Gestão metropolitana: A polarização da metrópole e as consequências da falta de integração da RMC.
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Gestão metropolitana: A polarização da metrópole e as consequências da falta de integração da RMC. Caroline Moriya Direito à Cidade e Gestão Urbana – Constança Camargo Resumo Este artigo se trata de uma pesquisa acadêmica que busca avaliar o trabalho
realizado pela gestão metropolitana da Região Metropolitana de Curitiba (RMC) de
forma periodizada, através de pesquisa qualitativa que abrange a formação do órgão
gestor até o presente momento e as consequências de cada período. A análise das consequências de cada período da gestão metropolitana permitiu identificar as
consequências da falta de uma gestão plena para alguns municípios da RMC, principalmente aqueles que possuem relação direta com o polo como é o caso dos municípios que integram o Núcleo Central Urbano.
Palavras-chave: Região Metropolitana. Gestão Plena. Gestão Interfederativa.
Metodologia A pesquisa a ser realizada neste trabalho pode ser classificada como
exploratória, pois busca hipóteses sobre a relação de integração entre os municípios da Região Metropolitana de Curitiba e suas consequências. Quanto à metodologia utilizada
nesta pesquisa foi feita a opção pelo método histórico e qualitativo para avaliar a gestão metropolitana da RMC desde sua criação até o presente momento, para explicar o
contexto de formação a RMC e quais as políticas metropolitanas que foram adotadas neste período. Para isso foi realizada pesquisa bibliográfica e documental acerca do
assunto e foram realizadas entrevistas abertas aos profissionais que participaram da elaboração dos planos regionais.
Arquiteta e Urbanista graduada pela PUC-PR (2012).
Introdução Entre as décadas de 50 e 70 houve a intensificação da urbanização brasileira
especialmente nas maiores capitais do país, o que impulsionou o processo de metropolização. Conforme relatório do Observatório das Metrópoles, a metropolização
gerou dinâmicas de concentração e difusão dos artefatos econômicos, políticos, sociais e culturais em determinados aglomerados territoriais. A partir do regime militar, o
governo resolveu endossar esse processo de metropolização. Iniciaram-se grandes incentivos para o desenvolvimento econômico do Brasil através do Plano Nacional de
Desenvolvimento (PND) 1, que tinha como objetivo principal preparar a infraestrutura necessária para o crescimento econômico, porém, sem levar em consideração as especificidades de cada região. Neste contexto foram instituídas as primeiras regiões metropolitanas brasileiras2.
O processo de metropolização teve início nos grandes centros urbanos e, como
consequência, ocorreu o crescimento dos territórios das capitais sobre os municípios limítrofes. Para Rosa Moura (2003, p. 34):
Ao longo das décadas da segunda metade do século passado, essas metrópoles
estenderam-se por áreas contínuas de ocupação, agregando municípios vizinhos num mesmo complexo de relações, configurando densas regiões urbanizadas,
nas quais o célebre padrão de crescimento populacional dos polos, que passaram a assumir seletivamente funções mais qualificadas, cedeu lugar ao crescimento elevado de municípios periféricos, constituindo espaços nitidamente desiguais.
Estes espaços desiguais, característicos das regiões metropolitanas brasileiras,
demonstram que somente a política voltada ao desenvolvimento econômico,
característica da época da ditadura militar, não foi suficiente para que ocorresse o real desenvolvimento do país, pois esse crescimento veio acompanhado de forte inflação, O PND foi instituído pela Lei 5727/71 e tinha como objetivo aprovar as diretrizes e prioridades preparar a infraestrutura necessária para o desenvolvimento do Brasil nas décadas seguintes, com ênfase em setores como transportes e telecomunicações, além de prever investimentos em ciência e tecnologia e a expansão das indústrias naval, siderúrgica e petroquímica. 2 As primeiras regiões metropolitanas foram criadas através da Lei Complementar 14, de 8 de junho de 1973. 1
aumento da dívida externa, impactou a população de modo desigual e ajudou a disseminar a desigualdade socioterritorial na escala urbano-regional.
Além disso, após a redemocratização e a Constituição de 1988, houve um
enfraquecimento das relações das escalas políticas das regiões metropolitanas (RM) devido à maior autonomia política relegada aos municípios, entendida como o fim do
centralismo do governo nacional e o início da redemocratização do país. Este
enfraquecimento político-institucional da Região Metropolitana, aliado à competição entre os municípios por atração de investimentos de capital, desencadeou o fim de um
planejamento integrado e o fim de ações públicas integradas. Para Raquel Rolnik
(2000, p.86), “predominou um municipalismo individualista voltado essencialmente para
uma competição destruidora e excludente”. A competição por investimentos – inserida no ideário do planejamento estratégico - passou a ter prioridade no lugar das políticas
públicas voltadas aos aspectos socioeconômicos proeminentes, típicos da sociedade brasileira.
Apesar de desejável, a autonomia dos municípios trouxe muitos prejuízos no que
concerne à gestão metropolitana. Portanto, a escala metropolitana, por envolver diversos municípios e diversos atores, necessita de uma recentralização da gestão
metropolitana, porém sem invalidar a autonomia municipal, valorizando a cooperação entre os municípios em torno de interesses e problemas comuns e configurando um processo de Gestão Plena.
Conforme o Estatuto da Metrópole3, Gestão Plena é a condição de Região
Metropolitana ou Aglomeração Urbana que possui formalização e delimitação mediante
lei complementar estadual, estrutura de governança interfederativa própria e plano de
desenvolvimento integrado (PDUI), também aprovado mediante lei estadual. No caso da Região Metropolitana de Curitiba (RMC), apesar da atualidade do tema da
governança interfederativa no novo Estatuto, a busca por uma gestão compartilhada é A Lei 13.089, de 12 de janeiro de 2015, instituiu o Estatuto da Metrópole e estabelece diretrizes gerais para o planejamento, a gestão e a execução das funções públicas de interesse comum em regiões metropolitanas e em aglomerações urbanas instituídas pelos Estados, normas gerais sobre o plano de desenvolvimento urbano integrado e outros instrumentos de governança interfederativa, e critérios para o apoio da União a ações que envolvam governança interfederativa no campo do desenvolvimento urbano 3
antiga. Houve esforços do corpo técnico da Coordenação da Região Metropolitana de Curitiba (COMEC) para que a governança urbana fosse atingida.
O presente artigo é uma pesquisa acadêmica e tem como principais objetivos
analisar os avanços e retrocessos da gestão metropolitana da Região Metropolitana de Curitiba, identificar os interesses comuns entre seus municípios e indicar possíveis
caminhos para a implantação de um processo de gestão plena, baseada na literatura acerca da análise da gestão da RMC em diferentes períodos e na experiência de outras regiões metropolitanas.
A pesquisa se divide em quatro seções, a primeira seção descreve o
desenvolvimento da gestão metropolitana da RMC e seus avanços e retrocessos, a
segunda seção compreende a questão da integração e desintegração entre os municípios da RM em estudo através de uma análise da situação das questões setoriais, a terceira seção expõe os instrumentos do Estatuto da Metrópole e levanta questionamentos sobre o atual arranjo institucional da RMC e a quarta seção detalha dois casos de arranjos institucionais metropolitanos brasileiros.
1- Região Metropolitana de Curitiba: períodos da gestão e atual configuração. A Região Metropolitana de Curitiba foi instituída pela Lei Complementar Federal
14 de 1973 e foi originalmente formada por 14 municípios: Curitiba, Almirante Tamandaré, Araucária, Balsa Nova, Bocaiúva do Sul, Campina Grande do Sul, Campo Largo, Colombo, Contenda, Mandirituba, Piraquara, Quatro Barras, Rio Branco do Sul e São José dos Pinhais.
A partir da década de 90, iniciaram os primeiros desmembramentos de
municípios já presentes na RMC e também a inclusão de novos municípios na Região Metropolitana de Curitiba: Fazenda Rio Grande, Tunas do Paraná, Itaperuçu e Pinhais. Entre 1994 e 2011 foram adicionados a RMC outros municípios: Cerro Azul, Doutor
Ulysses, Quitandinha, Tijucas do Sul, Adrianópolis, Campo Magro, Agudos do Sul e Lapa, conformando então o atual território da RMC com 29 municípios.
Na Lei Complementar 14/1973 foi prevista a criação de dois conselhos para cada
Região Metropolitana: um Conselho Deliberativo, formado pelo governo do Estado e pequenas participações de alguns municípios, e um Conselho Consultivo, formado pelo restante dos municípios pertencentes a cada região metropolitana.
A configuração
destes Conselhos reafirma o caráter centralizador da gestão metropolitana adotado nas RM´s naquele período.
Em 1974, o Estado do Paraná criou a Coordenação da Região Metropolitana de
Curitiba (COMEC) para coordenar as ações de interesse público e planejar soluções conjuntas para as necessidades da RMC. Em 1975 foi criado o Fundo Nacional de
Desenvolvimento Urbano, que provia recursos para os programas de desenvolvimento urbano em regiões metropolitanas e cidades de porte médio.
Desde a criação da COMEC, pode-se interpretar que o processo de gestão da
RMC foi marcado por períodos definidos de atuação caracterizados por alterações no
perfil do órgão metropolitano e, consequentemente, na integração intermunicipal.
Conforme entrevista com Valter Fanini4 é possível dividir o processo de gestão da RMC em quatro períodos distintos.
A primeira fase está compreendida entre a criação da Região Metropolitana de
Curitiba e o início dos anos 80. Nesse período houve a transição institucional do IPPUC
e Conselhos para os Conselhos e Órgão Metropolitano, a COMEC, e foi elaborado o
primeiro Plano de Desenvolvimento Integrado para a região em estudo, cujas estratégias eram a contenção do espraiamento da RMC e a promoção de novos polos atrativos com o intuito de desconcentrar a capital. Segundo o engenheiro civil Valter Fanini,
os
principais objetivos
desta
primeira
gestão
metropolitana
eram a
desconcentração do eixo Rio/São Paulo, numa escala nacional, e a desconcentração da metrópole e investimentos nas cidades periféricas das RM´s, numa escala local.
As premissas territoriais do primeiro Plano de Desenvolvimento Integrado (PDI)
foram o estímulo ao crescimento urbano e à ocupação industrial sobre as regiões a Graduado em engenharia civil pela UFPR, com pós-graduação em Administração Pública pela FGV e mestrado em Desenvolvimento Econômico pela UFPR, engenheiro civil aposentado pela COMEC. 4
oeste e sul da Capital, respectivamente, a manutenção da dinâmica rural ao norte e a preservação ambiental a leste, conforme o mapa a seguir. MAPA 01 Vetores de crescimento urbano conforme PDI de 1978 – RM de Curitiba
Fonte: COMEC (2006), IPARDES / Elaborado por: Caroline Moriya
Para Fanini, os principais legados desta fase inicial foram: o PDI de 1978, a
infraestrutura viária de transporte público e a formação do corpo técnico da COMEC. Porém, devido ao objetivo principal da época estar centrado no desenvolvimentismo e ao caráter tecnocrático, as questões e as políticas sociais ficaram em segundo plano.
Ele destaca que, apesar de todos os investimentos realizados entre as décadas
de 60 e 70, a crise econômica da década de 80 fez com que os projetos da primeira gestão metropolitana da RMC e do PDI de 1978 não fossem finalizados devido à falta de subsídios.
A segunda fase vai do início dos anos 80 até o ano de 1990. Neste período
houve o reordenamento político e a criação de uma nova ordem constitucional, conforme o arquiteto e urbanista Carlos Hardt (2008, p.13):
Pela primeira vez acontece a mudança de governo por eleições diretas. Em
ambas as esferas de governo, o partido de oposição venceu as eleições,
iniciando um novo período, com ajustes institucionais e administrativos que, de
um lado, valorizaram paradigmas que tiveram, em relação à metodologia de planejamento, iniciativas para sua alteração, notadamente com a valorização da participação popular em todo o processo de planejamento.
Além disso, a partir da Constituição de 88, houve o enfraquecimento político
institucional dos entes metropolitanos devido à maior autonomia relegada aos
municípios, iniciando uma competição entre estes para a atração de investimentos de
acordo com o ideário do planejamento estratégico. Os municípios passaram a ter participações mais significativas na receita fiscal, o que representou a ampliação de recursos para políticas públicas municipais.
Para Valter Fanini, neste momento há o enfraquecimento da entidade
metropolitana em contraposição às administrações municipais. Em termos, sob o aspecto territorial houve avanços na infraestrutura e no transporte público e no controle da expansão urbana metropolitana da RMC.
MAPA 02 – Evolução da RIT entre 1979 e 1991
Fonte: URBS
O terceiro período começa em 1991 e vai até o ano de 2003. Este recorte
apresenta um momento de revalorização da questão metropolitana no seu início e um
momento sinuoso ao fim do período. Algumas funções, como o gerenciamento dos serviços de transporte e do sistema viário regional, passaram a ser delegadas pela COMEC. Porém, em 1996, a RIT passa a ser gerenciada pela empresa Urbanização de
Curitiba S/A, a URBS, sendo centralizada a gestão em Curitiba, o que pode ser visto como um retrocesso na gestão de transportes metropolitana.
A URBS é uma empresa de economia mista, dotada de recursos técnicos e
financeiros próprios, e tem como função, segundo a Lei 12.597/2008, atuar no planejamento, gerenciamento, operação e fiscalização dos serviços de transporte e na
administração e comercialização do uso dos equipamentos urbanos e espaços públicos.
MAPA 03 – Situação da RIT em 1996
Fonte: URBS
Além disso, houve uma alteração dos espaços destinados à ocupação
industrial para a região leste da RMC sobreposta então às áreas cuja premissa original
do PDI de 1978 era a preservação ambiental em função da presença dos mananciais de abastecimento, acarretando conflitos em relação à questão ambiental.
MAPA 04 – Alteração dos vetores de crescimento urbano da RMC no período entre 1991 e 2003
Fonte: COMEC / IPARDES
Elaborado por: Caroline Moriya
Em análise feita pela geógrafa Olga Firkowski (2002, p.90): É possível verificar que os complexos de produção flexíveis têm em comum o fato de estarem às margens de importantes rodovias e muito próximos do Contorno Metropolitano. Ressalta-se ainda a facilidade de acesso ao Porto de
Paranaguá, bem como ao Aeroporto Internacional Afonso Pena, que tem tido
grande destaque do ponto de vista da localização dos novos complexos industriais.
Neste período o modelo de planejamento estratégico passa a ser adotado por
várias cidades na América Latina. Este modelo tem como objetivo atingir níveis de
“qualidade urbana” que justifiquem a instalação de novos empreendimentos na cidade, o que explica a alteração de posicionamento das indústrias na RMC, a instalação de novas montadoras, início de grandes projetos urbanos como a Linha Verde, entre
outros. Ou seja, é possível verificar que há investimentos e esforços públicos para a atração de investimentos privados, como a sobreposição industrial à área de preservação em função da infraestrutura rodoviária existente, prevalecendo o interesse econômico.
Para Carlos Vainer (2002, p.75): O trono deixado vazio pela derrocada do tradicional padrão tecnocrático-
centralizado-autoritário está o do chamado planejamento estratégico. O modelo vem sendo difundido no Brasil e na América Latina pela ação combinada de diferentes agências multilaterais (BIRD, Habitat) e de consultores internacionais,
sobretudo catalães, cujo agressivo marketing aciona de maneira sistemática o sucesso de Barcelona.
Neste contexto, a gestão metropolitana da RMC realizou alguns planos de
investimentos, como o BIRD III5, BIRD IV e o PIRMIC6.
Segundo Valter Fanini, a
COMEC manteve o poder de controle da expansão urbana metropolitana utilizando a
Lei Federal sobre Parcelamento do Solo Urbano e os códigos ambientais contemporâneos a ela que surgiram neste período, deixando como principais legados o controle da expansão urbana metropolitana e os investimentos na infraestrutura viária e no transporte público.
Em 1994, o então governador Roberto Requião transformou a COMEC em
autarquia vinculada à Secretaria de Estado do Planejamento. Conforme dados da COMEC, a Lei Estadual 11.020 alterou a composição do Conselho Deliberativo, criou a
Diretoria de Transporte Metropolitano e estabeleceu um organograma funcional para a
5 6
BIRD, Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento PIRMIC, Programa de Investimentos para a Região Metropolitana de Curitiba
Secretaria Executiva, transformando em departamentos as áreas de produção técnica e administrativa do órgão.
No entanto, conforme dados da COMEC, a Lei não modificou o caráter de
institucionalidade do órgão
metropolitano.
Foi mantido
o processo decisório
fundamentado no Conselho Deliberativo que, por sua vez, manteve a mesma distribuição de cadeiras entre os representantes do poder estadual e do poder
municipal. O órgão metropolitano permaneceu atrelado administrativa e financeiramente ao poder executivo estadual, assim como os demais elos institucionais permaneceram inalterados.
Segundo a COMEC, durante a segunda metade do terceiro período foi
instituída a Lei 12.248/98 que criou o Sistema Integrado de Gestão e Proteção dos Mananciais da RMC.
Na fase que vai de 2003 até o presente momento, houve a elaboração e a
conclusão do segundo PDI no ano de 2006 e a implantação do Programa de Integração dos Transportes Metropolitanos. No que diz respeito à gestão metropolitana, é possível
perceber o enfraquecimento da COMEC como entidade metropolitana devido ao esvaziamento do seu corpo técnico. Em fevereiro de 2015, houve a desintegração
parcial da RIT: o Tribunal de Contas do Paraná identificou problemas na composição tarifária, comprovação de cartel e problemas contratuais com a URBS.
Desde a época da implantação da RMC, no governo militar, a formação e as
responsabilidades dos Conselhos Deliberativo e Consultivo da RMC permanecem os
mesmos até hoje. Conforme Fanini, conclui-se que falta na RMC uma entidade metropolitana de fato e de direito para conformar uma Gestão Plena.
Além disso, com o fim da Ditadura Militar se esperava que além dos
investimentos
para
atração
de
indústrias
e
mercados,
também
ocorressem
investimentos em políticas sociais de saúde, cultura, segurança, educação e habitação,
mas os esforços mais expressivos realizados a partir da década de 90 tinham como objetivo principal investimentos voltados à atração de novos mercados e não o planejamento e execução de políticas públicas.
Um importante indicador da falta de atenção às políticas sociais foi o ingresso de
Curitiba na lista das 50 cidades mais perigosas do mundo de acordo com o estudo da
ONG mexicana Conselho Cidadão para a Segurança Pública e Justiça Criminal (2014), e conforme dados do IBGE e Secretaria de Segurança do Estado, a RMC apresenta uma proporção de taxa de homicídios violentos maior que a de São Paulo.
Segundo dados da Secretaria de Segurança do Estado e do IBGE, a localização
das regiões mais violentas na RMC está a sudoeste, sudeste e noroeste, nas quais vive
a população de menor renda. Nestas regiões há menos infraestrutura e segundo dados do Atlas de Desenvolvimento Humano nas Regiões Metropolitanas Brasileiras, há menor Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM). MAPA 05 - IDHM da RMC
Fonte: PNUD (2014)
Conforme a arquiteta e urbanista Madianita Nunes da Silva (2014, p.69): Até o final da década de 1980 reproduziu-se na metrópole de Curitiba o mesmo fenômeno de periferização da pobreza observado nas demais cidades brasileiras ao longo do século XX, no qual a crescente população de baixa renda passou a
habitar as periferias precárias e distantes, e os mais abastados as áreas centrais
e com infraestrutura. Tal fenômeno deu origem a uma estrutura espacial similar à
formada na maior parte das metrópoles brasileiras, derivada do padrão centroperiferia.
A
partir
dos
dados
analisados
é
possível
verificar
desigualdades
socioeconômicas entre a capital e seu entorno, aferindo-se também a falta de homogeneidade no tratamento das políticas públicas da região metropolitana.
Após análise dos períodos da gestão metropolitana da RMC e seus avanços
e retrocessos, é possível verificar que apesar de todos os avanços na tentativa de integração da Região Metropolitana de Curitiba, através do transporte, avanços jurídicos
e
esforços
da
COMEC,
persistem
conflitos
sociais,
ambientais
e
socioeconômicos, comprovando a falta de atenção as políticas sociais na gestão metropolitana da RMC.
2- A falta de integração intermunicipal, a polarização de Curitiba e os PDI´s. Conforme pesquisa realizada pelo Observatório das Metrópoles, é possível
verificar que a integração metropolitana ocorre de fato entre Curitiba e os municípios
pertencentes ao Núcleo Urbano Central (NUC). Os demais municípios oficialmente
pertencentes à RMC, por uma série de razões – distância, base econômica, grau de urbanização, falta de acessibilidade, entre outros – possuem baixa integração com Curitiba e, inclusive, não integraram as principais premissas de planejamento dos PDI´s elaborados para a RMC.
O NUC é formado pelos municípios de Almirante Tamandaré, Araucária,
Campina Grande do Sul, Campo Largo, Campo Magro, Colombo, Curitiba, Fazenda Rio Grande, Itaperuçu, Pinhais, Piraquara, Quatro Barras, Rio Branco do Sul e São José
dos Pinhais. Além de possuírem maior integração entre eles, conforme dados da COMEC, estes municípios têm as maiores taxas de crescimento populacional.
MAPA 06 – NÍVEIS DE INTEGRAÇÃO À DINÂMICA DA METROPOLIZAÇÃO
Devido aos processos de integração e desintegração metropolitana entre os
municípios do NUC serem mais evidentes e a abrangência dos PDI´s se restringir a
estes mesmos municípios, para a pesquisa deste artigo serão avaliadas as questões
setoriais do recorte territorial do Núcleo Urbano Central. Para analisar a integração
intermunicipal se faz importante avaliar as consequências das políticas setoriais
adotadas na RMC, como a habitação, o transporte público, destinação final dos resíduos sólidos, abastecimento de água, entre outras.
A Região Metropolitana de Curitiba concentra 31,38% da população total do
estado do Paraná7, e é responsável por 43,72% do PIB estadual8. Contudo, a RMC possui em sua conformação grandes disparidades socioeconômicas.
Conforme Moreira, Leonelli e Neto (2012, p.48), ‘’apesar de as metrópoles
serem frequentemente associadas ou quase sinônimas à capacidade de geração de
riqueza, conhecimento e inovação, são os problemas sociais que efetivamente dão a
tônica às características metropolitanas: estas representam o lócus preponderante dos problemas sociais’’.
É possível visualizar grandes desigualdades socioespaciais na RMC: a
capital concentra grande quantidade de equipamentos urbanos, comércio e serviços,
enquanto algumas cidades do entorno como Colombo, Piraquara, Almirante
Tamandaré, Campina Grande do Sul e São José dos Pinhais consolidaram-se como cidades-dormitório, conforme análise feita por Esteves, Kornin e Nagamine (2014) para o IPEA.
Para os autores, a evolução da ocupação urbana na Região Metropolitana
de Curitiba, entre as décadas de 50 e 80, constitui-se de um processo marcado pela crescente
periferização
da
metrópole.
Além
disso,
eles
destacam
que
as
transformações territoriais de uso e ocupação do solo verificadas nesta grande área
metropolizada, embora repitam a mesma lógica das dinâmicas oriundas do desenvolvimento capitalista, expressam uma nítida e intensa fragmentação territorial e transparente segregação social, ao lado de espaços com características bastante homogêneas.
MAPA 07 – EVOLUÇÃO DA EXPANSÃO URBANA DA RMC 1955-2000
7 8
Fonte IPARDES (2015)http://www.ipardes.gov.br/perfil_municipal/MontaPerfil.php?codlocal=921&btOk=ok Fonte IPEA (2010) http://www.ipea.gov.br/redeipea/images/pdfs/governanca_metropolitana/rel1_1_rmc.pdf
Em relação ao planejamento territorial da RMC, apesar da existência de dois
PDI´s, na prática ocorre a falta integração nos planos diretores de cada município, pois
existem manchas urbanas contínuas nos limites do Núcleo Urbano Central, que se perdem devido aos diferentes zoneamentos previstos em cada plano diretor. Além disso, persiste uma lógica de produção do espaço mercadológica, que segrega
socialmente o território metropolitano e acarreta graves problemas sociais, como a falta
de acesso à moradia além de questões urbanas como a consolidação de cidadesdormitório e ocupações irregulares.
Quanto maiores a infraestrutura viária, de transporte, de saneamento e a
quantidade de serviços ofertados em uma determinada porção territorial, maior o valor venal desta terra. A questão do acesso à terra e consequentemente o acesso à moradia
estão relacionados à especulação imobiliária e à existência de infraestrutura. Esta interdependência também está relacionada à periferização das regiões metropolitanas. Conforme Moreira, Leonelli e Neto (2012, p.51):
63 mil domicílios da Região Metropolitana de Curitiba são irregulares (Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social, 2009), dados que relevam a grande demanda acumulada em anos de falta de políticas habitacionais
efetivas, política clientelista e ação coordenada do mercado especulativo de
terras. Esse fato marca claramente que as ocupações irregulares têm sido a única forma encontrada pela população de baixa renda para garantir moradia, na maioria das vezes inadequada e precária.
Além disso, conforme dados da Fundação João Pinheiro (2010), existem na
RMC 16.997 domicílios precários, locais e imóveis sem fins residenciais e lugares que servem como moradia alternativa, 33.454 domicílios em situação de coabitação familiar,
30.353 domicílios cujas famílias sofrem com o ônus excessivo com aluguel e 4.902 domicílios alugados com adensamento excessivo.
Para Moreira, Leonelli e Neto (2012, p.55), ‘’o comportamento demográfico
da Região Metropolitana demonstra claramente que, embora a demanda por habitação
tenha caráter municipal, intermunicipal e metropolitano e seja oriunda do processo de
metropolização, as soluções dadas continuam independentes do contexto regional e metropolitano e são propostas de forma isolada’’.
Além das questões do uso do solo e habitação, atualmente verifica-se um
problema de integração na área de transporte público da RM de Curitiba. A RIT possui
integração operacional e tarifária, e nos corredores expressos também se integra ao
uso do solo no município de Curitiba, mas ela não é conformada por todos os municípios da RMC.
MAPA 08 – Mapa de abrangência da RIT
Fonte: URBS, IPARDES
/ Elaborado por: Caroline Moriya / Escala em km
Na década de 80, após a implantação do eixo leste/oeste, a tarifa única e os
terminais de integração foram adotados pela RIT, o que permitiu que os percursos mais longos fossem subsidiados pelos percursos mais curtos, isso beneficiou a população que habitava os espaços mais distantes do centro da capital, pois possibilitava o acesso à Curitiba, onde havia mais serviços, empregos e equipamentos urbanos 9.
Com o Decreto 195/1986, a URBS passou a gerenciar o transporte coletivo
de Curitiba, e em 1996, o Governo do Estado e a Prefeitura de Curitiba firmaram um
convênio delegando também à URBS o gerenciamento das linhas de transporte público da Região Metropolitana de Curitiba10.
Em 2010 foi realizada a primeira licitação pública para os contratos dos
operadores do transporte coletivo da RMC, mas houve problemas no edital de
concessão, que saiu sem aprovação jurídica e que apontava favorecimento para
9
Informações retiradas do PDI de 2006 sobre a situação da RMC durante a elaboração do PDI de 1978. Informações retiradas do site da Prefeitura Municipal de Curitiba e site da URBS.
10
algumas empresas, incorrendo na manutenção dos mesmos grupos que operavam a RIT11.
Ademais, como visto anteriormente, a RIT sofreu a desintegração em parte
da rede de transporte público, causada por irregularidades na composição tarifária, ocasionando uma série de protestos devido ao aumento do valor da passagem para os usuários da região desintegrada12.
Além dos problemas sociais do processo de periferização e segmentação da
RMC, sucederam-se problemas ambientais, como a questão dos resíduos sólidos e sua
destinação. Antes da operacionalização do Aterro Sanitário de Curitiba, em 1989, localizado no bairro da Caximba, os resíduos sólidos da capital eram encaminhados
para três pontos distintos: o Aterro Controlado da Lamenha Pequena, divisa com
Almirante Tamandaré e do Barro Preto, no município vizinho de São José dos Pinhais, além do depósito de resíduos da CIC, de acordo com as informações retiradas do site da Prefeitura Municipal de Curitiba.
Segundo Moreira e Neto (p.75 2009), ‘’a partir do momento que os sistemas
ambientais sofrem degradação em extensões que extrapolam os limites municipais,
obtém fundamental importância a integração da Ação Política com o Planejamento Regional, estabelecendo mecanismos de efetiva colaboração entre os municípios que compartilham da mesma problemática’’.
E em 2001 foi constituído na RMC o Consórcio Intermunicipal para Gestão
de Resíduos Sólidos Urbanos (Conresol). Este consórcio tinha como objetivo tratar questões relacionadas ao sistema de tratamento e destino final dos resíduos sólidos gerados pelos 17 municípios participantes.
O Plano de Gerenciamento do Tratamento e Destinação de Resíduos
Sólidos (PGRS), de 2007, previa a substituição do Aterro da Caximba, que até então
Informações retiradas do Relatório Final da Comissão Parlamentar de Inquérito do Transporte Coletivo de Curitiba 12 Dados extraídos do TCE-PR. 11
recebia todos os resíduos sólidos dos municípios consorciados, mesmo tendo seu esgotamento decretado em 2002.
Em novembro de 2010, o Aterro da Caximba foi fechado e os resíduos do
Conresol passaram a ser enviados para aterros particulares credenciados. Para 2015,
está prevista a renovação do credenciamento destes aterros, uma vez que seu vencimento ocorre oficialmente no mesmo ano. Conforme a Prefeitura Municipal de
Curitiba, os participantes do Conresol deverão proporcionar aproveitamento total ou parcial dos resíduos através de métodos e técnicas adequados ou disposição em aterro
sanitário licenciado, pesagem, recebimento dos resíduos, armazenamento temporário, transbordo, transporte, triagem, processamento, aproveitamento e disposição final de rejeitos.
O atual presidente da Conresol é também o atual prefeito de Curitiba.
Segundo dados da Prefeitura Municipal de Curitiba, em Assembleia da Conresol realizada em junho deste ano, participaram apenas os prefeitos e secretários
municipais de Meio Ambiente de Balsa Nova, Bocaiúva do Sul, Campo Magro, Contenda, Curitiba, Pinhais, Quitandinha e São José dos Pinhais, visto que, atualmente, fazem parte do consórcio 24 municípios. Nesta Assembleia, foi aprovado o processo de credenciamento de alternativas para tratamento e disposição final do lixo,
o que demonstra a falta de participação e integração intermunicipal nas decisões da destinação dos resíduos sólidos da RMC, que continua sem solução definitiva.
Sobre as questões ambientais também é importante destacar o tema dos
mananciais de abastecimento de água da RMC, já que a disponibilidade de água se faz extremamente importante para o desenvolvimento urbano.
O entorno da capital é formado por diversos mananciais. Os mais
importantes são o manancial subterrâneo localizado na região noroeste da RMC,
chamado de Aquífero Karst, e os mananciais superficiais do Rio Iguaçu, do Rio Iraí, do Rio Passaúna e do Rio Miringuava localizados na região nordeste, sudeste e sudoeste da RMC, que servem para abastecimento da região em estudo.
MAPA 09 – SEDES URBANAS ATENDIDAS PELO SISTEMA INTEGRADO
Fonte: Agência Nacional das Águas
Conforme a Agência Nacional das Águas, apenas 12 municípios da RMC
pertencem ao Sistema Integrado de distribuição de água da SANEPAR: os municípios onde estão localizados os pontos de captação de água e Curitiba, que recebe água de
todos os pontos de captação da RMC. Este panorama expressa a fragmentação metropolitana quanto à distribuição de água e à utilização dos mananciais.
O PDI de 78 já expressava preocupação em relação à proteção das áreas
de mananciais, e em 1998 foi ratificada a Lei Estadual 12.248/98 ou Lei de Proteção aos Mananciais da RMC, que criou o Sistema Integrado de Gestão e Proteção aos Mananciais da RMC – SIGPROM – RMC, e também produziu o arcabouço técnico e institucional específico para as referidas áreas.
Com base nas questões setoriais analisadas, é possível verificar a falta de
integração intermunicipal na RMC e a polarização da capital sobre vários aspectos. Contudo, houve grande esforço do corpo técnico da COMEC para realizar
levantamentos e pesquisas sobre a questão metropolitana, como é possível verificar nos PDI´s de 1978 e de 2006.
Em 2001, a questão metropolitana voltou à pauta das questões urbanas e
políticas estaduais do Paraná e a COMEC retomou o processo de planejamento regional, desta vez através de um processo de pesquisa e reconhecimento da região
através de análises socioeconômica, físico-territorial e institucional dos municípios.
Segundo a COMEC, foram selecionados os aspectos que se revelaram como os mais críticos e fundamentais para o poder público como gestor das funções públicas de
interesse comum metropolitanas13. Essa seleção recaiu sobre o modelo institucional da gestão metropolitana e sobre as diretrizes para a organização do território regional. Todo esse processo foi condicionado por preceitos normativos da Constituição de 88,
levando em consideração a participação de todos os municípios nos processos decisórios e incorporando a sociedade civil organizada, o que culminou no segundo PDI, demonstrando o interesse da COMEC em planejar e efetivar uma gestão compartilhada.
A partir destas informações pode-se deduzir que a RMC, desde a sua
constituição, teve plano de desenvolvimento regional ou Plano de Desenvolvimento
Integrado, que não pode ser finalizado devido à falta de recursos na década de 80.
Depois de retomado o processo de planejamento regional no início dos anos 2000, é possível perceber que houve esforço político para que o segundo PDI fosse realizado e
finalizado em 2006. Mas por que os Planos Diretores dos municípios da RMC não aplicam o PDI em seus fundamentos?
Como mencionado previamente, após a Constituição de 88, os municípios
tiveram maior autonomia política e econômica, e no âmbito urbanístico foi dada maior importância aos Planos Diretores do que aos planos regionais, o que coincidiu com uma
fase de competição entre cidades para obtenção de fundos para aplicá-los em cada uma das cidades de forma individual.
Conforme o EM Funções Públicas de Interesse Comum são políticas públicas ou ações nelas inseridas cuja realização por parte de um Município, isoladamente, seja inviável ou cause impacto em Municípios limítrofes. 13
Segundo Franzoni (p.06 2015), ‘’ao longo da história político-institucional
brasileira percebe-se que a forma de agenciamento da escala metropolitana variou de acordo com o modelo de desenvolvimento econômico, representando tradicionalmente interesses distantes das preocupações da justiça socioespacial’’. Nestas circunstancias
houve a consolidação da RMC, cujos espaços metropolitanos foram organizados conforme a necessidade de atração de investimentos.
Além disso, segundo Damascena e Tonella (p.110 2012), ‘’os problemas
estruturais – mobilidade populacional, moradia, saneamento, sistema viário, violência,
entre outros – adquirem a dimensão metropolitana, mas a forma de atuação dos parlamentares é local e paroquial, de atendimento às bases municipais’’.
Ou seja, o presente individualismo municipal aliado ao foco nos interesses
econômicos e à falta de interesse político torna improvável a integração municipal nas
regiões metropolitanas em geral e na RMC em particular, acarretando em conflitos nas políticas públicas metropolitanas. Apesar de já possuir vários instrumentos, como o PDI
e a COMEC, que viabilizam uma busca de melhora na qualidade da vida urbana metropolitana da capital e seu entorno, se faz necessário o aprimoramento na integração das políticas setoriais da RMC.
Além de tudo, após a análise das políticas setoriais adotas é possível
identificar que os municípios mais próximos de Curitiba, os que participam do NUC, têm maior integração metropolitana do que os municípios mais distantes da capital. Isto é,
percebe-se que há necessidade de melhorar as políticas setoriais intermunicipais já
existentes e também acrescentar a estas políticas os entes federativos excluídos, sob o risco da incerteza da viabilidade da participação destas cidades na RMC.
3- Instrumentos de governança do Estatuto da Metrópole e a Gestão Plena Até janeiro de 2015, inexistia um arcabouço institucional que envolvesse
totalmente a questão metropolitana. O Estatuto da Cidade trouxe muitos avanços constitucionais para o planejamento territorial, porém restritos à uma escala municipal.
Em 2005 foi sancionada a Lei 11.10714 que dispõe sobre normas gerais para a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios contratarem consórcios públicos para a realização de objetivos de interesse comum. Apesar de ser um bom instrumento, importante
na
viabilização
do
planejamento
e
de
ações
intermunicipais
interfederativas, ele ainda possui fragilidade no ponto de vista político.
e
No início de 2015 foi sancionada a Lei 13.089, o Estatuto da Metrópole (EM), que
tem como objetivo estabelecer diretrizes gerais para o planejamento, a gestão e a execução das funções públicas de interesse comum em regiões metropolitanas e em
aglomerações urbanas instituídas pelos Estados, normas gerais sobre o plano de desenvolvimento urbano integrado e outros instrumentos de governança interfederativa
e critérios para o apoio da União a ações que envolvam governança interfederativa no campo do desenvolvimento urbano.
Uma das dificuldades na gestão metropolitana é o fato de que uma RM é
constituída por vários órgãos administrativos municipais, as prefeituras e câmaras municipais, além de ser instituída pelo governo estadual, que também é responsável
pela gestão metropolitana. Mas não existe uma estrutura oficial de governança para que ocorra a gestão metropolitana de fato, com força política e jurídica. Constam no EM
instrumentos de governança interfederativa e uma estrutura básica de composição de entes representativos.
Segundo o Artigo 8o do EM, a governança interfederativa compreende em sua
estrutura básica: instância executiva composta pelos representantes do Poder Executivo dos entes federativos integrantes das unidades territoriais urbanas, instância colegiada deliberativa com representação da sociedade civil, organização pública com
funções técnico-consultivas e sistema integrado de alocação de recursos e de prestação de contas.
Para Ribeiro, Júnior e Rodrigues (2015), ‘’os mecanismos e instrumentos de
participação da sociedade, previstos no EM, são todos consultivos e de baixa
Esta Lei criou um arcabouço institucional necessário para regulamentar as parcerias publico-privadas nos municípios brasileiros. 14
efetividade, reduzindo-se à realização de audiências públicas e debates nos municípios envolvidos’’, tornando o controle social das políticas públicas inviável.
Devido às diferentes gestões estaduais, a COMEC sofreu grande esvaziamento
de seu corpo técnico, incorrendo no enfraquecimento da autarquia. Como mencionado
anteriormente, falta na RMC um ente metropolitano que represente a Região
Metropolitana, ou seja, não há a instância executiva metropolitana funcionando em sua
plenitude no atual momento. Além disso, se faz necessário um fundo metropolitano, não aprovado no EM, para que as exigências do futuro Plano de Desenvolvimento Urbano Integrado (PDUI), exigido no Artigo 10o do EM, seja elaborado e implementado na RMC.
A exigência do PDUI nas RM´s foi um aspecto interessante do EM e conforme
Ribeiro, Júnior e Rodrigues (2015), ‘’a elaboração e a implementação de um plano pode ser um processo promissor de congregar as forças sociais e políticas das metrópoles
em torno de objetivos comuns e, desta forma, desencadear um mecanismo de
transformação do território funcional e em território político’’, conformando então a Gestão Plena.
Para que se configure a Gestão Plena é necessário que exista na Região
Metropolitana um processo contínuo de governança interfederativa. Entende-se por
governança interfederativa o compartilhamento de responsabilidades entre estados e
municípios no planejamento e execução de ações para o cumprimento das funções públicas de interesse comum, com apoio da União.
Apesar da aura de novidade dos termos “gestão plena” e “governança
interfederativa”, seu conteúdo historicamente faz parte da pauta das RM´s brasileiras. A
partir dos primeiros consórcios públicos metropolitanos é possível verificar uma tendência à gestão intermunicipal nas RM’s brasileiras, inclusive na RMC.
A partir da análise histórica da gestão da RMC e dos preceitos oferecidos pelo
EM, é possível verificar a necessidade e a oportunidade para a reformulação do arranjo institucional metropolitano, que estabeleça critérios normativos para que se governem
de forma coletiva diferentes municípios que possuem interesses e objetivos comuns e que inclua a participação social.
4- Aprendendo com outras Regiões Metropolitanas Apesar dos vários problemas enfrentados nas regiões metropolitanas brasileiras,
é possível levantar bons exemplos contemporâneos de gestão, como é o caso do Consórcio Metropolitano de Transporte de Recife e a conformação da governança interfederativa da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH). De acordo com Best (p.179 2012): O Consórcio de Transportes da Região Metropolitana de Recife (CTM) foi inaugurado em setembro de 2008 e constitui um consórcio público de
natureza jurídica de direito privado e sem-fins lucrativos, e tem como objetivo a gestão plena e associada do Sistema de Transporte Público
de Passageiros da Região Metropolitana de Recife (STPP/RMR). O
Consórcio constitui uma empresa pública multifederativa de regime híbrido, ou seja, embora tenha personalidade jurídica de direito privado, é uma entidade de natureza pública, e por ser multifederativa, passa a
constituir a administração indireta de todos os entes federativos que a compõem.
No CTM as despesas e responsabilidades sobre o transporte público
metropolitano deixam de ser apenas estaduais e são divididas entre todos os entes da RMR.
A autora ressalta que este arranjo é inovador porque propõe uma gestão
compartilhada do sistema de transporte público metropolitano como um todo. A criação do consórcio prevê a eliminação da sobreposição e competição entre os serviços municipais e intermunicipais de transporte coletivo, o que racionaliza o sistema e reduz
os custos de gestão e melhora a qualidade do serviço, tendo sempre em vista as necessidades de deslocamento do cidadão metropolitano, diferente do que acontece na RMC no momento atual.
Já a Região Metropolitana de Belo Horizonte é composta por 34 municípios e o
denominado colar metropolitano. Segundo Franzoni (2015) ‘’o colar metropolitano é formado por municípios do entorno da RMBH afetados pelo processo de
metropolização, de forma a integrarem o planejamento, a organização e a execução de
funções públicas de interesse comum’’. Conforme o Instituo de Pesquisa Econômica
Aplicada (IPEA), nos anos 90 o vetor de crescimento da RMBH ocorreu na direção sul e teve formação de novas centralidades de serviços, expansão de áreas residenciais de
alta renda e atividades mineradoras. Contudo, as áreas mais desenvolvidas
economicamente ainda se concentram no centro da capital e entorno imediato de Belo Horizonte.
O arranjo institucional da RMBH é formado por uma Assembleia Metropolitana,
Conselho
Deliberativo
de
Desenvolvimento
Metropolitano
e
a
Agência
de
Desenvolvimento da RMBH. Além disso, há previsão de elaboração de um PDUI e a criação de um Fundo de Desenvolvimento Metropolitano para a RMBH.
Como explica Franzoni, em meados de 2007 foi criado o Projeto Estruturador
RMBH para promover a gestão integrada de funções públicas de interesse comum na
região e, a partir de 2011, o Estado passou a trabalhar com novo conceito de programas estruturadores que, por sua vez, se subdividem em Projetos Estratégicos. O Fundo de Desenvolvimento Metropolitano passa a ser gerido pela Secretaria Extraordinária de Gestão Metropolitana (Segem) e a Agência RMBH.
A Assembléia Metropolitana tem como função definir macrodiretrizes do
planejamento global da região e vetar resoluções emitidas pelo Conselho Deliberativo.
Ela é composta por todos os prefeitos da RMBH, por presidentes das câmaras municipais, quatro secretários de estado e um representante do legislativo estadual.
Segundo a autora, o Conselho Deliberativo de Desenvolvimento Metropolitano é
uma instância colegiada com atribuições de planejamento, acompanhamento e deliberações sobre a destinação dos recursos do Fundo de Desenvolvimento Metropolitano e é integrado por 16 membros distribuídos entre sete representantes do estado, sete representantes dos municípios e dois representantes da sociedade civil, todos com mandatos de dois anos.
Além disso, em 2007 a sociedade civil se organizou e criou uma instância
denominada Colegiado Metropolitano, com a qual obteve maior poder dentro do conselho deliberativo no qual, até então, possuía pouca representação.
A Agência de Desenvolvimento da RMBH tem caráter técnico e executivo e
formato de autarquia territorial e especial com as seguintes competências: planejamento, assessoramento, regulação urbana, viabilização de instrumentos de desenvolvimento integrado e apoio à execução das FPIC´s.
A Segem tem como objetivo apoiar o governo do estado na condução da
estratégia metropolitana estadual, servindo como uma instituição de articulação política.
A conformação da governança metropolitana da RMBH possui mais atores e
agentes definidos e envolvidos na gestão da RM, em contraposição à RMC, que possui
apenas a COMEC como autarquia com ligação ao Estado através da Secretaria de
Desenvolvimento Urbano. Ademais, segundo a arquiteta e urbanista Liria Nagamine 15, falta na RMC a criação de canais de participação da população nas decisões metropolitanas.
Para garantir que as políticas públicas metropolitanas sejam cumpridas se faz
necessário, como visto anteriormente, a revisão do arranjo institucional metropolitano da RMC para que se efetive uma gestão plena, tal qual a descrição deste conceito no
EM. O atual arranjo metropolitano, conforme análise dos avanços e retrocessos da gestão metropolitana, se mostrou insatisfatório no contexto intermunicipal devido à falta
de interesse político e de investimentos públicos que priorizaram o mercado em detrimento das políticas sociais, incorrendo em problemas socioeconômicos e ambientais.
Conclusão A questão do crescimento desordenado das cidades periféricas e o surgimento
de cidades-dormitório, assim como vários problemas sociais de uma região metropolitana, decorrem em grande parte à falta de cooperação entre municípios.
Após análise do histórico de gestão metropolitana da RMC, constata-se que a
execução das políticas públicas teve como princípio norteador interesses econômicos,
desde a época de sua conformação até o momento atual. O descaso político com as Recentemente foi bolsista pelo Observatório das Metrópoles e professora pela Universidade Positivo. Atualmente é mestranda do curso de pós-graduação em Geografia da Universidade Federal do Paraná 15
questões urbanas como moradia, transporte público e meio ambiente trouxe consequências graves à população.
Além disso, é possível visualizar a dificuldade do órgão metropolitano em
englobar os municípios oficialmente pertencentes à RMC de forma integral nos
processos de planejamento e gestão, de forma que as funções públicas de interesse comum possuem raio de abrangência restrito ao Núcleo Urbano Central e não sobre
todos os municípios integrantes da RMC, o que é incompatível com os princípios do EM, já que o PDUI deve incorporar todos os municípios metropolitanos. Segundo Norma Lacerda e Suely Ribeiro (2014, p.192): Há necessidade de enfrentar os bloqueios à constituição das metrópoles
enquanto espaço político, base para a construção de um projeto metropolitano capaz de mobilizar os atores - Estados, mercado e sociedade -, com vista ao equacionamento dos problemas que afligem
as metrópoles. Sem essa construção, as metrópoles permanecerão como arranjos funcionais que atendem, preferencialmente, às lógicas
privatistas e fragmentadas dos atores econômicos e políticos, que se
apropriam dos espaços metropolitanos como objeto de lucro e poder de dominação.
Além disso, a não da adoção de uma gestão plena e a falta da conformação de
governança interfederativa na Região Metropolitana de Curitiba comprometem a gestão
metropolitana, o que incorre em problemas administrativos que prejudicam o
gerenciamento das funções públicas de interesse comum, como foi possível identificar analisando a atual situação de várias políticas setoriais.
Neste sentido, a conformação da governança da RMBH e a CTM de Recife
representam avanços na gestão metropolitana brasileira, pois buscam princípios de gestão compartilhada através da alteração de seus arranjos institucionais.
Sem um ente representativo ativo, sem um fundo metropolitano e sem a
reformulação do atual arranjo institucional metropolitano na RMC, o planejamento se torna supérfluo, pois não existem instrumentos suficientes para conformar uma gestão
intermunicipal ativa que leve em consideração todos os problemas sociais, econômicos e ambientais de uma região metropolitana.
Além das questões normativas, é importante ressaltar que, para conformar uma
gestão plena, também se faz necessária a participação popular. O controle social é primordial para que a formulação e execução das políticas públicas ocorram de forma democrática e transparente. REFERÊNCIAS AGENCIA NACIONAL DE ÁGUAS. Atlas Brasil. Abastecimento Urbano de Água: Região Metropolitana de Curitiba. 2010.
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