Gesto Textural e Planejamento Composicional. Vol. I

July 28, 2017 | Autor: André Codeço | Categoria: Musical Composition, Análise Musical, Composição Musical, Gesto Musical, Análise Particional
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PPGM – PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA

GESTO TEXTURAL E PLANEJAMENTO COMPOSICIONAL

ANDRÉ CODEÇO DOS SANTOS

RIO DE JANEIRO, 2014

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GESTO TEXTURAL E PLANEJAMENTO COMPOSICIONAL

por

ANDRÉ CODEÇO DOS SANTOS

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de PósGraduação em Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro como requisito básico para a obtenção de título de Mestre em Música, sob a orientação do Professor, Dr. Pauxy Gentil-Nunes.

RIO DE JANEIRO, 2014

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Aos meus pais, Carlos Roberto Alves dos Santos (in memorian) e Rita de Cássia Codeço dos Santos. Ás minhas irmãs Rebeca e Rachel.

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AGRADECIMENTOS Ao meu orientador, Doutor Pauxy Gentil-Nunes, pela orientação precisa e sempre presente, pelos conselhos, por compartilhar comigo seu conhecimento. À minha família, pelo apoio nas horas mais difíceis e pelo suporte infalível. À Professora Doutora Carole Gubernikoff, pelas preciosas contribuições neste processo. Ao Professor Doutor Carlos Almada, pelo imenso auxílio nesta caminhada. Aos professores do PPGM-UFRJ pelo conhecimento compartilhado. Ao Professor Doutor Marcos Nogueira, pelo apoio em momentos fundamentais junto ao PPGM – UFRJ. Aos amigos Lucas Castro (in memorian), Arthur de Castro, Vinícius Mérida, Cristiano Oliveira, Eduardo Fettermann, Rebeca Picanço, Vinícius Mourão e Gabriel Jardim, pelo companheirismo em todos os momentos. Aos amigos compositores Jorge Santos e Fábio Monteiro, pelas parcerias e ao longo desta caminhada. Aos Professores Doutor Mike Schelle e Doutora Zae Munn, pela imensa contribuição no processo composicional da obra Paisagens. À Beth Villela, pelo suporte eficiente e constante. À CAPES e à UFRJ, pelo apoio financeiro sem o qual seria impossível a realização desta pesquisa. A Deus, pelo imensurável e imerecido amor percebido no plano perpétuo e imutável, firmado na realidade de cada segundo traçado para minha vida.

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CODEÇO, André. Gesto textural planejamento composicional. 2014. Rio de Janeiro, 2014. Dissertação (Mestrado em Música) – Escola de Música, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2014. RESUMO O presente estudo visa lançar um enfoque baseado no conceito de gesto sobre os dados da Análise Particional, objetivando a construção de um planejamento composicional consistente com os resultados das análises de duas obras: Codex Troano, de Roberto Victorio e Movimentos, de Alexandre Schubert. Objetiva-se também o desenvolvimento de uma ferramenta composicional através da aplicação dos resultados obtidos, na forma de um modelo original de movimento de derivação gestual textural. Por fim, as obras Paisagens (para grupo de percussão) e YPKHOS (para piano solo) foram compostas para aplicação do modelo de derivação gestual textural e dos dados obtidos nas análises. Palavras-chave: Gesto textural, Planejamento Composicional, Composição Musical, Textura Musical, Análise Particional.

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CODEÇO, André. Textural gesture and compositional design. 2014. Rio de Janeiro, 2014. Dissertation (Master Degree in Music) – Escola de Música, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2014. ABSTRACT This study focus on the concept of gesture departing from data generated by Partitional Analysis, developing a compositional plan consistent with the information obtained by analysis of two works applying the tools of Partitional Analysis: Roberto Victorio's “Codex Troano” and Alexander Schubert's “Movimentos”. Another objective is the development of compositional tools from the results in the form of a model of motion of textural gestural derivation. Finally, the works "Paisagens" (for percussion ensemble) and "IPKHOS" (for piano solo) were composed illustrating the application of the motion of gestural textural derivation. Keywords: Textural gesture, Compositional Design, Musical Composition, Musical Texture, Partitional Analysis.

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SUMÁRIO SUMÁRIO .........................................................................................................................................viii LISTA DE FIGURAS ........................................................................................................................... x LISTA DE TABELAS ....................................................................................................................... xiv INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 2 I - REVISÃO DE LITERATURA ........................................................................................................ 7 Planejamento Composicional .............................................................................................................. 7 Textura, gesto e derivação................................................................................................................. 14 Fundamentação filosófica ................................................................................................................. 16 II - GESTOS TEXTURAIS ................................................................................................................ 17 Textura ............................................................................................................................................. 17 AP – Análise Particional ................................................................................................................... 18 Gestos Texturais ............................................................................................................................... 23 Derivação gestual textural ................................................................................................................. 23 III - ANÁLISES .................................................................................................................................. 25 Codex Troano................................................................................................................................... 25 Movimentos ...................................................................................................................................... 46 IV - PLANEJAMENTO COMPOSICIONAL ................................................................................... 63 IPKHOS ........................................................................................................................................... 63 Paisagens ......................................................................................................................................... 68 CONCLUSÕES .................................................................................................................................. 86 REFERENCIAS ................................................................................................................................. 88 ANEXOS............................................................................................................................................. 94 Partituras .......................................................................................................................................... 95 Anexo 1: Victorio, Codex Troano para grupo de percussão. ........................................................... 96 Anexo 2: Schubert, Movimentos para marimba e percussão. ......................................................... 150 Anexo 3: Codeço, Paisagens para grupo de percussão. ................................................................ 172 Anexo 4: Codeço, Yphos para grupo piano solo. .......................................................................... 209 Artigos ........................................................................................................................................... 213

ix Anexo 5: CodexTroano – Análise Particional e principais gestos composicionais (2013) .............. 213 Anexo 6: Movimento de derivação gestual textural a partir de dados da análise particional (2014a) ................................................................................................................................................... 222 Anexo 7: CodexTroano – Análise Particional e principais gestos composicionais no II movimento (2014b) ....................................................................................................................................... 230

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LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Mozart, Eine Kleine Nacthmusik, K. 5, excerto: indexograma. Gráfico gerado pelo programa PARSEMAT (GENTIL-NUNES, 2004). ................................................................................................ 19 Figura 2 - Victorio, Codex Troano, I movimento, excerto: indexograma. Gráfico gerado pelo programa PARSEMAT (GENTIL-NUNES, 2004). ................................................................................................ 20 Figura 3 – Exemplos dos movimentos particionais no indexograma. A – redimensionamento, B – revariância, C – transferência e D – concorrência. Gráfico gerado pelo programa OPERADORES (GENTIL-NUNES, 2012). .................................................................................................................... 21 Figura 4 - Victorio, Codex Troano, II movimento, excerto: leitura dos conceitos de gesto e bolhas no indexograma. Gráfico gerado pelo programa PARSEMAT (GENTIL-NUNES, 2004). ............................ 23 Figura 5 – Seções  A,  B,  A’  e  padrões  gestuais  recorrentes  dentro  do  indexograma  do  I  mov.  do  Codex Troano. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENTIL-NUNES, 2004). ............................... 26 Figura 6 - Indexograma dos gestos a, b, c e d na seção A. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENTIL-NUNES, 2004). .................................................................................................................... 27 Figura 7– Derivação dos gestos na subseção A1. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENTIL-NUNES, 2004). .................................................................................................................... 28 Figura 8– Gesto c e sua derivação c1..................................................................................................... 28 Figura 9 – Padrões menos recorrentes, gesto c2 e gesto d sem a segunda bolha. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENTIL-NUNES, 2004). ................................................................................. 29 Figura 10 – As derivações de b1 e c3. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENTIL-NUNES, 2004).................................................................................................................................................... 29 Figura 11 – Gestos derivados a2, a3, b2, c4 e d na Retomada. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENTIL-NUNES, 2004). ................................................................................................ 30 Figura 12 – Mapeamento dos gestos e derivações no indexograma completo do I movimento de Codex Troano. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENTIL-NUNES, 2004) ................................ 30 Figura 13 – Gestos originais (a, b, c) e suas derivações (a1, a2, a3; b1, b2; c1, c2, c3 e c4). Concepção original do presente autor...................................................................................................................... 31 Figura 14 – Seções  A  e  A’  no  indexograma  completo  do  II  mov.  do  Codex Troano. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENIL-NUNES, 2004)............................................................................. 33 Figura 15– Gestos a, b, as derivações a1, b1, b2, b3, b4 e suas respectivas bolhas presentes na seção A do II mov. do Codex Troano. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENIL-NUNES, 2004). ...... 34 Figura 16– Seção  A’,  as  derivações  a2, b5 e suas bolhas no II mov. do Codex Troano. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENTIL-NUNES, 2004). ......................................................................... 35 Figura 17– Gestos originais (a, b) e suas derivações: (a1, a2; b1, b2, b3, b4 e b5) no II mov. do Codex Troano. Concepção original do presente autor. ...................................................................................... 35 Figura 18 – Seções  A,  B,  A’,  B’  e  C  no  indexograma  completo  do  III  mov.  do  Codex Troano. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENIL-NUNES, 2004). ........................................................... 36

xi Figura 19 – Gestos a, b, b1, a1, c e c1 no III mov. do Codex Troano. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENIL-NUNES, 2004).................................................................................................... 37 Figura 20 – Gestos a2, b2 e b3 no III mov. do Codex Troano. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENIL-NUNES, 2004).................................................................................................... 38 Figura 21 – Gestos b4, b5 e b6 no III mov. do Codex Troano. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENIL-NUNES, 2004).................................................................................................... 39 Figura 22 – Gestos b7, b8 e b9 no III mov. do Codex Troano. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENIL-NUNES, 2004).................................................................................................... 40 Figura 23 – Gestos d, d1, d2, d3 e d4 no III mov. do Codex Troano. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENIL-NUNES, 2004).................................................................................................... 41 Figura 24 – Gesto b10, padrões menos recorrentes e reexposição dos gestos a1, a2, b1 e c2 no III mov. do Codex Troano. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENIL-NUNES, 2004). ....................... 42 Figura 25 – Gesto d5 e padrões menos recorrentes no III mov. do Codex Troano. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENIL-NUNES, 2004). ................................................................................... 43 Figura 26 – Retomada dos gestos b5, b6, b7, b8 e b9 no III mov. do Codex Troano Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENIL-NUNES, 2004)............................................................................. 44 Figura 27 – Retomada dos gestos b5, b6, b7, b8 e b9 do III mov. do Codex Troano. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENIL-NUNES, 2004)............................................................................. 44 Figura 28 – Derivações dos gestos a, b, c e d em Codex Troano – III Mov. Grande Templo dos deuses. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENTIL-NUNES, 2004). ............................................ 45 Figura 29– Indexograma das seções A, B e coda do I movimento de Movimentos – Planalto. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENTIL-NUNES, 2004). ......................................................... 47 Figura 30– indexograma da seção A - Gestos e bolhas. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENTIL-NUNES, 2004). .................................................................................................................... 48 Figura 31– Gestos d, suas bolhas: I II, III e o gesto c1. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENTIL-NUNES, 2004). .................................................................................................................... 49 Figura 32– Gestos d1, d2, d4, d5, c2, c3, d5 e d6. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENTIL-NUNES, 2004). .................................................................................................................... 50 Figura 33 – Gestos c4, repetições dos gestos b, c e b1. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENTIL-NUNES, 2004). .................................................................................................................... 51 Figura 34– Coda, gestos c5, c6, c7 e suas bolhas c7’,  c7’’  e  c7’’’.  Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENTIL-NUNES, 2004) ................................................................................................. 51 Figura 35– Derivações dos gestos a, b, c e d em Movimentos – I Mov. Planalto. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENTIL-NUNES, 2004). ................................................................................. 52 Figura 36– Indexograma  das  seções  A,  B  e  A’  em  Movimentos – II Mov. Cerrado. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENTIL-NUNES, 2004). ......................................................................... 53 Figura 37 – Gestos a, b, b1, b2, b3 e suas bolhas em Movimentos – II Mov. Cerrado. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENTIL-NUNES, 2004). ......................................................................... 54 Figura 38 – Gestos c, c1, c2 e pivô em Movimentos – II Mov. Cerrado. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENTIL-NUNES, 2004). ................................................................................................ 55

xii Figura 39 – Gestos d, d1, d2 e entrada de motivo na Seção B em Movimentos – II Mov. Cerrado. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENTIL-NUNES, 2004). ......................................................... 56 Figura 40 – Gestos a e b1  na  Seção  A’  em  Movimentos – II Mov. Cerrado. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENTIL-NUNES, 2004). ................................................................................. 57 Figura 41 – Derivações dos gestos a, b, c e d em Movimentos – II Mov. Cerrado. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENTIL-NUNES, 2004). ................................................................................. 57 Figura 42 – Indexograma e seções do III Mov. de Movimentos: Chapada. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENTIL-NUNES, 2004). ................................................................................. 58 Figura 43 – Gestos a e a1 em Movimentos – III Mov. Chapada. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENTIL-NUNES, 2004). ................................................................................................ 59 Figura 44 – Gestos a2, a3 e as repetições dos gestos a, a1 e a em Movimentos – III Mov. Chapada. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENTIL-NUNES, 2004). ............................................ 59 Figura 45 – Gestos b, c, c1 e c2 em Movimentos – III Mov. Chapada. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENTIL-NUNES, 2004). ................................................................................................ 60 Figura 46 – Gestos c3, c4 e c5 em Movimentos – III Mov. Chapada. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENTIL-NUNES, 2004). ................................................................................................ 61 Figura 47 – Gesto b1em Movimentos – III Mov. Chapada. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENTIL-NUNES, 2004). ................................................................................................ 62 Figura 48 – Dois grandes blocos texturais separados pela bolha c2’  em Movimentos – III Mov. Chapada. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENTIL-NUNES, 2004) ............................................. 62 Figura 49 – Derivações dos gestos a, b e c em Movimentos – III Mov. Planalto. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENTIL-NUNES, 2004). ................................................................................. 63 Figura 50 - Indexograma completo de IPKHOS e suas seções segundo a análise morfológica. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENTIL-NUNES, 2004). ......................................................... 64 Figura 51 - Indexograma dos gestos a, b e c da Exposição (Subseção A) de IPKHOS. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENTIL-NUNES, 2004). ......................................................................... 64 Figura 52 – Indexograma dos gestos derivados a1, b1 e c1 em IPKHOS. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENTIL-NUNES, 2004). ................................................................................................ 67 Figura 53 – Teorema obtido utilizando o Complexo GeneMus em Paisagens – I Mov. Dimensões. ........ 69 Figura 54– Indexograma  das  seções  A,  A’,  B  e  C  em Paisagens – I Mov. Dimensões. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENTIL-NUNES, 2004). ......................................................................... 70 Figura 55– Indexograma  das  seções  A,  A’,  B  e  C  em Paisagens – I Mov. Dimensões. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENTIL-NUNES, 2004). ......................................................................... 71 Figura 56– Gestos a, b, c e d em Paisagens – I Mov. Dimensões. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENTIL-NUNES, 2004). ................................................................................................ 72 Figura 57 – Indexograma dos gestos derivados d1, d2 e d3 em Paisagens – I Mov. Dimensões. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENTIL-NUNES, 2004). ......................................................... 73 Figura 58 – Indexograma do gesto derivado e1 em Paisagens – I Mov. Dimensões. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENTIL-NUNES, 2004). ......................................................................... 74

xiii Figura 59 – Gesto d, e e suas derivações: d1, d2, d3 e e1 em Paisagens – I Mov. Dimensões. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENTIL-NUNES, 2004). ......................................................... 74 Figura 60 – Esquema de retas exibindo a simetria entre as linhas que representam a vida e a morte. Concepção do presente autor................................................................................................................. 76 Figura 60 – Indexograma de Paisagens – II Mov. Aqui e Além. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENTIL-NUNES, 2004). ................................................................................................ 77 Figura 61 – Gestos a, b, a1 e b1 em Paisagens – II Mov. Aqui e Além. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENTIL-NUNES, 2004). ................................................................................................ 79 Figura 62 – Gestos a2, a3, a4, b2, b3, b4 e fusão de a + b em Paisagens – II Mov. Aqui e Além. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENTIL-NUNES, 2004). ......................................................... 80 Figura 63– Gesto a original e suas derivações: a1, a2, a3 e a4; gesto b original e suas derivações b1, b2, b3, b4 e gesto a+b em Paisagens – II Mov. Aqui e Além. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENTIL-NUNES, 2004). .................................................................................................................... 81 Figura 64 – Indexograma das seções A, B, C, D e Coda em Paisagens – III Mov. Incertâncias. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENTIL-NUNES, 2004). ......................................................... 82 Figura 65– Gestos a, b e c em Paisagens – III Mov. Incertâncias. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENTIL-NUNES, 2004). ................................................................................................ 82 Figura 66– Gestos d, d1, d2, d3, d4 e d5 em Paisagens – III Mov. Incertâncias. Semelhança e eco entre as derivações. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENTIL-NUNES, 2004). .......................... 84 Figura 67– Gestos d, e1 e e2 em Paisagens – III Mov. Incertâncias. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENTIL-NUNES, 2004). ................................................................................................ 85 Figura 68– Gestos originais a, b e c e suas derivações: a1, a2 e a3, b1, c1, c2, c3, c4 e c5. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENTIL-NUNES, 2004). ......................................................... 86

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LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Tabela utilizada para representação do movimento de derivação gestual textural. . ................ 24 Tabela 2 – Tabela utilizada para representação do movimento de derivação gestual textural. . ................ 25 Tabela 3 – Movimento de derivação gestual textural empregado no gesto a, no primeiro movimento de Codex Troano....................................................................................................................................... 32 Tabela 4 – Movimento de derivação gestual textural empregado no gesto b, no primeiro movimento de Codex Troano....................................................................................................................................... 32 Tabela 5 – Movimento de derivação gestual textural empregado no gesto c, no primeiro movimento de Codex Troano....................................................................................................................................... 32 Tabela 6 Movimento de derivação gestual textural aplicado na derivação a1, b1 e c1 de IPKHOS .......... 65 Tabela 7 - Movimento de derivação gestual textural aplicado nas derivações d1 e d2. ............................ 72 Tabela 8 - Movimento de derivação gestual textural aplicado na derivação d3. ...................................... 73 Tabela 9 - Movimento de derivação gestual textural aplicado na derivação e1........................................ 73 Tabela 10 - Movimento de derivação gestual textural aplicado nas derivações d1, d2 d3 e d4. ................ 83

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INTRODUÇÃO O planejamento composicional tem sido observado em pesquisas e reflexões nas últimas décadas. Existe um número considerável de trabalhos1 que apontam para uma qualidade positiva nos processos de organização pré-composicionais. A modelagem sistêmica contribui para o planejamento composicional através do aproveitamento de resultados de seus processos geradores de parâmetros e/ou analíticos. No Brasil, o planejamento composicional baseado em modelagem sistêmica é foco de trabalho como os de Liduíno Pitombeira & Hildegard Barbosa (2009 e 2009b), Carlos Almada (2012), Daniel Puig (2009) e José Orlando Alves (2005). A funcionalidade da modelagem sistêmica no processo composicional é definida por Pedro Miguel de Moraes (2012) como: (...) um trabalho de reengenharia, no qual se busca realizar o caminho inverso da composição, isto é, partindo da obra, chega-se a um conjunto de definições que possam ter sido um ponto de partida para sua construção. (MORAES, 2012, p. 2)

Os modelos nestes casos são embasados em princípios matemáticos, tais como equações ou teorias. Mas também podem ser oriundos de campos subjetivos, tais como os processos cognitivos (SLOBODA, 1991; KOLLIAS, 2009; MOUNTAIN, 2001; OLIVEIRA, 2005 e SILVA, 2004). Considerando o embasamento em princípios matemáticos, existem basicamente duas possibilidades de aplicação. Uma delas está no uso de processos regidos por princípios sistêmicos, ou seja, próprios de uma estrutura ou sistema. Nesse sentido, os sistemas adotados funcionam “como   geradores   de   repositórios que auxiliem no planejamento composicional  (...)”  (PITOMBEIRA & BARBOSA, 2009, p. 1). Em outras palavras os dados musicais são obtidos a partir de parâmetros de uma estrutura dada, cujas operações são replicadas, normalmente com auxílio de computador. A partir destes mesmos parâmetros, operações são aplicadas, normalmente com o auxílio de computador. Os aplicativos gerados e utilizados como auxiliares da composição são, assim, alimentados pelos dados dos sistemas, passíveis de utilização na criação musical.

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Por exemplo: PITOMBEIRA e BARBOSA, 2009; NELSON, 2003; GENTIL-NUNES e CARVALHO, 2003, entre outros.

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No segundo caso, a aplicação da modelagem sistêmica (gerando dados que contribuem na confecção do planejamento composicional) pode ser realizada a partir de processos analíticos. O planejamento ganha contornos a partir dos resultados de análises de obras musicais aplicados à forma, à estruturação das alturas, à segmentação rítmica etc. É “com base na observação quantitativa e qualitativa de como as diversas unidades estruturais da obra se inter-relacionam, progridem e se transformam no decorrer do tempo musical”   (MORAES,   2012,   p. 139), que o planejamento composicional se estrutura. A Análise Particional (doravante, AP) apresenta-se como um possível modelo sistêmico, pois seus dados correspondem a relações estruturais delineadas nas obras submetidas à análise. De fato, em diversas situações já documentadas, a AP forneceu dados que serviram de base para o planejamento composicional de obras originais – Rondó (CARVALHO, 2004), Aparência (DANTAS, 2004) e Baile (GENTIL-NUNES, 2007), entre outras. A AP é constituída pela mediação entre a Teoria das Partições dos Inteiros (ver ANDREWS, 1984) e a análise textural de Wallace Berry (1976). A mediação entre as duas teorias foi proposta por Pauxy Gentil Nunes2 e Alexandre Carvalho 3 (2003): Neste artigo iremos fazer uma pequena reflexão sobre esses conceitos e pretendemos propor instrumentos de análise e composição que tirem partido da objetivação que esta teoria viabiliza. (GENTIL NUNES e CARVALHO 2003, p. 1).

Como se trata de uma abordagem original e recente, a AP encontra-se atualmente em fase de desenvolvimento. Um número crescente de obras, principalmente do repertório da música de concerto (de autores como Bach, Webern, Schoenberg, Boulez, entre outros), têm sido submetidas a processos de análise a partir das ferramentas da AP. Os resultados apontam para uma íntima correlação entre análises feitas por outros sistemas ou a partir de fundamentos tradicionais, e os gráficos resultantes (indexogramas e particiogramas – apresentados e analisados no capítulo II), apresentando segmentações significativamente equivalentes. É possível aproveitar desta

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Professor Adjunto (Escola de Música da UFRJ). Professor de Harmonia, Análise e Composição na Escola de Música da UFRJ. 3 Alexandre Carvalho é guitarrista, arranjador, Mestre em Composição p.ela UFRJ e atualmente é doutorando no curso de Jazz Composition na New York State University.

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homologia para criar, a partir dos gráficos, correlações entre categorização – gesto – planejamento, dentro do processo criativo. O termo gesto tem sido adotado em diferentes abordagens. Dentre as mais comuns, de acordo com Bonafé (2011), estão “aquelas que se fixam sobre a relação entre gesto e movimento corporal, (...) aquelas que se ocupam em aproximar gesto e signo (...) e aquelas que compreendem por gesto as marcas de um determinado autor, estilo ou período” (op cit., p. 48). Para o compositor Luciano Berio, a ideia de gesto pode estar ligada ao aspecto físico do movimento relacionado ao intérprete. Ele propõe desenvolver um “comentário musical sobre a relação entre virtuose e instrumento, dissociando elementos do comportamento envolvidos na performance, de modo a reconstruí-los em seguida, transformados, como unidades musicais.”  (BERIO,  1998,  p. 8, apud BONAFE, 2011, p. 49). Contudo, segundo Bonafé (2011), a noção de Berio acerca de gesto musical em sua obra Sonata per pianoforte, composta em 2001, está ligada ao aspecto semântico.   Para   ele   “o gesto seria um elemento bem delimitado, porém aberto, de estrutura complexa (composta por estruturas intermediárias), que carrega um potencial comunicativo e expressivo”  (op. cit., 2011, p. 50). Em certa maneira, contrapondo-se a esta posição, Ferneyhough entende que: o gesto, não mais como uma entidade que se remeta a uma referencialidade externa a seus próprios constituintes; mas tomando estes mesmos elementos como uma potência criativa para gerar infinitamente novos gestos e novas expressões. (KOZU, 2002, p. 4).

Porém, para   Ferneyhough   existe   ainda   a   ‘figura’,   ou seja, os elementos internos dos gestos e que são passíveis de transformações no sentido da criação musical. (...) são aqueles elementos que criam os gestos e as texturas: as linhas de forças paramétricas, ou seja, certas tendências direcionais do contorno das notas, da estrutura rítmica, dos níveis dinâmicos, dos contrastes timbrísticos, das relações de simetria, irregularidade, diferenciação, etc (KOZU, 2002, p. 4).

Se o gesto refere-se “a hierarquias específicas  de  convenções  simbólicas”,  a   figura   será   o   “elemento   da   significação   musical   composto inteiramente de detalhes definidos por sua disposição num determinado contexto.” (FERRAZ, 1997, p. 63)

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Considerando as abordagens de Ferneyough e Berio acerca do gesto (e da figura, no caso de Ferneyhough), existe uma analogia com as formas geométricas reveladas pelos  dados  da  AP,  denominadas  ‘bolhas’  por Gentil-Nunes (2009). As bolhas são representações de unidades de progressão textural, em forma de arco, delimitadas por partições simples, e representadas no indexograma

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por uma área curva

aproximadamente fechada em torno do eixo médio 5. Na presente pesquisa as bolhas são entendidas como elementos componentes dos gestos, que por sua vez, serão interpretados e hierarquizados na apreensão do planejamento composicional. Neste sentido, e levando em consideração os parâmetros do Particionamnto Textural rítmico, as bolhas são reveladoras do desenvolvimento gestual textura. O valor semântico dos gestos estará condicionado aos parâmetros pragmáticos da AP em relação à textura. Por esta razão, o enfoque gestual no presente trabalho precisa ser, necessariamente, original. O indexograma é uma das principais ferramentas analíticas da AP. De maneira resumida, os movimentos particionais6 geram as bolhas (formas geométricas) e as bolhas compõem e representam o gesto. Atualmente, o MusMat (grupo de pesquisa vinculado ao Programa de PósGraduação em Música da UFRJ com foco em aplicações de modelos matemáticos em composição e análise musicais) desenvolve aplicações da AP em processos composicionais. O trabalho de mestrado de Daniel Moreira (2013), por exemplo, busca mediar a Teoria de Relação de Contornos Musicais (Morris, 1987), e a AP, visando a aplicação no planejamento textural e a criação de aplicativos computacionais auxiliares. As pesquisas de mestrado de Fábio Monteiro (2012) e Jorge Santos (2012) também apresentam reflexões a partir de análises texturais, respectivamente sobre o Prèlude à L’Après-Midi D’Un Faune (1894) de Debussy, e na obras Le marteau sans maître (1953-55), Dérives (1984, 1990) e a Sonatine pour flûte et piano (1946) de Pierre Boulez.

4

O indexograma é um dos gráficos obtidos pelo programa PARSEMAT desenvolvido por Gentil-Nunes (2009). Constitui-se pela plotagem dos índices (a, d), em uma arrumação espelhada, contra um eixo médio, que representa o tempo em beats. 5 As curvas delineadas pelos índices (a, d) são espelhadas e tramitam por todas as possibilidades texturais: 1) polifonia crescente, representada pelo índice de dispersão, e 2) massa crescente, registrada pelo índice aglomeração. 6 Progressão das configurações texturais, representadas por partições, no tempo. Neste caso, as partições traduzem as texturas em números correspondentes aos agrupamentos verticais dinâmicos.

6

No

presente

trabalho

será

utilizado

o

particionamento

rítmico,

fundamentado na avaliação das congruências entre pontos de ataque e durações. Desta maneira, as questões em jogo no presente trabalho são: (1) lançar o enfoque gestual sobre os dados obtidos da AP com intuito de revelar e gerar um plano composicional sob o viés do particionamento rítmico e (2) desenvolver um mecanismo que sirva de auxílio ao compositor no processo de desenvolvimento dos gestos texturais no planejamento composicional. Sobre o primeiro ponto, a hipótese refere-se à revelação da estrutura composicional empregada através da observação gestual textural inerente aos dados obtidos dos processos analíticos da AP. Sobre o segundo ponto, a hipótese refere-se à possibilidade de esquematização de um modelo de derivação gestual, utilizando dados provenientes das análises a serem realizadas. Ao tecer conclusões sobre o uso dos dados da AP em processos criativos, Gentil-Nunes (2009, p. 227) diz que “é necessária uma posição mais iconoclasta, independente, exploradora e desafiadora em relação à teoria; buscam-se as possibilidades e a expansão da teoria, através do rompimento de seus limites.”   A aplicação da AP à composição, com verificação de seus resultados, dentro de uma perspectiva da modelagem sistêmica, é uma das linhas de desenvolvimento da pesquisa e uma de suas justificativas. Além disso, o registro da experiência e de seus resultados pode gerar material para pesquisas posteriores. É neste sentido que é apresentada a proposta de modelização da organização composicional a partir do uso da linguagem e sintaxes próprias da AP. Em um segundo momento, esta modelagem será observada na composição de uma obra original. Além disso, é também objetivo desta pesquisa propor um modelo básico de derivação gestual textural, com base nos dados extraídos nas análises submetidas aos mecanismos da AP. A respeito da análise musical, serão relacionadas estruturas formais tradicionais com o gráfico indexograma, a fim de estabelecer uma fina conexão entre o jogo de movimento das partições e a possibilidade de suas configurações no plano précomposicional. As obras Codex Troano de Roberto Victorio (1987) e Movimentos de Alexandre Schubert (2003) foram elencadas para análise, por serem obras para grupo de percussão, assim como a obra a ser composta a partir do plano composicional e experimentação do modelo de derivação.

7

O presente trabalho terá como fundamentação filosófico/ideológica a virada linguístico-pragmática do segundo Wittgenstein. Esta chave dá ao conceito de gesto (no presente trabalho) um significado específico, fora da esfera da recepção e concentrado na esfera da ação do compositor, que faz escolhas cujos vestígios estão registrados na partitura. O primeiro capítulo inclui uma breve revisão bibliográfica e a apresentação da metodologia. O conceito de gesto textural, sua interpretação e relação com as bolhas, serão discutidos no capítulo II. O pensamento de Berry (1976) será abordado apontando seus principais conceitos em relação à textura no que tange a AP. De igual modo, os fundamentos da AP serão pormenorizados, observando sua concepção pragmática e seus elementos constituintes: partições, índices, movimentos particionais e aplicativos computacionais. Será também exposto o modelo de derivação gestual textural desenvolvido durante as pesquisas do presente trabalho. Sua representação gráfica e seus procedimentos serão explicados. No capítulo III serão apresentadas as análises das obras Codex Troano, de Roberto Victorio, e Movimentos, de Alexandre Schubert. Serão analisados os gestos geradores e suas derivações. O indexograma será a principal ferramenta utilizada para discussão dos dados. As relações entre os gestos e suas derivações no decorrer da obra serão apontadas sinalizando sua estrutura composicional. No capítulo IV, será apresentada a aplicação do modelo de derivação gestual textural na composição de duas obras do presente autor. YPKHOS, para piano solo, foi a primeira peça a servir como campo de aplicação do modelo de derivação. A segunda obra, em três movimentos, chama-se Paisagens, e, em sua instrumentação, assemelha-se às obras analisadas do capítulo III. Finalmente, na conclusão serão expostos os resultados obtidos através das análises propostas e demais ações.

I - REVISÃO DE LITERATURA Planejamento Composicional

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Carlos Almada

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(2012) desenvolve pesquisa com o Sistema-Gr de

composição musical a partir dos conceitos de Grundgestalt8e variação progressiva. O trabalho com o Sistema-Gr está inserido em um amplo projeto de pesquisa (sistematização de processos composicionais fundamentados nos princípios da variação progressiva e da Grundgestalt), que é coordenado por Almada e vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro. O Sistema-Gr de composição visa essencialmente a fornecer de maneira sistemática (e, em casos mais concentrados, proximamente exaustiva) material melódico-harmônico para composição orgânica e maximamente econômica, a partir de uma unidade musical primordial – o axioma– que, por definição, consiste em um elemento dado ao sistema, do qual todas os possíveis desdobramentos – denominados teoremas – são extraídos por intermédio de aplicações de diversas regras de produção (ou funções transformadoras). (ALMADA, 2014, p. 1).

Trata-se de uma série de processamentos impostos à célula motívica básica, auxiliados pelos programas computacionais do complexo GeneMus, visando à criação de um repositório de ideias e materiais para o compositor. Os processos analíticos da AP e os procedimentos do Sistema-Gr interseccionam-se no que diz respeito à modelagem sistêmica em dois pontos. Em primeiro lugar, tanto o Sistema-Gr quanto a AP abrem a possibilidade de análise de obras abordando níveis de similaridade nas relações texturais e/ou motívicas, ou seja, contribuem para o mapeamento do material empregado e, desta forma, promovem a construção de um plano organizacional (ou hierárquico) a ser utilizado como modelo de composição. Segundo, as duas abordagens se complementam: na AP, o recorte visual propiciado por suas ferramentas analíticas e a deflagração de pontos-chave no discurso/engendramento musical fornecem mapas e esquemas composicionais que servem de modelo a ser aplicado tanto na formatação da obra como um todo, quanto em pequenos motivos ou gestos. O Sistema-Gr, por sua vez, fornece vastas opções de

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Professor adjunto de harmonia e análise musical na Escola de Música da UFRJ e líder do Grupo de Pesquisas MusMat. 8 O princípio da variação progressiva (developing variation), originalmente elaborado por Arnold Schoenberg, descreve essencialmente o conjunto de procedimentos composicionais empregados na contínua transformação da ideia primordial (ou Grundgestalt, segundo terminologia shoenberguiana) de uma determinada peça, da qual são derivados motivos, temas e fragmentos temáticos e mesmos materiais subordinados e contrastantes (ALMADA, 2012, p. 1).

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derivação de dados musicais encontrados pela AP. Almada (2013, p. 1) explica que o processo baseia-se em “abordagens   sistemáticas   fundamentadas   teoricamente   nos princípios da variação progressiva (developing variation) e da Grundgestalt, sob as perspectivas analítica e composicional.”  Ou seja, o sistema produz gerações sucessivas de derivações de uma pequena célula informada. O caminho inverso ao da proposta apresentada anteriormente está presente na pesquisa de Moraes (2012). São propostas duas ações principais: 1) criar um modelo de composição a partir de uma análise do Ponteio nº 11 de Camargo Guarnieri; 2) a aplicação deste modelo em uma composição original. Com base na observação quantitativa e qualitativa de como as diversas unidades estruturais da obra se inter-relacionam, progridem e se transformam no decorrer do tempo musical, foi proposto um sistema composicional, independentemente da intencionalidade autoral, que permitiu definir uma sintaxe de conexão paramétrica do Ponteio Nº 11, com fins analíticos e prescritivos. (op. cit., p. 4).

Deste modo, a modelagem sistêmica é observada a partir de processos analíticos. Outra abordagem que mantém ponto de contato com a deste trabalho é a de Pitombeira9 & Barbosa10 (2009 e 2009b). Trata-se “(...) da utilização do sistema nãolinear denominado Mapa de Hénon como gerador de repositórios que auxiliem no planejamento composicional”. (PITOMBEIRA & BARBOSA, 2009b, p. 1). Os sistemas dinâmicos  “(...)  são aqueles em que as em que as grandezas que os descrevem evoluem no tempo” (PUIG, 2005, p. 17). Com relação aos sistemas dinâmicos não lineares: “(...) essas características não se aplicam. Seu comportamento ao longo do tempo não pode ser previsto — e o princípio de superposição não pode ser usado para inferir outras soluções — apresentando-se não periódico,  irregular,  aleatório.” (op cit., p 18). Para inferir os dados no sistema, um aplicativo Java11 foi criado. Neste caso, a modelagem não se aplica a forma, mas a parâmetros musicais, pois “os resultados deste sistema podem ser associados a somente dois parâmetros musicais (...) altura e ritmo.” (PITOMBEIRA & BARBOSA, 2009b, p. 2). Apesar de processamentos

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Liduino José Pitombeira de Oliveira é Professor Adjunto de Composição e Teoria na Universidade Federal de Campina Grande. 10 Hildegard Paulino Barbosa é graduado em Ciência da Computação p.ela UFPB. 11 O aplicativo criado tem o mesmo nome do sistema gerador de parâmetros em questão,  ou  seja,  “Mapa   de  Hénon”.

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diferentes, o que há de comum entre o uso de sistema não lineares no planejamento composicional e a proposta do presente trabalho é que ambos são auxiliados por modelos sistêmicos no planejamento composicional. Se na AP as ferramentas analíticas podem fornecer os dados a partir da análise de peças já compostas, na abordagem de Pitombeira & Barbosa os elementos do Mapa de Hénon irão gerar material para a composição. Pitombeira & Barbosa tratam da utilização de sistemas matemáticos não lineares (fractais e sistemas caóticos) como geradores de repositórios que auxiliem no planejamento composicional. A obra para piano “O mapa   Logístico” tem seus parâmetros de alturas determinados por um aplicativo computacional baseado na prédefinição dos sistemas caóticos a serem usados. Como um sistema caótico unidimensional foi utilizado, apenas uma única dimensão ou parâmetro musical foi extraído para servir de dado em seu planejamento composicional. Neste caso, as relações de alturas entre classes de conjuntos de alturas foram os resultados obtidos através das interações do programa, e consequentemente foram também o ponto de partida para sua obra. Ainda segundo os autores, algumas escolhas devem ser realizadas previamente para o processamento de dados pelo aplicativo em Java para obtenção dos dados para o planejamento composicional. Os dados iniciais que escolhemos foram: [1] tipo de fractal: Mapa Logístico; [2] o valor de k ficou fixo em 3,59 (início do estado caótico) e x assumiu três valores escolhidos aleatoriamente (0,1 0,225 e 0,45); [3] 40 iterações para cada renderização; [4] a plotagem foi a cartesiana; [5] o arquivo MIDI gerado contém classes-de-nota, isto é, sem consideração de registro; e [6] buscamos padrões tricordais. (PITOMBEIRA – BARBOSA, 2009, p. 1).

Após este processo, o programa fornece dois tipos de resultados imediatos e importantes para o planejamento composicional: um gráfico baseado no eixo tempo/altura, e um arquivo MIDI, onde são apresentadas as classes de notas obtidas sem equivalência de oitava, ou seja, aos moldes da teoria dos conjuntos de Allen Forte (1973). Padrões ordenados ou desordenados são mostrados pelo programa, e neste ponto é  feita  uma  escolha  que  “permitiu gerar repositórios onde se observaram tendências do sistema em produzir padrões específicos que permitiram pensar em um equilíbrio entre diferença e repetição.”  (PITOMBEIRA  &  BARBOSA,  2009, p. 3).

11

O Sistema-Gr

12

cria originalmente um arcabouço de planejamento e

processamento de uma composição musical. O coeficiente de similaridade é aplicado tanto ao ritmo quanto às alturas, o que proporciona ao compositor o controle maior sobre o fluxo do continuo musical. O ponto de partida do compositor aqui são suas ideias originais, o que se coaduna os fundamentos da abordagem de Almada. A ideia central é a derivação de material para confecção de uma obra musical:  a  “Grundgestalt representaria metaforicamente para Schoenberg uma semente, da qual seria extraído, por intermédio de diferentes processos derivativos, todo o material  necessário”  para tal (ALMADA, 2014, p. 1). Para isso, o complexo GeneMus constitui-se como um conjunto de “ferramentas   computacionais para assistência à composição” (op. cit., p. 2). Cinco aplicativos modulares operam em linguagem computacional MATLAB. São eles: 1) AXIOM_gT; 2) gT_fT; 3)fT_axGr; 4) axGr_varGr; 5) Syntax. Cada programa corresponde a uma fase diferente do processo de derivação. Existe uma diferença básica entre as propostas de Almada (2012) e Pitombeira & Barbosa (2009). No Sistema-Gr o compositor fornece a ideia inicial (axioma), e uma completa paleta de ferramentas composicionais é oferecida ao compositor no sentido do desenvolvimento temático (complexo Genemus). O programa inclui a indicação do coeficiente de similaridade entre o axioma e suas derivações. Atrelando ao processo a qualidade de similaridade temática entre a célula mater e as derivações. No uso dos sistemas não lineares, a geração de conteúdo musical parte de equações alimentadas por valores predefinidos. Um dos pontos em comum entre as duas abordagens é a utilização de conceitos da Teoria dos Conjuntos (FORTE13, 1973).

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Para mais detalhes sobre o Sistema-Gr, ver ALMADA (2012a; 2013c; 2013c; 2013e). Allen Forte é Ph. D. em teoria da música e professor emérito no Departamento de Música da Universidade de Yale. Suas publicações incluem cerca de doze livros e oitenta artigos, publicados no Journal of Music Theory, Music Theory Spectrum, Music Analysis, Perspectivem of New Music e Journal of the American Musicological Society. Seu trabalho reflete seu interesse no estudo da música de vanguarda do século XX, principalmente a da Segunda Escola de Viena, na música de Olivier Messiaen, na Análise Schenkeriana, e outros aspectos da teoria da música. 13

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As três formas de planos composicionais classificam-se em duas abordagens. A primeira alinha-se às propostas de Pitombeira & Barbosa (2009 e 2009b), autores que partem do princípio de que uma equação não linear, levada ao estado caótico, pode gerar, quando inserida em certo aplicativo, dados concretos para a elaboração de uma composição musical. Os dados traduzem-se musicalmente de forma concreta (por exemplo, em conjuntos de classes de alturas). Mesmo que ainda haja necessidade de elaboração de uma sintaxe entre as classes de notas (e no caso dos sistemas bidimensionais, uma correlação entre dois parâmetros), o que é revelado pelo aplicativo ao compositor resulta diretamente em matéria prima, enriquecida de possibilidades musicais relevantes. No Sistema-Gr apresentado por Almada (2012), por outro lado, a engrenagem do plano composicional parte do axioma - uma célula musical original, para que então sejam gerados os teoremas (abstrações rítmicas e de altura) e as derivações. Mesmo nos conceitos de curva derivativa, a aplicação fica à mercê de uma microestrutura pré-definida. Ainda assim é um sistema de processamento de relações entre teoremas (ideias musicais), um gerador de dados, como no caso do uso de sistemas caóticos. Os dois modelos são geradores de dados. O Sistema-Gr possibilita derivações de uma pequena célula enquanto os sistemas não lineares fornecem o material para a composição a partir de uma equação matemática. Seja concebendo a própria matéria prima para um sistema de processamento de ideias, ou construindo gestos a partir de uma matéria prima obtida através de um gerador de dados, o compositor deverá determinar o discurso musical, realizar sintaxes e formatações a partir de seus próprios critérios. Parte do trabalho de planejamento composicional pode ser realizado de forma subliminar, independentemente da formulação de planos concretos. William Fernandes (2013) diz em sua tese de mestrado que: Outra fonte de pesquisa, menos informal que as cartas, são os ensaios, capítulos e livros completos em que os compositores, numa postura mais musicológica, escrevem sobre sua própria obra revelando processos composicionais e propiciando reflexões estéticas2. Temos, por exemplo, a coleção de textos em Style and Idea (1984) de Schoenberg, a Poética Musical em 6 lições (1942) de Stravinsky e o The Craft of Musical Composition (1945) de Hindemith. (FERNANDES, 2013, p. 18)

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E aliando-se a esta ideia, John Sloboda (1985), no capítulo sobre composição e improvisação de seu livro The musical mind: the cognitive psychology of music, discorre sobre o processo de criação musical a partir da verbalização do compositor no próprio ato da criação. Sloboda analisa seu próprio comportamento durante o processo de composição, e propõe um procedimento que ele mesmo chama de análise do protocolo, que por sua vez, revela o aproveitamento do material já utilizado na peça como gerador de novas ideias no decorrer da criação da obra. Esta proposta pode ser lida à luz do coeficiente de similaridade no Sistema-Gr, bem como do aproveitamento criativo de um pequeno teorema. Para Fred Lerdahl, uma  “gramática   musical14”,  é  “um limitado conjunto de regras que pode gerar indefinidamente amplos conjuntos de eventos musicais e/ou suas descrições estruturais.15”   (1988, p. 233). Ainda de acordo com Lerdahl, o conjunto de regras  da  gramática  “geram os eventos de uma passagem ou peça e no processo, prove algum tipo de especificação 16.” (op. cit., p. 233). Para José Orlando Alves (2005), “o planejamento composicional é uma ferramenta que auxilia e alimenta o fluxo criativo e atende à demanda de compositores que valorizam determinadas etapas que antecedem a composição.”  (op cit., p. 15). Em sua tese de doutorado, Alves apresenta outro modelo de composição – o Planejamento Composicional Parametrizado Matricial, e em suas palavras, ele está: (...) basicamente direcionado para gerar, combinar e armazenar características e padrões estruturais, prontos para a utilização imediata na composição musical. Assim, a ideia de utilizar um planejamento guiado por cálculos e parâmetros está relacionada diretamente com aspectos da formalização de procedimentos composicionais. (ibid., p. 15).

De maneira resumida, Alves detalha seu processo de planejamento: (...) a escolha das alturas parte de um conjunto principal de classes de alturas e os seus respectivos subconjuntos derivados (...). A partir deste conjunto de classe de alturas, o planejamento estudado utiliza a sua decomposição em subconjuntos de

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Termo utilizado por Lerdahl para identificar um conjunto de regras que parece ser o ponto de partida tanto para o processo de composição quanto para a percepção do compositor e do ouvinte. 15 (...) “a   limited   set   of   rules   that can generate indefinitely large sets of musical events and/or their structural descriptions.”  (LERDAHL, 1988, p. 233). 16 (...) “generates  the  events  of  a  passage or piece, and in the process provides some sort of specification.”   (LERDAHL, 1988, p. 233).

14 classes de alturas na etapa de construção das matrizes, que serão a base do processo de manipulação.” (ibid., p. 56).

No planejamento levantado por Alves, a Teria dos Conjuntos aplicada à música, de Forte (1973), e o Conceito de Classes de Contornos de Morris (1987), servem de embasamento. Trata-se de um modelo de planejamento composicional que pode se refletir de duas formas: em relação a alturas ou a texturas. Este modelo possui semelhança com o modelo proposto por Almada (2012), pela maneira com a qual o processamento das ideias é realizado.

Textura, gesto e derivação A busca pela definição de textura musical ganhou maior destaque apenas na segunda metade do século XX. “A noção de textura musical que aparece em literatura anterior à década de 60 resume-se, em geral, ao uso de rótulos convencionais: monodia, homofonia, polifonia e heterofonia”   (SENNA, 2007, p. 1). Contudo, nas últimas décadas, a textura ganhou importância no pensamento analítico musical. Uma recente e referencial abordagem é a análise textural proposta por Wallace Berry (1976). Ela verifica quantitativamente e qualitativamente as relações que envolvem os componentes entre si e sua continuidade no espaço musical. As configurações texturais se delineiam no sentido vertical, quando as relações entre componentes simultâneos são observadas entre si. As relações exprimem o que Berry chama de progressão e recessão textural quando são analisadas no decorrer do discurso, de maneira horizontal. A abordagem de Berry tornou-se referência para diversos trabalhos e pesquisas posteriores: Marcos Lucas (1995); Schubert (1999) Caio Senna (2007); Didier Guigue (2007); entre outros. Segundo Berry, a textura musical (...) consiste de seus componentes sonoros; é condicionada em parte pelo número daqueles componentes soando em simultaneidade ou concorrência, suas qualidades determinadas por suas interações, inter-relações, e projeções relativas e substanciais de linhas componentes ou outro componente fator sonoro17. (BERRY, 1976, p. 184).

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“The texture of music consists of its sounding components; it is conditioned in part by the number of those components sounding in simultaneity or concurrence, its qualities determined by the interactions, interrelations, and relative projections and substances of component lines or other component sounding factors”  (BERRY, 1976, p. 184).

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Um dos trabalhos derivados é o de Gentil-Nunes e Carvalho (2003), no qual é proposta a expansão do modelo analítico textural de Berry através da aproximação à Teoria das Partições. A Análise Particional, doravante AP, é o conjunto de abstrações que mapeiam e fornecem uma taxonomia exaustiva das configurações texturais. Existem pelo menos três aplicações da AP no que se refere à textura: 1) Particionamento Textural ou Rítmico; 2) Particionamento Linear ou Melódico; e 3) Particionamento de Eventos ou por Canais18. No presente trabalho, o foco encontra-se no Particionamento Textural ou Rítmico (a relação entre a Análise Textural e a AP será abordada no cap. II). No presente trabalho, o conceito de Gesto elaborado por Ferneyhough é central. Aplicado aos procedimentos composicionais, o gesto é material possuidor de propriedades derivativas. Para Ferneyhough 19 (1998), o   “gesto é o resultado de um trabalho paramétrico, que atua tanto com um enfoque tradicional, nas operações que manipulam as alturas e os ritmos, como em formas mais diferenciadas.”   (CASTELLANI, 2010, p. 189). É intrínseca ao gesto, a propriedade  ‘gestáltica’, ou seja, “o que o define não é um trabalho isolado, mas a interação entre os diversos procedimentos presentes em um contexto composicional que convergem em direção a um efeito global.”  (ibid., p. 189). Ferneyhough refere-se ainda, à tríade gesto-figura-textura, alinhando-os em igualdade de importância.   O   gesto   “reúne duas porções de experiência: a ação instrumental e a sonoridade produzida”   (ibid., p 192) e pode ser interpretado por associações de ideias a movimentos corporais ou a um objeto. As figuras são os agrupamentos de características intrínsecas ao gesto. A textura se define no nível geral da disposição dos gestos, surgindo a partir do agrupamento dos gestos. A modelização proposta pela AP pode ser lida a partir desta abordagem. O olhar analítico sobre os dados obtidos permite o estabelecimento de relação direta entre entre bolha-gesto-textura20. No indexograma, as bolhas são delineadas pelos contornos dos índices fluindo pelo eixo temporal. Os gestos são configurados pela recorrência de

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Outras aplicações estão em desenvolvimento no momento, como por exemplo, o Particionamento de Timbres. 19 Em Collected Writings, o autor discorre a respeito de três parâmetros: gesto, figura e textura. Será tomado para uma breve reflexão apenas as referências no que diz respeito ao gesto. 20 As bolhas são representações de unidades de progressão textural, em forma de arco, delimitadas por partições simples, e representadas no indexograma por uma área curva aproximadamente fechada em torno do eixo médio.

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perfis das bolhas no decorrer do discurso. Por fim, a malha textural é configurada a partir do reconhecimento das características dos perfis e das recorrências gestuais. Na presente pesquisa os gestos serão entendidos como: 1) configurações recorrentes de perfis de bolhas, que por sua vez são representadas graficamente por movimentos dos índices (a,d) no indexograma, 2) elementos que formam e expressam a qualidade textural sob a ótica do particionamento rítmico. A abordagem gestual do presente trabalho busca analisar os processos de derivação dos gestos no decorrer da obra sob o viés pragmático da AP. Será adotada a abordagem de Almada (2011) em relação ao conceito de derivação, dentro do escopo da Variação Progressiva (Development Variation) de Arnold Schoenberg. Segundo Almada “(...)  ela descreve, essencialmente, o conjunto de procedimentos composicionais empregados na contínua transformação da ideia primordial (...) de uma determinada peça, gerando outros motivos, temas e fragmentos temáticos” (op. cit., 2011, p. 11). O procedimento de derivação textural proposto no presente trabalho foca-se na transformação de gestos através de operações de movimentos particionais e sua eventual aplicação na prática composicional. Gentil-Nunes aponta para essa possibilidade quando diz que A representação de distâncias entre partições permite o tratamento intervalar. Ou seja, a aplicação de qualquer tipo de operação de transposição, inversão, retrogradação, serialização ou outras técnicas de manipulação composicional. A característica parcialmente ordenada do espaço de partições torna estas operações mais flexíveis e com resultados menos previsíveis que suas contrapartidas tradicionais. O que pode se constitui em grande vantagem no processo criativo, uma vez que uma mesma estrutura de progressões pode gerar progressões reais diversas, e, no entanto, com características semelhantes. (ibid., 2009, p. 52).

Fundamentação filosófica No nível filosófico e ideológico, o presente trabalho está alinhado à Virada Linguístico-Pragmática (VLP) de Wittgenstein (1889–1951), filósofo austríaco naturalizado britânico, que na segunda parte de sua produção científica lança a ideia de que (...) a linguagem dispõe de um conjunto de sinais que assumem sentidos somente nos usos, contextualizados. Deste modo, verifica-se que a própria concepção  de  “linguagem”  em  Wittgenstein  assume  diferentes  significados.

17 (...) Wittgenstein cria a metáfora dos jogos de linguagens, para explicar a sua perspectiva de linguagem, afirmando que na comunicação ocorre como se houvesse jogos de linguagem nos quais seus participantes partilham — entre outros aspectos — das mesmas regras, sentidos, valores e contextos. (MOREIRA, 2010, p. 3).

Wittgenstein considera que um conceito é incapaz de pertencer a uma linguagem privada, já que os conceitos são definidos por um tipo de acordo linguístico público e compartilhado. Wittgenstein desconsidera a possibilidade de uma tal linguagem que não seja compartilhada e pública nos jogos de linguagem. Isto é, para que haja referência a um conceito, este requer critérios e mesmo uma dor alheia — que eu não sinto — pode ser compreendida como tal, pois, apesar de eu não senti-la,   conheço   o   conceito   de   dor.   E   não   se   trata   de   uma   “dor”   que   é   pública,  mas  um  “conceito  de  dor”  que  é  público e, portanto, possível de ser compartilhado. (ibid., p. 4)

Os significados das palavras são determinados por um conjunto de acordos linguísticos, a partir de acertos sociais, pois “o que há são jogos de linguagem irredutíveis uns aos outros, bem como, a eles correlacionados, irredutíveis mundos fenomênicos”  (MELO 1991, p 66), apontando teorias consequentes da noção de jogo de linguagem.  Sumarizando,  “é  no  contexto  dos  usos  que  um  ‘significado’  emerge,  não  o   contrário  (...)” (RODRIGUES, 2010, p. 7). Na AP são previstos jogos que sustentam a linguagem por ela utilizada. Desta forma, o distanciamento e as diferenças desta posição em relação a posições subjetivistas e objetivistas ficam muito claras. O viés linguístico-pragmático fornece a base para formulações e interrelações das ideias e conceitos pretendidos no presente trabalho. II - GESTOS TEXTURAIS Textura A abordagem de Berry A análise textural foi proposta por Wallace Berry no livro Structural Functions in Music, de 1976 (cap. 2). O autor apresenta abordagem a respeito da textura, base para a formulação da AP.

18

Os componentes

21

são os elementos em jogo na análise, que se

relacionando-se de verticalmente sob o viés das durações e das direções de movimento. A simples aferição do número de componentes sonoros dentro de uma janela de observação (aproximadamente de um compasso) constitui o que Berry chama de densidade-número, deflagrando o aspecto quantitativo das relações entre os componentes. Já a densidade-compressão é calculada como razão entre o número de componentes e seu âmbito vertical, medido em quantidade de semitons. Por outro lado componentes

reais

constituem-se

a

partir

das

relações

de

independência/interdependência em jogo sob, o viés da confluência/divergência rítmica e/ou das direções de movimento. Este é o aspecto qualitativo e diz respeito “(1) à natureza das interações e inter-relações dentro do tecido musical e (2) às mudanças nas relações de independência e interdependência   de  uma   dada   textura.” (SANTOS, 2012, p. 1028). Berry usa a janela de compasso para observar as relações entre os componentes. A AP, por outro lado, considera cada ataque como pontos de releitura das configurações texturais, cobrindo assim todas as leituras possíveis em janelas maiores. Ainda assim, a avaliação qualitativa vertical presente em Berry continua sendo fundamental para a AP. O engendramento analítico, constituído pelas relações de densidade-número entre os componentes e a progressão/recessão textural, tem íntima ligação com a proposta analítica da AP. Por outro lado, os Particionamentos rítmico, Melódico e de Eventos, propõem o maior detalhamento das relações entre os componentes. E assim, de maneira particular no Particionamento rítmico, o que se tem é um refinamento do conceito de densidade-número e progressão/recessão textural, delineados pelos índices de aglomeração e dispersão (GENTIL-NUNES, 2009). AP – Análise Particional Fundamentos

21

“O termo   ‘componente’ pode referir-se genericamente a qualquer componente estrutural, tal como indicado no contexto em consideração, e qualificado como: componente real, componente inativo, componente de duplicação etc...” (BERRY, 1976, p.186).

19

A Análise Particional constituiu-se em sua primeira etapa como aproximação entre a Teoria das Partições dos Inteiros22 de Euler (ANDREWS, 1984) e a análise textural de Wallace Berry (1976). Consiste basicamente da análise da dinâmica das configurações texturais sob dois aspectos: a variedade ou dispersão (polifonias internas) e o peso, espessura ou aglomeração (blocos sonoros). No entanto, não trata-se não da observação das alternâncias entre dispersão e aglomeração, uma vez que os dois aspectos são independentes e combináveis. Texturas homofônicas e híbridas também são contempladas na análise. De fato, todas as configurações possíveis são categorizadas (taxonomia exaustiva). O programa PARSEMAT é uma das ferramentas da AP e gera dois tipos de gráficos – o indexograma e o particiograma, a partir de um arquivo MIDI. Cada particionamento (Rítmico, Melódico e por Eventos) apresenta resultados para aspectos texturais diferentes, pois seus parâmetros são distintos entre si. No entanto, todos compartilham as mesmas abstrações, resultando na construção de homologia entre os campos.

Figura 1 - Mozart, Eine Kleine Nacthmusik, K. 5, excerto: indexograma. Gráfico gerado pelo programa PARSEMAT (GENTIL-NUNES, 2004).

22

[...] “a teoria das partições é uma área da teoria aditiva dos números, que trata da representação de números inteiros como somas de outros números inteiros” [...] (ANDREWS, 1984, p. 189).

20

O indexograma será a principal ferramenta de visualização no presente trabalho. Ele constitui-se pelo contorno dos índices (aglomeração e dispersão) em disposição espelhada contra um eixo temporal medido em pontos de tempo

23

(doravante, pt). Na parte superior do gráfico são apresentadas as partições (Fig.1). Uma configuração aglomerada (alto índice de aglomeração expresso em um pico inferior) corresponde a trechos onde a atuação dos componentes possui confluência rítmico-temporal, ou seja, os componentes realizam as mesmas figurações rítmicas formando blocos sonoros. Já as configurações dispersas (que alcancem picos superiores relativos ao índice de dispersão) dão conta dos movimentos resultantes dos componentes que atuam em figurações distintas entre si. É o caso de estruturas polifônicas. A textura musical ganha corpo através dos movimentos particionais, representados no indexograma pelos índices de dispersão e aglomeração (Fig. 2). Porém, não trata-se de apenas da alternância entre configurações dispersas aglomeradas. É o jogo de oscilações entre os dois índices, ou até mesmo a anulação dos mesmos, que dá forma às bolhas, que por sua vez alimentam os gestos. Uma figuração rítmica monódica, por exemplo, não alcançará largos índices de aglomeração ou dispersão. Contudo, esta não deixa de ser uma possibilidade textural presente24.

Figura 2 - Victorio, Codex Troano, I movimento, excerto: indexograma. Gráfico gerado pelo programa PARSEMAT (GENTIL-NUNES, 2004).

23 24

Os pontos de tempo se relacionam com a unidade de tempo estabelecida na fórmula de compasso. Para maiores informações, ver GENTIL-NUNES, 2009.

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Os movimentos particionais são transformações sucessivas que as partições sofrem no decorrer da obra. Em sua tese, Gentil-Nunes (2009) classifica os movimentos particionais em cinco tipos básicos (Fig. 3):

Figura 3 – Exemplos dos movimentos particionais no indexograma. A – redimensionamento, B – revariância, C – transferência e D – concorrência. Gráfico gerado pelo programa OPERADORES (GENTIL-NUNES, 2012).

1) redimensionamento (m); No redimensionamento acontece inserção/exclusão de componentes que acrescem/decrescem no índice de aglomeração, ou simultaneamente nos índices de

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aglomeração   e   dispersão.   Neste   caso,   “em   termos   de   textura,   este   movimento   corresponde a um comportamento de ator unilateral: quando um elemento se adensa ou afila,  os  outros  o  contemplam  inertes”  (op.  cit.,  2009,  p.  45). 2) revariância (v); Na

revariância

acontece

inserção/exclusão

de

componentes

que

acrescem/decrescem   no   índice   de   dispersão   somente.   Assim,   “enquanto um elemento novo surge ou um elemento unitário já existente desaparece, os outros contemplam a mudança  sem  alterações  em  suas  espessuras”  (ibid.,  2009,  p.  46). 3) transferência (t); Na transferência o jogo está na permutação entre os componentes, ou seja, é quando um ou mais componentes deixam de atuar em configurações dispersas e passam a contribuir para configurações aglomeradas e vice-versa. Não há perda da densidadenúmero,  não  há  acréscimo  ou  decréscimo  de  componentes,  o  que  ocorre  é  que  “quando   uma parte se afila, outras surgem para compensar a perda de densidade; e vice-versa, quando  surge  uma  nova  parte,  outras  se  afilam”  (ibid.,  p.  47). 4) concorrência (c); e 5) reglomeração. Nos movimentos de concorrência, as interações ocorrem no trato da dispersão e aglomeração concomitantemente, de maneira bilateral. Em outras palavras “quando   um   se   afila,   outros   se   afilam   também   e   outros   desaparecem; quando um se adensa,   outros   surgem,   também   adensados”   (ibid., p. 49). Ainda,   “a   reglomeração   define-se quando o índice de dispersão entre as partições é fixo e apenas o índice de aglomeração é articulado”  (ibid., p. 49). Uma sucessão de movimentos particionais pode ser representada por um vetor composto pelos operadores envolvidos em cada progressão ou derivação. Por exemplo, se uma partição de um gesto original passa por um movimento de redimensionamento combinado com um de revariância, esta progressão ou derivação por ser representada pelo módulo [m v]. Porém, um gesto é composto geralmente por mais de uma partição. Nestes casos, haverá vários movimentos particionais que comportarão um módulo de operação específica, gerando um gesto derivado. As análises dos movimentos particionais (cap. IV) utilizam representações vetoriais das operações envolvidas nas derivações dos gestos principais, ilustrando o movimento de derivação gestual.

23

O programa Operadores Particionais (GENTIL-NUNES e MOREIRA, 2013) auxilia no planejamento composicional fornecendo os perfis das progressões particionais. Diferente do programa Parsemat, o Operadores funciona analisando as progressões particionais diretamente, e acumulando operações que depois são visualizadas em particiogramas e indexogramas.

Gestos Texturais Os gestos texturais são conjuntos de bolhas, ou segmentos de bolhas, que representam as progressões texturais e que tem perfil recorrente durante uma determinada obra. As características dos gestos serão extraídas a partir da interpretação dos perfis das bolhas (Fig. 4).

Figura 4 - Victorio, Codex Troano, II movimento, excerto: leitura dos conceitos de gesto e bolhas no indexograma. Gráfico gerado pelo programa PARSEMAT (GENTIL-NUNES, 2004).

Os gestos texturais se configuram sob a ótica textural da Análise Particional, por isso seu viés é pragmático dentro dos jogos de linguagem previstos pela AP, ou seja, a abordagem é exclusivamente poiética. A percepção dos gestos e sua validade estética podem ser abordadas em trabalhos futuros. Derivação gestual textural O movimento de derivação gestual textural é a observação das relações entre um gesto textural básico e suas derivações, de forma progressiva. As operações

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particionais são consideradas dentro de um eixo paradigmático vertical. Gentil-Nunes (2009) aponta para essa possibilidade quando diz que: A representação de distâncias entre partições permite o tratamento intervalar. Ou seja, a aplicação de qualquer tipo de operação de transposição, inversão, retrogradação, serialização ou outras técnicas de manipulação composicional (...) o que pode se constituir em grande vantagem no processo criativo, uma vez que uma mesma estrutura de progressões pode gerar progressões reais diversas, e, no entanto, com características semelhantes (...) há uma sequência de movimentos particionais na primeira parte (< v v t t c >) que são repetidos de forma ligeiramente variada na segunda (< v c c m t c  t  c  >)”    (op. cit., 2009, p. 52, 90).

Um módulo de operação é um vetor onde os movimentos particionais (transferência, redimensionamento e revariância), representados por m, v e t são empregados como agentes de derivação. Funciona como ferramenta analítica e também no planejamento composicional. A similaridade entre os gestos originais e derivados pode então ser avaliada ou, por outro lado, um módulo de operação poderá ser escolhido como referência, sendo aplicado a todos os gestos envolvidos. O movimento de derivação gestual textural inferido sobre as partições dos gestos originais pode ser observado em uma tabela. A verticalização do movimento possibilita a representação gráfica dos módulos em forma de matriz. Esta maneira de representação será adotada para expor o módulo de operações

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como eixo

paradigmático. Tabela 1 – Tabela utilizada para representação do movimento de derivação gestual textural. .

A derivação se constitui através dos operadores básicos (m, v, t), com sinais positivo ou negativo, de acordo com o caráter progressivo ou regressivo da operação, por exemplo (Tab. 1):

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Conjunto de movimentos particionais estruturados como eixo sintagmático que utiliza operações matemáticas.

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Adicionalmente, há a possibilidade de acréscimo (+), supressão (x) ou recorrência (=) de partições (Tab. 2): Tabela 2 – Tabela utilizada para representação do movimento de derivação gestual textural. .

III - ANÁLISES Nas análises subsequentes, serão usadas as seguintes convenções: 1) Gestos – a, b, c etc. 2) Derivações – a1, a2, a3 etc. 3) Bolhas – I, II, III etc (compõem os gestos). No presente trabalho, questões timbrísticas e harmônicas não serão fatores determinantes nas análises 26 . Contudo, ganharão lugar no processo descritivo dos gestos, a fim de esboçar algumas características. As estruturas formais encontradas na partitura serão relacionadas aos gestos, no intuito de agregar valor. Codex Troano O Codex Troano é uma das obras referenciais de Roberto Victorio, sendo também uma das mais importantes obras brasileiras para grupo de percussão. É dividida em três movimentos: I – Portal do Sol; II – Portal da Lua; III – O Grande Templo dos Deuses. Victorio (2005, p. 1) explica que a cabala hebraica teve papel de inspiração no processo composicional (também baseado no código maia), ao qual o título Codex Troano se refere: “(...)   a   intenção   em   Codex Troano foi traçar um paralelo entre o

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Existem outras pesquisas em andamento no MusMat, que consideram as outras formas de aplicação da AP à textura musical.

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percurso musical da obra e o código maia da criação, tendo como suporte a tradição cabalística hebraica (...)”.  No  texto  do  compositor encontram-se as fundamentações da obra, as conexões entre o material gerador das ideias e suas representações. A textura em Codex é elemento tratado em primeiro plano. A escrita privilegia gestos instrumentais envolvendo tanto instrumentistas isolados quanto curvas cinéticas. Este aspecto, coberto pelo compositor em comentários imagéticos e referenciais sobre obra, apesar de estrutural, ainda não está bem documentado e analisado. Contudo, a análise aqui identifica elementos gestuais específicos e suas articulações no decorrer da obra. A AP será usada como ferramenta e as informações reveladas através dos dados extraídos serão norteadores nesta tarefa analítica. I movimento – Portal do Sol Gestos e derivações O movimento é dividido em três grandes seções que serão analisadas separadamente, observando os principais padrões de movimentos e suas derivações: Seção A (c. 1-12); Seção B (c. 13-34) e Seção  A’  (c.  35-54, Fig. 5).

Figura 5 – Seções  A,  B,  A’  e  padrões gestuais recorrentes dentro do indexograma em Codex Troano – I Mov. Portal do Sol. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENTIL-NUNES, 2004).

Os quatro gestos principais são apresentados na seção A (Fig. 6). O gesto a (c.1) possui perfil homogêneo, caracterizado por curvas de pequena amplitude. No gesto b (c. 2) notam-se oscilações entre os índices (em relação ao gesto a) através da aparição de bolhas mais encorpadas, tendendo para polifonia e dispersão entre as vozes. Em c (c.

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3-4) a formação de duas bolhas: I (c. 3) e II (c. 4), é dada pelo alto índice de aglomeração e pelo índice quase nulo de polifonia. Elas representam acordes ou blocos sonoros massivos, que neste caso indicam os ataques dos instrumentos de teclado. Os gestos b e c contrapõem-se por suas configurações contrastantes. Relacionando os dois gestos, as bolhas consecutivas do gesto b representam poucas variações nos índices de dispersão e aglomeração. No entanto, o gesto c representa o mais alto índice de aglomeração na obra. O gesto d é o maior e contém a configuração mais polifônica e crescente. Dividido em duas bolhas: I (c.5) e II (c.6), este gesto (mais precisamente sua primeira bolha) aparece ao fim de cada recorrência derivativa. Isto quer dizer que as derivações dos gestos a, b e c ocorrem quase sempre em sequência, numa espécie cadeia sequencial. Outra funcionalidade para este gesto é a de finalizar um episódio 27.

Figura 6 - Indexograma dos gestos a, b, c e d na seção A em Codex Troano – I Mov. Portal do Sol. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENTIL-NUNES, 2004).

O gesto a1 (c. 8-10) ganha forma mais aberta, atingindo maior nível de dispersão ou polifonia em relação à sua primeira aparição. Porém é o gesto c1 (c. 11) que recebe maior nível de transformação. As bolhas aglomeradas são mantidas, porém ampliadas em suas durações e repetições. As novas bolhas resultantes da derivação tem correspondência com os blocos sonoros utilizados na forma da aparição original do gesto c. O gesto d tem função conclusiva com o uso exclusivo de sua primeira bolha. A segunda bolha foi considerado subsidiária por não haver nenhuma derivação posterior, o

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O termo episódio refere-se, no presente trabalho, a unidades morfológicas compostas por um modelo (pequeno trecho formado por alguns incisos) que sofre reproduções sucessivas, em transposição diatônica ou cromática, formando marcha. A unidade pode ser fechada por uma cadência, chamada de pivô. O conceito é estabelecido por Meyer (1960) e Scliar (1982).

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que reforça sua função de apoio local (eco) da primeira entrada da primeira bolha (Fig. 7, 8).

Figura 7– Derivação dos gestos na subseção A1 em Codex Troano – I Mov. Portal do Sol. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENTIL-NUNES, 2004).

Figura 8– Gesto c e sua derivação c1 em Codex Troano – I Mov. Portal do Sol.

Os quatro gestos em jogo na análise recebem o número significativamente maior de derivações e variações; os restantes foram considerados subsidiários. Destes, os mais expostos à derivação são os gestos c e d. Na seção B (c. 13-25) ocorrem novos gestos a partir do desenvolvimento e/ou combinação destes gestos. A derivação c2 (c. 24) apresenta-se mantendo a relação bloco/aglomeração intrínseca ao gesto c. No entanto, a articulação clara de c e d não deixa dúvidas sobre a recorrência do módulo, com d funcionando mais uma vez como gesto conclusivo (Fig. 9).

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Figura 9 – Padrões menos recorrentes, gesto c2 e gesto d sem a segunda bolha. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENTIL-NUNES, 2004).

Novos gestos surgem de derivações de b e c ainda na mesma seção. As configurações de maior dispersão encontradas na aparição original de b são potencializadas em b1 (c. 30). O gesto c3 (c. 31-34) é apresentado com seus altos índices de aglomeração formando os blocos sonoros mais espessos. Porém o índice não é tão alto quanto os anteriores. No gesto c3, o primeiro ataque indica um bloco menos espesso, estabelecido em notas de maior duração. Estes configurações resultantes também se aplicam às duas bolhas seguintes, e por isso elas são mais longas e menos aglomeradas. Contudo, a semelhança com o gesto original é clara. (Fig. 10)

Figura 10 – As derivações de b1 e c3 em Codex Troano – I Mov. Portal do Sol. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENTIL-NUNES, 2004).

As derivações expostas: a2 (c. 38-39), a3 (c. 43-44), b2 (c. 40-42) e c4 (c. 45-46), caracterizam-se como retomada da aparição sequencial gestos recorrentes com derivações individuais (c. 39-47). A ampliação toma lugar outra vez em c4 (c. 45-46),

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corroborando a ideia de que este elemento e suas derivações são sobremaneira recorrentes na obra. Na retomada, o gesto d (c.47) ocorre em sua versão original reforçando sua função como gesto finalizador de uma seção (Fig. 11).

Figura 11 – Gestos derivados a2, a3, b2, c4 e d na retomada em Codex Troano – I Mov. Portal do Sol. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENTIL-NUNES, 2004).

Inferências O bloco c-d está presente na recorrência dos quatro gestos e suas derivações no I movimento (Fig. 12).

Figura 12 – Mapeamento dos gestos e derivações no indexograma completo em Codex Troano – I Mov. Portal do Sol. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENTIL-NUNES, 2004).

Os gestos originais a – b – c apresentam relações bastante definidas e evidentes com suas derivações. As semelhanças entre o gesto a e suas derivações são razoáveis, contudo em alguns pontos específicos os movimentos particionais resultam, nas derivações, bolhas que representam maior dispersão em relação ao gesto original. O gesto b sofre maior diferenciação em sua derivação, sendo a redução em b1 e a

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ampliação em b2 o fator responsável. Já em relação ao gesto c, sua característica aglomerada é mantida em todas as derivações, o que lhe garante uma particularidade gestual textural em todo o movimento (Fig. 13).

Figura 13 – Gestos originais (a, b, c) e suas derivações (a1, a2, a3; b1, b2; c1, c2, c3 e c4) em Codex Troano – I Mov. Portal do Sol. Concepção original do presente autor.

A derivação dos gestos originais também resultou em padrões gestuais com menor recorrência, e sobre eles não repousam as características particulares dos gestos originais. O gesto c recebe a maior carga de derivações, contudo suas características são mantidas em todas as derivações. Existem pontos de maior tensão causados pelo gesto c seguidos pelo gesto d – que por sua vez, exerce papel de encerramento destas passagens.

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Através das análises também foi possível observar os movimentos particionais empregados nos gestos derivados de a, b e c. Eles foram organizados dentro da concepção do movimento de derivação gestual textural (Tab. 3, 4 e 5). Tabela 3 – Movimento de derivação gestual textural empregado no gesto a, em Codex Troano – I Mov. Portal do Sol.

Tabela 4 – Movimento de derivação gestual textural empregado no gesto b, em Codex Troano – I Mov. Portal do Sol.

Tabela 5 – Movimento de derivação gestual textural empregado no gesto c, em Codex Troano – I Mov. Portal do Sol.

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II movimento – Portal da Lua O segundo movimento de Codex Troano é composto por duas seções (A – A’),  com  uma breve intermissão (c. 21) que é formada por um trecho aleatório28, com função de delimitação durando aproximadamente 14 segundos (Fig. 14).

Figura 14 – Seções A  e  A’ no indexograma completo em Codex Troano – II Mov. Portal da Lua. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENIL-NUNES, 2004).

Gestos e derivações Diferentemente do movimento anterior, na seção A do atual movimento (c. 1-20) estão contidos os gestos a, b e suas derivações. Uma característica presente e visível pelo indexograma é a divisão regular das bolhas em ciclos gestuais ora binários, ora ternários. Ou seja, as progressões derivativas acontecem a cada dois ou três bolhas. No gesto a (c. 1-2), o material harmônico é definido pelo ciclo de quartas Lá#, Ré#, Sol#, Dó#, Fá#, Si. As duas bolhas que o compõem mantêm entre si relação de repetição, gerando efeito de eco. Na derivação a1 (c. 3-4) as configurações rítmicas são mantidas, acrescentando-se a entrada de dois instrumentos de percussão. Tanto em a quanto em a1, os ciclos binários das bolhas são mantidos e os movimentos das partições não configuram altos índices de aglomeração e/ou dispersão. Em relação ao gesto anterior, o gesto b (c. 5-8) é mais disperso. Ocorrem a entrada do piano e de dois ciclos binários gestuais segmentados em dois grupos de duas bolhas cada, sendo que as duas primeiras bolhas são repetições quase literais. A terceira bolha representa um ataque em bloco configurando o alto índice de aglomeração. A derivação b1 (c. 9-12) apresenta-se como ampliação do gesto antecedente b. As três bolhas iniciais independentes ganham formas alargadas no sentido vertical superior do

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Trecho sem indicação métrica, porém, com intensa atividade de todo conjunto instrumental. Há apenas uma indicação de duração em segundos.

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indexograma, refletindo maior nível de dispersão causado pelas entradas do xilofone e vibrafone (c. 9). Contudo, diferindo-se do gesto b a bolha final do gesto b1 possui maior índice de dispersão. As derivações b2 (c. 29-35) e b3 (c. 36-44) são formadas por ciclos ternários de bolhas, ou seja, sofrem redução em relação à derivação b1. O pico de dispersão representado pela última bolha de b2 e de b3 é mantido, porém nestas novas derivações, ele é antecedido por duas bolhas. O último gesto da seção A, a derivação b4 mantém relação estrutural com as derivações antecedentes b2 e b3. Contudo, a derivação b4 não é finalizada como suas antecessoras, pois o pico de aglomeração e dispersão (representado pela última bolha em b2 e b3), dá lugar ao trecho aleatório da obra. Este momento aleatório dura aproximadamente 14 segundos (c.21), é uma variação da bolha III do gesto b e constitui o clímax textural do movimento29 (Fig. 15).

Figura 15– Gestos a, b, as derivações a1, b1, b2, b3, b4 em Codex Troano – II Mov. Portal da Lua. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENIL-NUNES, 2004).

O desenvolvimento dos gestos na   seção   A’ (c. 22-31) é consideravelmente menor, em relação à seção anterior. Ocorrem as derivações a2 (c. 22-25) e b5 (c. 26-28). Os ciclos binários de bolhas reaparecem em a2. Os baixos índices de aglomeração e dispersão intrínsecos ao gesto original a, são mantidos. Já em b5, existem três picos de dispersão espelhados assimetricamente por baixos índices de aglomeração. Esses gestos são particulares aos ataques dos teclados ocorridos na primeira seção, inicialmente

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Mesmo que o trecho aleatório represente o momento mais polifônico da obra, o gráfico não irá mostrar um pico de dispersão. Pois a escrita contem notas sem duração e o PARSEMAT observa as configurações temporais escritas na partitura em linguagem MIDI.

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indicando o fim de ciclos ternários nas derivações b2, b3 e b4. Em b5 eles também ocorrem três vezes (o espaço entre os picos é menor levando em conta sua aparição original) e o fato de os níveis de dispersão serem maiores (Fig. 16).

Figura 16– Seção  A’,  as  derivações  a2, b5 em Codex Troano – II Mov. Portal da Lua. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENTIL-NUNES, 2004).

Inferências A principal característica identificada no que diz respeito à derivação dos gestos, é a progressão cíclica.

Figura 17– Gestos originais (a, b) e suas derivações: (a1, a2; b1, b2, b3, b4 e b5) em Codex Troano – II Mov. Portal da Lua. Concepção original do presente autor.

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Foi percebido que os padrões gestuais apresentam variação gradativa em ciclos binários ou ternários, como fio condutor do desenvolvimento da obra. Esta constatação fica clara na observação das características dos gestos e de suas derivações na obra (Fig. 17). O gesto a e suas duas derivações não apresentam grandes desvios entre si, na formação de suas bolhas. A progressão cíclica binária combinada com baixos índices de aglomeração e dispersão são as características principais deste gesto. Da mesma forma, o gesto b mantém sua estrutura gestual de ciclos ternários e quaternários finalizados por um pico de dispersão concomitante a um pico de aglomeração. As derivações de b também são mais ampliadas. O gesto b recebe a maior quantidade de derivações. Através das análises também foi possível observar os movimentos particionais empregados nos gestos derivados de a e b. Eles foram organizados dentro da concepção do movimento de derivação gestual textural (Tab. 6 e 7). III Movimento – Grande Templo dos Deuses O terceiro movimento é o mais extenso e está dividido em: seção A (c.1-59), seção B (c. 60-83),  seção  A’  (c. 84-114),  seção  B’ (c.115-120) e seção C (c. 121-161, Fig. 18). Esta divisão se deu em duas etapas: 1) observação dos gestos e suas recorrências, e 2) análise na partitura dos gestos identificados pelo indexograma.

Figura 18 – Indexograma das seções A,  B,  A’,  B’  e  C  em  Codex Troano – III Mov. Grande Templo dos deuses. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENIL-NUNES, 2004).

Gestos e derivações Na seção A, a mais longa, estão presentes os gestos;

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a (c. 1-4); b (c. 5-7); c (c. 11-13) e algumas de suas derivações. O gesto a possui baixos índices de aglomeração e dispersão e é formado por uma única bolha que apresenta aumento ligeiro e gradativo. Apenas piano, pratos e bombo estão envolvidos neste gesto. Já o gesto b é contrastante em relação ao gesto anterior. Pois além de apresentar um maior nível de aglomeração, conta com configuração rítmica mais variada apresentada em três bolhas. A primeira, (c.5) mantém os baixos níveis de aglomeração e dispersão enquanto a segunda bolha (c.6) atinge maior índice de aglomeração, representando o acorde realizado pelo piano. Já a terceira bolha (c.7) alcança menores índices de aglomeração e mantém relação de redução e eco com a bolha anterior. A derivação b1 (c. 8-9) sofre redução em relação ao gesto original, sendo formada por duas bolhas e eliminando a terceira (comum ao gesto original). A primeira bolha (c.8) do gesto derivado recebe maior nível de aglomeração representando a entrada e uníssono do vibrafone, xilofone e marimba. A segunda bolha (c. 9) é a repetição literal da primeira. A derivação a1 (c. 10) é formada por apenas um bolha e este gesto mantém as configurações alcançadas no gesto original. Parte de configuração homofônica para configurações mais dispersas e aglomeradas (Fig. 19).

Figura 19 – Gestos a, b, b1, a1, c e c1 em Codex Troano – III Mov. Grande Templo dos deuses. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENIL-NUNES, 2004).

O gesto c (c.11-13) é formado por três bolhas que são contrastantes. A bolha I (c. 11) tem níveis nulos de dispersão e aglomeração enquanto a bolha II (c. 12) atinge nível considerável de aglomeração, representando o ataque em bloco do vibrafone e xilofone. A bolha III (c. 13) representa a regressão dos índices de aglomeração e

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dispersão alcançados na bolha anterior. A primeira derivação deste gesto é apresentada, porém ocorre a supressão da primeira bolha comum ao gesto original. Apesar da semelhança com o gesto c, a derivação c1 (c.15-16) apresenta ampliação dos índices de dispersão e aglomeração, principalmente em sua primeira bolha (c.15). A segundas bolhas de c1 e c são idênticas (c. 16; Fig. 19). A próxima derivação, o gesto a2 (c. 17), é semelhante ao gesto a1. Também é formado por uma bolha apenas, a única diferença é que ocorrem duas entradas: uma no temple block e outra no timbale. Com isso, o nível de dispersão torna-se discretamente maior. O gesto derivado b2 (c. 20-21) maior semelhança em relação com o gesto b. Os níveis de aglomeração e dispersão não distanciam-se entre si, porém ocorre inclinação para a aglomeração na única bolha que forma este gesto (Fig. 22). Na sucessão de derivações do gesto b, é apresentado o gesto b3 (c. 30-35). Este, sofre considerável ampliação e passa a ter quatro bolhas. Elas mantêm, entre si, relação de eco e formam um ciclo gestual. A primeira bolha (c. 30-31) apresenta um momento estacionário dos índices, com baixos níveis e poucas oscilações. Na segunda bolha de b3 (c. 32-33) três picos assimétricos são alcançados de maneira gradual até a terceira bolha (c. 33-34). A bolha III apresenta três picos também assimétricos e a partir do terceiro pico é iniciado o retrocesso dos índices até alcançar a bolha IV (c.35). A bolha final de b3 é consideravelmente menor. (Fig. 20).

Figura 20 – Gestos a2, b2 e b3 em Codex Troano – III Mov. Grande Templo dos deuses. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENIL-NUNES, 2004).

O gesto b4 (c. 36-38) sofre adição de novos elementos (e um compasso) gerando uma nova bolha, totalizando três bolhas em sua composição. A relação entre elas parece ser de compressão (entre as bolhas I e II) e expansão (entre as bolhas II e

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III). A primeira (c.36) possui índices mais elevados comparado à primeira bolha do gesto anterior. Já na segunda (c.36-37) os índices retrocedem, configurando formas mais comportadas. Contudo, a semelhança gestual entre as duas primeiras bolhas é alta. Na terceira bolha (c. 38) a expansão gestual está relacionada ao surgimento de novas disposições rítmicas que favorecem tanto configurações mais espessas quanto dispersas. Esta bolha representa o compasso que foi adicionado (Fig. 21).

Figura 21 – Gestos b4, b5 e b6 em Codex Troano – III Mov. Grande Templo dos deuses. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENIL-NUNES, 2004).

A derivação b5 (c. 39-42) é formada por duas bolhas, baixos níveis de dispersão e aglomeração e também sofre adição de um compasso. A primeira bolha (c. 39-40) apresenta pouca oscilação entre os índices. Porém, é acoplado a este gesto, além do acréscimo de um compasso, configurações características da primeira bolha do gesto c. Portanto, a segunda bolha de b5 (c. 41-42) representa a fusão entre a adição sofrida pela gesto b5 e a derivação da primeira bolha do gesto c. O gesto derivado b6 (c. 43-46) possui configurações texturais contrastantes em relação ao gesto anterior e é apresentado com três bolhas. Ocorre supressão de elementos na última bolha representando uma variação reduzida das duas primeiras (c. 43-44). Estas são mais longas do que a última, porém possuem níveis menores nos índices. A terceira bolha (c. 45-46) revela o encurtamento das configurações iniciais da primeira bolha e existe relação de eco entre elas. O gesto derivado b7 (c. 47-49) é uma variação do gesto b5. A primeira bolha (c. 47) representa a ampliação da construção inicial formando um pico de aglomeração com pouca diferença entre eles (gestos b7 e b5). A segunda bolha (c.48) é uma variação da primeira, porém apresenta dois pequenos picos de aglomeração. A

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terceira bolha (c. 48-49) sofre redução e é menor do que as antecessoras. A ampliação é encurtada e alcança apenas um pequeno pico de aglomeração. O gesto b8 (50-51) é apresentado revelando profunda semelhança com o gesto b4. Contudo, nesta nova derivação, a bolha que representa a adição de novos elementos (comum ao gesto b4) não é apresentada. Apesar de ser formado por apenas dois compassos, um ritornelo atribui um maior espaçamento a este gesto. Duas grandes bolhas em relação de perfeita simetria formam este gesto (c. 50-51 antes da repetição; c. 50-51 após a repetição). A repetição literal do trecho gera a relação de eco em total semelhança. A derivação b9 (c. 52-55) é uma variação direta do gesto b4 e possui duas bolhas. A primeira (c. 52) é a repetição literal das bolhas de b8. Contudo na segunda bolha de b9 (c. 53-55) ocorre ampliação deste modelo elevando os níveis de dispersão (Fig. 22).

Figura 22 – Gestos b7, b8 e b9 em Codex Troano – III Mov. Grande Templo dos deuses. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENIL-NUNES, 2004).

A seção B é contrastante em relação à seção A. Suas configurações texturais são mais espaçadas e o maior nível de dispersão (o pico mais alto em todo movimento) é alcançado. Um novo gesto recorrente e que sofrerá derivações é introduzido. O gesto d (c. 60-64) é formado por três bolhas contrastantes entre si. A primeira (c. 60) exprime um início com níveis medianos nos índices e diminuição gradual. É seguida por um momento maior de estabilização textural que representa a segunda bolha (c. 61-62). A terceira bolha (c. 63-64) apresenta um pico espelhado nos níveis representando o ataque em bloco do vibrafone e as configurações diferenciadas nos tímpanos, bells e tamtam.

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O gesto derivado d1 (c. 65-69) é apresentado em relação de eco com o gesto d. A mesma quantidade e formato das bolhas são mantidos. A primeira bolha de d1 (c. 65-67) mantém as características encontradas na primeira do gesto d. A segunda bolha (c. 68-69) alcança altos índices espelhados. O gesto d2 (c. 70-75) é o mais longo de todas as derivações do gesto d. O espaçamento comum ao gesto original e a prolongação por repetição de sua última bolha faz com este gesto ganhe contornos característicos de altos índices de aglomeração e dispersão. Porém, ele não mantém a relação entre as bolhas presente nos gestos d e d1. A primeira (c. 70-71) possui baixos níveis de aglomeração e dispersão enquanto a segunda (c. 72-73) e a terceira (c. 74-75) possuem altos níveis de dispersão representando as entradas do xilofone, piano, tímpano e rotontom. Ocorre quase uma repetição literal entre as bolhas finais, diferenciando-se apenas pela presença do piano e bells na terceira bolha. O gesto d3 (c. 76-78) é menor, formado por apenas uma bolha. Os altos níveis de dispersão expressados no gesto anterior são mantidos. A derivação d4 (c. 79-83) apresenta em seu corpo duas bolhas contrastantes. A primeira (c. 79) apresenta o maior pico de dispersão deste movimento representando as diferentes configurações rítmicas executadas no trecho. A segunda (c. 80-83) é extensa e apesar de semelhança entre o início das duas bolhas, apresenta uma gradual recessão da textura até o nível mais elementar marcando o fim desta seção (Fig. 23).

Figura 23 – Gestos d, d1, d2, d3 e d4 em Codex Troano – III Mov. Grande Templo dos deuses. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENIL-NUNES, 2004).

Contudo, existe uma relação de eco entre os gestos d1, d2, d3 e d4 expressa no indexograma. Ocorre um ciclo ternário de gestos, pois são apresentados tanto no gesto original quando nos derivados duas bolhas menores e um pico nas duas direções

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do gráfico. Neste sentido, a primeira bolha do gesto d4 e as duas últimas de d2 estariam inseridas no gesto d3 e este, apresentaria em ciclo quaternário de bolhas. De qualquer forma, ocorre uma expansão gradual dos picos até o último (primeira bolha de d4) e este parece ser também um padrão gestual recorrente nesta seção. A seção   A’   é iniciada com uma derivação do gesto a. Os níveis são quase idênticos, contudo ocorre a inserção da marimba elevando levemente o nível de dispersão do gesto a2 (c. 84-87). Como ocorrido na seção A, o gesto b (c. 88-89) reaparece antecedendo a derivação b1 (c. 90-92) de forma literal. Um novo material é trabalhado e é antingido o maior nível de aglomeração de todo movimento (c.93-1030. No indexograma estes padrões menos recorrentes são revelados fazendo com que esta seção mantenha relação de contraste com a seção A. O gesto b10 (c. 104-107) possui três pequenas bolhas. A primeira e segunda bolhas (c. 104-105) possuem formas semelhantes atingindo baixos índices. Porém, um prolongamento caracterizado pela recessão dos índices complementa este gesto. É a terceira bolha (c.106-107) que apresenta um pico de aglomeração revelando os ataques em bloco dos teclados fazendo com que esta bolha se diferencia das duas anteriores, que são semelhantes entre si. O gesto derivado a1 é reapresentado (c. 112) seguido do gesto derivado c2 (c. 113). Contudo, este gesto sofre diminuição e perde suas duas últimas bolhas sendo formado por apenas uma. Esta é uma repetição literal da primeira bolha de c mantendo os mesmos índices de aglomeração e dispersão. (Fig. 24).

Figura 24 – Gesto b10, padrões menos recorrentes e reexposição dos gestos a1, a2, b1 e c2 em Codex Troano – III Mov. Grande Templo dos deuses. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENILNUNES, 2004).

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A seção  B’  é  a   menor   do movimento. O gesto d, característico desta seção volta a aparecer em forma derivada. O gesto d5 (c. 115-120) comporta  toda  seção  B’  e  é   formado por quatro bolhas antagônicas. A primeira bolha (c. 115-120) parte de configurações mais espessas e dispersas para configurações mais comportadas com baixos níveis nos índices. Na segunda (c. 117), o nível de dispersão sofre maior acréscimo do que o de aglomeração, formando um pico representando o aumento do jogo polifônico entre as vozes. A terceira bolha (c. 118-119) apresenta a continuação do aumento da dispersão na configuração textural. O índice de aglomeração permanece estável em baixo nível. A última bolha (c. 120) apresenta um ligeiro retrocesso em relação ao nível de dispersão, contudo também apresenta o aumento do nível de aglomeração de forma espelhada. Os dois picos são quase simétricos. A relação entre d5 e d4 é grande, sobretudo pela presença do ciclo de quatro gestos. A   seção   C,   assim   como   a   seção   A’,   contém   gestos   menos   recorrentes   na   obra (c. 121-132), padrões que não foram anteriormente apresentados. Apesar de haver pequenas inserções de material harmônico oriundos de elementos da seção A, estes gestos não se configuram como padrões recorrentes. A principal razão para abordar este trecho como uma nova seção e não como uma coda, deve-se à sua extensão (Fig. 25).

Figura 25 – Gesto d5 e padrões menos recorrentes em Codex Troano – III Mov. Grande Templo dos deuses. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENIL-NUNES, 2004).

Ocorre uma retomada das derivações do gesto b. São repetições literais e na mesma ordem de aparição apresentada na seção A: b5 (c.133-136); b6 (c. 137-140); b7 (c. 142-144); b8 (c. 144-145); e

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b9 (c. 146-149; Fig. 26).

Figura 26 – Retomada dos gestos b5, b6, b7, b8 e b9 em Codex Troano – III Mov. Grande Templo dos deuses. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENIL-NUNES, 2004).

São apresentadas novas derivações do gesto a, em relação de eco. A primeira, a3 (c.150-151) mantém os índices comuns ao gesto original com pequena ampliação gradual dos índices atingindo picos espelhados. O gesto a4 (c. 152-153) apresenta a mesma ampliação do gesto anterior alcançando picos espelhados. Contudo, os níveis atingidos no momento de maior expansão, são maiores. A derivação a5 (154155) também se alinha aos gestos anteriores no sentido da progressão textural crescente. Porém, o pico espalhado revela níveis menores de aglomeração e dispersão. O gesto a6 (c 156-157) é o mais logo e tem níveis mais baixos do que seus antecessores. Ele também não apresenta o pico espelhado entre os índices comum aos gestos anteriores. Os elementos que representam estas configurações texturais são diluídos e eliminados representando o nível quase contínuo dos índices (Fig. 27).

Figura 27 – Retomada dos gestos b5, b6, b7, b8 e b9 em Codex Troano – III Mov. Grande Templo dos deuses. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENIL-NUNES, 2004).

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O gesto a7 (c. 158-161) apresenta duas bolhas. A primeira (c. 158) apresenta um pico espelhado simetricamente entre os índices. Diferentemente dos picos alcançados nos gestos anteriores, este revela o cluster executado pelo piano e os blocos realizados pelos teclados. Em seguida na segunda bolha (c. 159-161) é retomada a ideia de progressão textural crescente até o alcance de altos níveis nos índices. Este pico revela o ataque em blocos executado pelos instrumentos de teclado e piano, contudo, não é espalhado. O nível de aglomeração é sobremaneira maior do que o de dispersão (Fig. 27). Inferências O processo de derivação gestual presente no terceiro movimento de Codex Troano assemelha-se ao encontrado no primeiro movimento (Fig. 28).

Figura 28 – Derivações dos gestos a, b, c e d em Codex Troano – III Mov. Grande Templo dos deuses. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENTIL-NUNES, 2004).

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Sob a perspectiva textural do particionamento rítmico, o uso dos ciclos gestuais binários e ternários presentes no segundo movimento não ocupou lugar de destaque no planejamento composicional neste movimento. O número de derivações encontradas neste movimento foi superior aos movimentos antecessores. Os padrões gestuais recorrentes são contrastantes em si, tendo o gesto b recebido o maior número de derivações seguido dos gestos a e d respectivamente (Fig. 28). Movimentos A obra Movimentos, para grupo de percussão, foi escrita pelo compositor Alexandre Schubert em 2003 e obteve primeiro lugar no Concurso de Composição para Percussão, promovido pela Percussive Arts Society/PAS-Chapter Brazil 30 . A obra é composta de três movimentos, respectivamente: I – Planalto; II – Cerrado; e III – Chapada. Os títulos fazem referência à topologia geológica da região central do Brasil que serviram de ponto de partida para a confecção da peça, segundo relatos do próprio compositor. O plano textural em Movimentos ganha contornos claros, levando em consideração a linguagem por vezes minimalista, adotada por Schubert. Ainda assim, o presente trabalho, fazendo uso das ferramentas e resultados obtidos através da AP, visa observar os gestos utilizados pelo compositor no que diz respeito ao planejamento composicional, bem como suas derivações pelo decorrer da obra. I Movimento – Planalto O primeiro movimento – Planalto – é dividido em três seções e uma coda que serão analisadas separadamente, observando os principais padrões de movimentos e suas derivações. São elas: Seção A (c. 1-14); Seção B (c. 15-23);

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A Percussive Arts Society (PAS) é uma organização de serviço musical que p.romovendo a ensino da p.ercussão, bem como sua p.esquisa, p.erformance e ap.reciação em todo o mundo. Tem sede em Indianap.olis – Indiana (USA), que inclui o Rhythm! Discovery Center, que contém p.artituras de p.ercussão e instrumentos raros e incomuns.

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Seçao C (c. 24-35); Seçao B’  (c.36-39); Seçao C’ (c.40-49); e Coda (c. 50-51, Fig. 29).

Figura 29– Indexograma das seções A, B e coda em Movimentos – I Mov. Planalto. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENTIL-NUNES, 2004).

Gestos e derivações Na seção A estão contidos os gestos geradores que receberão desenvolvimento significativo na seção seguinte. O gesto a (c.1-7) é composto por uma bolha única, segmentada em três partes: I (1-3), II (c.4-6) e III (c 7-9). O fim de cada bolha é dilatado pelo aumento de notas, até que na terceira bolha a figuração fica completa31. Este é um gesto mais longo e foi considerado único tanto pela semelhança entre as bolhas quanto pelo processo de dilatação que foi imposto sobre elas. O gesto b (c. 10-11) é constituído de apenas uma bolha, que apesar de apresentarem figurações rítmicas diferentes, possuem índices/movimentos particionais semelhantes. Este gesto contém um pico de dispersão (c. 10) representando as relações rítmicas entre tímpano, vibrafone e marimba. Na sequência outro pico é alcançado apresentando as mesmas formas (c.11), porém com figurações distintas e entre triângulo, temple block, vibrafone e marimba. A relação de repetição é presente em b, porém não em forma de eco. Pois as figurações são diferentes, o que se mantêm constante são os índices e movimentos particionais.

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A terceira bolha parece conter a figuração completa. Ocorre o aumento gradativo das figuras entre as bolhas sugerindo a utilização de adição, técnica minimalista de composição.

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O gesto c (c. 12-13) é formado por duas bolhas quase simétricas: I (c. 12) e II (c.13) e o material harmônico é quartal (G, C, F, Bb, Eb, Ab). A assimetria entre os picos

de

dispersão

das

duas

bolhas

é

refletida

pela

subtração

de

um

componente/instrumento (o triângulo) na segunda. Contudo a relação de eco entre as duas bolhas é preponderante. Os altos níveis de dispersão são formados pelo jogo de pergunta/reposta presente na instrumentação; marimba e vibrafone realizam figurações distintas porém conectadas pela acentuação da nota na linha da marimba, em seguida, tímpano e temple block apresentam configurações rítmicas diferentes enquanto soam as notas do bloco formado pela marimba e vibrafone. Ainda na seção A ocorre a primeira variação gestual deste movimento: o gesto b1 (c.14), que em relação ao gesto original tem menor nível de aglomeração, sofre diminuição e é formado por apenas uma bolha (Fig. 30).

Figura 30–Gestos a, b, c e b1 em Movimentos – I Mov. Planalto. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENTIL-NUNES, 2004).

Na seção B é apresentado um episódio (c. 15-18). Nele ocorre um grande ostinato textural que se caracteriza como um episódio, com modelo mais repetição, e sem conter nenhum dos gestos geradores. Todavia, sua aparição é importante, pois apesar de não receber nenhuma derivação, este gesto irá reaparecer antecedendo derivações alheias. O gesto d é formado por três bolhas distintas entre si. A primeira (c. 19) apresenta um índice de aglomeração consideravelmente alto, porém curto. O material quartal (A, D, G, C, F) é apresentado aqui de forma melódica. Já na segunda bolha (c. 20) ocorre um pico de aglomeração referente aos ataques em bloco da marimba onde também é utilizado material quartal (C#, F#, B, E). Na terceira bolha (c.21) o bloco

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reaparece menos espesso, juntamente com entradas do vibrafone, triângulo e tímpano, o que faz o nível de dispersão aumentar. Logo após o surgimento do gesto d ocorre a primeira derivação do gesto c (c. 22 e 23). Formado por uma única bolha, o gesto c1 mantém os altos índices de dispersão comuns ao gesto original acrescido, porém, de um pico de dispersão (Fig. 31).

Figura 31– Gestos d e c1 em Movimentos – I Mov. Planalto. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENTIL-NUNES, 2004).

Na seção C ocorre o gesto d1 (c. 24-25). É formado por três bolhas: I (c. 24); II (c. 25) e III (c.25). Não existem picos de aglomeração significativos. No entanto existe uma relação com a primeira bolha do gesto d no que diz respeito aos índices de dispersão. O bloco de três notas (D, F, G) realizado pelo vibrafone existente no gesto original é dispensado em d1, mas é comum aos dois, o gesto ascendente realizado pela marimba acompanhado por uma linha de percussão. O gesto d2 (c. 26-28) é o mais longo entre todas as derivações existentes no primeiro movimento e é formado por duas bolhas altamente contrastantes. O gesto ascendente atribuído à marimba é apresentado em diferentes figurações, em contraponto ao rearranjo de outros materiais presentes no gesto original. As formas retangulares e quadradas reveladas pelo indexograma para este gesto representam a continuidade das configurações texturais rítmicas da bolha I (c. 26-27), apesar das diferentes armações dos componentes em cada compasso. A bolha II (c.28) é menor e se apresenta em relação de espelho entre os índices. A derivação d3 (c. 29-30) se relaciona com o gesto d2 mantendo os níveis nos índices de aglomeração e dispersão. Contudo, se apresenta de forma reduzida e em relação de eco contendo apenas uma bolha.

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As novas derivações do gesto c e d, são ambas formadas por apenas uma bolha. O gesto d4 (c. 31) é apresentado logo no início. Este novo gesto tem grande semelhança com d1 quanto às configurações texturais e duração. O gesto c2 (c.32) apresenta as configurações relativas do gesto c original; altos níveis de dispersão representados em dois picos, contrapostos a níveis menores de dispersão e com duração contínua. O gesto c3 (c.33) mantém a mesma estrutura e se apresenta como eco do gesto c2, porém com apenas um pico de dispersão. Duas derivações finalizam a seção: o gesto d5 (c.34) e d6 (c.35) com três bolhas cada. Os dois gestos são idênticos, portanto mantêm relação de eco simétrico. As diferenças entre os dois gestos fica no campo das alturas, e como a presente pesquisa analisa as configurações texturais rítmicas, as alternâncias entre os grupos quartais utilizados (grupo 1: E, A, D, G, D, F, Bb, Eb; e grupo 2: F#, B, E, A, D, G, C, F) não resultam em bolhas diferentes entre os gestos (Fig. 34).

Figura 32– Gestos d1, d2, d4, d5, c2, c3, d5 e d6 em Movimentos – I Mov. Planalto. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENTIL-NUNES, 2004).

Na   seção   B’ não ocorrem derivações dos gestos originais, e o ostinato textural encontrado em B é repetido literalmente formando dois gestos que se apresentam em relação de eco e ampliação, atingindo alto índice de aglomeração. Já na   seção   C’ ocorre a derivação c4 (c.44) que apresenta maior índice de aglomeração em relação ao gesto original e é formado por uma bolha apenas. Isto é caracterizado pelos blocos formados por marimba e vibrafone em intervalos quartais (A, D, G, C). Nesta seção, a presença de gestos em relação de espelho é observada. Estas figurações resultantes são visíveis em toda a obra e permitem a caracterização dos

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gestos resultantes em organizações cíclicas. Ainda ocorre a repetição quase literal do gesto b e repetição literal dos gestos c, c1 e b2 (c.45-49, Fig. 33).

Figura 33 – Gestos c4, repetições dos gestos b, c e b1 em Movimentos – I Mov. Planalto. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENTIL-NUNES, 2004).

Na coda surgem os gestos c5 (c. 49), c6 (c. 50) e c7 (c.51). São distintos entre si, e formados por bolhas não semelhantes apesar de recorrerem ao modelo característico do gesto original c. O gesto c5 é o mais contrastante, pois possui configurações contrapostas com altos e baixos índices de aglomeração/dispersão representados em duas bolhas. Na primeira, os índices alcançam níveis consideráveis (de aglomeração/dispersão) que se apresentam de forma espelhada. Na segunda, o nível de dispersão é maior. Contudo, a bolha II é apresentada em três pequenas sub-bolhas repetidas. O gesto c6 não atinge os mesmos níveis do gesto anterior. Não apresenta grande mudança nos índices e é formado por apenas uma bolha (Fig. 34).

Figura 34– Coda, gestos c5, c6, c7 em Movimentos – I Mov. Planalto. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENTIL-NUNES, 2004)

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Já o gesto c7 é formado por três bolhas: as duas primeiras são delineadas em relação de espelho atingindo picos de dispersão e aglomeração com retorno a níveis quase nulos nos índices. Por fim, a terceira apresenta um alto nível de aglomeração com dispersão nula forçando relação de contraste com as bolhas antecedentes (Fig. 34). Inferências A principal característica identificada no que diz respeito à derivação dos gestos, da mesma forma que no segundo movimento do Codex Troanao, foi a progressão linear (Fig. 35).

Figura 35– Derivações dos gestos a, b, c e d em Movimentos – I Mov. Planalto. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENTIL-NUNES, 2004).

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Mesmo em trechos onde não são aproveitados os gestos originais (onde ocorrem gestos menos recorrentes), estes também se apresentam em relação de espelho ou eco, o que caracteriza a progressão linear. Isto leva a uma possível divisão da obra em blocos organizados pelos gestos e por seus ecos, ou reflexos. Os gestos c e d recebem o maior número de derivações (Fig. 35). II Movimento – Cerrado Gestos e derivações O segundo movimento – Cerrado – de Movimentos, é dividido em três seções: A (c. 1-36); B (c. 37-80); e A’  (c  81-96). N Na primeira seção são apresentados os gestos a, b (três derivações deste último) e c, além de um episódio. As progressões gestuais lineares tomam papel principal na segunda seção, onde ocorrem mais três episódios. Por fim, na última seção, são reexpostos os gestos a e b, e novamente este último sofre mais uma derivação (Fig. 36).

Figura 36– Indexograma  das  seções  A,  B  e  A’  em Movimentos – II Mov. Cerrado. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENTIL-NUNES, 2004).

O gesto a (c. 1-3) contém três bolhas idênticas: I (c.1), II (c.2) e III (c.3), e apresenta baixos níveis de dispersão. Apenas dois instrumentos (vibrafone e tubular bells) realizam figurações rítmicas em notas longas e alternadas, o que resulta em índice nulo de aglomeração.

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O gesto b (c.7-13) é mais extenso e possui maiores oscilações entre os índices do que o gesto a. Ele (o gesto b) é formado por duas bolhas contrastantes: I (c.79), II (c. 10-14). Na primeira ocorre pequeno aumento do nível de dispersão enquanto o de aglomeração se mantém quase nulo. A segunda bolha conta com a entrada de dois instrumentos (componentes) em configurações rítmicas distintas e isto faz com que ocorram quatro picos de dispersão quase simétricos. As derivações b1 (c. 14-17), b2 (c. 18-22) e b3 (c. 23-25) são variações da terceira bolha do gesto b, e este é o único fator em comum entre elas. Nestas derivações são utilizados apenas instrumentos de teclado (vibrafone e marimba) e são apresentados blocos harmônicos quartais que funcionam como acompanhamento para as melodias. Destas interações irão resultar configurações mais aglomeradas do que dispersas. O gesto b1 é formado por apenas uma bolha sendo que em seu fim, são atingidos índices de dispersão e aglomeração maiores do que no começo. Mas é em b2 (c. 18-22) que um alto índice de aglomeração é atingido e este índice é mantido nas três bolhas que compõe o gesto: I (c.18-19;), II (c. 20-21) e III (c.22).

A bolha I é

apresentada em relação de eco. A segunda é contrastante em relação as outras duas e os índices retrocedem. Na terceira bolha, apesar de menor, são mantidos os picos nos índices de aglomeração e dispersão atingidos na bolha I. No gesto b3 é alcançado o maior pico de aglomeração entre as derivações e isto ocorre pela presença de blocos formados por quatro notas em quase todo o gesto (Fig. 37).

Figura 37 – Gestos a, b, b1, b2, b3 em Movimentos – II Mov. Cerrado. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENTIL-NUNES, 2004).

O primeiro episódio (c. 26-36) deste movimento é formado por modelo (c.26-27) que será abordado como gesto c, repetições variadas (c. 28-29; 30-32) que

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serão consideradas como gestos c2 e c3 respectivamente. Contudo neste episódio não há a presença do pivô 32 , dando lugar a entrada de temas pertencentes ao primeiro movimento. Em relação às derivações ocorridas nos compassos anteriores, este episódio conta com a entrada de dois instrumentos (tubular bells e tímpano), o que tornará possível o alcance dos maiores índices de dispersão deste movimento. Os gestos c, c1 e c2 contém apenas uma bolha e são lineares, ou seja, mantêm-se entre eles uma unidade gestual que sofre adição e/ou condensação de elementos no decorrer do desenvolvimento das derivações. Contundo, o maior pico de dispersão é alcançado no gesto derivado c2, onde após surgir gradativamente, o desenho rítmico desempenhado pelo tímpano é estabelecido e um bloco harmônico é executado pelo vibrafone. Este gesto também é acrescido de um compasso em relação à derivação anterior e ao gesto original (Fig. 38).

Figura 38 – Gestos c, c1, c2 e pivô em Movimentos – II Mov. Cerrado. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENTIL-NUNES, 2004).

Na seção B ocorre o Ep. 2 (c. 37-56), e duas repetições variadas deste episódio (c. 57-64) e (c. 65-80) mantendo entre si relação de eco. No segundo episódio é mantida a estrutura linear presente no episódio anterior e a entrada de um componente a cada unidade, é o modelo. O gesto d (c. 37-40) corresponde à primeira unidade e é formado por uma bolha. Esta é caracterizada por pequenos picos de aglomeração em contraposição ao índice nulo de dispersão. São apresentadas duas derivações deste gesto: d1 (c.41-44) e

32

O conceito é estabelecido p.or Meyer (1960) e Scliar (1982) e se refere à cadência que encerra o ep.isódio (ver MEYER, 1973).

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d2 (45-48). O gesto d1 conta com duas bolhas com grau de semelhança. A diferença é que na bolha II (c. 43-44) ocorre um pico de aglomeração. Em d2 o processo é parecido, o gesto possui duas bolhas semelhantes com picos de aglomeração e dispersão espelhados assimetricamente em ambas. Na bolha I (c. 45-46) ocorrem três picos de dispersão contra dois de aglomeração. Já na segunda, são acrescidos mais dois picos de aglomeração. A ativação de mais uma linha em d2 confere as características – os picos de dispersão e aglomeração, que produzem contraste com o gesto d1. Com isso ocorre uma progressão textural no sentido de ampliação dos índices de aglomeração e dispersão a cada derivação. A repetição literal do gesto d1 (c. 49-52) é apresentada retrocedendo os níveis de aglomeração e dispersão. Da mesma forma que no Ep 1, após a derivações, segue-se entrada de motivo do primeiro movimento substituindo a aparição do pivô. A repetição literal do gesto d2 (c. 57-64) antecede nova entrada de motivo do primeiro movimento. Os de d (c.65 -68); d1 (c.69 – 72); e mais uma vez d2 (c. 73-76) são reapresentados de forma literal. O gesto d2 reaparece (c.77-80), porém com redução de um compasso (Fig. 39).

Figura 39 – Gestos d, d1, d2 e entrada de motivo na Seção B em Movimentos – II Mov. Cerrado. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENTIL-NUNES, 2004).

Na  seção  A’  os  gestos  a é reapresentado e em seguida o gesto b4 (c. 91-96). Este recebe derivação através da ampliação aplicada no ataque dos intervalos harmônicos do vibrafone e é formado por duas bolhas contrastantes. A semelhança entre b e b4 é alta, a única diferença está na diminuição e prolongamento do último pico de dispersão encontrada na segunda bolha (Fig. 40).

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Figura 40 – Gestos a e b1 na Seção  A’ em Movimentos – II Mov. Cerrado. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENTIL-NUNES, 2004).

Inferências Assim como no primeiro movimento, no segundo a progressão linear foi a característica mais presente, tendo os gestos b e d recebido maior número de derivações.

Figura 41 – Derivações dos gestos a, b, c e d em Movimentos – II Mov. Cerrado. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENTIL-NUNES, 2004).

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Contudo, por haver maior quantidade de repetições do gesto d e suas variações, considera-se que este foi o gesto mais recorrente neste movimento (Fig. 41). III Movimento – Chapada O terceiro movimento – “Chapada”  é  o  mais  longo  dos  três.  Em virtude da recorrência dos padrões gestuais, o movimento apresenta forma binária e está estruturado na seguinte forma: Seção A; Seção B; Seção A; e, Seção B’ (Fig. 42).

Figura 42 – Indexograma e seções em Movimentos – III Mov. Chapada. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENTIL-NUNES, 2004).

Gestos e derivações A seção A (c. 1-31) apresenta apenas um gesto e quatro derivações do mesmo. O gesto a (c. 1-3) possui duas bolhas contrastantes e aparece duplicado, pois está escrito entre ritornelos. Os níveis dos índices na primeira bolha (c.1-2) são espelhados e se compensam. Ou seja, ocorre a compensação de aumento ou diminuição dos índices de maneira intercalar. Já a segunda bolha (c. 3) apresenta três picos de dispersão consecutivos, espelhados e assimétricos representando as diferentes figurações realizadas pela marimba, vibrafone, tímpano e triângulo. O material harmônico é quartal e permeia o gesto a e suas derivações. O gesto a1 (c. 4-8) também possui duas bolhas e sofre adição de duas colcheias em relação ao gesto a. As duas bolhas, I (c. 4-5) e II (c. 6-8), tem suas formas

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inicias idênticas, contudo elas são finalizadas de maneira diferente. Os três picos de dispersão são repetidos, porém mais discretos na primeira bolha. A segunda bolha sofre adição de um compasso, e inserção de novas células rítmicas. (Fig. 43).

Figura 43 – Gestos a e a1 em Movimentos – III Mov. Chapada. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENTIL-NUNES, 2004).

A repetição literal do gesto a (c.9-11), inclusive com as barras de repetição, antecede uma nova derivação, o gesto a2 (c. 12-15). Composto de apenas uma bolha, este é uma variação direta da primeira bolha de a, com redução de uma colcheia. Os índices são espelhados, simétricos e contínuos. O gesto a3 (c. 16-20) é formado por duas bolhas. São mantidas as proporções espaciais (quantidade/alternância de compassos), contudo ocorrem acréscimo e diminuição de figuras. A primeira bolha (c. 16-17) apresenta alto pico de dispersão seguido por três menores, característicos das primeiras bolhas de a e a1. A segunda bolha (c. 18-20), não apresenta os picos de dispersão, mas mantém alto grau de simetria com a segunda bolha de a1, igualando os índices entre si. São reapresentados os gestos a (c. 21-23), a1 (c. 24-28) e a (c. 29-31), integralmente, fechando a seção A (Fig. 44).

Figura 44 – Gestos a2, a3 e as repetições dos gestos a, a1 e a em Movimentos – III Mov. Chapada. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENTIL-NUNES, 2004).

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Na seção B estão contidos os gestos b (c. 32-35) e c (41-46) que irão sofrer derivações. O gesto b é formado por uma bolha apenas e não possui grandes picos de aglomeração ou dispersão, contudo os níveis de dispersão são os mais altos. O material harmônico ainda é quartal evidenciado em blocos no vibrafone e na figuração melódica na marimba. O gesto c é formado por duas bolhas antagônicas tanto nos níveis dos índices quanto na duração. A primeira (c. 41-42) é mais contida, com índices baixos e não recebe derivações. Já a segunda (c. 43-46) possui dois picos de dispersão. Em linhas gerais, sua estrutura é mais dispersa do que aglomerada representando as diferentes configurações rítmicas realizadas. O gesto c1 (c. 47-54) é formado por duas bolhas e a derivação acontece na primeira (c. 47-50). Esta derivação é uma ampliação da primeira bolha de c. Os níveis dos índices são os mesmos, porém na bolha I de c1 ocorre a adição de dois compassos configurando a duplicação das figurações apresentadas na bolha I de c. Já a segunda bolha de c1 (c. 51-54) é a reexposição integral da bolha II de c. O gesto c2 (c. 60-66) mantém o mesmo padrão de derivação observado no gesto anterior. Ou seja, a derivação ocorre apenas na primeira bolha (c. 60-62). Desta vez, é adicionado um compasso em relação à forma original, apresentando-se em três compassos. Os níveis de aglomeração e dispersão são nulos, representando a linha melódica que é executada pela marimba. Portanto, ocorre recessão textural nesta primeira bolha de c2. (Fig. 45).

Figura 45 – Gestos b, c, c1 e c2 em Movimentos – III Mov. Chapada. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENTIL-NUNES, 2004).

Três derivações da segunda bolha do gesto c: os gestos c3 (c. 67-70) e c4 (c. 71-74) e c5 (c. 75-79) são apresentados.

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O gesto c3, com apenas uma bolha, tem três instrumentos atuando (marimba, glockenspiel e tubular bells) e mantém relação de semelhança com a bolha c’’ através de ampliação, apesar da ausência dos dois picos de dispersão. O material harmônico é o mesmo apresentado em c, transposto meio tom descendentemente. Em c4 também só existe uma bolha. Ocorre a entrada de mais um instrumento (tímpano) realizando ritmos diferentes dos estabelecidos no gesto original. Este gesto é uma variação de c3 alcançando níveis maiores nos dois índices. Portanto, ocorre relação de eco entre c3 e c4. O gesto c5 possui duas bolhas contrastantes: I (c. 75-76), II (c. 77-78) e é a ampliação dos dois compassos finais do gesto c4. A primeira apresenta os níveis de dispersão encontrados no gesto anterior, acompanhado por um pico maior de aglomeração. Na segunda bolha ocorre um aumento considerável do nível de aglomeração. A seção A (c. 80-110) é repetida na íntegra (Fig. 46).

Figura 46 – Gestos c3, c4 e c5 em Movimentos – III Mov. Chapada. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENTIL-NUNES, 2004).

A   seção   B’   (c.   111-124) tem seu lugar omitindo o gesto c e apresentando novas derivações do gesto b. O gesto b1 (c. 111-116), é formado por duas bolhas: I (c. 111-113) e II (c. 114-116). Elas são contrastantes entre si tanto em duração quanto nos níveis dos índices. A primeira dá conta de configurações mais aglomeradas e dispersas e a segunda se comporta de maneira mais tímida, retrocedendo os níveis atingidos na primeira. O material quartal ainda é predominante em b1 e algumas figurações características de b estão presentes nesta derivação. Por exemplo, o bloco harmônico formado pelo vibrafone e figuração melódica apresentada na linha da marimba. Contudo, em b1 estão presentes mais componentes atuando de forma melódica e

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independente. Isso confere a este gesto um maior nível de dispersão em relação ao gesto original (Fig. 47).

Figura 47 – Gesto b1em Movimentos – III Mov. Chapada. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENTIL-NUNES, 2004).

Inferências Assim como no primeiro e segundo movimentos, a progressão linear foi a característica mais presente também no terceiro movimento. Através do indexograma foi observado que a recorrência de certos padrões gestuais de a e c é intensa neste movimento. (Fig. 48 e 49). O indexograma também evidencia uma divisão entre dois grandes blocos texturais, em relação de eco, divididos pela bolha c2’   e  o  trecho   que   a   antecede (c. 55-59).

Figura 48 – Dois grandes blocos texturais separados pela bolha c2’ em Movimentos – III Mov. Chapada. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENTIL-NUNES, 2004)

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Figura 49 – Derivações dos gestos a, b e c em Movimentos – III Mov. Planalto. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENTIL-NUNES, 2004).

IV - PLANEJAMENTO COMPOSICIONAL IPKHOS A obra YKHOS foi composta como aplicação do movimento de derivação gestual textural, estabelecida previamente em seu plano composicional. A obra tem forma ternária, tratada como uma forma Sonata (tipo S) abreviada (exposição, desenvolvimento, reexposição) com a reexposição contraída pela subtração do elemento B, constituindo assim uma forma global intermediária entre Sonata e Lied (Fig. 50). O desenvolvimento aproveita os materiais básicos apresentados na primeira seção: Exposição (c. 1-25): Subseção A (c. 1-15); Subseção B (c. 16-25). Desenvolvimento (c. 26-53); Reexposição; e, Subseção  A’  (c.  54-64).

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Figura 50 - Indexograma completo em IPKHOS e suas seções segundo a análise morfológica. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENTIL-NUNES, 2004).

O espelhamento da análise morfológica pode ser visualizado no indexograma completo da peça, que acompanha de forma aproximada seus perfis (Fig. 52). Gestos e derivação Os três gestos geradores estão na Exposição (Subseção A) e estes foram submetidos ao modelo de derivação no Desenvolvimento. Caracterizam-se por um perfil de progressão textural crescente (Figura 51).

Figura 51 - Indexograma dos gestos a, b e c da Exposição (Subseção A) em IPKHOS. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENTIL-NUNES, 2004).

O gesto a (c. 1-3) é formado por duas bolhas: a bolha I (c. 1-2) é constituída a partir de uma linha melódica desenhada na mão esquerda (alturas C, F, G), linha que estará presente nos outros gestos com alteração de registro.

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A bolha II (c. 3) por sua vez, alcança um alto índice de aglomeração, relacionado ao ataque em blocos. O gesto b (c. 4-7) por sua vez, apresenta duas bolhas de formas quase idênticas. É um gesto mais restrito, ou seja, apresenta configurações mais conservadoras com relação a polifonia ou espessamento: A primeira bolha de b (c. 4-5) mantém total semelhança com a primeira bolha de a, pois o inciso inicial do gesto a é aqui reaproveitado em novo registro, mas com a manutenção de suas relações texturais. Na segunda bolha de b, por outro lado, novos elementos são inseridos (c. 67), dentro de um comportamento mais estreito dos índices. O gesto c (c. 8-11), por fim, apresenta um arranjo mais polifônico, expresso pelo índice elevado de dispersão, sendo muito contrastante em relação ao seu antecessor. Por outro lado, assemelha-se ao gesto a sobretudo pela similaridade entre suas bolhas terminais. Em sua primeira bolha (c. 8-11) é apresentado o mesmo inciso inicial do gesto a, além de inserções de novos elementos, oriundos da segunda bolha de b. Assim, a primeira bolha do gesto c acaba ficando com duas configurações distintas. Na segunda bolha de c (c. 12), por outro lado, ocorre mais uma vez o ataque em blocos, elevando o índice de aglomeração. O movimento de derivação gestual textural proposto desenvolve-se a partir dos gestos a, b e c. Foi pretendido que não houvesse um sequenciamento literal das partições resultantes. Pois é objetivo do movimento de derivação gestual textural conferir liberdade ao compositor ao manusear os resultados obtidos. Contudo, no intuito de manter a coesão do processo, apenas o redimensionamento e a transferência foram elencados. Tabela 6 - Movimento de derivação gestual textural aplicado na derivação a1, b1 e c1 em IPKHOS.

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Os gestos a, b e c contêm quatro partições em sua forma original. Serão propostas operações para para cada uma das partições originais (Tab. 6). O gesto resultante, a1 (c. 26-27), é formado por apenas uma bolha e tem menor índice de aglomeração e maior índice de dispersão em relação ao gesto a. Ainda que a presença de blocos sonoros seja predominante nas quatro partições resultantes, os picos de aglomeração são menos amplos do que no gesto a. Para o gesto b, que contém as partições, foram propostas operações para cada uma das partições originais. No gesto b1 (c. 31-40) é formado por duas bolhas intercaladas por um breve elemento monódico, expresso no indexograma pelos índices nulos de dispersão e aglomeração. A primeira bolha (c. 31-32) representa uma sucessão de configurações texturais idênticas à sua contraparte no gesto b, do qual b1 é derivado. Neste caso, a ampliação é por repetição de elementos, conferindo alargamento duracional ao gesto derivado em relação ao o original. A segunda bolha (c. 33-40) apresenta inversão dos índices em relação à bolha anterior. Sua configuração exibe altos índices de dispersão e baixos de aglomeração. As duas bolhas exibem alta relação de contraste entre si. O gesto c, de igual modo, apresenta 4 partições e foram propostas operações para cada uma das partições originais. No gesto c1 (c. 44-53) pretendeu-se espaçamento maior entre as partições resultantes. O objetivo foi criar maior contraste entre o gesto original e o resultante. O gesto c1 é formado por duas bolhas. Existe uma relação de derivação harmônica entre os elementos apresentados em c. A primeira bolha (c. 44-48) é constituída pela alternância dos índices. No princípio da bolha I, um índice mediano de dispersão por é atingido e mantido. O pico de dispersão apresentado em na primeira bolha de c reaparece. No fim da primeira bolha de c1, (c. 47-48) este índice é nulo e ocorre um pequeno aumento do índice de aglomeração caracterizando a alternância assimétrica dos índices. A segunda bolha (c. 49-53) é mais aglomerada e mantém relação espelhada entre os índices. O material harmônico apresentado nas bolhas anteriores é condensado, fazendo ambos os índices atingirem níveis maiores. O gesto c1 é o maior de todos os gestos derivados. Seu alargamento permitiu a criação de inter-relações entre os materiais utilizados, produzindo um alto grau de

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similaridade entre as bolhas. Contudo, faz-se presente a similitude entre gesto gerador e derivação (Fig. 52).

Figura 52 – Indexograma dos gestos derivados a1, b1 e c1 em IPKHOS. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENTIL-NUNES, 2004).

Inferências A aplicação do movimento de derivação gestual textural revelou diferentes resultados nos gestos submetidos. Entre os gestos a e a1 houve redução de uma bolha além de perda do nível de dispersão. Entre b e b1 houve grande ampliação e expansão dos níveis de dispersão. Entre c e c1 está presenta a relação de semelhança (Fig. 53).

Figura 53– Gestos originais a, b, c e suas derivações: a1, b1 e c1 em IPKHOS. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENTIL-NUNES, 2004).

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Paisagens A obra Paisagens, para grupo de percussão, é dividida em três movimentos: I – Dimensões; II – Aqui e Além; III – Incertâncias. Tem sua gênese a partir de inferências obtidas nas análises das obras Codex Troano (VICTORIO 1987) e Movimentos (SCHUBERT 2003). Estas inferências estão relacionadas a estruturas composicionais reveladas através da AP, sob o viés do particionamento rítmico. Em Paisagens foi aplicado também o movimento de derivação gestual textural no primeiro e terceiro movimentos. A única diferença entre esta proposta e YPKHOS é que em Paisagens a instrumentação é mais ampla (marimba, xilofone, vibrafone, glockenspiel, tímpano, piano, pratos e idiofones). Além disso, no primeiro movimento foram utilizados os programas do Complexo GeneMus (ALMADA, 2014) como ferramentas composicionais na geração de variações das células motívicas. Faz parte também de sua idealização teorias do campo da física quântica, entre outros sistemas que serão evidenciados no decorrer do texto analítico. I – Dimensões A ainda recente teoria das cordas33 do campo da física aponta para inúmeras perspectivas e profundas mudanças sobre a compreensão humana do universo, sobretudo, em relação ao entendimento e o comportamento das dimensões que compõe o universo. Estas dimensões poderiam estar se colidindo e eventualmente coexistindo. Uma das possibilidades sustentadas pela Teoria das Cordas Bosônicas34, no entanto, seria a presença de 26 dimensões em nosso universo, contando com as quatro (largura,

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Teoria da física na qual partículas são descritas como ondas em cordas. Pretende a unificação da mecânica quântica e a relatividade geral. Também conhecida como teoria das supercordas. (HAWKING, 2002, p. 208). Teoria unificada do universo que postula que os componentes fundamentais da natureza não são partículas puntiformes da dimensão zero, mas sim filamentos mínimos e unidimensionais denominados cordas. A teoria das cordas une harmoniosamente a mecânica quântica e a relatividade geral, as leis anteriormente conhecidas do pequeno e do grande, e que, fora desse contexto são incompatíveis. Forma abreviada de teoria das supercordas. (GREENE, 2001, p. 457). 34 Primeira versão da teoria das cordas; todos os padrões vibratórios que contém são bósons. (GREENE, 2001, p. 457).

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comprimento, profundidade e tempo) que percebemos naturalmente. Porém, para que a possibilidade de mais vinte e duas dimensões seja real, elas devem ser profundamente minúsculas. O primeiro movimento, Dimensões, toma este cenário como pano de fundo. Na Seção A (c. 1-16) são apresentados quatro gestos. Os três primeiros formam três picos de dispersão caracterizando esta seção. Um pequeno motivo foi elaborado para ser trabalhado pelos programas do Complexo GeneMus. Este axioma35 serviu de input aos programas gerando um teorema. Do fragmento deste teorema derivam todos os outros motivos utilizados na obra (Fig. 54). A escolha de recortar um fragmento do teorema deu-se pelo fato de pretender-se haver certo grau de similaridade entre todos os motivos gerados. Grandes blocos de acordes e configurações rítmicas mais espaçadas representam as quatro dimensões percebidas.

Figura 54 – Teorema obtido utilizando o Complexo GeneMus em Paisagens – I Mov. Dimensões.

Na Seção B (c.17-41) ocorrem derivações gestuais texturais e entradas imitativas e retrógradas. O estilo fugato, na maior parte desta seção, possibilita o reconhecimento dos elementos e simboliza a quatro dimensões percebidas. Existem quatro instrumentos inseridos neste jogo e cada um está conectado a uma realidade percebida. Um novo e breve momento de expansão dimensional ocorre ao fim da seção quebrando a estabilidade formal. O maior pico de aglomeração é da obra é apresentado nesta seção. A Seção C (c. 42-55) coloca em contraste as condições espaciais das dimensões envolvidas. São interpoladas figurações mais rápidas e instáveis contra repousos rítmicos. O clímax é atingido com o aumento/diminuição das durações em seus respectivos sentidos. Enquanto os blocos espaçados esticam-se gradativamente mais, os blocos ligeiros tornam-se mais rápidos e distantes entre si. A  seção  A’  (c.  56-88) apresenta os três picos de aglomeração característicos e é menor em extensão, presum-se, em relação a seção A. Em  seguida  na  Seção  B’ (c. 89-93) ocorre um alinhamento final de todas as dimensões, sua possível existência

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Estrutura musical simples, monofônica e breve, com 2 a 4 elementos.

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alinhada após a expansão do universo, representado pelo uníssono rítmico e melódico. O pico de aglomeração caraterístico da seção B é reapresentado. (Fig. 55).

Figura 55– Indexograma das seções A, A’, B e C em Paisagens – I Mov. Dimensões. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENTIL-NUNES, 2004).

Gestos e derivação O primeiro movimento de Paisagens é dividido em: Seção A (c. 1-16); Seção B (c. 17-41); Seção C (c. 42-55); Seção  A’  (c.  56-88); e, Seção  B’  (c.  89-93). Na Seção A são apresentados quatro gestos. Os três primeiros formam três picos de dispersão caracterizando esta seção. Na Seção B ocorrem derivações gestuais texturais e entradas imitativas e retrógradas. O estilo fugato, na maior parte desta seção, possibilita o reconhecimento dos elementos e simboliza a quatro dimensões percebidas. Existem quatro instrumentos inseridos neste jogo e cada um está conectado a uma realidade percebida. Um novo e breve momento de expansão dimensional ocorre ao fim da seção quebrando a estabilidade formal. O maior pico de aglomeração é da obra é apresentado nesta seção. A Seção C coloca em contraste as condições espaciais das dimensões envolvidas. São interpoladas figurações mais rápidas e instáveis contra repousos rítmicos. O clímax é atingido com o aumento/diminuição das durações em seus respectivos sentidos. Enquanto os blocos espaçados esticam-se gradativamente mais, os blocos ligeiros tornam-se mais rápidos e distantes entre si. A  seção  A’  apresenta  os  três  

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picos de aglomeração característicos e é menor em extensão, presume-se, em relação a seção A. O alinhamento final de todas as dimensões, sua possível existência após a expansão do universo (representado pelo uníssono rítmico e melódico) é exposto na seção  B’. O pico de aglomeração caraterístico da seção B é reapresentado (Fig. 56).

Figura 56– Indexograma  das  seções  A,  A’,  B  e  C  em Paisagens – I Mov. Dimensões. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENTIL-NUNES, 2004).

O planejamento composicional do primeiro movimento previu cinco gestos principais, embora nem todos sofram derivações. Os gestos d e e receberam as derivações por serem padrões recorrentes, dando suporte à estrutura ideológica que dá folego à obra. O gesto a (c. 1-4) é formado por uma bolha. Ocorre o aumento do nível de aglomeração representando o ataque em bloco realizado pelo piano. O índice de dispersão permanece nulo até que no fim da bolha (c. 3-4), dois picos de dispersão são alcançados representando as entradas do roto tom, gloskenspiel, marimba e bombo. O gesto b (c. 5-8) possui duas bolhas distintas com relação de ampliação. Os níveis de dispersão e aglomeração na bolha I (c. 5-6) são consideravelmente baixos. Já a segunda bolha (c. 7-8) é apresentada com dois picos de dispersão (em contraposição ao aumento assimétrico no nível de aglomeração) seguidos por outros dois picos em relação de eco em ampliação. Estes picos representam o momento de maior dispersão de todo movimento O gesto c (c. 9-13) é formado por duas bolhas contrastantes e com picos de dispersão. A primeira bolha (c. 9-11) passa por níveis mais comportados com um pico de dispersão/aglomeração espelhado simetricamente até níveis de dispersão maiores em ambos os índices. No fim da primeira bolha a relação entre os índices não é espelhada, porém o nível de aglomeração é maior do que o encontrado no início. Neste momento

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ocorrem quatro picos de dispersão quase idênticos. A segunda bolha (c. 12-13) apresenta o recuo dos índices à níveis quase nulos. Uma pequena elevação do nível de dispersão ocorre ao fim desta bolha.O gesto d (c. 14-16), formado por apenas uma bolha, revela o recuo dos índices a níveis quase nulos em seu início e alcançando uma pequena elevação no índice de dispersão (Fig. 57).

Figura 57– Gestos a, b, c e d em Paisagens – I Mov. Dimensões. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENTIL-NUNES, 2004).

Na seção B são apresentadas três derivações de d que representam a expansão dos últimos índices alcançados neste gesto, revelados pelas partições: [1 2 2] e [1 22]. Sobre estas partições foi inferido o movimento de derivação gestual. Pretendeuse que o movimento de derivação gestual fosse usado com liberdade, isto é, que houvesse a possibilidade de supressão, aumento e repetição das partições. Por este motivo, as derivações receberam tratamento diferente entre si. O gesto d1 (c. 17-18), formado por uma única bolha, apresenta acréscimo de partições e dois picos de dispersão. Sua relação com o gesto original é de contraste. A derivação d2 (c. 19-20), com apenas uma bolha, é contrastante em relação a d1. Contudo, apresenta semelhança com o gesto original d. Seus níveis de aglomeração são nulos e os de dispersão são baixos (Tab. 7). Tabela 7 - Movimento de derivação gestual textural aplicado nas derivações d1 e d2 em Paisagens – I Mov. Dimensões.

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A derivação d3 (c. 21-22) finaliza a seção B e possui duas bolhas. A bolha I (c. 21) atinge níveis mais altos de dispersão do que a bolha II (c. 22). Este gesto é mais extenso que seus antecessores pelo espaçamento premeditado entre as partições resultantes. Tabela 8 - Movimento de derivação gestual textural aplicado na derivação d3 em Paisagens – I Mov. Dimensões.

Figura 58 – Indexograma dos gestos derivados d1, d2 e d3 em Paisagens – I Mov. Dimensões. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENTIL-NUNES, 2004).

Diferentemente das derivações d1 e d2, s partições resultantes foram utilizadas de maneira livre, com acréscimos e repetições (Tab. 8 e Fig. 58). Na seção C está contido o gesto e (c. 42-47). É formado por duas bolhas que mantêm entre si relação de expansão. A bolha I de e (c. 42-44) tem nível de dispersão nulo e baixo nível de aglomeração, que é representado pela partição [2]. A segunda bolha do gesto e (c. 45-47), mostra elevação dos níveis de aglomeração representada pela partição [4]. Tabela 9 - Movimento de derivação gestual textural aplicado na derivação e1 d3 em Paisagens – I Mov. Dimensões.

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Figura 59 – Indexograma do gesto derivado e1 em Paisagens – I Mov. Dimensões. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENTIL-NUNES, 2004).

A derivação e1 (c. 48-52) é a expansão de e. São mantidas duas bolhas com relação de expansão, porém os níveis alcançados são maiores. Na primeira bolha (c. 4849) os índices se espelham simetricamente e na segunda bolha (c. 51-52) são alcançados altos picos de dispersão, porém, não espelhados. Em seguida ocorre a repetição literal da parte final da segunda bolha do gesto e novamente (Tab. 9 e Fig. 59). Inferências A aplicação do movimento de derivação gestual textural apresentou resultados diferentes. O gesto d, d1, d2 e d3 suas derivações, prevaleceu a relação de contraste. Porém, entre os gestos e e e1 a relação resultante é de maior semelhança (Fig. 60).

Figura 60 – Gesto d, e e suas derivações: d1, d2, d3 e e1 em Paisagens – I Mov. Dimensões. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENTIL-NUNES, 2004).

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II – Aqui e Além O plano composicional deste movimento é fortemente influenciado por uma visão a respeito da relação vida/morte, proposta pelo presente autor. Esta concepção baseia-se em um dos postulados da Teoria da Relatividade Restrita 36 , de Albert Einstein 37 . Em linhas gerais, a Teoria mudou a forma de compreender todos os fenômenos  físicos.  Pois  um  de  seus  dois  postulados  diz  que  “no  vazio,  a  luz  se  propaga   com uma velocidade constante em relação a todos os sistemas de referência animados de um movimento retilíneo  e  uniforme”  (MOURÃO,  p.  68,  2005).  Portanto, um evento é relativo a posição e velocidade assumidos por quem o observa. “O  princípio  de  que  a   velocidade da luz é constante, como propôs Einstein, exigia o abandono da noção de tempo  absoluto”  (op.  cit.,  p. 78, 2005). Assim, em suma, o tempo é relativo em função da velocidade. Sabe-se hoje que espaço e tempo constituem um só tecido, interagindo e/ou sofrendo influências de outros aspectos da matéria como massa e energia. A Teoria da Relatividade Restrita teve vários desdobramentos, dentre os quais sobressaem-se a Teoria da Relatividade Geral 38 e o surgimento da Mecânica Quântica. Contudo, o princípio de que o tempo é relativo em função da velocidade é tomado como pano de fundo da proposta ideológica deste movimento. O presente autor propõe o viés a seguir. A existência de uma pessoa que viverá por 50 anos, por exemplo, pode ser representada por duas retas. Elas correm em sentidos opostos com exatamente a mesma direção, velocidade e tamanho, buscando se encontrar. A reta positiva que começa no número zero e segue em progressão constante e crescente até o número cinquenta, representa a vida. A reta negativa que começa no número cinquenta negativo e segue decrescendo constantemente até o número zero, representa a morte. Cada ponto acrescido na linha da vida corresponde a um ponto diminuído na linha da morte. Porém, o observador, no caso aquele que está existindo sob as condições negativas e positivas das retas (vida e morte), possui a percepção

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Teoria relativista do movimento, restrita a um movimento inercial (MOURÃO, p. 345, 2005). Físico teórico alemão, nascido em Ulm, Alemanha, em 14 de março de 1879, e falecido em Princeton, Nova Jersey, em 18 de abril de 1955. Suas contribuições na física provocaram o maior impacto na ciência do século XX. Explicou o efeito fotoelétrico, em 1905, com base na teoria dos quanta; elaborou a teoria da relatividade restrita, em 1905, com a qual estabeleceu uma relação entre a massa e a energia; a teoria geral da relatividade, em 1916. Tentou estabelecer a teoria do campo unificado, com o objetivo de unificar a mecânica e o eletromagnetismo. A teoria da relatividade tem sido de grande significado para a evolução da astronomia e da cosmologia, permitindo, por exemplo, resolver o problema do avanço do periélio de Mercúrio, da curvatura da luz e do deslocamento para o vermelho das linhas espectrais por um campo gravitacional (ibid, p. 332). 38 Teoria relativista de uma grandeza que não pode ser definida de maneira absoluta (ibid, p. 345). 37

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relativa das retas. Para ele, o tempo é absoluto e corre em sentido positivo. Na verdade, a velocidade com a qual ele se move determinará o quão rápido as setas irão se mover em relação a ele mesmo. Esta proporcionalidade faz, em certo sentido, emergir a concepção de tempo-espaço sendo moldado por outras forças. São variações indefinidas, condições únicas biológicas e/ou ambientais, impossíveis de serem previstas que exercem importante papel na percepção da trajetória das retas. Contudo, o modelo das retas permace inflexível. O momento da morte, o fim da existência neste plano, é representado pelo encontro das duas retas (Fig. 61)

Figura 61 – Esquema de retas exibindo a simetria entre as linhas que representam a vida e a morte. Concepção do presente autor.

A representação desta concepção no decorrer da obra ocorre por intermédio da divisão dos instrumentos envolvidos em dois conjuntos. O primeiro, formado pelo piano, tímpano e pratos, representa a linha da vida. O segundo, formado pela marimba, percussão e vibrafone, representa a linha da morte. Os dois conjuntos alternam suas aparições referenciando a proporcionalidade entre as duas linhas. Corroborando também esta mesma ideia, os conjuntos possuem os mesmos números de unidades de tempo por aparição, ou seja, mesmo que os compassos mudem, a quantidade de unidades de tempo permanece a mesma. Ambas (as quantidades de unidades de tempo por conjunto) vão se estreitanto ao longo do discurso até o momento aleatório da obra, que dura aproximadamente vinte segundos e é o climax do movimento. O estreitamento da condição temporal (duração) das linhas simboliza a percepção relativa das retas. A conclusão no momento aleatório simboliza o encontro com a morte, o desespero, do ponto de vista unilateral humano. O momento aleatório e caótico representa o fim da existência no plano da linha da vida, o encontro entre as duas linhas.

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Com este jogo de simbologias pretende-se trazer a tona a intrigante relação do ser humano39 com a dualidade morte/vida e evidenciar no as relações entre as retas que representam a morte e a vida. O posicionamento no palco também privilegiará a concepção que norteou a criação deste movimento. De um lado o conjunto instrumental que representa a vida, do outro, o que representa a morte. No centro permanecerá o xilofone que tem a função de anunciar as duas forças que se evitam mas ironicamene, se procuram. Ao fim, uma coda é apresentada repetindo o mesmo tema da introdução, também pelo xilofone. É a anunciação de um novo plano e o encerramento da compreensão do mesmo aos olhos humanos. Este movimento é dividido em apenas uma Seção, com introdução (c. 1-10), desenvolvimento (c. 11-41) e coda (c. 44-52). Ocorre também um breve trecho aleatório (c. 42-43), que tem duração aproximada de 20 segundos (Fig. 62).

Figura 62 – Indexograma de Paisagens – II Mov. Aqui e Além. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENTIL-NUNES, 2004).

Gestos e derivação O planejamento composicional do segundo movimento de Paisagens visou o desenvolvimento gradual e simétrico (temporalmente) dos dois fluxos representados na obra. Representando a ideia que dá suporte ideológico a este movimento, dois

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Já na segunda Idade Média ocorreram mudanças significativas nas representações da morte do Ocidente. A partir do século XII, ao invés da certeza passa a reinar a incerteza, uma vez que agora cabia à Igreja intermediar o acesso da alma ao paraíso e o julgamento final deixava de ser visto como evento que ocorreria no Tempos Finais e passa e ser visto como um evento que aconteceria imediatamente após a morte e resultaria da descida ao inferno (no sofrimento eterno) ou na ascensão aos céus (na alegria eterna) e isso dependeria da conduta do moribundo antes da morte (CAPUTO, p. 76, 2008)

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subconjuntos instrumentais se revezam em aparições. Possuem configurações distintas, contudo, as durações são perfeitamente simétricas. O mesmo número de unidades de tempo é utilizado para cada par de entradas. A duração de cada aparição vai sendo reduzida, respeitando a simetria, até que ocorre o encontro dos dois fluxos levando ao momento aleatório. Os gestos não foram submetidos ao movimento de derivação gestual textural gestual. O conjunto de ideias que norteiam especificamente este movimento (as linhas representando vida e a morte) conferem poucas possibilidades de expansão textural. O trato composicional é fechado e o movimento de derivação gestual, por sua vez, é proposto neste trabalho com maior liberdade de utilização. Contudo, é proposto que o plano composicional seja analisado através dos dados da AP aos moldes das análises realizadas em Codex Troano e Movimentos. Os dois fluxos que se alternam e são contínuos (padrões recorrentes) e seus materiais são reaproveitados a cada reaparição, o que concede identidade aos fluxos. Desta maneira, são identificados dois gestos. O gesto a (c. 11-16) representa a linha da vida, está comportado em dezenove unidades de tempo e é formado por três bolhas. As bolhas I (c. 11-12) e III (c. 14-16) estão em relação de eco com níveis quase espelhados nos índices, porem a primeira alcança níveis menores em relação a última. São separadas pela segunda bolha (c. 13) que apresenta recuo dos índices deflagrando relação de contração e expansão entre a primeira e última bolha. O gesto b (c. 17-21), que representa a linha da morte e também conta com dezenove unidades de tempo, possui três bolhas distintas: na bolha I (c. 17-19) são apresentados dois pequenos picos de dispersão enquanto o índice de aglomeração permanece estável; na segunda (c. 20) os índices são espelhados com pouca elevação do índice de aglomeração; e na bolha III (c. 21) ocorre um pico de aglomeração gerando contraste com as duas bolhas antecedentes. O gesto derivado a1 (c. 22-16) possui dezesseis unidades de tempo e é formado por três bolhas mantendo o mesmo padrão encontrado no gesto original. A primeira e a última mantêm entre si certa semelhança e são separadas por uma bolha mais contida, porém, contrastante. Contudo, os níveis dos índices nas bolhas são contrastantes em relação aos originais. Nas bolhas I (c. 22-23) e II (c. 25-26) ocorre retrocesso dos índices enquanto que na bolha III (c. 24) ocorre pequena elevação do índice de dispersão.

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Em b1 (c. 27-30) além da duração em dezesseis unidades de tempo, são mantidas as três bolhas características do gesto original, contudo os níveis são expandidos consideravelmente nas bolhas I (c. 27-28) e II (c. 29). Na bolha III (c. 30) o pico de aglomeração é mantido, porém alcançando índice menor se comparado a mesma bolha do gesto original (Fig. 63).

Figura 63 – Gestos a, b, a1 e b1 em Paisagens – II Mov. Aqui e Além. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENTIL-NUNES, 2004).

O gesto a2 (c. 31-32) é reduzido a sete unidades de tempo e duas bolhas. A bolha I (c. 31) apresenta relação de expansão com a bolha II de a e de a1 por conta do comportamento dos índices. A segunda bolha de a2 (c. 32) tem relação direta com a bolha III de a e de a1, pois são mantidas as formas alcançadas que deflagram picos espalhados assimetricamente nos índices. O gesto b2 (c. 33-34) é formado por sete unidades de tempo e é formado por duas bolhas. A bolha I (c. 33) apresenta semelhança com a bolha II de b assumindo contornos e níveis semelhantes. A bolha II (c. 34) alcança maior nível dispersão e se aproxima da segunda bolha de b1. As derivações seguintes sofrem redução temporal gradativa. O gesto a3 (c.35) é formado por três unidades de tempo e por apenas uma bolha. Ele mantém semelhança com a bolha II de a e a1 e também com a bolha I de a2. Contudo, os níveis em ambos os índices são mais elevados. Apresentando a mesma disposição temporal (três unidades de tempo), o gesto b3 (c. 36) é também formado por apenas uma bolha. Ele mantém relação de eco com a bolha II de b2 persistindo os níveis de aglomeração e dispersão.

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Ainda com três unidades de tempo de duração e com uma bolha são apresentadas as derivações a4 (c. 37) e b4 (c. 38). O gesto a4 mantém relação de fragmentação com a bolha II de a2, porém ocorrem dois pequenos picos espelhados nos índices dividindo a bolha. Em b4 ocorre um pico também espelhado pelos índices assimetricamente. Apesar de níveis menores, ocorre relação de semelhança com o gesto antecessor, b3.

Figura 64 – Gestos a2, a3, a4, b2, b3, b4 e fusão de a + b em Paisagens – II Mov. Aqui e Além. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENTIL-NUNES, 2004).

Com a supressão temporal gradativa os dois gestos se fundem formando a derivação a + b (c. 39-41). Os pequenos motivos característicos de cada gesto se sobrepõem de maneira progressiva até que configurações dispersas se formam (c. 41). O entrelaçamento das duas linhas leva ao momento aleatório, que por sua vez culmina com o alto pico de dispersão e aglomeração revelando o clímax textural deste movimento (Fig. 64). Em seguida a introdução é repetida de maneira literal pela celesta finalizando o movimento. Inferências Os processos de derivação A estrutura formal adotada para este movimento, influenciada pelas ideias que o suportam, expõe apenas dois gestos, a e b, ao processo de derivação. Houve quatro derivações de ambos (Fig. 65).

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Figura 65– Gesto a original e suas derivações: a1, a2, a3 e a4; gesto b original e suas derivações b1, b2, b3, b4 e gesto a+b em Paisagens – II Mov. Aqui e Além. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENTIL-NUNES, 2004).

III – Incertâncias O terceiro movimento, Incertâncias, dialoga com o conceito de jogos de linguagem de Wittgeinstein. De maneira resumida, os acordos sociais que dão sentido a conceitos elementares, são chamados de jogos de linguagem. A ideia neste movimento foi apresentar na seção inicial, minisseções que sejam contrastantes, mas que possuam linguagens próprias. Posteriormente,   estes   “jogos”   serão submetidos a outros meios, causando, inevitavelmente uma atmosfera imbuída de novos jogos. Gestos e derivação Este movimento está divido em: Seção A (c. 1-13); Seção B (c. 14-28); Seção C (c. 29-40), Seção D (c. 41-74); e Coda (75-82, Fig. 65).

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Figura 66 – Indexograma das seções A, B, C, D e Coda em Paisagens – III Mov. Incertâncias. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENTIL-NUNES, 2004).

O planejamento composicional previu diferentes atuações para diferentes seções. Na seção A estão presentes os gestos que representarão o conceito de jogos de linguagem a partir de suas construções rítmicas e melódicas. O gesto a (c. 3-6) é formado por duas bolhas. A bolha I (c. 3) reflete os blocos quartais executados pela marimba e xilofone e que serão utilizados no desenvolvimento das ideias que suportam este movimento. A segunda bolha (c. 4) é a mais contrastante com maiores picos de dispersão. O gesto b (c. 7), formado por uma bolha apenas, revela outro jogo, desta vez, representado pelas ligeiras figurações rítmicas executadas pelo xilofone. O gesto c (c. 8-10) apresenta um pico de aglomeração que representa o bloco formado pelo xilofone, marimba e vibrafone. Também é formado por uma bolha (Fig. 66).

Figura 67– Gestos a, b e c em Paisagens – III Mov. Incertâncias. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENTIL-NUNES, 2004).

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O gesto d (c. 14-15) possui apenas uma bolha. São retirados elementos de sua composição total e acrescentados a cada reexposição deste gesto. O procedimento, portanto, é de adição gradual. Contudo, são inseridos novos elementos executados pelos instrumentos que não estão envolvidos no procedimento acima citado. Através destas novas entradas que processado o movimento de derivação gestual. O gesto d possui apenas a partição [2] em toda sua extensão. Esta partição representa as oscilações entre um par de entradas ritmicamente idênticas executadas pela marimba, e outro par pelo xilofone e vibrafone. Foram priorizados

os

movimentos

particionais

revariância

(v)

e

redimensionamento (m) em todas as derivações deste gesto, de maneira oposta ocorrida em YPKHOS. O intuito foi de conferir maior consistência ao movimento de derivação gestual. A ordem dos fatores iniciando por v e seguida por m, foi mantida (Tab. 10). O gesto d é construído a partir da adição gradual de seus elementos, e assim, constituindo sua própria linguagem. Isso quer dizer que o gesto d aparece primeiramente de forma subtraída de seus elementos constituintes. A cada reaparição seus elementos são adicionados. Este gesto (em seu processo de aparição gradual) representa um jogo de linguagem e outras entradas são inserções que também representam outros jogos de linguagens. Estas superposições de entradas tem a função de provocar o conflito entre os jogos de linguagem representados pelo gesto d e pelas novas entradas. Tabela 10 - Movimento de derivação gestual textural aplicado nas derivações d1, d2 d3 e d4.

Foi planejado para o gesto d1 (c. 16-17) que o contraste entre as duas linguagens ficasse evidenciado pelo pico de aglomeração alcançado neste gesto. Possui apenas uma bolha e é executado pelo piano, seguido do tímpano e tamtam. O gesto derivado d1 é composto por uma bolha que exibe a ampliação dos níveis de aglomeração e dispersão, em relação ao gesto original. Na derivação d2 (c. 18-19) os níveis nos dois índices são reduzidos. Também composto por uma bolha, este gesto é contrastante ao anterior. A derivação d3 (c. 20-21) é constituída por uma bolha e simboliza a ampliação do nível de aglomeração atingido em d1, que é representado pelo bloco

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executado pelo timpano, pratos, caixa clara e piano. O nível de dispersão aumenta naturalmente, pois ocorre o acréscimo gradativo dos elementos comuns ao gesto d. O gesto derivado d4 (c. 22-23) conta com apenas uma bolha e nele ocorre o retrocesso dos níveis nos dois índices evidenciando a semelhança entre os gestos d2 e d4 (Fig. 67).

Figura 68– Gestos d, d1, d2, d3, d4 e d5 em Paisagens – III Mov. Incertâncias. Semelhança e eco entre as derivações. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENTIL-NUNES, 2004).

O gesto d5 (c. 24-27) é mais extenso do que os outros e formado por duas bolhas. A adição dos elementos que constituem o gesto original d chega ao fim e as configurações ritmicas alcançadas proporcionam maior nível de dispersão. A bolha I (c. 24-25) se assemelha às configurações texturais alcançadas em d1 e d3 enquanto a bolha II (c. 26-27) tem conexão com as derivações d2 e d4. Este gesto representa a interação entre os dois conjuntos de interações contrastantes evidenciados através das quatro derivações do gesto d. Na derivação d5 as figurações foram repetidas de forma intercalada e não foi utilizado o movimento de derivação gestual. Na seção C ocorre o gesto e (c. 29-32). Possui duas bolhas e suas derivações não passaram pelo movimento de derivação gestual, pois buscou-se previamente uma aproximação elevada entre o gesto e suas derivações. Contudo, boa parte do material apresentado na seção B volta a ser utilizado interagindo com novos elementos. Os elementos da seção B estão representados nas figurações executadas pelo piano, marimba e vibrafone. A primeira bolha (c. 29-30) apresenta maior nível de dispersão. A segunda bolha (c. 30-32) é mais longa e apresenta recuo dos níveis nos índices.

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A derivação e1 (c. 33-35) sofre redução de um compasso e também é formada por duas bolhas: I (c. 33-34) e II (c. 34-35). Elas apresentam grande semelhança com as duas bolhas do gesto original. O gesto e2 (c. 36-37) também sofre redução de um compasso e é formado por duas bolhas que apresentam grande semelhança com as bolhas do gesto original. A bolha I (c.36) apresenta um pico de dispersão seguido pelo recuo dos índices. A bolha II contudo, apresenta três picos de dispersão. A semelhança entre os gestos e, e1 e e2 revela a relação de eco e ampliação entre eles (Fig. 68).

Figura 69– Gestos d, e1 e e2 em Paisagens – III Mov. Incertâncias. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENTIL-NUNES, 2004).

A seção D é a maior e é onde ocorre a reexposição de elementos dos gestos a, b e c. O planejamento composicional não previu o uso do movimento de derivação gestual. Os processos de desenvolvimento visam favorecer as ideias que serviram de modelo para a construção deste movimento. Para garantir a interação entre os elementos (que representam os jogos de linguagem), são utilizados, do gesto a, os blocos executados pelo xilofone e marimba (c. 3-4) em sua aparição original. Os blocos são executados pelo piano e marimba de forma mais espaçada (c. 40-41, 43-50). Do gesto c é extraído o bloco realizado pelo xilofone, marima e vibrafone (c. 8). Este bloco é ampliado gradualmente e colocado em oposição a outros elementos. (c. 42, 45-46, 56, 58, 60-63, 78-80). Do gesto b é extraído o motivo apresentado pelo xilofone (c. 7). Este motivo é reapresentado de forma retrógrada pelo piano. (c. 55, 57, 59-71). Os elementos (jogos) em questão são contrastantes.

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O gesto a é reapresentado de maneira integral (c.75-76) iniciando a Coda. Elementos motívicos da seção B são reapresentados no piano (c. 77-79) em oposição aos elementos característicos da seção D, os blocos em gradual expansão (c. 78-80). Inferências Foi observado, a partir do planejamento e desenvolvimento dos processos composicionais de Paisagens, que o movimento de derivação gestual fornece ao compositor possibilidades de manuseio textural rítmico. Contudo, sua utilização ganharia maior aplicabilidade se fundido ao particionamento melódico, no sentido de ampliar o raio de possibilidades no trato textural (Fig. 69).

Figura 70– Gestos originais a, b e c e suas derivações: a1, a2 e a3, b1, c1, c2, c3, c4 e c5. Gráfico produzido pelo programa PARSEMAT (GENTIL-NUNES, 2004).

CONCLUSÕES Em primeiro lugar, foi observado que a hipótese levantada mostrou-se verdadeira. Ou seja, foi possível verificar o planejamento composicional empregado nas obras analisadas aplicando o enfoque gestual nos dados revelados pela AP. Tanto em Codex Troano quanto em Movimentos, através do desenvolvimento dos protótipos gestuais encontrados, isto é, por meio de relações derivativas, foi possível estabelecer a estrutura formal utilizada e o planejamento adotado.

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A qualidade gestual aplicada aos dados da AP, através das análises realizadas, revelou características contrastantes entre as obras elencadas. Em Movimentos, a condução linear nas derivações gestuais é uma das principais particularidades em seu desenvolvimento. Ocorre grande recorrência aos padrões gestuais de forma literal ou com pequenas alterações. Isto é, a agregação de novos elementos em cada derivação, mantendo grande parte das características das bolhas originais, é presente em quase todos os casos. Através da temática gestual foi apreendida também a tipologia do discurso, que neste caso apresenta fortes traços da linguagem minimalista. Em Codex Troano, a reincidência gestual é menos linear, porém o processo derivacional é mais evidente. Foi percebido que apesar de ocorrerem poucas repetições literais dos gestos encontrados, estes sofrem maior quantidade de derivações. Isso propiciou maior fragmentação das bolhas que compõem os gestos e maior diluição das derivações no desenvolvimento. Do ponto de vista formal, o enfoque gestual sobre os dados da AP sinalizou que as duas obras apresentam seções recorrentes e que puderam ser enquadradas em estruturas tradicionais. Contudo, o conceito de derivação gestual não detém a condição exclusiva para a validação da hipótese levantada. O processo estabelecido apresentou resultados comprovando que (...) o uso do indexograma propicia o estabelecimento de relações entre a análise tradicional e a análise particional, obtendo vantagens para ambas (GENTIL-NUNES, 2009, p110).

Isto quer dizer que levando em consideração o

particionamento rítmico, existe fina relação entre os dados revelados pela AP e as análises formais tradicionais. Entretanto, as outras formas de particionamento (melódico e por eventos), utilizados em recentes pesquisas (MOREIRA, 2013; GENTIL-NUNES, 2012), parecem corroborar com esta conclusão. Foi observado que o movimento de derivação gestual textural oferece recursos ao compositor no que diz respeito ao tratamento e desenvolvimento textural. Após a utilização do movimento como ferramenta composicional na elaboração das obras YPKHOS e Paisagens, ficou evidenciado que do ponto de vista do particionamento rítmico, a qualidade do movimento de derivação gestual textural na fase de planejamento composicional é positiva. Foi possível realizar a transição entre as partições obtidas e suas abstrações na partitura musical.

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Entretanto, o movimento ainda necessita de aperfeiçoamento em certos aspectos. Mesmo que o aplicativo OPERADORES tenha servido de apoio nos cálculos realizados, a falta de um aplicativo computacional dedicado ao uso dos módulos de operações a fim de processar as partições resultantes, resulta em relativo retardamento do processo. O movimento foi empregado de maneira distinta nas duas obras. Em IPKHOS, o uso foi mais livre e em Paisagens, sobretudo no terceiro movimento, buscou-se o estreitamento do uso. Observou-se, no entanto, que o movimento de derivação gestual ganha mais fôlego e qualidade operacional se usado de maneira restrita. Assim, com a falta de arbitrariedade, o processo mantém-se coeso. Outro aspecto é a unilateralidade do movimento, pois apenas o particionamento rítmico é contemplado. A junção das demais aplicações particionais no movimento de derivação concederia ao compositor o manuseio de outros parâmetros como altura e timbre no tratamento textural. Isto ampliaria consideravelmente o campo de atuação do movimento. Portanto, estas conclusões apontam para futuras possibilidades de pesquisas, nas quais, por exemplo, seria pretendida a expansão do movimento de derivação gestual textural. Objetivando assim, a confluência de todas as aplicações particionais em um complexo composicional textural particional. REFERENCIAS Bibliografia ABDALLA, Elcio. Teoria quântica da gravitação: cordas e teoria M. Rev. Bras. Ensino Fís. São Paulo, v.27, n.1, p. 147-155, 2005. ALMADA. Carlos de L. Aplicações composicionais de um modelo analítico para variação progressiva e Grundgestalt. Opus, Goiânia, v. 18, n. 1, 2012a. ALMADA, Carlos de L. O Sistema-Gr de composição musical baseada nos princípios de variação progressiva e Grundgestalt. Música e Linguagem, Vitória, vol. 2, nº 1, p116, 2013b. ALMADA, Carlos de L. O Sistema-Gr de composição musical. Disponível em: http://grupomusmat.files.wordpress.com/2014/01/sistema-gr.pdf. Acessado em: 02.06.2014.

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