Gestos, Técnicas e Memória: a propósito da exposição Ser Mação -Risco e movimento

July 12, 2017 | Autor: Sara Cura | Categoria: Museology, Museography, Museologia, Museografia
Share Embed


Descrição do Produto

OOSTERBEEK, L., MORAIS, M., PEREIRA, A., MARQUE, M.T., LOPES, A., CURA,P.,
CURA,S. (2012) Gestos, técnicas e Memória – a propósito da exposição Ser
Mação – Risco e Movimento, Zahara, nº18, pp. 92-94

GESTOS, TÉCNICAS E MEMÓRIA.
A propósito da Exposição SER MAÇÃO – RISCO E MOVIMENTO

Luiz Oosterbeek, Margarida Morais, Anabela Pereira, Manuel Teixeira
Marques, Andreia Lopes, Pedro Cura, Sara Cura
Museu de Arte Pré-Histórica e do Sagrado do Vale do Tejo, Mação
[email protected]


O Museu de Mação é uma ponte de memórias: as dos que estamos e as dos que
nos deixaram, as nossas e as dos que nos visitam, as recentes e as daqueles
que nenhum de nós chegou a conhecer. O Museu fala das origens da
agricultura, da nossa forma de ser, há muitos milhares de anos. Os espaços
de memória nas freguesias falam sobre alguns dos gestos e saberes que não
se devem esquecer, e que na verdade nos unem a esses primeiros agricultores
que, há mais de 6.000 anos, viveram no Penhascoso, gravaram desenhos no
Ocreza ou enterraram os seus mortos na Anta do Rio Frio e na Anta da
Lajinha. Nessa altura, como hoje, esta era uma terra de agricultura, de
floresta, mas também de migração. Era e é uma terra de risco, mas também de
oportunidades que fomos sabendo encontrar. Esse é o nosso desafio hoje, e é
o desafio de Portugal.
(do catálogo da mostra Ser Mação – risco e movimento)

Entre os meses de Julho e Outubro de 2011, foi organizada no Museu de Arte
Pré-Histórica de Mação uma mostra sobre a identidade ontológica de Maçã,
intitulada Ser Mação – risco e movimento. Pensada antes de mais como
homenagem aos emigrantes de Mação, a mostra converteu-se numa afirmação da
capacidade empreendedora e de reacção da população, especialmente relevante
hoje, quando Portugal sente, de Norte a Sul e do interior ao litoral,
algumas das preocupações e ansiedades que há muito tempo ocuparam o
quotidiano das populações. A mostra destacou, enfim, a importância de
ajudar os que agora se confrontam com a dificuldade, mostrando como reagir
e manter os laços sociais e afectivos.

A mostra incluiu apenas objectos escolhidos pelos habitantes das oito
freguesias do Concelho. Foi pedido que fossem cedidos ao Museu diversos
objectos que contassem histórias das gentes de Mação, pelo que cada objecto
exposto falava, na verdade, de vidas humanas em concreto, de amores e
temores, de aventuras e tristezas, de conquistas e de dificuldades, de
esperanças e de angústias. Os objectos foram apresentados de acordo com as
funções que tiveram, e a mostra teve na verdade três caminhos a percorrer:
uma viagem pela memória dos gestos e dos saberes (a ordem dos objectos em
exposição), uma visita às freguesias (com painéis que mostravam quais os
objectos de cada freguesia) e uma colecção de histórias e memórias de
objectos individuais.

Riscar a Terra e as Águas

O percurso foi introduzido por duas peças que remetiam para movimentos
anteriores à agricultura, mas que continuam até hoje: a pesca e a caça. São
as mais antigas actividades económicas da região, e sabemos que há pelo
menos 300.000 anos já viviam caçadores nesta zona do Tejo. Mas os humanos
raramente abandonam uma prática, mesmo quando vão incorporando inovações
técnicas, dos terraços agrícolas da Amêndoa às Pesqueiras da Ortiga.

Ser Mação é ser um Portugal rural, mas aberto à inovação. A mostra
prosseguiu com um exemplo da primeira actividade de domesticação: a matança
do porco, que é algo que nos lembra hoje a importância do presunto na
economia local, mas que resultou de um caminho que começou há pelo menos
7.500 anos, quando foram domesticados os primeiros javalis.

Risco é uma palavra-chave nas exposições em Mação.
A exposição permanente, intitulada Um risco na Paisagem, destacou a grande
marca dos primeiros agricultores da região: o riscar, o transformar, da
paisagem (através da desflorestação, mas também com a arte e os monumentos
funerários.
A exposição táctil é intitulada Uma paisagem em risco, e para além do
trocadilho destaca quer a fragilidade das paisagens como a nossa própria
fragilidade. Destaca, também, os riscos que cercam o quotidiano dos
invisuais,

Depois de se arriscar pelos campos e pelas águas (na pesca), o maçaense
começou o riscar a terra, com o arado e a canga, que já une a domesticação
de sementes e animais. Aprendeu depois a processar os cereais e diversas
outras actividades agro-silvícolas: recolha da resina, apanha das azeitonas
e produção de azeite (que já se exportava nos anos 60), apicultura,
produção de compotas e, claro, o vinho. A mostra ecoou, no seu percurso,
esta progressiva domesticação do território, que se prolongou na
construção.

Construir, Tecer, Transportar – o quotidiano

Somos construtores, e esse foi um dos núcleos da mostra. Construtores, num
primeiro momento, de peças de um só material, como a cerâmica, a latoaria
ou a madeira. Mas também construtores de muitos materiais, que se foram
combinando, erguendo armazéns, casas, igrejas…centros de saúde,
estradas,.... Riscar a paisagem continua a ser um traço dominante do nosso
comportamento, mesmo quando essa já é uma paisagem humanizada, que se
reinventa.

O quotidiano atravessava ainda outros gestos, outros saberes, como por
exemplo cultivar o linho, processá-lo, pensar e fazer os seus produto. A
mostra percorreu também esta dimensão mais restrita, mais caseira, onde se
criavam dos chapéus aos panos, sobretudo para os vizinhos, num tempo em que
o trabalho artesanal prolongava a vida em casa, onde se passava a ferro
enquanto se ouvia rádio e, nos momentos de descanso, se lia a Simplesmente
Maria ou outras novelas.

E em todo o processo pontua o movimento, dos gestos às deslocações,
evidenciadas na mostra através dos transportes. Transportar em carroças,
transportar em barcos, transportar na zorra ou no ceirão, com tracção
animal e muitas vezes levando à cabeça… transportar objectos às costas e o
mundo todo nos sonhos. Mação também foi terra de transportes, da barca do
xerez às vendas da Feira dos Santos.

Aprender, Antecipar, Migrar

Atrás de cada gesto, de cada saber, esteve a transmissão dos saberes,
primeiro dos mais velhos para os mais novos, em casa, e depois nas escolas.
A mostra foi realizada na antiga escola primária de Mação, que guarda nas
suas paredes os sons de centenas de crianças estudando e brincando. Hoje a
escola retomou a sua história, fazendo parte do Museu e albergando
laboratórios, serviços educativos e salas de estudo. Nada se perdeu, mas
tudo se transformou.
Aprender. Na família, com os vizinhos e também na escola. Com rigor, letra
pontuada, contas certas….

Mas Mação é terra de migrantes, muitos que partiram, mas também muitos que
vieram e continuam a chegar. De e para as oito freguesias, entre Mação e o
mundo todo, em busca de melhor situação sem virar costas à terra.
Trabalhadores do campo transformados em operários, mas também, depois,
ocupando outras profissões, da indústria ao ensino. Famílias que emigram,
para Abrantes, Tomar ou Lisboa, primeiro, para o Brasil, Argentina,
Venezuela, Congo, Moçambique depois, e, ainda mais tarde, para a Alemanha,
França, Holanda… E de migrantes que agora chegam, também.

Sagrar

O culto sagrado do Cristianismo, nos aspectos devocional, sacramental e
cerimonial, mas sempre ligado ao que ser e ao fazer, encerravam a mostra.
Procissões, missas, …. mas também pequenos gestos do quotidiano, olhares de
solidariedade e a sagração de todo o território.

Ontem e hoje

Vivemos tempos difíceis, mas a mostra revelou como no passado se viveram
outros tempos difíceis, e os caminhos que permitiram superá-los. O sentido
de solidariedade, a capacidade de antecipação, o rigor, a recusa da auto-
comiseração… A mostra, pensada para homenagear os emigrantes de Mação
converteu-se, assim, num espaço de reflexão sobre o que hoje somos, como
vivemos e que caminhos se nos abrem. De certa forma, todo o percurso do
Museu, da exposição sobre as origens da agricultura à exposição digital,
das aras romanas à exposição táctil, é sempre uma reflexão sobre o presente
e o futuro. Vivemos, sempre, com a memória do que nunca aconteceu
exactamente como pensamos e os olhos postos num futuro que nunca sabemos
exactamente como será. E é nessa incerteza, nesse intermédio, como dizia
Mário de Sá-Carneiro, que vivemos. Este é o sentido do Museu de Mação, que
por isso se assumiu como Museu "do Sagrado do Vale do Tejo". Porque o
sagrado é tudo o que remete para um além de que esperamos fazer parte mas
não descortinamos. Um além que pode ser transcendental ou não, de acordo
com as convicções de cada um, mas que é sempre algo que nos supera.

Agradecimentos
O primeiro agradecimento que fazemos é aos habitantes de Mação, de todas as
freguesias, que disponibilizaram as suas peças e colaboraram de forma muito
activa na construção da mostra. Queremos igualmente agradecer ao grupo
Cantares da Serra, que marcou pela música e pelas palavras a inauguração da
mostra. Finalmente, agradecemos o empenho reiterado dos funcionários da
Câmara Municipal de Mação, e o apoio sempre presente do executivo
camarário.
Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.