Ginga a memoria da rainha guerreira na capoeira

May 23, 2017 | Autor: Mariana Bracks | Categoria: História e Cultura Afro-Brasileira
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Ginga, a memória da rainha guerreira na capoeira.
Nzinga Mbandi, a lendária rainha guerreira de Angola está viva na cultura brasileira. Suas lutas ainda hoje são cantadas, relembrando a resistência do povo negro contra a opressão colonial.
Nzinga era filha do 8º Ngola, título do soberano do reino do Ndongo, e em sua longa vida (1581?-1663), desempenhou diferentes e decisivos papéis na história de Angola. Foi batizada em 1622, na ocasião que assinou um acordo de paz com os portugueses que haviam invadido seu reino na década anterior. Assumiu o título Ngola em 1624 após a controversa morte de seu irmão Ngola Mbandi. Em 1626, o governo português articulou um golpe politico que a destituiu do poder no Ndongo. Para defender sua soberania, Nzinga se aliou a bandos de guerreiros Jagas e adotou a organização militar nômade dos kilombos. Por volta de 1630, conquistou o reino de Matamba, tradicionalmente governado por mulheres. Na década seguinte, aliou-se aos invasores holandeses, o que lhe deu acesso a armas de fogo. Nzinga Mbandi viveu quase quarenta anos em guerra contra os portugueses, mas no final de sua vida, querendo assegurar a sucessão de Matamba a sua irmã Mocambo, refém dos portugueses por mais de dez anos e contou com a ajuda dos padres capuchinhos italianos como intermediários, que resgataram Mocambo e "milagrosamente" reconduziram Nzinga de volta ao cristianismo. Em seus últimos dias de vida, permitiu a evangelização em Matamba e abandonou o modo de vida guerreiro dos Jagas. Morreu em 1663, enterrada segundo os preceitos cristãos, apesar da população venerá-la como rainha imortal.
A atuação política e militar de Nzinga Mbandi contra a colonização portuguesa nas décadas de 1620 e 1630 conseguiu desarticular as malhas do tráfico negreiro. Nzinga e os seus guerreiros atacavam os principais mercados e caravanas de escravos e libertavam os prisioneiros; bloqueavam as rotas de escoamento dos escravos, impediam a navegação do rio Kwanza, a principal ligação do interior com o litoral. Nzinga Mbandi foi consagrada a mais importante líder da resistência contra os portugueses em Angola, pois reuniu vários importantes chefes, como o rei do Congo, Cassanje, os Dembos, os sobas da Kissama em uma confederação para desarticular a implantação do sistema colonial. Juntos, conseguiram impedir parte do recolhimento de impostos, cobrados em escravos. Nzinga recolhia em seu kilombo pessoas das mais variadas origens étnicas, dava asilo a todos que fugiam das guerras e os transformava em potentes guerreiros. E o povo de toda Angola se misturou: Mbundo, Samba, Cassanje, Mbangala... Pessoas de diferentes etnias a buscaram como líder neste contexto de guerra e reconfiguração das fronteiras e de territórios de mando. Após sua morte, a etnia "Jinga" se formou na região de Matamba, marcando a criação de uma nova identidade étnica, homenagem clara à eterna rainha guerreira.
Desejo aqui refletir sobre a memória de Nzinga Mbandi no Brasil, compreender como as histórias da rainha de Angola atravessaram o Oceano Atlântico e hoje compõe o repertório de tradições afro-brasileiras. Pretendo analisar as representações desta personagem na cultura brasileira na perspectiva da diáspora africana, buscando as contribuições centro-africanas na formação cultural do Brasil, as cosmologias e formas de lutas compartilhadas pelos angolanos. Discutir a transposição da personagem histórica do século XVII para o mito atemporal evocado na construção da identidade negra.
Nzinga e a luta dos quilombos em Angola.
As fontes portuguesas do século XVII utilizaram massivamente a palavra "quilombo" para designar os acampamentos militares em que viviam os Jagas, diversos bandos guerreiros, descritos como canibais selvagens, que rodavam a África Central pilhando as comunidades Mbundo e causando desordem.
É longo o debate historiográfico sobre quem eram os Jagas. Alguns autores associaram os Jagas das fontes aos Imbangalas, migrantes da Lunda sob o comando de Kinguri, que teriam, em algum momento da migração, adotado a organização militar dos quilombos.
Originalmente, a palavra quilombo é ovimbundo e designa os ritos de iniciação masculino. Ao ser adotado pelos Imbangalas, ganhou a conotação de uma associação de homens que seu uniam sob o comando de um único chefe e deveriam ser iniciados em duros rituais que garantiriam a invencibilidade nas batalhas e obediência plena ao chefe do quilombo. Os Jagas a que as fontes se referem não designam, portanto, uma etnia, mas vários bandos de guerreiros nômades que agiam de forma independente. De forma geral, viviam da guerra, tinham uma economia predatória e a violência era o mais visível traço de sua organização política. Kabengele Munanga considera o quilombo uma instituição sociopolítica e militar transcultural, resultado de interações entre vários povos (lunda, imbangala, mbundu, kongo, ovimbundu, etc), uma história de conflitos pelo poder, de cisão dos grupos, de migrações e de alianças políticas pouco duradouras.
Os Jagas viviam sob a lei Kijila que proibia, entre outras coisas, a procriação no interior dos quilombos. Para se reproduzir, o grupo raptava garotos ainda não iniciados nos ritos de linhagem e os treinavam arduamente como valentes guerreiros.
Alguns governadores portugueses do início do século XVI perceberam que os Jagas poderiam ser úteis para as guerras de aprisionamento de escravos e os utilizaram como mercenários para a invasão de comunidades. Havia interesses complementares: os homens adultos seriam escravizados pelos portugueses, e os meninos mais jovens seriam treinados pelos Jaga.
Os Jagas tiveram participação ativa também na guerra de ocupação do Ndongo em 1617. O poderoso Jaga Cassanje acompanhou a expedição que incendiou a capital do reino, Cabaça, e expulsou Ngola Mbandi. Depois da guerra, Cassanje se recusou a sair das terras invadidas, negou-se a ser fornecedor de escravos aos portugueses e ainda assaltava as caravanas que passavam pelo seu novo território. De aliado, Cassanje passou a ser um dos maiores inimigos portugueses, e do Ngola também.
Após o golpe de estado articulado pelo governador Fernão de Souza em 1626, que destronou Nzinga do reino do Ndongo, ela se aliou a bandos de guerreiros Jagas, especialmente aquele liderado por Caza, que lhe deu o título feminino mais importante da hierarquia dos kilombos, o de Tembanza, ou "senhora da casa", designando a mulher do chefe. Este título a faz reviver os poderes da lendária rainha Temba Ndumba, sacerdotisa responsável pela fabricação do ungüento Magia Samba¸ capaz de tornar os guerreiros invencíveis.
Defendo que Nzinga Mbandi deu àqueles Jagas consciência política uma vez que inicialmente eles viviam de rapina, roubando comidas e pessoas, e após, sob seu comando, passaram a compor a frente de resistência contra a ameaça estrangeira. Assim, eles encontram uma razão de ser e guerrear maior do que o aprisionamento e destruição do povo Mbundo. Nzinga exerceu liderança política, militar e ideológica sobre alguns bandos Jagas, direcionando-os para sua luta contra a ocupação portuguesa de Angola.
Recriando as lutas dos quilombos no Brasil
Quilombo no Brazil significa um grupo de escravos fugitives. Desde o século XVI, milhares de escravos fugiam para as areas desabitadas do interior, onde puderam se organizar segundo as estruturas de poder que conheciam na África. O mais famoso quilombo brasileiro foi Palmares, também chamado de "Angola Janga" ( pequena Angola), criado no século XVI e fortemente atacado pelo governo colonial por várias décadas do século XVII.
Neste período, a maior parte dos escravos que chegaram ao Brasil eram originários da região do Congo e Angola, incluindo alguns chefes que não aceitaram a colonização portuguesa, e foram enviados para a America, como Cassanje da Nsaka, Kabuku, Ngole a Kaita, Ndambi Ndonga, Kiteshi Kandambi.
É resoável pensar que muitos destes escravizados eram aliados de Nzinga, que reconstruíram no Brasil a memória de sua rainha e as táticas militares usadas pelos Jagas. Roy Glasgow refletiu sobre a influência de Nzinga Mbandi nas lutas de Palmares e afirmou que ela inspirou a resistência negra no Brasil.
O quilombo de Palmares foi interpretad como um estado africano em sua origem, estrutura e governo. Sua formação étnnica "poderia apontar com precisão a entrada e distribuição dos primeiros negros de Angola, especialmente os Jagas, em Alagoas e Pernambuco." Especialistas analisaram que os angolanos trouxeram a Palmares suas línguas, culturas e organizações políticas. A área central do quilombo, onde o rei chamado Ganga-Zambi recebia os convidados, era identica à corte da rainha Nzinga e de outros reis de Angola. Palmares foi considerada uma república Africana no Brasil, "um transplanted a cultura africana que tinha todas características de um estado africano real, como agricultura, organização política e ténicas de produção".
A existência de Palmares representou a ameaça ao sistema escravista no Brasil, especialmente durante as invasões holandesas na década de 1630, quando a produção de açucar foi desorganizada e os escravos ally in the period of the Dutch invasion in 1630's, when the sugar production was disorganized and the slaves made a good use of it to run away. Palmares resisted for many decades, was consecrate a symbol of the black resistance against the slavery and the death of its last leader, Zumbi, is today celebrate the "Black conscience day" in Brazil.

Capoeira, luta de resistência afro-brasileira
Ginga e Nzinga
Histórias da África na cultura brasileira





Conclusões da dissertação de mestrado em História Social: Fonseca, Mariana Bracks. "Nzinga Mbandi e as guerras de resistência em Angola. Século XVII.". USP. 2012. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8138/tde-14032013-094719/pt-br.php
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