, assim, a morar em áreas periféricas, quase sempre muito distantes do local de trabalho, além de mal servidas de equipamentos de uso coletivo. Em decorrência, vê-se obrigada a fazer longos deslocamentos diários, notadamente em função do desempenho de suas atividades econômicas (FJP, 1982, 2002). Ao rebaixamento do custo de moradia contrapõe-se, portanto, a elevação do custo de transporte, que passa a comprometer expressiva parcela da renda familiar. Embora de inegável relevância, sobretudo para as regiões metropolitanas, a localização da moradia no espaço urbano não é incorporada nas discussões convencionais de déficit habitacional, como se percebe no estudo setorial mais recente da FJP (2004). A despeito da distinção que é feita entre déficit habitacional e moradia inadequada, o enfoque adotado no referido estudo se atém a considerações em torno das condições que o imóvel oferece para o uso residencial, como revelam as correspondentes definições operacionais que utiliza. A conceituação de déficit habitacional, adotada pela FJP, engloba tanto aquelas moradias sem condições de serem habitadas devido à precariedade das construções ou em virtude de terem sofrido desgaste da estrutura física e que devem ser repostas, quanto à necessidade de incremento do estoque decorrente da coabitação familiar ou da moradia em locais destinados a fins não residenciais. (2004, p. 7)

Trata-se de definição focada nos aspectos atinentes à segurança física e às condições de habitabilidade proporcionadas pela moradia em sua função de abrigo. Compreende, de um lado, os domicílios rústicos, caracterizados por não possuírem paredes de alvenaria ou de madeira aparelhada, além dos domicílios com mais de 50 anos de construção, que já teriam ultrapassado o limite de vida útil do imóvel. A precariedade do abrigo que proporciona ao morador justifica a substituição por nova moradia, originando o denominado déficit por reposição de estoque (FJP, 2004). De outro, têm-se situações onde sequer a alternativa do domicílio rústico compõe o leque de escolhas que o

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indivíduo pode fazer com vistas à obtenção de local de abrigo. Delas decorrem as moradias improvisadas, que vão formar o denominado déficit habitacional por incremento de estoque (FJP, 2004). “As habitações inadequadas por sua vez são as que não proporcionam a seus moradores condições desejáveis de habitabilidade” (FJP, 2004, p. 8) e conforto, evidenciando a função de segurança social da moradia. Falar de inadequação implica a definição de um padrão mínimo de qualidade a ser preenchido por toda moradia. Os critérios adotados pela FJP com tal propósito destacam o acesso a serviços básicos como “iluminação elétrica, rede geral de abastecimento de água, rede geral de esgotamento sanitário (...) e coleta de lixo” (2004, p. 8) e o grau de adensamento da ocupação residencial, considerado excessivo quando o “número de pessoas é superior a três por dormitório” (FJP, 2004, p. 8). Ao contrário das situações que tipificam e conformam o déficit habitacional, a inadequação da moradia não demanda a construção de novas unidades habitacionais, mas complementações e melhorias no imóvel, de forma a torná-lo adequado. O déficit habitacional pode assumir, portanto, diferentes aspectos. No limite máximo, abrangeria a quase totalidade das famílias moradoras segundo os índices de desigualdade. Isso quer dizer que quanto maior for o índice de desigualdade, tanto maior será o déficit. Uma medida de déficit calculada com base na desigualdade, embora seja da maior importância para explicitar a variedade de determinações dos processos de morar, não é, contudo, o que interessa ao cálculo. As operações tomam por base o “mínimo” social, mínimo de renda, mínimo de conforto, mínimo de segurança, mínimo de condição de acesso aos benefícios urbanos. Examinado do ponto de vista do “mínimo”, tem-se o limite de desigualdade tolerável. O limite da tolerância varia segundo o padrão admitido como normal ou digno do modo de vida urbano numa dada sociedade. Colocando-se no centro o conceito de Desenvolvimento Humano, segundo sua conceituação pelo Programa das Nações Unidades para o Desenvolvimento – PNUD –, entendido como “o processo de ampliação de opções oferecidas a um povo” (CUÉLLAR, 1997, p. 11), exibe-se a relatividade de qualquer déficit padronizado segundo o conceito de mínimo. Um domicílio ou unidade habitacional é dado como inadequado na medida em que limita as opções disponíveis ou que não se pode colocar como opção. Como limite de

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opções, pode-se estabelecer uma hierarquia de habitações independentemente de custo e valor de mercado; como determinação explicita-se que uma habitação é dada como inadequada quando ela não resulta de nenhuma opção dos seus moradores, mas da coação de se ter um lugar para viver. O limite mínimo, sob esse ponto de vista, se localiza na ausência de opção; contudo a determinação das opções enseja déficits relativos que interessam à segmentação dos mercados de moradia. A decisão sobre o limite do mínimo não se faz sem polêmica, do mesmo modo que os parâmetros que favorecem a constituição de mercados segmentados. Para a fixação de uma política pública de habitação, o primeiro déficit a ser mensurado é o que posiciona os grupos humanos aquém da possibilidade de optarem, centrando a atenção nos imóveis que determinam a falta de opção.

Déficit habitacional e sua trajetória recente na RMBH Como se viu anteriormente o primeiro obstáculo numa economia do porte da metropolitana é dado pelo acesso à terra. Uma terra de custo zero15 supõe, de um lado, o total desinteresse de sua oferta por parte do mercado e, de outro, a insuficiência de recursos para aquisição do lote que obedece aos padrões mercadológicos. Sob esse ponto de vista, o acesso a uma porção de terreno fora do interesse do mercado configura-se como vetor determinante de subhabitação, desde que o usuário não tenha também recursos para construir um abrigo que lhe permita se estabelecer para prover a própria subsistência. Há que entender que, quando se diz “própria”, a referência não é feita ao indivíduo, mas ao grupo familiar. A moradia entendida apenas como abrigo contra as intempéries não pode ser tomada como domicílio isolado. Sua inserção na rede dos processos urbanos deve ser considerada como determinante de provimento da subsistência. Desse modo, se uma família se abriga provisoriamente sob as marquises de um edifício ou sob um viaduto próximo a um centro de emprego, garantindo a partir daí condições de poupança para acesso a um abrigo de melhor qualidade, a situação abaixo do mínimo deve ser entendida Uma terra de custo zero para o mercado é acompanhada de um custo social elevado. Ver Santos, 1980, p. 17-47.

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como um investimento. De outra parte, para uma família que adquire ou tem acesso a uma moradia distante de todos os serviços e oportunidades de se reproduzir, por mais definitivo que possa ser seu abrigo, a carência se mostra muito mais explícita. Isso quer dizer que o cálculo do déficit de moradia, numa economia metropolitana, precisa considerar o custo do provimento da subsistência acima das condições específicas do abrigo. É necessário levar em consideração a localização do domicílio no espaço urbano.

Acesso ao mercado Para compreender essa realidade, vale a pena examinar o que se explicita em dois conjuntos de tabelas. A primeira exibe a trajetória de famílias residentes em oito macrounidades que compõem a RMBH, por faixa de renda. A segunda mostra as pessoas que, individualmente, foram coagidas a, ou optaram por, morar sozinhas em algum local da RMBH. A exibição de informações de acordo com as macrounidades traz embutida a hipótese de que a estrutura espacial de uma região metropolitana é determinada pelo modo como as áreas se diferenciam segundo seu maior ou menor comprometimento com a metropolização, bem como com o tipo de função predominante nesta forma de comprometimento. Desse modo, o acesso à moradia é também determinado pelo comprometimento das atividades econômicas, políticas, institucionais, sociais e simbólicas com a metropolização. A possibilidade de a metrópole definir o espaço da moradia como função metropolitana, favorecendo a predominância do uso residencial em determinadas áreas, também deve ser contemplada, seja na construção de áreas residenciais nobres, operárias, de classe média ou até dos que não podem assumir os custos inerentes. A tab. 1, analisada juntamente com o graf. 1, possibilita acompanhar a evolução dos domicílios particulares permanentes na RMBH no intervalo que vai de 1982 a 2002. Note-se que as famílias com renda média familiar até três salários mínimos diminuem sua participação no período em favor das situadas em faixas de renda mais elevada. Note-se ainda que, proporcionalmente, os domicílios nas faixas de renda superior a 20 salários foram os que tiveram aumento percentual mais significativo. Atente-se também para o fato de a

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população residente em domicílios com renda até três salários ser subrepresentada em relação ao percentual dos domicílios . Isso quer dizer que, para as famílias com renda superior a três salários, os domicílios aumentaram proporcionalmente menos do que a população, dando-se o inverso com a população de baixa renda. Apesar disso, as taxas de crescimento, comparandose população e domicílios, revelam uma outra realidade. A partir das faixas de renda superior a um salário mínimo, os domicílios registram uma taxa anual de crescimento sempre superior à da população, e a distância é tanto maior quanto menor for a renda. Assim, enquanto a população com renda de um até dois salários aumentou em 0,3% ao ano, os domicílios acusaram uma taxa de 1,7% ao ano no período. No extremo oposto, a população com renda superior a 30 salários aumentou 4,3%, e as residências 5,7% ao ano, em igual período. Tabela 1 Participação de domicílios e da população da Região Metropolitana de Belo Horizonte por faixa de renda em 1982 e 2002 % Domicílios 1982

% População 1982

% Domicílios 2002

% População 2002

Sem renda

3,62

3,29

1,37

1,14

Até um salário mínimo

6,75

5,03

1,47

1,31

De maior que 1 até 2 SM

17,07

15,10

14,42

11,98

De maior que 2 até 3 SM

17,20

16,46

15,65

14,62

De maior que 3 até 5 SM

20,00

20,82

21,23

21,71

De maior que 5 até 10 SM

19,47

21,72

24,40

26,20

De maior que 10 até 15 SM

7,25

7,84

9,23

10,08

De maior que 15 até 20 SM

3,49

3,98

4,19

4,45

De maior que 20 até 30 SM

2,99

3,28

4,05

4,22

Maior que 30 SM

2,17

2,47

4,00

4,28

Total

100

100

100

100

Faixa de renda

Fonte: Plambel, Pesquisa Origem e Destino 1982; Fundação João Pinheiro: Pesquisa Origem e Destino, 2002.

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O graf. 1 qualifica melhor a participação dos domicílios por faixa de renda, mostrando sua expansão no espaço metropolitano no período analisado. Entre 1982 e 2002, a RMBH se tornou mais seletiva para famílias com renda até um salário, cujas taxas de crescimento anual foram negativas. As residências com renda média entre um e três salários crescem a uma taxa muito próxima ao crescimento vegetativo da população; já as com renda superior a três salários acusam taxas ascendentes, com destaque para aquelas com renda superior a 20 salários, que exibem o maior ritmo de crescimento. Essa visão geral da RMBH mostra que o espaço metropolitano se tornou mais favorável para domicílios de alta renda no período.

Gráfico 1 - Taxa de crescimento médio anual dos domicílios da RMBH 1982 - 2002 Fonte: Plambel, Pesquisa Origem e Destino 1982; Fundação João Pinheiro: Pesquisa Origem e Destino, 2002.

O comportamento exibido, no entanto, não se distribui na mesma proporção no espaço metropolitano. Há áreas que se tornam mais seletivas para as famílias de baixa renda e outras mais atraentes para as de renda mais elevada. As informações examinadas a seguir evidenciam essas marcas da estrutura espacial metropolitana. Toma-se, como ponto de partida, a macrounidade denominada de Núcleo Central, que abriga as instituições típicas das funções

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metropolitanas – centro administrativo, escritórios matrizes e sucursais de grandes empresas, serviços de porte metropolitano. Tal macrounidade é compreendida pelo centro planejado da capital e a zona sul. O graf. 2 mostra como se modificou a participação dos domicílios por faixa de renda entre 1982 e 2002 no Núcleo Central. As residências ocupadas pela pobreza absoluta, renda de até um salário mínimo, que já eram pouco representativas, diminuíram significativamente, enquanto aumenta, também de forma significativa, a participação dos domicílios com renda superior a 20 salários, destacando-se aqueles com renda superior a 30 salários mínimos. Embora não haja espaço para se analisar aqui as peculiaridades expostas, merece ser ressaltado que a diversidade e predominância apontam para tendências à seletividade de uma região nobre.

Gráfico 2 - Núcleo Central – participação dos domicílios por faixas de renda 1982 - 2002 Fonte: Plambel, Pesquisa Origem e Destino 1982; Fundação João Pinheiro: Pesquisa Origem e Destino, 2002.

O graf. 3 e a tab. 2 são ainda mais esclarecedores. As famílias com renda de até três salários mínimos acusam taxas negativas da ordem de 6,2% ao ano, o que se faz acompanhar de taxas positivas para as famílias com renda entre um e cinco salários mínimos. Taxas negativas ou próximas delas voltam a ser

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observadas para as famílias com renda entre 5 e 20 salários, destacando-se, neste grupo, o crescimento negativo da população, ao qual se seguem taxas sempre positivas de crescimento de população e domicílios para famílias com renda superior a 20 salários mínimos. O saldo geral acusa uma taxa de crescimento dos domicílios da ordem de 2,5% ao ano, contra a timidez do aumento da população, de apenas 0,3% ao ano. Fica evidente também a presença de duas tendências no Núcleo Central, famílias de alta renda e a resistência dos aglomerados de favelas.

Gráfico 3 - Núcleo Central – taxas de crescimento médio anual de domicílios e população 1982 - 2002 Fonte: Plambel, Pesquisa Origem e Destino 1982; Fundação João Pinheiro: Pesquisa Origem e Destino, 2002.

Observa-se, no exame TAB. 2, a inversão da participação dos domicílios com renda entre 5 e 20 salários, de um lado, e a dos acima de 20 salários, de outro lado, entre 1982 e 2002. Em 1982, o primeiro grupo representava 44,7% das residências do Núcleo Central, caindo para 34,8% do total em 2002; já os com renda superior a 20 salários, que correspondiam a 34,8%, passaram a representar 41,8% em 2002.

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Tabela 2 Núcleo Central, evolução dos domicílios e da população em 1982 e 2002 por faixas de renda média familiar Faixa de renda

% % Domicílios População 1982 1982

% % domicílios população 2002 2002

Taxa Dom. 82_2002

Taxa Pop. 82-2002

Sem renda

3,23

3,09

0,67

0,55

-6,2%

-8,0%

Até um salário mínimo

3,20

2,42

1,08

1,10

-3,9%

-3,5%

De maior que 1 até 2 SM

6,26

4,89

6,55

6,06

1,7%

1,4%

De maior que 2 até 3 SM

6,49

5,60

5,88

5,60

1,0%

0,3%

De maior que 3 até 5 SM

8,38

6,80

9,16

9,26

1,9%

1,9%

De maior que 5 até 10 SM

19,06

17,46

13,93

11,80

-0,1%

-1,6%

De maior que 10 até 15 SM

14,75

14,57

10,96

9,89

0,0%

-1,6%

De maior que 15 até 20 SM

10,90

12,22

9,94

9,39

1,0%

-1,0%

De maior que 20 até 30 SM

13,89

15,75

15,55

15,98

2,0%

0,4%

Maior que 30 SM

13,81

17,20

26,27

30,36

4,8%

3,2%

Total

100,00

100,00

100,00

100,00

1,5%

0,3%

Fonte: Plambel, Pesquisa Origem e Destino 1982; Fundação João Pinheiro: Pesquisa Origem e Destino, 2002.

O Núcleo Central pode ser contrastado a outras macrounidades da RMBH, a começar pela Pericentral. Tal macrounidade consiste numa ampla região localizada no entorno do Núcleo Central. Para caracterizá-la, sinteticamente, pode-se afirmar que foi criada para dar sustentação ao Centro. As transformações ocorridas ao longo do tempo deram-lhe a fisionomia que se retrata na tab. 3.

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Tabela 3 Área Pericentral, evolução dos domicílios e da população em 1982 e 2002 por faixas de renda média familiar % Domicílios 1982

% População 1982

Sem renda

2,67

2,50

0,54

0,40

-7,4%

-9,6%

Até um salário mínimo

5,71

4,04

0,85

0,75

-8,9%

-8,9%

De maior que 1 até 2 SM

12,29

10,12

9,05

7,38

-1,3%

-2,4%

De maior que 2 até 3 SM

15,04

13,63

11,28

10,30

-1,2%

-2,2%

De maior que 3 até 5 SM

20,00

19,74

17,95

17,40

-0,3%

-1,5%

De maior que 5 até 10 SM

23,58

25,91

25,92

26,28

0,7%

-0,8%

De maior que 10 até 15 SM

10,62

11,97

14,25

15,21

1,7%

0,3%

De maior que 15 até 20 SM

5,02

6,05

7,35

8,09

2,2%

0,6%

De maior que 20 até 30 SM

3,65

4,34

7,02

7,55

3,6%

1,9%

Maior que 30 SM

1,42

1,68

5,79

6,63

7,5%

6,2%

100,00

100,00

100,00

100,00

0,2%

-0,9%

Faixa de renda

Total

% % Taxa Dom. Taxa Pop. domicílios população 82_2002 82-2002 2002 2002

Fonte: Plambel, Pesquisa Origem e Destino 1982; Fundação João Pinheiro: Pesquisa Origem e Destino 2002

O exame agregado dos domicílios por faixa de renda mostra que as mudanças foram pouco significativas nos anos recentes. Em 1982, 58,6% das residências tinham renda média entre 2 e 10 salários; em 2002, este mesmo grupo representava 55,2% do total. Tomado conjuntamente com a faixa de renda de 10 até 15 salários, o resultado sobe para 69,2%, em 1982, e 69,4% do total, em 2002. As modificações se mostram com toda evidência quando se examinam as taxas de crescimento. Tais taxas são negativas para domicílios e para a população em todas as faixas de renda até cinco salários; a dos domicílios aumenta positiva e quase exponencialmente a partir de rendas superiores a cinco salários e a da população inicia sua ascensão em progressão aritmética a partir de 10 salários mínimos. A macrounidade Pericentral exibe ainda taxas negativas de crescimento para a população, mostrando que algo como 0,7% de seus moradores migrou para outras macrounidades da RMBH. Fica claro que famílias com renda até 20 salários buscaram outros lugares para morar, mais

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afinados com sua condição financeira, ao passo que um contingente tímido de famílias com renda entre 20 e 30 salários e outro mais expressivo, com renda superior a 30 salários, encontraram no lugar condições adequadas para fixar residência. A terceira macrounidade analisada é a Pampulha. Trata-se de região que começou a assumir comprometimento com a metropolização a partir dos anos 30 do século passado, inicialmente com a represa para captação de água e, em seguida, a instalação do aeroporto, como referência para o lazer. Finalmente, entram em cena o campus universitário e o complexo esportivo. Vale dizer, a Pampulha tem muito de projeção das funções metropolitanas concentradas inicialmente no Núcleo Central. As informações da tab. 4 mostram que a Pampulha, comparada com o Núcleo Central e a Área Pericentral, é menos seletiva para famílias com renda de 2 até 15 salários mínimos, apesar de ter aprofundado sua vocação de destinar espaço para moradores com renda familiar acima de 15 salários. Tabela 4 Pampulha, evolução dos domicílios e da população em 1982 e 2002 por faixas de renda média familiar Faixa de renda

% Domicílios 1982

% % % Taxa Taxa Pop. População domicílios população Dom. 82-2002 1982 2002 2002 82_2002

Sem renda

3,10

3,24

1,02

0,71

-2,5%

-5,6%

Até um salário mínimo

4,45

3,30

1,27

1,04

-3,2%

-3,9%

De maior que 1 até 2 SM

13,00

10,55

6,95

5,15

-0,1%

-1,7%

De maior que 2 até 3 SM

11,92

11,24

8,95

7,78

1,6%

0,0%

De maior que 3 até 5 SM

16,60

16,92

15,71

15,07

2,8%

1,3%

De maior que 5 até 10 SM

22,23

23,20

26,73

28,68

4,0%

2,9%

De maior que 10 até 15 SM

8,34

8,95

14,35

14,90

5,9%

4,5%

De maior que 15 até 20 SM

7,66

8,50

8,24

8,68

3,5%

2,0%

De maior que 20 até 30 SM

4,99

5,37

8,81

9,36

6,0%

4,7%

Maior que 30 SM

7,70

8,72

8,00

8,62

3,3%

1,8%

100,00

100,00

100,00

100,00

3,1%

1,8%

Total

Fonte: Plambel, Pesquisa Origem e Destino 1982; Fundação João Pinheiro: Pesquisa Origem e Destino, 2002.

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Embora tenha expulsado sistematicamente as famílias de baixa renda, a partir dos estratos com renda superior a cinco salários, houve acolhida de famílias que residiam em outras macrounidades ou que migraram para a RMBH. Percebe-se também que os agentes do mercado imobiliário centraram sua atenção nas famílias com renda entre 10 e 15 salários e com renda entre 20 e 30 salários. Os domicílios ocupados nessas faixas de renda aumentaram entre 1982 e 2002 a uma taxa média de 6,0% ao ano. A macrounidade que se chama de Eixo Industrial inicia sua inserção na metropolização a partir dos anos 1940, quando ali se instala a Cidade Industrial Juventino Dias, favorecendo a emancipação do então distrito de Contagem do município de Betim. A partir daí, outros municípios foram sendo incorporados ao processo, com diferentes funções, dentre elas a de serem áreas atraentes para moradias de operários de baixa qualificação. A tab. 5 deixa patente a marca de espaço do operário qualificado, semiqualificado ou de baixa qualificação assumida pelo Eixo Industrial. Em 1982, os domicílios com renda de 1 até 10 salários representavam 82,1% do total e, no mesmo ano, 11,0% das residências eram habitadas por famílias em situação de penúria, cujos rendimentos não alcançavam um salário mínimo. Quanto a este grupo, a situação melhorou, já que se reduziu a 3,4% do total em 2002. Tal melhora, no entanto, não é indicativa de sua promoção da situação de pobreza extrema para condições mais favoráveis de vida. A taxa negativa de crescimento observada nas duas faixas indicativas da pobreza extrema aponta mais para migração de famílias nelas inscritas para outras áreas que para melhoria de oportunidades e ascensão social. Tabela 5 Eixo Industrial, evolução dos domicílios e da população em 1982 e 2002 por faixas de renda média familiar (Continua)

Faixa de renda

% % % % Taxa Dom. Domicílios População domicílios população 82_2002 1982 1982 2002 2002

Taxa Pop. 82-2002

Sem renda

4,19

3,98

1,84

1,57

-1,0%

-2,6%

Até um salário mínimo

6,84

5,01

1,54

1,29

-4,2%

-4,7%

De maior que 1 até 2 SM

19,49

17,85

17,15

14,23

2,5%

0,9%

De maior que 2 até 3 SM

19,66

18,80

18,05

16,84

2,7%

1,4%

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397

(Conclusão)

De maior que 3 até 5 SM

23,54

24,52

23,55

24,02

3,2%

1,9%

De maior que 5 até 10 SM

19,37

21,76

26,03

28,10

4,7%

3,3%

De maior que 10 até 15 SM

4,71

5,32

7,55

8,84

5,6%

4,6%

De maior que 15 até 20 SM

1,20

1,53

2,12

2,55

6,1%

4,6%

De maior que 20 até 30 SM

0,69

0,87

1,66

1,91

7,8%

6,1%

Maior que 30 SM

0,29

0,36

0,50

0,64

6,0%

4,9%

100,00

100,00

100,00

100,00

3,2%

2,0%

Total

Fonte: Plambel, Pesquisa Origem e Destino 1982; Fundação João Pinheiro: Pesquisa Origem e Destino, 2002.

A marca do espaço operário se mantém ao longo do período. Em 2002, as residências com renda 1 até 10 salários correspondiam a 84,8% do total, com ganhos significativos para as famílias situadas nas faixas entre mais que 5 até 10 salários. O aumento proporcional de domicílios e de população, sempre a taxas superiores ao crescimento vegetativo, não poderia deixar de trazer ganhos para o segmento populacional situado em faixas de renda superior a 10 salários. Entretanto, vale lembrar que as altas taxas de crescimento de tais faixas estão vinculadas à sua baixa representatividade na estrutura espacial da macrounidade. Há que fixar os valores apresentados e analisados a respeito da estrutura espacial do Eixo Industrial para compará-los aos da próxima macrounidade examinada, que é a denominada Periferias do Aglomerado. As Periferias levam esse nome pela sua formação a partir da ação dos agentes imobiliários, valendo-se do apelo em residir ou ter uma propriedade em Belo Horizonte. São áreas que, no momento do lançamento dos loteamentos, ofereciam terrenos a baixo preço e com precária infra-estrutura urbana. A tab. 6 oferece oportunidade para o questionamento das diferenças entre a referida macrounidade e o Eixo Industrial. As informações agregadas exibem vantagens locacionais das Periferias para as famílias residentes no Eixo Industrial. Em 1982, as famílias com renda de 1 até 10 salários representavam 82,3% dos domicílios ocupados – a mesma composição para os moradores do espaço da indústria. Em 2002, esse grupo era formado por 83,5% do total, com ganho no estrato entre 5 e 10 salários, similar ao constatado no Eixo Industrial. O exame das faixas superiores, contudo, registra ganhos significativos das Periferias frente ao Eixo Industrial. Os domicílios com renda superior a 10 salários,

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que representavam 5,3% das residências em 1982, passaram para 13,2% em 2002, em contraste com o Eixo industrial, onde a mudança foi de 6,9% em 1982 para 11,8% em 2002. Tabela 6 Periferias do Aglomerado, evolução dos domicílios e da população em 1982 e 2002 por faixas de renda média familiar Faixa de renda

% % % % Taxa Dom. Taxa Pop. Domicílios População domicílios população 82_2002 82-2002 1982 1982 2002 2002

Sem renda

3,45

3,39

1,60

1,28

0,3%

-1,8%

Até um salário mínimo

9,04

6,48

1,70

1,57

-4,2%

-3,9%

De maior que 1 até 2 SM

24,44

22,09

16,23

13,34

2,1%

0,5%

De maior que 2 até 3 SM

21,85

21,51

17,95

16,40

3,2%

1,7%

De maior que 3 até 5 SM

21,01

22,73

24,22

24,95

4,9%

3,6%

De maior que 5 até 10 SM

14,95

17,67

25,10

27,32

6,9%

5,4%

De maior que 10 até 15 SM

3,32

3,79

7,89

9,02

8,8%

7,7%

De maior que 15 até 20 SM

1,29

1,60

2,85

3,21

8,4%

6,8%

De maior que 20 até 30 SM

0,51

0,56

1,69

2,01

10,6%

9,9%

Maior que 30 SM

0,14

0,18

0,79

0,90

13,7%

11,9%

100,00

100,00

100,00

100,00

4,2%

3,1%

Total

Fonte: Plambel, Pesquisa Origem e Destino 1982; Fundação João Pinheiro: Pesquisa Origem e Destino, 2002.

Em síntese, as Periferias começam a exibir taxas mais competitivas de crescimento de domicílios e de população comparadas com as do Eixo Industrial a partir das famílias inscritas nos estratos de renda superior a cinco salários. A explicação para essa mudança de perfil tem a ver com alterações nos padrões de urbanização de parte expressiva da macrounidade, seja por sua proximidade em relação à Pampulha, seja por intervenções urbanas no município de Contagem.16 Independentemente do tipo de explicação, contudo, o exame A formação do espaço do ponto de vista do uso habitacional foi objeto de análise em relatório denominado “Gestão do espaço metropolitano: homogeneidade e desigualdade”, em fase de conclusão.

16

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mais atento das informações da TAB. 6 sublinha características que tornam o espaço das Periferias cada vez mais impróprio para famílias com renda inferior a dois salários, mostrando, além disso, que até mesmo as famílias que auferem rendimentos de dois a três salários já não encontram fácil acolhida no lugar. A macrounidade Área de Expansão Metropolitana é composta, regra geral, por sedes municipais e seus entornos, nas quais a metropolização tem que conviver mais estreitamente com o controle exercido pelo poder local, que se mostra, com freqüência, marcado por ambigüidades. Há sempre uma indecisão entre manter a autonomia municipal ou aliar-se à metropolização, com todas as suas conseqüências. O resultado disso pode ser melhor apreendido a partir do exame das informações contidas na tab. 7. Cumpre lembrar que a diversidade dos municípios integrantes da Área de Expansão Metropolitana traz, como conseqüência, uma grande diversidade de alternativas, apenas compreensíveis numa análise mais desagregada. Tabela 7 Área de Expansão Metropolitana, evolução dos domicílios e da população em 1982 e 2002 por faixas de renda média familiar Faixa de renda

% % % % Domicílios População domicílios população 1982 1982 2002 2002

Taxa Dom. 82_2002

Taxa Pop. 82-2002

Sem renda

5,21

3,83

1,64

1,45

-2,4%

-2,6%

Até um salário mínimo

8,72

6,90

1,99

1,66

-4,0%

-4,8%

De maior que 1 até 2 SM

21,50

18,15

18,83

15,16

2,7%

1,3%

De maior que 2 até 3 SM

19,19

18,11

20,25

19,19

3,7%

2,5%

De maior que 3 até 5 SM

21,68

23,88

23,30

24,04

3,8%

2,3%

De maior que 5 até 10 SM

16,98

21,28

23,14

26,65

5,0%

3,4%

De maior que 10 até 15 SM

4,28

5,07

5,75

6,32

4,9%

3,4%

De maior que 15 até 20 SM

1,08

1,29

2,43

2,58

7,7%

5,9%

De maior que 20 até 30 SM

1,06

1,16

1,68

1,87

5,8%

4,7%

Maior que 30 SM

0,29

0,33

0,97

1,08

9,9%

8,5%

100,00

100,00

100,00

100,00

3,4%

2,2%

Total

Fonte: Plambel, Pesquisa Origem e Destino 1982; Fundação João Pinheiro: Pesquisa Origem e Destino, 2002.

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Vê-se que o comprometimento com o metropolitano, ao se acentuar ao longo do período analisado, muda o perfil socioeconômico das famílias residentes a partir dos estratos com renda média superior a dois salários. Isso quer dizer que, até mesmo nessa macrounidade, as famílias com renda até dois salários mínimos não são bem-vindas. A análise dos demais estratos exibe marcas típicas da macrounidade. Os domicílios dos estratos com renda média familiar de 2 até 10 salários representavam 57,8% em 1982, passando para 66,7% do total em 2002. A representação dos estratos com renda superior a 10 salários mínimos também difere daquela que se mostrou no Eixo Industrial e nas Periferias. Em 1982, as residências inscritas em tais estratos agrupavam 6,7% das unidades ocupadas; em 2002, 10,8% do total. Aqui, mais uma vez, chamam a atenção as taxas negativas dos estratos de renda até um salário, exigindo resposta à seguinte pergunta: se em todas as macrounidades percorridas os domicílios desses estratos exibem taxa negativa, houve promoção social capaz de justificar a redução das famílias em tal faixa de renda ou elas se viram obrigadas a buscar alternativas diferentes de abrigo? Qualquer que seja a resposta, cumpre registrar que as famílias inscritas no referido estrato, residentes na RMBH, que ocupavam 69.009 domicílios em 1982, reduziram-se a 31.181 em 2002, constituindo ainda um grupo expressivo necessitado de atenção da política pública. Finalizando este percurso, exibem-se, na tab. 8, os domicílios em números absolutos e relativos situados em condições de risco no tocante a prover a própria subsistência. Trata-se daqueles domicílios onde os moradores vivem sem renda e dos domicílios onde os moradores têm renda de até um salário mínimo. Vale notar que o déficit habitacional deve ser tomado como uma conseqüência, e não necessariamente como causa. O que mais chama a atenção é o custo social implicado na condição de viver submetido às regras de uma economia metropolitana, sem condições de reproduzir a própria subsistência. Em todos esses casos, o custo zero da moradia está configurado, qualquer que seja a qualidade do domicílio, porém a vulnerabilidade maior se mostra segundo a forma de comprometimento com a acumulação metropolitana do lugar onde se localiza a residência.

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401

Tabela 8 Domicílios com renda até um salário mínimo, segundo as principais macrounidades da RMBH. Domicílios 1982

% dom. 1982

Domicílios 2002

% dom. 2002

Núcleo Central

4118

5,97

1506

4,83

Área Pericentral

16282

23,59

2837

9,1

Pampulha

1931

2,80

1070

3,43

Eixo Industrial

17749

25,72

10142

32,53

Periferias

17677

25,62

10617

34,05

Expansão Metropolitana

7960

11,53

4039

12,95

Subtotal

65717

95,23

30211

96,89

RMBH

69009

100

31181

100

Macrounidades

Fonte: Plambel, Pesquisa Origem e Destino 1982; Fundação João Pinheiro: Pesquisa Origem e Destino, 2002.

A tab. 8 mostra que é nas Periferias, no Eixo Industrial e na Área de Expansão Metropolitana que se concentrava, em 2002, o maior contingente das famílias residentes em domicílios particulares permanentes sem condições de arcar com os custos de viver numa área metropolitana, confirmando, com isso, que as áreas mais carentes de serviços urbanos são também as que se mostram atraentes para a moradia de custo zero. A macrounidade Pericentral que, em 1982, concorria com as Periferias e o Eixo Industrial, ao se tornar mais seletiva, reduziu drasticamente a oportunidade de ocupar sem custo um abrigo, passando tal incumbência para a Área de Expansão Metropolitana. Cumpre sublinhar ainda que, embora o contingente de famílias com renda insuficiente tenha diminuído nos 20 anos examinados, a participação do estrato do custo zero absoluto – famílias sem renda – aumentou de 34,9% para 48,1% nesse período, sendo que a situação começa a se agravar timidamente na Pampulha para assumir situações alarmantes no Eixo Industrial e nas Periferias.

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José Moreira de Souza | Ricardo Carneiro

Coações e opções individuais A segunda consideração sobre déficit habitacional tem a ver com as pessoas que moram sozinhas. Tendo em vista que o grupo doméstico ainda é uma necessidade dos indivíduos para distribuírem o custo social de prover a própria subsistência, a opção ou a imposição de morar só tem implicações diretas na questão da habitação. Examinada do ponto de vista do déficit habitacional, tal questão aponta para dois aspectos: o da vulnerabilidade e o de sua composição para geração da carência de domicílios. Ambos os aspectos se mostram intrincados. Do ponto de vista da vulnerabilidade, quanto menor for o rendimento da pessoa, tanto maior será o custo de morar só; do ponto de vista da carência de domicílios, toda opção de morar só contribui para o decréscimo do tamanho médio de moradores por residência, pervertendo os cálculos de unidades necessárias para abrigo de famílias com excessivo adensamento residencial. Morar sozinho, sob esse aspecto, pode ser considerado como crédito no cálculo do déficit habitacional. Note-se, contudo, que morar só pode ser uma opção ou uma determinação. Como opção, locais como quartos de pensão, de hotéis ou apart-hotéis e até mesmo os tradicionais cortiços se constituem em unidades para atender às pessoas que decidem “morar sozinhas”. Como determinação, a marca principal do morar só se evidencia pelo abandono dos demais consortes. Para simplificar as considerações apresentadas, as informações utilizadas na análise referem-se a pessoas que moram sozinhas, agrupadas em duas faixas de idade: as que se encontram na idade produtiva, entre 18 e 60 anos, e as que, hipoteticamente, ultrapassaram tal idade, ou seja, pessoas com mais de 60 anos. Enquanto as pessoas na idade produtiva podem, regra geral, optar, as da terceira idade vivem o abandono. Contraditoriamente, enquanto as que têm opção podem ser obrigadas a viver em abrigos precários – quartos de pensão e cortiços -, as pessoas mais idosas podem viver em casas “confortáveis”, mas sem o apoio dos familiares. A série histórica examinada abrange os municípios do Aglomerado Metropolitano, conforme definido em 1972. As informações para tais municípios são apresentadas na tab. 9 e evidenciam que a condição de morar só se acentuou na década de 1990.

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403

Tabela 9 Domicílios com pessoas que moram sozinhas, segundo municípios que compunham o Aglomerado Metropolitano de 1972 Município

Domicílios

1972

% domicílios

1972

Domicílios

1982

% domicílios

1982

Domicílios

1992

% domicílios

1992

Domicílios

2002

% domicílios

2002

Belo Horizonte

15042

94,9

17629

84,6

18997

83,6

37241

74,0

Contagem

736

4,6

1757

8,4

2061

9,1

6578

13,1

Ibirité

16

0,1

153

0,7

248

1,1

1465

2,9

Ribeirão das Neves

11

0,1

378

1,8

524

2,3

2346

4,7

Sabará

26

0,2

514

2,5

399

1,8

1537

3,1

Santa Luzia

15

0,1

399

1,9

490

2,2

1186

2,4

15847

100,0

20830

100,0

22719

100,0

50353

100,0

Total

Fonte: Plambel, Pesquisa Origem e Destino 1982; Fundação João Pinheiro: Pesquisa Origem e Destino, 2002.

Tomando-se os municípios de Belo Horizonte e Contagem, nota-se que o viver sozinho é uma marca da conurbação, ou seja, a economia da aglomeração aumenta o custo social do morar. Há evidências de que a opção de morar só decorre, de um lado, da conjuntura econômica e, de outro, das relações familiares. Acompanhando o caso do município de Belo Horizonte, tem-se que, na década de 1970, as pessoas que passaram a viver só aumentam à razão de 1,6% ao ano. O movimento perde força nos anos 80, reduzindo a taxa para 0,8% ao ano, e volta com intensidade nos anos 90, a uma taxa anual de 7,0% ao ano. Considerando-se o intervalo compreendido entre 1982 e 2002, as taxas são de 3,8% para Belo Horizonte, 6,8% para Contagem, 12,0% para Ibirité, 9,6% para Ribeirão das Neves e 5,6% ao ano para Sabará e Santa Luzia. Houve, portanto, uma grande aceleração do morar só no período, resultante não apenas de aspectos da conjuntura mas de mudanças significativas no tamanho médio da família. Como se pôde ver pelo exame das tabelas anteriores contemplando as taxas de crescimento de domicílios e da população, as unidades residenciais ocupadas sempre aumentaram em proporção maior que a população.

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A vulnerabilidade do morar sozinho pode indicar, por outro lado, a possibilidade de redução do déficit habitacional, como já foi lembrado acima. O fator renda, contudo, pode contribuir para a determinação do morar sozinho, com elevação do custo social. Para uma melhor compreensão da questão, apresenta-se, na tab. 10, a distribuição das pessoas que moram só, com idade acima e abaixo de 60 anos e renda inferior a um salário mínimo, nos municípios que compunham o Aglomerado Metropolitano em 1972. Tabela 10 Domicílios com pessoas que moram sozinhas com renda menor que 1 salário mínimo segundo municípios que compunham o Aglomerado Metropolitano de 1972 Município

Ano 1982

1982 %

Ano 2002

2002 %

Taxa crescimento

Belo Horizonte menores de 60 anos

2307

36,1

1850

51,2

-1,1%

Belo Horizonte 60 anos e mais

2669

41,8

442

12,2

-8,6%

Contagem menor que 60 anos

342

5,4

472

13,1

1,6%

Contagem 60 anos e mais

359

5,6

61

1,7

-8,5%

Ibirité menor que 60 anos

49

0,8

122

3,4

4,7%

Ibirité 60 anos e mais

38

0,6

9

0,2

-6,9%

Rib Neves menor que 60 anos

46

0,7

286

7,9

9,6%

Rib Neves 60 anos e mais

166

2,6

0

0,0

0,0%

Sabará menor que 60 anos

113

1,8

143

4,0

1,2%

Sabará 60 anos e mais

156

2,4

120

3,3

-1,3%

Santa Luzia menor que 60 anos

50

0,8

108

3,0

3,9%

Santa Luzia 60 anos e mais

93

1,5

0

0,0

0,0%

6388

100,0

3613

100,0

-2,8%

Total

Fonte: Plambel, Pesquisa Origem e Destino 1982; Fundação João Pinheiro: Pesquisa Origem e Destino, 2002.

Chama a atenção a significativa redução de 2,8% ao ano, ao longo do período, das pessoas que vivem sozinhas em razão da baixa renda. Em todos os municípios, as pessoas com 60 e mais anos que vivem sozinhas e

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têm renda inferior a um salário mínimo registraram taxas negativas ou nulas, como se mostra nos casos de Santa Luzia e Ribeirão das Neves. Além disso, as taxas positivas de pessoas com menos de 60 anos que moram só são mais significativas nos municípios marcados pela expansão das periferias metropolitanas – Ribeirão das Neves, com 9,6%, Ibirité com 4,7% e Santa Luzia com 3,9% ao ano. Outra dimensão importante para a análise do déficit habitacional se assenta na composição dos moradores no grupo familiar. Sob esse aspecto, tem-se a situação inversa do morar só. O grupo familiar que se consolida na ordem capitalista, regra geral, foi reduzindo o número de moradores, excluindo inicialmente os agregados e, posteriormente, os parentes colaterais do casal proprietário, chefe ou pessoa de referência. Apesar disso, existem famílias que abrigam parentes e o que se chamou, nas pesquisas analisadas, de “hóspedes domiciliares”. A análise desses dois grupos é da maior importância tendo em vista que, conforme as pressões socioeconômicas, estes podem ser dados como inconvenientes ao convívio domiciliar, gerando demanda por novas residências. Pelo que se pode apreender do exame das informações contidas na tab. 11, não houve, nos municípios do Aglomerado Metropolitano, mudança significativa na participação relativa do grupo como um todo, mas há que se sublinhar o aumento da participação relativa dos hóspedes entre 1982 e 2002. Tanto hóspedes quanto parentes registram uma taxa de crescimento superior à da população da RMBH como um todo. Isso quer dizer que esse expediente, ao invés de regredir, se acentuou no período. Aproximadamente 75% dos parentes e hóspedes domiciliares têm renda até três salários mínimos, tanto em 1982 quanto em 2002, sinalizando que as famílias de baixa renda são as que mais se mostram prontas para acolher pessoas que ajudem na promoção da subsistência. Por sua vez, as famílias se tornaram pouco interessadas em acolher pessoas com renda inferior a um salário mínimo.

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Tabela 11 Moradores parentes e hospedes domiciliares com idade entre 18 e 60 anos, com renda, tomados em relação à pessoa de referência, residentes em domicílios particulares permanentes dos municípios do Aglomerado de 1972 Condição dos residentes

Ano 1982

1982 %

Ano 2002

2002 %

Taxa crescimento anual

Aglomerado

60544

100,0

95796

100,0

2,3%

Parentes

56223

92,9

86880

90,7

2,2%

Hóspedes

4321

7,1

8916

9,3

3,7%

Renda menor que 3

46180

76,3

73201

76,4

2,3%

Renda menor que 1

11996

19,8

6446

6,7

-3,1%

Fonte: Plambel, Pesquisa Origem e Destino 1982; Fundação João Pinheiro: Pesquisa Origem e Destino, 2002.

Uma das conclusões possíveis da análise é que, para as famílias de baixa renda, a acolhida de parentes e amigos recomendados denota uma das condições de manutenção do domicílio. Tal afirmação torna-se mais consistente quando se examinam as informações segundo os municípios do Aglomerado Metropolitano. Belo Horizonte representa o município no qual as pessoas da categoria com renda inferior a um salário mínimo tornaram-se menos desejáveis – taxa negativa anual de 5,2% –, seguido de Contagem, com taxa positiva de 0,6% ao ano no período. No que se refere a abrigar hóspedes, Ibirité, Sabará e Santa Luzia e Belo Horizonte intensificaram essa forma de acolhida; apenas Ribeirão das Neves exibiu um padrão diferente.

Serviços urbanos e direito à cidade Outro aspecto a examinar diz respeito aos serviços urbanos. Nesse caso há pelo menos três pontos a considerar. O primeiro deles situa as moradias localizadas em áreas nas quais o serviço está disponível, cujos proprietários não têm condição de se valer dos benefícios oferecidos. É o caso dos serviços já universalizados como oferta de água e energia elétrica. O segundo abrange as moradias localizadas em áreas nas quais os serviços públicos não se fazem presentes. Os serviços de esgoto, coleta de lixo e pavimentação são os que determinam esse tipo de carência. Há, finalmente, os serviços de uso coletivo como escolas, postos de saúde, centros de lazer e de convivência que se distribuem ainda com maior avareza, afetando a qualidade da moradia.

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Para uma melhor compreensão da questão do déficit habitacional sob esse prisma analítico, toma-se, como ponto de partida, mais uma vez, o ano de 1972, momento fundamental da expansão das periferias e de tomada de consciência do problema urbano sob a face metropolitana em todo o Brasil, como discutido na seção anterior. As informações referentes a 1972 devem ser entendidas como indicativas do quadro metropolitano quanto à universalização dos serviços urbanos básicos, sinalizando o custo social relacionado ao preço de mercado da moradia. A análise se inicia pela cobertura dos serviços de energia elétrica, consoante as informações apresentadas na tab. 12. Vale a pena fixar a análise no ano mais recente – 2002 –, quando, no município mais deficitário em cobertura – Ribeirão das Neves –, apenas 2,75% das residências não eram servidas por energia elétrica. Recuando, porém, para 30 anos atrás, a situação revela-se bastante distinta. A maior cobertura correspondia a Belo Horizonte, abrangendo apenas 88,4% das residências (PLAMBEL, 1972). As partes conurbadas a Belo Horizonte, excetuadas as de Contagem e de Sabará, viviam praticamente às escuras, ou à luz de velas e lampiões. A universalização do serviço estabelece que a falta de acesso é devida à plena carência dos moradores, incapazes até mesmo de contar com apoio de vizinhança para os famosos “gatos”. Tabela 12 Domicílios servidos por energia elétrica nos municípios do Aglomerado Metropolitano de 1972, nos anos de 1972 e 2002 Energia elétrica

Domicílios 1972

% Domicílios 1972

% População População 1972 1972

Domicílios 2002

% Domicílios 2002

% População População 2002 2002

Sim

259688

87,3

1343772

87,8

882928

99,5

3434014

99,5

Não

35587

12,0

184025

12,0

4297

0,5

17352

0,5

Não declara

2329

0,8

2795

0,2

0

0,0

0

0,0

Aglomerado

297602

100,0

1530593

100,0

887225

100,0

3451366

100,0

Fonte: Plambel, Pesquisa Origem e Destino 1972; Fundação João Pinheiro: Pesquisa Origem e Destino, 2002.

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O acesso à água de rede pública também avançou no sentido da universalização no Aglomerado Metropolitano ao longo dos últimos 30 anos, conforme mostram as informações contidas na tab.13. No entanto, os municípios marcados pela expansão das periferias ainda mantêm déficit de cobertura em 2002, com destaque para Ribeirão das Neves, com 8,9%, e Santa Luzia, com 3,2% do total de domicílios (FJP, 2002). Recuando a 1972, observa-se que o serviço era deficitário em toda a Aglomeração Metropolitana. A falta de acesso à água acometia 24,8% das famílias residentes na área conurbada de Sabará, 14,2% das famílias residentes em Belo Horizonte e 14,0% em Ibirité. Embora ocupasse o primeiro lugar em domicílios abastecidos pela rede pública, Belo Horizonte tinha apenas 46,4% das residências ligadas ao sistema, seguida por Sabará e Contagem (PLAMBEL, 1972). As demais áreas conurbadas desconheciam completamente esse tipo de serviço. Note-se que a água era um serviço produzido juntamente com a moradia. A construção da casa, para a maioria das famílias, iniciava-se com tarefa de cavar uma cisterna. A universalização do serviço traz, como conseqüência, a alta vulnerabilidade a que se expõem atualmente as famílias sem acesso ao serviço, apontando para o elevado custo social decorrente da falta de opção. Tabela 13 Domicílios servidos por água de rede pública nos municípios do Aglomerado Metropolitano de 1972, nos anos de 1972 e 2002 Serviço água

% População População 1972 1972

Dom 1972

% Dom 1972

População 2002

% População 2002

Dom 2002

% Dom 2002

Não tem água

209198

13,7

40875

13,7

42951

1,2

10479

1,2

Cisterna

633242

41,4

117365

39,4

0

0,0

0

0,0

Poço artesiano

35735

2,3

6525

2,2

0

0,0

0

0,0

Rede

648784

42,4

130295

43,8

3408415

98,8

876748

98,8

3637

0,2

2544

0,9

0

0,0

0

0,0

1.530.596

100,0

297.604

100,0

3.451.366

100,0

887.227

100,0

Não informou Aglomerado

Fonte: Plambel, Pesquisa Origem e Destino 1972; Fundação João Pinheiro: Pesquisa Origem e Destino, 2002.

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O acesso à rede geral de esgoto persiste como um problema para a maioria dos municípios componentes do Aglomerado Metropolitano, conforme mostram as informações da tab. 14. Apenas em Belo Horizonte e Sabará o serviço aproxima-se da universalização, com coberturas respectivamente, de 94,5% e 95,0% do total de residências em 2002. Ibirité e Ribeirão das Neves, dois municípios com marcas mais profundas de crescimento periférico, são os mais mal servidos, com taxas de cobertura de 70,2% e 63,7% do total de residências, respectivamente (FJP, 2002). A falta de cobertura indica que residir em área sem acesso a rede de esgoto passa a ser uma determinação, discriminando extensos estratos segundo a renda familiar. Tabela 14 Domicílios servidos por rede de esgoto pública nos municípios do Aglomerado Metropolitano de 1972, nos anos de 1972 e 2002 Serviço de esgoto

% População População 1972 1972

Dom. 1972

% Dom. 1972

% População População 2002 2002

Dom. 2002

% Dom. 2002

Não tem

268730

17,6

52811

17,7

389184

11,3

93280

10,5

Sim fossa

592683

38,7

109548

36,8

0

0,0

0

0,0

Sim rede

665062

43,5

132706

44,6

3062182

88,7

793946

89,5

Não informa

4116

0,3

2539

0,9

0

0,0

0

0,0

Aglomerado

1530591

100

297604

100

3451366

100

887226

100

Fonte: Plambel, Pesquisa Origem e Destino 1972; Fundação João Pinheiro: Pesquisa Origem e Destino, 2002.

Retornando a 1972, percebe-se que, àquela época, a situação era gravíssima, tanto por que a maioria dos domicílios era abastecida de água por cisternas, quanto pela necessidade de construir fossas, favorecendo a contaminação do lençol freático. A situação revelava-se ainda pior ao se considerar os domicílios que não dispunham de nenhum abrigo especial para acolher os dejetos da higiene doméstica, recordando as cidades do século XIX. Essa análise do acesso ao serviço de esgoto juntamente com a de acesso à água denuncia a ideologia que se mantém resistente nos cálculos de déficit de moradia. Uma casa, para ser completa, exige do morador colocar-se diante de duas alternativas: ou localizar-se onde o serviço se mostra como público, ou

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encontrar alternativas no interior do próprio imóvel. O argumento de que água, esgoto ou iluminação são um bem de consumo individual foi útil e consistente até um determinado momento do desenvolvimento urbano. Esse mesmo argumento pode se estender à moradia como um produto de mercado. Se, no ano de 1972, os serviços de energia elétrica, água e esgoto não eram universalizados no Aglomerado Metropolitano, não há o que dizer de coleta de lixo, rede de esgoto de água pluvial e pavimentação. Apenas com o objetivo de mostrar o cenário em 2002, são apresentadas, na tab. 15, informações sobre os serviços de pavimentação. Nota-se que 70,8% dos domicílios se localizam em vias asfaltadas, 15,4% em vias calçadas e 13,8% em sem pavimentação. Como se pode ver, trata-se de um serviço distintivo da situação urbana e indicador importante do déficit social imposto pelo acesso às condições de um morar segundo as opções oferecidas pela estrutura urbana. Tabela 15 Domicílios localizados em logradouros por tipo de pavimentação nos municípios do Aglomerado Metropolitano de 1972, no ano de 2002 Tipo de pavimentação

Domicílios

% domicílios

População

% população

Asfalto

778435

70,80

2993384

69,83

Calçamento

169147

15,38

659689

15,39

Não tem

151963

13,82

633381

14,78

RMBH

1099545

100,00

4286454

100,00

Fonte: Fundação João Pinheiro: Pesquisa Origem e Destino 2002.

A tendência à universalização de vias pavimentadas tem a ver, de um lado, com a crescente importância da indústria automobilística e, de outro, com o valor suntuário do benefício. Estabelece-se, assim, uma hierarquia no tipo de pavimentação: asfalto, calçamento e ausência de qualquer um desses tipos. A conquista dessa classificação como valor de prestígio associa-se a condições de moradia, indicando atenção do serviço público. Examinando-se os tipos de pavimentação segundo os municípios, observa-se que a distribuição não é padrão para o Aglomerado Metropolitano. Contagem assume o primeiro lugar em vias asfaltadas – 89,5% do total –, seguida de

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Belo Horizonte, com 77,0% do total em 2002. Seguramente a predominância da função industrial em Contagem contribui para o resultado encontrado no município, criando pressão para a extensão de tal serviço aos moradores de um modo geral. A ausência de pavimentação é indicativa de assentamentos periféricos, como ocorre nos casos de Ibirité, onde 30,4% dos domicílios se localizam em logradouros desse tipo, ou de Ribeirão das Neves, no qual 52,2% das residências se localizam em ruas de terra (FJP, 2002). Por último, apresenta-se e examina-se um conjunto de tabelas relacionadas à condição de proprietário do domicílio. Hipoteticamente, se o morador tem a posse de sua residência, qualquer que seja a natureza da posse, estaria excluído do cálculo do déficit de moradia, ficando em aberto a necessidade ou não de melhorias no imóvel, mais imediatas ou defasadas no tempo. Considerando, porém, que apenas as famílias que tenham quitado plenamente a moradia não têm qualquer déficit, há que se analisar o custo inerente ao risco de morar. As informações que cuidam de examinar esses aspectos consideram os domicílios quitados, os em pagamento, os alugados, os cedidos e os ocupados sem licença do proprietário. Para encurtar a análise, foram selecionados apenas os domicílios cuja renda familiar alcança até três salários mínimos – faixa que vem sendo considerada como típica da população de baixa renda e para a qual o mercado imobiliário formal não oferece imóveis em condição de financiamento. A tab. 16 apresenta informações referentes aos domicílios que os proprietários informaram ser “próprio pago”, ou seja, que não implicam nenhum custo adicional, a não ser o de sua manutenção. Considerou-se, em seguida, o caso de esses domicílios se localizarem em algum condomínio, e estabeleceu-se que, se a taxa de condomínio for superior a 30% da renda média familiar, a opção de residir em tal condição é altamente vulnerável, sobrando para o proprietário as alternativas de se qualificar melhor, com vistas a aumentar a renda familiar, trocar o domicílio por outro de menor risco, ou inserir-se em movimentos pró-moradia. Há ainda a alternativa de perda da propriedade como forma de quitar dívidas acumuladas, com ou sem uso de violência.

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Tabela 16 Domicílios próprios pagos com renda até 3 salários e até 30% comprometida com taxas de condomínio 2002 Faixa de renda

Renda em reais

Domicílios

% domicílios

Até 1 salário

136,32

62995

21,9

De 1 até 2 salários

295,30

108348

37,6

De 2 até 3 salários

456,45

116867

40,5

RMBH

325,89

288211

100,0

Fonte: Fundação João Pinheiro: Pesquisa Origem e Destino, 2002.

O que se nota, pelo exposto na tab. 16, é que existem 288.211 domicílios nessa situação de risco nos 34 municípios que compõem a RMBH. O maior risco de todos atingia as famílias com renda até um salário mínimo, que somam nada menos do que 62.995 unidades, representando 21,9% do total. Os domicílios ainda em pagamento apropriados por famílias com renda de até três salários sofrem duas ameaças, o comprometimento com a prestação e com o condomínio, quando for o caso. As informações que contemplam esses aspectos são apresentadas na tab. 17. Note-se, aqui o zelo do mercado no tocante a monitorar o risco do endividamento. São apenas 9.574 famílias incluídas em tal tipo de risco, onde a menor proporção se insere na faixa de renda de até um salário mínimo. Tabela 17 Domicílios próprios em pagamento com renda até três salários e até 30% comprometida com taxas de condomínio ou prestação 2002 Faixa de renda

Renda em reais

Domicílios

% domicílios

Até 1 salário

123,29

1282

13,39

De 1 até 2 salários

299,79

3977

41,54

De 2 até 3 salários

461,19

4315

45,07

RMBH

348,89

9574

100,00

Fonte: Fundação João Pinheiro: Pesquisa Origem e Destino, 2002.

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O domicílio de aluguel foi e continua sendo uma alternativa para o morar. Entretanto, a partir de um determinado momento a ideologia da casa própria, especialmente para a população trabalhadora, tornou-se valor predominante.17 Morar de aluguel para famílias com baixa qualificação para o trabalho constitui um risco constante, suscitando ameaças e conflitos. Pela tab. 18, observa-se que as famílias de baixa renda preferem se submeter ao risco dos domicílios próprios sem ônus ao risco do aluguel. Mesmo assim, em 2002, 43.098 famílias com renda de até três salários se enquadravam nessa condição, comprometendo, pelo menos, 30% de seus rendimentos. Delas, apenas uma minoria, 17,1% do total, inscreve-se na faixa de renda de até um salário mínimo. Tal grupo, juntamente com o das famílias com renda entre um e dois salários mínimos, deve receber especial atenção, tendo em vista que a alternativa do despejo é a perda de abrigo e o socorro público. Tabela 18 Domicílios com renda até três salários alugados e até 30% comprometida com aluguel do imóvel 2002 Faixa de renda

Renda em reais

Domicílios

% domicílios

Até 1 salário

113,89

7353

17,1

De 1 até 2 salários

284,29

15713

36,5

De 2 até 3 salários

455,85

20032

46,5

RMBH

334,95

43098

100,0

Fonte: Fundação João Pinheiro: Pesquisa Origem e Destino, 2002.

Domicílios cedidos assumem faces diversas. Originariamente caracterizavam as vilas operárias, nas quais o empresário garantia a proximidade dos trabalhadores junto à fábrica, mostrando-se presentes também nas vilas militares, quando a ocupação se dá sem ônus para a família. Recentemente, a maior freqüência desse tipo de solução habitacional assume a marca da ocupação por famílias de vigilantes em áreas de uso ocasional ou de serem reservados a amigos e parentes em dificuldade. Do ponto de vista do mercado, o domicílio cedido é um grande risco para o cedente. Regra geral, boa parte das residências Sobre esse assunto consultar Bonduki, 2004.

17

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com tal perfil tem os direitos de propriedade garantidos por contratos de aluguel, mesmo que a preço simbólico. Para o morador, há o risco da perda da cessão, que pode levá-lo a engrossar o bloco dos “sem casa”. Seja como for, para famílias com renda de até três salários, residir em domicílio cedido tem a marca de não se colocar como opção, mas como último recurso. Desse modo, torna-se ameaça de conflitos e discórdias. A tab. 19 proporciona uma visão geral da situação envolvendo domicílios cedidos na RMBH. Tabela 19 Domicílios cedidos com renda até três salários por faixa de renda média familiar 2002 Faixa de renda

Renda em reais

Domicílios

% domicílios

Até 1 salário

128,05

6731

25,3

De 1 até 2 salários

277,95

11141

41,8

De 2 até 3 salários

447,51

8754

32,9

RMBH

295,80

26626

100,0

Fonte: Fundação João Pinheiro: Pesquisa Origem e Destino, 2002.

Em 2002, os domicílios pertencentes a essa categoria somavam 26.626 na RMBH. As famílias com renda de até um salário mínimo representavam 25,3% do total de moradores em imóveis cedidos pelo proprietário, mostrando ser este o expediente mais atrativo para tal estrato, comparativamente ao que já se examinou. Por último, constam os domicílios com marca de invasão, já que sua ocupação não tem anuência do proprietário. Trata-se da opção menos usual, já que, na maioria das unidades localizadas em favelas, os proprietários as declararam como “próprio pago”. O quantitativo de domicílios que se encontram nessa situação é relativamente modesto, somando apenas 5.654 moradias na RMBH, em 2002, conforme informações da tab. 20.

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Tabela 20 Domicílios ocupados sem consentimento do proprietário com renda até três salários por faixa de renda média familiar 2002 Faixa de Renda

Renda em Reais

Domicílios

% domicílios

Até 1 salário

119,84

1316

23,3

De 1 até 2 salários

279,91

2510

44,4

De 2 até 3 salários

479,79

1828

32,3

RMBH

307,26

5654

100,0

Fonte: Fundação João Pinheiro: Pesquisa Origem e Destino, 2002.

De todas as formas de morar, essa é a que implica o maior risco de conflitos, exigindo atenção redobrada do ponto de vista de uma política de morar. A ameaça de perda do direito de morar pode contar com apoio da justiça e de todo o aparato repressivo do Estado.

Conclusões Do que foi examinado nas diferentes seções deste artigo, cumpre destacar quatro aspectos principais. Primeiro, o déficit calculado para balizar uma política nacional de habitação pode ser bastante diferente de outro que leve em consideração o que houver de específico em cada localidade. Em se tratando de regiões metropolitanas, cada localidade tem uma maneira especial de se comprometer com a acumulação na ordem regional, nacional ou global. A visão intrametropolitana examinada buscou chamar a atenção para isso. Segundo, qualquer cálculo de déficit habitacional deve chamar a atenção para as deficiências da ordem espacial que o determinam, o que significa que uma política de habitação voltada apenas para a construção de casas deixa de contemplar as deficiências dos modos de desenvolvimento. Terceiro, uma política conseqüente de habitação precisa estar atenta à ação privada dos agentes do mercado. O tipo de déficit resultante da falta de escolha significa a dispensa do excedente demográfico incapaz de prover a própria subsistência e, conseqüentemente, desqualificado para se inserir nos processos produtivos e

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de consumo. No caso de Belo Horizonte, essa realidade se mostra desnudada desde o início da construção da capital e era exuberante quando da criação do espaço industrial. Quarto, ao lembrar que a estrutura urbana consolida o mercado imobiliário adequado a sua função na rede especial, há que insistir que o mercado global determina o espaço obediente a padrões de produtividade. Disso resulta que, deixado à mercê do mercado, o capitalismo não se reproduz, necessitando da constante atenção do Estado para garantir a universalidade dos direitos sociais de uma vida longa e saudável, do acesso ao conhecimento disponível e da condição de prover a própria subsistência. Quando se calculam déficits habitacionais, a quantidade resultante é mais uma denúncia do que estabelecimento do número de abrigos necessários. Todo déficit habitacional denuncia vácuos no provimento da justiça social e no direito à cidade. Justiça e direito não se resumem no abrigo, mas em universalizar os serviços urbanos básicos – água, energia elétrica, esgoto, coleta de lixo; universalizar o acesso a serviços de uso coletivo – rede viária e transportes, equipamentos de educação, saúde, lazer e sociabilidade; regularizar o acesso a terra e ao abrigo, ou seja, o cumprimento do que determina a função social da propriedade; e garantir a promoção social para aumentar as opções. Uma política de habitação centrada no déficit como causa traz como conseqüência a reprodução de tudo que já se conhece sobre o expediente da pobreza de construção do próprio espaço. Em síntese, este artigo defende que habitação é apenas um capítulo de políticas de desenvolvimento humano; importante principalmente quando a ausência de promoção chegou ao extremo de as famílias não terem nenhuma opção sobre o local de moradia e o padrão construtivo adequado ao morar na cidade.

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Sobre os autores

Arthur Leandro Alves da Silva É graduado em Filosofia pela Universidade Federal de Pernambuco (1998) e fez o mestrado em Ciência Política na mesma universidade (2004). Fellow do Vilmar Faria Fellowship Program in Quantitative Analysis and Public Policy, University of Texas at Austin, USA VFFP/CAPES (2003). Atualmente é técnico no Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco (desde 1996), professor de Sociologia na Faculdade Boa Viagem (desde 2005) e da Pós-graduação em Direitos Humanos na Universidade Católica de Pernambuco (desde 2004). Tem experiência nas áreas de auditoria do setor público, ciência política, sociologia, avaliação de programas de governo e métodos quantitativos. [email protected].

Bruno Lazzarotti Diniz Costa É graduado em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Minas Gerais (1990) e fez o mestrado em Sociologia (1995) e o doutorado em Ciências Humanas: Sociologia e Política na mesma universidade (2005). Atualmente é pesquisador e professor da Graduação, Especialização e Mestrado da Escola de Governo da Fundação João Pinheiro (MG). Tem experiência nas áreas de políticas públicas, políticas sociais e federalismo, educação, assistência social e combate à pobreza. [email protected]

Carla Bronzo É graduada em Ciências Sociais (1987), fez o mestrado (1994) e o doutorado em Sociologia e Política, todos pela Universidade Federal de Minas Gerais (2005). Atualmente é professora e pesquisadora da Escola de Governo Paulo Neves de

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Sobre os autores

Carvalho, da Fundação João Pinheiro/Minas Gerais. Tem como temas de interesse e dedicação acadêmica a análise da pobreza, vulnerabilidade e políticas de proteção social, políticas de assistência social, desenho, gestão e avaliação de políticas públicas. [email protected]

Carlos Augusto Sant’Anna Guimarães É graduado em Administração Pública pela Universidade Federal da Bahia (1993) e fez o mestrado em Ciência Política na Universidade Federal de Pernambuco (2001). Atualmente é pesquisador assistente da Fundação Joaquim Nabuco, onde coordena a área de Estudos Afro-brasileiros. Suas áreas de interesse, no momento, são: ciência política, estado e governo, gestão pública, com destaque para políticas públicas, políticas educacionais, participação política, educação e relações raciais. [email protected]

Cristina Almeida Cunha Filgueiras É graduada em Ciências Sociais (1982) e fez mestrado em Educação, ambos na Universidade Federal de Minas Gerais (1986), e tem o doutorado em Sociologia pela École des Hautes Études en Sciences Sociales (França, 1992). Atualmente é professora adjunta do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais e do Departamento de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Dedica-se aos temas da cooperação internacional para o desenvolvimento; pobreza, desigualdade e inserção social; monitoramento e avaliação de políticas públicas; gestão social. [email protected]

Danielle Cireno Fernandes É Bacharel em Ciências Sociais e Mestre em Sociologia, ambos pela Universidade Federal de Pernambuco, e Ph.D. em Sociologia pela Universidade de WisconsinMadison, nos EUA. Atualmente, é professora do Departamento de Sociologia e Antropologia da Universidade Federal de Minas Gerais, onde coordena o Centro de Pesquisa e Capacitação em Programas Sociais (CECAPS) e participa do Laboratório de Pesquisa em Sociologia do Trabalho (LAPST).

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Sobre os autores



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Davidson Afonso de Ramos É graduado em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Minas Gerais (2002) e fez mestrado em Ciência Política na mesma universidade (2006). Atualmente é professor assistente do Centro Universitário UNA. Tem experiência nas áreas de sociologia, ciência política, estudos sobre políticas públicas e mercado de trabalho, atuando principalmente com avaliação de políticas públicas. [email protected]

Diogo Henrique Helal É graduado em Administração pela Universidade Federal de Pernambuco (2001) e fez mestrado em Administração na mesma universidade (2003). É doutorando em Sociologia pela Universidade Federal de Minas Gerais, professor do UNI-BH e da Faculdade Novos Horizontes. Recebeu o prêmio de melhor artigo em Gestão de Pessoas e Relações de Trabalho, no EnANPAD - 2004, e o 1o. Lugar no 2o. Prêmio IPEA-CAIXA de monografias, no tema “Emprego e Informalidade”. Autor de diversos artigos em periódicos nacionais e internacionais. Trabalhou como revisor dos principais periódicos acadêmicos em administração. Atua principalmente nos seguintes temas: mercado e relações de trabalho, estudos organizacionais, estratificação social, administração e políticas públicas.

Flávia de Paula Duque Brasil Graduada em Arquitetura e Urbanismo (1985) e especialista em Urbanismo, (1992), mestre em Sociologia (2004) e doutoranda em Sociologia, sempre pela Universidade Federal de Minas Gerais -UFMG. É professora da Escola de Governo da Fundação João Pinheiro desde 1997. Também atua como professora do Curso de Especialização em Elaboração, Avaliação e Gestão de Projetos Sociais do CECAPS/UFMG. Tem experiência nas áreas de gestão pública, sociologia, planejamento urbano, com ênfase em políticas públicas, gestão local e participação cidadã. [email protected]

Flavia Pereira Xavier É Bacharel em Ciências Sociais e Mestre em Sociologia, ambos pela Universidade Federal de Minas Gerais -UFMG. Encontra-se fazendo o Doutorado em Sociologia, também na UFMG, desenvolvendo pesquisas sobre desigualdade

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Sobre os autores

social – com especial enfoque sobre mercado de trabalho, estrutura ocupacional e educação – estando vinculada ao Laboratório de Pesquisa em Sociologia do Trabalho (LAPST). Tem ainda grande experiência com projetos de avaliação de políticas sociais.

Flávio Cireno Fernandes É graduado em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Pernambuco (2000) e fez mestrado em Ciência Política na mesma universidade (2004). Atualmente é Pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco (FUNDAJ) e Coordenador institucional do Laboratório Nordeste de Acompanhamento dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (PNUD/PUC-MG). É especialista em métodos quantitativos pela UFMG/Fundação Ford e em avaliação de Políticas Públicas pela University of Texas at Austin (UT). Hoje atua principalmente nos seguintes temas: políticas públicas, desenvolvimento e estratificação social.

Henrique Guimarães Coutinho É graduado em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Pernambuco (2000), fez mestrado em Ciência Política na mesma universidade e foi fellow do Vilmar Faria Fellowship Program in Quantitative Analysis and Public Policy, UT-Austin, USA (2002). Trabalha como pesquisador do Núcleo de Opinião e Políticas Públicas (NEPPU) desde 2000. Atualmente é pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco na área de estudos educacionais. Trabalha com políticas públicas na área da educação. henrique.guimarã[email protected]

Jorge Alexandre Barbosa Neves É Bacharel em Ciências Sociais e Mestre em Sociologia, ambos pela Universidade Federal de Pernambuco, e Ph.D. em Sociologia pela Universidade de WisconsinMadison, nos EUA. Atua como professor do Departamento de Sociologia e Antropologia da Universidade Federal de Minas Gerais, onde coordena o Laboratório de Pesquisa em Sociologia do Trabalho (LAPST) e participa do Centro de Pesquisa e Capacitação em Programas Sociais (CECAPS).

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Sobre os autores



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José Moreira de Souza É graduado em Ciências Sociais (1964) e fez mestrado (1991) em Ciências Sociais, ambos na Universidade Federal de Minas Gerais. Atua como pesquisador e professor da Escola de Governo da Fundação João Pinheiro. Tem experiência nas áreas de sociologia urbana e administração pública, com ênfase em temáticas relacionadas à pobreza, desigualdades socioespaciais e poder local, bem como na formulação e implementação de pesquisas socioeconômicas, com destaque para a Região Metropolitana de Belo Horizonte. [email protected]

Juliana Estrella É bacharel em Administração de Empresas pela Universidade Federal de Minas Gerais e Mestre em Ciência Política pela mesma universidade. Ex-aluna do Vilmar Faria Fellowship Program in Quantitative Analysis and Public Policy, UT-Austin, USA. Atualmente é doutoranda em Ciência Política no Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ) e consultora em diferentes temas sociais para o IPEA, IETS, FGV-RJ e SEBRAE. Tem experiência nas áreas de microcrédito, instrumentos financeiros para empreendedores informais e para pessoas de baixa renda, desenvolvimento local em comunidades de baixa renda, educação e juventude. [email protected]

Magna Inácio É graduada em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Montes Claros (1990) e fez doutorado em Ciências Humanas: política, pela Universidade Federal de Minas Gerais (2006). Atualmente é professora adjunta do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais. Tem experiência nas seguintes áreas: instituições políticas, estudos legislativos, políticas públicas e avaliação de programas sociais. [email protected]

Maria Carolina Tomás É Bacharel em Ciências Sociais e Mestre em Demografia, ambos pela Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG. Atualmente é Doutoranda em Sociologia e Demografia na Universidade da Califórnia-Berkeley, nos EUA, onde está desenvolvendo pesquisas sobre processos demográficos e estratificação social.

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Sobre os autores

Murilo Fahel É graduado em Psicologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (1984), mestre em Saúde Pública pela Universidad Autónoma Metropolitana - México D.F. (1998) e ex-fellow do Vilmar Faria Fellowship Program in Quantitative Analysis and Public Policy, UT-Austin-Capes (2004). Atualmente é professor e pesquisador da Fundação João Pinheiro na área de políticas públicas com ênfase em políticas sociais. Tem experiência nas áreas temáticas de desigualdade social e pobreza, com foco em saúde, educação e assistência social com aplicação de metodologias quantitativas e qualitativas para monitoramento e avaliação de programas sociais. [email protected]

Ricardo Carneiro É graduado em Matemática (1975), fez mestrado em Economia (1986) e doutorado em Ciências Humanas: sociologia e política, sempre pela Universidade Federal de Minas Gerais (2000). Atualmente é pesquisador e professor da Escola de Governo da Fundação João Pinheiro. Tem experiência nas áreas de economia aplicada, administração pública, estudos organizacionais, estudos ambientais e urbanos, e análise institucional, com ênfase em pobreza e desigualdades sociais, avaliação de políticas e programas governamentais e gestão pública. Atua principalmente nos seguintes temas: finanças públicas, reforma do Estado, descentralização e poder local, gestão urbana e metropolitana. [email protected]

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A presente edição foi composta em caracteres Adobe Garamond Pro e impressa pela gráfica e Editora Del Rey em Belo Horizonte/MG, em dezembro de 2007.

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