GHANEM, Elie. A amplitude de nossos sistemas educacionais e as relações entre educação formal, não formal e informal. 2014.

May 22, 2017 | Autor: Elie Ghanem | Categoria: Ensino, Educação Integral, Educação Não Formal
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* Professor de sociologia da educação da Faculdade de Educação da USP. [email protected]
A amplitude de nossos sistemas educacionais e as relações entre educação formal, não-formal e informal
The size of our educational systems and the relationships between formal education, non-formal education and informal education
Elie Ghanem*
Perguntar sobre a amplitude de nossos sistemas educacionais vem a propósito de uma preocupação mais ou menos recorrente de profissionais da educação com as formas pelas quais podem se relacionar aquelas modalidades de educação que passaram a ser classificadas como formal, não-formal e informal.
Esta preocupação deriva do fato de, apesar dos persistentes avanços na oferta de serviços de educação escolar no Brasil, nas últimas três décadas, não se poder dizer que o país conta com uma educação adequada às nossas necessidades e nem às nossas conquistas políticas, econômicas, científicas e tecnológicas. Entre as principais razões para pensar assim, deve-se sublinhar que nossa concepção de sistema educacional é muito restrita, que nossa noção de educação é limitada ao ensino e que não nos beneficiamos da maioria das práticas educacionais disponíveis.
Antes de seguir na explicação de cada uma destas razões da inadequação da educação no Brasil, cumpre fazer alguns esclarecimentos a respeito da classificação da educação em formal, não-formal e informal. O empenho nesta classificação e o uso desta nomeclatura foram encorajados por duas ordens de motivos mais salientes. Em parte, houve a multiplicação de ofertas educacionais que procuravam abordar aspectos e atender a interesses não contemplados pela atuação escolar regular e básica. Em parte também, a classificação e o uso da nomenclatura foram impulsionados pelo reconhecimento de que diferentes práticas, especialmente as de consumo de meios de comunicação de massa, sobretudo a televisão, produziam efeitos de tipo semelhante aos que são geralmente esperados pela educação escolar em termos de certos estados de pensamento, sentimentos e condutas (TRILLA, 2008, p. 16).
As ofertas educacionais que se expandiram estiveram voltadas para uma grande variedade de demandas, que vão desde o aprendizado da culinária ao dos primeiros socorros, do conhecimento de idiomas à alfabetização de pessoas jovens e adultas, da divulgação de doutrinas religiosas à escavação de poços ou do domínio de profissões semi-qualificadas como a de eletricista ao contato com noções sobre direitos trabalhistas. Não se trata apenas de muitos temas, mas também de muito variados públicos e agentes educacionais. São crianças nos horários em que não estão na escola assim como pessoas idosas, são também donas de casa bem como pessoas empregadas em grandes companhias, são estudantes de nível superior mas também são trabalhadores(as) não-especializados(as). Enfim, pessoas colocadas em diferentes níveis de uma escala de renda, de muitas faixas de idade e de ambos os sexos. Tais ofertas educacionais trazem a finalidade deliberada de instruir em algum ramo de conhecimento ou gerar e aperfeiçoar alguma habilidade, porém, não encontram lugar nas atividades escolares mais habituais, enquadradas nas exigências legais de obrigatoriedade. Estas práticas educacionais vieram a ser compreendidas como práticas de educação não-formal (PARK; FERNANDES; CARNICEL, 2007).
Por sua vez, a indústria de entretenimento se desdobrou com as invenções que amplificaram o alcance dos meios de comunicação, marcadamente dos meios impressos (jornais e livros), do rádio, do cinema e da televisão. Muito mais recentemente, houve o veloz aperfeiçoamento dos meios informatizados e da Internet. Paralelamente também se incrementou intensamente a indústria do turismo, ao mesmo tempo em que se busca responder a crescentes reivindicações para que se respeite o direito ao lazer. A indústria do entretenimento, a do turismo e a contínua mudança tecnológica nos meios de comunicação implicam inúmeras formas de aprendizado colocadas à disposição, grande parte das vezes gratuitamente. O aprendizado abrigado por estas atividades veio de ser compreendido pela genérica designação de educação informal.

Uma boa educação
Na base da preocupação com o relacionamento entre a chamada educação formal, a não-formal e a informal está o objetivo de se conseguir uma boa educação. Existem diferentes ideias do que seja uma boa educação, algumas das quais são contraditórias entre si. Sem entrar no debate a respeito destas visões conflitantes, para a linha de argumentação apresentada aqui, convém adotar uma noção de boa educação que é sinalizada pela Declaração Mundial de Educação para Todos. Esta é a perspectiva lançada na Conferência Mundial de Educação para Todos (Jomtien, Tailândia, 1990), reafirmada no ano 2000 por uma reunião da mesma natureza (Dacar, Senegal).
A Declaração Mundial de Jomtien admite que a educação que hoje é ministrada "apresenta graves deficiências" e que é necessário "torná-la mais relevante" (DECLARAÇÃO, 1990). A Declaração estabeleceu metas que não foram cumpridas e esta também é a razão de a reunião de Dacar ter essencialmente reafirmado o teor da declaração aprovada dez anos antes. A Declaração de Jomtien trouxe muitos aspectos inovadores. Três destes aspectos devem ser salientados para efeito de uma abordagem da concepção de sistema educacional.
Na Declaração Mundial de Educação para Todos, um aspecto inovador a ser destacado é ter destituído o ensino da posição central que sempre ocupou, atribuindo maior importância à aprendizagem. O alcance desta tomada de posição pode ser aquilatado pelo predomínio absoluto que o ensino teve em nossas concepções de educação, a tal ponto que os procedimentos de avaliação educacional se concentram apenas nas aprendizagens que decorrem do ensino e que os sistemas educacionais são considerados sinônimo de sistemas de ensino.
Outra importante inovação a evidenciar é a afirmação de que a educação inicia com o nascimento e dura ao longo de toda a vida. Embora pareça banal, esta afirmação contraria uma longa tradição pela qual os governos consideram a educação como algo referente a um período determinado da vida, especificamente a infância, a realizar-se em um lugar determinado, especificamente a escola. Internacionalmente, o significado de política educacional tem-se circunscrito a política referente a escolas, prioritariamente dirigida a crianças e extraordinariamente (quando não marginalmente) a pessoas adultas que não frequentaram regularmente escolas durante a "idade escolar". A própria Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, mesmo não utilizando a palavra escola, subentende que a esta se refere porque aborda o direito à educação como gratuita "pelo menos nos graus elementares e fundamentais", sendo a educação elementar obrigatória (DECLARAÇÃO, 1948).
Por fim, uma inovação especial da Declaração Mundial de Educação para Todos se encontra em sua exortação para que a educação responda a necessidades básicas. É certo que o documento menciona nomeadamente a satisfação de necessidades básicas de aprendizagem, expressão um tanto circular porque vincula a aprendizagem à satisfação de necessidades de aprendizagem. Talvez uma redação assim tortuosa tenha resultado da dificuldade de encontrar uma forma negociada de exprimir as muitas perspectivas que estavam em disputa naquele encontro internacional. Contudo, a Declaração afirma que as oportunidades educacionais devem estar voltadas a satisfazer as necessidades básicas de aprendizagem e que cada pessoa (criança, jovem ou adulto) deve estar em condições de aproveitar estas oportunidades. De todo modo, o texto explicita as necessidades como aquelas que incluem "tanto os instrumentos essenciais para a aprendizagem (como a leitura e a escrita, a expressão oral, o cálculo, a solução de problemas), quanto os conteúdos básicos da aprendizagem (como conhecimentos, habilidades, valores e atitudes), necessários para que os seres humanos possam sobreviver, desenvolver plenamente suas potencialidades, viver e trabalhar com dignidade, participar plenamente do desenvolvimento, melhorar a qualidade de vida, tomar decisões fundamentadas e continuar aprendendo."
O mais importante a notar nestas indicações que situam a educação como resposta a necessidades está em lembrarem o quanto tem sido excessivamente automática a suposição de que a mera oferta educacional responde a necessidades das pessoas que se educam. A Declaração obriga a repensar se o tipo de educação que se pretende difundir é adequado às necessidades das pessoas, rompendo com a presunção de que qualquer educação é um bem em si. Esta faceta fica particularmente evidente com as ressalvas que o texto faz a respeito da amplitude e da constância das necessidades, advertindo que tanto sua amplitude "quanto a maneira de satisfazê-las variam segundo cada país e cada cultura", além de mudarem inevitavelmente com o decorrer do tempo.

Sistema educacional como sistema escolar
Não obstante a diversificação e especialização de práticas educacionais, convencionalmente se identifica um sistema educacional como um conjunto de escolas. Não apenas um conjunto de escolas, mas, escolas subordinadas a uma hierarquia administrativa do Estado. Se esta hierarquia pertencer ao governo municipal, teremos um sistema educacional municipal. Se pertencer ao governo estadual, será um sistema educacional estadual. Pela legislação brasileira, são escolas de nível básico (educação infantil, ensino fundamental e ensino médio) que pertencem àqueles sistemas. Como sistema federal, denomina-se apenas o que é composto por escolas de nível médio e de caráter técnico e, quando se faz referência às universidades, é mais usual chamar este conjunto de rede federal e não de sistema.
Os sistemas educacionais são denominados sistemas de ensino não apenas pela lei, mas também em nossa linguagem comum. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9394, de 20 de dezembro de 1996) admite que a educação abrange os "processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais" (BRASIL, 1996). A lei, porém, disciplina somente a educação escolar, especificando-a como aquela que "se desenvolve, predominantemente, por meio do ensino, em instituições próprias", ainda que determine que esta educação "deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social".
A lei prevê que a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios organizem seus respectivos sistemas de ensino em regime de colaboração, determinando que cada sistema de ensino tenha liberdade de organização nos termos da mesma Lei nº 9394. Na prática, sistemas de ensino acabam sendo o mesmo que o Ministério da Educação, as secretarias estaduais de educação e as secretarias municipais de educação. Cada um sendo composto por um conjunto de órgãos dispostos numa hierarquia em cujo topo está a pessoa que é titular da pasta (Ministério ou secretaria) e cuja base é constituída pelas escolas nas quais efetivamente se encontram docentes e estudantes.
Tanto o Distrito Federal quanto os estados e os municípios têm que organizar, manter e desenvolver os órgãos e instituições oficiais dos seus sistemas de ensino, definir formas de colaboração na oferta do ensino fundamental, ter suas ações integradas e coordenadas em políticas e planos educacionais, em consonância com as diretrizes e planos nacionais de educação. Embora este caráter integrador e coordenador se aproxime de uma ideia de sistema, a própria Lei nº 9394 não estipula o que é um sistema de ensino.
O que se observa é que a interação e a coordenação que confeririam a um conjunto de órgãos o caráter de um sistema são tradicionalmente circunscritas aos fluxos administrativos e não abrangem o cerne das práticas educacionais. As escolas somente se integram horizontalmente pela possibilidade de receber ou enviar alunos por transferência e se integram verticalmente por receber ou enviar alunos em uma progressão. Não é o fazer educacional que se integra, mas, antes, é a sua certificação. Não há também uma coordenação de práticas e, em seu lugar, há o controle da escrituração escolar por meio de funcionários de supervisão.
Em suma, no que se refere àquele fazer educacional, não se pode dizer que dispomos realmente de sistemas. No nível de uma mesma escola municipal ou estadual de ensino fundamental ou médio são frequentemente encontradas realidades muito distintas no período matutino e no período verpertino (CARVALHO, 1989). Muitas vezes, profissionais de centros de educação infantil que lidam com crianças de até três anos de idade não mantêm qualquer contato com colegas das escolas de educação infantil que recebem crianças de quatro e cinco anos, ainda que sejam das mesmas famílias e dos mesmos bairros. Igualmente, não é difícil encontrar casos de escolas de educação infantil que chegam a ser contíguas a escolas de ensino fundamental, ambas pertencentes à mesma prefeitura, contando com certo número de docentes que leciona em ambos estabelecimentos, mas, que se caracterizam como universos completamente separados, com dinâmicas e sentidos estranhos um ao outro. Prevalece o caráter administrativo da conexão entre os órgãos, submergindo a possibilidade de uma perspectiva integrada para as atividades educacionais, o que seria apropriado para caracterizar sistemas educacionais.
Assim sendo, nossos sistemas educacionais, chamados de sistemas de ensino, são legalmente e de fato reduzidos somente às organizações escolares. Estas, por sua vez, somente se articulam em aspectos e por meio de mecanismos administrativos. Note-se que apesar de a Lei conceder liberdade de organização aos sistemas de ensino, o que se pratica é incluir nestes apenas os estabelecimentos públicos. Os de iniciativa privada são mantidos à margem, sendo no máximo fiscalizados uma vez que expressamente devem somente cumprir as "normas gerais da educação nacional e do respectivo sistema de ensino", ter autorização de funcionamento e avaliação de qualidade pelo poder público e capacidade de autofinanciamento. Portanto, do ponto de vista do relacionamento coordenado de esforços com sentidos compartilhados, nossos sistemas educacionais não são nem sistemas nem educacionais.

Educação limitada ao ensino
A mesma tradição que reduziu os sistemas educacionais a sistemas escolares levou à redução da educação ao ensino. Foi a Revolução Francesa que, assimilando a educação à política, colocou a meta central da igualdade e da conversão de súditos em cidadãos livres na constituição de um sistema nacional de instrução pública (LOPES, 2008). Este modelo se espraiou por uma grande quantidade de países no ocidente e, posteriormente, também nos países asiáticos e africanos. Por este modelo, reforçou-se o significado de educação como ensino, de tal maneira que ao Estado se reconhece o direito de submeter todas as pessoas à escolarização e a cada uma delas, perante o Estado como representante da sociedade, atribui-se a obrigação de escolarizar-se, ou seja, submeter-se ao ensino.
Entre os direitos humanos, talvez seja somente o direito à educação que é ao mesmo tempo um dever. Esta origem da educação escolar moderna como uma imposição estatal e universal é totalmente compatível com um tipo de educação interpretada em termos de ensino.
Não será ocioso assinalar que todo ensino é uma forma de educação, porém, nem toda educação é uma forma de ensino. Embora ensino, educação e instrução sejam correntemente e há muito tempo termos utilizados de modo intercambiável, pode-se entender que aos termos ensino e instrução está associada uma ideia de transmissão de saberes que não está presente em todas as práticas educacionais. O que certamente ocorre em qualquer prática a ser considerada educacional é a aprendizagem. Porém, é evidente que a maior parte das práticas que implicam aprendizagem não contam propriamente com alguém que ensine.
Mesmo a ideia de transmissão de saberes não pode ser mais do que uma metáfora, embora seja persistentemente tomada como uma descrição estrita dos processos de aprendizagem. A crença de que realmente se aprende por uma transmissão de saberes que transitam da mente de um professor para a mente de um aluno já foi contradita inúmeras vezes e talvez o mais eminente contestador deste enfoque tenha sido John Dewey (DEWEY, 1938). De resto, não parece ter sido suficiente a árdua pesquisa que Jean Piaget empreendeu para fundamentar a concepção de aprendizagem como uma atividade mental de quem aprende e não de quem ensina (PIAGET, 1996). O atode ensinar é, em última instância, a apresentação de saberes e não a sua transmissão.
Mas, os sistemas educacionais seguem sendo entendidos como sistemas de ensino e não como sistemas de aprendizagem. Ou seja, a aprendizagem que se leva em conta é somente aquela que se acredita decorrer da "transmissão de conteúdos", ainda que seja famosa a crítica de Paulo Freire àquilo que ele chamou de educação bancária, denunciando o exercício de dominação do educador sobre o educando intrínseco a esta prática tão generalizada (FREIRE, 1967).

Práticas educacionais desarticuladas
Se, ao chegarmos em qualquer localidade, perguntarmos como está o sistema educacional do lugar, com maior probabilidade serão obtidas respostas que remetem à existência de escolas em quantidade suficiente para a população e nos níveis de ensino disponíveis. Dirão talvez que já contavam com um grupo escolar na primeira década do século XX e que atualmente se utilizam também de algumas creches e escolas de educação infantil. Elogiarão o fato de haver escolas de ensino fundamental em todo o território, frequentadas pela quase totalidade das crianças com idade entre seis e quatorze anos, excetuadas aquelas que abandonam os estudos porque trabalham para ajudar as famílias. Indicarão a existência de escolas de nível médio para todos quantos o procurem, ainda que não sejam todos os jovens do lugar que o procuram ou que o continuam frequentando, também por se terem engajado nas atividades econômicas, numa mistura de deveres familiares com uma baixa atratividade da rotina escolar. Com orgulho, as pessoas do lugar dirão também que um número crescente de jovens passou a cursar uma faculdade, oferecida pela iniciativa privada ou instalada pelo governo ali ou muito próximo dali.
Indagando sobre a situação do sistema educacional local, dificilmente virão à lembrança os times e campeonatos de futebol de várzea. Não serão nomeados os parques abertos à visitação pública nos quais as crianças brincam, muitas vezes acompanhadas em passeios por seus pais ou avós. Não se falará nos jornais impressos que naquela mesma localidade são editados ou que lá circulam, com notícias das grandes agências ou anúncios do pequeno comércio. Também improvável será a menção aos trabalhos das associações voluntárias ou às atividades de organizações não governamentais. Menos ainda haverá a indicação dos serviços de saúde, grande parte dos quais, além de intervir em processos curativos, orientam sobre o corpo humano e o ambiente para a prevenção de doenças. Não se espere que haja referência às empresas, nas quais se aprende a realizar certas funções ou a aperfeiçoar sua execução. Apesar da grande importância dos livros para a educação escolar, as bibliotecas locais não serão citadas na apresentação do sistema educacional e falar da sala de cinema seria completamente surpreendente. Nada seria dito sobre o telecentro onde se pode ter acesso à Internet, nem sobre os grupos de teatro pelos quais alguns jovens se expressam, nem sobre o museu histórico no município vizinho. Embora inestimáveis saberes se produzam e se compartilhem nos apreciados bares e restaurantes, não ocorreria a ninguém considerá-los como parte do sistema educacional. Nem o clube onde se joga xadrez, nem as igrejas cristãs nem os grupos de religiões de matrizes africanas e orientais, embora estejam continuamente centradas em difundir o aprendizado de seus preceitos. Atitude semelhante será mantida em relação aos sindicatos. Tampouco será mencionada a rádio, que, além de informar e denunciar, configura os gostos musicais. Está claro que não haverá uma palavra sobre a escolas de samba que ensaiam enredos, letras e danças nos finais de semana, envolvendo crianças muito novas e figuras de idade avançada. Não aparecerá nenhuma referência às excursões anuais que o centro de lazer organiza e ninguém ousará incluir a televisão no sistema educacional, nem que seja para se deter nos programas considerados "educativos".
Ainda que todos sejam unânimes em observar no ambiente doméstico e no interior das famílias um aprendizado inevitável e até mesmo prioritário, não se poderia esperar que a opinião comum concebesse as famílias como parte do sistema educacional.

Um sistema amplo de aprendizagem
A Declaração Mundial de Educação para Todos se apoiou no reconhecimento de que é preciso proporcionar às gerações presentes e futuras uma visão abrangente de educação básica e um renovado compromisso em seu favor para enfrentar a amplitude e a complexidade do desafio. Este posicionamento obriga a considerar que uma educação significativa é uma educação que importa para a vida em seus mútiplos aspectos e, para atingir tal multiplicidade com coerência, requer a coordenação entre muitos agentes educacionais.
Em oposição a estes requerimentos, nossos sistemas educacionais são concebidos apenas como sistemas escolares. As políticas educacionais são medidas exclusivamente voltadas para o mundo escolar e reproduzem uma cultura escolar fechada. Embora seja comum admitir que, além da escola, as famílias e os meios de comunicação de massa jogam um papel destacado na educação, as políticas educacionais abarcam apenas a escola e o ensino. Esgotam no ensino o significado da educação e a ideia mais recorrente de educação básica a assimila à educação escolar, primária e para crianças. É, portanto, uma concepção muito limitada e alheia à perspectiva de uma educação compatível com a busca de uma vida digna para todas as pessoas, que assegure a estas o pleno respeito aos direitos humanos.
Esta perspectiva exige que divisões convencionais e duradouras venham a ser revistas e modificadas, tais como aquelas mantidas entre educação escolar e não escolar, entre educação presencial e a distância, entre formal, não-formal e informal. Não é possível distinguir a educação formal apenas como educação escolar. A distinção entre educação formal, não-formal e informal acabou por se sustentar apenas no aspecto da certificação pelo Estado uma vez que seus modos de realização se tornaram crescentemente semelhantes e a influência de cada uma nos estilos de vida, nas maneiras de pensar e de sentir veio constantemente se equiparando.
Não obstante tamanhas transformações requerendo sua articulação coordenada em sistemas educacionais, a educação formal, a não-formal e a informal seguem desconexas entre si e, desta forma, distantes das prescrições mais avançadas que enfatizam a necessidade de constituir sistemas educacionais amplos, que combinem as mais diferentes modalidades e os mais variados agentes, condição indispensável para a incontornável corresponsabilidade que a tarefa educacional cobra de cada pessoa.

Referências
BRASIL. Lei Nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996: estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9394.htm. Acesso em: 15 nov. 2012.
CARVALHO, Marília Pinto de. Um visível cordão de isolamento: escola e participação popular. São Paulo, Cadernos de Pesquisa, 1989, n. 70, p. 65-73
DECLARAÇÃO mundial de educação para todos: satisfação das necessidades básicas de aprendizagem: Jomtien, 1990. Disponível em: http://unesdoc.unesco.org/images/0008/000862/086291por.pdf. Acesso em: 15 nov. 2012.
DECLARAÇÃO universal dos direitos humanos: adotada e proclamada pela resolução 217 A (III) da Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948. Disponível em: http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm. Acesso em: 15 nov. 2012.
DEWEY, John. Experience and education. New York: Macmillan, 1938. 116 p.
FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1967. 150 p.
LOPES, Eliane Marta Santos Teixeira. As origens da educação pública. Belo Horizonte: Argvmentvm, 2008. 151 p.
PARK, Magareth Brandini; FERNANDES, Renata Sieiro; CARNICEL, Amarildo (Orgs.). Palavras-chave em educação não-formal. Holambra; Campinas: Setembro; Unicamp, 2007. 304 p.
PIAGET, Jean. Agir et construire: aux origines de la connaissanse chez l'infant et le savant. Genève: Université de Genève: Musée d'ethnographie, 1996. 157 p.
TRILLA, Jaume. Contexto e fatores do desenvolvimento da educação não-formal. In: ARANTES, Valéria Amorim (Org.). Educação formal e não-formal: pontos e contrapontos. São Paulo: Summus, 2008. p. 16-28

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