Globalização, Discursos Alternativos e Antropologia: alternativas não-etnocêntricas de universalização do conhecimento social

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INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS SOCIAIS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

Globalização, Discursos Alternativos e Antropologia: alternativas nãoetnocêntricas de universalização do conhecimento social

Resumo: O trabalho tem como objetivo, por meio da análise dos discursos alternativos de autonomização e de indigenização das ciências sociais, lançar luz sobre a problemática da generalização dentro da disciplina antropológica, dentro do contexto de globalização e virada pós-moderna. Palavras-chave: Geopolítica do conhecimento; teoria antropológica; discursos alternativos; generalização teórica.

Aluno: Fernando de Azevedo Lopes Disciplina: Teoria II Professor: Jean François Verán UFRJ 2013

Introdução

O presente trabalho tem como objetivo empreender uma análise dos projetos intelectuais de autonomização das sociologias nacionais do sul global proposto por Hussein Alatas (2006) e o movimento de indigenização das ciências sociais, tanto na sua vertente africana (Akiwowo, 1986) quanto asiática (Kim, 1999), tentando traçar alguns pontos de contato entre essas tendências e, a partir dessa aproximação, buscar compreender melhor a questão da pretensão universalizante e generalizante da antropologia e do particularismo de sua produção e utilização do conhecimento produzido. Argumento também que o conceito de relevância defendido por Farid Alatas (2001b) pode ser pensado como um ponto de convergência entre as duas correntes alternativas e anunciar um caminho de diálogo entre elas. Além disso, pensando de forma conjuntiva com os discursos alternativos surgidos no âmbito da sociologia (mas com a pretensão de se estender também para as outras ciências sociais, como a história e a antropologia) acenar com a possibilidade de uma extensão analítica para questões tão caras a antropologia contemporânea no que tange a forma como o conhecimento produzido em realidades locais, por meio da pesquisa etnográfica, pode ser generalizado para outras realidades. Como argumenta Archer (1991), a globalização e o “pós-positivismo” delinearam um novo painel para as ciências sociais contemporâneas e tanto as propostas de autonomização quanto de indigenização das ciências sociais questionam certo universalismo da sociologia e seu caráter homogeneizador. Esses projetos não negam a busca de universalização e generalização de suas proposições, mas tendem a ver criticamente e a defender que essa inserção das ciências sociais do sul no contexto mundial deve ser feita criticamente de forma a se afastar da dependência acadêmica. Pensar essas correntes “contra-hegemônicas” (Keim, 2011), juntamente com a proposta lançada por Archer (1991) de uma “sociologia de um mundo” – rompendo, assim, com a falsa dicotomia entre unidade e diversidade – permite tencionar analiticamente os pressupostos básicos em que as ciências sociais, e especificamente a antropologia, estão ancoradas e pensar numa forma diferente e crítica de intercâmbio acadêmico.

Discursos alternativos e o saber produzido localmente

Surgidas dentro do movimento de crítica e tentativa de superação do eurocentrismo das narrativas sociológicas “clássicas” e da consequente dependência epistemológica e acadêmica das ciências sociais do sul em relação às do “Norte atlântico” (Keim, 2008), esses “discursos alternativos” (Alatas, 2010) sinalizam para a necessidade de se construir alternativas em relação à aplicação acrítica do repertório intelectual europeu na análise das realidades dos países do sul global. Essa aplicação “servil” do repertório teórico europeu, além de representar uma dependência acadêmica e intelectual que reflete uma conjuntura de subordinação econômica mais ampla, não auxilia para a compreensão dos contextos específicos das sociedades do sul. Produções que nasceram em realidades histórico-sociais específicas são universalizadas, sendo utilizadas em contextos bastante diferentes daqueles do seu surgimento, não possibilitando assim uma análise mais abrangente das realidades dos países periféricos. Hussein Alatas foi um dos primeiros intelectuais que lançaram as bases da autonomização da Sociologia. Sua proposta é que sejam desenvolvidos métodos e teorias capazes de incorporar dados e de pensar a prática analítica com pressupostos que partam “de dentro” das sociedades estudadas “para fora” (Alatas, 2006). Segundo o autor, os conceitos clássicos das ciências sociais européias, como classe, estratificação social, mobilidade social, cultura etc. teriam uma validade universal no nível abstrato, mas suas manifestações históricas e concretas são condicionadas pela conjuntura que foram desenvolvidas (Ibid.: 07). O movimento que as sociedades e os intelectuais nãoocidentais deveriam tomar, no intuito de promover uma ciência social com maiores ganhos heurísticos, seria o de construir uma tradição de conhecimento autônoma, que levasse em conta os aspectos locais, “aplicando um conceito independente de relevância na coleta e na acumulação dos dados de pesquisa” (Ibid.: 07). Isso possibilitaria uma contribuição genuína e verdadeiramente local a uma sociologia universal, livre da imitação e da cópia de referências alienígenas àquelas sociedades. A proposta de indigenização das ciências sociais foi desenvolvida em contextos sociais e geográficos específicos, com suas nuances particulares, mas, no geral, pretende contribuir para a universalização das ciências sociais, rompendo com a dependência acadêmica e com o etnocentrismo. Calcado na reformulação das premissas ontológicas,

epistemológicas, empíricas e axiológicas mobilizadas nas pesquisas, tal rompimento permite construir conceitos sociológicos com base nas tradições locais e populares das respectivas sociedades não-ocidentais (Kim apud Alatas 2010: 229). O intuito é contribuir com as ciências sociais universais com propostas autóctones, mas nunca perdendo de vista o caráter generalizante de suas formulações. O sociólogo nigeriano Akinsolá Akiwowo foi um dos primeiros a lançar as bases desse projeto intelectual, ao desenvolver conceitos analíticos com base no conhecimento social contido nos registros da poesia oral Yorubá para o uso sociológico futuro tanto na análise local como também em outros contextos geográficos e sociais (Akiwowo, 1986: 343). Sem perder de vista a generalização de suas proposições, ele afirma que the principal aim of this paper is to contribute to a general body of explanatory principles by demonstrating how some ideas and notions contained in a type of African oral poetry can be extrapolated in the form of propositions for testing in future sociological studies in Africa or other world societies (Ibid. : 343).

Após esse movimento inicial surgiram desenvolvimentos críticos desse projeto, como em Makinde (1988) e Lawuyi & Taiwo (1990), e também contraposições às premissas básicas de Akiwowo e à maneira como seu desenvolvimento conceitual ainda mantinha relações espelhadas e estruturais com conceitos europeus e com a vertente do funcionalismo estrutural (Adesina, 2002). Contudo, para os objetivos do trabalho em tela, os esforços originais de Akiwowo para apontar outros caminhos de generalização do conhecimento produzido pelas ciências sociais contribuem para construir caminhos alternativos ao universalismo de corte eurocêntrico. Como no caso africano, na Ásia também ocorreu movimento análogo, e para os propósitos do presente trabalho, torna-se útil explicitar alguns pontos do caso que enfoco. Kyong-Dong Kim (1999) propõe algumas mudanças básicas na forma da abordagem da sociedade coreana, sinalizando, por exemplo, para a utilidade em se utilizar conceitos oriundos do confucionismo, com o intuito de se relativizar o uso da ideia de racionalidade e modernidade para pensar uma teoria do desenvolvimento econômico do país (Ibid.: 67-70). Como no projeto de Akiwowo, Kim almeja certa universalidade para suas proposições, mas não de forma absoluta. Ele propõe que os intelectuais do Ocidente abram espaços para essas produções não-ocidentais, mas que também os intelectuais “indigenizadores” invistam criativamente em pensar localmente

para desenvolver suas pesquisas. Para o autor, somente através dessa cooperação se evitará um isolacionismo cultural e acadêmico e se terá uma universalização do conhecimento e uma real globalização das ciências sociais. Pode-se notar tanto no projeto de autonomização da sociologia quanto no de indigenização uma forte tentativa de balizar localmente as premissas analíticas de seus trabalhos, de forma a se contrapor ao projeto original universalizante da sociologia; ou seja, o contexto ganha força na construção do conhecimento e torna-se elemento fundamental para o mesmo, ao invés das questões de cientificidade – como nos tempos fundamentais da disciplina. Em relação à análise do processo de formação das teorias sociológicas clássicas, essas duas correntes sociológicas, além de “provincializar a Europa” – transcendendo o chamado de Chakrabarty (2000) –, indigenizaram-na (Alatas, 2001b: 01). Apesar das críticas realizadas por Alatas (1993, 2001a) em relação ao projeto de indigenização da sociologia e os perigos de essencialização e de um orientalismo às avessas (2001b: 60-61) derivados dessa perspectiva, é possível aproximar as duas propostas por meio da mobilização do conceito de relevância (2001a). A ideia de relevância nas ciências sociais, segundo ele, pressupõe uma visão crítica em relação aos modelos analíticos importados e uma tentativa de buscar soluções originais e locais para pensar os problemas teórico-metolológicos nos contextos nacionais, dando assim saídas heurísticas eficazes e realizando, de fato, uma universalização mais afastada do signo da dominação colonial e em bases científicas mais acuradas. Os dois discursos alternativos em tela, levando-se em conta suas diferenças, buscam saídas para o universalismo hierarquizante, escapando das armadilhas do discurso pós-moderno, o qual sinaliza para a pulverização da razão em “razões” conjecturais (Lyotard apud Archer, 1991: 140); ou seja, esses discursos constituem uma saída racional e realista para a questão da globalização e da respectiva geopolítica do conhecimento. A questão da relevância aponta também para a necessidade de se buscar, historicamente, as bases de construção das ciências sociais, entendendo que a produção de conhecimento, como em outras esferas da vida humana, é fruto de processos históricos específicos. O movimento de aproximação entre esses dois projetos alternativos possibilita pensar uma alternativa para a análise de sociedades do sul e sua inserção dentro do movimento mais amplo da internacionalização da sociologia e da

globalização. Permite também contrapor uma universalização de corte positivista e caráter homogeneizador, e acenar para uma possibilidade menos etnocêntrica de internacionalização da disciplina sociológica.

Transcendendo a dicotomia entre unidade e diversidade

Como visto anteriormente, as sociologias alternativas oriundas do sul global tem buscado uma saída frente à universalização de corte eurocêntrico sem aderir às premissas pós-modernas que fragmentam as perspectivas nacionais em narrativas fechadas em si, impossibilitando uma conexão entre os discursos sociológicos produzidos em diferentes partes do mundo. Archer (1991), em um artigo que serve de introdução ao Congresso Mundial da ISA1, advoga em favor de uma sociologia unitária baseada na unicidade da razão humana e alerta para a falsa dicotomia entre unidade e diversidade. Para a autora, a saída para tal situação seria escapar dos caminhos propostos pelo positivismo e pelo relativismo pós-moderno e pensar a sociologia, com base no realismo crítico, como uma unidade entre diferentes formas e métodos de análise, mas com possibilidade de se conseguir alcançar um norte comum e garantir as potencialidades da disciplina enquanto forma de conhecimento. Nesse sentido, torna-se possível identificar analogias em relação aos projetos de autonomização e indigenização da sociologia discutidos anteriormente a essa “chamada” político-intelectual realizada por Archer. A busca por reorientar os paradigmas em que a sociologia mainstream está assentada por meio da relevância em relação aos contextos locais possibilita novas frentes que não necessariamente caem nos pressupostos relativistas, mas sim questionam todo um sistema intelectual que é fruto direto da globalização e de fatores que ultrapassam a esfera de produção do conhecimento. Analogamente ao que propõe Berthelot (2000), esse movimento analítico pode ser entendido como uma conjugação entre pluralismo (de formas, de objetos de análises e de fontes de construção teórica) e racionalismo (Ibid.:111). Convém salientar que, para o autor, pluralismo não seria sinônimo de relativismo (aos moldes pósmodernos). Segundo ele:

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A autora era presidente da International Sociological Association à época.

O termo pluralismo é por vezes associado ao de relativismo. Pode efetivamente ser assim quando o pluralismo exprime uma reivindicação defendendo a relatividade dos pontos de vista para justificar a pluralidade destes. Em contrapartida, o termo pode designar igualmente o reconhecimento - a um nível de elaboração intermédio, o das teorias e dos programas - de uma pluralidade de construções, diferentes na sua orientação específica, mas reclamando-se de uma referência comum aos princípios racionais que regem a atividade de conhecimento (Ibid.: 119).

Com base tanto na análise de Berthelot quanto de Archer, é possível localizar os dois projetos alternativos aqui analisados nesse movimento de transcendência da dicotomia entre unidade e diversidade. Mostra-se possível ver que as ciências sociais podem ser internacionalizadas e universalizadas sem se tornarem um monolito, respeitando formas de construção específicas dependendo da localidade, mas mantendo sua unidade de projeto analítico, pois a lógica e a razão humana são uma só (Archer, 1991). Em outras palavras, a sociologia, de forma crítica, construiria seu programa epistêmico levando em conta as relações de poder e as idiossincrasias históricas na conformação do seu campo de conhecimento. Nesse sentido, Margareth Archer (Ibid.) retoma o projeto intelectual de Akiwowo e afirma que, ao contrário de leituras equivocadas que viam na análise do autor nigeriano um exemplo do relativismo cultural, esse estudo possibilita o entendimento de que humankind universally thinks and talks about sociality – about creation, social origins, consanguinity and cohabitation. In Isichei´s terms this leads to an anti-relativistic quest for basic conceptual categories whose empirical referents exist whenever human beings are found (Ibid. : 143) .

Assim, a autora defende que uma das saídas para a falsa dicotomia entre unidade e diversidade, criando-se um conhecimento universal longe das armadilhas do positivismo e do pós-modernismo seria o recurso a universalidade da razão humana, apesar dela se revelar, dependendo do contexto, em manifestações práticas e cotidianas diferentes (Ibid. : 140). Alatas (2010), em artigo sobre as potencialidades analíticas dos usos das teorias alternativas, oferece um exemplo bastante demonstrativo do movimento de universalização alternativa. Segundo ele, as aplicações das teorias de Ibn Khaldun sobre a formação dos estados islâmicos e a dinâmica de suas sociedades não deveriam ficar

confinadas a casos específicos referentes ao mundo árabe e à Ásia ocidental. Segundo ele, a teoria khalduniana poderia ser transposta e ser uma útil ferramenta na análise da China e de sociedades da Ásia Central (Ibid.: 236). Outro exemplo que reforça a aplicabilidade de teorias não-hegemônicas fora de seus contextos de criação é dado por Maia e Caruso (2012). Os autores neste trabalho defendem que a análise da trajetória de Hussein Alatas possibilita questionar alguns dos princípios básicos em que está calcada a sociologia dos intelectuais e, assim, desvelar questões importantes sobre o pensamento social brasileiro. Os autores indicam que: A escolha de nosso caso justifica-se porque consideramos que a biografia intelectual de Alatas – que apresentaremos com detalhe na segunda seção deste texto – revela uma criativa combinação entre religião e conhecimento sociológico, que desafia os tradicionais pressupostos no campo da sociologia histórica dos intelectuais a respeito do fenômeno da secularização e seu impacto na esfera pública. Desta forma, sustentamos que este estudo de caso serve para relativizar aspectos consolidados na bibliografia, revelando novos modos de investigação do problema que podem abrir caminhos promissores para os estudiosos brasileiros, que também se veem as voltas com um universo intelectual não homólogo àquele que inspirou as abordagens europeias e norte-americanas (Ibid.: 53-54).

O projeto de indigenização das ciências sociais também pode fornecer exemplos de como o conhecimento local pode produzir questionamentos e novos caminhos para pensar questões sociológicas mais gerais. O trabalho de Kyong-Dong Kim (1999) permite

questionar

alguns

contemporâneas acerca

pressupostos

das teorias do

básicos

das

desenvolvimento

análises e

do

econômicas crescimento,

principalmente em sociedades onde o desenvolvimento industrial não seguiu os moldes históricos do norte-atlântico. Também permite pensar em como o pensamento econômico nunca é puramente econômico (como nos leva a crer a economia neoliberal e ortodoxa), e sim um prisma no qual vários fatores incidem. A tradição, segundo o autor, não é excluída em relação ao pensamento econômico moderno e pode ser entendida de forma conjuntiva. Modernidade e tradição não são necessariamente pólos antitéticos, como construído historicamente pela tradição ocidental. Levando-se em conta esses questionamentos, é possível, portanto, empreender uma análise mais completa de sociedades onde o processo de racionalização não foi idêntico ao da Europa e dos Estados Unidos e onde a secularização não tem o mesmo peso como na experiência das potências centrais.

Contrapontos, aproximações e considerações finais

A generalização no fazer antropológico se apresenta como um dos grandes debates contemporâneos da disciplina. Devido a todo o estigma que esse procedimento lógico carrega devido às marcas deixadas pelo projeto do evolucionismo e suas comparações lineares a disciplina relegou a operação lógica da generalização a um segundo plano. O estruturalismo reinaugura, após e antagonicamente o relativismo de Boas e toda a linhagem interpretativa por ele inaugurada, as tentativas de grandes sínteses teóricas na antropologia, e levanta novamente a hipótese da unicidade humana perante todo o mosaico identitário criado pelo culturalismo antropológico. Entretanto, essa unicidade não seria hierarquizada, aos moldes evolucionistas, mas estaria inscrita na universalidade da linguagem e na forma como construímos o nosso aparato simbólico. Indo além nesse brevíssimo retrospecto dentro da história da antropologia, podemos notar na antropologia desenvolvida pela Escola de Manchester (2010) e sua consequente teoria da ação a primeira preocupação teórica em se levar em conta a experiência colonial e como esse processo histórico conforma as identidades e práticas nas sociedades que passaram por essa experiência de dominação. Questionando o estruturo-funcionalismo britânico e indo além da determinação morfológica das estruturas, pensam as normas dentro do espectro de escolhas dos atores em situações práticas, aonde por ventura podem, estrategicamente, escolher entre normas dependendo do contexto. Como nos lembra Fry (2011), a identidade situacional percebida por Gluckman e seus discípulos nos cidadãos africanos que estavam sob a dominação colonial europeia, em que as matrizes europeia e local se alternavam no ritmo das circunstâncias. Visto isso, podemos perceber como um dos primeiros indícios, dentro da antropologia, de se levar em conta os aspectos locais na questão da construção identitária e também nas reformulações de premissas teóricas em contraste com a experiência local. Os discursos alternativos aqui estudados, a despeito de suas diferenças, podem ser localizados no movimento mais amplo de discussão e combate à dominação e dependência acadêmica capitaneados pelas potências centrais. Entretanto, além de uma questão política decorrente da distribuição desigual de recursos e capacidade estrutural

de realizar pesquisas e distribuí-las, a questão da dependência acadêmica do sul global em relação ao norte-atlântico também suscita uma discussão acerca de antigas questões que circundam a antropologia contemporânea, como a validade universal (ou não) dos pressupostos analíticos da disciplina e como é possível a antropologia, enquanto forma de conhecimento, se posicionar frente à crise de paradigmas da modernidade. Os casos analisados no presente trabalho quando confrontados com os posicionamentos e proposições feitas por Archer e Berthelot permitem perceber que existe saída possível frente à universalização enquanto forma de dominação, sem cair na fragmentação narrativa dos pressupostos relativistas. É possível, a partir da experiência local, construir enunciados generalizantes e produzir conhecimento válido, capazes de circular e de serem mobilizados em pesquisas fora do seu contexto de criação, como aconteceu com a própria teoria sociológica tida como clássica. Connell (2011) nos lembra também que a experiência colonial é fato marcante para a produção e a conformação de uma teoria social relevante no sul. As tentativas de teorização da autonomização e da indigenização levam em conta esse caráter definidor que é o colonialismo e, de uma forma ou de outra, buscam saídas para interpretações impostas pelo “outro” colonizador. Afinal, como no caso da indolência do nativo e da ausência de “racionalidade” para o trabalho e para as “funções econômicas”, muitos dos alicerces onde estão baseadas as construções teóricas utilizadas de forma acrítica e “servil” por cientistas sociais em todo o mundo vão muito além das questões estritamente intelectuais. Entender o processo de produção de conhecimento social dentro de um movimento mais amplo no qual o poder econômico, a dominação política e a violência conjugam-se e são parte basilar das construções teóricas utilizadas nas periferias pode permitir romper e pensar alternativas à inserção desses centros de conhecimento de forma mais igualitária e balanceada frente a seus congêneres do centro.

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