Glauber morreu há muito tempo, Godard ainda não e o Cinema vai Bem, obrigado

September 4, 2017 | Autor: Denilson Lopes | Categoria: Contemporary Art, Modern and contemporary aesthetics, Contemporary Cinema
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CINEMA DOS ANOS 90



















Denilson Lopes (org.)











































Glauber morreu há muito tempo, Godard ainda não e o Cinema vai Bem,
obrigado
Denílson Lopes[1]
Como falar dos anos 90? Quando eles começaram? Quando eles acabaram?
Começaram com as esperanças de uma Europa unificada e democrática após a
queda do Muro de Berlin e terminaram com a queda do World Trade Center e a
crescente belicização do Império Americano? Sai o confronto Leste/Oeste,
capitalismo/socialismo real e reafirmam as tensões entre Oriente e
Ocidente? Davos está tão distante assim de Porto Alegre? Seriam estes os
marcos mais importantes? E para o cinema?
Esta coletânea de artigos sobre os filmes da última década do milênio
passado se propõe a fazer um mapeamento a partir da diversidade de sua
produção e de abordagens diferentes. Os críticos, quase todos vinculados à
universidade brasileira, tiveram a liberdade inicial de escolher um filme
que lhe fosse mais caro ou que lhe interessasse mais. Depois, alguns
ajustes foram feitos. Houve uma preferência por cineastas fortes, autores,
para usar uma palavra antiga, em detrimento da pouca presença de filmes que
marcaram a década por suas grandes bilheterias. Peter Greenaway e David
Cronemberg ficaram entre os cineastas mais populares entre os autores. Como
não queria ter mais de um artigo sobre um mesmo diretor ou filme, conversei
com os autores para que fizessem outras escolhas. Alguns ensaios previstos
sobre filmes que julgava importantes não foram concluídos. Por fim,
destacamos, a forte presença do cinema brasileiro, por iniciativa dos
próprios críticos.
Se não há mais cinemas novos, vanguardas, movimentos fortes não se
trata de decadência ou homogeneização. As opções vão desde bons trabalhos
de veteranos a cineastas que surgem nesta década. Não se pretende fazer um
trabalho completo, mas um primeiro panorama, uma primeira aproximação para
posteriores aprofundamentos e debates. Estes filmes estrangeiros e
brasileiros sintetizam nossas angústias e esperanças. Aceitamos olhar nos
olhos dos filmes que estamos fazendo, sem nostalgia nem deslumbramento.
Esse é o convite.
Ao contrário daqueles que apostaram na morte do cinema, no final dos
anos 70, este se fez apesar das dificuldades de um processo de hegemonia
norte-americana e de um saudosismo dos ideários do cinema moderno, das
viúvas de Glauber e Godard, que povoam mais a crítica do que o mundo dos
cineastas, diga-se de passagem. O cinema reconfigurou sua prática a partir
de uma convergência tecnológica, apontando para um futuro da imagem áudio-
visual, híbrida e impura, para além dos limites estreitos de uma linguagem.
Sutilmente, o quadro foi se transformando, sem grandes manifestos,
estardalhaços. Há sempre uma dificuldade de se falar do que é próximo.
Erros de avaliação são mais fáceis de serem cometidos pela proximidade com
o que se estuda. Contudo, o risco e o ganho podem ser uma aventura, uma
aposta diante da realidade, um testemunho do que fizemos e fazemos. Estes
não foram os melhores nem os piores anos, apenas o que vivemos e sentimos.
Talvez o cinema esteja hoje no lugar em que a pintura e a literatura
estavam no fim de século XIX, forçadas a se transformarem e, ao mesmo
tempo, sentido o peso de uma história. Diante da fragmentação das imagens
televisivas, e mais recentemente das imagens virtuais, o cinema estaria na
encruzilhada de resgatar a lentidão (ver DELEUZE, G.: 1992, 126), a
possibilidade de contemplação; aderir à rapidez, ao bombardeio
informacional ou buscar formas intermediárias entre as duas situações, como
veremos em vários filmes aqui estudados.
Diferente de uma estratégia marcante dos anos 80, praticada até hoje,
em que o cinema se viu acoplado a um desejo de revisitação do cinema
clássico sob o signo do pastiche, do fascínio pelo cinema de gênero; nos
anos 90, firma-se uma outra estratégia que ao invés de um cinema do cinema,
cinema publicitário, cinema do simulacro, marcado pelo artificialismo,
seria um desejo de resgatar o cotidiano, pessoas e estórias simples, com
imagens despojadas, presente em "sexo, mentiras e videotapes" de Steven
Soderbegh, filme paradigmático desta guinada, como nos lembra Nelson
Brissac Peixoto (1991: 326), filme que encerrava a década de 80 e a
centralidade de um "voyeurismo socializado" e cinéfilo (Labaki, 1977: 9).
Talvez seja algo que pudesse aparecer como um diferencial do cinema desta
década em que o cotidiano se viu cada vez mais marcado pelas invasões
midiáticas, violências generalizadas, conflitos decorrentes de novos
sujeitos sociais se proliferando.
Cinema pós-vanguarda, pós-moderno, maneirista, neo-barroco. Cada termo
implica um posicionamento. Fico com o termo vago – cinema contemporâneo –
mas talvez necessário para buscarmos a singularidade deste momento para
além do cinema clássico, da primeira metade do século XX, e do cinema
moderno, que se construiu entre o Neo-Realismo, o Underground Norte-
Americano, a Nouvelle Vague e os cinemas novos em diversos países, nos anos
60.
Ao invés de comentários dos textos dos colegas que contribuíram, a
quem agradeço a generosidade e o interesse por este projeto, fica aqui esta
provocação, que não representa necessariamente a opinião dos autores, mas
que veio como uma reflexão diante do que li. Nem revolução, nem nostalgia,
sutis formas de resistência emergem neste início de milênio. Quem disse que
conciliação com o mercado e com o público implica necessariamente
conformismo? Estejamos à altura do que está e do que virá.
Referências
DELEUZE, Gilles, 1992. "Carta a Serge Daney: Otimismo, Pessimismo e
Viagem". In: Conversações, Rio de Janeiro: 34.
LABAKI, Amir, 1991. "Introdução". In: LABAKI, Amir (org.). O Cinema dos
Anos 90. São Paulo: Brasiliense.
PEIXOTO, Nelson Brissac, 1991. "sexo, mentiras e videotapes". In: LABAKI,
Amir (org.). Op. cit.






Sumário
"Confiança" de Hal Hartley (1990) - FAbiano Souza
"Um Anjo na Minha Mesa" de Jane Campion (1990) - Paulo Menezes
"Dick Tracy" de Warren Beatty (1999) - Fernando Mascarello
"Grand Canyon – Ansiedade de Uma Geração" (1991) de Lawrence Kasdan, "Short
Cuts – Cenas da Vida" de Robert Altman (1993) e "Magnólia" de Paul Thomas
Anderson (1999) - Ângela Prysthon e Rodrigo Carrero

"Batman - O Retorno" de Tim Burton(1992) - Laura Cánepa

"Tempo de Violência" de Quentin Tarantino (1994) - Fernando Vugman
"A Fraternidade é Vermelha" de Kieslowski (1994) - Denilson Lopes
"Terra Estrangeira" de Walter Salles (1995) - Renato Pucci
"O Livro de Cabeceira" de Peter Greenaway (1996) - Susana Dobal
"Estrela Solitária" de John Sayles (1996) - Anelise Reich Corseuil
"A Estrada Perdida" de David Lynch (1997) - Vladimir Safatle
"O Rio" de Tsai Ming Liang (1997)- Cláudio da Costa
"Gosto de Cereja" de Kiarostami (1997) - Andréa França
"Felizes Juntos" de Wong Kar Wai (1997) - José Gatti
"Viagem ao Princípio do Mundo" de Manoel de Oliveira (1997) - Bernadette
Lyra
"Carne Trêmula" de Pedro Almodóvar (1998) - Wilton Garcia
"De Olhos bem Vendados" de Stanley Kubrick (1999) - Marcus Mello
"São Jerônimo" de Júlio Bressane (1999) - Liliane Heynemann
"eXistenZ" de David Cronenberg (1999) - João Luiz Vieira e Luiz Antônio
Coelho
"Cronicamente Inviável" de Sérgio Bianchi (1999) - Consuelo Lins e Cezar
Migliorin
"Amores Brutos"de Alejandro González Iñarritu (2000) - Evando Nascimento
"Dançando no Escuro" de Lars von Triers (2001) - César Guimarães
"Os Amantes do Círculo Polar" de Julio Medem (1998)– Adalberto Muller Jr.


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[1] Professor da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília,
pesquisador do CNPq, autor de Nós os Mortos:Melancolia e Neo-Barroco (RJ,
7Letras, 1999), O Homem que Amava Rapazes e Outros Ensaios (RJ, Aeroplano,
2002) e vários artigos sobre arte e cultura contemporâneas.
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