Gestão e controle pós-reconhecimento das Indicações Geográficas

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Descrição do Produto

CAPÍTULO 7

Gestão e controle pós-reconhecimento das Indicações Geográficas Claire Marie Thuillier Cerdan Kelly Lissandra Bruch Delphine Vitrolles

Gestão e controle pós-reconhecimento das Indicações Geográficas

Este capítulo aborda os aspectos relacionados à gestão da IG e ao seu controle. Essa fase de pós-reconhecimento requer muito trabalho e dedicação, especialmente, dos atores locais. Cabe lembrar que essas atividades de gestão e promoção da IG, a priori, não têm fim. Por isso, dizem que uma IG é reconhecida para os que vivem hoje e para aqueles que viverão amanhã na região delimitada. Serão tratadas aqui as questões relacionadas com a administração da entidade representativa, sua relação com os associados ou cooperados, a adesão de novos parceiros, a gestão e promoção da IG, as estratégias de marketing e de divulgação. Distinguem-se na gestão de uma IG, duas facetas. Uma faceta externa que trata da relação do produto e dos produtores com o mundo exterior (fora da porteira): mercados, cadeia produtiva e território. E uma faceta interna (dentro da porteira) que trata da estrutura da associação, o funcionamento interno da associação, o perfil dos associados, o acompanhamento dos processos produtivos, a relação en tre associados, a disciplina e o controle.

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7.1 Gestão externa de uma IG A gestão externa da IG envolve a promoção e a venda do produto nos mercados, que contempla a definição de um mercado alvo, a escolha da forma de distribuição, as atividades de comunicação para a promoção do produto e da região. Após o reconhecimento de uma IG, uma das principais atividades da associação detentora do registro é informar aos consumidores as características específicas do seu produto e suas condições de produção, e a forma de garantia dessas informações. A Tabela 7.1 apresenta exemplos de atividades e instrumentos utilizados na gestão externa de uma IG. Alguns deles serão discutidos em detalhe posteriormente.

Exemplos de atividades inseridas na gestão de uma IG Tema

Metas

Identificar os seus mercados

Comercialização do produto

Escolher a forma de comercialização (individual ou coletiva)

Quem faz?

Associação e sócios, Estudo de cadeia produtiva / Desenho rico Definição do conceito do produto e da estratégia de venda Estudos de mercado

Fixar o nível de preço

Realização de estudo de mercado por terceiros

Associação e sócios,

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Escolher os circuitos de distribuição (convencionais ou alternativos)

Atividades / instrumento

Associação e sócios, Definição de um plano de comunicação / promoção Elaboração / distribuição de folders e receitas

Promoção do produto

Educar e sensibilizar os consumidores

Programa de formação dos garçons de restaurante, e dos varejistas

Associação e sócios

Promoção de eventos (unidades de produção, abertas ao público para visita e degustação) Participação em outros eventos regionais, feiras

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Identificar e articular atividades complementares

Promoção do território

Distribuição de folders explicativos sobre o produto e a região

Associação e sócios,

Promoção de Eventos (inter setoriais, inter municipais) Rotas temáticas Museus, ecomuseus

Oferta territorial de um conjunto de bens e de serviços

Associação e sócios, Participação nos Fóruns de desenvolvimento local

Tabela 7.1 – Fonte: Cerdan (2009)

A comercialização do produto IG Uma das inovações importantes trazida pela IG é a sua dimensão coletiva. Os membros da associação se reúnem e definem não só as regras coletivas de produção e/ou de transformação, mas também as regras de comercialização. Eles têm duas opções: a venda individual (cada produtor por sua conta) e a venda coletiva, que requer, às vezes, a formação de uma cooperativa. Quando se quer vender um produto, precisa-se identificar o mercado alvo (quem vai consumir o produto?) a situação de uso (em que ocasião este produto vai ser consumido?) os pontos fortes e fracos do produto em relação aos outros produtos concorrentes do mesmo nível. Os representantes de uma IG vão ter que se posicionar coletivamente no que diz respeito a esses diferentes aspectos. Em geral, essas questões já foram abordadas no processo de elaboração do pedido de registro e do regulamento de uso. Mas é importante voltar ao assunto e reconsiderar o seu posicionamento em relação a evolução de produtos concorrentes. A comercialização das IG necessita de certos cuidados e uma reflexão para a definição de uma estratégia de venda pelos produtores e representantes da organização. Cabe salientar que, na definição de regras coletivas, observa-se comumente um salto de qualidade dos produtos e com isso, uma necessidade de reorientação da estratégia de venda, do público alvo e de canais de comercialização. Verificamos, no Capítulo 1, que os produtos alimentares com IG estão inseridos no movimento geral da segmentação dos mercados. Eles podem

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estar presentes em vários segmentos de mercados ao mesmo tempo, como evidenciados na Tabela 7.2. Essa tabela apresenta os diferentes destinos de três IG: o queijo Pelardon des Cevennes (queijo de cabra-França), os vinhos do Vale dos Vinhedos e carne do Pampa Gaúcho (Brasil). Logicamente, o volume de produção interfere na estratégia de comercialização do produtor – quando o volume é pequeno, o produtor pode optar por vender a sua produção diretamente para os consumidores e/ou nas feiras locais. Os produtores maiores podem optar por mercados mais distantes (redes de supermercados ou lojas especializadas dos centros urbanos).

Os destinos e mercados alvos de três IG Produto

Tipo de produtores

Queijo Cabra Pelardon

Produtores artesanais

(França)

Produtores médios e indústrias

Carne do pampa Gaúcho

Produtores

(Brasil)

(Brasil)

Lojas especializadas

Redes de supermercados nacionais

Grandes e médios Cantinas “familiares” de médio porte

CAPÍTULO 07

Vale dos Vinhedos

Venda direta, feiras

Cantinas de médio e grande porte (familiares ou multinacionais)

Tabela 7.2 - Fonte: Cerdan (2009) a partir de Boutonnet et al. (2004) e Vitrolles (2006).

Verificamos que, nos casos das IG brasileiras, os produtores de carne do Pampa Gaúcho e do café do Cerrado Mineiro optaram pela comercialização coletiva. O Café do Cerrado, através de uma cooperativa (CACCER) e a Carne do Pampa, a venda para um único intermediário (frigorífico). A APROVALE - Associação dos Produtores de Vinhos Finos do Vale dos Vinhedos - optou por uma comercialização individual (cada empresa vinícola), mobilizando o uso da IP, agora também da DO, e de sua marca. Observa-se que a comercialização coletiva torna-se necessária para poder se manter num mercado que exige maior volume e disponibilidade do

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produto o ano todo. Além de facilitar o escoamento do produto, comercialização coletiva permite realizar economia de escala e diminuir os custos de produção. Vários produtos, a partir de um determinado volume de produção, exigem espaço e/ou equipamentos com custos onerosos de estocagem e seleção (frutas in natura), de maturação e envelhecimento (queijos, vinhos). Nesse caso, uma parte das operações é realizada de forma coletiva. Em certos casos, as organizações podem optar por manter as duas formas de comercialização: individual e coletiva. Parte dos produtores se junta para realizar o processo de produção e comercialização, enquanto outros continuam produzindo e comercializando de forma individual. Neste caso, os produtos são frequentemente diferenciados, seja a partir do uso de uma marca, seja a partir de outrosou outras representações figurativas (etiqueta diferente) como é o caso do Reblochon (queijo Francês) (Figura 7.1). A inclusão de uma pastilha comestível durante o processo de fabricação, na superfície do queijo (antes da maturação), permite diferenciar um produto procedente da cooperativa ou da indústria, do produto artesanal. Essas distinções tendem a segmentar mais ainda o mercado, inserindo todos os tipos de produtores (do pequeno produtor artesanal à indústria de médio ou grande porte).

Figura 7.1 - Pastilhas de cor para diferenciar Reblochon (queijo Francês)1 Fonte: http://www.reblochon.fr/le-connaitre/le-reconnaitre/8/index.html Acesso realizado em 16 abr. 2014.

Cabe salientar que o preço de um alimento é submetido à lei da oferta e da procura e à disponibilidade do consumidor em pagar um preço mais elevado (nível de satisfação). Entretanto, as organizações têm a liberdade de regular o preço ou de fixar um valor mínimo permitindo absorver os custos maiores de uma certificação ou do processo diferenciado de produção.

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A Figura 7.2 apresenta um estudo comparativo de cincos queijos franceses com AOC e evidencia uma grande variação de preço do leite ao nível do produtor. Para o queijo Beaufort, os produtores recebem um preço 90% maior do que o produtor de leite comum, enquanto os produtores de leite para o queijo AOC Brie de Meaux devem se contentar com um aumento de 5 %. A Figura 7.3 compara o diferencial de preço entre duas IG com o preço do azeite de oliva comum. Nota-se um diferencial de preço entre os azeites de qualidade e azeite de oliva comum. Cabe salientar que entre dois azeites com IG (de boa qualidade organoléptica), pode ser observado um diferencial de preço de venda. Através desses resultados, evidencia-se a capacidade das organizações de construir uma oferta diferenciada, de promover o seu produto, de redistribuir o valor agregado nos diferentes níveis das cadeias produtivas.

CAPÍTULO 07

Figura 7.2 - Variações do preço do leite pagos aos produtores entre 5 queijos AOC (França) - Fonte: Dupont (1999). 2

Figura 7.3 - Comparação das evoluções dos preços de dois azeites de oliva AOC do preço médio de azeite de oliva sem IG na França – Fonte: Mollard et al. (2005). 3

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Promoção do produto O sucesso de uma IG depende do seu reconhecimento pelos consumidores. Um dos grandes desafios das associações locais é definir estratégias de comunicação adequadas para poder atingir o seu público ou um nicho de mercado claramente definido. Para isso, as associações podem utilizar vários instrumentos e ferramentas como abertura de um site na internet para apresentação dos produtos; difusão de informações e atualidades, elaboração de folders ou fichas impressas detalhando o processo de produção, divulgar receitas e distribuí-las em locais de venda como redes de supermercados e lojas especializadas, entre outros. Com material de divulgação as associações podem fazer visitas regulares a restaurantes, hotéis, empresas e outros clientes potenciais, para informar e promover o seu produto. Todas essas atividades podem ser distribuídas entre os membros da associação. Além das atividades conduzidas pelos próprios associados, a participação em feiras, eventos locais, regionais, nacionais e internacionais, salões profissionais (exemplos, Expovinis Brasil para os vinhos, Feira Internacional de Couro de Novo Hamburgo, Feira Nacional de Agricultura Irrigada no Nordeste, Festa Anual da Maçã em São Joaquim, Salão da Cachaça, Expocachaça) são interessantes espaços para apresentar o produto e encontrar novos clientes. Abaixo alguns exemplos de feiras e eventos que promovem produtos no Brasil, na França e em Portugal: • “A Expovinis Brasil, considerado o maior encontro de winebusiness da América Latina. Na sua 13ª edição em 2008, recebeu uma delegação de 28 empresas de regiões francesas como Bordeaux, Bourgogne e Champagne. A feira atraiu o interesse de importantes investidores estrangeiros como os grupos de vinícolas da Alemanha (Weinexportkontor Baden Wurttemberg), da Espanha (região de Castilla La Mancha) e dos EUA (representados pela A & M International Wine & Spirits) ao lado dos já tradicionais grupos Pro Mendoza (Argentina), Vins de Provence (França), e de produtores vindos da Itália, Portugal e África do Sul”4. • A tradição do “Boi Gordo da Páscoa” não desapareceu completamente do planalto de Aubrac. (figura 7.4) “Em Laguiole, a apresentação dos bois gordos da Páscoa acontecia no sábado da Paixão, pela manhã, durante a feira. Os animais eram enfeitados de fitas colori-

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das. Cada açougueiro apresentava um ou dois pares de bois. Todos os animais eram recolhidos juntos, o que permitia aos habitantes comparar os animais. A mais bonita parelha de bois era escolhida e assim se dizia: “é o tal açougueiro que apresentou o mais belo boi da Páscoa, e ele foi criado pelo produtor X. Então, na Páscoa, era naquele açougue que os habitantes comprariam um pedaço de carne daqueles bois.”5

Figura 7.4 - O bovino de Páscoa em 2009 em Laguiole – França Fonte: http://www.laguiole-online.com/index/ Acesso realizado em 16 abr. 2014.

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• Em Portugal, há mais de 18 anos, a Alheira de Trás-os-Montes promove a Feira do Fumeiro, apresentando presuntos e outros produtos defumados da região, reunindo mais de 60 mil visitantes (Figura 7.5).

Figura 7.5 - 10ª Feira do fumeiro em 2009 (Portugal) Fonte: http://www.cm-montalegre.pt/showNT.php?Id=889 Acesso realizado em 16 abr. 2014.

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Eventos como esses podem ser organizados em diferentes períodos do ano. Enquanto alguns festejam a colheita de um produto, outros comemoram a época de floração, valorizando a beleza das paisagens naturais ou a chegada da primavera, por exemplo. Esses eventos têm como objetivo difundir o produto, oportunizar o encontro entre produtores, transformadores e consumidores. Além disso, podem ser espaços de sensibilização dos consumidores. Nessa perspectiva, cabe salientar os esforços de órgãos públicos e alguns movimentos sociais como o Slow Food que promovem momentos de educação alimentar e podem ser um interessante local para divulgação do produto. Por exemplo, desde 1990, a Semana do Gosto é aberta a todas as organizações particulares ou públicas de diversas origens (coletividades locais e regionais, escolas hoteleiras, produtores agrícolas, restaurantes...), visando defender o gosto e o patrimônio culinário europeu. (figura 7.6) Os seus objetivos são desenvolver a educação e aprendizado do consumidor, principalmente, daquele mais jovem; apresentar novos gostos e sabores ao maior número possível de consumidores; oferecer uma informação transparente e pedagógica sobre a origem dos alimentos, seu modo de produção e suas qualidades; promover mudanças no comportamento alimentar cotidiano.

Figura 7.6 - As crianças aprendem a cozinhar durante a Semana do Gosto em Zaragoza (Espanha). Fonte: www.antena3noticias.com/PortalA3N/noticia/sociedad/Los-ninos-aprenden-cocinar-Semana-del-Gusto-Zaragoza/3330565 Acesso realizado em 16 abr. 2014.

Outra iniciativa que pode ser interessante é promover a formação de garçons de restaurantes. Em países onde a noção de IG ainda é pouco conhecida, essa ferramenta pode ajudar na difusão do conceito de IG e dos seus produtos.

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Promoção do território Nós verificamos, no Capítulo1, que as mudanças técnicas e organizacionais relacionadas à implementação de uma IG têm resultados positivos e contribuem para a manutenção de pequenos produtores de territórios desfavorecidos ou isolados dos mercados. Entretanto, a questão da durabilidade dessas estratégias permanece aberta: como essas estratégias perduram? Quais são suas contribuições para o estabelecimento de um desenvolvimento territorial sustentável? Até o momento, parece difícil avaliar se as respostas positivas dessas novas formas de organização e produção resultam de uma oportunidade temporária ou se elas representam, realmente, uma estratégia alternativa de desenvolvimento sustentável para as regiões desfavorecidas. Economistas e geógrafos verificam, por exemplo, que a diferenciação pela qualidade de um único produto (azeite de Nyons - França) funciona mais como uma oportunidade temporária para o território. Assim, as estratégias de promoção de qualidade de um produto não descartam definitivamente a concorrência, a substituição ou a imitação possível do produto por outra região ou por outra categoria de produtores 6.

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Entretanto, esses mesmos autores verificaram que a valorização conjunta de produtos de qualidade (IG ou produtos da terra) e de serviços, pode construir um círculo de prosperidade e desenvolvimento territorial. Em duas experiências, no sul do Brasil, de regiões colonizadas por europeus, no final do século XIX (italianos e alemães) e marcadas pela predominância de pequenas propriedades de agricultura familiar, o Vale dos Vinhedos no RS (IG) e Santa Rosa de Lima em SC (produtos orgânicos), verificou-se que a associação de atividades e de serviços demonstrou ser uma forma possível de perpetuar a mudança técnica e de reforçar a fixação territorial das atividades produtivas7. No primeiro caso, os produtores de vinhos souberam construir uma oferta territorializada, associando a produção de uvas e de vinhos a um circuito turístico (rota do vinho), atividades culturais (dança, banda musical, coral), valorização do patrimônio local (paisagem de vinhedos, casas de madeira e de pedras construídas na chegada dos imigrantes italianos). No segundo caso, os produtores propuseram novos serviços relacionados: a formação (agricultores da região e do país), ao estabelecimento de um sistema de recepção e de acolhida na propriedade, proposição de trilhas

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e de eventos de valorização da gastronomia tradicional (GemuseFesta), aos circuitos de distribuição alternativa de produtos orgânicos (entrega de produtos em domicílio) na capital do Estado (Florianópolis). O projeto Gastronomia Sustentável em Paraty é a iniciativa de um grupo de pousa e donos de hotéis e de restaurantes, que buscaram valorizar os produtos oriundos do município de Paraty, produzidos por pequenos produtores. Os produtores de cachaça de Paraty (IP) estão envolvidos nesses projetos (Figura 7.7).

Figura 7.7 Projeto Gastronomia sustentável associando os produtores da Cachaca de Paraty. Fonte: http://www.paraty.com/images/stories/ARQUIVOS/folha_litoral/fl%2074. pdf Acesso realizado em 16 abr. 2014.

Para as associações, realizar eventos, participar de fóruns de discussão ou de planejamento da região são atividades importantes. Elas contribuem para tornar a associação um ator ativo no município e na região, e assim contribuir na defesa de um modelo de desenvolvimento baseado na valorização dos recursos locais e na promoção de produtos de qualidade. Assim, pode ser consolidada uma imagem de excelência e de qualidade na região, o que serve diretamente ou indiretamente aos interesses dos produtores da IG.

7.2 Gestão interna de uma IG Nós estudamos, no Capítulo 5, que o sucesso de uma Indicação Geográfica está fundamentado na sua legitimidade e na sua credibilidade. A IG está

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baseada na capacidade de seus representantes fornecerem um produto com uma tipicidade e qualidade constantes para o consumidor. Portanto, não basta ter uma estratégia de marketing muito elaborada, torna-se necessária uma gestão interna responsável para evitar derivas e fraudes. Vamos abordar esses aspectos agora, instituindo a questão do controle. Sobre gestão, serão abordadas questões relacionadas à administração da entidade representativa, sua relação com os associados ou cooperados e a adesão de novos parceiros. Destacam-se quatro funções de gestão interna: a. participar na elaboração do regulamento de uso, orientar os associados para aplicá-lo e participar na organização do controle; b. manter atualizada a lista dos associados; c. implementar as decisões dos órgãos governamentais responsáveis; d. escolher como deve ser avaliado e aplicado o controle

Relação entre a entidade e seus associados Embora possa se tratar de uma questão evidente, a relação entre a entidade representativa e os associados deve ser baseada na participação ativa e na confiança. CAPÍTULO 07

Está claro que uma IG cujo estatuto da associação, o regulamento interno e o regulamento de uso foram elaborados por um grupo certamente, terá problemas para que esses sejam aplicados e aceitos pelos demais produtores. Isso porque estes atos precisam ser elaborados e validados em conjunto. Todos os participantes precisam estar cientes e conscientes das responsabilidades que estão assumindo. E isso só ocorre se todos participarem dessa elaboração. Aqui não se trata apenas de uma validação formal. Pois, se após o início das atividades os participantes perceberem que há coisas (normas, regras, atividades) das quais não tinham conhecimento, haverá uma ruptura da confiança entre esses e a entidade. Assim, a participação colaborativa deve ser sempre incentivada, mesmo que seja bem mais difícil do que uma proposta pronta dos documentos apresentada em uma assembleia geral. Os resultados desse trabalho serão compreendidos no longo prazo, na manutenção sólida da IG.

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Além disso, a colaboração não funciona com a imposição, seja de regras, seja de responsabilidades. A explicação e o convencimento serão sempre as melhores estratégias para a união do grupo.

Relação entre os associados Essa questão também pode parecer óbvia, mas a prática mostra que a “união faz a força”. Isso quer dizer que todos os associados deverão se sentir parceiros e responsáveis, colaborando mutuamente para o crescimento coletivo e valorização da IG como um todo. Não adianta uma empresa do grupo se destacar e simplesmente deixar as outras para trás. Neste sentido, a palavra de ordem é a união, o entendimento de todos: os titulares da IG e, portanto, os verdadeiros “fiscais” do seu uso correto, não podem ser taxados de “dedos duros”, mas sim dos zeladores da IG, com objetivo claro de preservar um patrimônio que é coletivo e que não se constrói “da noite para o dia”. Visto que, a possibilidade de detecção de uma fraude poderá arruinar a imagem de todos os associados da IG. Além disso, o uso incorreto ou mesmo produtos que não têm direito à IG também poderá denegrir a imagem IG, passando ao consumidor a visão de que “qualquer produto” pode usar o nome geográfico. Além disso, o uso constante por “todo o mundo” pode fazer com que uma IG se torne genérica, ou seja, que se torne sinônimo do nome do produto. Em suma, a relação numa IG deve ser de parceria e confiança. No entanto, eventuais sanções devem ser aplicadas pelo não cumprimento dos compromissos assumidos. Sem isso não há uma associação!

Adesão de novos associados A entrada de novos parceiros, associados, colaboradores, deve ser motivo de alegria e comemoração, pois demonstra que a IG está fazendo a diferença! Por se tratar de um bem coletivo, a IG não pertence somente à associação e seus associados. Assim, todos os produtores residentes na região, que cumpram o regulamento de uso, elaborando um produto característico e representativo da IG, também são seus titulares. Neste sentido, a adesão de novos associados ou mesmo um pedido para um terceiro venha a ser “controlado” pela associação, devem ser bem vindos e corretamente conduzidos, para que o respeito à IG se estabeleça e a ideia da propriedade coletiva se concretize.

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7.2.1 Controle No que tange ao controle, serão tratadas as questões relacionadas à implementação do controle da IG, nas suas diferentes modalidades, como este deve ocorrer, quem deve participar, como garantir transparência e tratamento igualitário, necessidade de participações externas, problemas oriundos da implementação do controle, desaprovação de produtos, desrespeito ao regulamento de uso, sanções internas decorrentes, questões relacionadas a terceiros que estejam instalados na área, mas não participam da entidade representativa, etc. No Capítulo 5 apresentamos três tipos de controles que podem ser utilizados em uma IG: controle externo, controle interno e auto-controle. Cada um desses sistemas exige formas distintas de planejamento e implementação. a. Controle externo O controle externo pode ser o mais fácil de ser implementado, visto que, em regra, conta com uma estrutura externa capacitada e acreditada. Entretanto, torna-se uma atividade com custos, pois o trabalho a ser realizado precisa ser pago pela Entidade Representativa e, consequentemente, pelos participantes da IG. O controle externo possibilita uma maior credibilidade da IG, pois é feito por quem não tem nenhum interesse direto na comercialização do produto. CAPÍTULO 07

O que muitos países da União Europeia têm feito, até agora,8 é conjugar um controle externo de um órgão oficial com controles internos. Esse controle do órgão oficial deve ter a garantia de isenção e imparcialidade, valores necessários para que se garanta a especificidade de uma IG. Em resumo, o que se verifica em países como a França, por exemplo, é o controle exercido por diversos órgãos governamentais, cada um em sua área, para garantir os pontos que são considerados mais relevantes: origem da matéria-prima controle exercido por órgão semelhante à Receita Federal brasileira); atendimento às regras fitossanitárias e sanitárias (controle pelo INAO, órgão do Ministério da Agricultura francês); e atendimento ao caderno de normas (controle pelo Comitê Interprofissional, que é uma espécie de Associação ou Sindicato que reúne todos os produtores e comerciantes da região, cuja participação, em geral, é obrigatória (taxa de participação compulsória e definida por lei). Essa estrutura pode ser observada, por exemplo, na região de Champagne-França.

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b. Controle interno O controle interno implica na atuação da própria Entidade Representativa. Em regra, ela é organizada por um órgão específico da entidade, que tem o papel de fazer o controle e a gestão (conjunta ou separadamente) da IG. Nem sempre a Entidade Representativa se resume apenas à gestão da IG. Essa forma é adotada, por exemplo, em três IG brasileiras (Vale dos Vinhedos, Pampa Gaúcho da Campanha Meridional e Paraty), conforme será visto mais detalhadamente nos Capítulos 9 e 10. Um dos problemas a ser verificado, neste caso, é a parcialidade do órgão de controle, pois é formado dentro da Entidade que, por sua vez, é composta pelos próprios produtores e prestadores de serviços. No entanto, na Espanha, por exemplo, isso não é visto como um problema, porque se entende que os maiores interessados em ter um bom controle são os próprios participantes da IG. Eles estão conscientes que os produtos irão ao mercado utilizando o mesmo sinal distintivo e, caso ocorra algum problema, este poderá se estender a todos. Nas IG Rioja e Jerez, existem uma grande campanha para participação como conselheiro dirigente da Entidade Representativa. Essa disputa é tão importante e tão levada a sério que chega a lembrar as eleições municipais. Com isso, os “eleitos” devem fazer um bom trabalho para toda a região, e serão cobrados por qualquer problema que venha a acontecer.9 Vale ressaltar que nessa forma de controle, a lógica é que este seja devidamente penalizado, conduzido à correta utilização ou proibido de fazê-la. O que nem sempre é fácil de executar na prática. c. Auto-controle O auto-controle, ao contrário do que muitos afirmam, não é o controle da Entidade Representativa, mas sim o controle que o próprio produtor faz sobre sua produção. Esse é o mesmo controle observado na maioria das grandes empresas, porque sem padrões internos a serem respeitados, a respeitabilidade pela marca da empresa pode ser comprometida. Esse auto-controle, certamente, não pode ser o único a ser utilizado em uma IG. Colocá-lo em prática entre os participantes, como uma forma de “boa prática de fabricação”, por exemplo, certamente auxiliará na reputação da IG como um todo.

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Exemplo prático de implementação do controle Como a legislação brasileira atual não determina qual deve ser o tipo de controle, nem os critérios mínimos a serem seguidos, nesse espaço pretende-se apresentar uma forma prática de planejar e executar a implementação do controle. Como exemplo, utilizaremos a forma adotada pela IP Vale dos Vinhedos10. O objetivo é mostrar uma interessante forma de Controle Interno que vem tendo bons resultados desde sua implementação. No Capítulo 9, iremos tratar novamente dessa IP, de forma mais específica. A primeira coisa a se levar em consideração é o Regulamento de Uso. É com base neste que será realizado todo o controle. Assim, ressalta-se que, quando da elaboração desse regulamento de uso, sejam especificadas regras passíveis de serem seguidas pelos produtores e prestadores de serviço e, acima de tudo, que sejam passíveis de serem controladas. De nada adianta um regulamento de uso sofisticado, com mais de 200 páginas, se o que é pretendido controlar não está sendo contemplado ou é passível de uma grande análise subjetiva. Quanto mais objetivo e preciso, quanto mais simples, mais fácil será o controle e, por consequência, sua implementação. O regulamento de uso do Vale dos Vinhedos tem os seguintes tópicos11: CAPÍTULO 07

a) Produção de uva: restrita à área de produção autorizada; apenas as cultivares autorizadas; regras para produção de uva, produtividade de uva limitada em 150 hectolitros de vinho por hectare; vinificação de uvas com 14º Babo11 para uvas brancas e de 15º para uvas tintas. São regras objetivas que podem ser controladas. De que forma essas regras podem ser controladas? Aqui entra uma conjugação do controle interno com o auto-controle. Mas como se verifica a procedência da uva, a produtividade de um vinhedo e o grau babo da uva, por exemplo? Nesse caso, para um vinho que se pretende ter a identificação da IP, se faz a rastreabilidade documental da origem do produto. Ou seja, a vinícola apresenta as notas dos produtores rurais, nas quais constam a origem da uva (qual município, linha e lote), sua variedade, quantidade, rendimento por hectare e grau de açúcar. Junto a estas notas se apresenta um documento com um resumo da procedência de todas as uvas, conforme Figura 7.8.

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Figura 7.8 - Ficha de controle da procedência da Uva do Vale dos Vinhedos Fonte: Aprovale (2009).

Para confrontar essas informações, há um cadastro de todos os produtores de uva do Vale dos Vinhedos e assim, pode-se verificar se, efetivamente, o produtor rural tem condições de produzir a referida quantidade de uvas. Além disso, como regra, as uvas de melhor qualidade são pagas pela quantidade de açúcar, não há como dispor o grau na nota fiscal, posto que será por esta que o produtor rural será pago. Além disso, no caso particular do vinho, especialmente no Rio Grande do Sul, há o cadastro vitivinícola (conhecido como Sisdeclara), que pode auxiliar, caso seja necessário, na confrontação de dados. Todos os produtores de uva e vinho do Estado são obrigados a preenchê-lo e são submetidos à fiscalização estadual (Secretaria da Agricultura) e federal (Ministério da Agricultura) em função das informações nele apresentadas. Vale ressaltar que, mesmo assim, não se consegue fazer um controle absoluto. b) Elaboração do vinho: tipos específicos de produto; proveniência de 85% da uva, no mínimo, da área geográfica delimitada; todo processo de produção, engarrafamento e envelhecimento na região delimitada; padrões de identidade e qualidade química dos produtos; padrões de identidade e qualidade organoléptica dos produtos. Esses também são itens objetivos. Quando da solicitação de produtos a serem analisados, apenas serão amostrados os produtos que seguiram o Regulamento de Uso. A proveniência da uva será comprovada, conforme já explanado, sendo permitido que até 15% venham de outras regiões (deverá ser devidamente comprovado).

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Para o teste dos padrões químicos e organolépticos, uma certa quantidade de amostras de cada lote é enviada ao Conselho Regulador. Todas as amostras serão identificadas por um número, com o lacre conforme mostra a Figura 7.9:

Figura 7.9 - Lacre dos produtos a serem submetidos à análise - Fonte: Aprovale (2009).

Em um caderno específico é anotado o número da amostra e sua origem. Apenas o responsável pelo controle no Vale dos Vinhedos tem acesso a esse caderno. A partir do registro, as amostras são identificadas pelo número e toda avaliação química e organoléptica se faz com base nesse número, sem que seja possível a identificação da vinícola de origem. (figura 7.10)

CAPÍTULO 07

Figura 7.10 -– Etiqueta que acompanha a amostra para análise - Fonte: Aprovale (2009).

Inicialmente, são feitos os testes químicos, para verificar se o produto cumpre os padrões de identidade e qualidade estabelecidos no regulamento de uso. Aos produtos reprovados, nessa primeira fase, é vedado o uso da IG. Os aprovados seguem para os testes organolépticos, nos quais são verificados a cor, o aroma e o gosto do vinho. No decorrer dos anos, foram sendo reunidos e consolidados os aspectos organolépticos que devem estar presentes, e que devem ser observados. Todos esses quesitos são avaliados por uma comissão mista, composta por pessoas que fazem parte do Vale dos Vinhedos e por agentes externos, como pesquisadores da Embrapa. Esse teste se dá no laboratório da Embrapa Uva e Vinho de Bento Gonçalves. Trata-se de um teste de degusta-

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ção às cegas, o que quer dizer que ninguém sabe de quem é o produto que está sendo analisado. Isso garante a imparcialidade na análise. Isso não significa que todos os vinhos são ou devam ser idênticos. Pelo contrário, cada um tem uma tipicidade que depende da criatividade e do trabalho do enólogo de cada vinícola. Mas há padrões mínimos, como cor, limpidez, aromas mínimos, etc, que devem, necessariamente, estar presentes em todos os vinhos, o que garante a identidade, sem torná-los idênticos. Para realizar esse controle, há uma ficha específica (Figura 7.11) que deverá ser preenchida por cada um dos degustadores que procedem ao exame organoléptico.

Figura 7.11 - Ficha de análise organoléptica - Fonte: Aprovale (2009).

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Vale ressaltar que o produto passa duas vezes por esse teste. A primeira quando ele é proposto como vinho com direito a IP. E a segunda quando ele, após o envelhecimento, encontra-se pronto para ser comercializado. Isso é feito para garantir que não houve uma má evolução no envelhecimento do vinho na cantina. c) Rotulagem: Por fim, os produtos que tiverem sido aprovados em todas as etapas terão direito ao uso de um selo de controle (Figura 7.12) que é numerado e fornecido a cada vinícola, na quantidade correspondente aos vinhos submetidos à análise e aprovados. Destaca-se que não se trata de um “selo de certificação” ou um “selo de garantia”, como erroneamente se denomina, mas um selo de controle, que poderá ser utilizado para identificar a exata procedência do vinho e, inclusive, a procedência das uvas utilizadas para a sua elaboração. Além deste selo, deve estar presente, no rótulo principal a expressão “Vale dos Vinhedos Indicação de Procedência”. Tanto o selo, quanto essa expressão são estabelecidos pelo regulamento de uso desta IP e não são estabelecidos ou exigidos pelo órgão que concede o registro. Todo o trabalho depende da seriedade da IG, do Conselho Regulador e dos próprios participantes, os quais devem ter em vista que a IP é um patrimônio de toda a coletividade da região, e deve ser preservado e defendido de práticas anti-concorrenciais e desleais. CAPÍTULO 07

Figura 7.12 - Selo de Controle da IP Vale dos Vinhedos - Fonte: Aprovale (2009).

Como funcionam a gestão e o controle das IG em outros países? Para entender como as IG funcionam em outros países, apenas como exemplo, escolhemos a Espanha. Deve-se primeiramente levar em conta que se trata de um país com características peculiares em termos de divi-

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são de competências entre o “Estado” e as “Comunidades Autônomas”. Isso quer dizer que, no caso específico de IG para produtos agropecuários, há uma lei nacional, com caráter geral, e cada Comunidade Autônoma tem a opção de estabelecer regras específicas. Essa particularidade faz com que existam várias formas de gestão e controle das IG na Espanha. Além disso, há duas leis nacionais que regulam o tema. Para vinhos e derivados a lei em vigor é Ley de la Viña e del Vino nº 24/2003. Já para os demais produtos agropecuários, a lei em vigor é o Estatuto del Vino de 1970. Além disso, a aplicação dessas normas deve respeitar os regulamentos europeus que tratam do tema. Para produtos agroalimentares, é o Regulamento do Parlamento e do Conselho Europeu n. 1151/2012. Para bebidas espirituosas, é o Regulamento do Parlamento e do Conselho nº 110/2008. Para vinhos é o Regulamento do Parlamento e do Conselho Europeu n. 1308/2013 e o Regulamento da Comissão no 607/2009. Depois de tudo, ainda há as leis das comunidades autônomas. Em regra geral, ou seja, conforme a legislação nacional espanhola citada, uma IG é considerada um signo distintivo de titularidade pública. O titular é a Comunidade Autônoma, no caso da IG se localizar somente dentro de seu território, ou do Estado, se a IG se localizar em mais de uma região. Os produtores têm um direito de uso da IG, e seu uso somente pode se dar se estes cumprirem os regulamentos de uso estabelecidos para cada IG. As IG são criadas a partir da demanda de um agrupamento de produtores à Comunidade Autônoma. Esta, juntamente com os produtores e os técnicos relacionados com o produto – em regra das Secretarias da Agricultura da Comunidade Autônoma específica e do Ministério da Agricultura espanhol – fazem o levantamento dos dados necessários para a comprovação da existência dessa IG – especialmente, as questões relacionadas com o histórico, tradição e cultura da região, a delimitação geográfica e as especificidades do produto. A partir disso é elaborado o regulamento de uso e, uma vez aprovado, é publicada uma norma da Comunidade Autônoma, a qual, posteriormente é “confirmada” pelo Estado Espanhol. Depois disso, cria-se um organismo de gestão. No caso de uma IG, esse é o nome que ele terá. No caso de uma DO ou DOC este pode se chamar, também, de Conselho Regulador. Este organismo de gestão deve ter representantes das partes que estão envolvidas no processo de elaboração do produto (são os chamados interprofissionais), em regra, de forma paritária. No caso do vinho deve haver representantes dos produtores de uva e

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dos produtores de vinho. Um mesmo organismo pode gerir mais de uma IG ou DO ou DOC. Além disso, este organismo deve se constituir em uma pessoa jurídica, que pode ser de direito público ou privado, ou seja, pode ser uma corporação de direito público (esta figura jurídica não existe no Brasil) ou uma associação de direito privado. Todavia, há muitas regras de direito público que se impõem a sua atuação, posto que se trata de uma responsabilidade que vai além da gestão de uma marca, por exemplo. Além disso, sua criação deve ser autorizada pela Comunidade Autônoma ou pelo Estado Espanhol. E todas as suas decisões devem ser publicadas, como se efetivamente se trata de um órgão público.

CAPÍTULO 07

Vale ressaltar que a Ley de la Viña y del Vino de 2003, separou o controle de uma IG da sua gestão. Se antes era o Conselho Regulador que era responsável por tudo, hoje o controle deve ser hermeticamente separado. Neste sentido, o controle pode se dar por: um organismo público, um órgão de controle ligado ao Conselho Regulador, mas sem qualquer dependência hierárquica deste, ou um organismo independente de controle ou de inspeção. Em todos os casos, estes deverão respeitar uma regra comunitária denominada «EN 45011», que equivale à «ISO/IEC Guide 65» (Requisitos gerais para organismos de certificação de produtos). O resultado da certificação realizada por esse órgão de controle é enviado à Administração Pública responsável, que a partir deste toma a sua decisão de permitir ou não o uso da IG no produto. E é a Administração Pública que aplica qualquer sanção em caso de um produtor infringir alguma regra relacionada à IG. No caso de se tratar de um organismo independente de inspeção que respeita a regra «EN 45004», seu parecer não é controlado pela administração pública. Os membros do organismo de controle ou Conselho Regulador são indicados ou eleitos segundo as leis de cada Comunidade Autônoma. No caso, por exemplo, da Comunidade Autônoma da Catalunha, a Lei do Vinho Catalão determina que o Conselho Regulador seja formado por uma Comissão de Lideranças (“Rectora”) e pelo Presidente, sendo que a Comissão é composta em regime de paridade por representantes dos produtores de uva e representantes dos elaboradores de vinho, os quais são eleitos por voto universal, livre, direto, igual e secreto entre todos os membros inscritos nos registros do Conselho Regulador, além de haver também representantes de técnicos do Instituto Catalán de la Viña y del Vino. Por fim, no caso de o Conselho Regulador optar por constituir um organismo de controle, este deverá estar separado da gestão e sua atuação deverá se dar sem dependência hierárquica, nem administrativa em relação

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ao Conselho Regulador. Além disso, devem ser garantidas independência e inamovibilidade dos controladores, por um período mínimo de seis anos, sendo que esses devem ser escolhidos pela Administração Pública competente, dentre técnicos independentes, indicados pelo Conselho Regulador.13

Apoio técnico Dentro das suas funções de gestão, a entidade representativa tem o dever de apoiar tecnicamente os produtores. Isso pode se traduzir como uma assistência técnica coletiva e/ou personalizada. O objetivo desse apoio é orientar o produtor para que ele consiga se adequar ao regulamento de uso, numa lógica trivalente: respeito ao padrão produtivo, melhoria da qualidade e aumento do controle da produção. Para responder às expectativas dos produtores, a entidade pode organizar degustações coletivas, implementar cursos de capacitação, participar de eventos locais, regionais, nacionais e até internacionais. Ou seja, a função de apoio técnico é ser uma ferramenta de transmissão dos conhecimentos, de incentivo à aprendizagem e de melhoria das condições de produção. A organização de degustação (livre ou às cegas), por exemplo, é uma oportunidade a mais para o produtor conhecer e avaliar o seu próprio produto e dos seus parceiros. Já explicamos a importância desse tipo de avaliação no Capítulo 5. A degustação é um exame válido para qualquer produção. A participação ativa dos produtores transforma a relação dele com o seu produto. Não é mais uma crítica de um especialista ou de uma pessoa externa ao processo de valorização - o produtor se torna o avaliador. O contato com especialistas, por exemplo, pode trazer muitas vantagens para o conjunto de produtores da IG. No caso do Vale dos Vinhedos, os pesquisadores auxiliam tanto no manejo dos parreirais, quando na análise organoléptica dos produtos submetidos à IP. No caso do Pampa Gaúcho da Campanha Meridional, há um veterinário especificamente para avaliar as carcaças dos animais. Além disso, é essencial que a entidade representativa proponha cursos de capacitação aos produtores. A finalidade desses encontros, além de fortalecer o significado de uma indicação geográfica, pode ser debater e divulgar o regulamento técnico, responder às dúvidas dos produtores, conhecer outras IG nacionais e internacionais, pontos críticos do controle, etc. Além dos cursos de capacitação, a entidade representativa tem a possibilidade de incentivar as trocas de informação entre produtores, seja dentro da própria IG, seja com outras IG brasileiras ou mesmo estrangeiras.

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Financiamento ou Custos A questão do custo de implementação e manutenção é fundamental na vida de uma IG. As pesquisas para comprovar a notoriedade ou delimitar a área de produção, as despesas ligadas ao pedido de registro até o acompanhamento, após reconhecimento, são etapas da vida da IG com custos nada negligenciáveis. Geralmente, os associados pagam uma taxa de entrada na entidade e uma mensalidade. Essa participação, geralmente, não basta para cobrir os custos da IG. Hoje em dia, várias instituições públicas fomentam o reconhecimento de uma IG, por meio de programas de divulgação e de promoção desses signos distintivos ou de contribuições técnicas e/ ou financeiras ao longo do processo de reconhecimento, incluindo apoio à organização dos produtores, realização de curso de capacitação e realização de estudos históricos, sociais ou técnicos. Conheça mais os serviços do MAPA com relação as indicações geográficas. Consulte o seguinte endereço eletrônico: http://www.agricultura. gov.br/ Acesso realizado em 16 abr. 2014.

7.2.3 Dificuldades e problemas relacionados à gestão CAPÍTULO 07

Após o reconhecimento da IG, muitas ações ficam sobre a responsabilidade da entidade representativa.

Dificuldades e problemas do sistema de controle Dentre os problemas e as dificuldades que se pode encontrar, na prática, no controle de uma IG, verifica-se que os mais importantes são aqueles que podem denegrir a imagem do produto e da região. O uso indevido do nome, um controle não sério, o uso de práticas desleais pelos próprios participantes da IG são, geralmente, os maiores problemas. A dificuldade está em como resolvê-los e como administrá-los. Isso porque, acima de tudo, a Entidade Representativa é o conjunto de todos os seus componentes. Se um associado age de maneira inadequada, a própria Entidade precisa possuir um mecanismo que possibilite a punição deste de forma efetiva, para que se preserve a IG. Mas isso não é fácil porque, na prática, os componentes da IG são os vizinhos, amigos. Como puni-los?

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Como denunciá-los? Serão apresentadas, agora, algumas situações concretas que encontram (ou não) formas legais de resolução. Mas, na prática, isso é complicado, pois não são apenas problemas jurídicos, mas políticos, sociais e econômicos. a. O titular e seus direitos A primeira questão que se levanta é: Quem é o titular de uma IG? E a segunda: Quais são os direitos que o titular ou usuário de uma IG possui? A Lei 9.279/1996, nos artigos 176 a 182, não aponta o titular nem explicita quais direitos lhe são conferidos. Interpretando as disposições aplicadas às demais figuras dos direitos de propriedade industrial, tais como as patentes (artigo 42 da Lei 9.279/1996) e as marcas (artigo 130 da Lei 9.279/1996), e considerando as figuras que a lei estabelece como crimes contra as IG (artigos 192 a 194 da Lei 9.279/1996), pode-se concluir, em um primeiro momento, que há o direito de impedir que um terceiro, sem consentimento, utilize a IG em seus produtos ou serviços, incluindo-se nisso o nome e os demais sinais figurativos que a distinguem. Com relação ao titular desse direito, deixemos para buscar uma resposta mais ao final. b. O terceiro Da definição desse direito, surge o problema de saber quem é esse terceiro. E muitas situações concretas para buscar a definição de quem é e quem não é o terceiro que se encontra impedido de utilizar a IG. Primeira situação: alguém não se encontra instalado na região delimitada pela IG e utiliza o seu nome, embora não produza nem preste serviço nela. Neste caso, ele pode ser considerado o terceiro impedido de utilizar a IG, pois pode se aplicar o tipo penal descrito no artigo 192 da Lei nº 9.279/1996, posto que se está diante de uma FALSA Indicação Geográfica. Assim sendo, o que se pode fazer? Apresentar uma queixa-crime (já que se trata de uma ação penal privada e não de uma ação a ser movida pelo Ministério Público) ou impetrar uma ação cível de busca e apreensão, combinada com reparação de danos, com base na concorrência desleal. Ressalta-se que não há previsão legal de qualquer ingerência do poder público para tutelar este tipo de situação, que ocorre com frequência. Vale ressaltar, que só pode utilizar no Rótulo o nome da Indicação de Procedência aquele que tenha o seu endereço realmente com este nome.

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No caso, embora a “IP Vale dos Vinhedos” abranja parte dos municípios de Bento Gonçalves, Garibaldi e Monte Belo, somente quem se encontra situado no distrito do Vale dos Vinhedos, que faz parte apenas o município de Bento Gonçalves, pode utilizar como endereço o nome “Vale dos Vinhedos”. Segunda situação: Mas se esta mesma pessoa utiliza um termo retificativo, como ‘tipo’, ‘espécie’, ‘gênero’, ‘método’, ‘idêntico ao’, Vale dos Vinhedos, ela estaria infringindo a lei? Segundo o artigo 193, ela apenas estaria contrária à lei se não ressalvasse a VERDADEIRA procedência do produto ou serviço. Ou seja, facilmente poderia esta pessoa se utilizar da IG, desde que ressalvada a verdadeira origem! E isso para qualquer produto ou serviço, o que se mostra um verdadeiro problema. Todavia, vale ressaltar que o TRIPS determina, em seu artigo 23, que para vinhos e bebidas destiladas é vedado o uso de termos retificativos. Contudo, o Brasil permite o uso destes termos, tanto na Lei nº 9.279/1996 – Lei de Propriedade Industrial, artigo 193, quanto na Lei nº 7.678/1988 – alterada pela Lei n° 10.970/2004 Lei do Vinho, artigo 49, parágrafo 2º, contrariando o acordo firmado.

CAPÍTULO 07

Em suma, hoje é possível utilizar no Brasil, em qualquer produto, o nome de uma Indicação Geográfica, seguida de ‘tipo’, por exemplo, se for ressaltada no rótulo a verdadeira origem. Embora, fique claro, isso possa implicar um ato de concorrência desleal e punição como tal. Terceira situação: Um terceiro utiliza em sua marca comercial o nome da IG. Isso é permitido perante a lei? Segundo o artigo 194, isso é possível, desde que a procedência seja verdadeira. Ou seja, se alguém que produz vinhos no Vale dos Vinhedos tiver registrado uma marca que contenha este nome, poderá utilizá-lo, posto que a procedência não é falsa. Apenas ocorreria o crime tipificado no artigo 194 se alguém de outro lugar utilizasse em sua marca comercial o nome geográfico. Para esta situação, há um caso concreto bastante ilustrativo. A cidade de Garibaldi, na Serra Gaúcha, é conhecida por produzir excelentes espumantes. Embora não haja uma IG depositada ou reconhecida no Instituto Nacional da Propriedade Industrial até o presente momento, pode-se considerá-la como tal. Todavia, a Cooperativa Vinícola Garibaldi Ltda. possui duas marcas, registradas no INPI, denominadas Garibaldi, sob números 007111410 e 007061897, ambas na classe 33 (para bebidas alcoólicas, segundo a classificação de marcas), desde 22/07/1974, nas categorias nomi-

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nativa (só o nome Garibaldi) e mista (nome + grafia especial). Fora isso, há mais dois registros concedidos (mas para outras classes de produtos) e dois pedidos requeridos com a palavra “Garibaldi”. Neste caso, localizando-se a cooperativa no município de Garibaldi, ela não está indicando uma falsa procedência. Além disso, a cooperativa possui esta marca desde 1974. Se Garibaldi fosse reconhecido como IG para espumantes, como ficaria o uso dessa marca? Seria possível reconhecer essa IG? Essas questões não encontram resposta legal até a presente data. O que poderia se imaginar é uma possível convivência entre a marca e a IG. Na União Europeia, a resposta seria mais clara: como há uma prevalência legal declarada da IG sobre as marcas, ou esta marca seguiria conviven- do com a IG ou o titular teria que deixar de usá-la, conforme se pode verificar nos Regulamento do Parlamento e do Conselho Europeu n. 1151/2012 – para produtos agroalimentares, no 110/2008 – para bebidas destiladas e o Regulamento do Parlamento e do Conselho Europeu n. 1308/2013 – para vinhos. c. ‘Na carona’ de possíveis titulares... Quarta situação: outra situação que se tem verificado é a possibilidade de um terceiro, que se encontra na região delimitada, utilizar o nome protegido, mas não fazer parte da associação que requereu o seu reconhecimento. Neste caso, estaria esse terceiro violando os direitos de um possível titular? Segundo o artigo 182, o “uso da indicação geográfica é restrito aos produtores e prestadores de serviço estabelecidos no local, exigindo-se, ainda, em relação às denominações de origem, o atendimento de requisitos de qualidade.” Se o uso é restrito a quem se encontra estabelecido no local, pode-se depreender disso que esse uso se estende a todo aquele que se encontra estabelecido nesse local. Desta forma, o uso, perante a lei, não seria proibido. E isso tem ocorrido com muita frequência. O maior problema desse uso, que se dá sem que o usuário se submeta ao controle instituído para a IG, é o risco de tornar esse termo genérico e de perder a sua distinguibilidade e mesmo a credibilidade perante o consumidor. Bem, se esse terceiro usa a IG sem autorização da Entidade Representativa e não está infringindo norma legal, poder-se-ia concluir, respondendo à pergunta inicial, que a entidade representativa não é a titular do direito, mas sim toda a coletividade que se encontra instalada no local. Ou, ainda, que não há um titular desse direito (já que a lei não o indicou), mas apenas existe um direito de uso da IG para aqueles que se encontram na região?

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Na União Europeia, de maneira geral, não há um titular do direito sobre a IG, pois essa é entendida como um instituto de direito público. Desta forma, o que existe é uma licença / autorização para o uso do nome geográfico se o usuário se submeteu e foi aprovado pelos instrumentos de controle, que são geridos, como já foi explicado, em parte, pelo poder público e em parte pelo Comitê Interprofissional. Quem não segue esse rito comete crime de ação penal pública, com pena severa, além de perda dos produtos e uma pesada multa. Nos Estados Unidos da América, a situação é exatamente o oposto: podese registrar uma marca, que pode ser coletiva ou de certificação, com o nome geográfico, e o titular desta permite a quem cumprir o regulamento o uso dessa nos produtos certificados. É um direito privado sobre uma marca geográfica. No Brasil, tem-se entendido, de maneira geral, que se trata de um direito privado, mas com um titular não muito claro, cujo gestor é a pessoa jurídica que requereu o reconhecimento. Todavia, poucos instrumentos concretos e eficazes foram postos à disposição desses gestores, que também exercem a função de controladores do sistema. E isso tem criado muitas dificuldades. Como proibir, por exemplo, um membro da entidade representativa a utilizar em seus rótulos o nome ‘Vale dos Vinhedos’, no caso? Não é falsa Indicação de Procedência! CAPÍTULO 07

Na biblioteca virtual, você encontrará o artigo da Kelly Bruch que trata das dificuldades e problemas das IG brasileiras: BRUCH, Kelly. Os problemas concretos das IG brasileiras. Jornal A Vindima - O Jornal da Vitivinicultura Brasileira, Flores da Cunha, RS, p. 17 - 19, 01 out. 2008.

Dificuldades na gestão humana De fato, podem surgir diversas dificuldades de gestão humana que podem atrapalhar a vida da entidade representativa da IG. Estas podem se traduzir em conflitos entre os produtores da entidade; problemas de disciplina - da participação nas reuniões até o não respeito às normas (em termo de produção ou controle); entrada de novos e saída de associados; descontentamento, etc. São problemas que serão encontrados em qualquer entidade associativa, que precisam ser gerenciadas com bom senso pelo secretário, gerente ou

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diretor executivo, cujas ações devem ser tomadas, todavia, com base no apoio dos associados.

Dificuldade para controlar os impactos da implementação da IG Um dos primeiros impactos que pode afetar a implementação de uma IG é um aumento de demanda após o seu reconhecimento. Por que seria problemático? Uma questão a ser considerada é compreender qual seria a reação dos produtores se a demanda for superior à oferta. Nesse caso, três oportunidades se oferecem aos produtores: deixar o consumidor e o mercado com sentimento de carência, aumentar o volume de produção com uma melhoria da produtividade ou integrar outros produtores na área delimitada. a. A ausência do produto durante um determinado período no mercado é discutível. Pois as leis da oferta e da demanda de um produto são cruéis. Um produto ausente dos mercados geralmente vai ser substituído por outro na mesa do consumidor. b. O aumento no volume de produção, é importante levar em consideração os fatores ambientais e sociais. Deve-se ter cuidado com o aumento da produtividade e as consequências ambientais que podem advir: o objetivo não é empobrecer o solo nem acabar com os recursos naturais. c. Aumentar a produtividade ou definir uma ação voltada a integração social na área social ou na área delimitada? Esta última poderá ser uma boa solução. Existem produtores fora do projeto da IG que poderiam se adequar às regras e integrar o processo. Essa última opção, vetor de desenvolvimento territorial, também pode ser considerada como um fator de sucesso socioeconômico da IG, junto à luta contra exclusão, o cumprimento da demanda dos mercados com uma distribuição mais equilibrada da renda no território. Todavia, existem diferentes maneiras de trabalhar com essa questão. A DO de Champagne, por exemplo, faz um rígido controle de mercado, ou seja, a Entidade Representativa (que no caso é um Comitê Interprofissional formado paritariamente por produtores de uva e produtores de vinho) determina, anualmente, quando deverão ser colhidas as uvas, qual a quantidade, qual será o preço das uvas, quanto deverá ser produzido de vinho,

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quanto irá ao mercado e quanto ficará estocado. Assim, o Champagne foge das intempéries do mercado, pois sempre há um estoque para suprir uma demanda maior, mas não o suficiente para permitir a baixa dos preços. Desta forma, enquanto se encontram vinhos com DO no mercado francês, por um ou dois euros, dificilmente se encontrará um Champagne por menos de 15 euros.

Dificuldades técnicas Várias dificuldades técnicas podem, potencialmente, surgir após o reconhecimento oficial de uma IG. Lembramos que o reconhecimento de uma IG é só um primeiro passo. O desafio seguinte é conseguir produzir, respeitando a codificação das normas estabelecidas pelo regulamento de uso e se manter no mercado. Nas quatro primeiras IG reconhecidas no Brasil, podem ser evidenciados alguns problemas na aplicação das normas do Regulamento de Uso. Em geral, dois problemas têm surgido: a) regulamento de uso com normas muito rigorosas a serem cumpridas e b) falta de matéria-prima para atender a demanda em face da necessidade de se cumprir este mesmo regulamento.

CAPÍTULO 07

Com relação ao rigor, pode-se vislumbrar que alguns associados, que poderiam se beneficiar da IG, não conseguem cumprir as normas, em face destas se apresentarem muito restritivas. Trata-se de uma hipótese que já se verificou no caso do Cerrado Mineiro e do Pampa Gaúcho da Campanha Meridional. No primeiro caso, por ser um café de especialidade, o Café do Cerrado Mineiro é avaliado segundo um método americano: para poder utilizar a IP e justificar as características sensoriais, os cafés devem ser pontuados acima de 75 pontos pela metodologia SCAA (Specialty Coffee Association of América). Os cafés entre 50 e 74 pontos, na metodologia SCAA, são os denominados “cafés rastreados”14, sem direito ao uso da IP. Todavia, deve-se destacar o rigor desse sistema. Poucos produtores, hoje, conseguem chegar a esse nível de qualidade. Algo semelhante ocorreu com os produtores de carne do Pampa Gaúcho da Campanha Meridional. Para ter certeza que ninguém iria reivindicar ou alegar a falta de diferenciação do produto (carne), foram estabelecidas normas muito rigorosas. Hoje, apesar de atuar sobre uma área de mais de

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1,2 milhão de hectares, a Apropampa não consegue abater muitos animais por semana que se enquadrem nos critérios da IG Outra dificuldade técnica deve ser avaliada: o desvio do regulamento. Uma grande possibilidade desse abuso ocorrer é dar em função da falta de matéria-prima. No caso do Vale dos Vinhedos, 85% da matéria-prima deve ser proveniente da área delimitada. E se a uva de variedades Vitis vinifera produzidas na região não for suficiente para atender a demanda? No caso do Pampa Gaúcho da Campanha Meridional, o gado não pode receber ração durante o último ano antes do abate. Mas, se ocorrer uma grande seca? Se um inverno muito rigoroso tivesse consequências gravíssimas sobre a perda de peso do gado, não poderia se autorizar os produtores a complementarem a alimentação com ração? Provavelmente, a falta de matéria-prima deveria ser tomada em conta. Conforme está definido no regulamento de uso, essa dificuldade técnica poderia ser contornada ou levar os produtores a descumprir o regulamento de uso. No caso da cachaça de Paraty, a cana-de-açúcar deverá, em sua integralidade, proceder da área delimitada a partir de 2012. Hoje, grande parte da matéria-prima vem de fora da região delimitada. E se a meta não puder ser cumprida? Novas perspectivas: Todavia, deve ser ressaltado que o Poder Executivo, na junção de esforços de um grupo interministerial do qual o MAPA é parte integrante, está atento aos problemas e dificuldades apresentados pelo atual marco legal das IG. Desta forma, um Projeto de Lei – PL está sendo elaborado pelo Governo Federal que vai suprir as lacunas apresentadas ao longo desse curso. Quais problemas e dificuldades uma IG, a entidade representativa e seus produtores poderão encontrar após a sua concessão?

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Resumo

Neste capítulo, foram abordados a gestão e o controle de uma IG após o seu reconhecimento formal. Foi tratada, primeiramente, a gestão externa, ou seja, a relação desta com o mercado, a promoção e comercialização dos produtos, a promoção do território e os problemas e dificuldades encontrados para seu uso e reconhecimento perante o mercado. Após, trata-se da gestão interna da IG, que aborda a relação entre os associados e a associação, novos associados, e a realização do controle dos produtos para que estes tenham o direito de uso do sinal distintivo da IG. Especificamente, são tecidas considerações sobre a implementação do controle dos produtos, utilizando-se como exemplo a prática adotada pelo Vale dos Vinhedos. Discute-se, também, temas relacionados ao apoio técnico e gestão do financiamento da IG. São apresentadas as principais dificuldades e problemas encontrados na gestão da IG como um todo.

CAPÍTULO 07

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Notas 1.

A cor vermelha (esquerda) indica que o queijo é afinado e vendido por cooperativa ou indústria. A sua produção é feita a partir de leite oriundo de vários produtores. O selo verde (direita) identifica um queijo elaborado apenas por um produtor a partir da sua própria produção de leite. Os dois produtos estão vendidos com selos da IG.

2.

DUPONT, 1999

3.

DUPONT, 1999

4.

Gonçalves, 2009

5.

BRISEBARRE, 1998

6.

MOLLARD ET AL, 2005

7.

CERDAN ET Al, 2009

8.

As regras mudaram completamente após o Regulamento 510/2006, 479/2008 e 110/2008.

9.

LÓPEZ BENÍTEZ, 1996.

10. A forma ilustrada no presente capítulo, a título de exemplo, é a utilizada para a Indicação de Procedêcia Vale dos Vinhedos. Com a concessão da Denominação de Origem Vale dos Vinhedos, deve-se ressaltar que alguns procedimentos, bem como alguns requisitos referentes ao regulamento de uso, foram modificados em face da especificidade desta. 11. O critério de controle utilizado para medir o grau glucométrico (teor de açúcar), é o da escala de graus Babo, que representa a percentagem de açúcar existente em uma amostra de mosto (caldo da uva), ou em escala de graus Brix, que representa o teor de sólidos solúveis totais na amostra, 90% dos quais são açúcares. Esta medida pode ser feita diretamente no vinhedo, com a ajuda de um equipamento de bolso chamado refratômetro. 12. LÓPEZ BENÍTEZ, Mariano. Del Estatuto del vino a las leyes del vino: um panorama actual y de futuro de la ordenación vitivinícola en España. Madrid: Civitas, 2004. Rever numeração abaixo LÓPEZ BENÍTEZ, Mariano. Las denominaciones de origen.

266

Barcelona: CEDECS, 1996. Espanha. Ley de la Viña e del Vino no 24/2003. 13. ESPANHA. Estatuto del vino de 1970. EUROPA. Regulamento do Parlamento e do Conselho Europeu n. 1151/2012. EUROPA. Regulamento do Parlamento e do Conselho no 110/2008. EUROPA. Regulamento do Parlamento e do Conselho Europeu n. 1308/2013. EUROPA. Regulamento da Comissão no 607/2009. 14. CACCER. 2009.

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