GLOBALIZAÇÃO E MUDANÇAS NA CADEIA TÊXTIL BRASILEIRA

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Descrição do Produto

Paulo Fernandes Keller

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Globalização e Mudanças na Cadeia Têxtil Brasileira

Paulo Fernandes Keller

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São Luís, 2010

© 2010 Editora da Universidade Federal do Maranhão / Paulo Fernandes Keller Todos os direitos reservados

Revisão Paulo Fernandes Keller Projeto Gráfico e Capa Raquel Noronha Editoração Dante Maia Impressão Gráfica Universitária Fotos José Mario de Angelo, cedidas gentilmente por Fábio Baretta Rossi

Keller, Paulo Fernandes. Globalização e mudanças na cadeia têxtil brasileira / Paulo Fernandes Keller. – São Luís: Edufma, 2010. 256 p. ISBN: 978-85-7862-065-3



1.Indústria têxtil - Brasil. 2. Globalização. 3. Cadeia têxtil. I. Título



CDU 677.981 CDD 677 (81)

UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO Prof. Dr. Natalino Salgado Filho Reitor Prof. Dr. Antonio José Silva Oliveira Vice-Reitor Prof. Dr. Fernando Carvalho Silva Pró-reitor de Pesquisa e Pós-graduação

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS Prof. Dr. Lyndon de Araújo Santos Diretor de Centro Prof. Dr. Marcelo Domingos Sampaio Carneiro Coordenador do Programa de Pós graduação em Ciências Sociais

CCH - Núcleo de Humanidades Comissão Editorial ad hoc Prof.Dr. Antonio David Cattani – UFRGS Prof.Dr. Marco Aurélio Santana – UFRJ Prof.Dr. José Ricardo Ramalho – UFRJ Prof.Dr. Sadi dal Rosso – UnB Editora da Universidade Federal do Maranhão Ezequiel Antonio Silva Filho Diretor

Universidade Federal do Maranhão Av. dos Portugueses, s/n. Campus do Bacanga São Luís - MA - CEP: 65.085-580

SUMÁRIO

06 Lista de Siglas



09 Apresentação



Por um lugar para a indústria têxtil brasileira



Prof.Dr. Rogério Valle - COPPE/UFRJ



13 Prefácio



As cadeias produtivas e suas estruturas internas



Prof.Dr. Sadi Dal Rosso - SOL/UnB



17 INTRODUÇÃO



33 PARTE 1



GLOBALIZAÇÃO DA ECONOMIA E



RECONFIGURAÇÃO DA CADEIA TEXTIL GLOBAL



33 Capítulo 1 - Introdução



Globalização e Capitalismo Global

39 Capítulo 2 - Globalização da Economia



45 Capítulo 3 - A Abordagem da Cadeia da Mercadoria



51 Capítulo 4 - A Indústria Têxtil- Tendências Globais



79 PARTE 2



A RECONFIGURAÇÃO DA CADEIA TÊXTIL BRASILEIRA



FRENTE ÀS PRESSÕES COMPETITIVAS GLOBAIS



80 Capítulo 5 - Indústria Têxtil Brasileira:



Surgimento e Desenvolvimento



91 Capítulo 6 - Características da



Indústria Têxtil Brasileira

100 Capítulo 7 - O Processo de Abertura Comercial



na década de 1990 e a Reconfiguração da



Cadeia Têxtil Brasileira



130 Conclusão



141 PARTE 3



O CLUSTER TÊXTIL DE AMERICANA (SP) E O



NOVO CENÁRIO COMPETITIVO



141 Capítulo 8 - Introdução



145 Capítulo 9 - Clusters, distritos industriais



159 Capítulo 10 - Caracterização e Trajetória do Cluster



e eficiência coletiva

Têxtil da Região de Americana-SP

182 Capítulo 11 - O Choque Competitivo e a



Reconfiguração das Relações Interfirmas no Cluster



Têxtil de Americana-SP



225 Capítulo 12 - Conclusão: um cluster em recuperação



e em busca da eficiência coletiva



235 CONCLUSÃO FINAL



244 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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LISTA DE SIGLAS

ACIA

Associação Comercial e Industrial de Americana

ABRAVEST Associação Brasileira do Vestuário ABRAFAS

Associação Brasileira de Produtores de Fibras Artificiais e Sintéticas

ABIT

Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção

ALCA

Área de Livre Comércio das Américas

APEX

Agência de Promoção de Exportações

ATC

Agreement on Textile and Clothing

BNDES

Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social

CAD-CAM Computer Aided Design/Computer Aided Manufacturing System CBERA

Caribbean Basin Economic Recovery Act

CETIQT

Centro de Tecnologia da Indústria Química e Têxtil

CIESP

Centro das Indústrias do Estado de São Paulo

CTC

Cadeia Têxtil - Confecção

ECIB

Estudo da Competitividade da Indústria Brasileira

ECCIB

Estudo da Competitividade de Cadeias Integradas no Brasil

FATEC

Faculdade de Tecnologia Têxtil

FIDAM

Feira Industrial de Americana

FIESP

Federação das Indústrias do Estado de São Paulo

GATT

General Agreement on Tariffs and Trade

IBGE

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IEMI

Instituto de Estudos e Marketing Industrial

IEL

Instituto Euvaldo Lodi

IDS

Institute of Development Studies – Universidade de Sussex (UK)

ILO

International Labour Organization

IPEA

Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

ITCB

International Textile and Clothing Bureau

ITMF

International Textile Manufacturing Federation

MERCOSUL Mercado Comum do Sul Multi-Fibre Agreement

MDIC

Ministério do Desenvolvimento Indústria e Comércio

NAFTA

North American Free Trade Area

NEIT

Núcleo de Economia Industrial e da Tecnologia (IE-UNICAMP)

OECD

Organization for Economic Co-operation and Development

OCDE

Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico

OEM

Original Equipment Manufacturer

OBM

Original Brand Manufacturer

ODM

Original Design Manufacturer

OMC

Organização Mundial do Comércio

ONU

Organização das Nações Unidas

PMA

Prefeitura Municipal de Americana

PSI- Têxtil

Plano Setorial Integrado - Têxtil

RAIS

Relação Anual de Informações Sociais

SEBRAE

Serviço de Apoio às Micros e Pequenas Empresas

SECEX

Secretaria de Comércio Exterior

SENAI

Serviço Nacional da Indústria

SINDITEC

Sindicato das Indústrias de Tecelagem de Americana, Nova Odessa, Santa Bárbara D’Oeste e Sumaré

SINDITÊXTIL Sindicato das Indústrias Têxteis do Estado de São Paulo TEXBRASIL Programa Estratégico da Cadeia Têxtil Brasileira UNCTAD

United Nations Council for Trade and Development

WTO

World Trade Organization

ZPEs

Zonas Processadoras de Exportação

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MFA

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APRESENTAÇÃO

A primeira década do novo século se encerra num cenário de crise econômica. Ainda é cedo para saber identificar todas as suas consequências, mas uma delas já está clara: a geografia mundial do Mundo da Produção deve evoluir numa direção diferente daquela que nos era anunciada pelos discursos ingênuos ou apologéticos sobre a globalização dos mercados. Esta não é a primeira crise mundial, mas nas anteriores o planeta possuía uma maior diversidade. Havia nações industrializadas, mas havia também suas colônias, ou ex colônias, com modos de produção e padrões de consumo bem diferentes. No final do século XX, esta diversidade foi se reduzindo, sobretudo em setores como o têxtil e o de confecções. O capital está se concentrando em um número menor de grandes empresas, que operam em todos os continentes. E tanto a moda, como os métodos de produção se internacionalizam ainda mais rapidamente. Contudo, a crise retraiu a demanda (durante quanto tempo, ainda não se sabe), devido à queda nos níveis de renda e de emprego. Desapareceu, de uma hora para outra, a liqui-

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POR UM LUGAR PRÓPRIO PARA A INDÚSTRIA TÊXTIL BRASILEIRA

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dez internacional que financiava a globalização das empresas-líder. Os Estados nacionais, convertidos de vilões em salvadores, não hesitaram em reforçar o protecionismo que diziam aposentado. Conseguirão eles reorganizar regionalmente os esquemas de financiamento e sustentar a demanda interna? Em quais países? Por enquanto, há mais dúvidas do que certezas. Mas já é certo que não se poderá falar de globalização, do mesmo modo como se falava antes. É por isto que este livro é muito bem vindo. Lendo o comportamento das indústrias do polo têxtil de Americana após os anos 90, Paulo Fernandes Keller já assinalava que, na continuidade da maior coordenação de ações a que foram levadas as empresas da região por obra da abertura do mercado nos anos 90 e, mais tarde, do investimento em produtividade, seria preciso aumentar a agregação de valor aos produtos, com investimentos em design e marketing. A cadeia produtiva já está mais integrada, da fiação à confecção. Os primeiros frutos da criação da ABIT (Associação Brasileira da Indústria Têxtil) e da reforma do sindicalismo patronal já começam a estimular os que não aderiram num primeiro momento. Chegou agora o momento de um salto tecnológico e de uma comercialização internacional mais agressiva. A visão proposta por Keller é bastante clara: encontrar um lugar para a indústria têxtil brasileira na nova divisão internacional do trabalho. Um lugar novo: nem apenas fabricação, como os países asiáticos e o México, nem tampouco apenas design e marketing, como Estados Unidos e alguns países europeus. Esta visão é muito interessante, porque pode convir também a outros setores da indústria nacional, que são atacados simultaneamente pela estratégia de produção em massa com baixos custos (o neofordismo dos países asiáticos) e pela estratégia concentração em serviços de alto valor agregado (EUA e Europa). Afinal, é quase impossível bater os chineses e os indianos, em matéria de custos da hora de trabalho. Com a atual cotação do dólar, os mercados de produtos transacionados internacionalmente (ou seja, aqueles que podem ser facilmente importados ou exportados) expeliram as empresas brasileiras cujas estratégias de produção eram baseadas em vantagens competitivas tradicionais. Quase todas as remanescentes — não apenas nos setores têxtil e de confecções, mas também no de calçados ou de software — desistiram de competir por baixos custos e lançaram se em busca de nichos de produtos de maior qualidade, que demandam trabalho de melhor qualidade e maior respeito pelo meio ambiente.

A saída para o Brasil pode estar então numa estratégia de diferenciação. Por que não buscar vantagem competitiva no campo da sustentabilidade ambiental e social, por exemplo? Por mais que isto soe como um desafio dificílimo, uma orientação política decidida pode mudar a imagem de nossos produtos. Foi, aliás, uma orientação política decidida que conseguiu impor um reconhecimento da solidez de suas instituições financeiras. Por que não fazer o Brasil entrar na nova divisão internacional com uma conformação industrial caracterizada por boas condições de trabalho e por políticas ambientais rigorosas? Nossos concorrentes do BRIC teriam muito mais dificuldade em seguir esta estratégia. O desenvolvimento sustentável pode estar se tornando a única opção para as empresas brasileiras, no setor têxtil como nos demais. Prof.Dr. Rogério de Aragão Bastos do Valle Professor Adjunto de Sociologia Industrial COPPE/UFRJ

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PREFÁCIO

Paulo Fernandes Keller é hoje um dos mais conceituados pesquisadores nacionais que estudam o trabalho e a produção têxtil. Sua contribuição ao conhecimento neste campo envolve duas importantes obras: em “Fábrica & Vila Operária”, livro editado em 1997, analisa a implantação da primeira grande indústria têxtil brasileira: a Companhia Têxtil Brasil Industrial, localizada no Estado do Rio de Janeiro; na obra que chega às mãos do leitor em um momento de acerba crise econômica mundial, estuda a estrutura de cadeias na produção têxtil. A crise econômico-financeiro-social iniciada em 2008 atingiu, além do processo de globalização e de comércio mundial, a própria hegemonia do pensamento neoliberal. Coube ao governo republicano de George W Bush desferir o golpe mais forte na doutrina neoliberal ao alocar a gigantesca cifra de 800 bilhões de dólares dos contribuintes norte-americanos para salvar instituições financeiras, bancárias, industriais e de outros setores em crise. O ex-presidente era ardoroso defensor da guerra como instrumento de polí-

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AS CADEIAS PRODUTIVAS E SUAS ESTRUTURAS INTERNAS

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tica internacional e do neoliberalismo radical como política econômica. Os mais fortes argumentos neoliberais não resistiram ao impacto da crise. Ela surgiu inesperadamente como um raio em céu azul. Por isso, 2008 está fadado a tornar-se o marco do início do pós-neoliberalismo. Dado que o socorro às empresas ocorreu por iniciativa dos governos dos Estados, hoje não é mais possível pensar em liberalização sem Estado. O Estado se faz presente na recuperação econômica das nações e nas políticas industriais, de exportação e de crescimento econômico. No Brasil, foram adotadas políticas anticíclicas para tentar debelar a crise. Desconhece-se em que medida a crise afetou e afetará a produção têxtil. O impacto não parece pequeno, diante da fragilidade que os organismos multinacionais demonstraram para reunir recursos para reagir à crise do sistema capitalista como um todo. A Organização Mundial do Comércio, além disso, manifesta uma incapacidade fantástica de chegar a uma proposta minimamente aceitável para países do centro e da periferia, entre cujos entraves encontram-se a divergência sobre controle de mercados. O livro propicia a atualização da discussão teórica sobre cooperação interfirmas, estratégias globais, competição, mudanças em escala mundial e não apenas no Brasil. O autor revê as principais contribuições de autores internacionais. Introduz também conceitos fundamentais para a compreensão do sistema de globalização, entre eles, os de distritos e aglomerados industriais, que fortalecem o papel da cooperação entre empresas na preservação e aquisição dos mercados. Com firme visão crítica, o autor demonstra que tais sistemas cooperativos através de alianças e de redes resultam em uma determinada estrutura, no topo da qual se afirmam os maiores conglomerados mundiais que ocupam os nichos mais lucrativos e controlam as atividades que agregam mais valor, de modo que as empresas multinacionais conseguem apropriar-se dos maiores volumes da mais valia produzida, sendo os demais nichos distribuídos entre os participantes com menor poder de competição numa estrutura desigualitária. O conceito de cooperação retém o sentido positivo de atuar em conjunto. Por isso, o edifício conceitual que ajuda a construir esconde as relações de exploração que se instalam nas cadeias de cooperação. Um conjunto de outros conceitos e categorias permitem fazer aflorar o caráter espoliativo implícito às cadeias mundiais de produção e distribuição, entre os quais, dependência, colonialismo, imperialismo, relações assimétricas ou simplesmente exploração.

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A exploração pode ser estudada em diversos níveis de abrangência. Em primeiro lugar, na divisão internacional e nacional do trabalho entre firmas, como o livro analisa muito bem. Em segundo lugar, nas relações de trabalho empregadas no interior das unidades de produção imaterial e material. Do topo da cadeia até suas bordas extremas, o setor têxtil é conhecido mundialmente por manter relações de trabalho, cujos fundamentos morais a sociedade não mais tolera: trabalho escravo, especialmente de migrantes desprotegidos, trabalho infantil e juvenil empregado usualmente, trabalho por peça, formas espoliativas de subcontratação como a facção ou a produção a domicílio, emprego do trabalho familiar não pago, emprego do trabalho de mulheres em condivisão com atividades domésticas, reprodução de formas pré-capitalistas pelo sistema de produção capitalista moderno, algumas destas relações gestadas milenarmente e reproduzidas através dos tempos. É comum nos estudos das cadeias produtivas, as questões do trabalho, do processo de trabalho, dos trabalhadores e das condições de trabalho passarem ao largo. Não é o caso deste livro, em que especialmente o problema do emprego e do desemprego está firmemente associado à evolução dos sistemas, seja quando dos grandes períodos de crise, seja quando das políticas de modernização do parque industrial e dos serviços imateriais. Dentro deste contexto, o autor demonstra com abundância de dados a importância da formação profissional dos trabalhadores, como elemento fundamental das estratégias empresariais de recuperação dos mercados nacionais e internacionais. Não menos importantes são as políticas internas das organizações quanto à qualidade do trabalho, à qualidade de vida dos trabalhadores para a solidez dos empreendimentos. Numa das três partes que compõem o livro é descrita a evolução da indústria têxtil brasileira desde sua criação até aos dias de hoje. Nesta parte o livro oferece uma excelente descrição e análise histórica, que permitem ao leitor situar a indústria têxtil e sua evolução no tempo, bem como sua distribuição regional. Ainda no contexto nacional, o livro analisa o impacto da abertura comercial do início dos anos 1990 sobre este setor industrial no Brasil, uma abertura irresponsável que colocou em crise profunda todo o setor. Empresas fecharam as portas, especialmente aquelas cujos mercados viraram cinza ou foram transferidos para outros controladores e aquelas mais frágeis para suportar a competição internacional. Por outro lado, milhares de trabalhadores e trabalhadoras perderam seus empregos, famílias inteiras ficaram sem meios de manter o padrão de vida já alcançadas e lançadas na amargura das ruas e nas sarjetas.

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Após o terremoto da abertura, operou-se uma reconfiguração das empresas que restaram, verificou-se um processo de concentração de capital e reorganização de toda a cadeia produtiva. Nesse processo de reconfiguração, como é chamado pelo autor, está incluída a negociação sobre políticas públicas de modernização e sobre políticas alfandegárias protetivas. Mesmo assim não se sabe se, aos dias de hoje, o setor produtivo conseguiu criar o mesmo número de postos de trabalho que possuía à época do furacão da abertura dos mercados à competição internacional. O autor trata ainda sobre a importância das atividades imateriais nas cadeias produtivas. Praticamente todas as cadeias são formadas de duas matrizes produtivas de valor: a matriz material, composta basicamente pelo sistema de produção industrial e a matriz imaterial, composta pelas atividades intelectuais de concepção, de design, de elaboração, de modelagem, de marketing, bem como as atividades relacionais, que vinculam trabalhadores entre si, trabalhadores e empregadores, trabalhadores e consumidores. Todo o vigor da discussão que cerca a distinção conceitual entre trabalho material e imaterial reside no fato de que a produção mais moderna abarca cada vez mais espaços de produção imaterial como elementos de valorização das mercadorias. Constitui avanço na teoria do valor trabalho quando as atividades imateriais são concebidas como produtoras de valor. Enriquecem a teoria e permitem a interpretação das formas mais contemporâneas de trabalho. O trabalho empírico realizado pelo autor confere consistência às elaborações teóricas e conceituais. A discussão sobre globalização e mudança, sem estudo de caso concreto, redundaria em argumentos sem fundamento. Por estas e outras razões, o livro marca um momento importante na análise crítica sobre a operação das cadeias internacionais e suas implicações. Prof. Dr. Sadi Dal Rosso Professor Titular de Sociologia PPGSOL - UnB

INTRODUÇÃO

1.Globalização e Cooperação Interfirmas na Cadeia Têxtil-Confecção

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A globalização dos mercados e a liberalização comercial em curso desde as últimas décadas tanto têm levado ao acirramento da competição no nível global quanto têm colocado a necessidade crescente de maior cooperação interfirmas ao longo da cadeia da mercadoria. Em uma economia mundial em processo de globalização e de liberalização as empresas cada vez mais operam em um ambiente que demanda flexibilidade e inovação no enfrentamento das novas condições de mercado em constante mudança. Nesse novo cenário competitivo as empresas têm enfrentado os novos desafios por meio da reestruturação interna com diversas formas de melhoria (particularmente do processo e do produto) e a construção de novas formas de encadeamentos estratégicos ao longo da cadeia produtiva (particularmente a reestruturação de seus elos externos com fornecedores e clientes). Devido, principalmente, às alterações significativas na demanda, com um mercado consumidor que passou a exigir produtos cada vez mais diver-

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sificados e de maior qualidade, e ao acirramento da concorrência internacional, com a entrada dos novos competidores asiáticos, mudanças importantes vem ocorrendo na indústria têxtil e de confecção em nível mundial desde o final da década de 1970. Visando fazer frente a estas mudanças, as respostas estratégicas das empresas dos países avançados têm sido no sentido construir um sistema produtivo cada vez mais flexível e inovador, seja reestruturando o processo produtivo com a introdução de inovações no produto e no processo, seja reorganizando a cadeia da mercadoria com o deslocamento de etapas produtivas ainda intensivas em trabalho para paises em desenvolvimento via subcontratação internacional, seja passando a valorizar atividades produtivas mais intensivas em conhecimento (tais como, o design do produto, o marketing, o controle da qualidade e o gerenciamento da marca), seja buscando uma melhor coordenação da cadeia da mercadoria. As principais respostas estratégicas das empresas do setor têxtil e de confecção mundial ao novo cenário têm estabelecido um novo padrão competitivo baseado na resposta rápida às demandas do mercado e na melhoria contínua dos produtos e dos processos. Esta dupla capacidade da empresa manter-se constantemente inovadora e de responder de forma rápida e flexível às demandas do mercado consumidor tem cada vez mais se tornado dependente dos laços estratégicos estabelecidos entre as diversas empresas que formam a cadeia da mercadoria. Nesse sentido, a intensificação da competição, a partir da globalização dos mercados e da crescente liberalização comercial, tem cada vez mais colocado para as empresas da Cadeia Têxtil e de Confecção (CTC)1 a necessida-

1. Em geral define-se como cadeia têxtil-confecção o conjunto de atividades produtivas que somam as atividades tradicionais que formam o chamado setor têxtil em si – fiação, tecelagem e acabamento – mais as atividades do setor de confecções. Neste trabalho as atividades que envolvem a “indústria da moda” serão abordadas junto com o segmento de confecção e tratadas como um ponto dentro da cadeia completa. ECCIB (2002) afirma que “A Cadeia Têxtil – Confecção (CTC) é formada por seis elos: Beneficiamento de Fibras Têxteis Naturais, Fiação e Tecelagem de Têxteis Químicos, Outras Indústrias de Tecelagem, Malharia e Vestuário” (Haguenauer et al,1984 apud ECCIB, 2002). Já o Relatório do IEMI (2001: 46) apresenta a seguinte configuração da Cadeia Têxtil: “... a cadeia têxtil pode ser segmentada em três grandes segmentos industriais, cada um com níveis muito distintos de escala. São o segmento fornecedor de fibras e filamentos químicos que, junto com o de fibras naturais [setor agropecuário], produz matérias-primas básicas que alimentam as indústrias do setor de manufaturados têxteis (fios, tecidos e malhas) e da confecção de bens acabados (vestuário, linha lar, etc)”.

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de estratégica de estabelecer relações interfirmas mais cooperativas, seja formando redes de empresas que cooperam de diversas formas mesmo estando em lugares distantes, seja formando redes de empresas que cooperam de diversas formas no nível local, particularmente na situação das firmas aglomeradas espacialmente e especializadas setorialmente. Este trabalho parte deste contexto de mudança no cenário econômico mundial com a globalização dos mercados e a liberalização comercial. Para tanto será dado enfoque às principais mudanças na indústria têxtil e de confecção e às principais estratégias das empresas dos países avançados que têm desencadeado uma série de tendências globais. A compreensão das principais tendências na indústria têxtil-confecção mundial busca tanto uma visão mais abrangente das transformações nestas indústrias quanto um melhor entendimento das principais respostas estratégicas das empresas brasileiras, particularmente das tecelagens do Pólo Regional de Americana-SP. A formação de redes de empresas se tornou uma tendência importante na indústria têxtil e de confecção – particularmente vestuário – desde que as empresas líderes dos paises avançados passaram a enfocar as atividades mais intensivas em conhecimento e a subcontratar internacionalmente as atividades produtivas mais intensivas em trabalho. O desenvolvimento de uma rede global de empresas gerou uma nova divisão internacional do trabalho na CTC. Nesta nova divisão as empresas líderes dos países avançados têm se concentrado nas atividades centrais (core business) que concentram maior valor agregado, ou seja, passam a dominar as atividades intensivas em conhecimento (geração de tecnologia, design, marketing, etc) tornando-se gerenciadoras da cadeia. Estas empresas líderes têm deixado para as empresas dos paises em desenvolvimento o papel de fornecedores subcontratados dedicados a etapas produtivas, em geral, mais intensivas em trabalho e de menor valor agregado. Na medida em que a competitividade passou a depender do desempenho da cadeia produtiva, ou da empresa em rede, e não mais da firma isoladamente, a cooperação entre as empresas da cadeia produtiva se tornou um elemento estratégico fundamental. A cooperação interfirmas se tornou fundamental, sobretudo, para a coordenação da própria cadeia que exige um conhecimento de cada elo particular ou do funcionamento da cadeia da mercadoria no seu conjunto. Apesar da valorização estratégica da cooperação interfirmas e do surgimento de projetos de cooperação internacional a tendência mundial têm

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sido o desenvolvimento de uma cadeia produtiva ao mesmo tempo concentrada e fragmentada. A formação de redes globais de empresas no setor têxtil-confecção envolve tanto concentração (empresas líderes dominando etapas centrais e estratégicas buscando maior controle da cadeia) quanto subordinação (empresas dos países em desenvolvimento dedicando-se a etapas mais intensivas em trabalho, atuando como fornecedoras subcontratadas para as empresas lideres). Contudo, neste novo cenário, as alianças estratégicas interfirmas se tornaram fundamentais para a competitividade das empresas da CTC. Alianças estas interessantes para as empresas líderes dos paises avançados que buscam flexibilização e inovação e nem sempre tão lucrativas para as empresas dos paises em desenvolvimento que buscam inserir-se na economia cada vez mais global. Mas para as empresas de muitos países em desenvolvimento a participação em redes globais de produção – apesar de sua posição subordinada - tem significado uma opção estratégica de acúmulo de conhecimento que pode reverter a médio e longo prazo a situação de subordinação como no caso das empresas do Leste Asiático. O importante a considerar neste momento é que as transformações na indústria têxtil e de confecção têm conduzido a uma valorização da integração competitiva e a busca de laços interfirmas mais cooperativos. Mesmo que a valorização de alianças estratégicas interfirmas na cadeia global conviva com relações de subordinação. Sendo assim, a cooperação interfirmas perdeu muito de seu ar de benevolência e passou a ser um elemento estratégico importante na busca pela inserção competitiva das empresas da CTC no novo contexto competitivo. 2. Os impactos da globalização dos mercados e da liberalização comercial sobre a Cadeia Têxtil Brasileira e suas respostas estratégicas. A compreensão das mudanças em curso na economia global, particularmente na indústria têxtil e de confecção mundial, assim como das respostas das empresas líderes dos países avançados e dos novos encadeamentos estratégicos das empresas deste setor, é fundamental para a análise dos impactos do processo de globalização dos mercados e da liberalização comercial sobre o setor têxtil e de confecção brasileiro, assim como de suas respostas estratégicas.

2. A via alta (high road) para uma inserção competitiva das empresas nos novos contextos globalizados, em oposição à via baixa (low road), foi um conceito inicialmente utilizado por Sengemberger & Pyke (1991) e utilizado por Gereffi (1997) para analisar as formas de inserção das empresas dos paises em desenvolvimento nas redes globais de produção na CTC. Também utilizado amplamente por Schmitz (1999) para analisar as estratégias dos clusters industriais e sua inserção no novo cenário competitivo global. Neste trabalho a perspectiva da via alta terá três aspectos principais: primeiro, a análise dos encadeamentos estratégicos – em que medida há integração competitiva entre as empresas da cadeia da mercadoria nos contextos nacionais e locais; segundo, a análise da reestruturação produtiva – em que medida há enfoque em produtos de maior valor agregado ou maior enfoque em fatores non-price; e, terceiro, a questão (da redução) do papel do Estado enquanto fomentador do desenvolvimento industrial – em que medida a ausência de uma política industrial ativa e de mecanismos de defesa comercial contribuíram para maior fragilidade das empresas da CTC no novo cenário competitivo.

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A análise das respostas estratégicas das empresas do setor têxtil e de confecção ao novo contexto competitivo, seja das empresas dos países avançados ou dos países em desenvolvimento, seja das empresas brasileiras analisadas sob a ótica da cadeia nacional, seja das empresas do Pólo Têxtil Regional de Americana, Estado de São Paulo, serão discutidas neste trabalho sob a perspectiva da via alta para a competitividade2. A via alta para uma inserção ativa das empresas da CTC na nova economia global sob o novo padrão competitivo pressupõe: a valorização de melhorias fora da produção, tais como design, marketing, gerenciamento da marca, capacitação de pessoal, etc, indo além da simples reestruturação produtiva ou da atualização tecnológica dos equipamentos; a ênfase na construção de laços cooperativos interfirmas e a valorização da integração competitiva para frente e para trás com empresas locais e/ou regionais da cadeia da mercadoria para uma coordenação mais eficiente; e a ênfase em políticas industriais – no nível nacional e local – assim como na utilização adequada de instrumentos de defesa comercial para uma inserção mais ativa na economia global. Em contraste com a via baixa que, a partir da análise dos encadeamentos estratégicos das empresas líderes dos países avançados com as empresas dos países em desenvolvimento, tem demonstrado ser marcada, em geral: primeiro, por pouca ênfase em melhorias fora da produção ou em atividades mais intensivas em conhecimento; segundo, pouca integração competitiva interfirmas para frente e para trás com outras empresas que integram a cadeia produtiva nacional ou local, desta forma, dificultando a coordenação da cadeia por agentes econômicos que possam estar vinculados a estra-

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tégias de desenvolvimento no nível nacional ou local; e, terceiro, políticas industriais fracas, assim como, pouca utilização ou deficiência no uso dos mecanismos de defesa comercial. Os impactos da globalização dos mercados e da liberalização comercial na década de 1990 sobre as empresas do setor têxtil e de confecção brasileiro provocaram imediatamente crise e conflito. A conjugação de um ambiente macroeconômico desfavorável aliado à fraqueza estrutural do setor, particularmente a grande defasagem tecnológica e a fraca integração entre os diversos elos da cadeia produtiva, fez com que a “abertura comercial intempestiva” (Cardoso, 1997) no final da década de 1980 e inicio da década de 1990, desprovida de uma política industrial ativa e de uma utilização eficiente de mecanismos de defesa comercial, trouxesse graves prejuízos para este setor industrial assim como para seus trabalhadores. Frente aos desafios colocados pela globalização dos mercados e pela liberalização comercial as principais questões se tornaram: como os empresários do setor têxtil e de confecção brasileiro agiram, reagiram e interagiram frente aos desafios colocados pelas pressões competitivas globais, ou, como os empresários se mobilizaram e se articularam formulando novas estratégias empresariais? A hipótese principal que emerge deste trabalho é que o novo contexto econômico brasileiro gerado pela globalização e pela liberalização comercial, que provocou crise (traduzida em fechamento de unidades produtivas e em altos índices de desemprego, particularmente no segmento de tecelagem) e conflito entre os diversos elos da CTC no momento imediato da abertura, impulsionou os empresários do setor têxtil e de confecção a construírem novas estratégias, novos discursos institucionais e novas relações interfirmas. Em suma, as principais respostas estratégicas do setor estariam ligadas tanto a uma reestruturação produtiva quanto à busca de novas relações interfirmas em um amplo processo de reconfiguração das relações produtivas e institucionais. A partir da hipótese principal o trabalho irá mostrar de que forma tem se efetuado o processo de reestruturação produtiva e institucional, desencadeando tanto na CTC nacional quanto na CTC do maior aglomerado industrial têxtil do Estado de São Paulo. O trabalho argumenta que, apesar das dificuldades estruturais deste setor industrial, das dificuldades do ambiente macroeconômico e dos obstáculos presentes no meio institucional e cultural, após a situação de crise mais aguda do setor emerge: a valorização de fatores

3. A ABIT – neste momento de mudança presidida pelo industrial Paulo Antonio Skaf tem sede em São Paulo Capital. A ABIT foi criada em 1957 e é a entidade de classe que reúne representantes da Cadeia Produtiva Têxtil Brasileira. 4. Segundo dados da ABIT de 2003, a CTC brasileira era formada por cerca de 30 mil empresas (fiações, tecelagens, malharias, tinturarias, estamparias e confecções) que geravam ao todo em torno de 1,5 milhão de empregos diretos (ABIT, 2003a).

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non-price buscando ir além da simples atualização tecnológica dos equipamentos; o surgimento de um novo discurso institucional vindo das principais entidades representativas do setor têxtil, tanto no âmbito nacional quanto no cluster de Americana, onde este novo discurso institucional tem valorizado a integração competitiva das empresas ao longo da CTC; o maior reconhecimento do papel estratégico da cooperação interfirmas para a competitividade das empresas; a formulação de novas estratégias empresariais de médio e longo prazo; e a abertura de novos espaços de negociação e de formulação de políticas públicas de fomento ao dinamismo industrial e de busca de parceria entre os setores público e privado. É preciso enfatizar, contudo, que estas novas estratégias empresariais se desenvolvem a partir das empresas remanescentes já que o processo de liberalização comercial abrupta provocou uma maior concentração industrial no setor têxtil com grande prejuízo para as micros e pequenas empresas. Desde o final da década de 1990 o discurso institucional da principal associação empresarial do setor, a Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (ABIT)3, tem enfatizado a necessidade de se estabelecer relações cooperativas entre os diversos elos que formam a CTC, assim como esta entidade tem agregado diversas empresas do setor de confecções ampliando seu âmbito de ação e de articulação ao longo da CTC. Além da busca imediata e urgente de reversão do quadro de atraso tecnológico do setor, o empresariado têxtil brasileiro tem buscado novas estratégias competitivas de médio e longo prazo enfatizando a cooperação nas relações interfirmas. As declarações do presidente da ABIT enfatizavam com freqüência a necessidade de laços mais cooperativos na CTC, assim como a entidade tem promovido os programas e projetos que objetivam integrar toda a cadeia produtiva4. Este discurso demonstra um aumento da percepção da necessidade de se trabalhar de forma conjunta, um sinal de um início de mudança da cultura empresarial neste setor.

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Reforçando a hipótese apresentada de que há no setor um processo de reconfiguração produtiva e institucional, podemos argumentar que o novo discurso institucional e os novos programas de médio e longo prazo da ABIT emergem como uma resposta estratégica do empresariado têxtil brasileiro aos desafios colocados pelas pressões competitivas globais. Nesse sentido, as principais respostas estratégicas do setor seguem alinhadas com as tendências globais, quais sejam, a ênfase em produtos de maior valor agregado traduzida no enfoque nos segmentos de confecção e moda e na integração competitiva das empresas como uma estratégia chave para a competitividade na CTC. Apesar de as metas parecerem claras para o setor, contudo, há vários e difíceis desafios a serem superados, desafios estes que serão discutidos ao longo do trabalho, tais como, a histórica falta de integração na CTC, o alto grau de integração intrafirma e os hábitos e as práticas tradicionais dos atores econômicos gerados em um longo processo de proteção estatal vivido pelo setor. Para que as empresas do setor têxtil e de confecção brasileiro possam estar inseridas de forma competitiva no novo contexto competitivo, superando os mais diversos obstáculos, se tornou fundamental o estabelecimento de novos encadeamentos estratégicos na cadeia produtiva e o desenvolvimento de novas formas de coordenação interfirmas. E para que haja formas eficientes de coordenação da cadeia deve haver laços interfirmas mais cooperativos. Enfim, um processo que envolve mudanças no meio institucional e cultural do empresariado têxtil. 3. A construção de relações interfirmas cooperativas no Pólo Têxtil Regional de Americana-SP no enfrentamento das pressões competitivas globais A hipótese de que a nova situação de intensa competição no mercado nacional de têxteis e de confeccionados levou o setor a um amplo processo de reconfiguração produtiva e institucional, seja por meio das novas estratégias de médio e longo prazo, seja por meio da busca de novas relações interfirmas e de novos mecanismos de coordenação da cadeia, coloca como problema de pesquisa duas questões: primeiro, o novo discurso institucional da ABIT salientando a cooperação interfirmas entre os diversos elos da cadeia de fato concretiza-se nas relações entre as empresas do Pólo Regional de Americana, no Estado de São Paulo, o maior pólo têxtil da principal

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região industrial brasileira, ou seja, em que medida o processo de reconfiguração do cluster de Americana tem significado maior cooperação interfirmas? Segundo, como as empresas têxteis da Região de Americana têm reagido aos fortes impactos das pressões competitivas, ou seja, em que medida as novas respostas estratégicas têm sido suficientes para enfrentar os novos desafios colocados. A investigação do grau de cooperação interfirmas no caso de empresas têxteis aglomeradas espacialmente e especializadas setorialmente se torna duplamente importante: primeiro pela importância dos laços cooperativos na medida em que a competição tende a ocorrer entre cadeias produtivas e não mais entre empresas isoladamente; segundo, pela importância dos laços cooperativos na situação particular de empresas aglomeradas onde a competitividade, principalmente das empresas pequenas e médias, depende fundamentalmente da qualidade das relações interfirmas ali vigentes. Se a indústria têxtil brasileira foi um dos setores industriais mais atingidos pela globalização e pela liberalização comercial brasileira, dentro deste setor tradicional as indústrias têxteis do Pólo de Americana e seus trabalhadores foram os mais prejudicados pela abertura intempestiva dos mercados durante a década de 1990. Primeiro, porque o segmento de tecelagem foi o que apresentou as maiores baixas no número de unidades produtivas e os maiores índices de desemprego em toda a cadeia produtiva, sendo este o segmento principal das empresas têxteis de Americana; segundo, as micros e as pequenas empresas foram as mais prejudicas e as que tiveram maiores dificuldades, sendo estas a grande maioria na Região de Americana; e em terceiro, a subcadeia baseada em fibras químicas foi a que enfrentou a mais forte concorrência em função da competitividade dos produtores asiáticos, sendo esta a principal especialidade dos produtores têxteis de Americana; em suma, o impacto do processo de abertura foi mais intenso devido à particularidade do principal produto produzido no Pólo: tecidos planos à base de fibras artificiais e sintéticas. A abertura dos mercados desenfreada e desprovida de uma política industrial ativa e de mecanismos de defesa comercial, dentro de um ambiente macroeconômico hostil, aliado ao alto grau de obsolescência tecnológica do parque industrial local e à especialidade em produtos à base de fibras químicas, exatamente a mesma especialidade dos fortes concorrentes asiáticos que entravam no mercado nacional, tornaram drástica a situação do Pólo no pe-

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ríodo entre 1990/1996, com a redução de mais de 50% tanto do número de unidades produtivas quanto do número de empregos efetivos. Tratando-se de uma situação de aglomeração industrial de empresas especializadas onde a economia local está concentrada na indústria têxtil, a crise industrial transformou-se em uma crise social. Nesse sentido, o caso do Pólo Regional de Americana é rico e ilustrativo: primeiro, das mudanças e das turbulências que passou a indústria têxtil no Brasil no período recente; segundo, do alcance e da amplitude do processo de reconfiguração produtiva e institucional; terceiro, da forma como se deu a mobilização empresarial no enfrentamento dos novos desafios colocados pelas fortes pressões competitivas a partir do processo de globalização e de liberalização, com destaque para o papel desempenhado pela principal associação empresarial local, o Sindicato das Indústrias de Tecelagens de Americana, Santa Bárbara D’Oeste, Nova Odessa e Sumaré (SINDITEC). 4. Estrutura do Trabalho e Metodologia de Pesquisa Therborn (2003) enfatizou recentemente a importância do espaço nacional na análise das mudanças advindas do processo de globalização, indo além da simples polarização global versus local. Em conformidade com o pensamento do referido autor, este trabalho se estrutura partindo do global, passando pelo nacional em direção ao local. Tendo como enfoque central as mudanças no setor têxtil e de confecção e a necessidade de laços interfirmas mais cooperativos a fim de se obter uma inserção mais competitiva no novo cenário, o trabalho busca articular o global, o nacional e o local. Sempre avaliando esta inserção e as respostas estratégicas a partir da perspectiva da via alta. Na Parte 01, o trabalho analisa as mudanças recentes no setor têxtil e de confecção mundial, suas principais tendências e a formação de redes de empresas globais. Na análise das principais estratégias das empresas líderes dos países avançados, o trabalho considera como fundamental não apenas a reestruturação produtiva, mas também as diversas formas de protecionismo adotadas naqueles países. Na Parte 02, o trabalho enfoca as transformações nesta indústria no âmbito nacional a partir da globalização dos mercados e da liberalização comercial na década de 1990, e enfatiza o enfrentamento das fortes pressões competitivas globais quando a indústria têxtil e de confecção brasileira buscou ajustar-se aos novos padrões competitivos. Ainda nesta parte, o trabalho analisa as principais características do setor no mo-

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mento anterior ao processo de liberalização e o posterior processo de reconfiguração produtiva e institucional, debatendo o papel do Estado na formulação de políticas industrial e comercial e a constituição de novos espaços de negociação e de formulação de políticas voltadas para o setor. Na Parte 03, o trabalho analisa a trajetória do aglomerado industrial têxtil de Americana e as mudanças recentes provocadas pelo processo de liberalização comercial, assim como as respostas estratégicas do empresariado têxtil da Região. Nesta parte é dado enfoque à mobilização empresarial local em defesa da indústria têxtil, à busca de novas relações interfirmas, ao processo de reconfiguração produtiva e institucional e aos novos espaços de negociação e de formulação de políticas industriais para o setor no nível local articulando as organizações públicas e privadas. Os instrumentais analíticos fundamentais neste trabalho são os conceitos: cadeia da mercadoria (commodity chain) e aglomerado industrial (industrial cluster). O conceito cadeia da mercadoria é utilizado a fim de se ter uma melhor compreensão dos encadeamentos estratégicos entre as diversas empresas e entre os respectivos segmentos industriais que formam a cadeia em uma perspectiva ampla (têxtil e de confecção). Já o conceito aglomerado industrial, utilizado neste trabalho diversas vezes apenas como aglomerado ou cluster, refere-se à situação industrial particular de empresas aglomeradas espacialmente e especializadas setorialmente, no Brasil referido comumente como pólo industrial e recentemente como arranjo produtivo local. O debate teórico se dará em dois momentos. Em um primeiro momento, nos primeiros capítulos da primeira parte, o debate se dará em torno do processo de globalização com ênfase na discussão sobre a nova economia global, quando será realizada uma reflexão sobre o conceito cadeia da mercadoria, assim como outros termos fundamentais na compreensão dos encadeamentos estratégicos, tais como, empresa em rede de Manuel Castells. Num segundo momento, no capitulo 9 “Clusters, distritos industriais e eficiência coletiva” da terceira parte, o debate se dará em torno da situação de aglomeração industrial, apresentando a trajetória do debate sobre industrial cluster, diferenciando os conceitos “cluster” e “distrito industrial” . Será discutido com a literatura as respostas estratégicas das empresas aglomeradas em face das pressões competitivas globais com ênfase na importância da eficiência coletiva. Castro & Leite (1994) argumentaram que, desde a década de 1990, mudanças no mundo do trabalho industrial, particularmente os processos

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de reestruturação industrial e as novas estratégias empresariais que combinam competição e cooperação, “impõem que se compreenda a nova feição da organização industrial no Brasil, assim como os novos padrões de cooperação que passam a caracterizar as redes de clientes e fornecedores” (p.48). As referidas autoras argumentam que: “Assim, nos anos 90, já não parecem mais suficientes as estratégias empíricas fundadas no estudo de caso isolado, exaustivamente descrito num ponto do tempo” (p.49). Para as autoras se tornou necessário a formulação de um novo arsenal analítico que combine estratégias comparativas e longitudinais e análise de trajetórias de grupos de empresas acompanhadas ao longo do tempo, a fim de compreender as novas formas de organização industrial que se reestruturam em direção a um “novo patamar de integração interempresarial” (p.49). Também Abramo & Abreu (2000) enfatizaram a necessidade de se entender as mudanças ao longo da cadeia produtiva ultrapassando os limites dos estudos de caso que havia caracterizado parte importante da produção sociológica latinoamericana dos anos 80. Dado ao conjunto de mudanças que se efetivam no mundo da indústria e do trabalho desde os anos 90 e que desafiam a perspectiva da análise sociológica, em particular as mudanças em curso na indústria têxtil e de confecção no Brasil e seu processo de reconfiguração produtiva e institucional, a metodologia de pesquisa utilizada neste trabalho combina dados qualitativos e quantitativos, fontes primárias e secundárias, utilizando como principal estratégia empírica o estudo de caso do aglomerado de empresas têxteis da Região de Americana-SP. A pesquisa também combina a investigação tradicional no trabalho de campo – utilizando as técnicas da observação direta, da entrevista semidirigida e do questionário - com as pesquisas bibliográfica e documental, seja consultando artigos, documentos, relatórios ou dados estatísticos de instituições acadêmicas, empresariais e governamentais. O trabalho optou pelo estudo de caso das empresas do cluster têxtil de Americana dando enfoque ao segmento de tecelagem. No segmento de tecelagem, o mais importante naquela região, o trabalho utilizou a técnica da amostragem. Mas, a fim de se ter uma perspectiva ampla da cadeia produtiva buscou-se analisar os encadeamentos para trás e para frente das empresas deste segmento com os outros nós da cadeia. O trabalho, contudo, não deixou de considerar como “estudo de caso” as próprias mudanças em curso na indústria têxtil e de confecção, concebendo o próprio objeto de pesquisa em uma perspectiva que vai do global ao local, passando pelo âmbito

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nacional, ou seja, do geral ao especifico, apesar dos riscos e desafios que esta opção possa trazer. Devido ao próprio objeto e à problemática da pesquisa, o trabalho foi temperado pelo saber interdisciplinar, particularmente combinando as abordagens da sociologia econômica e da sociologia do trabalho industrial com as abordagens da economia industrial. Na investigação sobre as mudanças na CTC global foram utilizados dados secundários, basicamente qualitativos, destacando os trabalhos dos acadêmicos Gary Gereffi (Duke University, USA) e de Lynn Mytelka (UNU/ INTECH, The Netherlands) e os relatórios e estudos das entidades internacionais: ITCB (International Textile and Clothing Bureau); ILO (International Labour Organization); WTO (World Trade Organization); e OECD (Organization for Economic Co-operation and Development). Na investigação sobre as mudanças na CTC brasileira em função da globalização e da liberalização comercial foram utilizadas fontes primárias e secundárias, dados qualitativos e quantitativos e a participação como observador em Feiras de Negócios e em Conferências de empresários deste setor industrial. A pesquisa de campo em São Paulo teve início no primeiro semestre de 2002 e terminou no primeiro semestre de 2003. O trabalho de campo começou com uma visita à Sede da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (ABIT), na Capital São Paulo, quando entrevistei o Coordenador da Área Internacional da entidade. Além da entrevista semidirigida que propiciou uma visão abrangente da CTC, tanto da subcadeia do algodão quanto da subcadeia baseada em fibras químicas, também coletei dados econômicos sobre o setor em documentos e relatórios setoriais e obtive indicações de importantes contatos a serem feitos na Cidade de Americana. A primeira visita à principal cidade do aglomerado industrial consistiu em um reconhecimento do campo a ser trabalhado. Em Americana, inicialmente visitei a antiga Fábrica Carioba onde se iniciou o processo de industrialização têxtil local, hoje o antigo prédio da fabrica é propriedade do Poder Público Municipal e é onde funcionam pequenas tecelagens. Também realizei uma primeira visita ao SINDITEC quando conversei com o Assessor da Diretoria e obtive alguns dados do setor local. Ao todo foram seis viagens à Americana que duraram em torno de 15 dias. Algumas viagens passando pelas cidades de Campinas e São Paulo, quando visitei uma vez a USP e diversas vezes a UNICAMP, em geral consultando arquivos e bibliotecas ou conversando com professores que tinham trabalhos relacionados ao objeto da pesquisa.

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Na Cidade de Americana realizei uma série de entrevistas gravadas com diversos atores que seguiam um roteiro semiaberto. Procurei entrevistar os agentes econômicos e sociais locais que tiveram atuação efetiva na mobilização empresarial contra a forma abrupta como se deu a abertura comercial. No relato dos depoimentos na parte 3 do trabalho preferi omitir o nome dos entrevistados do setor empresarial e citar apenas os nomes dos informantes que exerciam cargos públicos. Como a primeira conversa na Sede do SINDITEC com o Assessor da Diretoria se deu de forma informal, em uma segunda visita gravei uma longa entrevista com este Assessor. Nos primeiros dias em Americana consultei os Jornais locais e regionais na Biblioteca Municipal em busca de reportagens que haviam tratado da crise têxtil durante toda a década de 1990. A pesquisa nos jornais ajudou a mapear os principais atores locais. Ao longo das seis viagens foram realizadas as seguintes entrevistas gravadas: com o ex-Prefeito Municipal de Americana, que exerceu mandato no auge da crise têxtil; com o empresário local e Vice-Presidente do SINDITEC; com o Assessor do SINDITEC; com o Secretário Geral do Sindicato dos Trabalhadores Têxteis da Região; com o Secretário Municipal de Desenvolvimento Econômico de Americana; com o empresário local e Diretor Regional do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (CIESPFIESP); com o Deputado Estadual da região que participou do Movimento Pró-Têxtil que surgiu em 1995; e com mais dois médios e três pequenos empresários têxteis da região. A pesquisa de campo nas empresas têxteis do Pólo seguiu a técnica da amostragem quando foi aplicado um questionário padrão. A amostragem abrangeu 20 empresas do Segmento de Tecelagem distribuídas entre as quatro cidades que integram o aglomerado têxtil (Americana, Santa Bárbara D’Oeste, Nova Odessa e Sumaré) e dos mais diversos tamanhos (pequenas, médias e grandes empresas). Sendo que a maioria das empresas está localizada na Cidade de Americana e são em sua maioria pequenas e médias. No acesso às empresas recorri ao cadastro do SINDITEC. O questionário padrão foi aplicado diretamente com os empresários têxteis, ou, nos casos das grandes empresas, com o gerente industrial. Em alguns casos, durante a visita às plantas fabris para a aplicação do questionário, foram realizadas algumas entrevistas gravadas de curta duração ou estabelecidas conversas informais. Foram utilizados amplamente uma série de Relatórios Técnicos e de Estudos Setoriais produzidos por instituições ligadas ao mundo empresarial,

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ao mundo acadêmico, a órgãos estatais, ou fruto de parcerias várias, como fontes secundárias para a análise das mudanças na CTC brasileira, em particular para o estudo do caso de Americana. Já os Programas e os Planos de Ação produzidos pelo empresariado têxtil brasileiro foram uma importante fonte de análise para a compreensão das novas estratégias empresariais. Dentre os Estudos Setoriais e os Planos Estratégicos estudados destaco os mais importantes: da ABIT: a Carta ABIT, diversos números do Informe Corporativo e o Tex-Brasil - Programa Estratégico da Cadeia Têxtil Brasileira; do BNDES: Relatórios e Estudos Setoriais; do Ministério do Desenvolvimento Indústria e Comércio (MDIC): os Indicadores da Cadeia Produtiva da Indústria Têxtil e de Confecções e o Relatório de Resultados do Fórum de Competitividade da Cadeia Produtiva Têxtil e de Confecções; do Estudo da Competitividade da Indústria Brasileira (ECIB): a Nota Técnica Setorial do Complexo Têxtil (MCT-FINEP-PADCT); do Estudo da Competitividade das Cadeias Integradas no Brasil (ECCIB): a Nota Técnica Final dedicada à Cadeia Têxtil e Confecção; da Fundação Vanzolini (USP): o relatório final “A competitividade das cadeias produtivas da indústria têxtil baseadas em fibras químicas” (estudo contratado pelo BNDES); do Instituto de Estudos e Marketing Industrial (IEMI): o 1o. Relatório do Setor Têxtil Brasileiro; do Instituto Euvaldo Lodi (IEL-CNI): o estudo “Análise da eficiência econômica e da competitividade da cadeia têxtil brasileira”; do SENAI-Cetiqt: o estudo “Perfil da Cadeia Têxtil Brasileira no Cenário Macroeconômico Mundial”; da Prefeitura Municipal de Americana: o 1o Censo Industrial de Americana (1993); do Jornal Gazeta Mercantil: dois Relatórios dedicados à indústria têxtil; do SEBRAE-SP: o estudo “O desempenho das Pequenas e Médias Empresas no setor Têxtil e Confecção”; do Sindicato das Indústrias de Tecelagem de Americana, Santa Bárbara D’Oeste e Sumaré (SINDITEC): o Resumo do Setor. Cabe destacar que durante o trabalho de campo foram importantes as participações em duas feiras de negócios em São Paulo, e em uma conferência internacional do setor têxtil e confecção no Rio de Janeiro. A Feira Nacional da Indústria Têxtil (Fenit) e a Feira Nacional de Tecelagem (Fenatec) ocorreram simultaneamente no Anhembi (SP) entre os dias 2/5 de julho de 2002, participei como observador das principais inovações no produto e no processo e visitando estandes institucionais. Na Conferência Internacional Têxtil e Confecção, ocorrida no SENAI-Cetiqt (RJ) entre os dias 22/23/24 de julho de 2003, participei como observador das conferências, mesas e painéis.

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Nesta Conferência pude observar o alto grau de inovações da CTC mundial por meio de relatos de pesquisas, perceber as principais tendências na indústria têxtil e confecção nacional nas mesas que trataram da inserção do Brasil no comércio mundial de têxteis e de confeccionados, e da produção de uma moda regionalizada em um mundo globalizado.

Parte 01

Globalização da Economia e Reconfiguração da Cadeia Têxtil Global

Capítulo 01

Introdução: Globalização e Capitalismo Global

5. É importante destacar duas definições fundamentais do termo que foram formuladas por dois cientistas sociais importantes, uma por Robertson (1999), para quem “A globali-

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O processo de globalização nas suas origens remonta ao surgimento da sociedade ocidental moderna, podendo até ser percebido na extensão das religiões mundiais por todo o globo (Therborn, 2000). É um fenômeno plural que envolve uma diversidade de processos sociais. Particularmente processos econômicos, políticos e culturais. Apesar do termo “global” ter mais de 400 anos, a utilização do termo “globalização” para descrever a intensificação das transformações globais recentes não começou até a década de 1980 e somente se tornou amplamente utilizado na década de 1990 (Waters, 2001). Segundo Chesnais (1996), que utiliza o termo “mundialização” ao invés de “globalização”, “o adjetivo “global” surgiu no começo dos anos 80, nas grandes escolas americanas de administração de empresas, as célebres “business management schools” de Harvard, Columbia, Stanford etc” (p.23). Até que o termo globalização se tornou difundido na década de 1980 por economistas e cientistas políticos nos Estados Unidos.5

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A utilização do termo “globalização”, neste trabalho, pretende enfatizar a intensificação das transformações sociais, políticas e econômicas nas últimas décadas, que são inerentes ao desenvolvimento da própria sociedade ocidental moderna, assim como do sistema capitalista. Devido ao objetivo deste trabalho, será enfatizada a dimensão econômica da globalização sem, contudo, perder de vista as dimensões política e cultural. Segundo Gonçalves (2003), a globalização econômica envolve três processos fundamentais: o aumento dos fluxos internacionais de bens, de serviços e de capital; o acirramento da concorrência internacional; e a crescente interdependência entre agentes econômicos e sistemas econômicos nacionais (p.21/22). Para o referido autor a característica central da globalização econômica é o acirramento da concorrência internacional. Gonçalves (2003) afirma que a globalização tem três determinantes principais. O primeiro determinante é de natureza sistêmica, este seria a “causa básica da globalização”. Causa relacionada ao desenvolvimento e expansão do sistema capitalista. Para o autor, “O capitalismo recoloca permanentemente o problema da insuficiência de demanda agregada” (p.26). Colocando permanentemente tanto o problema do desequilíbrio entre a capacidade de produção de bens e serviços por parte dos capitalistas e a capacidade inferior de absorção do conjunto da economia, quanto a necessidade de se buscar macro-saídas. O segundo determinante é de natureza política e se refere à ascensão do neoliberalismo nas últimas décadas. Para o autor “A ascensão do neoliberalismo foi o determinante político fundamental da globalização econômica” (p.28). A liberalização e a desregulamentação dos mercados representaram a redução das barreiras comerciais de acesso aos mercados nacionais. Como a globalização foi determinada, no sentido político, pela onda de liberalização e desregulamentação, que atingiu paises desenvolvidos e em desenvolvimento, com a revitalização de estratégias e políticas liberais em escala global, Gonçalves argumenta que “a globalização econômica também pode ser chamada de globalização neoliberal” (p.28). O terceiro determinante é de natureza tecnológica. Refere-se à ruptura do pa-

zação, como conceito, refere-se ao mesmo tempo, à compressão do mundo e à intensificação da consciência do mundo” (p.23), e outra, por Giddens (1991), para quem “A globalização pode assim ser definida como a intensificação das relações sociais em escala mundial, que ligam localidades distantes de tal maneira que acontecimentos locais são modelados por eventos ocorrendo a muitas milhas de distância e vice-versa” (p.69).

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radigma tecnológico e organizacional envolvendo novos processos, novos produtos e novas formas de organização da produção, inaugurando um novo ciclo tecnológico. Para o autor, uma “nova onda tecnológica” constituí uma das macro-saídas do “problema de insuficiência de demanda agregada” na medida em que promove novos produtos e bens (p.26/28). A partir destas causas fundamentais da globalização, este capítulo pretende fazer um breve debate sobre o desenvolvimento do sistema capitalista e o incremento da competitividade econômica capitalista nas décadas recentes. O próprio surgimento do capitalismo representou um fator fundamental na dinâmica globalizante. A economia capitalista representou a emergência de um sistema mundial. Autores clássicos da sociologia já haviam se dedicado ao estudo de fenômenos tais como: a intensificação do processo de interdependência social, o surgimento de um processo de diferenciação e especialização baseado na moderna divisão do trabalho, o processo de racionalização na sociedade moderna, assim como a intensificação da competitividade capitalista. Marx foi o primeiro dentro da moderna teoria social a empreender uma análise da dimensão econômica do processo de globalização. No Manifesto Comunista de 1848 ele afirmava que “a necessidade de mercados sempre crescentes para seus produtos impele a burguesia a conquistar todo o globo terrestre” (Marx & Engels, 1998: 11). Faria & Tauille também argumentam que “Marx via o mercado internacional como destino por excelência do capital, como o destino do desenvolvimento das relações de produção capitalistas e, também, como um resultado delas” (1999: 19). Para Waters (2001) o capitalismo envolve dois grandes processos: primeiro, ele é dirigido pela lógica da acumulação, que depende do incremento da escala de produção; segundo, ele é dirigido pela lógica da mercadorização ou mercantilização, que conduz este processo para o incremento da escala de consumo. Outro ponto importante levantado por Waters é a idéia de que o próprio capitalismo está envolto num manto de modernização desde seus primórdios. Já que o novo sistema econômico emergia gerando riqueza e aumentando a produtividade. A moderna divisão do trabalho permitiu o rompimento da civilização ocidental moderna com as tradições e as formas sociais arcaicas. Já no início do século XX desenvolve-se dentro do mundo capitalista o paradigma taylorista-fordista. Estabelecia-se uma nova forma de organizar o sistema produtivo capitalista a partir da combinação das estratégias competitivas das firmas e da organização do seu sistema produtivo. Segun-

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do Fleury (1995), Ford conseguiu identificar as necessidades de um mercado enorme e inexplorado, particularmente compradores potenciais de classe média. Uma demanda que não estava sendo satisfeita pelos fabricantes de automóveis da época, cujo enfoque estava dirigido para clientes altamente sofisticados e ricos. Assim, organiza-se um sistema produtivo que atendia à estratégia escolhida, ou seja, criando um produto (um automóvel “userfriendly”) que respondia àquele mercado. Inicia-se a construção de um novo paradigma para a organização econômica capitalista, que será conhecido daí em diante como fordismo. O fordismo como forma de produção em larga escala de produtos padronizados para mercados e consumidores em massa, implicava uma redução dos custos por unidades produtivas e a utilização de uma mecanização intensiva e de economias de escala. Interessante é o fato de o fordismo ter se transformado, não somente em um paradigma produtivo, mas também em um sistema idealizado, tanto no mundo capitalista quanto no socialista. Para Leite, o fordismo “significou também a passagem a um novo modo de acumulação do capital, baseado na produção de mercadorias estandardizadas e em grandes séries, ou seja, na produção em massa” (1994: 75).6 No final da década de 1960 e início da década de 1970 o capitalismo vai passar por um momento de crise no modelo de desenvolvimento baseado em uma forma específica de organização do trabalho, em um regime de acumulação e também em um modo de regulação. Além dos limites técnicos e sociais da organização científica do trabalho, e do endurecimento das lutas

6. O fordismo é um paradigma que deve ser pensado em conjunto com o taylorismo, particularmente quando se analisam as questões referentes ao controle do processo de produção e as conseqüentes tomadas de decisões. O taylorismo introduz no campo da produção capitalista uma rigorosa diferenciação entre as tarefas de gerenciamento e as tarefas manuais. Com o taylorismo e o fordismo ocorre uma atualização dos processos de produção da mais-valia e uma mudança no modo de acumulação do capital. Contudo, o fordismo passou a ser concebido não apenas como uma forma de organização da produção capitalista (ainda que esta forma não fosse amplamente utilizada nas empresas capitalistas e que tivesse variado nas sociedades onde se inseria junto com as empresas multinacionais, foi um modelo desenvolvido de produção que se tornou um paradigma produtivo), mas adquiriu também o significado de um conjunto de normas implícitas e de regras institucionais que representavam um novo modo de regulação. Para Leite (1994:76), um novo modo de regulação que buscaria ajustar os comportamentos contraditórios dos agentes individuais aos princípios coletivos do novo regime de acumulação.

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de classe na produção, novos elementos contribuíram para colocar a economia capitalista em crise, como o choque do petróleo, a ascensão das taxas de juros, a queda das taxas de lucros das empresas e a diminuição da rentabilidade. Os países capitalistas avançados deram prioridade à competitividade e à reconstrução dos lucros, para isso, empreenderam a destruição das regulações da relação salarial, colocando um ponto final à era fordista (Leite, 1994: 78/82). Esse processo de transformação do capital reestruturado, considerado por muitos uma verdadeira “destruição criadora” sob a forma de uma “modernização conservadora”, apontava para um novo padrão industrial e tecnológico, que rompia com o compromisso social e as antigas regulações sociais, econômicas e políticas desenvolvidas no período do pós-guerra. Já nas décadas de 1980-1990 o mundo assistiu ao debate sobre o surgimento de um novo paradigma (denominado pós-fordista, especialização flexível ou fordismo flexibilizado), assentado em uma nova base técnica (microeletrônica) e tendo o princípio da flexibilidade como um de seus aspectos centrais. A introdução das novas tecnologias microeletrônicas no processo de produção capitalista – alterando significativamente o caráter da automação agora tornada flexível – se efetua em um processo de busca pelo capital de garantia das taxas de lucratividade das empresas. Segundo Faria & Tauile “a difusão de uma nova base técnica microeletrônica foi progressivamente rompendo os diversos limites à automação estabelecidos anteriormente pela base técnica eletromecânica” (1999: 01). O processo de reestruturação do capital sob uma nova base técnica responde a um conjunto de desafios colocados para o processo de acumulação do capital desde o final da década de 1960. Para Leite, estes desafios seriam a diminuição dos ganhos de produtividade, a redução do poder de compra dos mercados, a elitização do consumo e o incremento da competição capitalista mundial (1994: 83). Desta forma, a introdução de novas tecnologias e de novas formas organizacionais do trabalho se configuraria como uma resposta do capital à crise, buscando, sobretudo, novas formas de garantir os ganhos de produtividade, flexibilizando a produção de forma a adaptar o aparelho produtivo, e garantindo, assim, uma resposta rápida às novas demandas do mercado consumidor. Todas as transformações em curso envolvem basicamente uma reorganização fundamental e estrutural no sistema de produção em série de produtos padronizados rumo a novas formas de produção, a partir de uma nova ba-

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se técnica microeletrônica e computadorizada e de novas formas organizacionais, empreendendo uma flexibilização da produção e a produção por lotes de produtos especificados. Esta reestruturação do capital – buscando inovações organizacionais e tecnológicas – se dá em um processo de incremento da competição empresarial voltada para um mercado capitalista cada vez mais segmentado no qual ganha destaque a procura por produtos diferenciados. Segundo Coriat, Durante o período de ouro do fordismo e do crescimento regular do poder de compra, o setor assalariado se estendeu e se complexificou, ocasionando uma multiplicação de categorias e de segmentos do mercado de trabalho, e formando desta maneira uma demanda muito mais diferenciada do que no passado. (1992:25)

Na perspectiva de Coriat (1992), foi o próprio desenvolvimento do fordismo em seu período áureo (da produção em massa de produtos padronizados), atendendo a um mercado em expansão, que teria propiciado o desenvolvimento de condições para a emergência de uma demanda diferenciada nas décadas recentes. Na análise de Castells (2000) “várias tendências organizacionais evoluíram do processo de reestruturação capitalista e transição industrial” (p.175). O autor analisa estas diversas tendências organizacionais a fim de propor uma convergência potencial. No que se refere ao debate sobre a transição da produção em massa para a produção flexível, considerada por Castells (2000) a “primeira e mais abrangente tendência de evolução organizacional” (idem), o autor afirma que: Quando a demanda por quantidade e qualidade tornou-se imprevisível; quando os mercados ficaram mundialmente diversificados e, portanto, difíceis de ser controlados; e quando o ritmo da transformação tecnológica tornou obsoletos os equipamentos de produção com objetivo único, o sistema de produção em massa ficou muito rígido e dispendioso para as características da nova economia. O sistema produtivo flexível surgiu como uma possível resposta para superar essa rigidez. (idem, p.176)

Assim como o sistema de produção em massa buscava responder a uma demanda potencial por produtos padronizados, originada da percepção de

Henry Ford, que organiza seu sistema produtivo tendo por base uma estratégia de mercado, a análise de Castells do surgimento do sistema produtivo flexível também articula uma mudança nos padrões de consumo e alterações fundamentais no mercado, conduzindo a novas estratégias empresarias que visam responder a este novo mercado, utilizando os novos instrumentais tecnológicos disponíveis. No caso particular da CTC, há uma demanda crescente por produtos têxteis e confeccionados cada vez mais diversificados, a partir de mudanças significativas nos padrões de consumo do mercado consumidor. Alterações estas que impulsionam o desenvolvimento de novas estratégias empresariais, o desenvolvimento de novos produtos, assim como a uma reorganização do processo produtivo.

Capítulo 02

Globalização da Economia

7. Segundo Faria & Tauile, “O crescimento da interdependência econômica no plano internacional recebeu um impulso de origem tecnológica com o recente salto no desenvolvimento dos meios de transporte e comunicação; um impulso econômico com o crescimento do comércio e dos fluxos financeiros e da internacionalização de cadeias produtivas e um impulso político com a desregulamentação, a redução de barreiras e a uniformização liberalizante das políticas econômicas” (1999: 21).

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Embora a globalização seja um processo complexo e multidimensional, os seus aspectos mais visíveis dizem respeito à sua dimensão econômica. Sendo a característica central da globalização econômica o acirramento da concorrência internacional (Gonçalves, 2003). A globalização econômica aponta para novas tendências globalizantes, tanto na economia quanto na sociedade, com o crescimento da “interdependência econômica” no plano internacional.7 Esta tendência é impulsionada pelo processo de reestruturação capitalista nos países avançados que buscam resolver o problema sistêmico de insuficiência de demanda interna por meio da exportação de bens, serviços e capital. Nesse sentido, a liberalização significa menores restrições comerciais possibilitando maiores exportações por parte dos países. No debate sobre a globalização econômica (Held & McGrew, 2001) as perguntas que se colocam são: Até que ponto a atividade econômica vem sendo globalizada? Pode-se falar numa economia global?

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Este capítulo pretende apresentar uma abordagem crítica do debate sobre a globalização econômica com base na coexistência de múltiplas perspectivas. Tanto aquelas que enfatizam a globalização como “uma construção primordialmente ideológica ou mítica de valor explicativo marginal”, quanto as que “consideram que a globalização contemporânea é um acontecimento histórico real e significativo” (Held & McGrew 2001:09). Podemos reconhecer que há uma economia global na medida em que ocorre uma integração relativa de economias nacionais distintas. Ocorre uma interação econômica global na medida em que os governos nacionais estão tendo que se adaptar aos avanços e recuos das condições e forças do mercado global. Contudo, o verdadeiro desafio da globalização econômica seria saber até que ponto as tendências mundiais confirmam um “padrão de integração econômica global” (Held & McGrew, 2001: 58). Há de fato uma internacionalização significativa da atividade econômica como um processo de intensificação dos vínculos entre as economias nacionais. De fato, não há uma economia global totalmente integrada, mas sim uma organização crescente da atividade econômica mundial em três blocos nucleares: Europa, a região asiática banhada pelo Pacífico e Américas. Essa “formação triádica” da economia mundial significa um ponto polêmico e ao mesmo tempo contraditório da economia global. Held & McGrew, sintetizando uma abordagem mais crítica do processo, afirmam que há uma “tendência crescente para a interdependência econômica e financeira dentro de cada uma destas três zonas, em detrimento da integração entre elas” (2001: 51). Uma análise bastante crítica sobre a globalização econômica encontrase na obra de Hirst & Thompson (1998). Estes autores formulam uma distinção adequada entre uma “economia internacional” (tipo 1) e uma “economia globalizada” (tipo 2): Para estes autores “Uma economia internacional é aquela em que as entidades principais são as economias nacionais. O comércio e os investimentos produzem interconexões crescentes entre essas economias ainda nacionais” (p. 23). Para Hirst & Thompson (1998), as “economias nacionais” ainda são os atores principais, e ainda são reguladas neste nível. O grau de exposição das economias nacionais aos produtos e aos mercados internacionais transformaria estas economias, tornando-as suscetíveis ao impacto derivado de outras economias nacionais (impacto favorável ou não). Entretanto, este “impacto” ainda seria mediado através de “sistemas de regulação no nível nacional”. Como dizem os autores: “As interações são do tipo ‘bola de bilhar’: acontecimentos internacionais não pe-

netram ou permeiam direta ou necessariamente a economia interna, mas são refratados pelas políticas e processos nacionais” (p. 23). Já uma economia globalizada, para os autores: É um tipo ideal distinto daquele da economia internacional (…). Em um sistema global (…) as diferentes economias nacionais são incluídas e rearticuladas no sistema por processos e transações internacionais (…). A economia global dá àquelas interações baseadas no âmbito nacional um novo poder. O sistema econômico internacional torna-se autônomo e socialmente sem raízes, enquanto os mercados e a produção tornam-se realmente globais. (1998:26)

(…) conforme o processo de globalização progride, as formas organizacionais evoluem de empresas multinacionais a redes internacionais [de empresas], passando por cima das chamadas “transnacionais”, que pertencem mais ao mundo de representação mítica (…) do que às realidades institucionais da economia internacional. (1999:210)

Estaríamos então vivendo uma nova situação econômica que se diferencia das fases anteriores pela existência de uma nova economia global não totalmente integrada - que transcende e integra as principais regiões eco-

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Em uma economia globalizada (tipo 2), os processos regulatórios nacionais são submetidos a um sistema supranacional autônomo. Na medida em que cresce a interdependência sistêmica o sistema econômico nacional se torna permeado e transformado pelo internacional. As companhias multinacionais se soltam de suas origens nacionais e tornam-se dispersas e sem amarras, assim, uma política nacional hegemônica seria impossível. Contudo, apesar da distinção ser adequada, o desenho dos dois tipos (internacional e global) supõe uma visão de que o mundo estaria firmemente fixado no tipo 1 (Waters, 2001:212). Para Castells (1999), a formação da “empresa em rede” não implica o fim da empresa multinacional. Segundo Castells, vários observadores afirmam que “as redes (de empresas) são centradas em uma grande multinacional ou são formadas com base em alianças e cooperação entre essas empresas” (1999:210). A hipótese de Castells, coerente em minha opinião, é de que:

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nômicas do mundo. Nesse sentido, a regionalização da atividade econômica não se deu em detrimento do processo de globalização, sendo que a própria regionalização acaba funcionando como um “mecanismo” que facilita e incentiva a globalização econômica, auxiliando as economias nacionais a engajarem-se de forma estratégica nos mercados globais. Há duas questões fundamentais na abordagem de uma nova economia global. Primeiro, quando se fala de uma “economia global”, trata-se de uma “ordem sumamente estratificada – já que a maior parcela dos fluxos globais (…) concentra-se nas maiores economias da OCDE” (Held & McGrew, 2001:61). Segundo, “a economia global é uma economia global capitalista (…) uma economia que se organiza com base nos princípios do mercado e da produção com vistas ao lucro” (Held & McGrew, 2001:61). Neste sentido a posição de Castells8 é bastante clara quando afirma que “A economia internacional ainda não é global” (2000: 115). Para Castells, “não há nem haverá no futuro previsível um mercado internacional aberto totalmente integrado” (ibidem), apesar de reconhecer que as “tendências globalizantes” apontam para a configuração de uma nova economia global, num processo de crescente interpenetração dos mercados e de sua integração quase total (Castells, 2000:117). Castells aponta para um cenário no qual podemos visualizar uma diferenciação regional9 numa economia global com a permanência provável das fronteiras nacionais e as diferenciações entre as principais regiões econômicas do planeta (ibidem). O conceito economia global regionalizada de Castells fornece uma espécie de síntese da polarização entre economia global e economia regional: O conceito de uma economia global regionalizada não representa nenhuma contradição de termos. Há, de fa-

8. A tese de Castells é de que “O surgimento da economia informacional caracteriza-se pelo desenvolvimento de uma nova lógica organizacional que está relacionada com o processo atual de transformação tecnológica, mas não depende dele” (2000: 174). O fundamento da “economia informacional” seria a convergência e a interação entre o novo paradigma tecnológico e a nova lógica organizacional (idem). 9. Segundo Castells, “A economia global apresenta diversificações internas representadas por três regiões principais e suas áreas de influência: América do Norte (inclusive Canadá e México após o Nafta); União Européia (principalmente após a versão revisada do Tratado de Maastricht passar a dedicar-se também à formulação de políticas); e a região do Pacífico asiático, concentrada em torno do Japão, mas com peso crescente da Coréia do Sul, Indonésia, Taiwan, Cingapura, comunidades chinesas estabelecidas no exterior e, acima de tudo, a própria China.” (2000: 117).

to, uma economia global porque os agentes econômicos operam em uma rede global de interação que transcende as fronteiras nacionais e geográficas. Mas essa economia é diferenciada pelas políticas, e os governos nacionais desempenham papel muito importante nos processos econômicos. (Castells, 2000: 119)

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Torna-se necessário encaminhar o debate no sentido de refletir sobre a emergência de uma economia global regionalizada, onde os agentes econômicos operam em uma rede global com suas diferenciações econômicas regionais e com sua dinâmica capitalista própria. E levar em conta como estas transformações significam “relações de poder” determinadas (com hierarquias próprias) entre nações, empresários e trabalhadores, maneiras diferenciadas de inserção na nova economia global, e as novas formas de organização da produção capitalista com base na lógica de acumulação. A internacionalização da economia não é nada de novo. A novidade está no uso de novas tecnologias de produção, na reformulação das estratégias de produção, no surgimento de novas formas organizacionais mais flexíveis, assim como na formação de grandes redes de empresas, respondendo a uma demanda cada vez mais diversificada por produtos e serviços. Além da busca por mercados globais, a forma de organização da produção também passou a ser global. A enorme escala de investimentos necessários à liderança tecnológica de produtos e processos e a necessidade de networks e mídias globais, continua forçando um processo de concentração que termina por habilitar como líderes das principais cadeias de produção apenas um conjunto restrito de algumas centenas de empresas gigantes mundiais (corporações), mediante processos de fusões e incorporações (Dupas, 2000:39). Já a busca por eficiência e a conquista de mercados cada vez mais exigentes forçam a criação de uma onda de fragmentação (terceirizações, franquias e informalização), abrindo espaço para uma grande quantidade de empresas menores, que alimentam a cadeia produtiva central com custos mais baixos (idem, p. 40). As pequenas e médias empresas, em geral, assumem um novo papel, associando-se, de forma integrada e subordinada, às grandes corporações. O remanejamento das relações de produção no setor produtivo industrial indica um processo de terceirização ou de subcontratação de atividades produtivas onde a empresa nuclear passa a se dedicar a atividades consideradas centrais (core business), tais como design, marketing, e gestão ou controle estratégico de toda a cadeia produtiva. Esta nova divisão do trabalho coloca sob controle

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direto da empresa dominante as atividades consideradas “nobres” da cadeia produtiva e as empresas dependentes (geralmente pequenas e médias) ficam com as atividades manufatureiras e sob gerência das empresas dominantes. Esta nova economia global capitalista cada vez mais concentrada e ao mesmo tempo fragmentada se caracteriza, primeiro, por uma crise da grande empresa baseada nos modelos rígidos herdados do fordismo e, segundo, por uma maior flexibilidade oriunda das pequenas e médias empresas fomentadoras de maior inovação (Castells, 2000: 176). As empresas pequenas e médias, apesar de ser fonte de inovação e de dinamismo, estão inseridas na estrutura econômica da nova economia global de forma subordinada – uma inserção sob controle. E as grandes empresas, mesmo estando em um processo de reestruturação em marcha, a partir da crise dos modelos rígidos, ainda concentram mercados e capitais. Analistas como Bennett Harrison enfatizam que: (...) as empresas de grande porte continuam a concentrar uma proporção crescente de capital e de mercados em todas as principais economias (...) as empresas de pequeno e médio porte continuam (em geral) sob controle financeiro, comercial e tecnológico das grandes (apud Castells, 2000:177).

Castells (2000: 177) propõe a necessidade de distinguir a afirmação sobre a transferência do poder econômico e da capacidade tecnológica da grande para as pequenas empresas (tendência negada e criticada por Bennett Harrison) da afirmação sobre o “declínio da grande empresa verticalmente integrada como um modelo organizacional”. Para o Castells (2000: 178), o que está em crise é o “modelo corporativo tradicional” baseado na integração vertical e no gerenciamento funcional hierárquico.10 A competitividade neste novo cenário econômico evolui das vantagens comparativas para as vantagens competitivas. Não se fundamentando simplesmente na redução de preços, mas no desenvolvimento de uma “estratégia de inovação” na qual se busca o aumento da qualidade pela melhoria contínua dos produtos e dos processos. O insight não fica restrito aos engenheiros, mas envolve todos os trabalhadores participantes do processo, bus-

10. As grandes empresas tiveram que alterar suas lógicas organizacionais com mudanças em direção ao uso progressivo da subcontratação de pequenas e médias empresas, que possibilitou ganhos de produtividade às grandes.

cando vantagens competitivas por meio de produtos de desempenho superior, num jogo feroz por participação no mercado (Best, 1990:12).

Capítulo 03

A Abordagem da Cadeia da Mercadoria

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Este capítulo pretende definir um dos instrumentais teóricos fundamentais neste trabalho que é o conceito cadeia da mercadoria, a fim de discutir o surgimento das cadeias globais da mercadoria, enquanto uma importante transformação dentro da nova economia global e para melhor compreender os encadeamentos estratégicos globais na CTC. A perspectiva da cadeia da mercadoria é uma ferramenta analítica que possibilita ganhos importantes em termos de compreensão da dispersão geográfica da atividade econômica dentro da nova economia global. A análise da cadeia da mercadoria busca ir além do modo tradicional de análise econômico-social enfatizando as interconexões dinâmicas dentro do processo produtivo. A análise da cadeia da mercadoria supera fragilidades importantes da análise setorial tradicional - que tende a ser estática - indo em direção à análise dos elos dinâmicos entre atividades produtivas que vão além daquele setor particular. Também indo na direção de uma análise das conexões interfirmas – superando a análise de uma firma particular - possibilitando uma abordagem dos fluxos dinâmicos na nova economia global. A cadeia da mercadoria diz respeito ao conjunto de atividades econômicas sucessivas e necessárias para levar um produto ou um serviço, desde a sua concepção, passando por diferentes fases de sua produção e comercialização, até o consumidor final. Podemos definir o conceito cadeia da mercadoria como a sequencia de processos de trabalho e de produção de valor (Marx, 1975) onde bens e serviços são concebidos, produzidos e levados ao mercado consumidor. Este conjunto de atividades econômicas - sucessivas e integradas funcionalmente - envolve uma diversidade de atividades de trabalho que adicionam valor ao produto ou serviço. Para Kaplinsky & Morris (2001) uma cadeia de valor compreende quatro nós principais. Ressaltamos que cada nó (ou ponto) implica um processo de trabalho e de produção de valor particular com suas divisões internas e especializações. O primeiro nó envolve as atividades de design (sentido de

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projeto) ou de concepção do produto ou serviço; o segundo nó envolve as atividades de produção ou manufatura, tais como, logística interna, transformação dos insumos, empacotamento, etc.; O terceiro nó envolve as atividades de comercialização e de marketing, com destaque para a criação e a gestão da marca; O quarto nó esta relacionado ao consumo final e a reciclagem da mercadoria envolvendo atividades que dão suporte ao consumidor final (Kaplinsky & Morris, 2001). A cadeia da mercadoria constitui uma forma de rede linear (OLAVE & AMATO NETO, 2001: 298). Os termos Cadeia de Valor e Redes de Produção estão interligados. Para Castells (2000: 498) “Rede é um conjunto de nós interconectados”. Nas análises de Redes os nós (pontos) podem ser indivíduos, grupos, empresas ou organizações. Os elementos estruturais da análise de rede apresentados por Britto (2002: 351) são: os nós (as empresas); a posição dos nós (a posição da empresa na estrutura industrial, na divisão do trabalho e na cadeia de valor); os elos ou ligações (redes interorganizacionais) entre estas posições e os fluxos de bens (tangíveis) e de informações (intangíveis). Se o conceito cadeia da mercadoria ajuda a mapear a sequência dos elos necessários para levar o produto até o consumidor final de forma linear, o conceito Rede - redes de produção ou relações interfirmas – ajuda a entender as ligações entre os atores econômicos dentro de uma configuração econômica mais ampla. Os diversos atores econômicos que conformam determinada cadeia da mercadoria em geral estão inseridos em redes (sociais e econômicas) mais amplas interagindo com outros atores sociais e econômicos. Estes atores podem estar ligados a outras cadeias ou interagindo com outras organizações dentro de um arranjo produtivo local ou cluster. Há uma diversidade de termos usados para descrever as complexas redes de trabalho e de produção que configuram a economia global. Todos os termos partem da ideia de que as atividades econômicas que integram as diversas cadeias de produtos estão divididas entre trabalhadores e empresas frequentemente localizadas em países e continentes diferentes moldando redes globais de produção ou cadeias mercantis globais. Bair (2009: 1) afirma que nas últimas duas décadas acumulou-se uma imensa literatura sobre redes de produção e de comércio internacional. A autora argumenta que tais redes foram descritas primeiro como commodity chains, depois como global commodity chain e recentemente como global value chains. A cadeia da mercadoria ajuda a entender as transformações advindas da globalização. Bair (2009: 1) sustenta a existência de três aborda-

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gens que constituem o campo de estudos da cadeia global da mercadoria ou cadeia global de valor. Primeiro, a análise da cadeia da mercadoria (Commodity Chain) que enfatiza uma abordagem histórica de longo prazo e macro na tradição do “sistema-mundo”. Segundo, a estrutura analítica da cadeia global da mercadoria (Global Commodity Chain framework) desenvolvida por Gary Gereffi e parceiros conjugando abordagens da sociologia organizacional e dos estudos de desenvolvimento comparados. Terceiro, a análise da cadeia global de valor (Global Value Chains) que constitui a variação mais recente surgida a partir dos desenvolvimentos anteriores da cadeia global da mercadoria. Dentro da primeira abordagem apontada por Bair (2009: 1) destacamos a contribuição de Terence K. Hopkins e Immanuel Wallerstein que cunharam o termo commodity chain em seu artigo original “Commodity Chains in the World-Economy Prior to 1800” publicado em 1986. Hopkins & Wallerstein (1994:17) definem cadeia da mercadoria como “Uma rede de trabalho e processos de produção cujo resultado final é um produto acabado”. Os referidos autores apontam que o conceito cadeia da mercadoria teria por objetivo mapear as redes articuladas às diversas cadeias, revelar aspectos importantes da divisão e da integração de processos de trabalho e de produção, monitorar os desenvolvimentos constantes e a transformação do sistema de produção na economia mundial. Se Hopkins & Wallerstein (1994) enfocaram o poder do Estado moldando o sistema de produção global, Gary Gereffi (1994), ao reviver o conceito commodity chain, passa a dar ênfase às estratégias e ações das empresas no contexto da globalização e da liberalização comercial. O foco de Gereffi nos atores econômicos em suas relações e inter-relações de poder e na questão do poder relativo das empresas afiliadas e parceiras surge em função da habilidade restrita do Estado no contexto neoliberal. A segunda abordagem da cadeia global da mercadoria ou de produtos (originalmente Global Commodity Chains) desenvolvida pelo sociólogo Gary Gereffi (Duke University) em meados da década de 1990 se tornou a referência principal nesta literatura. Gereffi (1994: 2) define a Cadeia Global da Mercadoria como “conjuntos de redes interorganizacionais agrupados em torno de um produto ou mercadoria, articulando domicílios, empresas e Estados entre si no interior da economia mundial”. Gereffi (1994: 2) ressalta que estas redes se encontram dentro de situações bastante específicas, construídas socialmente e integradas localmente, em suma, as redes que formam a urdidura das diversas cadeias de produtos estão enraizadas no tecido social.

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Gereffi (1994: 7) argumenta que a cadeia de produtos possui três dimensões principais: (01) estrutura de insumo-produto: sequência de atividades econômicas (envolvendo produtos e serviços) interligadas que adicionam valor (cadeias de valor agregado); (2) territorialidade: dispersão ou concentração geográfica das redes interorganizacionais; (3) estrutura de poder ou governança: relações de poder entre os agentes econômicos (empresas) determinando como os diversos recursos são distribuídos e, principalmente, como ocorrem os processos de criação e de apropriação do valor. As duas configurações principais de cadeias da mercadoria, segundo Gereffi (1994), são: [01] Producer-driven commodity chain (cadeias produtivas dirigidas pelo produtor): são cadeias nas quais grandes corporações – em geral transnacionais – desempenham os papeis centrais na coordenação das redes produtivas. Este tipo é mais característico das indústrias de capital e tecnologia intensivos, tais como as de automóveis, computadores, aviões e maquinário elétrico; [02] Buyer-driven commodity chain (cadeias produtivas dirigidas pelo comprador): são cadeias em que grandes varejistas, mercadores com marca registrada, e companhias de comércio, desempenham o papel central no controle das redes produtivas descentralizadas. É o tipo de cadeia comum nas indústrias de bens de consumo intensivas em trabalho (confecção, por exemplo). As firmas típicas deste modelo são a Nike, Reebok e Gap, que em geral não possuem nenhuma fábrica. São mercadores que projetam e vendem, mas não manufaturam. Apesar desta distinção analítica importante, Gereffi (1994:7) afirma que, “Uma tendência importante no manufaturamento global parece ser o movimento das cadeias de mercadoria dirigidas pelo produtor para cadeias dirigidas pelo comprador”. A abordagem mais recente, denominada Cadeia Global de valor, adota uma metodologia de rede para entender a economia global. O objetivo é identificar os atores principais das diversas cadeias que formam uma complexa rede, assim como a forma como o poder é exercido. O fracionamento das cadeias produtivas (cadeias globais da mercadoria para Gereffi ou redes produtivas transnacionais para Castells) ocorre em um âmbito cada vez mais globalizado, onde as novas tecnologias de transporte e de comunicação e os novos modelos de gestão são fundamentais para permitir o funcionamento e o controle de uma forma organizacional mais flexível. Segundo Castells (2000) a unidade operativa atual é

o “projeto empresarial” representado pela “rede”11, e não mais pelas empresas individuais. Segundo Castells, O novo sistema produtivo depende de uma combinação de alianças estratégicas e projetos de cooperação ad hoc entre empresas, unidades descentralizadas de cada empresa de grande porte e redes de pequenas e médias empresas que se conectam entre si e/ou com grandes empresas ou redes empresariais (2000:114).

11. Castells apresenta várias definições para o termo “rede”, tais como, “Rede é um conjunto de nós interconectados”; “Redes são estruturas abertas capazes de expandir de forma ilimitada, integrando novos nós desde que consigam comunicar-se dentro da rede, ou seja, desde que compartilhem os mesmos códigos de comunicação (…)”; e “Redes são instrumentos apropriados para a economia capitalista baseada na inovação, globalização e concentração descentralizada” (2000: 498).

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Na configuração da cadeia da mercadoria global, os centros de decisão estratégica e de pesquisa e desenvolvimento (P&D) das empresas multinacionais ou transnacionais geralmente estão localizados nos países desenvolvidos, sendo que, os centros de decisão estratégica freqüentemente se situam em metrópoles globais e os centros de P&D em localidades onde há forte concentração de mão-de-obra qualificada (Dupas, 2000: 84). Nesta forma de produção global, a definição da localização de cada etapa do processo produtivo depende dos fatores que serão utilizados de maneira mais intensa (capital ou trabalho) e dos seus custos relativos (idem, p. 49). Com a emergência de uma nova economia global transforma-se a forma de gestão da produção e particularmente a distribuição do processo produtivo. A estratégia de fragmentar a produção em várias partes, alocandoas internacionalmente e minimizando os custos totais, tornou-se uma prática freqüente desde as últimas décadas do século XX. Os segmentos dos processos produtivos que utilizam trabalho intensivo e não qualificado têm sido deslocados para países nos quais esse fator é abundante e barato, em geral países periféricos (Dupas, 2000). Castells (2000) argumenta que estudos sobre o setor de confecção nos EUA demonstram que ele tem se desenvolvido no sentido de se tornar um verdadeiro “centro de expedição”, convergindo a demanda do mercado norte-americano com os fornecedores de manufaturados em todo o mundo. Is-

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to resulta em uma força de trabalho bipolar, composta, de um lado, por estilistas altamente qualificados e por gerentes de vendas especializados em telecomunicações, e, de outro, por trabalhadores industriais pouco qualificados e de baixa remuneração, geralmente do exterior12 (p. 271). É necessário enfatizar que o “esquema das subcontratadas” ocorre tanto dentro das cadeias dirigidas pelo produtor como dentro das cadeias dirigidas pelo comprador. No topo das cadeias dirigidas pelo produtor, visualizamos grandes empresas transnacionais; já na base, estão os parceiros, subcontratados, mas muitas vezes também grandes empresas transnacionais. Já nas cadeias dirigidas pelo comprador, também visualizamos no topo da cadeia grandes corporações (como a Wal-Mart) ou grandes empresas e na base, micro e pequenas empresas subcontratadas. Castells (2000) argumenta que:

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A “empresa em rede” – enquanto uma nova forma organizacional - seria um tipo particular de empresa no qual o “sistema de meios” é constituído através da combinação ou interseção de segmentos ou “nós” de diversos tipos de cadeias produtivas que têm seus próprios objetivos13. Os componentes das redes podem tanto ser dependentes quanto autônomos em relação à rede à que estão conectados, podendo fazer parte de outras redes.

Com a rápida transformação tecnológica, as redes – não as empresas – tornaram-se a unidade operacional real. Em outras palavras, mediante a interação entre a crise organizacional e a transformação e as novas tecnologias da informação, surgiu uma nova forma organizacional característica da economia informacional/ global: a empresa em rede. (p. 191)

12. A Benetton, empresa em rede mundial especializada em artigos de malha, uma espécie de ícone da produção flexível, tem um formato organizacional centrado numa produção puxada pela demanda que se concretiza por meio da gestão dos fluxos de informações expedidos pelas suas redes de franqueados, e que, posteriormente, transformam-se em lotes de tarefas transmitidos às suas subcontratadas. 13. Atuando em rede, as empresas podem ter estratégias diversas, como developed partners – parceiros no desenvolvimento da produção, mediante contratos com o fabricante global; developed sources – fornecedores de partes ou componentes normalmente sensíveis às vantagens da mão-de-obra barata; e os volume producers – indústrias com alto volume de produção, fornecedores não-exclusivos de grandes empresas globais (Dupas, 2000).

No caso particular da CTC14, uma empresa pode integrar um segmento apenas (empresa especializada), como os de fiação ou tecelagem, segmentos estes que formam um processo produtivo em si mesmo. Ou uma empresa têxtil pode integrar mais de um segmento (empresa integrada), em geral integrando verticalmente os processos produtivos de fiação, tecelagem e acabamento. Na atualidade, independente dos níveis de integração do processo produtivo no interior das empresas (integração intrafirma), unindo dois ou mais nós da CTC, há uma tendência para a integração interfirmas no nível global, formando uma rede global de produção. Uma discussão mais aprofundada sobre a caracterização do processo produtivo têxtil, sobre as principais mudanças na cadeia da mercadoria e particularmente sobre a reconfiguração global do setor têxtil-confecção será colocada nos capítulos seguintes desta parte.

Capítulo 04 A Indústria Têxtil - Tendências Globais 04.01. A Indústria Têxtil - Introdução

14. Na perspectiva da commodity chain ou de uma cadeia mais extensa da mercadoria (fibras– têxteis–confeccionados-moda) na qual o produto acabado é a roupa pronta com estilo. 15. Segundo Pereira, trata-se de “um dos ramos mais antigos da Indústria de Transformação na economia mundial” (1979:49).

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A indústria têxtil é considerada uma atividade industrial tradicional15. Foi uma das precursoras do processo de mecanização da produção durante a Revolução Industrial. Esta indústria (e também a indústria de confecção) se desenvolveu originalmente entre o final do século 18 e início do século 19 na Europa ocidental, especialmente na Inglaterra de onde surgiu uma tecnologia básica de fiação e tecelagem. Após 1760, na Inglaterra, a indústria têxtil passou por uma série de inovações no processo de produção buscando reduzir o desequilíbrio entre a eficiência produtiva dos segmentos que compunham o processo. Sua difusão se deu por toda a Europa continental, em seguida para a América do Norte, e depois para alguns países periféricos. A força de trabalho era o principal fator de produção nesta indústria, ou seja, era uma indústria intensiva em mão-de-obra, com grande utilização

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de fibras naturais (algodão e seda), com um ritmo de mudança lento (Waters, 2001). Entre a Revolução Industrial até aproximadamente o início do século 20 não ocorreram grandes inovações no processo produtivo têxtil, com o tear mecânico e o filatório sendo à base dos segmentos principais desta indústria: a fiação e a tecelagem. Dando o caráter conservador desta indústria numa perspectiva técnica e organizacional. Até o inicio da primeira metade do século 20 o setor têxtil foi marcado por uma lenta modernização por causa da própria descontinuidade do processo produtivo têxtil. Devido a este fator característico, a introdução de inovações técnicas por uma empresa determinada deveria levar em consideração: a- a idade tecnológica dos equipamentos utilizados em cada etapa do processo produtivo; b- as alternativas disponíveis para cada etapa; c- as necessidades de encadeamento (Pereira, 1979:51). Segundo Pereira, até a década de 1970, (...) as próprias inovações tecnológicas do setor têm se caracterizado mais por modificações e aperfeiçoamentos mecânicos sobre os mesmos princípios básicos de fabricação e desenho do equipamento do que por mudanças “revolucionárias” nos processos (1979:51).

A indústria têxtil mundial passou por transformações importantes resultado da incorporação de inovações técnicas vindas de outros setores industriais, como a química e a eletrônica. No segmento de fiação, a principal inovação foi o advento das fibras químicas (artificiais e sintéticos), e no segmento de tecelagem foram os teares com componentes eletrônicos. A partir da década de 1960, a indústria têxtil começa a se tornar mais intensiva em capital. Há um desenvolvimento de novas tecnologias de processo – de origem européia e japonesa – que se difundem através da exportação de máquinas têxteis ou por meio de novas formas de investimento externo (Braunbeck, 1994). A primeira fibra sintética, desenvolvida pela DuPont americana, em meados de 1930, foi o náilon , utilizado inicialmente para substituir a seda importada do oriente, destinada à produção de pára-quedas na segunda guerra mundial. Fibras acrílicas, desenvolvidas também pela DuPont, e modacrylics , desenvolvida pela Union Carbide, tornaram-se disponíveis no início da década de 1950. A fibra de poliéster, criada na Inglaterra, foi comercializada nos Estados Unidos em 1953 (Berger et al, 1989:22 apud Garcia, 1994:28).

As inovações técnicas na matéria-prima, surgidas nos Estados Unidos com o desenvolvimento de novas fibras químicas (artificiais e sintéticas), foram obtidas a partir das contribuições das indústrias química e petroquímica. A difusão tecnológica para a Europa, o Japão, e em seguida para alguns países periféricos se deu através de investimento estrangeiro direto (Braunbeck,1994). A difusão das fibras sintéticas ganhou velocidade a partir da década de 1960, devido ao seu baixo custo em relação às fibras naturais, pelo impulso produzido no processo produtivo e pela possibilidade de desenvolver novos produtos. Para Pereira, (...) pode-se dizer que foi um desenvolvimento tecnológico na indústria química que permitiu à indústria têxtil resolver o seu impasse, porque a fibra sintética é mais resistente, especialmente no caso do filamento contínuo, e estimulou a inovação tecnológica na indústria têxtil (1979:52).

Desta forma, o aparecimento das fibras químicas acelerou a simplificação do processo de produção de fios e possibilitou a automatização das operações de tecelagem. Segundo Pereira, “Foram introduzidos controles nas máquinas que permitiram aumentar a velocidade de operação até chegar, em alguns casos, a triplicar ou quadruplicar a produção” (Pereira, 1979:52).

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A indústria têxtil e de confecção nos países avançados atravessaram um processo de reestruturação produtiva e de reconfiguração das relações produtivas e institucionais nas últimas décadas. As novas estratégias competitivas internacionais surgem como respostas às mudanças ocorridas a partir das décadas de 1970/80, considerados tempos turbulentos para estas indústrias. Os principais fatores que contribuíram para alterar o cenário competitivo no setor, intensificando a competição em âmbito mundial, foram: mudanças na demanda com o declínio na taxa de crescimento do consumo de produtos confeccionados nos países avançados, a emergência de novos atores com a entrada dos produtores asiáticos no mercado mundial com seus produtos padronizados e bastante competitivos, a difusão de novas tecnologias, uma busca crescente por produtos diferenciados em função de mudanças no mercado consumidor, além da crise do petróleo (Mytelka, 1991).

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04.02. Tendências Globais

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A intensificação da competição no mercado mundial de têxteis e confeccionados provocou uma busca por novas estratégias empresariais para fazer face ao novo cenário competitivo mundial. As respostas às mudanças no cenário competitivo se deram, tanto no sentido de buscar a redução de custos, por meio da modernização do parque industrial incorporando avanços tecnológicos ou incentivando a busca de inovações em setores industriais relacionados, quanto no sentido de promover uma reorganização do processo produtivo, via subcontratação internacional deslocando as etapas mais intensivas em trabalho para países em desenvolvimento (Mytelka, 1991). Até a década de 1960, o mercado têxtil nos países desenvolvidos era caracterizado por um excesso de demanda em relação à capacidade produtiva, permitindo às empresas se preocupar mais com o aumento da produção do que com o marketing. Já na década de 1970, os mercados dos países desenvolvidos irão se transformar em mercados globais em função do aumento do fluxo de mercadorias16. Provocando uma mudança da estratégia das empresas, fazendo com que estas buscassem conhecer melhor as necessidades do mercado consumidor e também as possibilidades da cadeia produtiva local e global (Garcia, 1994:65). Para Mytelka, as empresas da indústria têxtil-confecção nos países avançados buscaram uma estratégia dupla, onde o deslocamento de etapas produtivas para países em desenvolvimento serviu como um complemento para a rápida mudança tecnológica buscada por estas firmas, visando transformar o ciclo produtivo de forma a reduzir o tempo entre a concepção e o consumo no mercado final (1991:109). Grande mudança na produção têxtil mundial na última metade do século 20 foi a emergência de novos produtores nos países em desenvolvimento, na Ásia especificamente. Segundo dados apresentados em Gorini (2000), Hong Kong, China e Coréia do Sul, consecutivamente, eram os 3 maiores exportadores mundiais de produtos têxteis em 1997, e em sexto lugar, depois da Alemanha e da Itália, vinha Taiwan17. E China, em primeiro, e Hong Kong, em terceiro, estavam entre os maiores exportadores de confeccionados no mercado mundial em 1997. E China, Índia, Taiwan e Coréia do sul, se tornaram os

16. Esse período é marcado por mudanças no comércio mundial de têxteis. Os países do sudeste asiático foram os que mais subiram de posição entre os maiores exportadores, com destaque para Hong Kong, Coréia do sul e Taiwan (ver Gorini, 2000). 17. A autora utiliza como fonte a Organização Mundial do Comércio e a Werner Internacional (Gorini, 2000:23).

18. Há também uma limitação geográfica, Taiwan é uma ilha e a Coréia é uma península. 19. Na medida em que as sociedades ocidentais se desenvolveram, particularmente os países centrais, os custos do trabalho tenderam a se elevar, e as firmas tenderam, com isso, a transferir partes do processo produtivo para áreas onde o custo do trabalho era mais baixo.

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maiores produtores mundiais de têxteis em 1997, consecutivamente, após os Estados Unidos (p.23/26). Esta emergência dos países asiáticos começou já na década de 1970, sobretudo como fruto de uma estratégia de desenvolvimento orientada para a exportação ou para o mercado exterior (Gereffi, 1990). Tal estratégia de desenvolvimento pode ser compreendida a partir da perspectiva de seus próprios mercados, já que, são países que têm um mercado interno muito reduzido, e que perceberam na exploração do mercado externo uma importante via de desenvolvimento18. Também precisa ser destacado que o deslocamento de etapas produtivas dos países avançados via subcontratação internacional privilegiou países em desenvolvimento do leste asiático, inicialmente utilizando as Zonas Processadoras de Exportação. A reação da indústria têxtil-confecção nos países avançados foi basicamente no sentido de buscar uma reestruturação industrial no setor, incorporando os avanços tecnológicos surgidos e adotando novas formas organizacionais e novas estratégias de mercado. Assim, as indústrias têxtil-confecção norte-americana e européia, estrategicamente, passaram a buscar mudanças tecnológicas aperfeiçoando o ciclo produtivo, mudanças organizacionais com a subcontratação internacional e uma estratégia de mercado com um enfoque maior em produtos de maior valor agregado, tais como tecidos e roupas com maior influência da moda. Para Braunbeck (1994) a competição tem se dado através do binômio custo x diferenciação, com uma “divisão internacional do trabalho” onde os países avançados têm se dedicado às etapas da cadeia da mercadoria onde a indústria se tornou mais capital intensiva – fiação e tecelagem – transferindo para países periféricos os elos da cadeia ainda intensivos em mão-de-obra, particularmente a indústria do vestuário especializada em produtos padronizados19. Se nos estágios anteriores da indústria têxtil o objetivo era, simplesmente, a redução dos custos através da produção em grande escala, atualmente, a base da concorrência centra-se na produção diferenciada de produtos de maior qualidade com custos reduzidos. Contudo, a produção das empresas pode variar conforme a estratégia de mercado ou de acordo com o cliente alvo. No caso de a empresa estar voltada para consumidores de maior poder aquisitivo, a produção de têxteis e confeccionados pode ser di-

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recionada para produtos de maior qualidade, diferenciados e exclusivos. Já no caso de enfocar consumidores de menor poder aquisitivo, que constitui um grande mercado particularmente nos países em desenvolvimento, a produção pode estar direcionada para a produção de produtos padronizados. A reação dos tradicionais produtores (Alemanha, Itália, EUA, Inglaterra e França), em face do novo cenário competitivo mundial, conjugou uma busca por maior proteção para suas indústrias, gerando aumento do protecionismo, com o aumento da busca por inovações (de processo e de produto) e com novas estratégias de mercado. Os países avançados passaram a se concentrar na produção de produtos têxteis e confeccionados mais sofisticados que incorporam componentes de moda e design, visando fazer frente aos países em desenvolvimento – particularmente os asiáticos- que se especializaram na produção de produtos padronizados e de baixo valor agregado bem ao gosto popular. Assim, o poder competitivo20 de alguns países periféricos do leste e sudeste asiático forçou norte-americanos e europeus – os tradicionais produtores têxteis - a realizarem mudanças estratégicas em suas indústrias. Para Monteiro & Santos, Observa-se uma clara tendência das grandes empresas ocidentais no sentido de abandonarem a produção de commodities e, mantendo a liderança tecnológica e/ou mercadológica, passarem a organizadoras de cadeias produtivas através da terceirização da produção (2002:115).

Essas mudanças fundamentais indicam um novo padrão de concorrência, baseado não somente no preço do produto, mas por meio do enfoque crescente na melhoria contínua do produto21. A busca pela melhoria contí-

20. Competitividade que não está baseada apenas nos baixos custos da mão-de-obra local, mas que se associa a altos investimentos no parque industrial, apoio governamental, além de um acúmulo de conhecimentos de aprendizagem proporcionado pelas relações estabelecidas no processo de subcontratação internacional. É importante destacar a evolução da indústria têxtil asiática, segundo Monteiro & Santos: “Os países asiáticos, além de estarem com a cadeia têxtil integrada, realizaram grandes investimentos e passaram a dominar determinadas etapas do processo produtivo, de design e mesmo marketing. Suas empresas evoluíram, tornaram-se globalizadas e, além de preços baixos, têm sistemas de financiamento para a comercialização” (2002:115). 21. Segundo Mytelka , o processo de inovação deixa de ser visto de forma tradicional como um processo de mudança radical e passa a ser encarado como um processo de melhoria contínua (2000:141).

nua envolve: uma preocupação crescente com o design e a qualidade do produto; mudanças na organização empresarial e no gerenciamento; criatividade no marketing; incremento no processo produtivo; uso de fibras mais sofisticadas; busca de uma maior diferenciação do produto têxtil e confeccionado, respondendo a um mercado mais diversificado; e com o desenvolvimento de uma produção mais flexível, respondendo mais rápido às demandas voláteis da moda. Cabe destacar um enfoque crescente no cliente22 como alvo prioritário das estratégias das empresas, com a produção sendo cada vez mais “puxada” pelo mercado consumidor. Reunindo os avanços tecnológicos alcançados na indústria têxtil (particularmente nos segmentos de fiação e tecelagem), os países avançados têm articulado uma nova forma de organização da cadeia produtiva têxtil-confecção de forma a deslocar a etapa de montagem da roupa do segmento de confecção – particularmente aquele dedicado a roupas menos sofisticadas23 - para países em desenvolvimento. Já que o segmento de confecção ainda permanece relativamente intensivo em mão-de-obra, tendo obtido avanços tecnológicos significativos na etapa de design e de corte com a introdução do sistema CAD/ CAM (Computer Aided Design- Computer Aided Manufacturing). Como enfatiza Gorini,

22. Clientes diferentes envolvem estratégias diferenciadas. Tanto em termos de nível de renda, quanto de sexo, etnia, grupos sociais urbanos, etc. Mudanças na família e na forma de consumo também devem ser destacadas. Como a mudança do modelo de família onde a mãe era a pessoa que decidia o que comprar para todos os outros membros familiares, para novas formas de consumo onde todos os membros da família decidem o que comprar e onde comprar, particularmente os jovens e adolescentes, sendo desta forma, cada vez mais alvo das campanhas publicitárias. 23. Segundo Gereffi, as companhias orientadas para a moda, que exigem trabalho de alta qualificação ou alto nível de habilidade dos trabalhadores, têm como suas principais áreas de suprimento global a Itália, a França, o Reino Unido, o Japão, ou utilizam os trabalhadores mais caros e qualificados em Taiwan, Hong Kong, Singapura e Coréia do Sul, sendo seus pedidos feitos em pequenos lotes (Gereffi, 1994).

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A indústria têxtil norte-americana e européia passaram a investir pesadamente em novas tecnologias de concepção, processo, vendas e produto, tornando-se cada vez mais capital-intensivas. Desistindo de concorrer nas faixas dominadas pelos artigos de pequeno valor agregado provenientes da Ásia, elas procuraram se especializar em nichos mais lucrativos e de qualidade diferen-

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ciada, abertos pelas novas fibras químicas e pelos novos processos produtivos (2000:20).

Os novos produtos têxteis e confeccionados de maior qualidade e sofisticação – demandados por camadas de maior poder aquisitivo onde há maior influência da moda – se tornaram possíveis tanto pelo acesso a novos insumos, como no caso das novas fibras químicas24, quanto por meio das novas formas de organização do processo produtivo, que articulam os diversos segmentos da cadeia (Gorini, 2000). No que diz respeito à ênfase em produtos de maior valor agregado, Gereffi (1997) afirma que as empresas voltadas para produtos de moda, que tem como firmas representativas Armani, Donna Karan, Pólo-Ralph Lauren, Hugo Boss e Gucci, direcionam suas atividades para produtos de design caro dotados de qualidade superior. Suas atividades requerem alto nível de habilidade dos trabalhadores envolvidos no processo e buscam oferecer produtos modelados especialmente para uma clientela exclusiva. As indústrias têxteis dos países avançados têm buscado também explorar a sua proximidade com os maiores mercados consumidores utilizando avanços tecnológicos importantes para aperfeiçoar o tempo entre o processo de concepção, produção e comercialização dos produtos têxteis e confeccionados. Com uma influência cada vez maior do segmento “moda” sobre a CTC, basicamente em termos de maior diferenciação e sofisticação do produto, uma reorganização do processo produtivo se fez necessário a fim de responder de forma mais rápida e flexível às demandas voláteis da moda25. Em decorrência dessas mudanças, a necessidade de flexibilizar o processo produtivo, de forma a responder mais rapidamente às alterações no mercado consumidor, surge como uma tendência e passa a exigir maior cooperação entre fornecedores e clientes ao longo da cadeia produtiva têxtil-confecção.

24. Uma abordagem mais detalhada das fibras químicas será feita mais adiante, tanto pela sua importância na indústria têxtil mundial, pela sua relação com as inovações no setor, quanto pela sua importância no cluster têxtil de Americana, caso analisado neste trabalho. 25. Demandas voláteis da moda e do consumidor, de forma dinâmica, já que a os estilistas tem cada vez mais buscado se inspirar nas diversas formas de comportamento- dos diversos grupos sociais- para criar suas coleções, assim como as tendências da moda também influenciam os consumidores através de fortes campanhas publicitárias.

Para Fleury et al, A Benetton foi provavelmente a primeira empresa cujo funcionamento ilustrou essa nova dinâmica: entender o que o cliente queria, transmitir rapidamente essa informação para trás, para um sistema produtivo flexível e eficiente, que respondia rapidamente às demandas identificadas (2001:38).

As empresas competitivas deverão adotar estratégias orientadas para o mercado consumidor (“comercialização de objetivo estratégico”). O êxito dos integrantes da cadeia produtiva dependerá da capacidade dos mesmos em atender as necessidades específicas originadas pelas mudanças no gosto dos consumidores (1994:65).

A indústria têxtil-confecção nos países avançados vem sofrendo transformações estruturais que apontam para uma nova forma de organização da cadeia produtiva e para a adoção de novas estratégias empresárias a fim de confrontar a crescente concorrência no mercado mundial. Todas estas trans-

26. A Benetton, uma fabricante de sportwear de preço médio típica, segundo Mytelka, produzia, em sua fábrica ultramoderna, 20% de seus produtos e os restantes 80% eram fornecidos através de 250 subcontratados (1991:124).

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Como “A produção passou a ser puxada ao invés das vendas serem empurradas” (Fleury et al, 2001:38), com o foco nos produtos e nos mercados, “(...) a questão da relação com o consumidor se tornou o ponto crucial na competição pelos mercados têxteis” (idem). A indústria de confecções dos países avançados praticamente redefiniu o produto confeccionado. Com a introdução de estratégias de mercado mais dinâmicas, utilizando o marketing de forma crescente para lançar uma diversidade maior de coleções, tanto em termos de estações do ano quanto novas linhas de produtos, como casual style, streetwear ou sportwear, este segmento buscou aquecer a demanda por confeccionados diversificando sua produção. Desta forma, os países avançados vêm alcançando vantagens competitivas dinâmicas no comércio internacional de confeccionados devido ao seu investimento em fatores como moda, estilo e propaganda, e por meio de novas formas de organização da cadeia com uso da subcontratação internacional26. Segundo Garcia,

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formações constituem um processo de mudança que envolve um conjunto de tendências globais que será apresentado a seguir: 04.02.01 Inovações no Processo de Produção

Constituem as mudanças tecnológicas que permitiram incrementos na produtividade, seguindo a própria evolução da microeletrônica que permitiu a automação de etapas importantes do sistema de máquinas, conseqüentemente, aumentando a produtividade e eliminando etapas do processo produtivo numa busca pelo fluxo contínuo. Particularmente nos segmentos de fiação e tecelagem que se tornaram altamente intensivos em capital. As principais tendências tecnológicas do setor têxtil são: o aumento do processo de automação- principalmente nos segmentos de fiação e tecelagem; a melhoria da qualidade dos produtos através do aperfeiçoamento dos equipamentos e dos processos; e a busca da flexibilidade produtiva e da otimização de todo o ciclo produtivo. As principais inovações por etapas do processo27 foram: Fiação: A difusão do sistema Open End constitui uma importante inovação neste segmento, primeiro, por sua velocidade de operação superior em relação ao filatório convencional, aumentando a produtividade; segundo, pela eliminação das etapas de maçaroqueira e de conicaleira, promovendo uma maior integração deste processo através da busca de sistemas semicontínuos de fiação. Tecelagem: O tear sem lançadeira é a grande inovação por dispensar a espula e a lançadeira. Ele tira o fio da trama diretamente de grandes bobinas, aumentando a velocidade de inserção da trama e garantindo maior produtividade. O tear sem lançadeira transporta o fio da trama por intermédio de novos sistemas, tais como, projétil, pinças rígidas ou flexíveis, jato de ar ou água. Houve também um aperfeiçoamento das máquinas de tecer de malharia para a utilização de fios químicos, e um aperfeiçoamento dos tecidos aglomerados28 (non-woven) que torna contínua as etapas de fiação e tecelagem.

27. Dados baseados em Atem,1989 apud Braunbeck,(1994:18). Uma análise mais detalhada do complexo têxtil e sobre as principais mudanças tecnológicas em cada elo da cadeia será encontrada no Anexo 1. 28. Segundo Pereira, “O processo consiste no agrupamento de uma camada de fibras que permanecem unidas por simples fricção, por meio de costura, ou por combinação de ambos. O non-woven aplica-se a forrações decorativas, tipo carpetes, e a produtos descartáveis” ( 1979:53).

04.02.02 Inovações no produto

As inovações no produto estão relacionadas diretamente às inovações introduzidas ao longo do processo produtivo, cabendo destacar a utilização de novas matérias-primas (fibras químicas), que tem resultado no desenvolvimento de novos produtos (tecidos especiais29). A influência crescente da moda

29. Constituí uma estratégia de expansão de mercado introduzir novos produtos têxteis, por exemplo, produzindo tecidos especiais para a prática esportiva (os mais diversos esportes) Para isto tem havido altos investimentos em pesquisas no segmento produtor de fibras químicas.

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Acabamento: As inovações caminharam no sentido de: poupar água e energia durante o processo; melhor adequação às novas matérias-primas; promover melhorias nas características dos produtos, e também busca de automatização deste segmento. Confecção-Moda: Este segmento conseguiu avanços tecnológicos importantes nas fases de desenho e corte, com a utilização da informática através do sistema CAD/CAM possibilitando maior rapidez e precisão nas operações de corte. Mas muita dificuldade de automatizar a fases de montagem ou costura, porque, mesmo com a introdução de melhorias derivadas da microeletrônica, a concepção básica da máquina de costura é a mesma desde sua invenção. As inovações tecnológicas possibilitaram um aperfeiçoamento dos equipamentos fabris, tanto os convencionais como os novos. Também permitiram um melhor monitoramento e controle das diversas etapas produtivas de forma a possibilitar ganhos de produtividade e respostas mais rápidas e flexíveis. Estas inovações, conjugadas com inovações na matéria-prima, tiveram papel fundamental na estratégia das empresas dos países avançados. Contudo, Mytelka (1991) alerta que, o simples deslocamento de maquinário tecnologicamente superior para os países em desenvolvimento não providenciará automaticamente sua competitividade. O autor chama a atenção para a questão do conhecimento materializado tanto no maquinário quanto no software. Dentro do processo de transformação da indústria têxtil-vestuário em uma indústria de conhecimento intensiva, segundo Mytelka (1991), cada vez mais importante tem se tornado o conhecimento do conjunto das atividades da cadeia da mercadoria, envolvendo desde o design, o marketing, até a produção e a comercialização do produto.

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e do estilo na produção de têxteis e de confeccionados está relacionada com a utilização de novas matérias-primas. Estilistas vêm, cada vez mais, utilizando tecidos artificiais e/ou sintéticos ou tecidos compostos em suas coleções. A utilização de fibras químicas se combina de forma dinâmica com a aceleração do processo produtivo particularmente no segmento de tecelagem. Através da maior utilização das fibras químicas foi possível um aumento da produtividade. As fibras químicas são mais resistentes, sendo assim, adequadas para operações mais velozes, permitidas pelas inovações no processo. O surgimento das novas fibras químicas constitui um marco inovador, seja pelo seu custo reduzido, seja pelas novas técnicas para misturá-las com as fibras naturais, formando os chamados tecidos compostos, que são cada vez mais utilizados. Outra inovação importante foi a “microfibra” que passou a ser produzida a partir da década de 1980 nos países europeus, permitindo ao segmento de tecelagem produzir novos tecidos e acessórios têxteis. As microfibras são fios com diâmetros menores em relação aos fios comuns30. Sendo muito fina e utilizada na forma de multi-filamentos, os tecidos produzidos com estas fibras são mais densos, leves e impermeáveis, se tornando cada vez mais utilizados na produção de roupas de moda. O desenvolvimento de novas fibras, com características diferenciadas, tem possibilitado sua utilização para uma gama de fins especiais, criando novos mercados e impulsionando os tradicionais. Vários setores industriais vêm se tornando consumidores de produtos têxteis, como a indústria automobilística, por exemplo, tornando os produtos têxteis especiais um mercado potencialmente dinâmico. As inovações no produto não se restringem à utilização de novos materiais, mas também à influência crescente do fator moda que acrescenta estilo ao produto. Aliás, estes dois fatores se somam, na medida em que, a indústria do vestuário cada vez mais tem utilizado as inovações no produto para influenciar a demanda, criando novos itens de vestuário ou novas tendências. Possibilitando às indústrias dos países centrais escaparem do concorrido mercado de produtos de pouco valor agregado dotados de pouca sofisticação. A influência crescente da moda está relacionada, tanto a uma

30. O diâmetro de uma microfibra corresponde a 10 microns, já a fibra natural mais fina possui 12 microns de diâmetro.

maior diversificação dos produtos, atendendo a um mercado cada vez mais segmentado, quanto ao processo de deslocamento de etapas produtivas, que tende a valorizar a produção de confeccionado em locais próximos aos grandes centros consumidores, alvo em potencial dos produtos de maior valor agregado (ECCIB, 2002:6). As inovações no processo ou no produto são peças fundamentais, tanto para a implantação de processos produtivos mais flexíveis, possibilitando uma resposta rápida às mudanças no mercado consumidor, quanto para a produção de têxteis e de confeccionados cada vez mais diferenciados. 04.02.03 Inovações Organizacionais

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Durante a década de 1980 novas formas de gestão foram introduzidas no setor têxtil-confecção. O desenvolvimento de novas formas de gestão pode ser atribuído à introdução das novas tecnologias em processo, com a incorporação de importantes avanços ocorridos na microeletrônica, na informática e nas comunicações, permitindo um fluxo ótimo de informações ao longo da cadeia produtiva. As inovações organizacionais envolvem estratégias competitivas adotadas como forma de ganhar vantagens em relação aos seus concorrentes. A localização da planta fabril é um fator importante na definição das estratégias de produção, em razão de seu impacto sobre os custos. No que se refere à organização da produção, a estratégia tem se centrado na busca do maior grau possível de globalização e de flexibilidade (Garcia, 1994:30/31). As novas formas de gestão cada vez mais dependem de sistemas flexíveis, rápidos e eficientes no atendimento de mercados crescentemente sensíveis às mudanças no gosto do consumidor final. A partir dos anos 70 verificou-se uma tendência de re-localização da produção mundial de têxteis e de confeccionados dos países industrializados para os emergentes centros de produção. Esta estratégia, adotada pelas empresas dos países produtores centrais, significou a transferência de etapas da produção ou mesmo de plantas fabris, buscando locais onde haja um custo menor do trabalho, melhor acesso a matériasprimas de custo reduzido e/ou de boa qualidade, e que também estejam próximos dos grandes mercados consumidores. A definição da localização, portanto, está relacionada com a definição do que vai ser produzido e do mercado visado.

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Esta tendência é mais intensa no segmento de confecção31, por este segmento ainda permanecer relativamente intensivo em mão-de-obra e por ser menos exigente em termos de escala de produção. Mas também ocorre, em menor intensidade, nos segmentos de fiação e tecelagem (ECCIB, 2002:7). No caso dos países avançados, houve uma concentração nas atividades de maior valor agregado, como marketing, design e desenvolvimento de produtos (atividades cruciais), com o deslocamento da atividade de montagem para paises em desenvolvimento. Houve também um deslocamento de novos investimentos para países asiáticos, além de Brasil e México, da produção mundial de fibras químicas, segmento intensivo em capital. As economias em desenvolvimento, em 1995, detinham 53,3% da capacidade total instalada da produção mundial de fibras químicas (BNDES, 1995:14). A migração da produção têxtil internacional, com a busca de vantagens comparativas em termos de custo dos produtos, levou ao deslocamento de etapas produtivas para os países de baixos salários em um momento inicial do acirramento da concorrência internacional. Segundo Dias: Os primeiros movimentos de re-localização de empresas iniciaram-se na metade dos anos 60, com empresas de vestuário dos países industrializados, resultando na transferência de atividades (conhecidas como outward processing) para países recém-industrializados, como Coréia, China, Índia, entre outros, que possuíam mãode-obra de baixo custo, pouco qualificada e em abundância (1999:19).

Neste primeiro estágio as atividades principais (core business) permaneceram concentradas nos países avançados, tais como, o design, a produção de tecidos, já intensiva em capital, e o monitoramento dos mercados. Foram transferidas as atividades consideradas secundárias, particularmente a montagem de roupas ou a produção de tecidos para forros e enchimentos (Dias, 1999:19).

31. Segundo dados da Nota Técnica Final do ECCIB, “O caráter migratório da indústria de confecções advém da relevância do pagamento de salários mais baixos para sua competitividade, treinamento relativamente simples requerido pela sua força de trabalho e poucos requisitos de infraestrutura para sua instalação” (ECCIB,2002:7).

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A partir da década de 1970, ocorre uma segunda onda de re-localização, quando as vantagens comparativas dos países beneficiados com os movimentos da “primeira onda de re-localização” foram eliminados. Outros países (Singapura, Indonésia, Taiwan, Hong Kong, Malásia, Tailândia) se tornaram mais atrativos para as empresas dos paises industrializados que buscavam redução dos custos de produção (Dias, 1999:19). As novas estratégias de flexibilização foram uma resposta da indústria têxtil nos países avançados diante de um cenário adverso. Estas novas estratégias foram possíveis a partir de avanços da microeletrônica e seu impacto no processo produtivo. O aumento de velocidade das operações, assim como o melhor fluxo de informações na rede, colaborou na reorganização da cadeia com o deslocamento de etapas para países em desenvolvimento. Estas novas estratégias combinam a busca por produtos de alta qualidade e a produção em pequenos lotes. Particularmente no mercado de produtos de maior valor agregado, foco principal dos países avançados nas últimas décadas. A flexibilidade do processo é fundamental por permitir uma resposta rápida ao mercado de produtos têxteis e de confeccionados orientados para a moda, um mercado cada vez mais segmentado. No segmento de confecção o processo de deslocamento da produção para países em desenvolvimento apresenta as seguintes formas: subcontratação de firmas nos países em desenvolvimento para que produzam determinados lotes; deslocamento apenas da fase da costura (montagem e acabamento) para os países em desenvolvimento, particularmente produtos padronizados, ficando as demais etapas nos países desenvolvidos (ECIB, 1993:1). A introdução e a difusão desse conjunto de inovações – no processo, no produto e na forma de organização – têm provocado uma série de impactos econômicos para o setor. Um dos principais impactos da introdução e da difusão das inovações no setor foi a “elevação da produtividade física dos equipamentos com a conseqüente redução da necessidade do trabalho” (Garcia, 1994:33). No caso dos segmentos de fiação e tecelagem de algodão, dados indicam uma “queda constante na quantidade de trabalho necessária ao longo do tempo” (idem, 1994:33). Houve tanto uma queda na quantidade de trabalho necessário quanto na qualidade da força de trabalho, exigindo-se trabalhadores com conhecimentos mais polivalentes ao invés de trabalhadores com conhecimentos específicos. Outro impacto importante foi a transformação da indústria têxtil, crescentemente intensiva em capital, em função tanto do aumento de produtividade quanto dos custos dos novos

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equipamentos. Mesmo considerando a diversidade de tecnologias disponíveis, Garcia (1994) argumenta que “a indústria têxtil atingiu a média de intensidade de capital da indústria em geral” (p.35). Em termos de inovações no produto, particularmente com a introdução das novas fibras, o principal impacto foi a “abertura de novos mercados e a ampliação dos antigos”. Para este autor, fato importante a destacar foi que “a indústria do vestuário deixou de ser consumidora de mais da metade da produção da indústria têxtil já na primeira metade dos anos 1980” (p. 38). Já os impactos das inovações organizacionais irão refletir sobre os custos empresariais, tanto por meio da redução dos custos com a manutenção de estoques quanto através da redução do período de produção (idem, p. 39). Como a cadeia produtiva têxtil-confecção tem um tempo relativamente longo (66 semanas32) entre o beneficiamento da fibra (natural) ou sua produção (fibra sintética) até a colocação do artigo confeccionado ou da roupa pronta disponível para o consumidor, a “estratégia de cooperação” entre as empresas da cadeia se torna um fator primordial. Sem a “estratégia de cooperação” a tendência seria formar estoques intermediários, já que, dentro de um ambiente de constante mudança da demanda, teria que se formular vários pedidos ao longo de cada estação. Garcia (1994) calcula que o sistema quick response poderia reduzir o tempo de produção da cadeia produtiva entre 1/3 e 2/3 em relação ao tempo despendido normalmente (p. 40). 04.02.04 Os Encadeamentos Estratégicos Globais

As novas formas de organização da produção na CTC têm cada vez mais ganhado uma forma global na medida em que as empresas líderes têm concentrado suas atividades no core business (design, marketing e gerenciamento da marca, principalmente) e utilizado a subcontratação internacional transferindo etapas mais intensivas em trabalho para países em desenvolvimento. Com etapas como o design e o marketing podendo ser executados na Cidade de Nova Iorque, os tecidos sendo manufaturados na Carolina do Norte (EUA), a roupa sendo confeccionada no México ou no Leste Asiático,

32. Segundo Garcia, “Do total de 66 semanas, 11 (16,7%) correspondem ao tempo dispendido ao longo do processo produtivo e 55 semanas (83,3%) correspondem ao tempo em que as mercadorias permanecem em estoque ao longo da cadeia produtiva” (1994:40).

para ser consumida em uma grande metrópole. As novas formas de organização da cadeia têm se dado através do deslocamento de etapas produtivas para regiões que integram grandes blocos econômicos. No processo de reorganização da cadeia e de re-localização de etapas do processo produtivo, a indústria têxtil e de confecção dos países avançados têm buscado combinar o deslocamento de etapas produtivas mais intensivas em mão-de-obra para países em desenvolvimento que integram blocos comerciais, onde há diversos tipos de vantagens competitivas, e que estejam, sobretudo, próximos de seus mercados consumidores potenciais. Para Gonçalves: A revitalização dos esquemas de integração regional surge como uma estratégia de proteção com relação ao processo de globalização e, principalmente, ao acirramento da concorrência em escala mundial (2003:103).

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Com o gradual processo de liberalização comercial, resultado de acordos multilaterais firmados entre países membros de órgãos reguladores (GATT/ OMC), o comércio mundial de produtos têxteis e confeccionados vem se modificando, assim como sua produção vem se deslocando geograficamente, tanto dentro de blocos econômicos regionais, quanto através da formação de redes de empresas. As mudanças no comércio mundial de têxteis refletem, contudo, as profundas mudanças que o setor sofreu nas últimas décadas. A indústria têxtil e de confecção têm sido uma forma de acesso importante ao mercado internacional para os países em desenvolvimento. Os países asiáticos, particularmente, se inseriram no mercado mundial a partir de uma estratégia manufatureira orientada para as exportações. Até que, posteriormente, passaram a dominar etapas importantes da cadeia, tais como design e marketing, acumulando conhecimento suficiente para ter uma coordenação eficiente da cadeia. Com isso, as empresas destes países evoluíram em suas estratégias competitivas tornando-se empresas globais (Fleury et al, 2001:39). Algumas experiências isoladas sugerem que a globalização permite a adoção de novas opções estratégicas para os produtores dos países recém-industrializados fazerem alianças com produtores ou vendedores/importadores dos países industrializados (grandes redes de lojas ou empresas que detêm a marca do produto). Em alguns casos, estas alianças são mais benéficas para os produtores individualmente nos países recém-industrializados do que os acordos de subcontratação feitos através de agentes e contratantes locais, como médias e grandes empresas que repassam parte da produção, ou

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comerciantes locais que encomendam produtos pré-determinados aos produtores (ILO, 1996 apud Dias, 1999:18). Vamos abordar com mais detalhes os encadeamentos estratégicos na indústria têxtil-confecção em algumas regiões comerciais importantes para o melhor entendimento da reorganização da CTC numa perspectiva global: primeiro, o Leste Asiático e, segundo, a América do Norte e a região da Bacia do Caribe. Leste asiático Os primeiros encadeamentos estratégicos globais na CTC se deram entre empresas líderes dos paises avançados e empresas asiáticas. As empresas dos países do leste asiático são, em geral, consideradas arquétipos da evolução competitiva na indústria têxtil mundial. Esses países foram capazes de realizar uma transição rápida de um estágio inicial de “pura montagem” (Modelo OEM- Original Equipment Manufacturer), utilizando as Zonas Processadoras de Exportação (ZPEs) próximas aos grandes portos, para se tornarem competidores globais a partir da criação de competências próprias. Segundo Fleury et al, “Os quatro tigres asiáticos: Taiwan, Coréia do Sul, Hong Kong e Singapura evoluíram a partir de um modelo organizacional que foi denominado OEM” (Original Equipment Manufacturer, termo primeiramente utilizado pela indústria automobilística)” (2001:46). No modelo “OEM” as empresas começam suas atividades como fornecedores numa cadeia produtiva, dentro das seguintes condições: a empresa fornece de acordo com as especificações estabelecidas pelos compradores; o produto é vendido com a marca do comprador; comprador e fornecedor são empresas independentes; o fornecedor não tem controle sobre a distribuição (Fleury et al, 2001: 46). Apesar de as condições do modelo OEM parecerem restritivas para as empresas dos países em desenvolvimento, se elas adotam uma postura de aprendizagem e conseguem aproveitar os espaços que a própria dinâmica das cadeias oferecem, algum progresso é viável, permitindo às empresas avançar além da chamada “via baixa” para a competitividade exportadora (Gereffi, 1997). Entre as vantagens que as empresas conseguem obter, podemos citar a possibilidade de aprender sobre as preferências dos consumidores estrangeiros e sobre os critérios de estabelecimento dos padrões internacionais. Daí surge a necessidade de se capacitar para coordenar as complexas redes de produção, comércio e finanças (Fleury et al, 2001:47).

Algumas empresas asiáticas, inicialmente fornecedoras, dentro do modelo OEM, das grandes marcas mundiais, conseguiram evoluir para modelos mais avançados. A partir de um forte processo de aprendizagem, essas empresas passaram do “OEM” para a “ODM” (Original Design Manufacturer) assumindo as atividades de design e, outras, conseguiram avançar ainda mais se tornando “OBM” (Own Brand Manufacturers) com marcas próprias atuando internacionalmente. Na transição do modelo OEM para OBM, as empresas de vestuário de Hong Kong têm sido as de maior sucesso. Foram empresas que buscaram a melhoria da qualidade de seus produtos, aproveitando a demanda por produtos diversificados com componentes de moda, desenvolvendo progressivamente um setor têxtil com características de independência, tanto em design quanto em atividades comerciais (Fleury et al, 2001:47). Segundo Fleury et al, “Para as empresas asiáticas, esta transição envolveu um extensivo processo de aprendizagem organizacional que se deu na própria estrutura da cadeia produtiva” (2001:47). Outro aspecto salientado por Fleury é a preocupação dos países asiáticos com o desenvolvimento de máquinas e equipamentos, que hoje já atingiu um padrão internacional.

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América do Norte e Bacia do Caribe Os novos encadeamentos estratégicos na cadeia têxtil-vestuário da América do Norte, sob o Nafta, têm suscitado uma série de controvérsias entre Estados Unidos e México relacionadas aos ganhos e oportunidades suscitadas sob o acordo. Da parte dos políticos e dos representantes de trabalhadores norte-americanos, afirma-se que “o México esteja utilizando o Nafta para tirar postos de trabalho da economia norte-americana” (Gereffi,1997:102). Já do lado Mexicano, “há acusações de que as empresas norte-americanas estão explorando os trabalhadores mexicanos com salários que representam apenas um sexto do que normalmente é pago nas tecelagens e confecções dos Estados Unidos” (idem, 1997:102). Há diferenças e complementaridades entre as cadeias têxtil-vestuário norte-americana e mexicana. Analisada dentro da perspectiva da cadeia da mercadoria, que envolve encadeamentos estratégicos entre seus diversos nós (desde os fornecedores de matéria-prima, produtores de fios, de tecidos, de confeccionados, considerando até os estilistas e os distribuidores e varejistas de roupas), Gereffi (1997) afirma que:

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Esta perspectiva da cadeia (commodity chain) é particularmente crítica no contexto norte-americano porque os Estados Unidos e o México possuem pontos fortes e fracos bem diferentes, o que intensifica a possibilidade de formas complementares de integração regional (p. 104).

Fleury et al (2001) destacam que “O elo mais fraco na cadeia de produção mexicana tem sido o segmento de tecelagem” (p. 48). Já os Estados Unidos, segundo Fleury et al (2001), são fortes na produção de fibras químicas, tecelagem e varejo, mas limitados quanto à produção de vestuário. Desta forma, a cadeia têxtil mexicana parece ser mais forte exatamente onde a cadeia americana é relativamente mais fraca. Para Fleury et al (2001), “O elo de produção na América Latina está centrado no México e no Caribe por causa dos baixos salários na região e da proximidade dos mercados americanos, para onde vão mais de 90% das suas exportações” (p. 48). Desta forma, Fleury et al (2001), também admitem que, no caso do México e do Caribe, o desenvolvimento da indústria têxtilconfecção combina complementaridade e dependência (p.48). Segundo Gereffi (1997), tanto o México quanto os EUA têm suas formas distintas de dualismo econômico. No México, a parte dinâmica do setor do vestuário é constituída por fábricas maquiladoras voltadas para exportação. As maquiladoras cresceram cerca de 10% ao ano no final da década de 1980 e ainda mais rapidamente no início dos anos 90. Embora as maquiladoras existissem desde 1965, antes do Nafta, elas cresceram rapidamente desde que o acordo foi implementado. Já a parte do setor do vestuário do México, que não engloba as maquiladoras, é constituída de muitas empresas pequenas, que fabricam roupas baratas e de baixa qualidade destinadas ao mercado doméstico. A cadeia do vestuário norte-americana é formada, por um lado, por empresas produtoras de grandes volumes de roupas padronizadas ou básicas, que tendem a ter grandes fábricas verticalmente integradas e tem conseguido manter uma base de produção nacional. Por outro lado, no segmento do vestuário norte-americano voltado para a moda, há predomínio de importações. Segundo Gereffi (1997), são os varejistas norte-americanos e os estilistas populares os grandes importadores de roupas femininas e masculinas vindas da Ásia (p.106). O setor de maquiladoras foi estabelecido no México desde 1965, sendo formado de fábricas-montadoras que utilizam principalmente insumos

33. Segundo Gorini, “Dentro do Nafta, por exemplo, os Estados Unidos exportam tecidos pré-cortados e outras matérias-primas para o México, que fica responsável pela confecção e re-exportação para o mercado norte-americano, em condições de acesso privilegiadas. Não obstante, as matérias primas utilizadas devem ser obrigatoriamente provenientes do Nafta” (2000:20). 34. Pela Política dos EUA (Previsão de Tarifas HTS 9802.0080- antiga Cláusula 807): Somente os componentes americanos (insumos comprados nos EUA) estão isentos de impostos quando o produto acabado retorna para os Estados Unidos. Segundo Fleury et al, “Isto constitui o maior empecilho para aumentar a integração entre as atividades nas zonas de processamento industrial e a economia local, e também limita a utilização do elo de produção como um degrau para estágios mais altos de industrialização” (2001:48, baseado em dados de Gary Gereffi, “Prospects for Industrial Upgrading by Developing Countries in the Global Apparel Commodity Chain”). As cláusulas do Nafta, com suas regras sobre a origem das mercadorias, introduziram uma lógica de integração regional (subordinadas aos interesses das grandes empresas norte-americanas) que restringe as importações de tecidos asiáticos (Gereffi,1997:115).

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importados dos EUA para produzir mercadorias (confeccionados) voltadas à exportação (ou reexportação) para o mercado norte-americano, com apenas uma taxa mínima paga sobre o valor adicionado no México. Até a década de 1980 as fábricas maquiladoras mexicanas dedicavam-se às operações de montagem de baixo valor agregado, sem nenhum encadeamento para trás com os produtores nacionais de têxteis, nem encadeamentos à frente com as lojas varejistas do México (Gereffi, 1997:114; Bair & Gereffi, 2001:1890). No que se refere às matérias-primas do setor de maquiladoras, estas devem ser obrigatoriamente provenientes do Nafta. Pelas leis norte-americanas, os insumos locais (do próprio México) não podem ultrapassar um mínimo de cerca de 2-4% dos custos de produção no México33. Somente os insumos produzidos nos Estados Unidos estão isentos dos encargos tarifários quando as peças do vestuário, produzidas no México, retornam aos Estados Unidos. Desta forma, numa perspectiva da cadeia, particularmente os encadeamentos para trás com os fornecedores de tecidos ou para frente com os clientes, Gereffi (1997) argumenta que “o tradicional setor de maquiladoras de vestuário não é considerado uma contribuição significativa para o desenvolvimento industrial do México por meio de encadeamentos à jusante ou à montante”34 (p.102). O crescimento do setor de maquiladoras no México se insere em uma estratégia de desenvolvimento conduzida pelas exportações e por políticas neoliberais constituindo um novo modelo econômico na década de 1980. Desde a implementação do Nafta em 1994, houve um crescimento surpre-

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endente das exportações e do setor de maquiladoras. Contudo, a mudança para uma estratégia orientada para as exportações, segundo Bair & Gereffi (2001) gerou uma distribuição desigual de salários e queda nos salários reais. Apesar de ter gerado um número significativo de empregos e ser uma fonte valiosa de receita para o México, as principais críticas ao setor de maquiladoras enfatizam que há, simplesmente, uma utilização do trabalho barato nos países em desenvolvimento para munir as operações de montagem de baixo valor agregado, e que, por causa dos insumos importados, não há estimulo a outros setores da economia, assim como falta integração ao longo da cadeia35 (idem). Gereffi busca compreender o comércio entre os Estados Unidos e o México dentro do contexto mais amplo da dinâmica competitiva global. Apesar do crescimento da participação do México no mercado de vestuário norte-americano, esta participação (de 2% em 1987 pulou para 10% em 1996) ainda representa pouco em relação às importações norte-americanas vindas da Ásia (Nordeste Asiático, sudeste Asiático e sul da Ásia somaram 54% das importações em 1996), assim como em relação às importações vindas da América Central e Caribe (17% em 1996) (Gereffi, 1997:103). Os países da Bacia do Caribe, sob o “Caribbean Basin Economic Recovery Act36 (CBERA)”, também têm vantagens de acesso ao mercado norteamericano. Nesta área há grande presença de confecções especializadas no fornecimento para o mercado norte-americano. As Zonas de Processamento de Exportações (ZPEs) do Caribe desenvolveram nichos de exportação altamente especializados, como o de roupa íntima (Gorini, 2000:20). O principal país da Bacia do Caribe exportador de artigos de vestuário foi a República Dominicana, que chegou a apresentar nível de exportação mais alto do que o México no início da década de 1990 (antes do México assumir a liderança em 1994). Outros países da Bacia do Caribe também importantes exportadores de vestuário, no ano de 1996, são: Honduras, Guatemala, El Salvador, Costa Rica e Jamaica (Gereffi, 1997:112).

35. Os principais críticos do Nafta afirmam que o acordo comercial e o modelo de crescimento que ele representa estaria levando o México a uma “maquilization” (Bair&Gereffi,2001). 36. Segundo Gereffi, primeiro foi criado o Caribean Basin Initiative (CBI) em 1984, permitindo a isenção de impostos para as exportações dos países da América Central aos Estados Unidos, embora este acordo excluísse, inicialmente, têxteis e vestuário (1997:108).

Mesmo analisando as relações complexas – envolvendo dependência e complementaridade - Gereffi não perde de vista as tendências econômicas que surgem na dinâmica global-regional, afirmando que: O que está surgindo claramente como forma econômica predominante no complexo têxtil e de vestuário dos Estados e do México são redes de empresas que interligam diferentes tipos de firmas em agrupamentos ou nós industriais e atravessam as fronteiras do país e do setor (1997:104).

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Gereffi (1997) afirma que “o setor têxtil e de vestuário crescerá rapidamente na América do Norte em um futuro previsível” (p.105). Gereffi percebe esta mudança a partir da transferência do fornecimento de vestuário da Ásia para o hemisfério ocidental devido a diversos fatores. No ano de 1991, o México foi o sétimo maior exportador de confeccionados para os EUA, mas já no término da década, México derrubou a China ganhando o primeiro lugar. O valor das exportações de roupas mexicanas aumentou, de $1,2 bilhão em 1990 para $8,8 bilhões em 1999, fazendo do México um competidor de nível mundial entre os exportadores na cadeia têxtil-vestuário (Bair & Gereffi, 2001:1889). Bair & Gereffi (2001) argumentam que há também um processo de mudança entre as redes de maquiladoras pré-Nafta e as redes de pacote completo pós-Nafta. Estas transformações indicam uma mudança de qualidade no setor do vestuário mexicano indo de fábricas de montagem de baixo valor agregado (simples montagem e empacotamento) para fábricas capazes de operações manufatureiras mais sofisticadas (com a introdução de programas que envolvem tanto o corte como a produção têxtil de maior valor agregado). A mudança das tradicionais redes de maquiladoras para as redes do pacote completo teve um impulso significativo do Nafta. Após o acordo, os varejistas e comerciantes se tornaram ávidos por transferir seus negócios para o México e Bacia do Caribe; porque, as regras do Nafta concediam às roupas produzidas sob o modelo do pacote completo o mesmo acesso preferencial para o mercado americano que tinha as roupas exportadas sob o regime maquila (antiga cláusula 807), desde que fossem utilizado insumos têxteis norte-americanos. Apesar desta tendência de mudança para o modelo do pacote completo, dois fatores ainda impedem o pleno desenvolvimento industrial mexicano. Primeiro, a utilização de insumos locais continua restrita com as cláu-

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sulas do Nafta. O que provoca a falta de encadeamentos estratégicos para frente e para trás na economia local. Segundo, apesar de alguns nós da cadeia da mercadoria terem sido transferidos para o México com o modelo do pacote completo, como o corte e a lavagem, além da montagem (costura), etapas cruciais da cadeia permanecem predominantemente nos EUA. As etapas cruciais que representam competências centrais são: o design, o desenvolvimento do produto, o marketing e o varejo. Estas etapas constituem as atividades de mais alto valor agregado na cadeia da mercadoria e cruciais para o controle e a organização da cadeia completa (Bair & Gereffi,2001). 04.03 Formação de Redes de Empresas

Tanto o modelo de produção enxuta, associado com a Toyota (ou modelo japonês), quanto o modelo dos distritos industriais, associado à região de Emilia Romana na Itália (ou modelo italiano), têm um enfoque particular sobre as redes interfirmas. Com a produção enxuta enfatizando uma reorganização vertical do relacionamento interfirmas (em geral firmas grandes subcontratando firmas pequenas) por toda a cadeia do suprimento, e com o modelo dos distritos industriais enfocando a importância das redes horizontais interfirmas (em geral entre firmas pequenas) localizadas dentro de clusters de firmas (Bair & Gereffi,2001:1887). Uma discussão mais detalhada sobre distritos industriais (ou industrial cluster) antecederá a análise do caso do cluster têxtil de Americana, na última parte deste trabalho. O importante a destacar neste momento é o reconhecimento, a partir da literatura sobre distritos industriais, dos ganhos de competitividade surgindo das redes de firmas. Apesar de ser destacado na literatura que clusters de firmas nos países em desenvolvimento divergem em partes importantes do modelo italiano. Também é importante destacar que a ênfase nas relações interfirmas surge a partir da necessidade de compreender formas novas e complexas de divisão do trabalho emergindo com as mudanças no mundo econômico. A abordagem da cadeia da mercadoria aparece como uma ferramenta útil na medida em que muitas vezes as redes interfirmas ultrapassam as fronteiras nacionais e dos próprios clusters de firmas. O debate sobre a reorganização da CTC, com suas novas estratégias empresariais e o deslocamento de etapas da produção têxtil dos países avançados para os países em desenvolvimento, envolve a formação de redes de empresas. No processo de formação de redes de empresas, o conhecimento

A constituição desse fluxo de informações e de mercadoria depende estritamente da cooperação entre fornecedores e clientes ao longo da cadeia produtiva. Entretanto, a “divisão do trabalho” do setor têxtil faz com que as empresas tendam a buscar vantagens competitivas de curto prazo, caracterizando um ambiente mais de rivalidade que de cooperação (p. 32).

37. Fleury (1995) constrói um modelo de trajetória das estratégias competitivas das firmas, destacando as seguintes fases nesta evolução: preço, qualidade, tempo, diversidade e exclusividade (p.76/77). No caso do complexo têxtil, a manutenção nos países avançados de fases como design e desenvolvimento de produtos está relacionado à importância crescente da moda e do estilo na diversificação dos produtos e no enfoque em clientes de alto poder aquisitivo, onde o diferencial é a exclusividade do produto.

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global do setor permite às empresas situar-se em uma posição estratégica onde as margens de lucros são maiores, mantendo ou retendo etapas cruciais para o controle e o gerenciamento da cadeia e, no caso da indústria têxtilconfecção, para a diferenciação de seus produtos (em termos de estilo e de moda)37. As redes de empresas interligando diferentes tipos de firmas têm se constituído em uma forma econômica predominante no complexo têxtil (Gereffi, 1997:104) e uma estratégia chave para a competitividade do setor. Atualmente, a competitividade do setor têxtil-confecção não depende da eficiência da empresa isolada, mas envolve o estabelecimento de uma “coordenação entre as empresas envolvidas em todas as etapas da cadeia produtiva” (Garcia, 1994:32). Desta forma, a formação de uma rede de empresas na CTC, deslocando etapas do processo produtivo e ao mesmo tempo buscando proximidade com os grandes mercados consumidores, depende de uma coordenação eficiente da cadeia de forma a responder, com rapidez e flexibilidade, à demanda cada vez mais diversificada e volátil. Para Garcia (1994), “Essa coordenação exige o domínio das modernas técnicas de comunicação e transmissão de dados e sua eficiência depende da difusão das novas técnicas de processo e técnicas organizacionais” (p. 32). O sistema de informações busca minimizar o tempo entre a produção, em todo o ciclo produtivo, e a venda ao consumidor final, colocando à disposição das empresas envolvidas dados da mercadoria que esta sendo demandada: o tipo de tecido, o estilo, as cores, o tamanho, etc. Os dados são imediatamente transmitidos para os segmentos backward da cadeia para que respondam de forma adequada. Contudo, Garcia (1994) alerta que:

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Tendência importante destacada em Nota Técnica do ECCIB é a crescente difusão do Supply Chain Management (Gestão da Cadeia de Fornecimento). A difusão desta técnica tem possibilitado maior troca de informação entre os agentes, alterado as formas de distribuição dos produtos e implantado novos sistemas de gestão integrada. Segundo esta Nota Técnica, como conseqüência da difusão do supply chain management, “os determinantes da competitividade, agora, podem ser encontrados nas formas de relacionamento entre empresas, ao longo das cadeias, e não ao nível das empresas consideradas individualmente” (ECCIB, 2002:6). A Nota Técnica enfatiza que um dos determinantes da competitividade passa a ser a “cooperação na cadeia”, na medida em que “os setores de varejo, confecções e têxteis são crescentemente ligados como um canal (...). Então, o canal, em vez da firma, se torna a base para a competição” (ECCIB, 2002:6). Outro fator chave na gestão da cadeia de fornecimento “é a habilidade de introduzir elos de informação sofisticados, capacidades de previsão e sistemas de administração” (ECCIB, 2002:6). A Nota Técnica conclui que, devido à crescente importância das atividades na ponta da cadeia e à importância da gestão da cadeia do fornecimento, “a integração da cadeia se torna um objetivo central das empresas” (ECCIB, 2002:6). Assim, a integração de empresas - dedicadas a etapas distintas do processo produtivo têxtil - surgiu como algo fundamental para a concretização de um novo padrão de concorrência. O setor têxtil tem formado redes de empresas que articulam ateliês de design, fornecedores de fibras e outros insumos, tecelagens, confecções e grandes varejistas, onde a logística de toda a cadeia foi otimizada pelos avanços da informática, tais como o Electronic Data Interchange (EDI) e Efficient Consumer Response (ECR). Esses avanços tecnológicos possibilitaram uma maior flexibilidade à cadeia da mercadoria dos países avançados, contornando, de certa forma, o avanço dos produtos têxteis asiáticos. A competitividade do setor têxtil-confecção depende, de forma crescente, de uma coordenação interfirmas eficiente, para que o fluxo de informação e de mercadoria, ao longo da cadeia, seja otimizado. A cooperação interfirmas e a gestão integrada da cadeia surgem também como uma forma de desenvolver eficazmente novos produtos (Kilduff, 2001). Em suma, as redes de empresas surgem como uma forma dominante no complexo têxtil e como um elemento chave para a competitividade do setor. Contudo, a constatação desta tendência nas relações industriais, em particular no complexo têxtil, leva ao debate sobre quem controla a cadeia,

enfim, sobre quem são os agentes organizadores da cadeia da mercadoria e como o controle é feito. No caso particular da cadeia têxtil-vestuário entre EUA e México sob o Nafta, Bair & Gereffi (2001) mostram que a típica rede de montagem do setor de maquiladoras é dominada pelos grandes fabricantes têxteis norte-americanos, enquanto a rede do modelo do pacote completo é dominada pelo comprador ou por grandes varejistas, comerciantes e proprietários de grandes marcas norte-americanas, que anterior ao Nafta, contratavam fabricantes principalmente em países asiáticos, tais como Hong Kong, Coréia do Sul e Taiwan. O controle da cadeia da mercadoria envolve diversos aspectos, tais como: o conhecimento profundo do produto que esta sendo produzido, tornando o conhecimento do produto particular e do funcionamento da cadeia um capital; a capacidade de administrar a cadeia tornada cada vez mais flexível, otimizando o intercâmbio de informações e de produtos ao longo da cadeia produtiva; a administração do conflito de interesses entre os diversos nós, enquanto etapas produtivas, mas, particularmente, enquanto agentes econômicos formalmente independentes. Para Fleury et al (2001):

Fleury et al (2001: 49/50) apresenta os novos modelos de atuação da indústria têxtil-confecção dos países em desenvolvimento em relação ao sistema de subcontratação internacional. Estes modelos constituem formas de organização da cadeia e envolvem tipos particulares de empresas prestadoras de serviços em uma posição de subordinação nas cadeias: - Fornecedor de Pacote Completo (OEM): recebem especificações sobre o produto, desenvolvem especificações sobre o processo de produção, gerenciam compras e logística, entregam produto acabado com a marca do cliente; - Fornecedor do Pacote Completo com design próprio (ODM): além de operarem como fornecedores de pacotes completos: tem atividades de design; - Fornecedor do Pacote Completo com marca própria (OBM): além de operarem como fornecedores de pacotes completos: tem atividades de design

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(...) cada cadeia produtiva na indústria têxtil-confecção tem uma estrutura de governance – uma empresa ou um conjunto de empresas – que, por dominar posições estratégicas principalmente em relação ao mercado, estabelece como deverão se comportar as demais empresas participantes da cadeia e que resultados poderão almejar (p. 39).

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e criam marcas próprias, desenvolvem especificações de produtos, produzem ou terceirizam a produção, decidem sobre o processo de comercialização; - Faccionista (ou maquiladora se estiver numa Zona de Processamento de Exportação): recebem especificações sobre produtos e processos produtivos, recebem insumos e componentes semi-acabados, realizam atividades simples de montagem, retornam o produto ao cliente para outras operações; - Fornecedores especializados: empresas que se mantiveram especializadas em determinado produto da indústria, focalizando ainda mais o seu campo de atividade. Os novos modelos de atuação dos países em desenvolvimento, apresentados por Fleury et al (2001) enquanto formas subordinadas na cadeia da mercadoria têxtil-confecção, constituem partes importantes de estratégias de desenvolvimento orientadas para a exportação colocadas num novo contexto de abertura de mercado, em geral, após um longo período de política de substituição de importações e de protecionismo. Apesar de algumas empresas terem conseguido evoluir de simples maquiladoras para fornecedoras do pacote completo, ou até mesmo, como no caso do Leste Asiático, onde algumas empresas acumularam conhecimento e capital financeiro suficiente para se tornarem fabricantes com marcas próprias, dominando etapas cruciais da cadeia da mercadoria, a estratégia de desenvolvimento orientada para exportação baseada na simples montagem ou mesmo no fornecimento do pacote completo constitui uma “via baixa” para a competitividade. Os limites que este caminho impõe estão: na falta de encadeamento estratégico entre as empresas do cluster ou da zona processadora de exportação e demais agentes econômicos locais; na produção de produtos de baixo valor agregado; na redução do papel do Estado enquanto fomentador do desenvolvimento industrial; na competitividade baseada em preços. A “via alta” para competitividade exportadora (fundamental num ambiente competitivo global) estaria, conforme sugere Gereffi (1997): nos encadeamentos estratégicos para frente e para trás com os demais agentes econômicos locais; numa maior cooperação horizontal e melhor integração vertical na cadeia da mercadoria; numa maior ênfase no segmento voltado para a moda ou em produtos de maior valor agregado; numa ênfase em fatores “non-price” como qualidade, flexibilidade, diversidade e exclusividade do produto; e na valorização do papel do Estado como fomentador do dinamismo industrial.

Parte 02

A Reconfiguração da Cadeia Têxtil Brasileira frente às Pressões Competitivas Globais

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As principais mudanças na CTC mundial enquanto tendências globais deste setor somente irão ter um impacto efetivo na cadeia brasileira com o acelerado processo de liberalização comercial que se desenvolve entre o final da década de 1980 e final da década de 1990. Levando as empresas do setor a buscar o ajuste e a adequação aos novos padrões competitivos vigentes no mercado mundial. Devido às características do desenvolvimento da indústria têxtil brasileira e à sua fraqueza estrutural o ajuste não será fácil. As dificuldades se manifestaram tanto na crise imediata ao processo de liberalização quanto nos conflitos que surgiram entre os principais agentes econômicos e suas organizações. Se o momento imediato à liberalização foi de crise e de conflito, ao final da década de 90, contudo, as empresas da cadeia têxtil e de confecção brasileira irão apresentar sinais de recuperação nos seus índices de produtividade, assim como formulará estratégias de médio e longo prazo em um processo de reconfiguração tanto produtiva quanto institucional. Dentre estas estratégias destaca-se a ênfase nos nós finais da cadeia, os segmentos confecção e moda. Desta forma, enfatizando as exportações de

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produtos de maior valor agregado e uma defesa de laços mais cooperativos ao longo da cadeia. Antes de entrarmos no processo de reconfiguração cabe uma breve revisão do surgimento e do desenvolvimento da indústria têxtil no Brasil a fim de melhor compreender suas características estruturais presentes no momento anterior ao processo de liberalização comercial. Capítulo 05 Indústria Têxtil Brasileira: Surgimento e Desenvolvimento O processo de industrialização brasileiro teve início com a indústria têxtil, sendo a atividade mais importante da indústria de transformação no Brasil até o ano de 1939 (Suzigan, 2000:129). As primeiras atividades manufatureiras têxteis se deram no século XVIII, quando se inicia a produção de tecidos e artefatos de algodão por meio de processos manuais. Estas atividades manufatureiras (maquinaria simples) foram caracterizadas pela incipiência e pela descontinuidade, devido à própria condição de colônia portuguesa que impedia o pleno desenvolvimento da produção têxtil brasileira. As políticas econômicas eram ditadas pela Metrópole, que adotava políticas de estímulo ou de restrição, conforme os seus interesses, ou visando cumprir acordos comerciais com outros países. Significativo foi o alvará de D. Maria I, de 1785, determinando que todas as indústrias de transformação na Colônia fossem proibidas, proibição esta que incidia diretamente sobre as fábricas de tecidos de algodão. Com exceção apenas para as fábricas que produziam tecidos grosseiros para vestimenta dos escravos e dos pobres urbanos ou para a produção de sacos para enfardamento dos produtos agrícolas. O que motivou o decreto imperial foi o entendimento de que a “riqueza real” provinha dos frutos e produtos do solo e não de artesãos ou de artífices, assim, o decreto evitava que nenhuma mão-de-obra fosse desviada da agricultura ou da mineração (Stein, 1979:20). O alvará é simbólico do poder coercitivo exercido sobre a indústria têxtil do período colonial. Para Stein (1979:21): “A chegada da corte portuguesa em 1808 trouxe mudanças de longo alcance nos padrões de comércio do Brasil, intensificando-se tendências que já eram aparentes no final do século anterior”. Contudo, mesmo o alvará de 1785 sendo revogado em 1808, não houve progresso significativo imediato. A indústria local foi aniquilada em razão de medidas econômicas de interesse da metrópole, logo no ano de 1810 o governo português assinou um tratado comercial com a Grã-Bretanha que concedia um di-

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reito aduaneiro preferencial de 15% a todos os manufaturados britânicos importados pelo Brasil. Posteriormente, este direito foi gradualmente estendido para outros países (Suzigan, 2000:131). Segundo Cardoso: “Os vários acordos e tratados comerciais entre Portugal e Inglaterra faziam deste país o principal fornecedor de artefatos têxteis para o Brasil” (1997:581). O fraco crescimento de nossa nascente indústria têxtil foi devido tanto ao peculiar dinamismo da economia escravocrata quanto às importações de tecidos ingleses. Esta situação permaneceu até a década de 1840, quando, com a tarifa Alves Branco (1844), aumentou a proteção à indústria. Apesar dos direitos aduaneiros terem sido reduzidos ocasionalmente, eles foram mantidos em níveis elevados até o final da década de 1880. Outro fator importante foi uma legislação, aprovada em 1846, que concedia isenção às importações de maquinaria e matérias-primas para as indústrias de transformação (Suzigan, 2000:131/32). As primeiras manufaturas têxteis brasileiras foram instaladas no Estado da Bahia no século XIX. A Bahia foi o primeiro e o mais importante centro da indústria têxtil até a década de 1860 (Suzigan, 2000:134). Em 1866 havia no Brasil nove fábricas de tecidos de algodão, contando com 13.977 fusos e produzindo em torno de quatro milhões de metros de tecidos, sendo que, 5 das 9 fábricas estavam localizadas na Bahia. Segundo Stein: “A concentração inicial da indústria nessa região pode ser atribuída à presença de matéria-prima, fontes de energia e mercados rurais e urbanos” (1979:35). As primeiras fábricas de tecido do século XIX transformavam o algodão nordestino destinado à exportação. A produção de tecidos grosseiros era voltada para a população escrava e para os pobres urbanos, e destinada à sacaria para os produtos agrícolas de exportação. Os preços dos tecidos brasileiros eram baixos devido à intensa concorrência com os produtos ingleses, que eram importados em grande quantidade na época. Os comerciantes importadores, em geral estrangeiros, dominavam o mercado comprador. Suzigan (2000: 129/130) enumera diversos fatores que teriam favorecido o desenvolvimento da indústria têxtil brasileira a partir da metade do século XIX: a presença de uma matéria-prima importante, o algodão, que era produzido nas regiões Norte e Nordeste, e também, nas décadas de 1860/1870, na província de São Paulo; havia demanda crescente por vestuário e por sacaria para café, açúcar, cereais, etc, a partir do desenvolvimento econômico relacionado com os diferentes produtos básicos regionais; havia mão-de-obra barata, embora não treinada; a produção interna de têxteis era protegida da concorrência estrangeira, inicialmente a proteção se deu por meio de elevados im-

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postos de importação, depois , a partir do final do século XIX, combinando a desvalorização da taxa cambial com altos impostos de importação. A promulgação da primeira política protecionista brasileira, a tarifa protecionista Alves Branco de 1844, assim como o aumento da proteção tarifária aos produtos nacionais manufaturados a partir da década de 1880, foram de grande importância no estimulo ao processo de industrialização, particularmente o ramo têxtil, pioneiro neste processo. Nos últimos anos do Império, além de ter aumentado a proteção tarifária, reduziu-se os impostos sobre matérias-primas e foram isentas as importações de máquinas e equipamentos para a instalação de indústrias de transformação (Suzigan, 2000). Os dados indicam que no período anterior à metade da década de 1880 ocorreram dois surtos de investimentos principais: o primeiro, da metade da década de 1860 até 1873, e o segundo, nos anos 1880-1883, embora os investimentos se mantivessem em níveis relativamente elevados até 1886-1887 (Suzigan, 2000:133).

O período relativo a estes surtos de investimentos pode ser considerado como de implantação da indústria têxtil no Brasil. No ano de 1864 funcionavam no Brasil 20 fábricas de tecidos com 15 mil fusos e 385 teares, já em 1881 eram 44 fábricas. De 1866 a 1885 houve um crescimento considerável da indústria têxtil brasileira, incluindo os tecidos de algodão e de juta. A partir da década de 1880, em grande parte com o capital gerado no desenvolvimento da economia cafeeira, surgiram novas fábricas, ampliou-se escala de produção e os produtos fabricados tornaram-se mais elaborados38. No 38. Foi a partir do final da década de 1880 que se desenvolveu no Brasil a manufatura de produtos de juta, tipo de tecido mais apropriado para a sacaria de produtos como café, fumo e outros produtos. Suzigan (2000) considera esta manufatura como “o caso mais claro de uma indústria de transformação induzida pelas exportações de produtos primários”. A produção de sacos de juta desenvolveu-se exatamente nas áreas onde esses produtos básicos eram produzidos, acompanhando, contudo, as oscilações dos mercados destes produtos primários (p.165). No ano de 1907, a produção interna de tecidos de juta satisfazia 99,7% da demanda interna por sacaria de juta, ainda que baseada na importação de fios de juta (idem, p.168). Esta manufatura teve uma expansão significativa no inicio do século XX com a criação da Cia. Nacional de Tecidos de Juta, quando já era possível produzir os fios de juta no Brasil. Expansão esta que acompanhou a produção dos principais produtos de exportação e também a produção de cereais para o mercado interno. Entretanto, com a crise do café e a redução da demanda por sacaria, na década de 1930, a produção brasileira de tecidos de juta também passou por sua crise, que culminou com a falência da Cia. Nacional de Tecidos de Juta, a maior produtora deste tecido no país (idem, p.169/170).

ano de 1885 já havia no Brasil 48 fábricas de tecidos que contavam com 66 mil fusos e 2.100 teares, produzindo 20 milhões de metros de tecidos. Como enfatizado, neste período têm grande importância as medidas protecionistas para o setor, particularmente a elevação das tarifas de importação de tecidos de algodão, além das desvalorizações cambiais e o fim das restrições à importação de máquinas e equipamentos. Em 1890 já havia menções a tecidos “médios” e “bons” em várias empresas do Rio de Janeiro (AVIA, 1992). Informações disponíveis indicam que, das primeiras 56 tecelagens de algodão instaladas no Brasil no século XIX, a maioria era de pequenas fábricas. Segundo Suzigan: A exceção era a grande tecelagem de algodão instalada no Estado do Rio de Janeiro pela Companhia Brasil Industrial39, que tinha capital de 1000 contos, operava com 450 teares e 20.000 fusos, empregava 400 operários e tinha 350 H.P. (de origem hidráulica) de potência instalada (2000:133) .

39. Suzigan afirma que, das dez fábricas de tecidos de algodão instaladas na cidade e província do Rio de Janeiro por volta de 1884, “A maior era a Fábrica Brasil Industrial, instalada em Macacos (...). Essa foi a primeira grande (e até o final da década de 1880 a maior) fábrica de tecidos de algodão do Brasil” (2000:139/40). Sobre esta importante fábrica de tecidos de algodão e sua vila operária ver o estudo de Keller (1997). Outras fábricas importantes instaladas na região do Rio de Janeiro no final do século XIX, como a Fábrica São Pedro de Alcântara e a Fábrica Petropolitana, ambas em Petrópolis, marcam a substituição da Bahia pela área do Rio de Janeiro como principal centro da indústria manufatureira de algodão no período do início da década de 1870 à metade de 1880. Para Suzigan, este dinamismo da cidade e província do Rio de Janeiro é atribuído à expansão da economia do café, ao fato da Cidade do Rio de Janeiro ter sido o principal centro de importação e o mais importante centro do comércio costeiro, e, principalmente, à proteção tarifária (2000:142).

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Em termos de distribuição geográfica destas primeiras 56 fábricas de tecidos de algodão, 13 foram instaladas no Nordeste, 14 na província de Minas Gerais, 13 na cidade e província do Rio de Janeiro e 16 na província de São Paulo. Depois de um desenvolvimento inicial no Nordeste, particularmente na Bahia, a partir de 1870, a indústria têxtil desenvolveu-se em Minas Gerais, na cidade e província do Rio de Janeiro e em São Paulo (Suzigam, 2000:134). Para este autor: “O maior avanço no desenvolvimento da indústria brasileira de produtos de algodão ocorreu nos anos de 1885-1895” (2000:147). O autor destaca neste período, tanto as novas fábricas (47 no-

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vas fábricas no país), quanto, particularmente, o tamanho das novas fábricas, muito maior do que as fundadas anteriormente que eram predominantemente pequenas manufaturas (idem, p.147). Para Stein (1979), o período de 1840 a 1892 constituiu o estágio de formação40 da indústria têxtil no Brasil, marcado pelo apoio importante (apesar de imprevisível) do Estado por meio de medidas protecionistas e pelo capital do próprio país com máquinas e assistência técnica estrangeira. Até 1892, segundo Stein (1979: 185), já se havia configurado as características principais da indústria têxtil brasileira que condicionaria seu desenvolvimento nas próximas cinco décadas: a concentração regional das fábricas nos Estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais; a presença de empresários comerciais ligados a firmas atacadistas de tecidos, muitos de origem portuguesa, ocupando posições importantes na administração fabril; o paternalismo industrial marcando as relações capital-trabalho; e a defesa da proteção alfandegária como instrumento de preservação e de expansão desta indústria. Em 1892, a indústria têxtil algodoeira do Brasil, já bem consolidada, chegou ao fim da sua fase inicial de crescimento e ingressou num período de mais de três décadas de desenvolvimento que se encerraria com a grande depressão e a revolução de Vargas em 1930 (Stein, 1979:107)

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No ano de 1906, a produção nacional têxtil já supria 68% da demanda interna. No inicio do século, a indústria têxtil era a maior empregadora isolada de mão-de-obra da indústria de transformação. No ano de 1907, empregava 34,2% dos trabalhadores na indústria de transformação, tinha 40,2% do total da força motriz instalada e 40,4% do total do capital investido, caracterizando o inicio de uma fase de grande expansão da indústria

40. Stein (1979) afirma que durante muito tempo a fama do Brasil de país exportador de produtos primários obscureceu a evolução (lenta, mas significativa) do nascente processo de industrialização brasileiro. Para o autor, o processo de industrialização nascendo no coração de uma cultura agrário-exportadora teve implicações profundas para a indústria têxtil, destacando-se: [i] o paternalismo nas relações com os trabalhadores; [ii] os empresários sempre comprometidos com a intervenção governamental apesar da profissão de fé no liberalismo econômico; [iii] a reação tardia às mudanças. Traços conservadores da nova oligarquia empresarial que, segundo Stein, foram herdadas da aristocracia agrária e da oligarquia mercantil que formavam a elite da sociedade brasileira no século XIX e inicio do século XX (p.186).

41. A utilização de fios e fibras artificiais na indústria de tecelagem no Brasil começou no final da década de 1920 intensificando-se na década de 1930. Desenvolvimento este que acompanhou o grande boom que ocorreu na produção mundial de raiom nestas décadas. O raiom (ou seda artificial) - a primeira das fibras artificiais – foi desenvolvida em forma experimental do final do século XIX até a Primeira Guerra Mundial. No Brasil, a primeira fábrica a produzir fios de raiom foi estabelecida em São Paulo, em 1924, pelo grupo Ma-

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têxtil de algodão (Suzigan, 2000:129). Antes da Primeira Guerra Mundial, o Brasil já contava com 1.400 mil fusos e 50 mil teares, formando um importante parque fabril. Segundo estimativas de 1914, o Brasil era a 12a maior indústria têxtil de algodão do mundo e era o único país na América do Sul a ter desenvolvido esta indústria em grau significativo. Estes dados demonstram que “a maior parte da capacidade produtiva da indústria têxtil de algodão em operação durante a guerra havia sido construída antes de 1914” (Suzigan, 2000:157). A I Guerra Mundial pode ser considerada como um fator decisivo para a consolidação da indústria têxtil brasileira, que teve o crescimento de sua produção baseada na capacidade produtiva construída antes da guerra. A entrada dos países desenvolvidos no esforço de guerra provocou a interrupção do fluxo de entrada de artigos têxteis oriundos do exterior, interrompendo a concorrência externa assim como interrompendo a entrada de maquinário têxtil, o que atuou como um estímulo para o crescimento e consolidação da indústria têxtil. No ano de 1919, a indústria têxtil brasileira contava com 109.116 trabalhadores, que representava 38,1 % do contingente empregado nas indústrias de transformação. O não suprimento externo de tecidos, dificultando as importações, proporcionou uma grande oportunidade para o crescimento da produção interna. Na década de 1920, com o fim do conflito mundial, a atividade têxtil nacional perdeu seu impulso. Foram retomadas a importações de tecidos com o retorno dos grandes competidores ao mercado mundial. Foi na década de 1920 que a concentração regional da indústria têxtil de algodão aumentou na região sudeste, tornando São Paulo o principal centro desta indústria, principalmente devido ao progresso econômico proporcionado pela cultura do café para exportação (Suzigan, 2000:161). Nas décadas de 1920 e 1930, inicia-se a diversificação do manufaturamento com a produção de artigos de lã, de seda, e de raiom (seda artificial41), mas, permanecendo predominante a indústria têxtil baseada no algodão.

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No período de 1924-26 a produção têxtil aumentou mais de 50% (Suzigam, 2000:154). Nesse período, a proteção aos produtores têxteis nacionais se dava pelas tarifas alfandegárias que eram contrabalançadas pelos altos custos de produção das fábricas brasileiras (energia, diversos insumos importados, transporte, etc). Os altos custos faziam esta indústria muito sensível aos movimentos da taxa de câmbio. Para Stein (1979), foi o efeito combinado da proteção tarifária com a estabilização cambial que garantiu os mais altos lucros para as fábricas. Stein (1979) destaca alguns fatores que teriam contribuído para os “anos dourados” (década de 1920) desta indústria: o segundo grande boom do ciclo cafeeiro, que teria acelerado a formação de capital de investimento, estimulado a vinda de imigrantes, a construção de estradas e ferrovias e acelerado a urbanização; as tarifas alfandegárias vigentes; e o surgimento de uma nova fonte de energia - a eletricidade – mais barata e segura (p. 107/8). A mudança tecnológica - com a utilização de uma nova fonte energética - constituiu um importante fator reforçando a tendência em curso de transferência da concentração industrial para o estado de São Paulo, consolidando a região sudeste como a grande produtora têxtil. Em 1915, enquanto 77% da força motriz instalada nas fábricas de tecidos de algodão na região do Rio de Janeiro e de São Paulo era de energia elétrica, no Norte e no Nordeste ela representava apenas 16%. Para Suzigam (2000): Isso pode ter contribuído para a concentração crescente da indústria têxtil de algodão nas áreas do Rio de Janeiro e de São Paulo (particularmente esta última) e conseqüente declínio da indústria no Norte e Nordeste. Esse processo foi certamente acentuado com a guerra, quando os estados que já haviam mudado para a eletricidade fortaleceram sua posição, ao passo que se enfraquecia a posição dos (notadamente no Norte e Nordeste) que ainda eram dependentes de carvão importado, que era escasso e caro (p. 156).

tarazzo, sendo sua produção iniciada em 1926. Na década de 1930 havia mais duas fábricas fabricantes de fios de raiom em São Paulo: a empresa francesa Rhône Poulenc e a Cia. Nitro-Química Brasileira formada por um consórcio brasileiro. As três empresas juntas tinham controle oligopolista do mercado de fios de raiom, ditando o preço e a quantidade a ser fornecida às tecelagens (Suzigan,2000:347/348).

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Para Stein (1979: 185), o primeiro estágio de desenvolvimento da indústria têxtil brasileira (1892-1930), apesar de marcado por flutuações econômicas, proporcionou altas taxas de lucros que atraiu muitos empresários para este setor após a I Guerra Mundial. Fato a ser destacado foi o impulso dado à cultura do algodão no Estado de São Paulo contribuindo para a expansão desta indústria após 1918. No ano de 1928, a consolidação da indústria têxtil estava evidente, 85% da demanda total de artigos têxteis era atendida pelos produtores nacionais. Sendo que, mais da metade da produção têxtil brasileira vinha de apenas 29 empresas grandes, dentro de um universo de 354 empresas conhecidas, caracterizando uma concentração industrial no setor (AVIA, 1992:5). A evolução crescente da capacidade produtiva estava clara nas primeiras décadas do século XX quando o país passou de 110 fábricas no ano de 1905 para 359 no ano de 1929 (Garcia, 1994:83). Com a grande crise de 1929, reduzindo a capacidade de importação, o país foi incentivado a adotar políticas de substituição de importações impulsionando a produção interna de mercadorias. A partir de 1931 o nível de produtividade do setor voltou a crescer com a produção chegando a 633 milhões de metros. Em 1938 a produção chegou a 964 milhões de metros, o suficiente parta atender toda a demanda interna (Hiratuka & Garcia, 1995:2) O processo de consolidação da indústria têxtil nacional foi acelerado com a eclosão da II Guerra Mundial. Com os tradicionais produtores têxteis mundiais envolvidos no grande conflito incrementou-se a produção interna. No ano de 1941 a produção têxtil brasileira passou a suprir o mercado interno e se tornou o principal fornecedor para o mercado latino-americano, que não podia mais importar tecidos europeus. As fábricas de tecidos brasileiras ampliaramse, criando-se novos turnos, produzindo-se mais para atender o mercado interno e externo, com o Brasil ocupando o segundo lugar no ranking mundial de produção têxtil. No ano de 1943 o volume exportado representou 25% da produção nacional. Entretanto, terminado o conflito mundial, com o retorno dos grandes produtores têxteis dos países avançados ao comércio mundial, novamente arrefeceu-se a indústria têxtil nacional com os produtores brasileiros voltando-se novamente para o mercado interno, seu principal locus de acumulação. O Brasil perde seus clientes externos, reduzindo-se drasticamente as exportações. Também neste segundo estágio de desenvolvimento (1930-1950), a intervenção do Estado se tornou um fator indispensável para a sobrevivência da indústria têxtil com a brusca perda dos mercados externos.

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Para Stein (1979:187), a indústria têxtil dos países tecnologicamente avançados eliminou a indústria têxtil brasileira do mercado mundial e poderia até desalojá-la do mercado interno na ausência de tarifas protecionistas. Desde que as importações de máquinas e equipamentos foram restringidas entre 1931-37, a indústria têxtil brasileira já apresentava duas características fundamentais: a proteção do mercado interno e a defasagem tecnológica em relação aos padrões internacionais (Garcia, 1994:83). Até 1930 a indústria têxtil obteve concessões e privilégios do Estado sem que isso perturbasse seriamente outros grupos de interesse. Contudo, após a década de 1930, com a crescente diversificação da economia brasileira, gerando novos grupos de interesse igualmente exigentes, foi se tornando difícil para o setor têxtil obter concessões sem despertar descontentamento (Stein, 1979). Na década de 1950, a participação da indústria têxtil na indústria de transformação diminui, com as indústrias ligadas ao complexo metal-mecânico (setores produtores de bens de consumo duráveis, bens de capital e insumos básicos) passando a ter relevância maior na estrutura produtiva brasileira. Na verdade, no período que se estende da Primeira Guerra Mundial ao início da década de 1950, dentro do processo de substituição de importações, o crescimento da economia brasileira foi centrado no setor produtor de bens de consumo duráveis (bens de salário). Nesse contexto, a indústria têxtil teve grande importância e de fato liderou o crescimento econômico (Cardoso, 1997:581).

Se na década de 1950 a indústria têxtil foi responsável por 18,7% do valor da produção da indústria de transformação e por 27,4% do total do emprego industrial, na década de 1960, essa participação havia caído para 12,5% e 18,7%, respectivamente. A tendência de queda na participação relativa da indústria têxtil na indústria de transformação nas décadas seguintes, com a indústria têxtil perdendo espaço na estrutura industrial brasileira, deve ser atribuída ao novo contexto da indústria brasileira, com ênfase nos setores mais dinâmicos da economia e à maior diversificação do parque industrial brasileiro. Já que, em termos absolutos, a indústria têxtil expandiu sua produção nas décadas de 1960/70, acompanhando o desenvolvimento da indústria de transformação brasileira (Cardoso, 1997:582). Esta expansão pode ser medida pelo crescimento do consumo industrial de fibras têxteis, que no início da

década de 1960 era de aproximadamente 400 mil toneladas anuais, atingindo o patamar de 1 milhão de toneladas em 1980, uma expansão média anual de 7,5%. Até sofrer uma forte inflexão nesta expansão no início dos anos 1980 até a década de 1990. A principal causa desse decréscimo foram as fortes oscilações, a baixa taxa de crescimento da demanda interna e o restrito crescimento das exportações (Hiratuka & Garcia, 1995:3). Nas décadas de 1960/70 a produção têxtil voltou-se quase que totalmente ao mercado interno, o principal locus de atuação comercial do setor. Na década de 1970, as exportações ganham relevância apenas no período de 1971-74, anos do “milagre econômico”, prevalecendo as vendas intracomplexo têxtil. Há uma fase curta de investimentos e de reestruturação da produção, que teve como auge os anos de 1974-76, com aumento significativo da importação de máquinas e equipamentos, devido à adoção de políticas setoriais por parte do governo federal (ECIB,1993). A queda nos investimentos no setor têxtil (a partir de 1977) foi causada, entre outros fatores, pelo esvaziamento das fontes governamentais de financiamento subsidiado que foram de grande importância nos ciclos de investimentos anteriores (Braunbeck, 1994). No final da década de 1970 e inicio da década de 1980,

Em 1983, a participação da indústria têxtil na estrutura industrial brasileira restringia-se a 5,6% do valor da produção e 6,7% do emprego industrial (Hiratuka & Garcia, 1995:3), permanecendo, contudo, como uma importante absorvedora de mão-de-obra, a quinta maior empregadora industrial em 1980 (Garcia, 1994:84). No ano de 1984, quando a capacidade ociosa da indústria têxtil chegou ao seu máximo, houve um impulso dado pelo crescimento das exportações em virtude da recuperação do comércio internacional. As exportações têxteis saltaram de US$ 42 milhões de dólares em 1970 para US$ 1 bilhão em 1985. Entre o final da década de 1970 e inicio da década de 1980 houve uma queda significativa na demanda interna de produtos têxteis provocando uma redução no número de empresas têxteis, conseqüentemente, aumentando a concentração industrial no setor,

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(...) a indústria têxtil passou por uma fase de redução absoluta e relativa dos investimentos, que associada à aceleração do ritmo de inovações no processo produtivo (sobretudo na década de 80) conduziu a um crescimento acelerado do gap tecnológico entre o parque industrial brasileiro e o parque dos países centrais e NICs Asiáticos (Braunbeck,1994:28).

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já que as empresas pequenas tendem a ser expulsas do mercado, em geral funcionando como uma espécie de “amortecedor” para as grandes empresas. Com a implantação do Plano Cruzado, no ano de 1986, houve um crescimento da demanda e da produção levando à quase total utilização da capacidade instalada no setor têxtil, e a uma intensificação dos investimentos (Garcia, 1993:57). Mas, depois do impulso dado pelo Plano Cruzado o setor entra em queda livre: Em 1984, havia no total 5.096 empresas. Em 1986, quando do elevado crescimento do mercado interno devido ao Plano Cruzado, aquele número chega a 5.662 empresas. A partir daí o setor entra em queda livre: em 1992 existiam 3.509 estabelecimentos, ou uma diminuição de nada menos que 40% no número de empresas em um período de apenas seis anos (Cardoso, 1997:590).

A participação da produção têxtil no PIB brasileiro mostrava tendência de queda desde 1980, com exceção dos anos de 1986/87, anos do Plano Cruzado. Até 1990, o setor combinou uma queda na participação no PIB total com uma manutenção, relativamente estável, de posição no PIB industrial. Mas em 1991 a indústria têxtil perde espaço no PIB total e mais ainda no PIB industrial, indicando um aprofundamento da crise setorial nos anos 1990 (Cardoso, 1997:583). Foi uma combinação de fatores (a proteção estatal de diversas formas, a ausência de concorrência externa e um mercado interno em potencial) que pouparam, por muito tempo, a indústria têxtil brasileira dos efeitos da obsolescência tecnológica de seu parque industrial, assim como de sua obsolescência organizacional (Stein, 1979). Houve movimentos, na década de 1970, no sentido de reverter este quadro de obsolescência. Contudo, no final da década de 1970 e inicio da década de 1980 estes investimentos se retraíram enormemente. Uma nova onda de investimentos ocorreu entre 1985 e 1987 em função da forte recuperação do mercado interno. Na crise do inicio dos anos noventa os investimentos se mantiveram relativamente altos com participação de equipamentos importados, com uma explosão de investimentos em 1994. Para Cardoso: “É essa tendência que reforça a hipótese de que, no final da década dos oitenta e inicio da década dos noventa, as grandes empresas do setor procuraram se reestruturar, modernizando o parque produtivo por meio da incorporação de equipamentos mais modernos” (Cardoso, 1997:596).

Entre o final da década de 1980 e inicio da década de 1990 a indústria têxtil passou a enfrentar um novo desafio com a intempestiva abertura comercial brasileira, colocando este setor de frente com a intensa concorrência externa dentro do mercado interno. Como afirma Cardoso: “O processo de globalização dos mercados, marca das duas últimas décadas, vem estimulando a intensa reestruturação produtiva” (1997:616). Mas, antes de aprofundarmos sobre as transformações profundas por que passaram a indústria têxtil-confecção brasileira durante o processo de liberalização comercial, seus impactos sobre o complexo têxtil, os ajustes e as respostas do empresariado, vamos analisar as características gerais da indústria têxtil nacional no período recente, que influenciaram as respostas deste setor industrial no enfrentamento das pressões competitivas globais. Capítulo 06 Características da Indústria Têxtil Brasileira

O complexo têxtil no Brasil agrega um conjunto heterogêneo de indústrias e mercados. Se tomarmos todo o complexo, ou mesmo apenas um de seus segmentos, são enormes as disparidades no que tange as economias de escala e escopo, escalas mínimas de produção, capital inicial, diferenciação de produtos, mercados de destino, etc. (Cardoso,1997:589).

Antes de analisarmos cada uma das principais características do complexo têxtil é preciso ficar claro que, devido ao choque estrutural que passou este setor industrial, um conjunto de mudanças se encontra em andamento nas empresas nos diversos segmentos que formam a cadeia têxtil. Desta forma, a abordagem deste capítulo buscará, na medida do possível, ter em conta estas características particulares dentro de um cenário de mudança. A primeira característica do complexo têxtil brasileiro é sua heterogeneidade tecnológica. Tanto a heterogeneidade interfirmas quanto a intrafir-

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O Brasil foi um dos poucos países em desenvolvimento que internalizou todas as atividades do complexo têxtil. Com um setor têxtil altamente diversificado atendendo a todos os segmentos do mercado interno, com importância na geração de emprego e na distribuição espacial da produção (Garcia,1993). Contudo, o complexo têxtil brasileiro é altamente heterogêneo e dispare:

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ma. Numa abordagem da cadeia completa, podemos perceber essa heterogeneidade interfirmas, quando, nos primeiros segmentos da cadeia temos um número reduzido de grandes empresas mais avançadas tecnologicamente e, por isso mais capital intensiva, e na medida em que avançamos em direção ao final da cadeia, temos uma miríade de micro-pequenas e médias empresas onde se aprofunda a heterogeneidade tecnológica, se tornando mais intensiva em trabalho. A heterogeneidade, tanto interfirmas quanto intrafirma, decorre particularmente da própria descontinuidade do processo produtivo têxtil onde as várias etapas produtivas são realizadas de forma interdependente. A heterogeneidade intrafirma resulta, sobretudo, da tendência verificada no passado recente de efetivar atualização tecnológica parcial ou por meio de equipamentos complementares. Esta característica do setor permitiu por muito tempo a coexistência de empresas grandes com empresas de menor porte. Entre os fatores mais importantes que criaram as condições para a grande heterogeneidade tecnológica, onde se destaca a defasagem do parque industrial têxtil, podemos citar: a proteção governamental que o setor usufruiu no passado, garantindo um mercado cativo, com pouca pressão sobre as empresas para a atualização tecnológica; o amplo mercado interno altamente segmentado e protegido garantia retorno fácil para baixos investimentos em maquinário obsoleto, permitindo a entrada de pequenos produtores no setor; e por último, a elevada instabilidade econômica vivida desde os anos 70 tornaram os investimentos industriais bastante arriscados e feitos com bastante cautela (Costa, 2002). Segundo estudo do IEL (2000: 238) alguns fatores no passado contribuíram para a heterogeneidade tecnológica da indústria têxtil, tais como: a falta de acesso à automação industrial - provocada pela reserva de mercado para a informática – dificultou às grandes empresas ter acesso à tecnologia de ponta; a indústria nacional de máquinas têxteis não podia suprir a demanda nacional; o desenvolvimento tecnológico das máquinas têxteis era difícil de ser alcançado pelos fabricantes nacionais devido ao alto custo dos investimentos para acompanhar o novo padrão tecnológico; e o lento processo de substituição dos equipamentos devido ao longo período de vida útil do maquinário antigo, que mesmo defasados tecnologicamente ganhavam sobrevida para muitas empresas por diversas formas. Com a abertura de mercado, a indústria brasileira de máquinas têxteis vai passar por um processo de eliminação gradual, com esta indústria se tor-

(...) as dimensões dos diferentes elos da cadeia produtiva crescem de forma significativa à medida que se ca-

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nando cada vez mais globalizada, restando em nosso país apenas alguns produtores de máquinas de determinados segmentos. No passado havia acesso à tecnologia, a preço relativamente baixo, mas não de última geração, devido ao mercado estar fechado à tecnologia do exterior. Com a abertura comercial há uma maior facilidade de obtenção de tecnologia de ponta, surgindo, contudo, a barreira do alto custo dos equipamentos importados tecnologicamente superiores. A segunda característica do complexo têxtil é a grande heterogeneidade de porte das empresas. Formando um conjunto desigual que envolve desde empresas de economias de escala, em geral grandes empresas integradas verticalmente concentrando o grosso da produção têxtil, atualizadas tecnologicamente, produtoras de commodities e abarcando parcelas significativas do mercado, algumas com acesso ao mercado internacional, até empresas com escalas mínimas de produção, em geral pequenas empresas especializadas em nichos de mercado, voltadas exclusivamente para o mercado interno e defasadas tecnologicamente. A heterogeneidade tecnológica e a heterogeneidade de porte das empresas precisam ser relacionadas. Se as empresas tecnologicamente superiores coexistem ao lado de empresas tecnologicamente defasadas é porque estas últimas conseguem produzir um produto que é absorvido pelo mercado consumidor. Ou seja, a heterogeneidade do setor (tanto em termos tecnológico quanto de porte) deve ser compreendida a partir da segmentação do mercado em nichos de consumo que permitem a permanência das empresas de pequeno porte mesmo defasadas tecnologicamente. O mercado de consumo brasileiro é segmentado em função da alta concentração de renda no país. Em resumo, temos um mercado consumidor de alto poder aquisitivo muito restrito, que demanda produtos de qualidade, sofisticados e exclusivos, e um mercado consumidor de baixo poder aquisitivo muito amplo que demanda produtos onde o fator principal é o preço (IEL, 2000). Conforme foi colocado acima, o complexo têxtil brasileiro – considerando apenas os três segmentos industriais (setor fornecedor de matéria-prima básica [fibras químicas e naturais] – setor de manufaturados têxteis [fios, tecidos e malhas] – setor de confecção de bens acabados [vestuário, linha lar, etc.]) apresentam dimensões diversas. Segundo o Primeiro Relatório do Setor Têxtil Brasileiro do IEMI (2001:46):

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minha na direção dos bens acabados, seja em número de agentes econômicos, empregos gerados ou produção ou receita obtidas. Em uma escala inversamente proporcional, o porte médio das empresas diminui de forma exponencial. Isto é, enquanto a produção de fibras e filamentos químicos, por questões de escala e competitividade, se encontra na mão de um número restrito de grandes empresas, boa parte delas sociedades anônimas e de origem internacional, o final da cadeia é composto por um imenso número de pequenas e médias empresas, intensivas em mão-de-obra e, em sua grande maioria, de capital fechado de origem preponderantemente nacional.

Passemos a analisar as características dos principais segmentos que compõem a cadeia têxtil42. Inicialmente, no que se refere ao tipo de matériaprima utilizada pelo setor têxtil brasileiro, dados recentes do IEL (2000) indicam que cerca de 70% são fibras de algodão43, 25% fibras artificiais e sintéticas e 5% de linho, lã, seda, etc. A fiação é o segmento mais oligopolizado por ser de alto investimento (elevadas economias de escala e alto custo unitário do maquinário). Por ser o segmento mais capital-intensivo, no Brasil predominam as grandes empresas. Segundo dados coletados pelo Setor de Estudos Técnicos do SENAI-Cetiqt apresentados em Miranda (1999), havia 300 unidades de fiação, em 1998, empregando 115 mil funcionários. Sendo que, com base em dados de 1995, as empresas de fiação não integradas eram apenas 22%. A integração pode ser explicada, principalmente, porque uma empresa integrada disponibiliza no mercado um produto com um maior valor agregado (IEL, 2000). As empresas de maior porte são as mais eficientes e apresentam fios competitivos, já as de médio porte não produzem em escalas suficientes para sobreviverem em um segmento cada vez mais globalizado e competitivo. O segmento fiação é composto de empresas de médio a grande porte. No caso das fiações baseadas em fibras químicas, a concentração é maior do que nas fiações de fibras naturais. Em termos de fornecimento de matéria-prima para as fiações que utilizam fi-

42. Basicamente utilizando dados apresentados em Cardoso (1997) e IEL (2000). 43. O algodão representa cerca de 97% do total das fibras naturais consumidas e 90% das produzidas no país (IEL,2000).

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bras químicas, dados de 1998 indicavam existir somente 11 empresas fornecedoras empregando 10 mil funcionários (Miranda, 1999). O segmento de tecelagem é cada vez mais intensivo em capital. As dimensões das empresas variam conforme o tipo de tecido produzido (tecidos pesados para calças jeans, tecidos leves para camisaria e tecidos para a linha lar). O tecido pesado é uma commodity e por isso não comporta empresas de médio ou pequeno porte. As empresas dedicadas a esta commodity produzem em grande quantidade, produtos padronizados, em geral utilizando fibras naturais ou às vezes com misto de poliéster, em geral grandes empresas integradas às fiações. Também existe um grande número de pequenas tecelagens produzindo para nichos de mercado. Nas tecelagens que utilizam fios artificiais e sintéticos é maior a preocupação com a moda e, portanto, com a flexibilidade da produção. A integração para trás neste segmento particular é impedida devido à alta concentração nos fornecedores de fios artificiais e sintéticos. As malharias são menos intensivas em capital do que as tecelagens de tecidos planos, por isso, possibilitam o surgimento de empresas de pequeno porte. Tanto na tecelagem quanto na malharia a descontinuidade do processo produtivo permite a coexistência de máquinas e equipamentos modernos e obsoletos dentro de uma mesma planta fabril. Dados apresentados em Miranda (1999) indicavam existir, em 1998, 700 tecelagens empregando 130 mil funcionários e 2.960 malharias empregando 102 mil funcionários. O segmento confecção caracteriza-se por uma grande heterogeneidade e elevado grau de atomicidade das firmas, coexistindo grandes empresas integradas verticalmente ao lado de pequenas e médias empresas operando nas franjas do mercado. Dados consultados indicam que 83% das empresas deste segmento estão voltadas para a confecção de vestuário, contando 80% da mão-de-obra empregada na cadeia têxtil. As empresas pequenas correspondiam a 70% do total das empresas atuantes, as médias a 27%, e as grandes correspondendo aos 3% restantes (IEL, 2000:23). Dados apresentados por Miranda (1999) mostravam haver, em 1998, 18 mil confecções empregando 1 milhão e 100 mil funcionários. A terceira característica do setor têxtil brasileiro é a grande presença de empresas, em geral de médio e grande porte, integradas verticalmente. Tradicionalmente integrando os segmentos de fiação, tecelagem e acabamento, muitas empresas têm expandido essa integração vertical (intrafirma) em direção aos segmentos posteriores da cadeia em busca de maior valor agregado. Segundo IEL (2000:85):

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A integração produtiva foi estimulada na década de 1970, com o intuito de aumentar a competitividade da indústria por meio do aumento da escala de produção. Nos dias de hoje, a integração tem ocorrido como conseqüência da concentração industrial.

A opção pela integração vertical resulta também da fraca integração horizontal entre os diversos segmentos da cadeia produtiva, fazendo com que muitas empresas optem pela estratégia da integração vertical para fugir dos problemas de fornecimento de matérias-primas, produtos e serviços. A quarta característica é a fraca integração entre os diversos segmentos da cadeia produtiva. Os conflitos e a falta de harmonia ou de conformação de interesses na cadeia têxtil se tornou um problema a ser superado rapidamente devido ao fato de, na atualidade, uma cadeia eficiente e competitiva é uma cadeia em harmonia de interesses com mecanismos adequados de coordenação. Uma cadeia eficiente e competitiva é aquela na qual todos os elos estão devidamente ajustados entre si, por meio do mercado, nas negociações de preços e na garantia de suprimento de matérias-primas e produtos intermediários, de tal forma que a eficiência de cada elo não fique comprometida com a falta de eficiência a montante dos elos que fornecem as matérias-primas básicas para que o elo funcione, com preços e garantia de suprimento. Isso é verdade para todos os elos (IEL, 2000:200).

Um dos maiores obstáculos para a harmonização de interesses ao longo da cadeia têxtil é a falta de entendimento entre os diversos segmentos, particularmente suas organizações representativas. Sobretudo, diante do incremento da competição global com o processo de liberalização comercial brasileiro, esta harmonização é um instrumento básico para a “defesa coordenada das condições eqüitativas de concorrência entre o produto importado e o produto nacional” (IEL, 2000:219). Se no passado havia um equilíbrio artificial, gerado pelo protecionismo, com um virtual estado de confrontação, os conflitos intracadeia emergiram com o processo de abertura comercial, como veremos mais a frente. O choque estrutural vivido pelo setor e a própria idéia de cadeia produtiva difundida cada vez mais, tanto no meio empresarial quanto entre os formuladores de políticas públicas, tem ajudado a perceber a necessidade de vencer o imediatismo das decisões individuais e buscar mecanismos de coordenação eficientes da cadeia têxtil.

44. Os dados do IEMI (2001) aqui referidos dizem respeito a produção de fios, tecidos, malhas, e confeccionados. 45. Gorini (2000) destaca que, em relação ao aumento da participação do Nordeste na década de 1990, houve especialmente investimentos na produção de fios e tecidos, com grandes investimentos na produção de altas escalas de commodities de algodão, em plantas com operação verticalizadas (p.33).

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Estudo do IEL (2000) aponta algumas características da cadeia têxtil que conduzem ao antagonismo: a não prevalência dos paradigmas da concorrência perfeita entre todos os segmentos da cadeia; a dificuldade de conformar um interesse organizado em cada um dos segmentos em particular; a tomada de partido de órgãos de política setorial em favor de segmentos específicos – falta de neutralidade do Estado – geralmente em função de maior interesse organizado de determinado elo da cadeia; a falta de instrumentos ágeis de defesa comercial que combatam a concorrência desleal, o dumping e o subsídio de forma a proteger igualmente todos os elos da cadeia. A quinta característica importante da estrutura industrial têxtil no Brasil é a concentração industrial de grande número de empresas do setor nas regiões sul e sudeste e a presença de importantes aglomerados ou pólos industriais (clusters). Em termos de distribuição regional da produção, permanece uma grande concentração nas regiões Sul e Sudeste, apesar de um aumento considerável da participação do Nordeste na década de 1990. Segundo dados do IEMI (2001)44: “A produção de artigos têxteis e confeccionados se concentra principalmente nas regiões Sul e Sudeste do País, que juntas respondem por mais de 70% da produção local” (p.54). O Sudeste perdeu parte de sua importância relativa na década de 1990 devido ao seu ritmo de crescimento abaixo do de outras regiões. Devido ao deslocamento de indústrias para outras regiões do país, particularmente Nordeste45, atraídas por inúmeros benefícios (incentivos fiscais, linhas de crédito, mão-de-obra barata, obras de infraestrutura, doação e/ou comodato de terreno, etc). O Nordeste, que tinha uma participação de 13,3% na produção têxtil no ano de 1990, passou para 19,5% no ano de 2000. Já o sudeste reduziu sua participação neste período (1990-2000) de 56,8% para 49,0%. Permanecendo, contudo, a concentração da produção na região Sudeste, que junto com a região Sul, com 28,5%, somavam 77,5% da produção têxtil nacional no ano de 2000. Já em relação à produção de confeccionados, isoladamente, a região Sudeste concentrava 56,1% da produção, em seguida, vinha a região Sul com 25,4%, dados de 2000 (IEMI,2001).

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Enquanto no Nordeste estão se concentrando os investimentos intensivos em escala, no sul se reúnem os produtores de cama, mesa e banho, malhas, de médios e pequenos portes, e no Sudeste fica a produção de artificiais e sintéticos, desde os grandes produtores de matérias-primas (viscose, poliéster, náilon, elastano, entre outros) até pequenas e médias tecelagens, malharias e confecções (Gorini, 2000:35).

Junto com a concentração regional da produção desenvolveram-se importantes aglomerados industriais (clusters) ou pólos têxteis. Cabe destacar os principais pólos de produção do complexo por região e suas características principais devido a sua grande importância para a indústria têxtil brasileira. Na região Sudeste destaca-se o pólo da Região de Americana, que engloba empresas pertencentes aos municípios de Americana, Santa Bárbara d’Oeste, Nova Odessa e Sumaré, no interior do Estado de São Paulo. Este polo é o maior produtor de tecidos planos de fibras artificiais e sintéticas da América Latina e responsável por 85% da produção nacional destes tecidos (Gorini, 2000). Neste aglomerado industrial há grande presença de pequenas e médias tecelagens especializadas em apenas uma etapa do processo produtivo. Destaca-se neste aglomerado têxtil o fato de ter se desenvolvido a partir de grande número de pequenas tecelagens marcadas por relações de subcontratação com empresas têxteis maiores ou com comerciantes de tecidos da capital São Paulo46. Ainda na região Sudeste, destaca-se alguns pólos de confecção no Estado do Rio de Janeiro47, como o de Petrópolis (confecções de malhas), o de Nova Friburgo (moda íntima), Região do Grande Rio (jeans, moda praia, lingerie, moda geral) e Baixada Fluminense (também diversificado, com produção de jeans, moda íntima, etc) (IEL, 2000). Na região Sul, destaca-se a Região do triângulo Blumenau, Joinville e Brusque (Vale do Itajaí) em Santa Catarina, com predominância de empresas voltadas para produtos da li-

46. Discutiremos com mais detalhes a trajetória histórica e a reconfiguração deste importante aglomerado na parte 03. 47. Segundo o IEL (2000) “A crise do setor têxtil no Estado do Rio de Janeiro assumiu proporções preocupantes”. Este Estado foi um dos cinco primeiros produtores têxteis do Brasil e hoje ocupa o 10o. lugar. Prevalecem, no Estado do Rio, empresas micro, pequenas e médias (dominando 98% do total produzido no Estado)” (p.333).

nha lar (cama, mesa e banho) além da presença de malharias. Neste aglomerado, segundo Cardoso (1997), verificou-se a presença de grandes empresas verticalizadas e um grande contingente de pequenas e médias empresas, particularmente no segmento de malharias. Na região Nordeste, destaca-se a Região de Fortaleza, no Estado do Ceará, onde está localizado um grande parque de fiação, tecelagem, malharia e confecção Predominam empresas pequenas e médias de confecção em geral (IEL, 2000). É preciso destacar que, embora haja presença de aglomerados industriais importantes no cenário industrial têxtil nacional, como relatado acima, este fato não significa que, automaticamente, suas empresas estejam associadas entre si. Se a harmonização de interesses entre os diversos agentes econômicos e suas organizações se tornou um fator fundamental para a competitividade e a eficiência da cadeia têxtil, a criação de um clima de cooperação entre os diversos agentes econômicos se torna ainda mais importante na situação industrial particular dos aglomerados. Cardoso enfatiza que: Ao contrário da experiência internacional, a indústria têxtil brasileira não desenvolveu dentro desses pólos, formas de cooperação interfirmas de modo a permitir a especialização de pequenas e médias empresas em algumas etapas do processo produtivo (1997:600). 101

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Em Santa Catarina, por exemplo, Cardoso (1997) afirma que “são insignificantes no pólo do Vale do Itajaí as relações de cooperação interfirmas, principalmente entre pequenas e grandes empresas”. Na Região de Americana, que segundo este autor, era o caso que mais se aproximava do que pode ser chamado de “distrito industrial”, onde a grande maioria das pequenas e médias empresas estava envolvida em relações de subcontratação, Cardoso (1997) afirma que “essas relações de subcontratação na região de Americana caracterizavam-se muito mais como uma relação conflitiva do que uma efetiva cooperação interfirmas” (p.600/601). O estudo dos aglomerados industriais têxteis é de grande importância para a compreensão do processo de transformação estrutural por que passa o setor têxtil brasileiro e para formulação de políticas estratégicas. Estudo do IEL (2000: 323) destaca as principais razões para o estudo dos “pólos estratégicos”: existem paradigmas de pólos bem sucedidos e nem todos foram destruídos pela concorrência internacional; os pólos são mini-complexos industriais que geram externalidades generalizando benefí-

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cios para toda a cadeia têxtil; a análise do processo de revitalização dos pólos merece destaque por ressaltar a capacidade de mobilização da classe empresarial “num sentido de uma ação coletiva de recuperação da capacidade produtiva e da imagem do pólo, sustando um processo de degradação e fechamento de indústrias com geração maciça de emprego”. No caso particular de mobilização e de recuperação do aglomerado têxtil da Região de Americana, o estudo visa, sobretudo, revelar a capacidade de reação e de mobilização da classe empresarial local frente ao choque externo provocado pela liberalização comercial e em que medida se configura formas novas de cooperação e de ação coletiva no cluster. Capítulo 07 O Processo de Abertura Comercial na década de 1990 e a Reconfiguração da Cadeia Têxtil Brasileira. Em uma perspectiva histórica, a atuação do Estado em relação ao setor têxtil brasileiro passou de um Estado protetor “onipresente” para um Estado “mínimo” com o processo de abertura comercial desencadeado no final da década de 1980 e inicio da década de 1990 (Cardoso, 1997). O Estado brasileiro teve papel central na conformação do setor têxtil por meio de formas diversas de proteção (tarifárias e não tarifárias), como altas tarifas de importação (tarifa de 105% até 1986 para grande parte dos produtos), sistema de cotas, lei de similar nacional, etc. Segundo Cardoso (1997): “Uma das políticas mais importantes do período de industrialização por substituição de importações foi, sem dúvida, o fechamento do mercado interno à competição internacional” (p. 602). Anterior ao processo de abertura, entre 1986 e 1989, foi formulado um importante plano estratégico, o Plano Setorial Integrado (PSI) para o setor Têxtil. O PSI-Têxtil estabelecia metas de expansão e de modernização da indústria têxtil, tendo por base projeções de crescimento da demanda interna e das exportações até 1995. O objetivo do Plano era “a modernização e expansão dos setores principais da cadeia produtiva, assim considerados os setores têxtil e o de confecções, buscando nivelá-los tecnologicamente ao estágio alcançado pelos principais produtores mundiais” (PSI, 1989:13 apud Cardoso, 1997:598). Entre as metas básicas do PSI, previa-se: a elevação do consumo nacional de fibras ao nível mundial: 7,4Kg por habitante em 1995. Para atingir as metas de modernização de todo o complexo têxtil seriam necessários inves-

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timentos de cerca de US$ 9,6 bilhões até 1995, obtidos juntos ao BNDES, Banco do Brasil e recursos próprios da classe empresarial. Em vista da fragilidade da indústria nacional produtora de máquinas e equipamentos têxteis, a atualização tecnológica era muito dependente das importações, segundo Cardoso, “70% dos investimentos corresponderiam a gastos com máquinas e equipamentos importados” (1997:598). As metas de modernização previam a substituição de máquinas e equipamentos com mais de 25 anos de idade buscando uma profunda modernização ao longo da cadeia produtiva, a fim de superar o grande atraso tecnológico do setor. Contudo, havia dificuldades na aquisição de máquinas e equipamentos importados, gerando propostas no PSI no sentido de baixar as alíquotas de importação dos bens de capital. Em agosto de 1988, a então Comissão de Política Aduaneira (CPA) anunciou novas alíquotas de importação de 70 itens da indústria têxtil (entre máquinas e peças sem similar nacional), baixando as alíquotas de uma média de 50% para 10%. Tal redução não satisfez o setor têxtil porque a alíquota de importação de teares permaneceu no patamar de 55%. Havia um problema na introdução da moderna tecnologia, já que os teares antigos existentes não acompanhavam o ritmo de produção dos novos equipamentos (IEL, 2000). Em novembro de 1988 o Conselho de Desenvolvimento Industrial (CDI) homologou a nova política para o Setor Têxtil Brasileiro, quando a nova alíquota de importação de produtos sem similar nacional passou a 5% e de produtos com similar a 20% durante a vigência do PSI, até 1995. As alíquotas para confecções, fios e tecidos seriam reduzidas gradualmente até 1995, e o preço mínimo do algodão acompanharia a competitividade internacional, reduzindo-se os subsídios (IEL, 2000). Entre os pontos positivos do PSI-Têxtil, que somente foi aprovado em 1989, estava a sua “visão integrada do complexo têxtil”, na medida em que: propunha a modernização de toda a cadeia produtiva, concentrando-se nos segmentos mais atrasados; considerava as heterogeneidades organizacionais e financeiras das empresas; contemplava a necessidade de formação de mãode-obra especializada; e teve a participação de representantes de todas as atividades do complexo têxtil e das áreas governamentais envolvidas na reestruturação proposta. Fato importante é que o aumento da produtividade, previsto no Plano, seria acompanhado da redução gradual das tarifas aduaneiras para a importação de máquinas, equipamentos, matérias-primas e produtos têxteis (Garcia, 1994:90; Cardoso, 1997:599).

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Apesar da “visão sistêmica” da cadeia produtiva, o PSI-Têxtil não foi implementado, sendo atropelado pela rápida política de abertura comercial que antecipou a redução das alíquotas de importação propostas no plano. Segundo Cardoso, o Plano “é um exemplo candente da inocuidade do planejamento público estatal no Brasil na década de 1980 e, porque não, na de 1990, principalmente no que se refere à indústria” (1997:598). Desde a década de 1980 uma onda de liberalização comercial e de desregulamentação tem varrido tanto países desenvolvidos quanto países em desenvolvimento. Por trás desta tendência está a crença dos formuladores de políticas de que o livre comércio melhoraria o bem estar social e o crescimento dos negócios. O Brasil não fugiu à regra, sendo, contudo, um dos últimos países a entrar na onda de liberalização comercial. Até o final da década de 1980 a política comercial brasileira ainda tinha características de um regime de substituição de importações, com forte proteção por meio de barreiras tarifárias e não tarifárias. Mas esta situação de mercado protegido começou a mudar em 1988 quando o Governo federal lançou a Nova Política Industrial que previa a eliminação parcial das barreiras não tarifárias e uma redução tarifária que reduziu a tarifa manufatureira média de 90 para 43%. Contudo, o sistema de licenciamento de importação permaneceu no lugar, incluindo algumas barreiras não tarifárias como a “lei de similares”. A situação era de proteção e de isolamento da indústria brasileira em relação ao mercado e à concorrência internacional. Havia dois bloqueios: o sistema de licenciamento de importações e as elevadas tarifas de importação. As tarifas elevadas não tinham muita importância quando as guias de importação estavam suspensas (Moreira & Correa, 1988:1859/1860). Segundo Moreira & Correa: A mudança real no regime ocorreu em 1990 quando a liberalização comercial foi retomada em meio a um novo programa de reformas liberais anunciado pelo governo Collor. O processo começou com a eliminação de todas as barreiras não tarifárias relevantes e o anúncio de uma nova agenda avançada de liberalização de quatro anos (1998:1860)

O processo de liberalização comercial, desencadeado no Governo Collor, consistiu em um processo não muito ordenado ou planejado, considerado por Cardoso (1997) como uma “abertura intempestiva” dos mercados, quando o Estado deixa de atuar como um agente promotor de polí-

48. O algodão, que têm papel importante na cadeia produtiva têxtil brasileira, a partir de 1992/1993 teve uma queda drástica na sua produção, em 1996/1997 a produção chegou a atingir a metade da produção de 1990/1991(IEL,2000:28).

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ticas industriais integradas e adota uma política de drástica redução de tarifas, abandonando a proposta de redução gradual de tarifas sobre a importação de artigos têxteis. Fato relevante a ser destacado é que o desenvolvimento do processo de abertura comercial no decorrer da década de 1990 esteve associado a uma nítida apreciação da taxa de câmbio (real). Um dos efeitos mais desastrosos da combinação da “intempestiva” abertura comercial com a valorização da taxa de câmbio foi o desequilíbrio da balança comercial têxtil, que apresentou seu primeiro déficit em 20 anos a partir de 1995 com o crescimento das importações de matérias-primas e de manufaturados têxteis e a relativa estabilidade das exportações. Segundo Hiratuka & Garcia (1995a), a nova política econômica buscava a contenção do processo inflacionário crônico brasileiro e também o aumento da concorrência no mercado nacional, buscando aumentar o nível de competitividade e de modernização da indústria brasileira, abandonando políticas de reestruturação industrial anteriormente definidas no PSI-Têxtil. O impacto imediato no meio empresarial têxtil brasileiro foi de crise e de conflito entre os diversos segmentos da cadeia, com a busca de estratégias empresariais individualizadas, reforçando o antagonismo do setor. A crise do setor, contudo, não deve ser atribuída apenas ao processo de abertura comercial, que desencadeou uma onda de importações de insumos básicos e depois de manufaturados têxteis e de confeccionados, mas também à crise da produção do algodão brasileiro que se abateu sobre o setor a partir de 199348. Com o inicio da abertura comercial, ainda no final da década de 1980, as importações saltaram para US$510 milhões em 1988 (fibras, manufaturados e máquinas têxteis). As importações de fibras e de tecidos atingiram US$ 2 bilhões em 1993, desse total, metade foi gasta com fibra e a outra com tecidos (IEL, 2000:218). Em 1993 houve elevado crescimento das importações de fibras (213%) devido à grande quantidade de algodão importado. Os manufaturados também tiveram um aumento significativo (66%). Tomando o período de 1988-95, o crescimento total na importação de fibras foi de 450% e na importação de manufaturados têxteis de mais de l.700%, com destaque para a grande importação de fios e tecidos artificiais e sintéticos. No caso das máquinas, no período de 1988-95, o crescimento foi da ordem de 220%. Pela primeira vez em 20 anos, em 1995, a balança

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comercial têxtil apresentou déficit de US$ 845 milhões, atingindo seu pico em 1997 com um déficit de US$ 1.149 milhões. A indústria têxtil passou a concorrer de forma mais direta com produtos internacionais, principalmente aqueles importados da Ásia (destacando-se as importações de tecidos artificiais e sintéticos da Coréia do Sul e Taiwan). Entre as fibras químicas, o crescimento mais significativo foi na importação de poliéster, náilon e acrílico, produtos onde poucas empresas do setor químico dominavam o mercado e praticavam preços bem acima do mercado internacional. Como enfatizado, parte importante das importações correspondeu à aquisição de matérias-primas pela cadeia produtiva do algodão e não apenas aos produtos manufaturados. No inicio da década de 90 a produção nacional de algodão decresceu, além de apresentar preços elevados com qualidade inferior, fazendo com que, com a abertura comercial, a indústria passasse a importar matéria-prima de outros países de forma crescente, buscando reduzir os custos e aumentar a qualidade dos produtos. A intensificação da competição, a partir de 1995, vai incidir exatamente nos segmentos intermediários e finais da cadeia produtiva têxtil-confecção. Nesse momento há uma exposição total do setor às pressões competitivas globais. Com a fraqueza estrutural do setor, devido ao atraso tecnológico do parque industrial e a não implementação dos investimentos modernizantes previstos no PSI-Têxtil, somado a uma abertura comercial intempestiva e a uma política econômica de valorização cambial e de juros altos, o setor entrou em crise. Grande número de empresas, principalmente as pequenas e as médias, viram suas vendas e seus lucros reduzirem-se de forma drástica com a entrada dos produtos importados. Considerado um dos setores mais atingidos pelo processo de abertura comercial, o setor têxtil viveu momentos de crise, um verdadeiro choque estrutural. Segundo Hiratuka & Garcia (1995), os efeitos mais perversos da liberalização comercial sobre o setor têxtil foram determinados, principalmente, pela retração do mercado interno, o principal locus de acumulação do setor, pela reestruturação industrial nos países avançados e nos países asiáticos, e pela própria situação de extrema proteção experimentada pela indústria têxtil brasileira nos anos anteriores, causa do alto grau de obsolescência do parque industrial têxtil. Um dos efeitos mais nefastos foi a redução do número de unidades produtivas e o crescimento do desemprego no setor. Segundo dados do 1o. Relatório

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do Setor Têxtil Brasileiro do IEMI (2001), comparando o número de unidades produtivas entre os anos de 1990 e 2000, houve uma redução drástica no setor têxtil (-33,1%), com o segmento de tecelagem liderando as baixas (-70,7%), e o segmento de malharia com a menor baixa (-15,2%). Já no setor de confecções, houve um aumento do número de unidades de produção (+22,3%), com destaque nos segmentos meias e acessórios (+68,9%), linha lar (+41,3%), e artigos técnicos e industriais (+46,2%). Comparando o número de empregados, ainda segundo dados do IEMI no período de 1990/2000, houve também uma redução drástica no setor têxtil (-62%), com destaque para grande perda de postos de trabalho no segmento de tecelagem (-75,3%), seguida do segmento de fiação (-66,2%). No setor de confecções houve uma redução significativa (-29,8%), com destaque para o segmento de vestuário (-31,2%). Em termos agregados, houve um pequeno aumento do número de unidades produtivas (+8,8%) na CTC devido ao aumento do número de unidades produtivas do setor de confecção e uma redução grande do número de empregados (-40,7%). Estes contrastes demonstram: maior concentração industrial nos segmentos produtores de fios e tecidos (setor têxtil em si), com redução no número de unidades produtivas e perda de empregos - para serem competitivas as empresas deste setor demandam cada vez mais investimentos em equipamentos e tecnologia se tornando mais intensiva em capital; crescente pulverização das empresas dos segmentos produtores de artigos confeccionados (setor de confecção), com aumento do número de unidades somado a uma redução do número de empregados - para serem competitivas as empresas deste setor dependem, basicamente, de ampla disponibilidade de matérias-primas e mão-de-obra abundante e bem treinada, permanecendo ainda relativamente intensivas em trabalho (IEMI, 2000). Outro impacto do processo de liberalização comercial, além da redução do número de unidades de produção e do aumento do desemprego, foi o acirramento dos conflitos e dos antagonismos entre os elos da cadeia produtiva. A CTC sempre foi marcada pela integração fraca e pela falta de harmonia de interesses. Segundo Estudo do IEL: “Os anos de protecionismo criaram um entorpecimento da capacidade competitiva dos elos e forçaram um equilíbrio artificial na barganha de preços entre eles” (2000:200). Equilíbrio que logo desmoronou após o rompimento das barreiras protecionistas com a abertura da economia, acirrando a concorrência. Como foi enfatizado pelo Estudo do IEL, “se o relacionamento entre os elos for de natureza conflituosa, dificilmente a cadeia será competitiva” (2000:200/201).

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No momento imediato ao processo de liberalização a CTC brasileira seguramente não era competitiva no quesito “mecanismos de coordenação da cadeia”. Além da falta de integração e de harmonia de interesses entre os segmentos da cadeia, quando aparecem divergências de posições entre o setor têxtil e o setor de confecção-vestuário, havia uma ausência de mecanismos de defesa da concorrência comercial justa de forma a impedir a importação de manufaturados têxteis subsidiados ou com dumping. Os problemas se agravaram com a importação maciça de tecidos oriundos de países com reputação de subsidiadores, como Coréia do sul, Indonésia, Hong Kong, Tailândia e China. Além dos subsídios concedidos aos produtos exportados para o Brasil, os exportadores concediam crédito de 180 dias, com correção cambial e juros de 4 a 8%, quando no Brasil o crédito era de 24%. Informações da ABIT indicam que houve financiamentos externos de 180 a 360 dias com juros de 7% ao ano. Segundo o Estudo do IEL: (...) O setor têxtil esteve próximo de uma guerra causada pela abertura de mercado. A desgravação tarifária colocou em campos antagônicos a indústria de confecções e a indústria têxtil. Os pleitos da primeira eram permitir a entrada de produto estrangeiro, alegando serem de “melhor preço e melhor qualidade”; os da segunda eram um desejo de retardar a desgravação aprazada (2000:218).

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A total ausência de ações coordenadas no interior da CTC no momento da abertura comercial conduziu ao aumento da competição e dos conflitos intracadeia produtiva, acirrando os interesses particularistas dos diversos segmentos que se refletiu no aumento generalizado das importações de manufaturados (fios, tecidos e confeccionados). Para Cardoso: A forma como o complexo têxtil está estruturado no país torna racional para o industrial individual suprir-se por meio do mercado externo de máquinas, insumos e produtos. No médio prazo e vendo as coisas de um ponto de vista setorial, essa atitude individual, embora racional, é perversa em termos coletivos, pois mina as posições de cada segmento em particular em relação ao competidor internacional, eleito como principal fornecedor. A conseqüência disso é a redução da participação dos manufaturados nacionais na produção global, com impactos negativos sobre o setor como um todo (1997:617).

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Segundo os vários autores que escreveram sobre o período, a pior crise do setor têxtil brasileiro, ocorrida na década de 1990, foi uma combinação de diversos fatores: ausência de uma política industrial ativa para o setor; uma abertura comercial “intempestiva” sem mecanismos de proteção comercial; falta de ações coordenadas na cadeia produtiva, em um cenário macro-econômico de juros altos, de valorização do câmbio, que implicava alto custo dos investimentos produtivos. A falta de uma harmonia de interesses em alto nível entre os diversos segmentos da cadeia produtiva nacional constitui um obstáculo para a defesa conjunta de condições eqüitativas de concorrência comercial entre o produto importado e o nacional, principalmente se tomarmos o processo de liberalização comercial como uma tendência internacional. A falta de ações coordenadas na CTC, além de ter fortes reflexos negativos no acirramento dos antagonismos intracadeia produtiva com a busca de saídas individualizadas de curto prazo ou na ausência de uma defesa conjunta de mecanismos de defesa comercial, refletiu também na forma como o setor têxtil-confecção empreendeu processos de reestruturação produtiva respondendo ao choque estrutural imposto ao setor. Uma série de condicionantes afetou a forma como se efetivou o processo de ajuste estrutural do setor têxtil-confecção brasileiro diante do novo cenário competitivo efetivamente instaurado com o processo de abertura comercial, cabendo destacar: a heterogeneidade tecnológica e de porte das empresas do setor, a estrutura de mercado nacional bastante segmentado em função da alta concentração de renda em vigor em nosso país e a falta de cooperação entre os diversos segmentos da cadeia. As estratégias empreendidas pelas empresas do setor diante do novo cenário ainda estão sendo testadas. O processo de liberalização comercial alterou profundamente a estrutura de mercado forçando as empresas do setor a promover ajustes imediatos, em termos de saneamento financeiro e de processos de reestruturação industrial. As estratégias defensivas buscavam ajustar as empresas ao novo padrão de concorrência. Na busca do ajuste estrutural as estratégias mais importantes foram: aumento da produtividade via redução de pessoal; aumento da eficiência do processo produtivo via introdução de inovações no processo e no produto e novas formas de gestão; melhoria dos sistemas de qualidade; diferenciação de produto; terceirização de atividades e especialização da produção com maior enfoque no core business; maior utilização de insumos importados; e, direcionamento para ao cliente final.

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Devido à própria heterogeneidade do setor as estratégias foram diferenciadas conforme o porte das empresas e o mercado alvo. No caso das grandes empresas do segmento de tecelagem, segundo dados da pesquisa do IEL (2000), que utilizou o conceito de paradigma de experiências bem sucedidas: As estratégias empresariais adotadas pelas grandes empresas para manter a competitividade consistiram em um conjunto de reformas importantes, quais sejam, as fusões, as parcerias, os investimentos em modernização e reorganização industrial, a racionalização dos processos internos, a busca de parceiros no mercado internacional com exportações e outros fatores complementares (p. 241).

As empresas têxteis de médio porte tiveram maiores dificuldades com o processo de abertura, dificuldades estas que aumentam na medida em que diminui o porte das empresas. Estas empresas sofreram uma crise financeira a partir de 1985, agravando-se em 1991, com o processo de abertura comercial. Diversas empresas venderam algumas de suas unidades fabris buscando, em alguns casos reduzir os custos e sanear financeiramente a empresa, em outros seguindo um plano estratégico, concentrando suas atividades e seus investimentos nas unidades de melhor eficiência e alterando alguns tipos de produtos (IEL, 2000:258). Para as pequenas tecelagens a intensificação da concorrência com a abertura comercial foi predatória, em geral, devido à sua própria condição de grande atraso tecnológico e de pouca facilidade de acesso ao crédito para promover modernização tecnológica ou outras formas de melhoria. Para Cardoso (1997: 590), “as microempresas foram as mais prejudicadas e serviram como uma espécie de “amortecedor” para as grandes empresas”. Devido à própria forma como a cadeia produtiva têxtil-confecção brasileira se estrutura, bastante integrada verticalmente, fazendo com que as empresas dependam muito pouco dos segmentos anteriores e posteriores, “as iniciativas de reestruturação, neste contexto, recaem quase que inteiramente sobre a empresa individual, ainda que esta empresa seja parte de um grande grupo econômico” (Cardoso, 1997:606). Em termos de reestruturação produtiva, os investimentos foram pesados e concentrados nas grandes e algumas médias empresas devido ao obstáculo do alto custo do crédito

49. A questão do financiamento é apontada como um dos maiores obstáculos à modernização do setor e à obtenção de um maior grau de competitividade, obstáculo este comum a todos os segmentos da cadeia. Sendo a utilização de recursos próprios para o financiamento a opção mais utilizada pelas empresas do Brasil, devido à escassez de crédito. Este obstáculo prejudica, particularmente, as micros e pequenas empresas que tem maiores dificuldades na obtenção de crédito. Para o IEL: “Corrigir as distorções do financiamento é condição mais do que necessária para alavancar de vez o setor têxtil no Brasil” (2000:143) 50. Centro de Tecnologia das Indústrias Química e Têxtil – Cetiqt (Rio de Janeiro-RJ).

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no nosso País49. O grande desafio era vencer a obsolescência do parque industrial têxtil. Investimentos maciços foram e têm sido feitos para reverter a situação de atraso tecnológico que impedia a competitividade da indústria têxtil e de confecção. Dados do final da década de 1990 do Setor de Estudos Técnicos do SENAI-Cetiqt50, apresentados em Miranda (1999: 17), indicavam que “as máquinas em operação no país têm 16 anos de uso, quando deveriam ser trocadas a cada cinco anos”. O estudo do SENAI-Cetiqt indica que a idade média das máquinas está longe da apropriada, mas apresentando ligeiro declínio nos anos recentes por meio dos crescentes investimentos em modernização. Segundo Gorini (2000: 31): “Os investimentos realizados colocaram o Brasil – em especial, as maiores empresas da cadeia do algodão – em patamar tecnológico similar ao resto do mundo”. O custo do processo de modernização por que passou a indústria têxtil brasileira, ao longo da década de 1990, segundo dados referentes ao período de 1990/2000 (IEMI, 2001:52) foi de US$7,8 bilhões, levando-se em conta apenas máquinas, equipamentos e peças de reposição (nacionais e importadas). Em relação aos investimentos feitos em cada segmento particular da cadeia produtiva, neste mesmo período, o Relatório do IEMI (2001) destaca: o setor de fiação foi aquele que realizou os maiores volumes de investimentos, justamente por ser o segmento mais intensivo em capital e por depender de escalas maiores de produção; no setor de tecelagem as grandes empresas lideraram os investimentos durante quase todo o período buscando ganhos de escala na produção de commodities de algodão (tecidos índigo e sarjas, principalmente) - após a desvalorização da moeda (1999) as empresas de médio e pequeno porte deste segmento recuperaram parte de sua competitividade voltando-se para produtos de maior valor agregado; o setor de beneficiamento (tinturaria e estamparia) recebeu bons investimentos em função da sua importância na determinação da qualidade final dos produ-

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tos, na sua diferenciação e na agregação de valor; no segmento de malharia os investimentos estiveram mais vinculados à entrada de novas empresas do que à modernização de empresas já em operação (IEMI, 2001:52). O upgrade na produção têxtil, que se deu com uma média de investimentos superior a US$ 700 milhões anuais em equipamentos ao longo da década de 1990, mudou o perfil do setor, fazendo com que, cerca de 90% dos produtos têxteis fabricados no País sejam obtidos a partir de máquinas modernas com níveis muito próximos aos registrados em países concorrentes (IEMI,2001:54). Os grandes investimentos que marcaram o processo de modernização na década de 1990 foram voltados para a compra de maquinário tecnologicamente de ponta, em grande parte importado51. Característica importante do processo de reestruturação produtiva têxtil foi a importação de maquinário em função da fraca competitividade do setor produtor de máquinas têxteis nacional, um setor que tende a se tornar cada vez mais globalizado devido à necessidade de altos investimentos em capital. Aspecto relevante foi que a liberalização das importações de máquinas têxteis diminuiu o preço da compra de máquinas de última geração. Estudo do ECCIB (2002) aponta duas características importantes deste ciclo de investimentos no setor têxtil: primeiro, parcela significativa destes investimentos foram feitos na região Nordeste do País; segundo, elevada concentração das aplicações na cadeia de têxteis naturais- particularmente na cadeia do algodão onde nossa indústria é mais competitiva (p.35/36). Estas características estão relacionadas ao grande número de incentivos oferecidos pelos governos estaduais da Região Nordeste, além da mão-de-obra de menor custo em relação a outras regiões do país, e também ao fato de as grandes empresas têxteis brasileiras, as que fizeram os maiores investimentos52, estarem voltadas para a produção de commodities que utilizam basicamente o algodão. Gorini (2000) destaca as seguintes transformações estruturais que ocorreram na cadeia têxtil-confecção a partir do processo de abertura comercial e da intensificação da concorrência externa na década de 1990: a grande

51. Neste período houve uma redução significativa da participação dos equipamentos nacionais no conjunto dos investimentos feitos, se limitando a acessórios e equipamentos auxiliares, em grande parte na área de beneficiamento (IEMI,2001:53). 52. A CTC brasileira é mais competitiva na subcadeia do algodão onde a liderança está nas mãos de um pequeno grupo de grandes empresas internacionalmente competitivas, com destaque para os grupos Santista, Vicunha e Coteminas que sozinhos concentraram a maior parte dos investimentos em modernização.

53. Apesar dos grandes investimentos feitos na região Nordeste durante a década de 90, e ao crescimento lento da região Sudeste perdendo parte de sua importância, ao final da década, contudo, a região Sudeste permanecia como a principal região produtora. Dados do IEMI (2001) referentes ao ano de 2000 mostram que a região Sudeste respondia por 49% da produção nacional, seguida pela região Sul com 28,5%, e a região Nordeste em terceiro lugar respondendo por 19,6% (IEMI, 2001: 54)

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concentração da produção no segmento têxtil e grande pulverização no segmento de confecção; o aumento da relação capital/trabalho na indústria têxtil devido aos altos investimentos em modernização. O processo de reestruturação implicou o declínio da produção em alguns segmentos, particularmente da produção de tecidos planos que gerou os seguintes efeitos: a falência de muitas empresas (especialmente as produtoras de tecidos artificiais e sintéticos, mais atingidas pelas importações da Ásia); a substituição da produção de tecidos planos pela de malhas de algodão (cujos investimentos são mais baixos e os produtos em geral também são mais baratos, estando direcionado aos novos consumidores que o Plano real incorporou ao mercado); o deslocamento regional para o Nordeste brasileiro e demais regiões de incentivo53; a mudança do mix de produtos. Algumas empresas reduziram o seu mix de produtos e aumentaram as escalas de produção (grandes empresas produtoras de commodities que fizeram altos investimentos em modernização, mas que tem uma estratégia não somente baseada em custos baixos, mas incluem também estratégias de distribuição, marca e inovação contínua do produto). Outras empresas buscaram intensificar a terceirização da sua produção, com maior diferenciação dos produtos e voltando-se cada vez mais para a comercialização (gerenciamento da marca, logística, maior proximidade ao cliente final via franquias ou lojas próprias). Poucas empresas atuando em redes ou prestando serviços de “pacote completo” e algumas empresas buscando atuar no mercado externo via investimentos em marcas e canais de distribuição ou ainda via produção externa (Gorini, 2000: 31). O 1o Relatório do Setor Têxtil do IEMI (2001: 47/48) também destaca as principais transformações vividas pelo setor têxtil-confecção na última década a partir de sua inserção em uma economia globalizada: pelo lado da oferta, as empresas têxteis (produtoras de fios e tecidos) passaram de uma situação de acesso restrito às matérias-primas para uma situação de disponibilidade ampla de fornecedores, com a introdução de insumos importados e a remodelação das indústrias produtoras de fibras e filamentos; de detento-

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ra de um mercado cativo e de pouca concorrência para uma situação de alta competição na comercialização de seus produtos; de uma estrutura produtiva envelhecida e limitada em termos de tecnologia para uma situação de investimentos elevados, em busca de um padrão operacional de alta eficiência e escala crescente; de um alto grau de integração, necessário para garantir o abastecimento das matérias-primas em um mercado fechado, para uma empresa especializada e cada vez mais dedicada ao atendimento de seu mercado final; motivada pela recente desvalorização da moeda, a indústria começa a mudar o seu foco, antes quase que exclusivamente voltado ao mercado interno, passando a avaliar de forma mais incisiva a possibilidade de expandir a sua participação no comércio internacional de têxteis. Desta forma, os principais efeitos do ajuste estrutural do setor têxtil foram: [a] redução do número de unidades produtivas – de forma desigual devido a heterogeneidade estrutural das empresas da cadeia; [b] redução de postos de trabalho em função de políticas de redução de custos ou modernização tecnológica do parque industrial; [c] redução da idade média dos equipamentos a partir de altos investimentos, particularmente nas grandes empresas do setor (IEMI,2001). Segundo os Relatórios e as Notas Técnicas Setoriais consultadas, foram necessários grandes esforços das empresas têxteis brasileiras para recuperar o padrão de competitividade de seus principais segmentos produtivos. Somente no final da década de 1990, quando inúmeras empresas do setor (particularmente as grandes empresas da cadeia do algodão) haviam empreendido investimentos em programas que visavam a melhoria da produtividade e da qualidade de seus produtos, sendo beneficiadas por medidas de proteção tomadas pelo governo federal e também por um cenário macro-econômico com uma taxa de câmbio favorável, foi possível empreender estratégias de médio e longo prazo passando de uma estratégia defensiva para uma ofensiva, tanto em relação ao mercado nacional quanto ao internacional. Já a indústria de confecções teve uma reação bastante diferenciada aos efeitos da abertura de mercado. Como alternativa ao desemprego na indústria têxtil, na medida em que esta indústria se tornou mais capital-intensiva, ocorreu um aumento do número de unidades em geral de pequeno porte, direcionadas ao consumo de artigos populares de preços baixos e de fácil produção. O aumento dos processos de terceirização nas grandes empresas de confecção proprietárias de grandes marcas e a entrada de grandes redes de distribuidores internacionais no país aumentou o número de confec-

54. Relatório Gazeta Mercantil- Indústria Têxtil, 08 de Junho de 2000.

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ções licenciadas, uma alternativa de crescimento para pequenas confecções. Também houve investimentos em modernização com automatização de processos (CAD/CAM), treinamento de mão de obra e maior profissionalização no setor. Tornou-se mais abundante e diversificada a oferta de tecidos com a entrada de novos fornecedores (IEMI, 2001:49). Cada vez mais têm se tornado imperativo para as empresas da indústria têxtil-confecção a promoção de formas de upgrade fora da produção, como investimentos em qualificação da mão de obra, domínio de atividades como design e marketing e maior enfoque na organização da cadeia produtiva. Na medida em que a tendência internacional tem sido dar enfoque ao core business, com as empresas líderes tornando-se organizadoras da cadeia. A simples atualização tecnológica do parque industrial não é suficiente para tornar a cadeia produtiva competitiva frente à intensa concorrência internacional. As gestões recentes da ABIT perceberam as transformações estruturais que passava o setor têxtil-confecção brasileiro, seus principais desafios frente às pressões competitivas internacionais, e têm buscado empreender novas estratégias competitivas de médio e longo prazo, particularmente a maior ênfase no setor de confecção e moda e um discurso institucional em defesa de maior cooperação entre os diversos elos da cadeia. É importante ressaltar o novo discurso institucional das gestões recentes da ABIT que passa a enfatizar a necessidade de se trabalhar de forma conjunta e de se ter uma mudança de postura e de cultura no meio empresarial têxtil. O então presidente da ABIT Paulo Skaf (atual presidente da FIESP) afirmou ao Jornal Gazeta Mercantil no ano 2000: “A união vem pelo amor ou pela dor”. Bastante otimista, o empresário dizia que, diante de tantas dificuldades vividas pelo setor os empresários dos diversos segmentos da cadeia estariam mais conscientes de que são elos de uma mesma corrente: “Deixamos de ser um setor desunido para nos tornarmos organizados, com metas claras”.54 Como Gereffi & Korzeniewicz (1994) enfatizaram, a globalização envolve integração funcional e pede uma coordenação eficiente da cadeia da mercadoria. Neste sentido, o novo discurso institucional e os programas estratégicos das gestões recentes da ABIT em defesa de maior cooperação en-

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tre todos os segmentos da cadeia produtiva têxtil, assim como a entrada de agentes econômicos do segmento de confecção nesta associação empresarial (produtores de confeccionados com marca, por exemplo, Zoomp e Fórum), são indicativos de que o setor têxtil-confecção brasileiro passa não somente por processos de modernização industrial, mas também pelo surgimento de novas institucionalidades e pela busca de novas formas de coordenação administrativa ou governance. Particularmente quando as novas institucionalidades se tornam fundamentais frente ao desafio de coordenar a cadeia e conjugar interesses os mais diversos dos agentes econômicos envolvidos (Abramo & Abreu, 2000). O projeto macro da ABIT é o “TexBrasil - Programa Estratégico da Cadeia Têxtil Brasileira”. Este programa vem sendo desenvolvido desde o ano de 2001 com o apoio da Agência de Promoção às Exportações (APEX). A missão do TexBrasil – um mega projeto e uma marca institucional ao mesmo tempo – é articular toda a CTC brasileira para seu contínuo aperfeiçoamento em design e tecnologia, consolidando o mercado interno e elevando as exportações. O TexBrasil, enquanto um programa estratégico, busca divulgar e fortalecer a marca TexBrasil, consolidando o produto têxtil-confeccionado brasileiro no mercado interno e no global, tendo como sua meta maior a venda do produto confeccionado com marca brasileira, com estilo brasileiro, projetado por estilistas brasileiros, ou seja, agregando valor do design nacional, incentivando a geração de emprego por meio do incremento do setor de confecções, buscando a geração de superávit comercial têxtil por meio de exportação de produtos de maior valor agregado (ABIT, 2003b). Uma das prioridades da ABIT é a exportação. Um desafio já que o Brasil não é encarado como um competidor internacional, apesar de ser um grande consumidor de têxteis. A associação tinha como sua meta global para 2005 alcançar 1% do mercado mundial de têxteis. Para isso, a associação tinha como alvo prioritário o setor de confecção-moda, para não apenas exportar um produto têxtil-confeccionado, mas exportar produtos de maior valor agregado.55 Para alcançar esta meta a ABIT tinha como projeto o desenvolvimento de Pla-

55. Na linha lar (cama, mesa e banho), os produtos confeccionados são bastante competitivos, em geral produzidos por grandes empresas verticalizadas. Contudo, no mercado mundial de vestuário, em 2000, o Brasil participou com apenas 0,14% (dados da Secex e OMC).

56. Segundo Fause Hauten, ganhador do Prêmio ABIT Fashion Brasil na categoria de melhor estilista de 2000: “A ABIT está representando uma unidade do setor que a gente há muito tempo esperava” (Revista Têxtil. São Paulo: R.da Silva Haydu&Cia.Ltda, Jan/Fev-2001). 57. Também ganhador do Prêmio ABIT Fashion Brasil na categoria melhor estilista de 2001, e parceiro de diversas empresas têxteis brasileiras para o desenvolvimento de tecidos com grife. Foi contratado pelo Grupo Vicunha, por exemplo, para assinar tecidos exclusivos, ao todo 6 indigos indo desde o tradicional até mistura com sintéticos e fios triplos (Revista Têxtil. São Paulo: R.da Silva Haydu&Cia.Ltda. Jan-Fev-2001).

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taformas de Exportação de Confecção, que seriam mega-plataformas voltadas para a produção de commodities e semi-commodities , segmentos que constituem cerca de 70% dos produtos comercializados no mercado mundial. A estratégia de marketing da ABIT abarca o desenvolvimento da marca “TexBrasil”, o nome do próprio programa estratégico do setor. Trata-se de uma marca “guarda-chuva” que busca identificar todos os produtos originados no Brasil. Ao mesmo tempo a marca “TexBrasil” serviria, segundo os formuladores do mega-projeto, de uma espécie de laço de união dentro do setor têxtil-confecção, gerando sinergia entre os diversos segmentos da cadeia. Dentro de seu programa estratégico e seguindo tendência internacional de dar maior enfoque no consumidor final, voltando-se para a ponta da cadeia, a ABIT vem trabalhando no sentido de incentivar o segmento que puxa toda a cadeia e que tem ligação direta com o cliente final: a moda. Diversos eventos ligados ao mundo fashion vêm sendo patrocinados e incentivados pela entidade, como o atual “São Paulo Fashion Week”, entre outros que compõem o Calendário Oficial da Moda criado pela ABIT, além de apoio e incentivo a diversos estilistas brasileiros como Fause Hauten56 e Alexandre Herchcovitch57, estilistas ganhadores do Prêmio ABIT Fashion Brasil. Há uma preocupação da ABIT no sentido de incentivar os segmentos de confecção e moda, os segmentos finais da cadeia ligados diretamente ao mercado consumidor. Os segmentos confecção e moda têm papel importante, tanto para o setor empresarial quanto para os formuladores de políticas públicas voltadas para a promoção de micro, pequena e média empresa. Para o setor empresarial por serem segmentos estratégicos na medida em que produz um produto de maior valor agregado. Para os formuladores de políticas por serem estes segmentos finais os grandes empregadores de mão-deobra, atenuando o problema do desemprego que se agravou desde que a indústria têxtil se tornou mais intensiva em capital. Com o apoio da APEX e

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das embaixadas brasileiras, a ABIT tem promovido e patrocinado a participação de estilistas brasileiros (como Fause Haten, Alexandre Herchcovitch, Reinaldo Lourenço, entre outros) e de grandes proprietários de marcas brasileiras (como Zoomp e Ellus) em feiras de negócios internacionais, tais como a TexWorld e a Fashion World em Paris. A estratégia de marketing tem se dado também por meio de participação de empresas do setor em feiras segmentadas e por meio de programa promocional institucional (folders, vídeos e cd-roms). A valorização da moda se tornou uma tendência internacional na CTC na sua busca por maior diferenciação de seus produtos. No caso brasileiro, sempre houve uma utilização da moda na busca da diferenciação de seus produtos. Contudo, tem havido no período recente uma busca em forma de parceria entre a indústria têxtil nacional e alguns estilistas brasileiros, no sentido de construir uma moda diferenciada da moda produzida no exterior.58 Durante o Painel de Moda da III Conferência Internacional Têxtil e de Confecção59, onde se discutiu as “tendências regionais da moda no mundo globalizado”, o estilista Walter Rodrigues ressaltou temas pertinentes, como: a importância de redimensionar o poder do país e da moda brasileira; a descoberta e a utilização do potencial e da diversidade cultural (o estilista citou como exemplo seu trabalho com as rendeiras do Maranhão) agregando o valor do trabalho artesanal nas roupas; a associação de um estilo brasileiro de vestir a um produto confeccionado manufaturado no Brasil. Outros debatedores presentes no Painel enfatizaram: a importância de os estilistas utilizarem insumos locais em suas produções, promovendo maior integração na cadeia local; o enfoque em uma moda regional não pode significar uma simples “folclorização” da cultura nacional; a sinergia entre produtores têxteis brasileiros e segmentos de confecção e moda poderia gerar um 58. O apoio e o incentivo aos estilistas brasileiros patrocinado pelas empresas têxteis nacionais têm se dado por várias maneiras no intuito de incrementar um processo de inovação continua. Nesse sentido cabe destacar as iniciativas do “Projeto Lab” e a “Semana de Moda” desenvolvidos em São Paulo com o apoio da ABIT. Estes projetos buscam gerar novas experiências, novas criações e novos materiais, num processo de junção de talento e tecnologia, indústria e criação, uma forma de união que estimula e dinamiza os elos da cadeia produtiva. O apoio aos novos criadores, não apenas aos estilistas consagrados, parte da visão de que é necessário um processo de estimulo permanente, essencial para, não apenas conquistar, mas sobretudo manter espaço nos mercados nacional e internacional. 59. III Conferência Internacional Têxtil e de Confecção e 7a. Mostra de Equipamentos e Serviços, ocorrida no Senai-Cetiqt no Rio de Janeiro nos dias 22/23/24 de julho de 2003.

60. ABIT-Informativo Corporativo- Edição Especial- Ano I- No. 2- Jun-Jul-Ago-2000. 61. O primeiro curso de moda brasileiro foi o do Senai-Cetiqt, como um curso de nível médio. Sendo que o primeiro curso de nível superior foi oferecido pela Faculdade Santa Marcelina em São Paulo, que formou uma nova geração de estilistas, como Alexandre Herchcovitch. Segundo Carlos Ferreirinha, da ABIT, durante sua apresentação no Painel de Moda da III Conferência Internacional Têxtil e de Confecção, num período de 6 anos apenas o Brasil passou de 6 a 54 escolas de moda. Nesta conferencia, a diretora do Instituto do Design do SENAI Cetiqt afirmou a importância dos cursos de moda no Brasil para formar um profissional integrado, valorizando a sinergia entre os diversos elos da cadeia. 62. O Circuito oficial de negócios da moda brasileira compreende um calendário de eventos do setor têxtil-confecção, como feiras de negócios voltados para os diversos segmentos produtivos e desfiles de moda direcionados para mercados específicos. ABIT Informe Corporativo-Ano II- No.10- Junho 2003.

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produto confeccionado nacional de maior valor agregado, sobrepondo-se ao modelo façonista tradicional. A valorização da moda pela indústria têxtil-confecção brasileira demonstra uma maior articulação estratégica entre os diversos segmentos que compõem a cadeia, a partir de uma mudança de visão dos empresários têxteis que passaram a encarar a moda como um negócio bastante lucrativo para o setor. Paulo Skaf, durante a cerimônia do 1o. Prêmio ABIT Fashion Brasil em São Paulo, afirmou: “A moda brasileira vem crescendo bastante em todo mundo e tem nos estimulado a criar produtos cada vez mais com maior valor agregado e design brasileiro”.60 Diversos fatores, tais como, a volta dos desfiles de moda, como o São Paulo Fashion Week em São Paulo e o Fashion Rio no Rio de Janeiro, a valorização crescente do trabalho dos estilistas brasileiros, ao invés de somente reproduzir as tendências da moda internacional, o desenvolvimento de projetos visando estabelecer uma marca brasileira alicerçada em uma identidade nacional (ou na sua diversidade), somado ao surgimento de diversas escolas e faculdades de moda por todo Brasil61, além do crescimento da indústria da moda brasileira e de seus diversos profissionais, criaram uma verdadeira onda fashion que a indústria têxtil-confecção nacional tem buscado estimular, valorizar e obter dividendos. O mercado de moda no Brasil tem vivido momentos de entusiasmo, com a volta dos desfiles e com o sucesso de estilistas brasileiros no mercado nacional e internacional, e com a criação do Brazil Fashion Show - Circuito Oficial de negócios da moda brasileira62. Cada vez mais a indústria da moda passa a ser encarada pelo meio empresarial têxtil-confecção como um negócio lucrativo para o setor, seja por agregar maior valor ao produto final da

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cadeia, seja por atender a um público consumidor cada vez mais diversificado e ávido por novidades. O desenvolvimento da sinergia e da parceria entre agentes econômicos das indústrias têxteis e de confecção e designers brasileiros podia ser percebida claramente durante o São Paulo Fashion Week edição 2001, quando 80% dos tecidos e malhas apresentados nos desfiles eram de fabricação nacional, representando tanto um despertar da importância do mercado fashion para o setor industrial, quanto uma maior sintonia entre a matériaprima que a indústria têxtil oferece e aquela que os criadores procuram utilizar.63 Esta parceria entre a produção industrial têxtil e a criação dos designers locais, que surge durante a década de 1990, foi fruto tanto de um novo contexto industrial e competitivo que possibilitou o aparecimento de uma indústria têxtil reestruturada e formuladora de novas estratégias empresarias, quanto pelo surgimento de uma nova geração de estilistas brasileiros. Na medida em que, cada vez mais, as empresas têxteis buscam focalizar suas atividades no core business, o gerenciamento da marca vem se tornando um ponto fundamental tanto para os produtores de commodity quanto para os produtores voltados para produtos orientados pela moda. Por meio da marca própria as empresas que atuam no setor têxtil-confecção nacional têm buscado diferenciar seus produtos e ter um posicionamento no mercado nacional e internacional. Para que as empresas do setor têxtil e de confecção brasileiro possam aumentar o volume e a qualidade de suas exportações a única saída é agregar valor ao produto, ou seja, exportar confeccionados com uma marca nacional que simbolize ou represente um estilo.

63. Já era possível observar uma aproximação entre os fabricantes de tecidos e os criadores de moda brasileiros no final da década de 90 durante o IV Morumbi Fashion (atual São Paulo Fashion Week) realizado no Parque do Ibirapuera (SP). Os estilistas presentes no IV Morumbi Fashion argumentaram que “querem maior aproximação com os fabricantes de tecidos e de malhas, no sentido de que possam desenvolver suas coleções a partir de artigos desenvolvidos no país (40% dos tecidos das coleções apresentadas no Morumbi Fashion foram importadas)”. Segundo a Revista Têxtil, a conclusão que se chegou no final dos debates ocorridos durante o evento foram: “Se o setor têxtil quiser voltar a crescer e retomar a importância que já teve na economia nacional, é fundamental valorizar todos os seus segmentos: desde a matéria-prima até a roupa pronta, passando pelas tecelagens e malharias, o segmento de estilo e criação de moda, (...) desenvolvendo produtos que atendam às exigências de qualidade e de preço determinadas pelos consumidores” (Revista Têxtil. O impacto da globalização na cadeia têxtil. São Paulo: R.da Silva Hayde & Cia.Ltda. edição 01, Fev/Mar de 1998, p.61).

Grandes empresas de têxteis e de confeccionados – especialmente as integradas – têm procurado se tornar produtoras com marca. No caso das grandes empresas da subcadeia do algodão, as que mais investiram em modernização na década de 1990 e as mais competitivas e com experiência no comercio exterior, a marca própria está presente tanto na sua produção direcionada para commodities quanto para a sua produção direcionada para os chamados “tecidos com grife”.64 No caso das grandes empresas produtoras de fibras químicas, particularmente as subsidiárias das empresas multinacionais (Rhodia, Dupont, Unifi, Rhodia-Ster) as mais fortes deste segmento no Brasil, as estratégias têm sido não competir no mercado de commodities direcionando-se para a diferenciação de seus produtos por meio da parceria com o segmento de moda, buscando produtos mais especializados de alto valor agregado, assim como, buscando organizar a cadeia para frente e com foco no desenvolvimento de marcas e patentes. Já para as empresas locais produtoras de fibras químicas (Polyenka, Ledervin, Fibra65) a estratégia tem sido a diversificação da produção e a busca de organizar a cadeia para trás. Segundo as economistas do BNDES:

Segundo o estudo do IEL (2000), a DuPont decidiu crescer no mercado da América do Sul. O Centro de Pesquisas da empresa investe na tecnologia de novos tecidos, dentro do princípio de que “a novidade hoje para o mundo

64. Diversas parcerias surgiram entre empresas do setor têxtil-confecção nacional e alguns estilistas brasileiros para o desenvolvimento de tecidos exclusivos (marcas próprias), destacando-se os seguintes casos de parceria: o contrato do estilista Alexandre Herchcovitch pelo Grupo Vicunha para assinar tecidos exclusivos, a Santaconstância Tecelagem e a Paramount que fizeram parceria com o mesmo estilista, a Tecelagem Hudtelfa que fez parceria com Fause Haten, a Paramount com Ricardo Almeida, a Fiação e tecelagem São José com Ronaldo Fraga, e a Jauense com Walter Rodrigues (Ver: Revista Têxtil. São Paulo: R.da Silva Haydu&Cia.Ltda. Jan-Fev-2001/ Jan-Fev-2002). 65. Neste segmento existe a empresa joint venture Fibra-Dupont.

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As produtoras de fibras tentam coordenar a cadeia a partir de diferenciação, como por exemplo, marcas para fios (como a Dupont faz com a Lycra) ou marcas de homologação (como a Rodhia faz com a AMNI). No Brasil, essas empresas têm sido as que criam a dinâmica da inovação, através de campanhas (desfiles, exposições, etc) nas quais envolvem empresas de todos os segmentos das cadeias têxteis (Monteiro & Santos, 2002:131).

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da moda é o tecido e não necessariamente a modelagem” (p.265). Por meio do lançamento de um novo filamento de poliéster, o micromattique, voltado para a indústria de tecidos, a DuPont entrou no segmento de microfibras66. Além do desenvolvimento de novos produtos e de buscar introduzir os seus produtos em todos os segmentos, horizontalizando a sua comercialização, uma das estratégias da DuPont tem sido o apoio de marketing para empresas de médio e pequeno porte, que utilizam matéria-prima feita com lycra.67 O processo de diferenciação do produto (o fio) por meio da criação de um selo de qualidade se dá, no caso da DuPont, por exemplo, quando a empresa concede o certificado “Lycra Assured” aqueles que se comprometem com a qualidade na fabricação de tecidos que tem lycra. Os clientes possuem acesso irrestrito ao programa de homologação da marca lycra para diferenciar seus produtos. Trata-se de uma rede de empresas (DuPont e fabricantes de tecidos) que associam tecnologia, marketing e canais de comercialização. A diferenciação é o grande trunfo deste segmento (o náilon representa cerca de 6% do que é consumido no Brasil), um nicho de mercado, onde a tecnologia se torna essencial e direcionada para a produção de fios e tecidos diferenciados e elitizados. Nesse sentido, a Rhodia vem empreendendo diversas parcerias com o segmento de moda buscando criar e desenvolver novos materiais e novos produtos. Poderíamos destacar o “Projeto Hot Spot”

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66. A Revista Textile View define “microfibras” como “os fios feitos da extrusão muito fina de polímeros (principalmente de poliamida e de poliéster). Já a definição dada pela Hoescht diz que ela deve ser aplicada a “uma fibra que seja mais fina do que a mais fina encontrada na natureza naquele setor têxtil particular”. Nesse caso a mais fina fibra encontrada na natureza está representada pela seda. Historicamente, os filamentos mais finos foram desenvolvidos na tentativa de imitar as qualidades da seda, assim como produzir seda como tecido. Como o “boom”das microfibras acabou provocando o surgimento de fios e tecidos de baixo padrão de qualidade, fabricantes de fibras químicas tem buscado estabelecer padrões de qualidade que devem ser seguidos também pelos fabricantes de fios e tecidos em termos de marca registrada. No caso da Rhodia Poliamida, por exemplo, criou-se o selo de qualidade AMNI para os produtos têxteis feitos a partir do fio de poliamida da Rhodia. (Revista Textile View. As Fibras nos anos 90. Suplemento Especial. N. 11, Out-1990; Revista Têxtil. São Paulo: R.da Silva Haydu&Cia.Ltda. Junho/julho 1999). 67. Segundo o estudo do IEL (2000), a empresa criou o Programa Pólo Express que engloba cerca de 2.200 confecções nos principais pólos produtores de roupa intima, moda praia e esportiva, no Brasil. As confecções interessadas em participar do programa fornecem amostras de seus produtos para análise de corte, costura e acabamento das peças. Se forem aprovadas pelo controle de qualidade da DuPont, as peças passam a utilizar a etiqueta com a marca Lycra. Os fabricantes homologados participam de workshops e cursos sobre tendências de moda, além de receber orientação técnica em marketing (p.267).

68. Revista Têxtil. São Paulo: R.da Silva Haydu&Cia.Ltda. Jan-Fev-2001. 69. Trata-se de uma combinação do uso de novos tecidos, a partir de novos materiais (combinando o fio AMNI de diversas formas dentro dos padrões de qualidade da Rhodia), dentro do processo de criação de coleções sofisticadas direcionadas para um consumidor de maior poder aquisitivo. 70. A CTC é bastante complexa envolvendo diversos segmentos que por si só formam processos produtivos particulares. Mas é importante ressaltar a importância da marca própria como uma estratégia importante das empresas no sentido de diferenciar seus produtos e alcançar sua participação no mercado. No caso das malharias, caberia destacar os casos de duas empresas (Hering e Marisol) que tem investido no segmento fashion e buscado o varejo seletivo por meio da estratégia de criar sua marca própria. A meta destas empresas é exportar produtos com marca consolidando no exterior a imagem de uma em-

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da Rhodia que oferece apoio integral a novos estilistas, desde o processo de criação de moda, passando pela tecnologia até a fase de marketing ou de comercialização do produto, quando os trabalhos dos estilistas são apresentados sendo feito a promoção de negócios. O suporte de criação do projeto ficou a cargo do estilista paulista Alexandre Herchcovitch, o suporte em tecnologia com profissionais de desenvolvimento têxtil da Rhodia e os negócios da moda com Paulo Borges e Beto Lago68. Dentre as marcas da Rhodia destacamos os fios AMNI, o AMNI BIOTEC, e o ALYA-ECO. Os produtos que tem a marca Rhodia AMNI têm sido utilizados – em forma de parceria - nos trabalhos de estilistas e de produtores com marca, entre eles, Alexandre Herchcovitch, Fause Haten, Fórum e Zoomp.69 O AMNI BIOTEC é o primeiro fio de poliamida com ação antibacteriostática do mundo, um produto bastante diferenciado e inteligente, uma tendência neste segmento. O fio ALYAECO é uma fibra de poliéster produzida 100% de embalagens recicladas de garrafas descartáveis (“pet”) que pode ser combinada com a fibra de algodão, de viscose, de tencel e outras misturas. Para definir suas estratégias é preciso que as empresas tenham um conhecimento adequado do mercado. No caso particular dos produtores de fibras químicas, segundo Fleury (2001), “estes procuram tornar suas marcas conhecidas pelo mercado e, a partir disso, criar condições para coordenar as cadeias produtivas “de montante para jusante”, diminuindo a dependência relativa do funcionamento das demais empresas” (p.55). Por meio das marcas de fios e das marcas de homologação “as empresas produtoras de fibras tornam-se conhecidas no mercado e criam valor para seus produtos” (p.55). Fleury destaca que são estas empresas que têm criado dinamismo no mercado de moda no Brasil.70

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A partir do processo de liberalização comercial desencadeado na década de 1990, a organização da CTC no Brasil vem passando por mudanças estruturais, uma verdadeira “metamorfose” (Fleury et al, 2001:56), buscando ajustar-se ao novo cenário competitivo e aos novos padrões de concorrência internacionais levando a um processo de reestruturação das empresas dos setores têxtil e de confecção. Neste novo contexto a grande empresa integrada tem buscado um melhor posicionamento na ponta do mercado por meio do desenvolvimento de canais de comercialização, buscando a integração para frente subcontratando atividades produtivas, concentrando-se nas atividades centrais (design, marketing, gerenciamento da marca) e no controle da cadeia produtiva, e valorizando a formação de mercado por meio de marcas. Na medida em que a grande empresa tem alterado suas estratégias e suas formas de atuação, estes ajustes têm afetado todos os nós da cadeia levando a mudanças estruturais na sua forma de organização. Segundo Fleury et al (2001) estas mudanças têm levado a novos modelos de organização nas indústrias têxtil e de confecção brasileira, que envolvem tipos particulares de reestruturação e de relacionamento entre estas indústrias. Como apresentado na Parte 01, Fleury et al (2001:51) desenvolveram modelos que representam as estratégias das principais empresas mundiais e também os movimentos que estão ocorrendo nas principais empresas da cadeia brasileira. Estes modelos demonstram o desenho das principais estruturas da cadeia têxtil-confecção e podem ser divididos em dois grupos onde o domínio do design e da marca própria são os grandes diferenciais entre as empresas que dominam as cadeias e aquelas que atuam como simples fornecedoras. O primeiro grupo são as empresas que tem liderança na cadeia, tem seu enfoque no cliente final, são gerenciadoras de marcas próprias e subcontratam atividades produtivas. Os modelos do grupo 01 são: Produtores com marca; Comerciantes com marca; e Varejistas com marca. O segundo grupo são fornecedores de diversos tipos. Os modelos do grupo 02 são: Simples fornecedores de pacote completo; Fornecedores de pacote com-

presa brasileira de qualidade e com criatividade. No caso da Marisol, criaram-se marcas direcionadas para o público infantil e lojas temáticas para desenvolver o varejo. No caso da Hering, além da marca mãe “Hering”, desenvolveu-se a marca PUC para o público infantil e a marca DZARM para o público jovem. Os principais canais de distribuição destas empresas citadas são as lojas multimarcas, as franquias e as lojas próprias (Jornal Textilia Press- Moda& Varejo. Ano VIII, No. 45, São Paulo- Julho/Agosto de 2003).

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pleto com marca própria e fornecedores de pacote completo com design próprio; Fornecedores especializados; e Façonistas. Fleury et al (2001: 51) ressaltam que, enquanto as formas de atuação do grupo 01 envolvem uma forma de reestruturação que “visa fundamentalmente ocupar posições de liderança e criar as condições de governance das cadeias produtivas a partir do domínio de informações estratégicas”, as formas de atuação do grupo 02 envolvem “um processo de alinhamento dentro das cadeias produtivas e a ocupação de espaços que estão sendo criados pela desverticalização das empresas lideres ou pela própria dinâmica evolutiva da industria”. Para Monteiro & Santos (2002: 132): “Essas empresas têm relação de subordinação nas cadeias produtivas, sendo meras prestadoras de serviços”. Para as economistas do BNDES, o desenho estrutural da cadeia produtiva brasileira apresenta características problemáticas no seu modelo organizacional. No caso dos produtores com marca, as autoras afirmam que “o modelo organizacional dos produtores com marca difere do modelo internacional, apresentando ligações tênues e menos definidas (Monteiro & Santos, 2002:125). Em relação aos comerciantes com marca, as autoras argumentam que: “No Brasil, as empresas “formadoras de gosto” operam em pequena escala e são dependentes de fornecedores qualificados” (idem, p.129). Se mostrando incipiente em comparação com o modelo internacional. Segundo as autoras, em relação aos varejistas com marca, no Brasil, as grandes redes de varejo que vendem produtos têxteis e confeccionados compram de cadeias organizadas por empresas que fabricam produtos padronizados em grande escala e baixo custo, pois a lógica da operação baseia-se em grandes volumes e baixos preço, mas com tendência de crescimento da participação dos hipermercados e supermercados (idem, p.130). As ligações ainda tênues e pouco definidas entre os nós da cadeia têxtilconfecção brasileira (Monteiro & Santos, 2002) colocam problemas sérios para o alcance da competitividade da cadeia, particularmente frente ao desafio de ganhar e manter boas fatias do mercado interno e ainda incrementar as exportações de confeccionados de maior valor agregado dentro de uma cadeia produtiva articulada. Mas, apesar de todos os desafios, o setor têxtil e o de confecção brasileiro realizaram uma “virada” no final da década de 1990 quando foi obtido o primeiro superávit da balança comercial têxtil. Segundo o Relatório de Resultados do Fórum de Competitividade da Cadeia Produtiva Têxtil e de Confecções (MDIC, 2002: 1): “Após anos de crise e falta de investimentos, a indústria têxtil no Brasil vive um período de

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grande expansão”.71 O novo período de expansão do setor, que se efetiva a partir do final da década de 1990 e inicio do novo milênio foi marcado por estratégias mais ofensivas, por conquistas como maior produtividade e superávit na balança comercial do setor, por novas formas de parceria com as agências estatais articuladoras de políticas industriais para o setor têxtil e de combate às formas de comércio desleal. Este período de expansão se dá após os setores têxtil e de confecção brasileiro ter feito duramente seu “dever de casa”, ou seja, seu ajuste estrutural ao novo cenário competitivo (basicamente, modernização do parque industrial e implementação de políticas de redução de pessoal empregado) garantindo maior produtividade. O segmento de fibras e filamentos voltou a crescer com a recuperação das safras agrícolas de algodão e com a expansão de algumas unidades locais de fibras químicas. Os segmentos produtores de fios e tecidos estão em plena recuperação. E o segmento de malhas e confeccionados com um crescimento mais sólido ao longo da década (IEMI, 2001:57).

71. O Glossário do Programa Fórum de Competitividade, coordenado pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) e gerenciado pela Secretaria de Desenvolvimento da Produção (SDP), define os “Fóruns de Competitividade” como: “espaços de diálogo entre o setor produtivo (sob a forma de representações de empresários e trabalhadores), Governo e o Congresso Nacional, para, em primeiro lugar, promover a discussão e busca de consenso em relação aos gargalos, oportunidades e desafios de cada uma das cadeias produtivas que se entrelaçam na economia brasileira. Após a consensualização em torno de um diagnóstico, os debates são dirigidos para a definição de um conjunto de ações e metas desafiadoras para a solução dos problemas e aproveitamento das oportunidades, tendo em vista os objetivos do programa”. O Fórum de Competitividade da Cadeia Têxtil e de Confecção Brasileira foi instalado em 30 de maio de 2000 e reinstalado em 29 de maio de 2003. As Macro-Metas do setor têxtil-confecção são: 01- aumentar até 2011 o número de postos de trabalho em 160 mil na indústria e em 160 mil na agricultura (em relação aos dados de 1999); 02-Aumentar as exportações da Cadeia Produtiva para US$ 4,3 bilhões, no ano de 2008, atingindo 1% das exportações mundiais de têxteis por meio de agregação de valor à produção exportável e pelo aumento da base exportadora. O Fórum também compreende metas instrumentais, sendo as seguintes as de impacto na competitividade do conjunto da cadeia produtiva: 01- ampliar a área plantada de algodão; 02- realizar investimentos em modernização e expansão da capacidade produtiva em todos os elos da cadeia num horizonte de 8 anos; 03- aumentar a produção física total na cadeia produtiva no período de 1999 a 2011; 04- aumentar a produtividade de mão-de-obra em cerca de 30% nos segmentos têxteis, fibras e confecções; 05- aprimoramento dos procedimentos de controle e de fiscalização das importações de itens referentes à cadeia produtiva; 06- desoneração da produção; 07- medidas de caráter geral. E metas instrumentais com impacto em segmentos específicos: 01- aumento da competitividade do segmento de fibras sintéticas; 02- aprimoramento dos critérios de classificação do algodão; 03- melhoria do sistema de comercialização e seguro agrícolas; 04- regionalização da produção. [www.mdic.gov.Br]

72. Segundo o economista Mauricio Mesquita Moreira do BNDES, outros fatores contribuíram para a queda nas importações no final da década de 1990, tais como, o encarecimento dos produtos importados (fruto da desvalorização cambial), as incertezas diante da volatilidade do câmbio, a retração das linhas externas de financiamento ao importador brasileiro diante da elevação do risco Brasil, fatores que desencadearam um processo generalizado de substituição de importações (Relatório Indústria Têxtil. Jornal Gazeta Mercantil, 27/10/1999). 73. Relatório Indústria Têxtil. Jornal Gazeta Mercantil, 27/10/1999.

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A indústria têxtil brasileira permanece como “um setor de grande relevância para a economia brasileira e de forte impacto social” (IEMI, 2001:42). No ano de 2000, o setores têxtil e de confecção brasileiros tiveram uma participação de 13,5% no PIB Industrial, com uma participação de 4,7% no PIB Geral, gerando cerca de 13,4% dos empregos na indústria (IEMI, 2001:42). Atualmente, o desafio deste setor é se tornar uma indústria global, seja investindo nas exportações, seja por meio da aquisição de empresas com marcas consolidadas ou bem aceitas no mercado internacional, seja investindo em canais de comercialização e distribuição. Um cenário mais favorável para o setor têxtil e de confecção brasileiro começou com a desvalorização cambial em 1999, contribuindo tanto para a redução no nível de participação das importações72 em todos os nós da cadeia, proporcionando o superávit do setor, quanto para o incremento das políticas voltadas para a exportação de manufaturados têxteis e de confeccionados. A meta atual do setor é incrementar suas exportações de produtos manufaturados de maior valor agregado. Marcelo Prado, diretor do Instituto de Estudos e Marketing Industrial (IEMI) argumenta que: “A saída está aqui”.73 O diretor do IEMI enfatiza que, apesar de ter havido um aumento do potencial de consumo do mercado interno, a produção local ficou retraída diante da avalanche de importados têxteis e de confeccionados não acompanhando crescimento do consumo. Certa dose de otimismo dos empresários dos setores têxtil e de confecção ao final da década, contudo, explica-se diante das possibilidades de exploração do potencial do mercado interno, para aqueles que fizeram os seus “deveres de casa” adequando-se aos novos padrões competitivos, assim como, diante das possibilidades de incremento das exportações a partir de uma taxa de câmbio favorável. Analisando a origem das importações e o destino das exportações dos artigos têxteis, a partir de dados apresentados no 1o. Relatório do Setor Têxtil Brasileiro (IEMI, 2001), os principais parceiros comerciais do Brasil no ano

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2000 eram os Estados Unidos e a Argentina. Em relação à origem das importações, dados de 2000, os principais países exportadores para o Brasil, e sua participação no total das importações eram: 01- Estados Unidos (15,8%); 02Argentina (13,6%); 03- Coréia do sul (9%); 04- Taiwan (9%). O MERCOSUL respondeu por 22% de tudo o que o Brasil importou de artigos têxteis, sendo a Argentina a grande beneficiada pelo acordo comercial. Os países asiáticos respondem por quase 1/3 de todas as importações brasileiras, com destaque para Coréia do Sul e Taiwan. Já em relação às exportações brasileiras, também dados de 2000, os dois principais mercados destino dos produtos têxteis brasileiros e sua participação no total das exportações foram: 01- Argentina (28,1%); e, 02- Estados Unidos (21,9%) (IEMI, 2001). No cenário internacional o Brasil é visto como um importante produtor (7o. lugar na produção de fios e tecidos e 3o. lugar na produção de tecidos de malha), mas ainda fraco no comércio (17o. importador e 20o. exportador)74. A consecução da meta do setor para recuperar 1% de participação no mercado mundial, expressa no Programa Estratégico da CTC Brasileira (TexBrasil-ABIT) e na Macro-Meta do Fórum de Competitividade da Cadeia Produtiva Têxtil e de Confecções (MDIC)75, deve levar em conta: primeiro, as principais tendências do mercado mundial de têxteis e de confeccionados; segundo, os riscos e oportunidades inerentes ao próprio processo de inserção no sistema mundial de comércio, pressupondo-se uma inserção ativa; terceiro, as desigualdades no comércio internacional; e quarto, a competitividade da CTC brasileira, particularmente das subcadeias baseadas em fibras naturais e em fibras químicas. Umas das principais tendências do comércio mundial de têxteis é o aumento do consumo de fibras químicas (artificiais e sintéticas) em comparação com o consumo de fibras naturais76. Sendo que o Brasil é mais competi-

74. Dados coligidos pela International Textile Manufacturing Federation (ITMF) e apresentados no 1o. Relatório do Setor Têxtil Brasileiro do IEMI (2001:45). 75. Esta meta traduzida em números absolutos significa elevar as exportações brasileiras para aproximadamente US$ 4 bilhões/ano até 2008. Umas das metas perseguidas pelo Fórum de Competitividade foi a obtenção do superávit na Cadeia Produtiva, alcançado desde o ano de 2001. No ano de 2001 a exportações brasileiras somaram US$ 1,3 bilhões. O aumento de 7% do valor das exportações e a diminuição de 23% no valor das importações entre os anos 2000 e 2001 são um indicativo do aumento do valor do superávit da balança comercial do setor (MDIC, 2002c: 2). 76. As fibras naturais representavam 80% do consumo mundial de fibras têxteis na década de 1950, em 2000 essa participação havia caído para 48%. Dados do Diagnóstico do Setor Têxtil e Confecções (www.mdic.gov.br/cadeiasprodutivas).

77. Entre 1995 e 2000 o comércio internacional de confecções cresceu 5,9% ao ano, enquanto o de produtos têxteis aumentou 2,6% anualmente. Ver: Diagnóstico da CTC brasileira. [www.mdic.gov.br/cadeiasprodutivas] 78. As vendas externas brasileiras de artigos têxteis foram de US$ 900 milhões em 2000, o que equivale a 0,71% do total global. Já as exportações de artigos confeccionados somaram US$ 282 milhões neste mesmo ano, o que equivale a 0,17% da soma de todos os países [www.mdic.gov.Br/cadeiasprodutivas]. 79. A proteção tarifária imposta por praticamente todos os países, sendo mais elevada entre as nações mais desenvolvidas, é o maior problema do comércio internacional da cadeia. As alíquotas de importação cobradas pelos países desenvolvidos aumentam junto com o nível de processamento do bem. A proteção dada a artigos de vestuário é maior do que a dispensada aos têxteis. Com a tendência de se efetuarem acordos regionais, há concessão de preferências tarifárias e acesso favorecido aos países signatários dos acordos regionais.

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tivo na cadeia dos produtos feitos à base de algodão. Prochnik (2002) argumenta que: “Esta defasagem tende a diminuir a competitividade brasileira, principalmente quando se leva em consideração que grande parte dos tecidos atualmente produzidos são mistos” (p.1). Em função, particularmente, da crescente divisão do trabalho na cadeia têxtil, onde países desenvolvidos fazem o tecido e subcontratam as atividades de confecção em países em desenvolvimento, assim como das vantagens advindas de se exportar uma roupa pronta de maior valor agregado, há uma tendência internacional na CTC de aumento das exportações de roupas prontas e de demais confeccionados superando as exportações dos manufaturados têxteis, onde o Brasil é mais forte77. Apesar de os países em desenvolvimento dominarem as exportações dos setores têxtil e de confecção, o Brasil desempenha papel praticamente irrelevante nesse mercado78. Prochnik (2002:1/2) apresenta diversas desigualdades no comércio internacional da CTC que afetam esta indústria brasileira, destacando: as tarifas de importação cobradas pelos países desenvolvidos para os produtos da CTC são maiores do que as tarifas para outros produtos industriais79; no caso dos Estados Unidos, por exemplo, as tarifas médias para todas as manufaturas são 3,0%, enquanto que para têxteis são 8,1% e para confecções são 12,0%; há uma escalada tarifária e muitos picos tarifários que prejudicam nossas exportações; há um rápido aumento do número de acordos regionais que envolvem a concessão de preferências tarifárias e acesso favorecido; existe grande assimetria comercial. Entre as oportunidades e riscos que se abrem para a cadeia têxtil-confecção brasileira frente ao processo de inserção no comércio mundial de têx-

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teis e de confeccionados, as maiores oportunidades se colocam para as grandes empresas têxteis da subcadeia do algodão e os maiores riscos se colocam para as pequenas e médias empresas do setor, particularmente para as empresas da subcadeia dos sintéticos. A cadeia brasileira é mais competitiva na subcadeia do algodão onde estão as grandes empresas líderes do setor. São empresas que utilizam principalmente o algodão e se dedicam à produção de commodities (como camisetas, linha lar [cama, mesa e banho] e índigo e sarja), tendo acumulado experiência significativa no comércio internacional. Segundo Prochnik (2003: 2): “As três maiores, Santista, Vicunha e Coteminas, são responsáveis por praticamente um terço de todas as exportações da cadeia têxtil-confecção”. Para Prochnik (2002: 3) existem dois problemas na CTC brasileira que afetam sua inserção no cenário externo: “uma grande massa de empresas ineficientes e uma subcadeia menos competitiva, a de produtos a base de fibras químicas (sintéticas e artificiais)”. Em relação ao primeiro problema, essas empresas ineficientes, segundo os padrões internacionais, em geral pequenas e médias, poderiam ter uma oportunidade com a adesão aos acordos comerciais, segundo Prochnik (2002:3), apenas se elas se aprimorarem, adaptando-se aos “novos patamares de competição”, caso contrário haveria “um novo processo de concentração, possivelmente levando a uma maior especialização da cadeia têxtil-confecção”. O risco estaria exatamente em se repetir o ocorrido durante a década de 1990, quando, diante do processo de abertura da economia, as empresas mais atingidas do setor têxtil-confecção foram as de menor porte que atuavam exclusivamente voltadas para o mercado interno e com baixo nível tecnológico. Uma das razões da falta de competitividade da subcadeia baseada em fibras químicas está no alto preço e na pouca disponibilidade da nafta, a matéria-prima dos insumos usados na fabricação das fibras sintéticas. Estudo encomendado pelo BNDES à Fundação Vanzolini (Fleury et al, 2001) argumenta que a questão da competitividade das fibras químicas não está associada apenas a aspectos como preço e disponibilidade de nafta. Tendo em vista o aumento da competitividade do segmento de fibras sintéticas, o mais significativo na subcadeia baseada em fibras químicas, o Relatório de Resultados do Fórum de Competitividade da Cadeia Têxtil–Confecção Brasileira (MDIC, 2002c), que utiliza como fonte o estudo da Fundação Vanzolini, considera ser fundamental definir estratégias e aponta as seguintes dificuldades deste segmento: o equacionamento da problemática da Cadeia Têxtil já

Conclusão A via alta para uma inserção ativa das empresas da CTC brasileira na economia global pressupõe enfrentar as pressões competitivas dentro do imenso e potencial mercado interno brasileiro, promover a ofensiva internacional e atingir as macrometas definidas pelo Projeto TexBrasil e pelo Fórum de Competitividade da Cadeia Têxtil e Confecção Brasileira e pensar a relação entre competitividade e eqüidade econômico-social. A via alta diz respeito a uma nova maneira de abordar a problemática da reestruturação produtiva em conjunto com as formas de upgrade fora da produção e a constru-

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começa a partir das próprias informações estatísticas, que não possibilitam uma visão integrada e consistente; a produção de fibras sintéticas encontrou um novo centro geográfico na Ásia e no Oriente Médio, o que significa um novo obstáculo para os produtores locais, no que diz respeito à competitividade em termos de preço; existência de potencial ainda não explorado do mercado interno; falta de escala de produção; limitado conhecimento sobre comercialização no mercado internacional; falta de mecanismos de financiamento; baixa inserção na área de ciência e tecnologia (MDIC, 2002:12). Segundo Prochnik (2002: 5): “Para eliminar o déficit estrutural, é necessário um plano de investimentos coordenados, nesta subcadeia, com a participação de empresas internacionais da base da cadeia (fibras e filamentos)”. Segundo Gonçalves (2003: 116): “Na realidade, a globalização exige estratégias e políticas mais agressivas orientadas para uma inserção ativa no sistema mundial de comércio”. Neste sentido, a adesão aos acordos comerciais, como o ATC da Organização Mundial do Comércio implica que as tarifas de importação sejam reduzidas progressivamente dentro do cronograma estabelecido, envolvendo riscos e oportunidades. Prochnik (2002) recomenda cautela no processo de inserção do Brasil no comércio internacional de têxteis e de confeccionados, dado ao fato de que o Brasil apresenta fragilidades competitivas exatamente nos setores mais dinâmicos do comércio mundial, ou seja, no segmento de vestuário e no segmento de fios e tecidos sintéticos, além do fato de que, no Brasil, a grande maioria dos trabalhadores esta empregada em empresas consideradas ineficientes para os padrões internacionais. Prochnik, contudo, não deixa de recomendar investimentos para gerar maior competitividade da cadeia produtiva têxtil-confecção brasileira.

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ção de novas formas de coordenação entre os atores econômicos interdependentes envolvidos ao longo de todos os nós da cadeia da mercadoria; também a construção de políticas comercial e industrial ativa em uma nova relação entre Estado e setor empresarial dentro de contextos globalizados. A via alta para uma inserção ativa da CTC parte do pressuposto de que a competição internacional se faz entre cadeias e envolve os seguintes itens: 01. A promoção do upgrade na produção e fora da produção. O processo de reestruturação produtiva não pode ficar restrito à modernização tecnológica dos equipamentos e deve envolver uma ênfase maior em atividades de design e de marketing, essenciais no processo de inovação contínua e para a obtenção de um produto de maior valor agregado. Deve envolver uma maior ênfase em projetos de capacitação, de trabalhadores e de empresários, para o domínio das novas tecnologias, das modernas técnicas de transmissão de informações e de dados e da difusão de novas técnicas organizacionais. Mytelka (1991) enfatiza que a simples atualização tecnológica não fornecerá a base para uma produção competitiva na CTC. Para Mytelka (1991) a transformação da indústria têxtil em uma indústria de conhecimento intensivo pressupõe enfocar os componentes do saber que dominam o processo de mudança tecnológica, aqui considerados como elementos do upgrade fora da produção. Isto inclui: design, engenharia, manutenção, gestão e marketing. Em relação ao upgrade na produção, a meta do Fórum de Competitividade era de realizar investimentos em modernização e expansão da capacidade produtiva em todos os nós da cadeia em um horizonte de 8 anos, no valor total de US$ 12,6 bilhões, utilizando recursos financeiros tanto do setor empresarial quanto do setor público (BNDES e Programa Brasil Empreendedor). Levantamento coordenado pela Secretaria de Desenvolvimento da Produção (MDIC, 2002c:8) indicou que a necessidade de importação de máquinas e equipamentos é muito grande (em torno de 90% das necessidades de equipamentos da cadeia produtiva), devido ao desmantelamento do parque industrial de bens de capital para as indústrias têxteis e de confecção nos anos 90. Esta situação coloca na pauta a questão do financiamento para a modernização e a expansão da capacidade produtiva em todos os segmentos da cadeia. O problema de acesso ao crédito por parte das micros, pequenas e médias empresas é um dos gargalos identificados. Este problema deve ser re-

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solvido tendo em vista que o último ciclo de investimentos na década de 90 “foi muito concentrado e amplos segmentos da Cadeia Têxtil e Confecção continuam sendo pouco competitivos” (ECCIB, 2002:65). O Relatório de Resultados do Fórum de Competitividade da Cadeia Produtiva Têxtil-Confecção (MDIC, 2002c) afirma que, até o momento, as empresas da cadeia produtiva estão cumprindo suas metas de modernização utilizando-se de recursos próprios ou de financiamento diretos dos fornecedores de bens de capital, ou seja, financiamentos obtidos diretamente com os próprios fabricantes. O Relatório indica que “a atual oferta de crédito oficial para financiamento de equipamento importado encontra-se em condição inferior à oferecida pelos fabricantes internacionais” (MDIC, 2002c: 8). O upgrade fora da produção tem se tornado um elemento cada vez mais importante diante da emergência de novos condicionantes da competitividade empresarial, antes quase que restrita ao custo do produto, mas deslocando-se para uma maior ênfase na qualidade do produto, na sua inovação, e na confiabilidade do produto expressa no prestígio da marca. Importante também diante dos movimentos da CTC em direção a um regime de mercado comprador ou, como identificado por Gary Gereffi, se tornando cada vez mais uma cadeia dirigida pelo comprador. As inovações em design, em marketing e na organização da produção têm se tornado, cada vez mais, fundamentais diante da necessidade de se pensar a cadeia produtiva de forma ampla. No caso da CTC, se houve um processo considerável de mudança tecnológica no setor têxtil, as inovações principais no setor de confecçãomoda estão relacionadas ao design e ao marketing. O Relatório de Resultados do Fórum de Competitividade (MDIC, 2002c) aponta diversas ações no âmbito nacional direcionadas ao upgrade fora da produção, voltadas particularmente para os diversos pólos produtivos de confecção, destacando: a contratação do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) de São Paulo para prestar consulta de design e de qualidade em 10 pólos; a realização da Mostra “Design & Moda” para apresentar os trabalhos desenvolvidos nos pólos no âmbito da consultoria do IPT; o lançamento do livro “Design & Moda - Agregando Valor à sua Confecção”, também no âmbito do contrato com o IPT e com o apoio da ABIT; o Treinamento de Comércio Exterior para micros e pequenas empresas realizado pela SECEX; e a realização de seminários e de atualizações direcionados para a indústria da moda patrocinados pela ABIT; a realização de Oficinas de Design e de Workshops de Tendências de Moda nos diversos pólos de con-

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fecção selecionados, articulado com o Programa Brasileiro de Design (PBD). Cabe destacar também a importância dos cursos superiores de Engenharia Industrial Têxtil e de Design de Moda do SENAI-Cetiqt80 do Rio de Janeiro, além da criação do Instituto de Design sediado nesta escola. 02. Ênfase na cooperação entre os diversos elos e a necessidade de maior coordenação da cadeia da mercadoria. A nova forma de organização na CTC mundial, onde os países desenvolvidos fazem o tecido e subcontratam as atividades de confecção nos países em desenvolvimento para depois importar o produto final, é decisiva para compreender a emergência de novas formas de coordenação de ação dos agentes econômicos interdependentes ao longo da cadeia da mercadoria. As estratégias têm buscado valorizar os encadeamentos para trás e para frente em um processo de reestruturação das relações interfirmas. Nesse sentido, relações cooperativas, sejam no nível vertical sejam no nível horizontal, se tornaram sinônimo de maior competitividade da cadeia produtiva, fazendo com que a cooperação perdesse, com isso, muito de seu ar de benevolência (Gianetti, 2003). Na medida em que se torna importante a cooperação nas relações interfirmas no contexto da nova economia global, aparece também o debate sobre o desenvolvimento de formas de controle da cadeia mais ampla. Para Guimarães & Martin (2001: 13) o conceito “governança”81, utilizado em diversos contextos, “está endereçado a capturar situações em que está em jogo a coordenação entre atores interdependentes, de forma a lidar com as questões da ação coletiva e da cooperação”. Para Guimarães & Martin (2001: 13) o conceito contém um pressuposto substantivo, “qual seja, o de que a coordenação de um complexo de atividades, públicas e/ou privadas, se cons-

80. Centro de Tecnologia das Indústrias Química e Têxtil- Cetiqt. 81. Guimarães & Martin (2001) enfatizam que a novidade não se restringe ao “novo conceito” de “governança” no marco dos estudos do trabalho e da reestruturação produtiva, “mas se expressa no estilo do debate, articulado e sob novo enfoque, de algumas questões que já vinham despertando interesses entre nós” (p.20). As questões colocadas pelos autores podem contribuir para o avanço da análise das formas de coordenação dos atores buscadas na CTC brasileira. As questões são : “destaca-se o esforço por enriquecer a análise da relação entre competitividade, upgrading (econômico e tecnológico), e eqüidade, dirigindo o olhar para novos cenários (...)”; “a ênfase com que os autores valorizam as instituições e espaços públicos que surgem , mesmo informalmente, e que articulam atores sociais e políticos com vistas a enfrentar desafios postos pelo processo de intensificação da integração produtiva em âmbito global” (2001:20).

82. Entrevista realizada na Sede da ABIT em São Paulo, Capital, no dia 08 de maio de 2002. 83. Todas as empresas que compõem a Associação Brasileira de Produtores de Fibras Artificiais e Sintéticas (ABRAFAS), atualmente, também são associadas da ABIT, o que tem fortalecido toda a cadeia têxtil. No processo de fortalecimento de toda a Cadeia Têxtil cabe destacar o papel fundamental dos Comitês da ABIT que são espaços institucionais onde se discutem assuntos específicos de cada segmento. Um dos criados recentemente foi o Comitê de Estilistas e Marcas.

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titui no modo mais fácil de assegurar a execução com eficiência”. Este debate pressupõe a existência de atores inseridos em redes complexas de conflito, competição e cooperação, seja no espaço dos distritos industriais, seja ao longo das cadeias produtivas setoriais nacionais. O Consultor Domingos Mosca da ABIT afirmou que: “Não existe governança na cadeia têxtil como existe na indústria automotiva”82. No caso da cadeia brasileira, segundo o Consultor, as próprias características da cadeia, com grande pulverização no segmento de confecções e um varejo bastante atomizado, dificultam a governança na cadeia nacional. Realmente o varejo brasileiro é bastante atomizado, assim como não há cadeias de varejo como nos Estados Unidos com grandes grupos dominando a cadeia da mercadoria. Mas, é preciso não desconsiderar a busca de ações coordenadas da própria ABIT e a nova relação que se estabelece entre varejo e moda no Brasil, como no caso da C&A e da Riachuelo. A questão é que, no momento, segundo Domingos Mosca: “Os grandes varejistas brasileiros não respondem por uma parcela tão grande da demanda que lhes permita exercer a governança”. Dominando o varejo atomizado, ou seja, lojas multimarcas e lojas de fábrica. Devido ao grau de integração vertical (intrafirma) nas grandes empresas da cadeia produtiva, a tendência tem sido a integração para frente (confecção). Os grandes grupos têxteis (mais fortes com o processo de concentração industrial) e já integrados (em geral, fiação, tecelagem e acabamento) tem se voltado para a ponta da cadeia, seja montando suas próprias confecções e gerenciando suas marcas próprias, seja montando suas redes de comercialização. Esta tendência reforça um domínio maior dos grandes grupos têxteis do país como também aumenta a integração produtiva intra-empresa (integração vertical). Contudo há novas institucionalidades, com a ABIT passando a englobar amplos segmentos da cadeia têxtil, desde as empresas produtoras de fibras manufaturadas83, os grandes grupos têxteis da subcadeia do algodão até os produtores com marca própria que atuam no segmento de confecção-

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moda. Cabe destacar a busca por novas formas de coordenação dos atores inseridos na CTC no contexto nacional, seja por meio dos espaços institucionais das associações empresarias representativas da cadeia produtiva, destacando o discurso institucional da ABIT (com sua ênfase na cooperação entre todos os nós da cadeia) e seus programas estratégicos (TexBrasil), seja por meio da constituição de espaços públicos de gestão e de negociação, como o Fórum de Competitividade da Cadeia Têxtil-Confecção Brasileira do MDIC, articulando instituições em redes e interligando os novos atores dentro de novos espaços de discussão e de negociação. Nesse sentido, a reestruturação das relações interfirmas segue uma dinâmica própria inter-relacionada ao processo de reestruturação industrial dentro de um novo contexto globalizado. Já os espaços púbicos de gestão e de negociação emergem dentro de um novo contexto das relações entre o Estado e a Sociedade a partir do declínio do antigo modelo do Estado regulador e intervencionista conforme apontado por Stein (1979). 03. Política Industrial Ativa e Instrumentos de Proteção Comercial. Com a dissolução do modelo de Estado regulador, intervencionista e nacionalista (Stein, 1979), que foi um modelo que beneficiou os grandes produtores do setor têxtil brasileiro, o debate não pode ficar restrito a simples oposição: políticas autárquicas e de elevado protecionismo versus livre comércio. Como vimos na parte 01 deste trabalho, os paises avançados não se utilizaram apenas de processos de modernização industrial e das novas formas de organização da cadeia com a subcontratação internacional, mas lançaram mão de diversas formas de proteção tanto no âmbito da política industrial quanto no âmbito da política comercial. Nas últimas décadas do século passado, as políticas governamentais dos países avançados (em reação ao avanço das exportações dos países asiáticos) basearam-se em políticas industriais e tecnológicas ativas, e em barreiras tarifárias e não tarifárias. O próprio processo de globalização pede uma ação governamental mais ágil e moderna diferente de um Estado interventor privilegiando setores particulares da economia. Ter uma política industrial ativa é pressuposto para uma política de exportação, para a redução das importações, e para se criar vantagens competitivas para os produtos têxteis e confeccionados brasileiros. Nesse sentido, o espaço público de gestão e de negociação colocado pelo Fórum de Competitividade da Cadeia Têxtil-Confecção Brasileira (MDIC), constitui-se em uma forma nova de geração de ações governamen-

tais mais consolidadas e enraizadas no tecido social84. Contudo, como foi enfatizado por Guimarães & Martin (2001), o desafio é estabelecer uma relação entre a busca por competitividade, upgrading e eqüidade. Nesse sentido, a política industrial não deve ficar limitada a uma busca por mais competitividade dos produtos nacionais, mas deve envolver metas sociais, como a de geração de emprego no setor, e ter políticas voltadas especialmente para as micros, pequenas e médias empresas, as mais vulneráveis com o processo de intensificação da concorrência internacional.85 Em relação à importância de uma Política Comercial, particularmente de mecanismos de defesa comercial, Gonçalves (2003) enfatiza que: A globalização neoliberal provoca maior instabilidade e acirramento da concorrência na economia mundial e, portanto, é necessário criar mecanismos de proteção da economia nacional. Não se trata de defender políticas de autarquia ou de elevado protecionismo. A visão realista implica a necessidade de instrumentos de política comercial que permitam o fortalecimento do mercado interno (o que reduz a vulnerabilidade à economia internacional), ao mesmo tempo em que promovam a competitividade internacional das mercadorias produzidas no país (p.100).

84. Atualmente o Fórum encontra-se em uma fase mais avançada. Após as fases de diagnóstico e definição de metas, ocorreu a assinatura do primeiro Contrato de Competitividade entre a Cadeia Produtiva Têxtil e de Confecções e o Governo. A solenidade de assinatura do Contrato foi realizada no dia 19 de setembro de 2002 (MDIC,2002c). 85. Na CTC, o apoio (em termos de assistência tecnológica e de financiamento) às micros, pequenas e médias empresas, em sua maioria empresas do segmento de confecção, é também uma forma de gerar novos postos de trabalho. Os novos postos gerados na cadeia (no ano de 1999 foram 35.821, no ano de 2000 mais 60.419) foram devidos ao bom desempenho dos elos da produção de algodão e do segmento de confecção. Os programas principais dentro do Fórum que buscam agregar valor à produção exportável que atingem as confecções brasileiras são: o PROGEX (este voltado para micros, pequenas e médias empresas que queiram se tornar exportadoras); os Programas TexBrasil e Comunidades Exportadoras da ABIT com apoio da APEX; e as ações de incentivo à regionalização da produção com apoio aos pólos produtivos de confecção (MDIC, 2002c).

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Para Gonçalves (2003: 100/101), a inserção brasileira no comércio internacional deve ser ativa, seja por meio de mecanismos de proteção do aparelho produtivo nacional (no seu conjunto e não apenas para as grandes empresas), seja por meio de promoção de uma maior competitividade e melhoria do pa-

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drão de comércio buscando “reconfigurar a estrutura de comércio exterior”. Um comércio justo86 e o desenvolvimento de mecanismos de proteção comercial têm sido postulado pelos setores têxtil e de confecção brasileiros nos anos recentes, sobretudo, por meio do combate às práticas desleais de comércio e por uma maior fiscalização dos produtos importados nos portos brasileiros87. Diante do cenário internacional têxtil de crescente liberalização comercial e de intensificação da concorrência, surgem oportunidades e riscos para a inserção das empresas da CTC brasileira. A Nota Técnica Final da Cadeia Têxtil-Confecção do ECCIB (2002: 62/63) apresenta as principais estratégias das empresas de três grupos de países: dos países mais desenvolvidos, dos países em desenvolvimento mais bem sucedidos, e dos países em desenvolvimento com menor renda per-capita.

86. Segundo Gonçalves (2003): “Comércio justo é a relação de compra, venda ou troca que transcende três lógicas: a do mercado (oferta versus demanda), a do capital (lucro) e a da simples satisfação de uma necessidade humana” (p.118). Para que o comércio justo ocorra, segundo o autor, é preciso dois lados: o produtor e o consumidor. Caso significativo na CTC global foi o da Gap, importante confecção norte-americana que adquire parte significativa de suas roupas na América Central. A Mandarim Internacional, uma das empresas subcontratadas da Gap em El Salvador, promoveu uma demissão em massa de 350 trabalhadores em 1995 em represália ao surgimento de um sindicato para protestar contra as péssimas condições de trabalho. Várias campanhas foram feitas na internet incentivando os consumidores a não adquirirem produtos da Gap. Em face destes movimentos de protestos dos trabalhadores e dos consumidores, a Gap (que teve que promover a readmissão dos trabalhadores subcontratados), e outras confecções norte-americanas, tem estabelecido códigos de conduta corporativa. Segundo Gereffi (1997): “Este tipo de confronto, que está se repetindo em outros lugares das Américas e da Ásia, está forçando as confecções norte-americanas a expandir a noção de responsabilidade corporativa e usar sua influência como principais compradores para desempenhar um papel mais ativo na melhoria das condições de trabalho no Terceiro Mundo” (p.116/117). 87. Segundo o Relatório de Resultados do Fórum de Competitividade da Cadeia Produtiva Têxtil e de Confecção (MDIC,2002c), há várias iniciativas neste sentido: [i] o Governo Brasileiro estaria estudando a possibilidade de se criar um Comitê de Arbitragem na OMC contra os subsídios americanos dado aos produtores de algodão daquele país (somente no ano de 2000 os Estados Unidos pagaram US$ 4,2 bilhões de subsídios aos seus produtores); [ii] parceria entre a Secretaria da Receita Federal (SRF-MF) e a Secretaria de Comércio Exterior (SECEX-MDIC) para aprimorar procedimentos de controle e de fiscalização das importações de insumos e produtos acabados da cadeia produtiva nos portos brasileiros, evitando a concorrência desleal (produtos subfaturados, dumping, produtos subsidiados ou trazidos sob falsa classificação); [iii] Portaria Interministerial no. 51, de 10/08/00 que impõe cotas sobre importações de malhas sintéticas e artificiais originárias de Taiwan; [iv] Resolução CAMEX no. 19, de 26/06/01, que aprova direito antidumping sobre as importações de fios têxteis de náilon originárias da República da Coréia.

O Brasil não se encaixa em nenhum dos três grupos acima, sendo um participante menor e pouco moderno, em grande parte dos segmentos que compõem o comércio internacional da CTC. De fato, como visto neste relató-

88. O documento foi elaborado pelo Consultor Prof. Victor Prochnik do Instituto de Economia da UFRJ.

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As estratégias das empresas dos países desenvolvidos (EUA e União Européia), reagindo à invasão de produtos têxteis de custo baixo (vindos inicialmente do Japão e depois dos tigres asiáticos, mais recentemente da China) têm buscado estratégias, que já foram discutidas anteriormente, mas que poderíamos resumi-las: busca por inovações tecnológicas e mercadológicas, especialização em segmentos mais intensivos em capital; e, transferência de atividades produtivas nos elos da cadeia em que são menos eficientes ou mais intensivos em trabalho. As estratégias das empresas dos países em desenvolvimento mais bem sucedidos (particularmente os tigres asiáticos) se resumem a: empregar as mesmas técnicas das empresas dos paises desenvolvidos, perseguindo as metas de inovação tecnológica e mercadológica consolidadas nos países avançados, mas buscando custos mais baixos; transferir processos produtivos em que são menos eficientes ou mais intensivos em trabalho para países vizinhos seus (por meio da subcontratação intra-bloco) ou vizinhos de seus mercados de exportação; empreender esforços para aumentar o seu grau de autonomia frente aos compradores, passando de simples fornecedores para fornecedores de pacote completo com design ou até com marca própria. Já as estratégias das empresas dos países em desenvolvimento com menor renda per-capita (neste grupo incluem os asiáticos e países próximos aos principais mercados consumidores, como o México e o Caribe em relação ao mercado norte-americano) são: ampliar sua participação na produção das etapas mais intensivas em mão-de-obra, integrando-se a cadeias globais de produção e comercialização; aprimorar produtos e processos, aumentando o valor dos produtos vendidos e evitando que a produção se desloque para outro país concorrente; criar uma base empresarial e expandir suas empresas, como os tigres asiáticos, buscando aumentar o grau de autonomia de suas empresas indo além do esquema das montadoras (ECCIB,2002:62/63). A Nota Técnica Final do ECCIB (ECCIB, 2002:63)88 apresenta uma importante questão:

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rio: 1) O Brasil tem uma experiência recente de ter visto seu mercado interno ser invadido por importações mais baratas. 2)sua participação, nas exportações mundiais é muito pequena e concentrada na cadeia do algodão. Além disso, ela é menor no setor de confecções, mais dinâmico e maior no elo têxtil, menos dinâmico (a participação das confecções, nas exportações brasileiras, entretanto, vem crescendo). 3) Dentro do elo têxtil, o Brasil se especializa na manufatura de produto a base de fibras naturais, enquanto que o consumo internacional de fibras químicas tem crescido mais rapidamente. Tem aumentado a participação dos tecidos mistos na produção e consumo internacionais, o que dificulta a competitividade brasileira nos elos de tecelagem e confecção.

Vencer suas fraquezas estruturais e forjar um caminho alternativo tem sido os grandes desafios dos agentes econômicos que compõem as indústrias têxtil e de confecção brasileiras. Quando utilizei o esquema da via alta para a inserção ativa das empresas da CTC brasileira, influenciado, particularmente, pelos trabalhos de Hubert Schmitz e Gary Gereffi, procurei formular um modelo que pudesse ajudar a refletir a inserção das empresas têxteis brasileiras em uma economia mais globalizada, combinando as estratégias de inovação tecnológica e mercadológica, com destaque para a estratégia de se dar maior ênfase aos produtos de moda (o segmento mais lucrativo no setor de confecção), com a estratégia de se buscar uma maior coordenação entre todos os nós da cadeia produtiva, assim como a necessidade de políticas públicas - industrial e comercial - mais ativas para o setor. Como a Nota do ECCIB enfatiza o Brasil não se encaixa em nenhum dos grupos de países, precisando, desta forma, trilhar um novo caminho, com estratégias singulares para sua inserção ativa e competitiva no cenário global. Muitas destas estratégias estão em construção pelos atores econômicos, tendo em conta as ações governamentais e as parcerias definidas no âmbito do Fórum de Competitividade (MDIC). Já que as grandes empresas do setor, as mais competitivas, são empresas integradas89, cabe destacar a busca

89. O grupo Vicunha integra fiação, tecelagem, malharia, confecção e beneficiamento. A Coteminas integra fiação, tecelagem, malharia, beneficiamento, confecção de vestuário e confecção de têxteis lar. E a Alpargatas-Santista Têxtil integra fiação, tecelagem e beneficiamento (ECCIB, 2002:41)

90. Integração produtiva intrafirma é a integração entre as diversas etapas produtivas do processo produtivo dentro de uma mesma empresa.

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por integração competitiva entre todos os segmentos da cadeia, indo além da integração produtiva intrafirma Diante do novo cenário, quando despontam novas formas de organização da cadeia, tendo como pressuposto que a competição se dá entre cadeias, torna-se cada vez mais importante a integração competitiva com a formação de redes de empresas e encadeamentos estratégicos ao longo da cadeia de forma a se ter uma produção integrada entre empresas interdependentes utilizando-se insumos nacionais. Nesse sentido, a cooperação setorial através da formação de redes de empresas se torna imperativo. A valorização dos encadeamentos estratégicos backward e forward ganha valor estratégico na formação da integração competitiva da cadeia da mercadoria. Por haver grande integração produtiva intrafirma90 nas empresas do setor têxtil brasileiro (tipo de integração estimulada desde a década de 1970 para a aumentar a competitividade por meio do aumento da escala de produção e que cresceu com a concentração industrial na década de 1990), ainda se faz necessário maior ênfase na integração competitiva interfirmas ao longo da cadeia, por meio de maior cooperação no nível horizontal e no nível vertical. O novo discurso institucional da maior entidade empresarial do setor têxtil-confecção brasileiro (ABIT) que emergiu após o processo de globalização econômica - enfatizando a união entre todos os elos (nós ou segmentos) da cadeia nacional – pode contribuir para uma maior integração competitiva interfirmas, necessária no enfrentamento das pressões competitivas globais. Neste sentido, torna-se fundamental investigar até que ponto o novo discurso institucional da ABIT no período pós-abertura se concretiza no maior aglomerado industrial têxtil da principal região industrial brasileira. A investigação e a análise do caso do Pólo Regional de Americana-SP buscará revelar as respostas estratégicas das empresas têxteis frente à intensificação da competição na década de 1990 na situação industrial particular de aglomeração espacial e de especialização setorial.

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Parte 03

O Cluster Têxtil da Região de Americana-SP e o Novo Cenário Competitivo

Capítulo 08 - Introdução

91. A região conhecida como “Pólo Têxtil de Americana” dista cerca de 120 km da Capital São Paulo.

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A cooperação interfirmas ao longo da Cadeia Têxtil e de Confecção (CTC) desponta como uma questão fundamental para a competitividade visando uma inserção ativa na economia mundial, seja no caso da cadeia nacional, seja no caso da cadeia local particularmente na situação industrial das firmas aglomeradas espacialmente e especializadas setorialmente. O cluster têxtil da Região de Americana (SP) foi o mais atingido pelos ventos da liberalização comercial ocorrida no Brasil na década de 1990, e, devido às suas características particulares, se torna um dos locais mais rico de experiências para uma análise dos impactos das pressões competitivas globais sobre as relações interfirmas na CTC brasileira. Dentre os aglomerados industriais têxteis da região Sudeste do Brasil destaca-se o Cluster Têxtil da Região de Americana, no interior do Estado de São Paulo91 que apresenta três características: primeiro, a produção de te-

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cidos planos feitos a partir de fios artificiais e sintéticos (fibras químicas); segundo, a existência de um grande número de pequenas e médias empresas do segmento de tecelagem marcadas por relações de subcontratação; terceiro, por ser um caso exemplar de crise e de recuperação após o choque da abertura dos mercados no Brasil. Em relação à primeira característica, o cluster têxtil de Americana se destaca como um importante produtor de fios e tecidos artificiais e sintéticos. Apesar da redução de empresas do setor têxtil na década de 1990, segundo Relatório Setorial do BNDES, os municípios que integram o aglomerado industrial (Americana, Santa Bárbara D’Oeste, Nova Odessa e Sumaré) são responsáveis por 85% da produção nacional de tecidos planos de fibras artificiais e sintéticas, formando o maior pólo produtor de tecidos planos de fibras artificiais e sintéticas da América Latina (BNDES, 2001). Como enfatizado na parte 02 deste trabalho, com o processo de globalização dos mercados e de liberalização comercial, houve um crescimento surpreendente das importações de tecidos sintéticos (originários principalmente dos países asiáticos) que afetou diretamente o cluster de Americana. Em relação à segunda característica, há no aglomerado industrial uma vasta presença de empresas pequenas e médias especializadas em apenas uma etapa do processo produtivo têxtil (tecelagem) envolvidas em relações de subcontratação. Característica importante que torna o caso de Americana próximo do modelo de distrito industrial e que também possibilita analisar os impactos do processo de liberalização comercial sobre as pequenas e médias empresas do setor têxtil e suas relações interfirmas. Já em relação à terceira característica, a investigação sobre a situação de crise e de recuperação deste importante cluster têxtil, busca trazer contribuições ao debate sobre o processo de reconfiguração produtiva e institucional vivido pelo setor têxtil-confecção brasileiro frente às pressões competitivas da década de 1990. A investigação sobre o cluster têxtil da Região de Americana busca lançar luz sobre o processo de reconfiguração produtiva e institucional do aglomerado têxtil diante das fortes pressões competitivas globais, assim como estudar suas respostas estratégicas e as formas de mobilização empresarial diante dos novos desafios colocados. Para tanto, nesta terceira parte, o capítulo 9 busca introduzir a trajetória do debate teórico sobre os clusters ou aglomerados industriais nos países desenvolvidos e nos países em desenvolvimento, suas questões principais e a nova agenda de pesquisa. Este capítulo 9 busca dis-

92. “IDS- Research: Globalisation team: Industrial Clusters in the Global Economy”. As pesquisas desenvolvidas durante a década de 1990 foram guiadas pela hipótese de que a competitividade depende da qualidade dos relacionamentos no interior do cluster [ver: www.ids.ac.uk/ids/global/coleff.html]. Um grupo de pesquisas mais recentes tem se concentrado na interação do local com o global, particularmente nas situações onde clusters industriais se inserem em cadeias globais de valor [ver: www.ids.ac.uk/ids/global/vw.html].

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cutir e diferenciar os conceitos cluster e distrito industrial, a partir da introdução do conceito de eficiência coletiva de Hubert Schmitz. Na introdução ao debate teórico sobre aglomerados industriais ou aglomerados de empresas será enfatizado que a competitividade das pequenas e médias empresas aglomeradas, particularmente no contexto dos paises em desenvolvimento, depende da qualidade de suas relações interfirmas. Neste capítulo, gostaria de destacar as ricas contribuições fruto dos trabalhos reunidos em dois números especiais da Revista World Development: um intitulado “Industrial Organization and Manufactuting Competitiveness in Developing Countries” (Volume 23, Número 1, Janeiro de 1995) e o outro “Industrial Clusters in Developing Countries” (Volume 27, Número 9, Setembro de 1999). E também as pesquisas sobre clusters industriais desenvolvidas pelo “Institute of Development Studies” (IDS) da Universidade de Sussex (Brighton, UK).92 No capitulo 10, o trabalho apresentará as características mais marcantes do aglomerado têxtil da região de Americana e a sua trajetória. Com a trajetória do cluster será buscado não apenas descrever a evolução do processo de industrialização têxtil local, que se confunde com a própria história da Cidade de Americana, cidade principal do cluster de onde se irradiou o crescimento industrial, mas também os momentos decisivos do cluster, como a implantação da Fábrica de Tecidos Carioba, a primeira indústria têxtil local, no final do século XIX, o surgimento das relações de subcontratação na década de 1930 com o desenvolvimento das pequenas empresas “façonistas” e o período de grande expansão nas décadas posteriores a segunda grande guerra mundial. Buscando não apenas a formação histórica do cluster, mas também seus momentos mais decisivos e suas características principais forjadas ao longo tempo. No capitulo 11, o trabalho trata do período mais recente do cluster de Americana buscando compreender o processo de reconfiguração produtiva e institucional do aglomerado têxtil a partir do quadro de grave crise interna experimentado na década de 1990. Nossas questões de pesquisa são:

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- como o cluster respondeu às fortes pressões competitivas? - quais as principais respostas estratégias locais ao desafio competitivo? - como os empresários têxteis experimentaram o processo de abertura da economia estando em um aglomerado industrial? - o fato de estar em uma aglomeração de firmas ajudou na superação das dificuldades? - quais as principais formas de upgrading na produção e fora da produção? - como tem se dado o processo de reconfiguração institucional no interior do cluster, particularmente, como a principal associação empresarial têxtil local, o SINDITEC93, tem atuado neste novo cenário? - as pressões competitivas têm levado a novos encadeamentos estratégicos para trás e para frente ao longo da cadeia? - em que medida os encadeamentos para trás e para frente extrapolam ou se restringem aos limites do cluster? - há formas de cooperação emergindo, seja nas relações verticais ou nas horizontais? - quais os principais obstáculos para a evolução do cluster, indo além da simples aglomeração de firmas e da especialização setorial, em sua busca de maior competitividade no novo cenário competitivo? – como os empresários têxteis locais e as agências públicas fomentadoras de desenvolvimento tem se relacionado? - existe uma política industrial local em gestação? - como o cluster tem enfrentado questões delicadas como fechamento de grande número de unidades produtivas e o desemprego? - quais as implicações da reestruturação produtiva para os trabalhadores? - há consciência no meio empresarial local das vantagens externas oriundas da simples aglomeração? - as pressões competitivas mudaram a cultura empresarial local? O cluster têxtil de Americana reúne um conjunto de características importantes que oferecem dados significativos para a análise do grau de desenvolvimento de novas relações interfirmas (cooperação, conflito, parceria e coordenação da cadeia) no setor têxtil-confecção brasileiro. Tornando possível avaliar em que medida o discurso institucional da ABIT, particularmente a ênfase na cooperação ao longo da cadeia da mercadoria, encontra repercussão nas ações e nas novas estratégias dos empresários têxteis (segmento de tecelagem) que integram um cluster têxtil importante como o da Região de Americana. A análise das relações entre empresas têxteis do cluster de Americana se dará: primeiro, em relação às relações interfirmas verticais, particularmente 93. Sindicato das Indústrias de Tecelagem de Americana, Nova Odessa, Santa Bárbara d’Oeste e Sumaré.

as bilaterais, por meio da análise dos encadeamentos para trás e para frente das firmas do segmento de tecelagem na cadeia produtiva têxtil; segundo, em relação às relações interfirmas horizontais, no caso das formas de cooperação horizontal multilateral, analisando o grau de participação e de envolvimento dos empresários têxteis em programas e projetos coletivos locais e/ou em atividades das instituições locais particularmente as representativas do empresariado têxtil; e, no caso das formas de cooperação horizontal bilateral, analisando o grau de cooperação entre produtores têxteis locais individualmente. A investigação do processo de reconfiguração produtiva e institucional do cluster têxtil da região de Americana visa contribuir tanto para uma melhor compreensão das mudanças vividas pelo setor têxtil-confecção brasileiro quanto para a forma como os clusters industriais brasileiros têm respondido ao desafio competitivo colocado pela globalização e pela liberalização comercial. Capítulo 09 Clusters, distritos industriais e eficiência coletiva 09.01 - Introdução: a importância e o interesse no estudo

A definição simples de cluster é de “uma concentração setorial e espacial de firmas” (Schmitz & Nadvi, 1999: 1503). O interesse internacional pelo estudo das aglomerações industriais (industrial clusters) surgiu nas décadas de 1980-90 a partir do entusiasmo gerado pelas experiências bem sucedidas dos distritos industriais da Terceira Itália. Segundo Schmitz & Nadvi (1999), as histórias de sucesso das experiências italianas das décadas de 1970 e 1980 somente se tornaram amplamente conhecidas na comunidade internacional no final da década de 1980 (com exceção do trabalho de Piore & Sabel (1990) publicado pela primeira vez em 1984). Estas histórias despertaram o interesse de acadêmicos e de formuladores de políticas públicas tanto nos países avançados quanto nos em desenvolvimento. Há consenso na literatura sobre clusters industriais de que a situação de aglomeração ajuda firmas pequenas e médias a superar restrições ao crescimento e a competir em mercados distantes, apesar de que, esta superação não é automática (Schmitz & Nadvi, 1999). O interesse no estudo da situ-

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de clusters industriais

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ação de aglomeração industrial (“clustering”) não ficou restrito aos distritos industriais italianos, mas estendeu-se para diversas outras experiências de aglomeração nos países avançados e depois para os países em desenvolvimento. Tornou-se consenso na literatura, durante a década de 1990, que esta situação industrial, além de ajudar firmas pequenas e médias nos paises em desenvolvimento, é particularmente relevante para o estágio de industrialização incipiente, ajudando pequenas empresas a crescer em situações de maior risco. Antes de abordar mais profundamente a trajetória do debate teórico sobre os distritos industriais a partir da experiência italiana, cabe uma breve abordagem do trabalho pioneiro de Alfred Marshall quando ocorre uma primeira análise da situação de aglomeração industrial. 09.02 - A Concepção Marshalliana dos Distritos Industriais

A ideia de que há vantagem em clustering é antiga. Segundo Schmitz & Nadvi (1999) a perspicácia analítica fundamental vem da velha teoria com a obra clássica “Princípios de Economia” de Alfred Marshall (1982).94 Marshall (1982: 231) abordou de forma pioneira a temática da “concentração de indústrias especializadas em certas localidades” mostrando que a aglomeração de indústrias poderia ajudar as empresas, particularmente as pequenas, a obter diversas vantagens. A argumentação central de Marshall era de que a situação particular de “indústrias aglomeradas” envolvidas em atividades similares gerava um conjunto de vantagens econômicas (chamadas de “economias externas marshallianas”). Estas vantagens nasciam da própria divisão do trabalho entre os produtores de um mesmo ramo industrial concentrados numa mesma região geográfica. Segundo Humphrey & Schmitz (1996) Marshall fala em indústria localizada e em distrito industrial apesar de não fornecer uma definição clara. Mas por meio de exemplos de indústrias localizadas da Inglaterra, Marshall já fazia referência a um cluster industrial onde havia uma profunda divisão de trabalho interfirmas de onde se originava um conjunto de vantagens externas. O conceito de “economias externas” refere-se, assim, aqueles benefícios que as firmas obteriam do fato de estar operando em uma situação de aglomeração industrial. Benefícios que resultariam da especialização, fruto

94. Primeira edição de 1890.

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da divisão do trabalho no interior do distrito, da criação de uma infraestrutura, da troca de informações e da comunicação interna e da disponibilidade de uma força de trabalho especializada. Marshall (1982: 234/235) destaca as seguintes vantagens da situação de aglomeração: [i] Um fundo comum de trabalhadores especializados: Marshall usa o termo “aptidão hereditária” para se referir ao acúmulo de conhecimentos que surge na comunidade de pessoas presente na aglomeração, quando “os segredos da profissão deixam de ser segredos, e, por assim dizer, ficam soltos no ar, de modo que as crianças absorvem inconscientemente grande número deles”, gerando uma mão de obra mais qualificada dentro do próprio tecido social; a importância desta mão de obra local especializada para o pequeno produtor é comparada, por Marshall, com uma outra situação industrial, quando o autor ressalta que “uma indústria localizada obtém grande vantagem pelo fato de oferecer um mercado constante para mão de obra especializada”, diferente de um proprietário de uma fábrica isolada que “geralmente tem grande dificuldade em obter operários de uma determinada especialização”; [ii] Fácil acesso aos fornecedores de matériasprimas e de insumos diversos: Marshall enfatiza o surgimento de indústrias subsidiárias nas proximidades locais “que fornecem à indústria principal instrumentos e matérias-primas, organizam seu comércio e, por muitos meios, lhe proporcionam economia de material”; [iii] Serviços especializados: Marshall se refere a esta vantagem, que nasce diretamente da divisão do trabalho entre os produtores locais, argumentando que a utilização de maquinário altamente especializado “pode muitas vezes ser realizada numa região em que exista uma grande produção conjunta da mesma espécie”, na medida em que as subsidiárias, dedicadas cada uma a um pequeno ramo do processo de produção trabalhando para muitas das grandes fábricas vizinhas “podem empregar continuamente máquinas muito especializadas, conseguindo utilizá-las rendosamente, embora o seu custo original seja elevado e sua depreciação muito rápida”; [iv] Disseminação de novos conhecimentos: A formação de uma rede econômica dentro do aglomerado industrial, enquanto uma comunidade de pessoas e de firmas, promove a circulação de novos conhecimentos, novas idéias e também de mercadorias, gerando um acúmulo de habilidades produtivas. Marshall ressalta a existência de uma “atmosfera industrial” onde haveria uma influência mútua dos sistemas econômico e social, apesar da idéia não ser totalmente elaborada. A idéia de uma “atmosfera industrial” seria

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resultado da coexistência, dentro de uma mesma área geográfica, tanto de um sistema industrial quanto de uma sociedade (comunidade de trabalhadores) crescendo ao redor das firmas agrupadas e especializadas. Em resumo, o distrito industrial marshalliano pressupõe: uma sobreposição entre o social e o produtivo; e, uma ampla divisão do trabalho entre firmas envolvidas em atividades complementares e uma especialização setorial. 09.03 - As experiências de sucesso na Terceira Itália: o nascimento do interesse internacional pelos distritos industriais

O interesse internacional nos distritos industriais aparece na literatura acadêmica e no debate político por toda a década de 1980 e 1990. E pode ser atribuído ao surgimento inesperado no período pós-guerra de um novo modelo de sistema produtivo que emergia nos “distritos industriais” da Terceira Itália, com as experiências de sucesso de empresas pequenas e médias na região da Emilia Romagna. Segundo Humphrey & Schmitz (1996: 1860) o conceito de “Terceira Itália” começou a ser usado no final da década de 1970. O termo “Terceira Itália” foi cunhado por Arnaldo BAGNASCO (1999) para indicar o desenvolvimento socioeconômico de uma região que se colocava de forma inovadora entre o Norte desenvolvido (Primeira Itália) e o Sul atrasado (segunda Itália). As peculiaridades do sistema produtivo que emergiam destas firmas aglomeradas no nordeste e na parte central da Itália, em relação às formas de organização industrial existentes, predominantemente fordista, eram o tamanho (pequeno) das firmas e o relacionamento complexo entre elas e com a comunidade local. A aparente vitalidade dos distritos de firmas pequenas e médias na Itália levou a um considerável interesse acadêmico pelos distritos industriais. Este interesse aparece, particularmente, devido à atenção dada pelos pesquisadores italianos a este singular sistema de produção local e também devido à capacidade de aprofundar e desenvolver o conceito anteriormente formulado por Alfred Marshall. As duas principais características das abordagens teóricas dos distritos industriais que aparecem na literatura são: primeiro, a ênfase na rede de firmas como fator chave da constituição do distrito industrial típico, com empresas relativamente pequenas e verticalmente desintegradas; segundo, a ênfase no enraizamento (embeddedness) da rede de firmas no sistema social local,

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assim sendo, a necessidade de considerar as características do território ou do tecido social local para empreender a análise do surgimento e da transformação dos distritos industriais (Becattini, 1990; Brusco, 1990). Em relação à primeira abordagem, focalizou-se o grau de divisão do trabalho, a especialização produtiva das firmas e a criação e difusão das inovações, aprofundando as características anteriormente destacadas na clássica análise feita por Marshall. É importante ressaltar que a nova abordagem baseia-se em uma definição socioeconômica dos distritos industriais. O desenvolvimento de estudos interdisciplinares fundamenta-se na idéia de que os distritos industriais não podem ser explicados apenas a partir de fatores econômicos. Do tipo ideal que se construiu a partir da experiência italiana emergiram quatro fatores característicos dos distritos industriais que foram apresentados por Rabelotti (1995: 29): primeiro, um aglomerado de empresas, principalmente de tamanho pequeno e médio, espacialmente concentradas e setorialmente especializadas; segundo, um conjunto de encadeamentos para frente e para trás, tendo por base a troca (mercadológico ou não) de bens, de informações e de pessoas; terceiro, um fundo cultural e social comum unindo os agentes e criando um código de comportamento (explicito ou implícito); quarto, uma rede de instituições locais públicas e privadas apoiando os agentes econômicos que atuam dentro do cluster. Os elementos distintivos em uma configuração ideal típica de distrito industrial também podem ser colocados em apenas três dimensões: primeiro, uma divisão de trabalho entre as firmas do distrito que promove altos níveis de flexibilidade e de produtividade, principalmente, na medida em que as empresas agrupadas freqüentemente são especializadas em apenas uma etapa do processo de produção, daquele ramo industrial em que o distrito se especializou; segundo, um meio social distinto que inclui desde uma rede institucional local ou meio institucional (como associações comerciais e empresariais, instituições de ensino, etc) até práticas e atributos culturais ou cultura local (como a aptidão hereditária de Marshall, a confiança entre agentes econômicos, trabalhadores, etc.); terceiro, a rede de firmas que inclui tanto os laços horizontais quanto os laços verticais para frente e para trás. Fica claro na literatura sobre clusters que a interação destes elementos presentes na situação de aglomeração de firmas gerava um conjunto de vantagens para os produtores agrupados em comparação com as firmas isoladas. Mas também que as economias externas marshallianas não eram suficientes para explicar o desenvolvimento dos clusters. Além das economias

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externas, os estudiosos argumentaram que havia uma busca consciente por ações coletivas (Schmitz & Nadvi, 1999). A abordagem da eficiência coletiva desenvolvida por Hubert Schmitz no âmbito do Institute of Development Studies (IDS) ajudou a explicar esta habilidade dos aglomerados industriais ao crescimento. Hubert Schmitz introduziu o conceito de “Eficiência Coletiva” a fim de captar os ganhos derivados da combinação das economias externas com a ação coletiva.95 O conceito “Eficiência Coletiva” é definido como “a vantagem competitiva derivada das economias externas e da ação conjunta” (Schmitz & Nadvi,1999: 1504). Schmitz & Nadvi chamam a primeira de eficiência coletiva “passiva” e a outra de “ativa”. A eficiência coletiva passiva seria a vantagem que cairia no colo do produtor originando-se das próprias externalidades da situação de aglomeração, espontânea e não planejada. Já a eficiência coletiva ativa seria a vantagem buscada de forma deliberada por meio da ação conjunta, aquela que requer esforços conjuntos. O conceito de eficiência coletiva se tornou uma ferramenta útil para explicar as diferenças entre os clusters, dentro de clusters e ao longo do tempo. Particularmente, sendo uma ferramenta útil para explicar porque alguns clusters tiveram mais sucesso em responder aos desafios colocados pelas pressões competitivas globais. A hipótese era de que uma resposta de sucesso pediria “mudar a marcha” de uma eficiência coletiva passiva para uma ativa (idem, p.1505; Schmitz, 1999:1630). No número especial da Revista World Development96, dedicada ao tema da reorganização industrial nos paises em desenvolvimento, o modelo de distrito industrial ou modelo italiano é debatido em conjunto com o modelo japonês ou produção enxuta. O conjunto de estudos de casos apresentados neste número especial trata das mudanças organizacionais buscadas em uma variedade de países em desenvolvimento, onde as indústrias manufatureiras estariam enfrentando pressões competitivas mais fortes do que no passado como resultado da abertura comercial de seus mercados. Humphrey (1995a) argumentou na introdução ao número especial que a indústria nos países avançados também havia passado por processos dolorosos de

95. Hubert Schmitz introduziu o conceito de “eficiência coletiva” no seu artigo de 1990: “Small firms and flexible specialization in developing countries”, publicado na Revista Labour and Society, Volume 15, No. 3. 96. Volume 23, Número 01, Janeiro de 1995.

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crise e reestruturação nos últimos 20 anos. Neste cenário de crise e mudança, as duas histórias de sucesso se destacavam e era o foco do debate naquele momento. As duas experiências haviam sido codificadas no modelo italiano e no modelo japonês. Apesar de tratar-se de modelos bastante distintos, o número especial considerava a relevância das novas formas de cooperação entre firmas e das novas formas de organização dentro das firmas. Uma tentativa famosa de unir os dois modelos na literatura sobre reorganização industrial havia sido feita na obra de Piore & Sabel (1990). Contudo, conforme Bair & Gereffi (2001) enfatizam, embora produção enxuta envolva uma reorganização vertical do relacionamento interfirmas ao longo da cadeia de suprimentos, o modelo dos distritos industriais enfatiza a importância das redes horizontais entre firmas localizadas dentro do cluster. A questão do enraizamento social (social embeddedness) da rede de firmas no tecido social e no território surge como fundamental para caracterizar e diferenciar o modelo do distrito industrial. Neste primeiro conjunto de trabalhos da World Development, destacase o trabalho de Rabellotti (1995) que, com seu título sugestivo, “Is there an Industrial District Model? Footwear Districts in Italy and México Compared”, compara o modelo ideal típico de distrito industrial e o estudo de caso de distritos industriais da indústria de calçados na Itália e no México. Apesar do entusiasmo surgido com o sucesso dos distritos industriais italianos (a “terra” dos distritos industriais), induzindo a pensar em um modelo claramente definido com características precisas e que poderia ser reproduzido em qualquer lugar, Rabellotti (1995: 29) enfatiza que a estrutura do distrito industrial não é um modelo analítico, mas sim uma lista de fatos modelados útil para organizar a investigação empírica possibilitando a comparação com casos do mundo real. As limitações do modelo, que a autora chama de modelo de manual, surgem de duas fontes: primeiro, a existência de alguns elementos essenciais que podem ser colocadas em dúvida até na Itália; segundo, se tais elementos existem num dado momento, distritos e seus componentes mudam continuamente e este processo não pode ser capturado por um modelo estático. Humphrey (1995b), em seu artigo “Industrial Reorganization in Developing Countries: From Models to Trajectories”, neste primeiro grupo de estudos, enfatizou a necessidade de estudar o processo de desenvolvimento dos clusters em uma abordagem mais dinâmica, como resultado de uma in-

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teração entre as firmas e as instituições locais, assim como com outros atores da cadeia da mercadoria ao longo do tempo. Humphrey (1995b: 157) ressalta a pertinência da utilização do conceito “cadeia global da mercadoria” desenvolvido por Gary Gereffi para melhor entender o impacto dos novos mercados sobre os clusters industriais. O enfoque na trajetória dos clusters busca focalizar seus momentos decisivos no enfrentamento do duplo desafio da globalização e da liberalização comercial. Fazendo com que as firmas agrupadas sejam cada vez mais forçadas a operar tendo por base padrões internacionais (em termos de custo, qualidade, velocidade da resposta e flexibilidade). O segundo número especial da Revista World Development97, dedicada ao tema “Clusters Industriais nos Países em Desenvolvimento”, teve como um de seus objetivos principais especificar as circunstâncias em que a situação de aglomeração ou de concentração de firmas estimula o crescimento e a competitividade industrial. Schmitz & Nadvi (1999: 1503), os autores da introdução ao número especial da revista, argumentam que é necessário distinguir entre estágios de industrialização incipiente e mais avançado, argumentando que a situação de aglomeração industrial é particularmente relevante para estágios de industrialização incipiente, ajudando pequenas e médias empresas a crescer em etapas arriscadas. Uma das questões chave do debate que os vários autores deste número especial da World Development examinam é a habilidade dos diversos clusters no enfrentamento das pressões competitivas globais, assim como a especificação das circunstâncias que fazem a diferença entre o sucesso e o fracasso. Segundo Bair & Gereffi (2001) há uma abordagem mais flexível do modelo de distrito industrial buscando contemplar as diversidades de experiências, tanto nos países desenvolvidos quanto nos países em desenvolvimento, assim como as mudanças que os próprios distritos industriais italianos (inspiradores do modelo) apresentavam ao longo do tempo. Aparece também uma maior compreensão da necessidade de se investigar as ligações externas ao cluster, dando uma abordagem tanto das redes internas quanto das redes externas. Questão já enfatizada anteriormente por Humphrey (1995b) quando apontou a utilidade do conceito cadeia global da mercadoria para

97. World Development, 27 (9) 1503-1734 (1999) “Special Issue: Industrial Clusters in Developing Countries”.

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analisar clusters, particularmente aqueles conectados a cadeias da mercadoria dominadas por grandes firmas globais. Para Bair & Gereffi (2001: 1886) a literatura dos distritos industriais procurou explicar como aglomerações de firmas unidas geograficamente e especializadas setorialmente combinavam bom desempenho exportador e produção de bens manufaturados leves (como calçados e confeccionados) com salários relativamente altos pagos a uma força de trabalho qualificada. A questão teórica colocada era se o “modelo de distrito industrial italiano” que emergia de um contexto social, cultural e econômico distinto, poderia fornecer uma via alta aos clusters de firmas dos paises em desenvolvimento. Os pesquisadores dos países em desenvolvimento receberam ansiosamente relatos das experiências bem sucedidas dos distritos industriais dos países avançados, especialmente dos italianos. Schmitz & Nadvi (1999) argumentam que apesar dos estudos e pesquisas sobre clusters nos países em desenvolvimento partilharem da mesma visão de distrito industrial dos países desenvolvidos, qual seja, de pequenas e médias empresas conectadas em uma rede firmas e uma ênfase sobre os fatores locais para competir nos mercados globais, estes estudos e pesquisas foram traduzidos para uma agenda de pesquisa que teve duas questões principais: Primeiro, há clusters industriais nos países em desenvolvimento? Segundo, quais são as condições que produzem, modificam ou evitam seu crescimento? Para Schmitz & Nadvi (1999: 1504) as novas pesquisas empíricas avaliando a relevância da situação de aglomeração industrial nos países em desenvolvimento vieram tarde, mas conduziram a um conjunto de discussões originais a partir de estudos de caso teoricamente relevantes. As principais lições que surgem destas discussões são: primeiro, as aglomerações industriais nos países em desenvolvimento são significativas: elas são comuns em uma ampla escala de países e de setores; segundo, as experiências de crescimento destes clusters variam amplamente diferindo em diversos aspectos do modelo italiano: indo de clusters artesanais até clusters dinâmicos, entendendo dinamismo como a capacidade de expandir a divisão do trabalho interfirmas, aumentar a competitividade e inserir-se em mercados internacionais; terceiro, a heterogeneidade interna é acentuada diferindo da experiência italiana das décadas de 1970-80: com firmas médias e grandes emergindo e desempenhando papel importante no controle destes clusters (com exceção dos clusters rudimentares), o que não difere da realidade italiana da década de 1990 (Schmitz & Nadvi, 1999:1504).

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09.04 - Clusters e distritos industriais.

Seria oportuno introduzir a distinção conceitual entre “cluster” e “distrito industrial”. Como definido no inicio deste capítulo, a definição simples de “cluster” é a de um aglomerado de firmas concentradas geograficamente e especializadas setorialmente. Esta definição abarca um conjunto grande de casos dentro de diversos ramos industriais, nos países avançados e nos em desenvolvimento. Uma definição mais precisa de cluster se torna difícil, segundo a literatura, devido à presença de variáveis não mensuráveis como confiança e enraizamento social. Para Altenburg & Meyer-Stamer (1999) é bastante problemático, em termos de pesquisa, delimitar o que seria uma simples aglomeração industrial e um cluster complexo ou maduro. Humphrey & Schmitz (1996) procuraram diferenciar os termos argumentando que, existindo a aglomeração de empresas, geograficamente concentradas e setorialmente especializadas, provavelmente irão emergir “economias externas”. Se a cooperação se desenvolve e a especialização se aprofunda são questões para a pesquisa empírica, mas não fazem parte da definição de cluster. Um distrito industrial é marcado pelo surgimento de formas implícitas e explicitas de colaboração entre os agentes econômicos locais (fato que melhora a produção local e algumas vezes a capacidade de inovação) e pelo surgimento de fortes associações setoriais. Desta forma, poderíamos dizer que um distrito industrial é um cluster maduro ou que desenvolveu as suas potencialidades atingindo sua eficiência coletiva (Rabelotti, 1995:35; Humphrey & Schmitz, 1996:1863). A cooperação interfirmas se torna um delimitador fundamental de grau dentro do leque de experiências de clustering que vão desde a simples aglomeração industrial (cluster) até o distrito industrial (cluster maduro). Para Ramírez-Rangel (2001: 154): “A questão da cooperação da pequena empresa é multifacetada e complexa” já que “uma troca informal de informações entre o pessoal técnico de duas empresas pode ser considerada uma cooperação”. Schmitz (1999) em seu trabalho sobre o cluster da indústria de calçados do Vale dos Sinos (Sul do Brasil) oferece uma tipologia (Quadro 01) bastante útil dos tipos de cooperação interfirmas:

Quadro 01 Tipos de Cooperação Interfirmas

Bilateral

Multilateral

Horizontal

Exemplo: partilhando algum equipamento

Exemplo: participando da associação empresarial local

Vertical

Exemplo: produtores e clientes melhorando componentes

Exemplo: formando alian ças ao longo da cadeia de valor ampliada

Fonte: Extraído de Schmitz (1999:1634)

As relações interfirmas horizontais diferem bastante das relações verticais, na medida em que a concorrência permanece ativa entre empresas que produzem o mesmo bem, dificultando o desenvolvimento de relações de cooperação.

As formas de cooperação horizontais ocorrem entre firmas que produzem o mesmo produto. Sendo bilaterais quando, como no exemplo de Schmitz (1999), duas empresas partilham algum equipamento ou uma simples política de boa vizinhança dentro do cluster. E multilaterais quando várias firmas formam algum tipo de iniciativa conjunta, seja através da associação empresarial local ou outro tipo de projeto coletivo, como, por exemplo, treinamento de trabalhadores, compras conjunta de insumos e/ou projetos de desenvolvimento tecnológico.

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As relações interfirmas verticais envolvem complementaridade na cadeia produtiva. Segundo Gitahy et al (1997: 46) “as relações verticais são aquelas que conformam a cadeia produtiva de um setor, incluindo diferentes segmentos e/ou ramos afins”. As formas de cooperação verticais bilaterais mais comuns ocorrem nas relações dos produtores com seus fornecedores quando estes trocam informações a fim de melhorar a qualidade dos componentes ou dos serviços demandados. Pode ocorrer intercâmbio com os agentes de comercialização a fim de aprofundar o conhecimento das necessidades dos consumidores finais. Formas de cooperação verticais multilaterais podem ocorrem entre associações empresariais que representam segmentos produtivos específicos ao longo da cadeia da mercadoria. Já as relações interfirmas horizontais podem envolver desde a concorrência acirrada (competição) até formas diversas de colaboração (cooperação). Segundo Gitahy et al (1997: 48):

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09.05 - Principais achados da literatura sobre clusters industriais na década de 1990

Uma das principais descobertas de pesquisa é que a situação de aglomeração de empresas não é um fenômeno exclusivamente europeu e que nem está aprisionado em um modelo estático. Há uma diversidade de experiências de aglomerações industriais nos países desenvolvidos e nos em desenvolvimento, assim como estas experiências mudam ao longo do tempo conforme suas trajetórias particulares de desenvolvimento. Contudo, o modelo italiano permanece como um ponto de referência fundamental no debate acadêmico. Os principais resultados da pesquisa sobre clusters industriais, segundo o grupo de pesquisa “Globalisation Team: Clusters and Industrial Development” do Institute of Development Studies (IDS)98 são: (1) Clusters industriais são comuns em um leque amplo de setores e de paises em desenvolvimento; (2) Clusters têm ajudado pequenas empresas a superar restrições ao crescimento e a competir em mercados distantes; (3) A abordagem da eficiência coletiva, desenvolvida no âmbito do IDS, ajuda a explicar esta habilidade para o crescimento; (4) Entretanto, eficiência coletiva apenas aparece onde confiança sustenta relações interfirmas e onde redes conectam clusters a mercados consideráveis; (5) Ação conjunta de firmas locais aumenta a habilidade dos clusters para enfrentar os novos desafios competitivos; (6) Dentro dos clusters, maior cooperação é relacionada positivamente com melhor desempenho; (7) Aumentos na cooperação vertical têm sido maiores do que na cooperação horizontal; (8) Pressões competitivas globais têm conduzido a uma crescente diferenciação dentro dos clusters. Para o grupo do Institute of Development Studies (IDS) as pesquisas futuras precisavam mudar a ênfase dos elos internos para os elos externos e dos sistemas produtivos para os sistemas de conhecimento. Schmitz & Nadvi (1999) já argumentavam que o conceito de “Eficiência Coletiva” era útil, mas também insuficiente para suprir duas deficiências: primeiro, a necessidade de capturar as conexões externas (no caso dos clusters voltados para a exportação, a natureza das conexões com compradores estrangeiros); segundo,

98. Institute of Development Studies, University of Sussex - Brighton. [www.ids.ac.uk/ids/ global/cluster.html]. A equipe de pesquisa é coordenada pelo Prof. John Humphrey.

09.06 - O Fomento de Clusters

Há evidências empíricas apresentadas pela literatura de que a situação de aglomeração de empresas, assim como os intercâmbios feitos por meio de rede empresariais, ajudam pequenos e médios fabricantes a elevar sua competitividade (Humphrey & Schmitz, 1996). Daí o grande interesse de acadêmicos e de formuladores de políticas públicas em estudar e apoiar as peque-

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o fato de que uma resposta estratégica aos desafios externos poderia requerer mais do que ações conjuntas das empresas locais, na medida em que novas questões entravam no debate, principalmente a questão do controle local da cadeia da mercadoria e do apoio de agências públicas. No debate mais recente sobre clusters aparece um maior enfoque na relação entre os aglomerados industriais e as cadeias globais do valor. No âmbito das pesquisas do IDS a preocupação é com os elos externos dos clusters e como eles afetam as relações locais. A principal questão para as pesquisas recentes é “quem estabelece os parâmetros para os produtores locais?”. O grupo de pesquisa do IDS argumenta que os produtores não exportam para um mercado global anônimo, mas que eles alimentam cadeias de valor que são governadas por poderosas firmas globais. Estas grandes empresas estabelecem parâmetros sobre as quais as outras empresas da cadeia devem operar. Outros parâmetros também são colocados de fora da cadeia, como os novos padrões de qualidade exigidos pelo mercado consumidor e os padrões de utilização do trabalho. Uma das questões principais colocadas nesta agenda recente de pesquisa sobre clusters é: em que medida os elos externos promovem upgrading (Schmitz & Nadvi, 1999). Questão fundamental já que, em clusters voltados para a exportação, em geral as pequenas empresas atuam como fornecedoras de cadeias globais. Schmitz (1999) enfatizou que, mesmo nas empresas inseridas nas cadeias globais dirigidas pelo comprador, embora havendo uma melhora das competências produtivas, pode haver uma retenção de atividades de maior valor agregado. Mesmo nos clusters voltados para o mercado doméstico, as fortes pressões competitivas globais afetam diretamente o padrão de concorrência, demandando que o upgrading não esteja apenas restrito às atividades produtivas, mas que pressuponha também a melhoria de competências mais intensivas em conhecimento, tais como, design, marketing e gerenciamento da marca.

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nas e médias empresas em situação de clustering. Particularmente nos países em desenvolvimento, interessados em promover emprego e desenvolvimento com ênfase em setores ainda relativamente intensivos em trabalho. Os clusters de sucesso não podem ser criados do nada. Há necessidade de se ter uma massa substancial de empresas e de habilidades (mesmo que rudimentares) que a assistência de fora possa estar apoiada. Segundo a literatura, o apoio externo para clusters funciona melhor onde políticas industriais são descentralizadas e construídas sobre parceria público-privada. A experiência européia sugere que os governos local e regional podem desempenhar um papel importante no desafio de transformar clusters potenciais em característicos distritos industriais ou clusters maduros. Promovendo encadeamentos estratégicos entre as firmas agrupadas e entre o cluster e demais agentes econômicos e suas organizações. As principais lições para a promoção de clusters industriais nos países em desenvolvimento estão resumidas na Abordagem do Triplo “C”99 desenvolvida pelos autores Humphrey & Schmitz (1996: 1860). Os três “Cs” representam uma política orientada triplamente para o cliente, para o coletivo e para a capacidade cumulativa. A política orientada para o cliente é devida à necessidade crescente de se atender às demandas do cliente, a intervenção de apoio nesse caso deve estar direcionada para criar meios para que as empresas pequenas e médias possam aprender sobre e por meio das necessidades do cliente e também oferecer assistência técnica que possibilite uma resposta adequada e mais rápida às demandas do mercado. A política orientada para grupos de empresas tem duas vantagens: porque a abordagem coletiva envolve uma transação de custos mais baixa, e porque ajuda a desenvolver relações de cooperação entre as empresas melhorando sua eficiência. A política orientada para a acumulação de melhorias possibilita que as empresas se tornem menos dependente do apoio externo. Esta terceira característica se baseia na idéia de que ser ou se tornar competitivo é um processo permanente através de melhorias continuas. Segundo Humphrey & Schmitz (1996:1860): O objetivo da intervenção política no nível micro seria para desenvolver a capacidade de grupos de firmas de gerar processos de melhorias derivando de elos interfirmas e de contato com o mercado. Assim, o apoio públi-

99. The Triple “C” Approach to Local Industrial Policy.

co para um dado propósito gradualmente se torna desnecessário e pode mudar para novos desafios.

Tem ficado claro na literatura que as respostas estratégicas das firmas pequenas e médias em situação de aglomeração às pressões competitivas globais, típicas da década de 1990, não podem estar apenas apoiadas na ação conjunta das firmas, mas requer a atuação de agências públicas como catalisadoras ou como mediadoras dos conflitos. Com o apoio estratégico do Estado em momentos de conflito e crise ou ruptura de mercado (Altenburg & Meyer-Stamer,1999; Schmitz & Nadvi, 1999). Uma resposta estratégica das empresas em situação de aglomeração aos desafios da globalização e da liberalização deve ser apoiada na via alta para uma inserção ativa na economia global (Schmitz, 1999). Responder de forma estratégica às pressões competitivas globais requer muito mais do que o upgrade produtivo. Além do upgrade na produção e do maior enfoque em atividades como design, marketing e gerenciamento de marca própria, a resposta adequada dos clusters industriais nos paises em desenvolvimento pressupõe eficiência coletiva e criação de formas de coordenação local da cadeia. Capítulo 10 - Caracterização e Trajetória do Cluster Têxtil da Região de Americana-SP

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O Cluster Têxtil da Região de Americana compreende os municípios de Americana, Santa Bárbara d’Oeste, Nova Odessa e Sumaré, na Região Metropolitana de Campinas, interior do Estado de São Paulo. O cluster é formado por um conjunto considerável de empresas pequenas, médias e grandes, produzindo artigos têxteis e confeccionados, englobando assim todas as etapas da cadeia produtiva têxtil-confecção. Dados do Sindicato das Indústrias de Tecelagem de Americana, Nova Odessa, Santa Bárbara D’Oeste e Sumaré - SINDITEC (2000) indicavam existir na cadeia produtiva do Pólo Têxtil de Americana, no ano de 2000, 05 indústrias de Fiação100 (sendo 3 de fibras artificiais e sintéticas e 2 de fibras 100. As empresas desse segmento especializadas em fibras químicas são: [1] a Fibra S/A, fundada em 1949 na Cidade de Americana, atualmente é parte do Grupo Vicunha Têx-

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10.01- Introdução: Caracterização do Cluster de Americana

Globalização e Mudanças na Cadeia Têxtil Brasileira

naturais - algodão), cerca de 700 indústrias de Tecelagem e 50 indústrias de Acabamento de tecidos (Tinturarias e Estamparias).101 O segmento principal da cadeia produtiva têxtil do cluster é o de tecelagem (Tabela 01). Os dados coletados em 1992 para o I Censo Industrial de Americana, realizado pela Prefeitura Municipal, mostraram que 50% das empresas da Cidade de Americana de todos os ramos industriais eram do segmento de tecelagem onde predominam empresas pequenas e médias especializadas na produção de tecidos planos artificiais e sintéticos. Em relação à representatividade da indústria de tecelagem da Região de Americana no contexto nacional, segundo dados do SINDITEC (2000), o cluster têxtil de Americana era responsável por 85% da produção nacional de tecidos planos de fibras artificiais e sintéticas. Sendo, por essa razão, considerado o maior pólo têxtil desse segmento na América Latina. Tabela 01 Cluster Têxtil de Americana: Empresas da Cidade de Americana por Ramo de Atividade (1992) Ramo de Atividade

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Tecelagem Confecção Tinturaria Engomagem Malharia Estamparia Indústria s/ máquinas Fiação Outros do Setor Têxtil Outros Setores Industriais Total

Número de Empresas

%

332 76 33 13 13 7 6 5 11 166 662

50,2 11,4 5,0 2,0 2,0 1,0 1,0 0,7 1,7 25,0 100

Fonte: I Censo Industrial de Americana- Prefeitura Municipal de Americana (1993).

til S/A (Unidade IX); [2] a Polyenka, fundada em São Paulo em 1968, transferiu-se para Americana alguns anos depois; [3] e a Fibra DuPont Sudamérica S/A, uma joint venture formada entre o Grupo Vicunha e a DuPont no ano de 1994, a joint venture possui 4 fábricas estando 3 em Americana [www.abrafas.com.br]. 101. O Resumo do Setor do SINDITEC (2000), apesar de fornecer o número das unidades produtivas de cada segmento da cadeia têxtil (exceto confecção) do Pólo, apresenta dados mais aprofundados apenas do segmento de Tecelagem.

102. O sistema de fação (ou façonismo) funciona quando o contratante fornece a matériaprima (o fio) para o subcontratado que fica encarregado de produzir o tecido e retorna-lo para o contratante. O serviço de tecelagem (“bater tecido”) prestado é pago pela contratante por metro de tecido. 103. Sobre o modo de funcionamento das empresas mistas, o assessor do SINDITEC relatou que: “Sendo um elemento que trabalha com artigo de inverno, então ele tem alguns meses do ano que ele pode trabalhar com produção total sem pegar nem um metro de tecido de terceiros”. Em períodos de baixa demanda daquele produto ele subcontrata parte de sua produção.

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Este conjunto de empresas se divide em três tipos: empresa autônoma, empresa façonista e empresa mista. A empresa autônoma é a empresa que tem produção própria, ou seja, tem o parque fabril instalado e capital de giro suficiente para adquirir a matéria-prima, contratar funcionário, gerenciar o processo produtivo e colocar o produto final no mercado; está voltada tanto para o mercado interno quanto para o externo; em geral trata-se de uma empresa de médio ou de grande porte. A empresa façonista102 é a empresa que produz para terceiros, têm o parque fabril instalado e alguns funcionários contratados, não possui capital de giro suficiente, opera como subcontratada (prestadora de serviço “à fação”) de outra (ou de outras) empresa autônoma, esta fornece a matéria-prima, determina o que será produzido e, como proprietária do produto final, é responsável pela sua comercialização; as façonista em geral são empresas micro ou pequena. A empresa mista é aquela que tem o parque fabril instalado, funcionários contratados e capital de giro suficiente para operar seu próprio processo de produção, mas que atua seja como autônoma seja como subcontratada, em geral é uma empresa pequena que trabalha com produto sazonal, buscando na subcontratação uma forma de ocupar parte do parque instalado que se encontra ocioso em determinado período do ano.103 Uma característica importante deste cluster é que sua formação e desenvolvimento não foram induzidos por meio de intervenção governamental, como acontece nas Zonas de Processamento de Exportação (ZPE), mas sim, ocorreu de forma espontânea com geração de complementaridades ao longo do tempo. Esta característica torna importante a compreensão de sua trajetória, dado ao peso da tradição local, quando o desenvolvimento industrial ocorre embutido no tecido social local. Outra característica do cluster é ter estado voltado, não exclusivamente, para o mercado interno durante sua trajetória, apesar de recentes programas empresarias locais e nacionais dando

Globalização e Mudanças na Cadeia Têxtil Brasileira

maior enfoque na exportação (Tabela 02). Americana é a cidade principal do Cluster Têxtil que leva seu nome, também conhecido como Pólo Têxtil Paulista, onde está concentrada a maior parte das empresas têxteis e de onde se irradiou o processo de industrialização têxtil para os municípios vizinhos104. Tabela 02 Cluster Têxtil de Americana: Destino da Produção Têxtil- 1990-1999 Ano

Mercado Interno

Exportação

90% 97% 95% 90% 82%

10% 3% 5% 10% 18%

1990-1993 1994-1996 1997 1998 1999

Fonte: Resumo do Setor- SINDITEC (2000).

10.02 - Trajetória do Cluster de Americana 10.02.01 - Origens do Processo de Industrialização em Americana

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A história da Cidade de Americana e o processo de industrialização têxtil local se confundem. Os primeiros registros de ocupação do território de Americana datam do final do século XVIII. No final do século XIX destacava-se na região o cultivo do café, do algodão105 e da melancia nas fazendas da região. A origem da cidade é marcada pela presença de imigrantes norteamericanos106, italianos, alemães, espanhóis e portugueses. O núcleo popu-

104. Dados do RAIS-2001 do Ministério do Trabalho mostram que, do conjunto das unidades produtivas têxteis e de confeccionados das Cidades que integram o cluster, cerca de 60% se concentram na Cidade de Americana. 105. A cultura do algodão nas fazendas da região teve um papel fundamental no desenvolvimento das primeiras fabricas de tecidos. 106. O primeiro norte-americano a se estabelecer na região foi o Coronel Willian Hutchinson Norris, ex-senador pelo Estado do Alabama, que adquiriu áreas da antiga Fazenda Machadinho, em 1866. Os principais produtos cultivados pelos norte-americanos foram o algodão e a melancia. A imigração de norte-americanos ocorreu logo após a Guerra de Secessão daquele país, quando o sul foi derrotado. Muitos cidadãos norte-americanos do Sul, região derrotada, resolveram imigrar para o Brasil devido ao descontentamento com as medidas do processo de reconstrução do pós-guerra (Ribeiro&Ferreira,1994).

Contava a Fábrica de Tecidos Carioba em 1875 com 28 teares e era movida a força hidráulica, através do desvio de água do Ribeirão Quilombo que era canalizado através de um rego de 500 metros de extensão, acionando turbinas. A matéria-prima utilizada era o algodão produzido em larga escala pelos imigrantes americanos estabelecidos na região. Empregava em 1878, 34 operários.

Após alguns anos a Fábrica Carioba foi vendida para os irmãos Clement e Jorge Wilmot de nacionalidade inglesa, seus segundos proprietários. A indústria têxtil passa por problemas sendo fechada em 1896. Em 1901 a fábrica é vendida e reaberta em 1902 sob a direção do alemão Comendador

107. Em Tupi Guarani “Carioba” significa “Pano Branco” (Ribeiro & Ferreira, 1994: 6).

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lacional original da antiga Vila Americana nasceu ao redor da estação ferroviária de Santa Bárbara, da Companhia Paulista de Estrada de Ferro, inaugurada no ano de 1875. A construção da estrada de ferro e da estação local teve papel importante para o fluxo de mercadorias agrícolas produzidos na região e para a chegada de grande número de imigrantes europeus. Segundo Ribeiro & Ferreira (1994: 4): “Foi devido à intensa movimentação dos imigrantes americanos e a seu linguajar característico que o lugar passou a ser conhecido como vila dos americanos”. Em 1900 a Cia Paulista de Estrada de Ferro já havia adotado o nome de Vila Americana para a estação. Mas apenas em 1904 a Vila consegue a sua autonomia em relação à Vila Santa Bárbara com a criação do Distrito de Paz e a vinculação da Vila Americana a jurisdição de Campinas. No mesmo ano da instalação da estação ferroviária local, em 1875, foi fundada a primeira fábrica de tecidos de algodão, também primeira indústria local: a Fábrica de Tecidos Carioba.107 Os historiadores locais consideram a fábrica “como o berço da industrialização de Americana” (Gobbo et al, 1999:32). A fábrica de tecidos foi instalada a 3 km da estação em uma das partes das terras da antiga Fazenda Salto Grande que havia sido desmembrada em 1873. A indústria de fiação e tecelagem de algodão foi fundada pela firma Queiroz & Ralston de propriedade dos irmãos Antonio e Augusto de Souza Queiroz associados ao engenheiro norte-americano Willian Pultney Ralston (Gobbo et al, 1999). Segundo Ribeiro & Ferreira (1994: 6):

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Franz Müller. Neste período muitos imigrantes europeus especializados no trabalho têxtil vêm para São Paulo. Para Ribeiro & Ferreira (1994: 7): “Este foi o caso de Carioba onde muitos de seus trabalhadores provinham de áreas têxteis da Itália e a mão de obra especializada era constituída por imigrantes alemães”. Sob a direção do alemão Franz Müller a Fábrica de Tecidos Carioba experimenta rápido crescimento e investimentos na geração de energia elétrica própria com a construção da Usina de Salto Grande, atraindo mão de obra para a região, particularmente filhos de imigrantes italianos oriundos de pequenas propriedades rurais locais. Com Franz Müller na direção a Fábrica de Tecidos Carioba atingiu o seu apogeu nas primeiras décadas do século 20. Em 1911, surge a segunda fábrica, a Cia. Leyen – Fábrica de Fitas de Seda, que se estabelece junto à Fábrica Carioba sob a direção do Sr. Bruno Von Der Leyen, genro do Comendador Müller. Esta fábrica mais tarde passa a se denominar Fábrica de Fitas e Elásticos Quilombo. Segundo Gobbo at al (1999:48): “Assim iniciou-se um período de progresso e expansão da indústria, já sob a administração do Comendador Müller”. No seu período de apogeu a Fábrica Carioba era formada por um conjunto fabril envolvendo a indústria têxtil e sua vila operária.108 Na verdade, a Vila Carioba e a Vila dos Americanos eram dois espaços distintos na região. A Vila Carioba era dotada de vida própria apoiada em uma rede de serviços oferecidos pela fábrica, girando em torno do trabalho fabril têxtil. A Vila Americana surge a partir da aglomeração populacional que nasce ao redor da estação ferroviária local, com o movimento da produção e do comércio agrícola local109 que era escoado na referida estação e posteriormente passa a concentrar grande número de pequenas empresas familiares façonistas. Espaços que se uniram efetivamente com a elevação da antiga Vila Americana a Município de Americana, em 1924. A emancipação política de Americana teve a participação do empresário e político local Herman Müller, filho do Comendador Franz Müller que havia falecido em 1920. No ano de 1944, a Fábrica Carioba foi vendida ao Grupo J.J. Abdalla com o afastamento da 108. Sobre a situação de fábrica com vila operária enquanto uma forma de dominação especifica há o importante estudo de Leite Lopes (1988); sobre a constituição da família operária nesta situação industrial ver: Alvim (1985); e sobre o cotidiano operário e suas formas culturais no sistema de fábrica com vila operária ver: Keller (1997). 109. Uma das culturas agrícolas mais importantes na região trazida pelos imigrantes norte-americanos foi a da melancia.

família Muller da direção da fábrica devido às restrições impostas aos descendentes de alemães durante a segunda guerra mundial Nas décadas posteriores a Fábrica Carioba vai enfrentar dificuldades até ser fechada em 1977 (Ribeiro & Ferreira, 1994). A Fábrica de Tecidos Carioba teve papel fundamental como o berço da industrialização têxtil local e como impulsor do desenvolvimento de relações de subcontração “façonistas” entre os pequenos produtores de tecidos da Cidade de Americana ainda nas primeiras décadas do século 20. Segundo Ribeiro & Ferreira (1994:9): Carioba foi também a matriz onde se formaram os futuros empresários de Americana, os quais adquiriam teares e passavam a trabalhar em suas casas nas horas de folga iniciando seus familiares nos trabalhos de tecelagem. Abriram desta forma caminho para a “Indústria Façonista” que caracterizou o desenvolvimento industrial de Americana. 10.02.02 - Nascimento do Sistema de Fação em Americana

O façonismo nasce quando o Sr. Luiz Bertoldo, um vendedor de fios de seda da Brasital, que visitava com freqüência a Vila Americana para fazer suas vendas na Cia. Leyen – Tecelagem de Seda Carioba, sabendo da existência de 12 teares praticamente parados da firma Pavezzi, entrou em contato com os irmãos Jones para comprá-los. Deslocando-se para lá com sua família, conseguiu, na Tecelagem Ítalo-Brasileira, um acordo para trabalhar a matéria-prima da mesma, recebendo pelo serviço prestado, sem necessidade, portanto de investimento prévio de capital. Durante dois anos trabalharam como façonistas da Ítalo-Brasileira, até que esta, estando a porta da falência, foi tomada pelo Banco

110. “À façon” é um trabalho executado para terceiros que corresponde a uma simples prestação de serviços.

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No final da década de 1920 a indústria têxtil “à fação” (do francês à façon)110 desenvolve-se de forma pioneira na Cidade de Americana. Colli (2000: 25), que realizou uma pesquisa profunda sobre a origem do façonismo em Americana, conta que:

Globalização e Mudanças na Cadeia Têxtil Brasileira 168

do Brasil, que imediatamente suspendeu as cotas de fação. Por mais alguns meses a indústria Bertoldo & Cia ainda trabalhou à fação, agora para um dos técnicos da Ítalo-Brasileira (Senhor Túlio Chaiber), que havia sido dispensado, mas que sabia como adquirir matériaprima. A partir daí, aquela indústria passou a comprar a matéria-prima, industrializar e comercializar a produção, transformando-se então em indústria autônoma com o nome de Tecelagem de Seda Santa Maria.

Como Colli (2000: 25/26) ressalta, o Sr. Luiz Bertoldo foi o pioneiro do façonismo em Americana e um grande incentivador desta relação de produção: A tecelagem Bertoldo & Cia., após relativa recuperação financeira, começou a incentivar o façonismo, dando trabalho para alguns teares instalados em residências de operários da Carioba e mesmo de seus próprios empregados. Os empregados da Carioba, incentivados pelo incremento da renda familiar representado pela “fação”, passam a alugar ou financiar teares, geralmente sucateados, que eram instalados em suas próprias residências e movimentados nas horas de folgas desses trabalhadores. Os teares, na maioria das vezes, eram pagos com o próprio trabalho dos façonistas. A aquisição dos teares era realizada de diferentes formas, sendo o financiamento privado e o recebimento como indenização de maquinário obsoleto as formas mais comuns.

A partir da década de 1930 a indústria têxtil façonista começou a se multiplicar na Cidade de Americana. Os primeiros pequenos produtores de tecidos trabalhando no regime “à fação” eram operários têxteis mais capacitados (tecelões e contramestres) que buscavam aumentar sua renda familiar, que compravam um ou dois teares à prestação para operá-los (“bater tecido” na linguagem local) em cômodos de suas próprias casas. A mão de obra era a própria família operária, o trabalho de “bater tecido” era realizado pelos próprios operários nas suas horas de folga e pelas suas esposas ou filhos no decorrer do dia. A matéria-prima (o fio) era fornecida pelas poucas indústrias têxteis autônomas locais ou pelos comerciantes de tecidos da zona atacadista da Capital São Paulo (Rua 25 de Março e Ladeira Porto geral) (Colli, 2000: 26). Na sua origem, o façonismo era uma forma de trabalho subcontratado familiar, até que evoluiu para pequenas empresas familiares

no futuro. Rodrigues (1978: 15), pioneiro no estudo do façonismo na Cidade de Americana, diz que: Essa indústria foi se constituindo na medida em que a mulher e os filhos mais crescidos aprendiam a trabalhar com tear, o que permitia ampliar as horas de funcionamento das máquinas. A matéria-prima era obtida na própria fábrica onde o operário trabalhava e consistia num rolo (urdume) pronto e uma quantidade necessária de espulas já preparadas para servirem de trama. Esse material era transportado na maioria das vezes em pequenas carrocinhas, carro de mão e até mesmo na traseira da bicicleta, podendo-se supor que a produção não poderia ser grande.

Com o desenvolvimento do façonismo, mais empresas subcontratantes surgiram e os ex-funcionários da Carioba passaram a fundar suas próprias tecelagens, trabalhando em regime de “fação”. Até os dias de hoje, grande parte das tecelagens de Americana foram herdadas de ex-funcionários da Carioba.

A multiplicação de pequenas empresas têxteis em Americana operando no regime “à fação”, a partir da década de 1930, constituiu o momento em que o façonismo vai evoluir para outras fases (Colli, 2000). Na segunda fase, o trabalho têxtil subcontratado familiar se transforma em uma “empresa familiar”, quando o assalariado têxtil deixa seu emprego de tecelão e passa a se dedicar exclusivamente ao trabalho subcontratado, seja para seus antigos patrões ou outras empresas autônomas, seja para comerciantes de teci-

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Entre as décadas de 1930 e 1960 vai ocorrer um crescimento surpreendente das empresas façonistas em Americana. A própria característica da nascente indústria têxtil façonista – marcadamente familiar – formou uma força de trabalho em contato com a atividade têxtil desde sua infância, treinados pelos próprios pais, pequenos produtores de tecidos façonistas atuando em suas próprias casas. Fazendo recordar a “aptidão hereditária” de Alfred Marshall. Esta seria a primeira fase do façonismo no pólo têxtil de Americana, marcado pelo “trabalho familiar” quando o operário têxtil conjugava as atividades de tecelão ou de mestre de tecelagem como empregado em uma empresa autônoma com o trabalho subcontratado em sua própria residência. Colli (2000:26) afirma que:

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dos, mas ainda utilizando amplamente o trabalho familiar. Na terceira fase, o façonismo em Americana se transforma em uma “estrutura moderna de empresa”, quando o pequeno produtor façonista passa a funcionar em pequenos galpões, em geral alugados, busca equipar a pequena empresa com um número maior de teares e com as máquinas de preparação (engomadeira e urdideira), contrata alguns empregados e passa a se dedicar ao papel de mestre geral da pequena oficina coordenando o trabalho de seus empregados e dos seus familiares envolvidos na produção. Com isso amplia a sua oferta de serviços de tecelagem façonista tanto para produtores têxteis autônomos, de dentro ou fora do cluster, quanto para grandes varejistas de tecidos da Capital São Paulo ou de outras cidades paulistas. 10.02.03 - A origem da especialização em tecidos artificiais e sintéticos

A introdução do uso de fios artificiais na indústria de tecelagem no Brasil começou no final da década de 1920 e acelerou-se na de 1930, acompanhando o grande boom que ocorreu na produção mundial de raiom (ou seda artificial) nas décadas de 1920 e 1930. A pioneira na fabricação de fios de raiom no Brasil foi a fábrica do Grupo Matarazzo em São Paulo no ano de 1924. Uma segunda grande fábrica de fios de raiom foi estabelecida em São Paulo como subsidiária da empresa francesa Rhône Poulenc no ano de 1930 e começando a operar em 1933. A Cia. Nitro-Química Brasileira foi a terceira empresa fabricante de fios de raiom, fundada também em São Paulo no ano de 1935 por um consórcio brasileiro formado pelas empresas Votorantim e Klabin Irmãos (Suzigan, 2000). Segundo Suzigan (2000: 348), a nova indústria trouxe desenvolvimentos significativos para a indústria têxtil paulista: “A produção de fios de raiom aumentou muito rapidamente na década de 1930. Ao mesmo tempo, grande número de pequenas tecelagens foi estabelecido com o fim de processar os fios de raiom fornecidos pelos três principais produtores”. Os pequenos produtores de tecidos façonistas do cluster de Americana estão inseridos neste boom da produção de tecidos feitos a base de fios de raiom. Como a produção de fios de raiom havia aumentado com bastante rapidez houve uma oferta grande de matéria-prima dando oportunidade para as pequenas empresas familiares façonistas de Americana. Esta matériaprima era fornecida por empresários têxteis e/ou por comerciantes de teci-

dos da Capital que atuavam como intermediários entre os produtores de fios e os pequenos produtores de tecidos. Schmitz (1982), que realizou trabalho de campo em Americana na década de 1970, encontrou indícios de que Matarazzo, um dos maiores produtores de fios e de grande poder na época, contribuiu para a multiplicação de pequenas tecelagens subcontratadas por meio da entrega de quantidades consideráveis de raiom em Americana. Segundo Schmitz (1982: 134), os fios passavam pelas mãos de um industrial local que “recebia o fio sob crédito, distribuía-o entre os pequenos produtores locais e tinha até um mil teares trabalhando para ele em tais oficinas subcontratadas”. Além da oferta abundante de matéria-prima (fios de raiom), havia poucas barreiras para a entrada no segmento de tecelagem devido ao preço relativamente baixo dos teares obsoletos utilizados por estas pequenas tecelagens. Suzigan (2000: 349) sugere que: Essas pequenas tecelagens tinham sido montadas com equipamento depreciado ou obsoleto, comprado de fábricas maiores que os estavam substituindo por maquinaria moderna, levando assim a um processo de descentralização da indústria têxtil no estado.

(...) em vez dela (Carioba) aumentar sua indústria ela passou a adquirir teares novos e passou a entregar os teares obsoletos aos funcionários para que eles trabalhassem nas suas casas, e ela oferecia o fio. Ela financiava (...), entregava um tear para você, você recebia o salário que seria o valor equivalente à prestação do serviço, a sua mão-de-obra, o seu façonismo, ela te dava o fio e te dava o tear (...) descontava de você o valor da amortização do equipamento durante dez anos digamos assim (...) te vendo a máquina, você me paga com uma parte do trabalho e outra parte eu te desconto o valor equivalente (...) descontando também a matéria-prima que eu te forneço, então se você iria ganhar mil eu te pagaria apenas 500, 250 máquina e 250 da matéria-prima. E foi assim que nasceu (...) (Assessor do SINDITEC).

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Um dos meus entrevistados em Americana destaca o papel da antiga Fábrica Carioba, que além de ter criado uma força de trabalho têxtil considerável no seu período de auge, também foi uma grande fornecedora e financiadora de maquinário para os pequenos produtores façonistas:

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10.02.04 - Período de Grande Expansão.

A combinação de diversos fatores, tais como, a grande oferta de fios de raiom no Estado de São Paulo, a mão de obra têxtil especializada, a relativa facilidade de acesso ao segmento de tecelagem por meio da aquisição de equipamento obsoleto, o contexto econômico da II Grande Guerra Mundial111 que abriu novos mercados para a indústria têxtil brasileira levando a uma expansão da produção, proporcionou um grande salto para frente dos pequenos produtores de tecidos de Americana. A fundação da empresa Fibra S/A do segmento de fiação, em 1949, na Cidade de Americana foi importante para o desenvolvimento dos pequenos produtores de tecidos façonistas e para a consolidação da produção baseada em fibras artificiais e sintéticas. A Fibra foi fundada por um grupo de industriais da Cidade, mas que no ano seguinte se ligou a empresa italiana Snia Viscose, sendo a primeira empresa no cluster voltada para a produção de fibras artificiais e sintéticas.112 Outras empresas de fiação da subcadeia do algodão também vão se instalar na Cidade de Americana na década de 1950 (Toyobo e Nishibo), proporcionando uma oferta local de matérias-primas para as tecelagens. Mas foi a instalação da Fibra, a primeira fornecedora local de fibras químicas, que vai dar o grande impulso para as pequenas empresas façonistas que operavam principalmente com fios de raiom, contribuindo para que a cidade se tornasse conhecida como a “capital do rayom”. Outro fator que potencializou o processo de desenvolvimento do cluster foi o surgimento da Indústria Nardini, produtora de teares, neste mesmo período. O fim da II Guerra Mundial vai provocar um período difícil para indústria têxtil brasileira. O retorno dos grandes produtores dos países avançados ao mercado mundial faz com que os grandes produtores têxteis brasileiros (da subcadeia do algodão) tenham que reduzir sua produção ade-

111. Os entrevistados de Schmitz (1982) na década de 1970 informaram que o aumento da produção no período da II Guerra Mundial foi para suprir o mercado interno, como reflexo da expansão do mercado têxtil quando os grandes produtores nacionais direcionaram seus produtos para o mercado mundial, o fato é que neste período houve bastante trabalho para os tecelões de Americana. 112. A Fibra S/A esteve ligada à Snia (sede na Itália) até o ano de 1982, quando foi adquirida pelo grupo Vicunha, um dos grandes grupos têxteis brasileiros, dirigido pelas famílias Rabinovich e Steinbruch. É considerada uma das maiores produtoras de filamentos e fibras sintéticas e artificiais do país [ver: www.fibra.com.br].

quando-se às demandas do mercado nacional, seu principal locus de acumulação. Talvez por não estar voltado para o mercado internacional e operando com um tipo de tecido novo no mercado nacional, os produtores têxteis de Americana não foram abalados nas décadas de 1950/60/70. Schmitz (1982: 134) afirma que: O que parece claro é que durante as três décadas seguintes (50/60/70) a indústria têxtil local expandiu; produtores independentes e subcontratados aumentaram em numero e vários também em tamanho. Alguns conseguiram a transição de produtor subcontratado para produtor independente nesses anos.

As primeiras tentativas de institucionalização da cooperação interfirmas entre os pequenos produtores de tecidos em Americana datam da década de 1940. A primeira foi em 1941 quando se formou a Cooperativa Industrial de Tecidos de Raiom de Americana - CITRA (Schmitz, 1982:138). Segundo Garcia (1996: 77), o principal objetivo da CITRA era administrar as relações de subcontratação dentro da indústria têxtil local:

Mas apenas três anos depois, os membros mais fortes da Cooperativa obtiveram o controle crescente da organização e finalmente a transformaram em uma Companhia privada. Outra tentativa posterior de organizar os pequenos produtores de tecidos ocorreu ainda na década de 1940 com a Distribuidora de Tecidos Rayon de Americana – DISTRAL. Esta iniciativa se limitava a reunir os façonistas com o intuito de estabelecer uma tarifa comum para o tecido produzido a ser negociado com as empresas contratantes. Mas esta iniciativa também fracassou. Entrevistados de Schmitz (1982) na década de 1970 afirmaram que sempre houve aqueles que aceitavam trabalhar por preços mais baixos do que aqueles fixados pela associação (DISTRAL). Schmitz (1982: 138) argumenta que os façonistas que aceitavam trabalhar por um valor inferior ao estabelecido – enfraquecendo a ação coletiva – em geral enfrentavam uma redução substancial de trabalho ou até uma completa paralisação. O façonista enfrentava uma situação de instabilidade cons-

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Por meio da cooperativa, as empresas “à fação”, mediante a compra de participações acionárias na nova empresa, teriam maior facilidade de acesso tanto às fontes de fornecimento de matéria-prima como ao mercado consumidor e ao sistema financeiro.

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tante, oriunda da própria relação de subcontratação de capacidade, ao mesmo tempo necessitava prosseguir com sua empresa cobrindo no mínimo seus custos fixos, tais como, prestação do maquinário, aluguel do galpão e pagamento do serviço de contabilidade. Schmitz (1982) argumenta que as condições em que estas pequenas tecelagens operavam na década de 1970 eram de severa competição devido ao fluxo constante de entrada de novos façonistas. Devido ao próprio clima de intensa competição entre os façonistas, estes se sentiam incapazes de negociar um preço adequado ou justo para seus serviços levando-os a aceitarem o preço pago pelas contratantes. Schmitz (1982) argumenta que a característica maior das relações de subcontratação em Americana era a instabilidade enfrentada pelos subcontratados. Esta instabilidade se dava tanto devido à dura competição entre os próprios façonistas quanto à incerteza oriunda das flutuações do mercado. A década de 1970 é considerada o período de auge do crescimento da indústria têxtil de Americana impulsionada pelo regime de substituição de importações e pelo período do “milagre brasileiro”. Dados do IBGE e FIESP do ano de 1975 mostram o Estado de São Paulo concentrando 55% da produção têxtil brasileira e 54% do emprego, sendo a Capital São Paulo o maior centro têxtil do Estado e a Cidade de Americana a segunda em importância e, portanto, o principal centro têxtil no interior do Estado (Tabela 03), fato que deu para a Cidade o título de “Princesa Tecelã”.113 A importância da Cidade aumenta se for considerado o grande número de empresas têxteis (601) no período, que somavam quase 30% do total de estabelecimentos têxteis do Estado de São Paulo, refletindo a grande importância da indústria têxtil local (Schmitz, 1982:124).

113. Para Schmitz (1982), devido à existência de um grande número de empresas subcontradas trabalhando para subcontratantes da Capital, a indústria têxtil de Americana deveria ser concebida como extensão da Capital (p.125)

Tabela 03 Distribuição das Empresas Independentes e Subcontratadas na Indústria Têxtil do Estado de São Paulo (conforme sua localização - 1976) Localização Americana Capital SP Outras Cidades TOTAL

Independentes

Subcontratadas

Mistas

Total

129 829 324 1.282

467 42 213 722

5 10 3 18

601 881 540 2.022

Fonte: Sindicato da Indústria de Fiação e Tecelagem no Estado de São Paulo, Relação das Empresas Têxteis do Estado de São Paulo (1976) In: Schmitz (1982:127).

Tabela 04 Firmas Independentes e Subcontratadas na Indústria Têxtil de Americana (por tamanho da firma conforme o número de trabalhadores - 1975) Tipo de Firma 0/4 5/9 10/49 50/99 100/199 200/499 500/+ Total 40 80 20 140

10 5 3 18

13 - 3 16

9 - - 9

6 - - 6

102 459 31 593

Fonte: Unicamp - Cadastro Industrial da Sub-Região de Campinas- 1975/76 - Volume 01 In: Schmitz (1982:128)

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Os dados levantados por Hubert Schmitz (1982) demonstram algumas características importantes da indústria têxtil de Americana na década de 1970 (Tabelas 03 e 04). Um grande número de empresas têxteis (601) configurando um importante aglomerado industrial têxtil no Estado de São Paulo, representando quase 30% das empresas têxteis paulistas, assim como de grande importância na economia de Americana representando quase 60% das atividades industriais da Cidade114. Grande parte destas empresas têxteis era de tamanho pequeno, 543 empresas com até 49 empregados (91.5%), e 403 empresas com até 9 empregados (68%). Grande parte destas

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Independente 10 14 Subcontratada 281 93 Mista 2 3 TOTAL 293 110

114. Dados do Ministério do Trabalho de 1978 mostravam existir 592 empresas do ramo têxtil em Americana (num universo de 1.019 empresas) com 18.206 trabalhadores (num universo de 28.058 trabalhadores). Os dados da indústria de confecção aparecem em separado junto com os dados da indústria de calçados, estas eram 33 empresas com 660 trabalhadores (Schmitz, 1982:132).

Globalização e Mudanças na Cadeia Têxtil Brasileira 176

empresas têxteis estava imersa em relações de subcontratação, 459 (77.4%) operando exclusivamente como subcontratadas, sendo que, somando-se as 31 empresas mistas (5%), que operam em parte como subcontratadas, chegaria a quase 80% das empresas. Já as empresas têxteis subcontratadas com menos de 50 empregados eram 454 (76.5%), representando a grande maioria do conjunto das empresas têxteis de Americana. Estes dados indicam que na década de 1970 ser pequeno produtor têxtil em Americana era quase sinônimo de subcontratado. O crescimento surpreendente da indústria têxtil em Americana nas décadas de 1960-70 fez com que esta indústria expandisse para os municípios vizinhos dando ao aglomerado industrial o seu aspecto regional. Sua fama de Capital do Raiom e depois de Princesa Tecelã atraiu trabalhadores e novas indústrias115, não apenas do ramo têxtil. A Polyenka Ltda, outra empresa do segmento de fiação produtora de fios e filamentos artificiais e sintéticos, se estabeleceu em Americana em 1972. A Polyenka116 é uma empresa de grande porte produtora de filamentos têxteis de poliéster que havia sido fundada em 1968 e funcionava desde 1970 na Cidade de São Bernardo do Campo (SP), mas quando decidiu promover a sua expansão transferiu-se para a Cidade Americana. Uma nova fiação da subcadeia das fibras químicas contribuiu para a consolidação do aglomerado têxtil como especializado na produção de tecidos à base de fibras artificiais e sintéticas. 10.02.05 - Entre a Grande Expansão e o Choque Competitivo

O processo de expansão da indústria têxtil de Americana nas décadas de 1950-60-70 e sua consolidação como um importante aglomerado têxtil regional se caracterizou: primeiro, pelo crescimento do número de empresas do ramo de tecelagem (marcadamente pequena e subcontratada) e pelo 115. A chegada de novas indústrias de grande porte e a presença de grandes grupos têxteis nas últimas décadas, no segmento de fiação (com a Toyobo da subcadeia do algodão e Polyenka das fibras químicas, em seguida com o Grupo Vicunha que adquiriu a Fibra ) e no segmento de tecelagem (com a chegada da Santista Têxtil e do Grupo Vicunha), deu ao aglomerado têxtil a forma de um mix de empresas dos mais diversos tamanhos, mas ainda com forte presença de empresas pequenas e médias. 116. A Polyenka é a empresa mais especializada em filamentos têxteis de poliéster no Brasil. Tornou-se o maior produtor de filamentos de poliéster na América do Sul deste que passou a ter um relacionamento integrado com a Mafissa na Argentina [ver o site: www. polyenka.com.br].

Faço até essa autocrítica, como empresário também, nossa preocupação era só repassar custo, era muito mais repassar custo do que fazer custo, então, vamos dizer, se o sindicato pedisse qualquer tipo de coisa, qualquer solicitação para a categoria, era fácil dar porque você repassava, como o mercado era cativo, você repassava, então aconteceu isso daí, outra coisa que aconteceu, o governo sempre vinha aumentando imposto daqui, imposto dali, não tem problema, a gente repassava, fiação subia muito mais que a inflação, as fibras subiam muito mais que a inflação, subia também não tem problema, tudo você repassava, de repente nós encontramos um mercado que nós não tínhamos como repassar (...) (médio empresário têxtil de Americana). 117. Em termos econômicos nacionais, Mattoso & Pochmann (1998) consideram a década de 1980 um longo intervalo entre a crise do padrão de desenvolvimento construído no pós-guerra e a destruição liberal que irá se suceder nos anos 90.

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surgimento de empresas do segmento de fiação fornecedoras de matéria-prima; segundo, pelo seu grau de especialização (tecidos planos artificiais e sintéticos); terceiro, por esta expansão ter ultrapassado os limites da Cidade de Americana em direção a seus municípios vizinhos (dando o seu aspecto de indústria regional). Contudo, na década de 1980117, a situação de aglomerado têxtil consolidado, que se desenvolveu dentro de um ambiente de mercado protegido, apresentava suas fragilidades: primeiro, o cluster já apresentava sinais evidentes de sucateamento de seu parque industrial, devido a diversos fatores; segundo, a fraqueza das relações de cunho cooperativo, em parte função da própria situação de instabilidade inerente ao tipo de relação de subcontratação (de capacidade) que se desenvolveu no cluster ao longo do tempo. As empresas têxteis de Americana se desenvolveram operando dentro de um ambiente econômico de mercado protegido. Esta situação trouxe um equilíbrio artificial entre os agentes econômicos da cadeia e privilégios, protegidos que estavam dos concorrentes internacionais pelas altas taxas de importação e outros entraves burocráticos para a importação. Privilégios estes que seriam cobrados com uma conta bem alta no momento da abertura abrupta do mercado. Muitos pequenos e médios empresários têxteis locais (autônomos) reconheceram as facilidades de ser empresário e operar dentro da situação de mercado protegido:

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(...) o que se fez de fortuna (...) porque você tinha um mercado que você não precisava se preocupar, você repassava e especulava, então isso daí, agora que, com quem você conversar o pessoal tem saudade daquele tempo, tem porque, emprego à vontade, e dinheiro à vontade (...) (médio empresário têxtil de Americana). (...) ganhava-se muito, que a gente chamava de época de ouro, 1980, ganhava-se muito dinheiro em tecelagem, porque não tinha custos, não tinha competição, não tinha abertura de mercado. Então se você falasse que o metro de tecido custava 10 reais e você quisesse comprar o tecido você ia pagar os 10 reais. Só que ficava dois reais pelo tecido. Ganhava-se oito reais em cada metro de tecido. (...) Então, os empresários em vez de buscar a modernização fora eles compravam sítios, fazendas, apartamentos no Guarujá, em Ubatuba, e quando abriu a importação eles não quiseram vender nada desses bens imóveis particular pra investir na empresa. Então, teve muitos empresários em Americana que foram à falência realmente porque eles demoraram a abrir os olhos (pequeno empresário têxtil de Americana).

Nas entrevistas com os empresários têxteis da região de Americana aparece esta visão crítica do contexto econômico do período anterior à abertura e uma autocrítica no sentido de que muitos empresários têxteis se acomodaram a esta situação, não promovendo processos de modernização nas suas empresas. É preciso, contudo, considerar que aquela situação de mercado protegia tanto as indústrias têxteis de seus concorrentes externos quanto dificultava a importação de máquinas e equipamentos modernos, protegendo os fabricantes nacionais de máquinas e equipamentos têxteis que produziam maquinário defasado tecnologicamente. Muitos empresários têxteis locais entrevistados, de empresas autônomas pequenas e médias, que tiveram iniciativas de promover a melhoria de seu parque fabril no período anterior à abertura de mercado (década de 1980) comentaram a dificuldade de importar maquinário devido às altas taxas do imposto de importação e aos entraves burocráticos:

Naquele tempo, a gente precisou até de mandato de segurança para importar máquina, porque, criavam 10 mil coisas, tinha que passar por 10 mil associações de entidades ai pra você ter essa autorização, ABIMAQ da vida, por exemplo, as máquinas que eles faziam era coisa assim de atrasada 20 anos em relação ao que se fazia no resto do mundo, no entanto eles criavam 10 mil empecilhos pra você importar (médio empresário têxtil de Americana). Houve um processo de modernização, mas com muito sacrifício, porque o país estava muito atrasado em máquinas, e o governo sempre teve uma política de proteger o fabricante de máquinas nacional, tínhamos uma marca de teares aqui que exigia que os teares importados tivessem uma alíquota muito alta em torno de 60% de imposto de importação sobre o valor daquela máquina. Fabricava-se (no Brasil) teares com tecnologia muito antiga. Isso prejudicou demais (...). A iniciativa de modernização anterior era muito cara. Existiu apesar das dificuldades (médio empresário têxtil de Santa Bárbara d’Oeste). Quando nós fizemos o primeiro pulo de modernização em 1988, existia um fabricante de máquinas aqui no Brasil licenciado por uma marca francesa que se chamava MAV, e esse maquinário, embora um maquinário obsoleto em nível internacional, era o único maquinário que era possível adquirir numa certa tecnologia porque era praticamente impossível, proibido a importação (pequeno empresário têxtil de Americana).

A combinação do regime de mercado protegido e a ausência de uma política industrial efetiva criaram uma situação que terminou por levar o empresariado têxtil à acomodação gerando uma significativa obsolescência do parque industrial têxtil. Como um médio empresário têxtil de Americana me relatou: “mas por que você iria investir, investir por que, se você tinha um mercado que não necessitava que você investisse”. Iniciativas de modernização anterior ao processo de abertura comercial existiram, sem dúvida, mas tinham suas limitações. As iniciativas de mo-

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dernização em geral se limitavam às empresas autônomas mais capitalizadas ou dirigidas por empresários de maior visão. Contudo, mesmo estas iniciativas, quando buscavam um maquinário mais atualizado tecnologicamente no exterior, esbarravam em entraves burocráticos e em altas taxas que forçava uma atualização bastante tímida em termos de número de máquinas, ou conduzia à compra de maquinário de fornecedores nacionais, que podia ser novo, mas defasado tecnologicamente. As iniciativas de modernização dos pequenos produtores de tecidos (em geral façonistas) implicavam quase sempre a aquisição de maquinário obsoleto de segunda mão, por exemplo, adquiridas quando seus contratantes ou outras firmas autônomas promoviam processos de melhoria em seu parque. Segundo o Secretário de Desenvolvimento Econômico da Cidade de Americana, a defasagem tecnológica do parque industrial do cluster de Americana deve ser atribuída à ausência de uma Política Industrial efetiva para o setor: O que aconteceu com o setor. O setor em 1950 ele possuía uma tecnologia de produção dos anos 30/35. Tinha uma defasagem. Nos anos 1960 até 1970/75, ele sofreu um processo de modernização muito grande, porém essa modernização sempre veio defasada, porque, quando te digo que, política industrial é uma coisa importante em qualquer governo. A ausência de uma política industrial é que gerou essa situação. Então o pessoal se modernizava, fazia financiamento, se sacrificava, mas sempre em cima de uma situação já superada (Nelson Ginetti).

Dados do I Censo Industrial de Americana (1993) mostram que o problema da defasagem tecnológica do cluster se concentrava nas pequenas tecelagens façonistas, em resumo, na grande maioria das empresas têxteis locais (Tabela 05). Baseado em dados coletados em 1992, o Censo mostra que as empresas façonistas ainda operavam com uma quantidade bastante grande de teares mecânicos (61%) e os teares mais avançados tecnologicamente (jato de ar e jato d’água) eram inexistentes nestas empresas. Nas empresas autônomas se concentrava uma quantidade menor de teares mecânicos (24,7%) e uma quantidade ainda muito pequena de teares a jato (1,2%) indicando o inicio ainda tímido do processo de modernização de seu parque. Em dez anos, desde a realização do Censo Industrial, o cluster passou por grandes transformações. Mas os dados do Censo ajudam a ter uma percep-

ção do nível tecnológico da indústria têxtil na principal Cidade do cluster no primeiro momento da abertura comercial. No agregado, os dados mostram uma grande defasagem tecnológica do principal segmento industrial do cluster, com 81% do parque industrial das tecelagens de Americana ainda sendo composto por teares com lançadeira (mecânico e automático) e com apenas 19% formados por teares sem lançadeira (pinça, projétil ou a jato), os mais avançados tecnologicamente. Tabela 05 Indústria Têxtil da Cidade de Americana: Nível Tecnológico do Segmento de Tecelagem por Tipo de Empresa - 1992 (%) Tipo de Tear

Fação

Autônoma

Mista

Total

Mecânico Automático Pinça Projétil Jato Circular Total

60,9 33,7 4,2 0,7 - 0,5 100,0

24,7 43,8 27,9 0,4 1,2 2,0 100,0

25,4 63,2 10,7 - 0,3 0,4 100,0

38,5 42,7 16,5 0,4 0,7 1,2 100,0

Fonte: I Censo Industrial de Americana (1993)

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O sistema de fação foi um fator fundamental para a formação e o desenvolvimento da indústria têxtil local. Esta relação de produção – subcontratação de pequenas tecelagens – está intimamente ligada ao surgimento das primeiras pequenas tecelagens façonistas, à sua multiplicação e à emergência de uma “atmosfera industrial” no aglomerado têxtil. Contudo, essa relação de subcontratação sempre foi bastante conflituosa e contribuiu também para o atraso tecnológico das tecelagens (Garcia, 1996). Os principais contratantes das pequenas tecelagens façonistas de Americana sempre foram os grandes varejistas da Capital São Paulo e outras tecelagens autônomas, em geral empresas médias e grandes locais. A subcontratação das empresas façonistas pelos comerciantes de tecidos da Capital teve um papel fundamental no momento da expansão da indústria têxtil local e trata-se de uma forma de subcontratação chamada de “subcontratação por especialização”, quando os pequenos produtores são subcontratados em virtude de sua especialização naquela etapa especifica do processo produtivo. As vantagens desta relação de produção para os comerciantes estão basi-

Globalização e Mudanças na Cadeia Têxtil Brasileira 182

camente na possibilidade de obter tecidos com padronagens convenientes às demandas do mercado consumidor e ao baixo custo da produção façonista. Para os façonistas, a relação de subcontratação se tornava um imperativo devido à sua falta de capital de giro necessário para o pleno funcionamento da atividade produtiva. Garcia (1996: 70) argumenta que a relação dos pequenos produtores com os comerciantes “era pouco cooperativa”. Sobre a subcontratação de empresas façonistas por outras empresas autônomas do mesmo ramo (tecelagem), Garcia (1996) argumenta que se trata de uma forma de subcontratação chamada de “subcontratação de capacidade”. A subcontratação de capacidade é utilizada pelas empresas têxteis autônomas nos momentos em que a capacidade excedente da empresa não supre a elevação temporária da demanda. Em resumo, para Garcia (1996), a intensa utilização das relações de subcontração em Americana não decorre necessariamente da divisão do trabalho entre produtores especializados levando ao atraso tecnológico e à queda da qualidade dos produtos. Schmitz (1982) apresentou três razões principais que levariam as empresas têxteis de maior porte a subcontratar pequenas tecelagens: primeiro, a possibilidade de a empresa contratante expandir sua produção sem necessidade de imobilizar seu capital, ou seja, utilizando seus recursos financeiros como capital circulante (investindo em matéria-prima e repassando-a para as subcontratadas, em seguida colocando o tecido no mercado) e não como capital fixo (o que implicaria na expansão do parque fabril); segundo, a flexibilidade oferecida, na medida em que, utilizando a tecelagem façonista a contratante poderia fazer ajustes sem muitos problemas diante de possíveis alterações na demanda; terceiro, o baixo custo de produção relacionado ao trabalho subcontratado, principalmente por envolver salários mais baixos e pela presença do trabalho familiar na empresa. As empresas têxteis autônomas do cluster expandiram sua produção sem necessidade de imobilizar seu capital. Esta prática terminou por ter dois efeitos: primeiro, estimulou a presença de maquinário obsoleto na medida em que as empresas contratantes não investiam na expansão de sua capacidade produtiva; segundo, ao mesmo tempo o sistema de subcontratação foi um meio de acumulação importante para as médias e grandes empresas têxteis locais, capacitando-as a realizarem, no futuro, o processo de modernização necessário e premente. A partir de sua pesquisa em Americana na década de 1970, Schmitz (1982: 147) detectou sinais de declínio do sistema de fação em Americana.

O fim gradual de uma era da indústria têxtil de Americana se dava na medida em que se rompia uma de suas características principais: a transição do emprego assalariado para o trabalho subcontratado. O tecelão ou o mestre de tecelagem que empreendia esta jornada realizava-a na perspectiva (ou ilusão) de ser um produtor independente (apenas alguns conseguiram estabelecer-se de forma autônoma), mesmo aqueles que se tornaram produtores autônomos fizeram uso do trabalho subcontrato. Na medida em que a indústria têxtil se tornou mais intensiva em capital, as barreiras de entrada no segmento de tecelagem se tornaram maiores, tornando mais difícil a jornada do tecelão assalariado rumo ao trabalho subcontratado. Comparado com o número de empresas façonistas em Americana na década de 1970, que era 77% das indústrias têxteis em 1975 (Schmitz, 1982: 128), dados do I Censo Industrial de Americana (1993) indicam um declínio da indústria façonista. No inicio da década de 1990, o número de empresas façonistas somava 51% do conjunto das empresas têxteis (Tabela 06). Apesar do número ainda significativo de empresas façonistas, a sua participação na produção era de 30% e empregava apenas 16,5% dos trabalhadores. Tabela 06 Indústria Têxtil de Americana: Participação na Produção, Número de Uni-

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Tipo de Empresa Participação na Produção (%) Empresa autônoma Empresa Façonista Empresa Mista TOTAL

55,9 30,0 14,1 100,0

Número de Unidades Produtivas 151 215 57 423

(36%) (51%) (13%) (100%)

Numero de Empregados 11.480 (76%) 2.505 (16.5%) 1.134 (7.5%) 15.119 (100%)

Fonte: I Censo Industrial de Americana- PMA (1993)

As demandas crescentes do mercado consumidor por produtos de melhor qualidade exigem dos produtores têxteis a modernização de seu parque industrial. Essa mudança de cenário vai conseqüentemente reduzir gradativamente o trabalho contratado realizado com maquinário obsoleto. A questão do declínio ou da transformação do façonismo em uma forma moderna ou terceirizada será discutida mais à frente. Por ora basta enfatizar que o sis-

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dades Produtivas e Número de Empregados Segundo o Tipo de Empresa - 1992

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tema de fação, no período anterior ao choque competitivo, apresentava sinais de fraqueza devido à grande obsolescência do seu parque e à incerteza da relação de subcontratação de capacidade. Como o sistema de fação é parte fundamental da trajetória do cluster sua fraqueza é componente essencial para se entender a crise que se abateu sobre o cluster na década de 1990. Capítulo 11 - O Choque Competitivo e a Reconfiguração das Relações Interfirmas no Cluster Têxtil de Americana-SP 11.01 - O processo de abertura Comercial em Americana Introdução

A abertura comercial indiscriminada está no quadro das novas condições nacionais pelas quais o Brasil, na década de 1990, buscava se inserir de forma passiva na ordem econômica internacional. Para Mattoso & Pochmann (1998), a abertura comercial abrupta e não planejada foi marcada pela ausência de políticas setoriais defensivas, pela escassa realização de negociações entre os interesses dos distintos atores sociais e econômicos, pela manutenção do sistema antidemocrático de relações de trabalho, pela desregulamentação financeira e do mercado de trabalho, por juros elevados e sobrevalorização da moeda nacional. A indústria têxtil brasileira, que teve seu desenvolvimento e sua estabilidade baseada em um equilíbrio artificial entre os elos da cadeia, alicerçada desde sua origem em políticas governamentais de cunho protecionista (Stein, 1979), viu-se repentinamente exposta a uma intensa concorrência dentro de seu próprio mercado. Foi um impacto significativo sobre o setor têxtil brasileiro que provocou uma reestruturação impulsionada pela necessidade de se adaptar urgentemente às novas condições de mercado. A questão que interessa nesta introdução é: porque o Cluster Têxtil da Região de Americana foi bastante afetado pela abertura comercial? Há uma série de fatores que se ligam tanto às particularidades do cluster, de sua trajetória e de sua tradição, quanto ao contexto mais amplo da indústria têxtil brasileira: primeiro, a longa tradição de protecionismo que caracterizou a indústria têxtil brasileira e não apenas a da Região de Americana; segundo, a característica local da produção têxtil, a especialidade em tecidos planos artificiais e sintéticos, que iria se revelar bastante desastroso com o aumento

do volume de importação de tecidos, particularmente dos tecidos oriundos do leste e sudeste asiático, os novos fortes concorrentes do Cluster de Americana; terceiro, o alto grau de obsolescência do parque industrial têxtil local, conforme discutido anteriormente; quarto, a forte presença da indústria têxtil na economia de Americana (em torno de 60%)118 e da região tornará a crise do setor têxtil em uma crise da sociedade local. 11.02 - Crise e Mobilização no Cluster de Americana

Foi uma crise profunda e prolongada, não foi questão de um ano, foram anos e anos seguidos até que houvesse uma reação, digamos do governo no sentido de ficar sensível realmente à questão (Secretário de Desenvolvimento Econômico de Americana). O estrago que fez aqui na nossa economia foi muito grande, um negócio terrível (médio empresário têxtil de Americana). 118. Nesse momento de crise e de mudança fica problemático estabelecer um número exato. Dados coletados na Secretaria de Planejamento da Prefeitura Municipal de Planejamento (empresas cadastradas) indicam que no ano 1992 era quase 60% a participação da indústria têxtil nas atividades industriais da Cidade. Já a soma da atividade industrial têxtil e de Confecção (a CTC) somava em torno de 75% das atividades industriais de Americana. Esses dados serão apresentados mais à frente numa série de toda a década de 90.

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A crise que se abateu sobre o cluster de Americana foi profunda e prolongada, teve inicio no final da década de 1980, foi se intensificando na primeira metade da década de 1990, e atinge seu auge no ano de 1995 com o aumento vertiginoso das importações de tecidos. No auge da crise, no ano de 1995, vai ocorrer o histórico protesto dos empresários têxteis da região em conjunto com toda a sociedade local, desencadeando uma série de ações conjuntas posteriores. Nesse sentido, o choque competitivo não provoca apenas um processo de modernização acelerada nas empresas remanescentes, mas também conduz os agentes econômicos e sociais a estabelecerem ações coletivas, ainda que em uma situação emergencial, gerando um processo de reconfiguração produtiva e institucional. Os diversos agentes sociais e econômicos da região de Americana relatam a crise têxtil dos anos 90 como algo realmente desastroso para a economia e a sociedade local:

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Com o crescimento do volume das importações de tecidos e a conseqüente crise da indústria têxtil local, o pequeno produtor façonista, o agente econômico mais fraco da cadeia produtiva têxtil local devido à instabilidade da relação de subcontratação, foi o primeiro e o mais afetado.

Os façonistas foram atingidos de forma mais rápida pela crise, seja pelo lado das empresas têxteis autônomas que, diante da queda da demanda, cortaram imediatamente a relação de subcontratação (de capacidade), seja pelo lado dos grandes atacadistas de tecidos que passaram a importar tecidos asiáticos.119 Americana, quando digo Americana é sempre o pólo. Tem muitas firmas chamadas de façonistas (...) essas só tem as máquinas, sempre já usadas, velhas, e quando veio a crise, quando caiu o mercado pela metade, a pessoa se manteve com a produção própria e acabou cortando os façonistas, os pequenos façonistas, com a redução, deixou esse pessoal que não tem estrutura nenhuma, não tem nome no mercado e tem máquinas antigas, não teve outra solução a não ser fechar, fecharam as empresas. Desativaram. Por isso o grande número de empresas desativadas (...). A grande maioria eram façonistas. Sem qualquer estrutura de trabalho para poder enfrentar o mercado com nome próprio (Diretor do SINDITEC).

Um dos entrevistados relatou sua experiência pessoal como produtor façonista durante a crise têxtil na primeira metade da década de 1990: Foi simplesmente como se caísse uma bomba, caiu uma bomba onde você tem mil pessoas num quarteirão, dessas mil pessoas sobreviveram 300, 700 morreram. Foi mais ou menos o que aconteceu aqui. Com o pessoal de Americana. Tinham-se mil empresas, 700 fecharam, quebraram, entendeu. Eu te falei, teve pessoas

119. Os grandes varejistas de tecidos tiveram grandes lucros quando as alíquotas de importação baixaram para 18%. Segundo meus entrevistos em Americana, os grandes varejistas passaram a importar grandes quantidades de tecidos asiáticos (até 60% mais barato), mas continuando a vender no mesmo nível de preços do mercado nacional.

que simplesmente se mataram, entendeu, fugiram, sumiram, deixaram pra trás tudo que tinham, viram que não dava pra pagar. Foi uma situação de guerra, situação de guerra entendeu (...). Você não tinha serviço, você não tinha produção, não era requisitado para produzir, então o que aconteceu, você estava ocioso, você tinha 20, 30, 40, 50, 100 máquinas ociosas, paradas, ou com funcionários, os teares que na época custavam 3 ou 4 mil dólares, na época, tive que vender por 100 simplesmente pra desocupar o salão, pra devolver o salão pro proprietário, porque não era proprietário do salão, pra fazer algum dinheiro pra pagar funcionário, pra fazer algum dinheiro na história toda, senão você ia ficar afundando na dívida, entendeu. Foi mais ou menos o que aconteceu com 90% dos micros e pequenos empresários aqui da Cidade de Americana, Nova Odessa, Santa Bárbara e Sumaré, em nosso pólo têxtil, que sempre viveu disso há mais de 100 anos (...). Você imagina o estrago que aconteceu aqui na cidade, era desespero pra tudo quanto é lado (Pequeno produtor de tecidos “façonista” de Americana).

120. Atualmente os níveis tarifários dos diversos produtos da cadeia são: algodão bruto: 6%; fios de algodão: 14%; fios sintéticos: 16%; tecidos: 18%; e confeccionados: 20%.

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A crise no cluster teve início com a redução drástica das tarifas de importação de tecidos que caíram, inicialmente, de 105% para 70%, ainda em 1988, depois para 40%, em 1990, finalmente baixando para 18% em 1995, dentro do regime de desgravação tarifária.120 A região de Americana foi fortemente atingida pela intensificação das importações de tecidos, particularmente pelo grande volume das importações dos tecidos artificiais e sintéticos, a grande especialidade do cluster de Americana, originários da Ásia que chegavam ao Brasil com preços abaixo do custo de produção do tecido nacional (dumping). As importações foram crescendo progressivamente a partir de 1992 até atingir o ápice no ano de 1995 com 82.149 toneladas de tecidos planos artificiais e sintéticos (dados do SINDITEC). Entre o período de 1991-1995 as importações de tecidos aumentaram aproximadamente 3.715% (IEL, 2000:324), conforme pode ser observado abaixo (Tabela 07). Esses dados se referem apenas aos tecidos que entraram no país legalmen-

Globalização e Mudanças na Cadeia Têxtil Brasileira

te, sem considerar as quantidades contrabandeadas. A partir de 1996 houve uma tendência de queda nas importações em função da mobilização empresarial e das medidas de proteção subseqüentes adotadas pelo governo federal conforme veremos mais à frente. Tabela 07 Evolução das Importações Brasileiras Efetivas de Tecidos Planos Artificiais e Sintéticos - 1991/2000 Anos

Tonelada/Ano

1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 (até set)

2.153 3.279 11.334 34.170 82.149 33.650 30.515 14.328 28.008 35.000

Fonte: SINDITEC (2000).

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Os empresários têxteis da região de Americana consideraram desleal a concorrência dos competidores asiáticos denunciando o dumping econômico e social praticado. Enfatizaram que não eram contra a abertura comercial e até consideraram–na salutar em diversos aspectos. Naquele momento, mesmo um intenso processo de modernização local não seria suficiente para enfrentar a concorrência dos produtores asiáticos, devido às diferenças nas condições econômicas vividas pelos competidores em seus respectivos países.121 (...) depois teve o tecido asiático na concorrência (...) não existe modernização que faça competir com aqueles tecidos de poliéster. Não existe. Eles entraram no mundo todo. Não foi só aqui. É uma coisa mundial (...) (Médio empresário têxtil - Diretor do SINDITEC) 121. Além dos ganhos de escala dos competidores asiáticos, que chegavam a oferecer produtos até 60% mais baratos que os nacionais, eles obtinham em seus países de origem: subsídios, isenção de impostos e uma mão de obra que custava em torno de US$ 30 (dumping social). Ver: Folha de São Paulo, dia 09 de janeiro de 1994.

(...) então o que ocorreu, foi o fechamento (de empresas) com a abertura do mercado, uma invasão de tecidos asiáticos, principalmente da China, e que não tem, não dá pra competir. Enquanto nós éramos obrigados a pagar juros elevados, e com dificuldade de obter financiamento, as outras empresas do mundo todo tinham financiamento de longo prazo, com carência, com juros internacionais, fora isso, o custo da fabricação do nosso produto é muito elevado (Pequeno empresário têxtil de Americana).

Houve uma invasão de tecidos asiáticos muito competitivos e baratos. Procedentes de Taiwan, Coréia, Hong Kong e China Comunista (gigante têxtil). O tamanho destes países no comércio mundial de têxteis é significativo. Hong Kong não é propriamente um país, não tem mercado interno, é um manufaturador. Uma fábrica de transformação. Uma usina de transformação. As empresas se estabeleceram para explorar o mercado externo (Domingos Mosca).

Houve uma combinação de fatores que levaram o cluster de Americana para a sua “situação de guerra”. Os competidores internacionais eram for-

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Além da obsolescência do parque, as fragilidades principais dos produtores têxteis de Americana frente aos seus novos competidores asiáticos foram devidas a: primeiro, às condições desiguais de operação das empresas nos diferentes contextos macroeconômicos nacionais, condições estas que se agravaram no caso das pequenas (a grande maioria em Americana) que são menos eficientes em relação aos padrões competitivos internacionais; segundo, quanto às fragilidades particulares da subcadeia do sintético brasileira, menos competitiva frente aos seus competidores mundiais (Prochnik, 2002). Houve no sudeste e no leste asiático uma concentração gigantesca de investimentos na produção de têxteis sintéticos envolvendo toda a cadeia petroquímica, ou seja, desde a produção do filamento, do fio até o tecido sintético. São países (asiáticos) com poucos recursos naturais (diferente do Brasil com amplos espaços territoriais para a plantação de algodão) que buscaram como estratégia investir maciçamente na produção de tecido sintético voltando-se para o mercado externo. O consultor da ABIT faz uma análise da dimensão dos fortes concorrentes mundiais de Americana:

Globalização e Mudanças na Cadeia Têxtil Brasileira 190

tes, com produtos bastante competitivos, a abertura se deu de forma abrupta e acelerada, sem política industrial ativa, sem medidas de proteção comercial, dentro de um cenário macroeconômico nacional desfavorável para as empresas, onde vigorava juros altos e moeda nacional sobrevalorizada, sendo que, todos estes fatores se conjugaram de forma explosiva em um cluster têxtil especializado no mesmo segmento dos principais competidores internacionais, com um parque industrial obsoleto e sem tradição de ações cooperativas. Como o Estudo do IEL (2000: 332) reconhece: Ao que tudo parece indicar, no pólo de Americana, as pequenas e médias empresas foram as maiores sacrificadas no processo que não foi só de abertura comercial e necessidade de atualização tecnológica. Aquelas empresas sofreram todo o impacto do completo desalinhamento das políticas públicas que deveriam ter sido reformuladas, antes mesmo da abertura e que até hoje permanecem como unfinished business.

Como enfatizei anteriormente, os empresários têxteis da região de Americana entrevistados fizeram questão de ressaltar que não eram contra a abertura comercial, apesar dos danos causados na pior crise de sua história, mas contra a forma como se deu todo o processo, ou seja, ausência de uma política industrial ativa e de mecanismos de proteção comercial adequados: Foi uma avalanche que veio em cima da indústria têxtil aqui de Americana, veio de repente, existia um projeto, acho que era PSI (Plano Setorial Integrado), do governo Sarney, firmado entre a ABIT e tudo mais com o governo Sarney, onde haveria uma abertura progressiva, e essa abertura progressiva implicava também financiamentos do governo e uma série de coisas. Essa abertura não foi respeitada (...) (Médio empresário têxtil de Americana). O processo de abertura foi muito rápido, foi abrupto e prejudicado, sobretudo pelo confisco dos ativos financeiros das empresas. O principal problema é o dumping do produto importado. Porque não existe modernização capaz de alcançar o preço do produto asiático, e ainda mais com o dólar dessa forma (...) essa paridade de 1 por 1 é um verdadeiro absurdo, na época isso mata qualquer mercado interno. Os empresários lo-

cais não são contra a abertura, mas são contra o dumping de produtos importados, visto que não cobre nem sequer o custo da matéria-prima. Então somos contra o contrabando, contra o subfaturamento e isso tem prejudicado. Não foi só a importação, o que prejudicou foi que (...) muita gente consegue importar sem pagar impostos, vide nossas diversas diligências à Receita Federal pedindo uma maior fiscalização portuária (...). O Brasil não está preparado. Isso aqui é o Brasil. No Brasil, a pessoa tem certos esquemas, faz o que bem entende, subfaturamento, mudança de nomeclatura de tecidos, trazendo como artigos que tem imposto menor ou até isento de impostos. Fizeram demais, tivemos assim, produtos maquiados do Paraguai, do Uruguai, da Argentina, de forma assim brutal, então uma pessoa que trabalha honestamente não tinha condições de concorrer com uma coisa dessas (Médio empresário de Santa Bárbara D’Oeste).

Também o Secretário de Desenvolvimento Econômico de Americana ressaltou a falta de planejamento estratégico no processo de liberalização comercial brasileiro: 191

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A abertura econômica que ocorreu no inicio dos anos 90, começou com o governo Collor, e a Ministra Zélia que introduziu essa abertura comercial e depois foi mantida pelo governo do FHC (...) foi feita de uma forma sem nenhum planejamento, sem uma visão comercial e dos interesses também digamos econômicos do país. Foi uma abertura pensando-se numa rápida modernização do sistema produtivo, mas não houve nenhum planejamento. Em função de não haver planejamento adequado, ela foi mais danosa do que benéfica para muitos setores. O país não dispunha de uma legislação de proteção comercial, como outros países têm. Não tinha instrumentos eficazes para coibir a questão da avaliação do que é dumping, até a questão de fraudes, até o próprio sistema tarifário era deficiente. Em conseqüência, essa abertura colocou o país em condições desvantajosas naquela oportunidade e durante alguns anos seguintes (...) (Nelson Ginetti).

Globalização e Mudanças na Cadeia Têxtil Brasileira 192

Os efeitos mais danosos da crise no cluster de Americana foram o fechamento de grande número de unidades produtivas têxteis (Tabela 08) e um crescimento assustador do número de trabalhadores desempregados (Tabela 09) no segmento de tecelagem na primeira metade da década de 1990. Dados do SINDITEC demonstram que, no período de 1990/1996, o número de tecelagens no cluster foi reduzido de 1.486 no ano de 1990 para 621 no ano de 1996 (baixa de 865 empresas e queda de 58% no número de unidades produtivas); o desemprego cresceu, havia 31.057 trabalhadores em tecelagem no ano de 1990, este número caiu para 13.418 em 1996 em todo o cluster (17.639 trabalhadores têxteis ficaram desempregados e queda de 57% no número de postos de trabalho).

Tabela 08 Cluster Têxtil de Americana: Evolução do Número de Tecelagens Planas 1990-2000 Cidade

1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000*

Americana 827 764 676 680 Sta.Bárbara 479 443 395 383 N.Odessa 126 120 111 106 Sumaré 54 48 41 30 TOTAL 1486 1375 1223 1199

475 447 395 416 425 456 462 264 248 195 195 197 192 199 70 65 18 13 21 30 38 21 18 12 22 22 25 26 830 778 621 643 665 703 725

Fonte: SINDITEC (2000).* Dados até o mês de setembro.

Tabela 09 Cluster Têxtil de Americana: Evolução dos Empregos Efetivos- Segmento de Tecelagem Plana 1990-2000 Cidade 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000* Americana 17845 15532 14340 10597 9286 8540 8148 8725 8850 10231 10335 S.Bárbara 6305 5461 4241 4768 5058 3395 2295 2340 3050 2982 3009 N.Odessa 3760 3384 3445 3390 3567 3317 2183 2201 2500 2625 2736 Sumaré TOTAL

3147 2321 1869 1861 1773 2491

755

Fonte: SINDITEC (2000).*Dados até o mês de setembro.



827

900

1021 1044

31057 26698 23895 20615 19684 17743 13418 14093 15300 16859 17124

Começaram as fábricas a fecharem (...) o desemprego local começou a aumentar muito, as fábricas foram fechando, falindo, falências, as indústrias foram fechando. E a crise foi sempre aumentando. As fábricas fecharam (...) eu não tenho dados aqui (...) quando começou a pegar as indústrias maiores, porque até então, as pequenas foram fechando, inicialmente, mas como começou a atingir o médio e o alto empresário local, é que houve essa união, essa manifestação (...) eu sei que

122. Associação Comercial e Industrial de Americana. 123. Sindicato das Indústrias de Tecelagem de Americana, Nova Odessa, Santa Bárbara D’Oeste e Sumaré. 124. Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção. 125. Sindicato das Indústrias Têxteis do Estado de São Paulo.

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Uma comissão, composta pelas principais lideranças do setor têxtil local, com destaque para os membros da ACIA122 e do SINDITEC123, junto com representantes da ABIT124 e do SINDITÊXTIL125, com a presença do Governador Mario Covas e do deputado estadual Vanderlei Macris, esteve, no dia 28 de abril de 1995, reunida com a Ministra do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Dorothea Werneck, em Brasília, expondo a crise do setor com a importação indiscriminada de tecidos e propondo o aumento das tarifas. Alguns dias depois, o conflito de interesses entre o segmento têxtil e o de confecção, os principais segmentos da cadeia, se manifestaria. A Associação Brasileira do Vestuário (ABRAVEST) dirigiu memorial ao Ministério da Indústria e Comércio protestando contra maior taxação sobre os tecidos importados, argumentava que a facilidade de importação de tecidos (principal insumo do segmento) beneficiava a indústria do vestuário já que os preços do mercado interno eram maiores. Chegou o momento em que o empresariado têxtil de Americana e região, em conjunto com outros segmentos sociais organizados se manifestaram publicamente contra as políticas até então adotadas pelo Governo Federal. A extensão da crise ao longo da primeira metade da década de 1990 significou o seu prolongamento ao longo da cadeia produtiva têxtil local atingindo todos os agentes econômicos e segmentos produtivos, dos mais fracos (os pequenos produtores façonistas) aos mais fortes (as médias e grandes empresas), assim como, por todos os municípios integrantes do cluster.

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quando eu fui procurado a participar a crise já tinha atingido seu pico máximo, talvez tenha havido um retardo nesse trabalho de conscientização, de união, acho que se esperou a crise se agravar para se tomar alguma decisão, até certo ponto houve uma demora, que os industriais, talvez, não tivessem avaliado o impacto final (Ex-Prefeito de Americana- Período de 1993/1996).

A ação conjunta do empresariado têxtil local emerge exatamente no momento mais crítico da crise no cluster têxtil, que é exatamente o ano de pico das importações de tecidos artificiais e sintéticos (1995), quando a crise já atingia de forma mais intensa as médias e grandes empresas têxteis. No ano de 1994, já aconteciam reuniões onde se discutia a crise do setor têxtil, como no Conselho de Lideranças Comunitárias de Americana que debateu o problema no mês de junho, com a presença de representantes da ACIA, do SINDITEC, do Sindicato dos Trabalhadores e do Prefeito Municipal.126 Mas o histórico ato público de protesto do empresariado têxtil de Americana e região em conjunto com a sociedade local somente aconteceria em 18 de maio de 1995. Foi a Acia, o SINDITEC, o Sindicato dos Trabalhadores, que sentaram e começaram a ver como poderia fazer o inicio de um movimento para pedir ao governo providências, medidas para mudar a situação (Ex-Prefeito de Americana).

A reunião das principais entidades locais representativas do empresariado têxtil, do comércio local, dos trabalhadores têxteis, dos representantes dos Poderes Executivo e Legislativo, onde se decidiu pela manifestação pública ocorreu no dia 15 de maio de 1995. A idéia da manifestação foi da diretoria do SINDITEC que teve a adesão dos 60 empresários presentes, das demais entidades locais além do representante da ABIT.127 A manifestação ocorreu às 14h do dia 18 de maio de 1995, na Praça Comendador Müller, praça central da Cidade de Americana, com a presença de cerca de 1,5 mil pessoas, onde houve discursos das principais lideranças128 contra a abertura

126. Ver: Jornal O Liberal, Americana, dia 17 de junho de 1994. 127. Ver: Jornal O Liberal, Americana, dia 17 de maio de 1995. 128. As principais lideranças eram os diretores do SINDITEC, Srs. Joesel Spagnol, Mario Zocca e Fabio Beretta Rossi; o Prefeito de Americana, Sr. Frederico Muller; os diretores

Agora, historicamente, foi a primeira vez em Americana que toda a sociedade organizada se uniu. Então, foi o poder público municipal, o legislativo local, o legislativo de outros municípios, associação comercial, trabalhadores, os empresários, se uniram, e foi aí talvez,

da Acia, a Sra. Nilza Tavoloni e o Sr. Nelson Ginetti; os diretores do Sindicato dos Trabalhadores, Srs. Antonio Martins e Valdemar Valdomiro Fiorentino; o deputado estadual Vanderlei Macris; e o presidente da Câmara Municipal de Americana, Sr. Flávio Biondo. 129. Ver: Jornal O Liberal, Americana, dia 19 de maio de 1995. 130. A formação da Frente Parlamentar em Defesa da Indústria Têxtil e do Vestuário, no Congresso Nacional, foi uma importante estratégia política na defesa dos interesses do setor têxtil. Segundo o Resumo do Setor (SINDITEC, 2000), a Frente era suprapartidária e contava com 180 parlamentares e 6 senadores .

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comercial indiscriminada do governo federal e queima simbólica de tecidos asiáticos. Em seguida os manifestantes, agora um grupo em torno de 500 pessoas, liderados pelos empresários da ACIA e do SINDITEC, junto com o Prefeito de Americana, membros do Sindicato dos Trabalhadores Têxteis e autoridades políticas, foram para a Via Anhanguera para continuar os protestos sem a intenção de fechar a rodovia. A manifestação, que tinha fins pacíficos e objetivava alertar o governo federal para a crise do setor têxtil, terminou de forma violenta quando manifestantes invadiram a rodovia. Policiais militares que acompanhavam a manifestação agrediram inesperadamente várias pessoas presentes, entre elas, o Prefeito de Americana, Frederico Muller, e o empresário Fábio Beretta Rossi, diretor do SINDITEC.129 A ação conjunta que resultou no protesto público foi um ato histórico pela união, ainda que emergencial, de vários agentes econômicos, políticos e sociais e pela sua repercussão nacional. Pela primeira vez vários segmentos sociais do cluster se uniram em torno de uma causa comum, seja unindo empresários e trabalhadores, seja unindo poder público e privado. Alguns entrevistados ressaltaram que a manifestação foi um ato de desespero em um momento extremamente crítico. Apesar da contingência, o fato é que, a partir da manifestação, emergiu um conjunto de ações coletivas em defesa da indústria têxtil que extrapolaram o espaço do próprio cluster, como a formação de um Movimento Pró-Têxtil na região; a formação da Frente Nacional Parlamentar em Defesa da Indústria Têxtil130, com adesão de parlamentares de várias partes do país (em geral de áreas com presença têxtil) e a formação da Câmara Setorial Têxtil que foi instalada em Americana.

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que o Brasil todo teve a consciência de que realmente aqui existiu um pólo têxtil, parece que foi a primeira vez que o Parlamento nacional, que a Câmara dos Deputados, através deste acontecimento, se instalou uma Frente parlamentar em Defesa da Indústria Têxtil (ExPrefeito de Americana). Foi um desespero (...) queimaram alguns metros de tecido coreano. Tudo simbólico, para chamar a atenção (Pequeno empresário façonista de Americana). A causa era uma só, era garantir a manutenção das empresas e a manutenção dos empregos (...) geralmente na desgraça as pessoas se unem, infelizmente a água tem que bater aqui no queixo pra fazer as coisas (...) (médio empresário têxtil de Americana). Houve uma união maior, emergencial, que acabou consolidando o nosso sindicato (SINDITEC). Com as manifestações, as passeatas, as visitas ao governo do Estado. Pessoalmente fui até o Governador junto com um grupo de empresários, fomos até a Delegacia da Receita Federal, fomos ao Agente Portuário de Santos, houve uma união maior do grupo contra esse tipo de medidas, dezenas de viagens à Brasília, junto ao Ministro da Indústria e comércio (Médio empresário têxtil de Santa Bárbara, Diretor do SINDITEC). O setor não amadureceu tanto assim não. Houve assim muita junção porque a situação era crítica, então acaba unindo, nas desgraças todos os ricos se unem aos pobres, os pobres aos remediados, assim vai, porém, passado essa parte que punha em xeque, em risco o setor, ele é bastante individualista, os esforços para congregá-los vem de pouco tempo, até porque o setor saiu de uma guerra, e ele está se recompondo (Secretário de Desenvolvimento Econômico de Americana).

O conjunto de ações coletivas desencadeadas a partir do ato público de protesto de 18 de maio de 1995 fez com que o governo federal, até então bastante inflexível em relação ao processo de abertura comercial, adotasse

As medidas de proteção comercial adotadas pelo Governo Federal na segunda metade da década de 1990, somado às inovações tecnológicas no 131. As medidas adotadas pelo Governo Federal fizeram uso de instrumentos de defesa comercial (salvaguarda e antidumping) previstos no Acordo de Têxteis e Vestuário (ATV).

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determinadas medidas de proteção direcionadas ao setor têxtil, medidas estas que possibilitaram aos empresários têxteis de Americana e região empreenderem seus processos de modernização e adotar novas estratégias. Enfim, as medidas funcionaram como um “fôlego” para que o setor têxtil local pudesse se reorganizar e fazer frente aos novos desafios competitivos colocados pela liberalização comercial. As medidas131 adotadas pelo Governo Federal que visavam reduzir as importações e dar condições para a recuperação do setor têxtil foram: 01- Portaria No. 201, de 10.08.95, do Ministro da Fazenda, Sr. Pedro Sampaio Malan, elevando as alíquotas do Imposto de Importação de Tecidos, de 18% para 70%. Essa Portaria vigorou até o dia 27.04.96; 02 - Portaria Interministerial No. 7, de 22.05.96, do Ministro da Indústria, do Comércio e do Turismo, Sr. Francisco Dornelles e pelo Ministro da Fazenda, Sr. Pedro Sampaio Malan. Essa Portaria estabeleceu Cotas para a importação de tecidos asiáticos, que passou a vigorar de 01.06.96 e teve vigência até 31.12.99, em 2003 as cotas foram renegociadas com a Coréia do Sul e Taiwan; 03 - Medida Provisória No. 1.569, de 25.03.97, assinada pelo Presidente da República, Sr. Fernando Henrique Cardoso, determinava que o embarque de qualquer mercadoria comprada no exterior após o dia 31.03.97 somente seria autorizado, após o pagamento imediato do valor importado, mediante o fechamento do contrato de câmbio. Essa medida provisória visava conter o déficit acumulado de nossa Balança Comercial, que no período de junho-96 a março-97 atingiu a cifra de US$ 7 bilhões; 04 - Portaria Interministerial No. 7, de 12.06.97, do Ministro da Indústria, do Comércio e do Turismo, Sr. Francisco Dornelles e do Ministro da Fazenda, Sr. Pedro S. Malan. Essa Portaria estabeleceu Cotas para a importação de vestuário procedente da República Popular da China, que passou a vigorar a partir de 01.07.97 e teve vigência até 31.12.99 (SINDITEC, 2000:3/4).

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processo e no produto e às novas estratégias empresariais, introduzidas com o processo de modernização desenvolvido pelas empresas remanescentes do cluster que passaram a ser feitos ao longo da década de 1990, aliado a um ambiente macroeconômico mais favorável marcado pela desvalorização cambial do real em relação ao dólar a partir de março de 1999, tornando o tecido nacional mais competitivo (em termos de custo e de qualidade) possibilitou às empresas têxteis uma considerável recuperação de sua produção (Tabela 10). Segundo o SINDITEC (2000), a recuperação da produtividade das empresas remanescentes do cluster têxtil se deu nos dois últimos anos da década de 1990 com a capacidade instalada das empresas em torno de 70%. Esta recuperação pode ser constada pela evolução da produção do conjunto das empresas têxteis que passam a crescer a partir da segunda metade da década de 1990. Tabela 10 Cluster Têxtil de Americana: Produção de Tecidos Planos- 1990/2000 Ano

Produção (metros lineares/mês)

1990- 1992 1993-1995 1996 1997 1998 1999 2000

100 milhões 45 milhões 65 milhões 90 milhões 130 milhões 150 milhões 155 milhões

Fonte: SINDITEC (2000).

11.03 - A reconfiguração do cluster: reestruturação produtiva e novas estratégias

A ação conjunta do empresariado têxtil local, articulada a amplos segmentos sociais e políticos, possibilitou tanto a obtenção de medidas de proteção comercial que deram um fôlego para o processo de reestruturação produtiva, quanto deu impulso para a maior consolidação do SINDITEC, a principal instituição empresarial local, em um processo de reconfiguração produtiva e institucional. A reconfiguração do cluster têxtil no período pós-liberalização comercial significou destruição e ajuste de empresas têxteis ao novo cenário, impulsio-

nando processos de modernização, novas estratégias empresariais, uma reordenação das relações interfirmas e uma reconfiguração das instituições locais. A pequena empresa façonista, considerada em fase de declínio antes da crise (Schmitz, 1982) e citada como uma espécie em extinção com a crise têxtil dos anos 90, ainda é uma empresa remanescente que passa por um difícil processo de reestruturação interna e de adequação ao novo cenário competitivo. Nesse sentido, o processo de reconfiguração produtiva do cluster compreende as empresas remanescentes pequenas, médias e grandes autônomas, mas sem desconsiderar as empresas façonistas que conseguiram sobreviver. Os sinais de recuperação da produção do cluster no final da década de 1990 são evidentes, segundo o Estudo do IEL (2000: 331), trata-se de um “sistema em recuperação”. No ano 2000, o Cluster de Americana produzia 155 milhões de metros lineares/mês, 55% a mais do que a produção do período de 1990/92, sendo que, com o número das empresas de tecelagem cerca de 50% menor e com o número dos trabalhadores neste segmento cerca de 55% menor em relação ao ano de 1990. É importante ressaltar que esta recuperação das empresas remanescentes não significou ganhos significativos em termos de geração de novos postos de trabalho, assim como de novas empresas, pelos menos nos níveis do inicio da década de 1990.

132. A empresa Fibra Dupont, a maior produtora de poliamida do país, tem desenvolvido produtos da mais alta tecnologia. No ano de 2000 a empresa ganhou o prêmio ABIT de inovação tecnológica com o seu produto TACTEL AERO [www.abrafas.com.br].

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Houve novos investimentos de grandes grupos têxteis nacionais no cluster, como Vicunha e Santista Têxtil, atraídos pelas vantagens externas que a aglomeração industrial têxtil oferece, além da facilidade de escoamento da produção. O Grupo Vicunha Têxtil, o maior grupo têxtil do Brasil, recuperou a antiga Têxtil Elizabeth S/A, uma das tecelagens mais tradicionais de Americana e a primeira unidade do grupo em Americana desde a década de 60, investindo cerca de 10 milhões de dólares na modernização da unidade de tecelagem (Vicunha Têxtil Unidade XII). Além dos investimentos na sua unidade de fibras e filamentos têxteis (Fibra S/A), o Grupo também se associou a DuPont em 1994 para montar uma nova fábrica de náilon têxtil em Americana.132 A joint venture Fibra Dupont Sudamérica S/A foi

Globalização e Mudanças na Cadeia Têxtil Brasileira 200

formada em 1994, das suas 4 fábricas, 3 estão estabelecidas em Americana. A Santista Têxtil, considerada a única Multinacional Têxtil do Brasil, é a maior exportadora do país de brins e de denim. De suas 8 fábricas, 5 estão no Brasil, em Americana e Tatuí no Estado de São Paulo. No final da década de 1990 as unidades de Americana foram objeto de grandes investimentos em modernização tecnológica e de introdução de padrões de qualidade internacionais.

Antes de abordar a reconfiguração produtiva do cluster de Americana devemos diferenciar o tipo de empresa que foi destruída, assim como o tipo de empresa que sobreviveu, para melhor compreendermos o processo de reconfiguração produtiva das empresas remanescentes. Segundo os entrevistados, a grande maioria das empresas destruídas era formada pela pequena empresa façonista, sem dúvida a mais prejudicada. Este forte impacto na empresa façonista foi devido, principalmente: primeiro, ao maior grau de obsolescência do parque; segundo, à falta de capital de giro para investir na modernização; terceiro, à instabilidade da relação de subcontratação. Muitos consideram a empresa façonista como extinta ou em processo de extinção. Mas a pequena empresa façonista ainda permanece no cluster acompanhando com dificuldades o processo de reconfiguração produtiva como veremos mais à frente. Já a empresa têxtil remanescente, na sua grande maioria, apresenta 3 características principais: primeiro, era uma empresa autônoma, pequena, média ou grande; segundo, dispunha de maior capital financeiro, acumulado no período do mercado protegido e por meio da subcontratação das façonistas, capital que a possibilitou investir na renovação de seu parque; terceiro, era dirigida por empresário de maior visão que percebeu que o processo de abertura comercial se tornara inevitável, antecipando-se no processo de modernização, ainda que com dificuldade, dispondo no momento da abertura comercial de um parque industrial razoavelmente atualizado e eficiente. As empresas que apresentavam estas características tiveram maiores condições de enfrentar o choque competitivo empreendendo a modernização de seu parque e buscando novas estratégias de mercado para seus produtos. Devido à própria “situação de guerra” gerada no cluster no período da abrupta liberalização comercial, que exigia respostas de curto prazo das empresas têxteis, muitas delas privilegiaram uma reestruturação produtiva pau-

tada por estratégias unilaterais. Mas em termos de estratégias multilaterais cabe destacar a iniciativa conjunta e pioneira da Feira Industrial de Americana (FIDAM), que foi o projeto “Mil Teares”. Este projeto promoveu uma feira de negócios local entre as empresas têxteis do cluster e os principais fabricantes de máquinas têxteis mundiais buscando uma atualização tecnológica conjunta. As principais estratégias das empresas remanescentes no período pósabertura foram pautadas por investimentos na modernização dos equipamentos, diversificação da sua linha de produtos e maior enfoque na qualidade do produto. - A modernização do Parque Industrial

Tabela 11 Cluster Têxtil de Americana: Investimentos em Teares (Número de Máquinas) 1991-1999 Modelo do Tear Pinça Nacional Pinça Importado Jato-de-ar Jato-de-água Projétil Total

1991-1995

1996

4.029 748 264 464 209 5.714

600 150 200 300 100 1.350

Fonte: SINDITEC (2000).

1997

1998

250 170 300 420 120 130 250 330 100 150 1.020 1.200

1999

Total

50 350 90 440 50 980

5.099 1.968 804 1.784 609 10.264

201

Paulo Fernandes Keller

Segundo o SINDITEC (2000), na década de 1990, os teares obsoletos foram gradativamente substituídos por teares modernos com tecnologia do nível dos paises avançados (Tabela 11). No período de 1991-95, os investimentos financeiros feitos somente em novos teares foram da ordem de US$ 300 milhões. De 1996 a 1998 foram investidos mais US$ 330 milhões totalizando US$ 660 milhões. No ano de 1999 foram investidos mais US$ 100 milhões. Houve também investimentos em outras etapas da cadeia têxtil (Fiações, Tinturarias, Estamparias e Engomagens) que não estão computados nestes números, a soma de todos os investimentos financeiros na modernização da cadeia estaria em torno dos US$ 1,2 bilhão. Dados abaixo demonstram os investimentos em teares sem lançadeira entre os anos 1991-1999.

Globalização e Mudanças na Cadeia Têxtil Brasileira 202

Pequenos e médios empresários têxteis entrevistados argumentam que, mesmo com a liberalização comercial que reduziu a alíquota de importação de maquinário, as barreiras para a renovação do parque continuaram devido às dificuldades para a obtenção de financiamento público. Devido a estas dificuldades era grande a insatisfação no meio empresarial têxtil local, seja com a burocracia do BNDES133, seja com os bancos repassadores. As dificuldades de obter financiamento público para os processos de modernização de seus parques fabris fizeram com que grande parte das empresas utilizasse recursos próprios ou financiamento direto com os fabricantes das máquinas. Com a concentração crescente do setor produtor de bens de capital na indústria têxtil mundial, cada vez mais os empresários têxteis brasileiros dependem da importação de maquinário para manter a sua contínua atualização tecnológica. A modernização das pequenas empresas façonistas foi bastante difícil. Pude perceber duas trajetórias de modernização das façonistas: um tipo de empresa que, apesar das dificuldades financeiras e dos obstáculos da falta de crédito, conseguiram empreender a modernização de seu parque adquirindo máquinas novas diretamente do fabricante; um segundo tipo, enfrentando maiores dificuldades, conseguiu empreender a modernização por meio da aquisição de teares seminovos de uma empresa de maior porte, empresa esta que estabelecia relação de subcontratação com o façonista há muito tempo. Então, o quê que as pequenas e médias empresas façonistas tiveram que fazer, se modernizar, então a nossa empresa, desde 1991, estamos modernizando, estamos há dez anos comprando máquinas. Por meio de financiamento, no começo foi financiamento pelo BNDES, chamado Finame, após a abertura do mercado nós conseguimos fazer financiamento no Japão pra comprar máquinas importadas, com a recessão em alta, os bancos se fecharam, a partir daí foi só com recursos próprios que as empresas conseguiram fazer algum tipo de

133. Segundo Estudo do IEL (2000), o “Sistema BNDES apesar de ter as menores taxas de juros, financia apenas grandes empresas ou empréstimos acima de R$ 7 milhões”, desta forma, os pedidos de financiamento de pequenas e médias empresas abaixo deste valor são repassados para agentes credenciados do banco (bancos repassadores), ou seja, para o mercado onde as empresas enfrentam altos custos de financiamento interno (p.170/172).

negócio. Os bancos se fecharam. As pequenas e médias empresas não conseguiram dar garantia para poder obter financiamento (...) se você quiser comprar uma máquina importada é uma burocracia enorme pra se comprar uma máquina. Eles só financiam máquina “0” (zero). Nós temos cerca de 1000 (mil) máquinas usadas no exterior (...). O nosso Faé (Presidente do CiespFiesp local), ele trouxe máquina da Bélgica, só que como, com recursos próprios. Porque nem ele conseguiu recursos do BNDES. Imagine nós, que somos pequenos (...) eu já briguei com o Banco do Brasil, Bradesco, os gerentes falam pra mim, olha, desculpe, a gente não pode fazer nada (...) Só com recursos próprios (...) Eu financiei com o próprio fornecedor, com o próprio fabricante de máquinas, e não com o Banco. O próprio fabricante virou banco pra área têxtil (Pequeno empresário façonista de Americana).

- Diversificação da linha de produtos e maior enfoque na qualidade A diversificação da produção foi outro caminho buscado pelas empresas têxteis do cluster para enfrentar a concorrência dos produtos asiáticos. Esta diversificação se deu tanto buscando nichos de mercado, como tecidos para decoração (cortinas e estofados), quanto flexibilizando o uso de fios a base de fibras químicas junto com o uso de fibras naturais, passando assim a produzir tecidos mistos (misturas de natural com sintético e outras misturas em proporções variadas). A estratégia de diversificar a produção visava fugir do mercado produtor de commodities, mercado difícil para as pequenas e médias, onde somente as grandes empresas integradas podem concorrer.

203

Paulo Fernandes Keller

Foi sorte porque, meu pai trabalhou muitos anos com essa empresa, trabalhou 30 anos antes de eu assumir, você entendeu, o que aconteceu, ele também teve que modernizar, só que ele tinha cacife próprio, até condição de financiar as suas 60 máquinas que ele comprou agora, você entendeu, com esse investimento que ele fez, o que ele ia fazer com essas máquinas (...) ele desfez desse maquinário mais obsoleto, acabei comprando para pagar com serviço, pagar com a mão de obra (Pequeno empresário façonista de Americana).

Globalização e Mudanças na Cadeia Têxtil Brasileira 204

Dados do SINDITEC (2000) demonstram que os produtos do cluster têxtil eram baseados em: fibras naturais: algodão, linho, seda e rami; fibras artificiais: rayon acetato, rayon viscose e fioco; fibras sintéticas: nylon, polyester e elastano. E a linha de produtos era bastante diversificada: tecidos de algodão, linho, rami, brim e índigo, tecido para camisaria, tecido para vestuário, tecido para moda feminina e masculina, tecidos para cama e mesa, tecidos para decoração, tapeçaria, tecidos para esporte (tactel), lona para painel, fitas para etiquetas, enfeites e viés, fitas para máquina de escrever e impressoras, tecidos para malas, bolsas e calçados, tecidos industriais e tecidos hospitalares e outros. Diferentemente do período de mercado protegido, quando as empresas têxteis buscavam maior volume de produção, e quase sempre simplesmente repassava custos para o cliente final, no período posterior a liberalização, com a intensificação da concorrência, há uma preocupação maior com as demandas do cliente final e com a qualidade do produto produzido, levando a uma mudança nas estratégias de mercado. Sobre as mudanças no cluster de Americana, o Estudo do IEL (2000: 330) firma que: O processo de seleção natural de um choque competitivo fez emergir as empresas com visões de táticas e estratégias empresariais mais inovadoras, diferentes daquelas que existiam no inicio da década. Nesse sentido, a competição teve efeitos positivos. Apesar da redução do número de empresas, introduziu-se uma nova mentalidade industrial que antes não existia na região. Sob o protecionismo, as estratégias empresariais eram simplesmente maximizar a produção, pois sem a concorrência externa, o preço não era uma variável tão importante quanto o aumento do volume de produção. Após o choque, verificou-se em Americana uma lição e uma experiência muito importante: ao invés de maximizar a produção, a meta das empresas passou a ser a busca por uma maior produtividade, qualidade dos produtos e preços.

A necessidade de formular novas estratégias empresariais e organizar seu processo produtivo em função de um mercado consumidor cada vez mais diversificado, exigente e mutável é enfatiza pelos empresários têxteis de Americana: A partir da abertura de mercado, realmente houve, as empresas passaram a se especializar em determinadas li-

nhas de produto, porque antigamente tudo se fazia, por impulso, ah, eu vou produzir determinado produto, depois eu vou pegar esse tecido vou sair no mercado e vender. Hoje não, hoje o mercado exige que você tenha produtos diferenciados dentro da sua linha de produção, ou seja, se eu for fazer um tecido especial para atender certa linha de mercado eu vou ter que me especializar nisso daí, não adianta querer fazer tudo ao mesmo tempo e atingir todos, hoje o mercado está mais segmentado (...). Hoje tem empresas só especializadas em fazer tecido para camisaria, tem empresa só especializada e, fazer tecido para calça (...) realmente, trouxe benefício, tem pessoas que estão especializadas (...), antes no pólo todo mundo fazia tudo e ao mesmo tempo e todo mundo fazia aquilo que achava interessante (ignorando o mercado consumidor) (Assessor do SINDITEC).

Na época da grande crise dos tecidos asiáticos, Americana fazia praticamente o tecido asiático, que é o tecido pra moda feito de sintético. Hoje já se trabalha com muito algodão, nós temos empresas de jeans aqui enormes (...). E depois Americana, o pólo aqui foi mudando, houve mudanças. Utilizam-se matérias-primas que antes nem tinha, nem existia aqui. Seriam os poliésteres mais finos, os acabamentos, aprimorou no acabamento, no beneficiamento de tecidos, eram muito duros, não tinham caimento. Hoje não fica devendo nada para um tecido importado, nem de preço, nem de qualidade. Logicamente comparando com tecido legal-

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Paulo Fernandes Keller

Olha, a mudança foi da noite para o dia, a gente produzia, era dois, três artigos, e aquilo ficava anos (...) a moda não mudava, não tinha essa mudança, essa velocidade que tem hoje (...). Hoje não, o que está acontecendo, você tem, às vezes, 24 máquinas, fazendo 8 ou 9 artigos diferentes, porque pra você atender a demanda de mercado do momento, você tem que ser muito ágil (...) A gente está mexendo muito com cortina, esse negócio de cortina é uma loucura, antes a gente fazia o voile padrão e era aquilo ali. Hoje, dentro desse voile que você faz tem 20 tipos diferentes (Médio empresário de Americana).

Globalização e Mudanças na Cadeia Têxtil Brasileira 206

mente importado. Uma parte foi pro vestuário de algodão, muito tecidos mistos, que eram só de poliéster hoje são de poliéster e algodão (Médio Empresário de Santa Bárbara d’Oeste e Diretor do SINDITEC). 11.03.01 - Caracterização das empresas da amostra

Para uma melhor compreensão da reconfiguração produtiva e institucional foi utilizada a técnica da amostragem dentro do universo das empresas têxteis do segmento de tecelagem, além de entrevistas com diversos informantes qualificados do cluster. A amostra pesquisada é composta de um conjunto heterogêneo de vinte empresas têxteis do segmento de tecelagem, o principal segmento da cadeia têxtil local, entre empresas pequenas, médias e grandes dentro dos municípios que integram o cluster: Americana, Santa Bárbara d’Oeste, Nova Odessa e Sumaré. A pesquisa junto as empresas da amostra ocorreu entre o segundo semestre de 2002 e o primeiro semestre de 2003. Os critérios para a estruturação da amostra foram o tamanho das empresas e sua importância dentro do conjunto e a distribuição das empresas nas cidades que compõem o aglomerado. Para definir o tamanho das empresas têxteis foi utilizado o número de empregados, metodologia utilizada amplamente. Mas, deve-se considerar que, devido ao processo de modernização marcadamente poupador de mão de obra no segmento de tecelagem, as empresas tendem a ter um número de empregados menor com um volume de produção maior ou maior faturamento, se produzir um produto de maior valor agregado. Na ausência de dados precisos disponíveis sobre o tamanho das empresas do segmento de tecelagem, utilizei dados agregados da cadeia oriundos da RAIS (Ministério do Trabalho) de 2001 como referência, apresentados e comentados por Souza et al (2002a). Em termos agregados (números da cadeia têxtil) os dados da RAIS indicam a importância das empresas que empregam entre 0-99 trabalhadores, em termos de número de unidades produtivas representando 95,6% das unidades formais na região, mas em termos de absorção da mãode-obra, estas empresas têxteis representam 41,4% do emprego formal na região.134 Assim, procurei considerar a importância das pequenas empresas

134. A importância da pequena empresa ainda se mostra bastante significativa nos dados do Rais, dados agregados da cadeia, devido ao grande boom de confecções no cluster na

no cluster, mas sem perder de vista as médias e grandes, buscando ter uma visão mais ampla do mix de empresas que forma o aglomerado. Em termos do tamanho das empresas a amostra ficou assim estruturada: Tabela 12 Estratificação das Empresas da Amostra - Segundo o Tamanho Tipo de Empresa Grandes Médias Pequenas * Empresas com até * Façonistas

Número de empregados

Empresas Visitadas

+ 200 51-200 1-50 100 empregados Todas pequenas

2 5 13 16 4

20 empresas = 100 % 10 25 65 80 20

% % % % %

Fonte: Elaboração própria - Mapa das Empresas Têxteis Visitadas.

Em termos da distribuição das empresas da amostra nas cidades que formam o cluster, também utilizei os dados da RAIS de 2001, apresentados e comentados por Souza et al (2002a), que confirmam a importância da Cidade de Americana em termos de concentração das unidades produtivas: Americana (57,5%); Santa Bárbara d’Oeste (27,2%); Nova Odessa (9,7%); e Sumaré (5,5%). Ficando a amostra estruturada da seguinte forma:

207

Estratificação das Empresas Amostradas Segundo os Municípios do Cluster Cidade Americana Santa Bárbara Nova Odessa Sumaré

Número de empresas

20 empresas=100 %

12 05 02 01

60% 25% 10% 5%

Fonte: Elaboração própria - Mapa das Empresas Têxteis Visitadas.

década de 1990. Ainda é muito forte a informalidade no segmento de confecção, mas os números das unidades produtivas de confecção formais presentes na região, em geral micro e pequenas, influencia, sem dúvida a continuidade do grande numero de empresas com menos de 100 empregados.

Paulo Fernandes Keller

Tabela 13

Globalização e Mudanças na Cadeia Têxtil Brasileira 208

Foi aplicado um questionário semiaberto nas vinte empresas, visando levantar tanto questões quantitativas quanto qualitativas, em alguns casos, foram realizadas entrevistas gravadas com depoimentos dos empresários sobre a experiência vivida durante a década de 1990. Na grande maioria das empresas pequenas e médias o questionário foi aplicado junto ao empresário têxtil, nas empresas grandes ele foi aplicado junto ao gerente industrial. Buscava-se apreender as características primordiais mais recentes das empresas, seus encadeamentos estratégicos com os elos para frente e para trás, a qualidade destes encadeamentos, assim como o estar da empresa no cluster, sua percepção das vantagens de estar operando em um aglomerado e sua avaliação do próprio meio institucional e cultural. As características principais das empresas da amostra foram reunidas abaixo (Quadro 02).

1970

1.500.000

Sintético

P1 1946 80.000 Tecelagem com preparação Acabamento

150.000

Paulo Fernandes Keller

P3 1986 250.000 Malharia

1995

Tecelagem e Acabamento

Artificial e sintético- tecido plano e malha

Sintético

Artificial, sintético e misto.

M5 1985 150.000 Tecelagem sem preparação

Tecelagem sem preparação Acabamento

Artificial e sintético Artificial, sintético e misto

Acabamento Engomagem, tinturaria e estamparia

Tecelagem com preparação

M4

P2

Jacquard

Tecelagem com preparação Não há + Acabamento

M3 1957 200.000

250.000

Artificial e sintético

Fiação + Tecelagem Não há c/ preparação

Artificial, sintético e misto

M2 1974 1.000.000

M1 1946 500.000 Tecelagem c/ Preparação Tinturaria

1933

200

Tipo de tecido No de produzido na empregados empresa

26

33

33

60

72

80

150

160

às vezes Índigo [465 variações] 1250 Acabamento com fios naturais e + Acabamento sintéticos

Tecelagem c/ Preparação Não há

G2 1969 3.750.000 Fiação + Tecelagem c/ Preparação

G1

Código Ano de Volume de Etapa do processo Etapa da de produção produtivo terceirizada empresa fundação [m/mês]

Características Principais das Empresas da Amostra

Cluster Têxtil de Americana - Segmento de Tecelagem

Quadro 02

209

18

1947

1991

100.000

120.000 Tecelagem sem preparação Não há

Tecelagem com preparação Não há

1990

1964

P12

P13

60.000

100.000

100.000

Acabamento

Tecelagem com preparação Não há

Tecelagem com preparação Não há

Tecelagem com preparação

Sintético e natural

Sintético

Sintético e Misto

Artificial, sintético e misto

Sintético

13

4

9

10

13

Fonte: Pesquisa de Campo [2002/2003]

[fação]

1964

P11

[fação]

P10

[Fação]

P9

Engomagem, Sintético e Natural 16 tinturaria e estamparia

Artificial e sintético

tingimento-estamparia

Parte tecela-

P8 1973 130.000 Tecelagem sem preparação

Tecelagem com preparação



120.000

20

gem [fação] +

1964

Tecelagem com preparação Não há

25

25



P7

170.000

Sintético e Misto

1977

P6

[Fação]

Sintético

Preparação do fio Sintético e Acabamento

P5 1959 185.000 Tecelagem com preparação Acabamento e Tingimento

P4 1946 185.000 Tecelagem sem preparação

Tipo de tecido No de produzido na empregados empresa

Globalização e Mudanças na Cadeia Têxtil Brasileira

Código Ano de Volume de Etapa do processo Etapa da de produção produtivo terceirizada empresa fundação [m/mês]

210

Observações: 01-Todas as empresas são autônomas com exceção das 4 façonistas [P6,P9,P10 e P13].

211

Paulo Fernandes Keller

Quanto ao tipo de produto e seu mercado, as empresas pesquisadas que produziam apenas tecidos a base de fibras químicas (artificiais e sintéticas) eram 08 (40%), já aquelas que produziam tanto tecidos a base de fibras químicas quanto tecidos mistos (fibras químicas e naturais) eram 12 (60%). Estes dados demonstram a tendência de diferenciação dos produtos e de distanciamento da linha de produtos dos concorrentes asiáticos. Esta produção têxtil era voltada para: [i] moda masculina ou feminina: 09 empresas (45%); [ii] forro para artefatos de couro, tênis e roupas: 04 empresas (20%); [iii] decoração – cortinas e estofados: 04 empresas (20%); [iv] decoração e moda: 02 empresas (10%); [v] tecido plástico para uso técnico: 02 (10%); tecido para uniforme- escolar ou profissional: 01 (5%). As empresas que trabalhavam com tecidos de moda tinham a preocupação de acompanhar as tendências deste mercado, uma delas (P3) tinha um estilista contratado como freelancer. Outra empresa (P2) era homologada pelo Amni-Rhodia. Quanto ao nível tecnológico das empresas, dentro do universo de 17 empresas que forneceram dados sobre seu parque industrial, constatou-se uma atualização tecnológica bastante significativa (Tabela 14). Nenhuma das empresas tinha teares com lançadeira (mecânico ou automático). Todas as empresas tinham apenas teares sem lançadeira. Os teares modernos e mais velozes (jato de ar e jato de água) somavam 40%. Contatou-se que os teares a jato estavam presentes em grandes quantidades na empresa de maior porte (G1), mas também nas empresas pequenas (até em uma façonista: P9), ainda que em número menor, demonstrando a busca de atualização e de renovação tecnológica das empresas pequenas. A pesquisa também constatou uma grande quantidade de teares de pinça (50%), principalmente nas empresas pequenas e médias, em geral eram teares adaptados. Segundo informou um entrevistado de maneira bastante informal, possuidor de teares de pinça adaptados, estas adaptações eram feitas na própria região pelos “professores pardais” do cluster, profissionais que convertiam antigos teares automáticos (com lançadeira), muitos da marca Ribeiro, em teares sem lançadeira por meio de um “kit de pinça”, segundo este façonista, “funciona perfeitamente”. A grande maioria das empresas pesquisadas obteve seus teares (no todo ou parte do seu parque) de fornecedores estrangeiros, seja de paises europeus (9 empresas), ou, do Japão (6 empresas). As que adquiriram teares no território nacional eram apenas 6 empresas.

Globalização e Mudanças na Cadeia Têxtil Brasileira 212

Tabela 14 Cluster Têxtil de Americana- Segmento de Tecelagem Nível Tecnológico das Empresas da Amostra (17 empresas) Tipo de Tear

Empresas e Número de teares

Projétil

M2(30) M4(24) P6(10)

03

Pinça Rígida ou Flexível

M3(80) M4(24) M5(18) P1(43) P4(18) P6(36) P9(16) P10(36) P11(24) P13 (26)

10

Jato d’água Jato de ar

G1(150) P2(32) P4(17) P5 (21) P12 (4) P9(4) P7(10) P8(16)

Número de Empresas

Número de Teares (639=100%) 64 (10%) 321 (50%)

06

228 (36%)

02

26 (4%)

Fonte: Pesquisa de Campo (2002/2003)

Quanto ao grau de especialização das empresas amostradas, a pesquisa mostrou que 85% das empresas eram especializadas na fase de tecelagem. As empresas que integravam outras etapas para frente (acabamento) ou para trás (fiação) eram somente 15% (G2, M2 e M3). Estes dados demonstram a grande potencialidade do cluster de Americana: a grande presença de empresas especializadas em apenas uma etapa da cadeia produtiva. Das 20 empresas da amostra, 4 eram façonistas prestando serviços de tecelagem para contratantes de dentro do cluster ou de fora (Capital São Paulo). Do universo das 16 empresas têxteis autônomas, 12 empresas (75%) subcontratavam alguma etapa produtiva, para empresas de dentro ou de fora do cluster. Quanto ao local onde era realizada a subcontratação, todas as 12 empresas autônomas subcontratavam alguma empresa de dentro do cluster e somente 03 empresas sucontratavam em algum momento empresas de fora, em geral no próprio Estado de São Paulo. Quanto às etapas produtivas subcontratadas, todas as 12 empresas subcontratavam serviços de Acabamento (tinturaria ou estamparia), 03 empresas subcontratavam serviços de preparação para a tecelagem e outras 03 realizavam subcontratação de capacidade, subcontratando dentro do próprio segmento de tecelagem. Os dados mostram que as empresas de tecelagem do cluster, na medida em que são especializadas, tendem a terceirizar a fase de acabamento, que exige ma-

quinário sofisticado para a melhor qualidade do tecido e o cumprimento de normas legais de respeito ao meio ambiente, estabelecendo relações de subcontratação dentro do próprio cluster para agilizar o processo produtivo. As principais estratégias das empresas da amostra após a abertura comercial foram: 01- Incremento do processo produtivo (85%); 02- Introdução de inovações no produto e maior diversificação da produção (70%); 03Capacitação interna dos funcionários (55%); 04- Mudanças organizacionais (50%). A capacitação interna dos funcionários se tornou um imperativo devido à introdução de maquinário tecnologicamente atualizado. Na verdade, as principais estratégias, modernização do parque e maior diversificação da produção em função de um mercado mutável, exige um conjunto de mudanças no interior da empresa, assim como melhor relacionamento com seus fornecedores e clientes. 11.03.02 - Os encadeamentos para trás e para frente.

213

Paulo Fernandes Keller

A análise dos encadeamentos das empresas da amostra para trás e para frente, ou seja, com seus fornecedores e com seus clientes, buscou verificar em que medida as empresas de tecelagem se relacionam com outras empresas (para trás e para frente) de dentro do cluster e qual o nível das relações cooperativas verticais das empresas. Os dados demonstram que há muita diversidade na localização das empresas nos encadeamentos para trás e para frente. Particularmente nos encadeamentos para frente, há grande número de encadeamentos com empresas de fora. No que se refere ao desenvolvimento de relações de cooperação verticais, o novo cenário competitivo e as mudanças ágeis no mercado consumidor pedem uma maior cooperação com os fornecedores e com os clientes, mas as iniciativas ainda são tímidas. - Encadeamentos com os fornecedores. Excluindo as 04 empresas façonistas da amostra, que recebem sua matéria-prima diretamente do seu contratante, dados das 16 empresas autônomas da amostra indicam que o encadeamento para trás (Quadro 03) apresenta diversidade de fornecedores de fios:

Globalização e Mudanças na Cadeia Têxtil Brasileira 214

Quadro 03 Cluster Têxtil de Americana- Segmento de Tecelagem Localização dos Fornecedores (16 empresas) Localização do(s) Fornecedor (es)

Empresas da amostra

Dentro do Cluster

G1, M1, M3, M5, P1, P3, P4, P5, P7, P8, P12

Fora do Cluster Dentro do Estado de SP

G1, G2, M1, M3, M4, M5, P1, P2, P3, P4, P5, P7, P11

Fora do Estado de SP dentro do território brasileiro

G1, G2, M1, M2, M3, M5, P1, P2, P3, P4, P7, P8

País membro do Mercosul

G1, G2, M5

Mercado Internacional- excluído o mercosul

G1, M1, P4

Fonte: Pesquisa de Campo (2002/2003).

Os dados mostram que há diversidade na origem da matéria-prima. As empresas tendem a ter fornecedores de fios tanto dentro quanto fora do cluster. Elas tendem a compatibilizar diversos fornecedores variando as quantidades em busca de fios específicos e preços adequados. A diversidade de fornecedores não é maior devido à existência de grandes plantas industriais de fiação baseadas em fibras químicas localizadas no próprio cluster (Fibra, Fibra DuPont e Polyenka). Das empresas que se abasteciam fora no Cluster, mas dentro do território brasileiro, seja dentro ou fora de São Paulo, muitas obtinham seu fio da empresa Rhodia (São Paulo) ou da empresa UNIFI (Minas Gerais). O empresariado do segmento de tecelagem argumenta que houve uma adequação entre todos os elos da cadeia às novas exigências do mercado. Um mercado mais exigente, pedindo tecidos mais específicos, forçou o aparecimento de fios novos mais diferenciados e um melhor relacionamento entre fiação e tecelagem. Quanto ao grau de cooperação vertical entre as empresas de fiação e tecelagem, há situações bastante diferenciadas indicando uma tendência ainda bastante tímida de maior cooperação vertical. Indagados sobre a existência de formas de cooperação na relação com os fornecedores, alguns médios empresários do cluster argumentaram que: Acho que nosso poder de barganha aumentou em relação ao fornecedor (...) a gente teve um poder de barganha muito maior, até estreitou mais o nosso relacio-

namento com as fiações, isso teve mesmo, o que acontecia, a fiação, ela tinha a produção dela e ele não tinha necessidade de ficar negociando muito com as empresas, com os clientes dela, compra de mim ou não compra de ninguém, e hoje com a disputa de mercado, com a abertura econômica e tudo mais, hoje aumentou também o número de fornecedores (...). Hoje a gente faz até um trabalho conjunto, por exemplo, um cliente chega e pede um artigo, ele tem mercado para aquilo lá, e tal, e pede que a gente faça, a gente vai desenvolver aquilo, mas aquele fio a gente não tem, esse fio é importado, o que acaba acontecendo, às vezes a gente até ajuda a própria fiação a desenvolver esse artigo, se ela achar que tem mercado (...) se eles sentirem que tem mercado pra isso, às vezes a gente até funciona como uma alavanca pra eles, pra esse tipo de produção, coisa que não acontecia, antes da abertura era assim (...) tava todo mundo acomodado (...) (Médio empresário de Americana).

O problema enfrentado pelo pequeno empresário no que se refere à obtenção da matéria-prima relaciona-se à quantidade de fio demandada por eles. Eles argumentam que o fio local fica caro devido à pequena quantidade comprada, diferente das empresas grandes que obtêm ganhos de escala. Nesse sentido, a saída para as empresas pequenas seria a cooperação na aquisição de insumos. A vantagem do pequeno produtor em atuar de forma conjunta, para obter ganhos na aquisição dos insumos, e outras vanta-

215

Paulo Fernandes Keller

Isso ai ainda não está existindo aqui. No setor que eu trabalho que são tecidos para decoração. Nós temos umas fábricas, nos procuramos nos reunir sempre, nesse segmento, tentando manter uma cartela de cores única, conversamos muito, quanto que está custando as coisas, se as fiações não estão abusando do preço. Minha empresa está sempre pronta a ajudar qualquer outra empresa do segmento. O empréstimo de fios e de matérias-primas é normal entre as empresas, as informações sobre clientes, principalmente sobre pagamento, as informações sobre clientes (Médio empresário de Santa Bárbara).

Globalização e Mudanças na Cadeia Têxtil Brasileira 216

gens da ação cooperada, é reconhecida por um pequeno empresário façonista atuando no setor têxtil apenas uma década: Imagine você pegar 10 pequenas empresas, e , comprar matéria-prima, cada uma dar um pouco e comprar a matéria-prima. Ai eles fazem o tecido, deslocam tudo para a cooperativa, a cooperativa vende esse tecido. Ai a cooperativa vai lá e compra um montante maior, porque, quanto maior a quantidade que você compra o fio mais barato fica, por incrível que pareça. Se o fio hoje custa R$ 7 e eu vou comprar 1 tonelada de fio, custa R$ 7, se um cliente grande vai lá comprar 100 toneladas custa R$ 4 (...) Não teria que ser R$ 7 para todo mundo. Ou R$ 5. Porque o custo operacional e de matériaprima que eles estão fazendo é o mesmo. Então porque esse disparate tão grande de preços entre o pequeno e o grande produtor. Uma cooperativa iria comprar a R$5 também igual a eles (aos grandes). Se cai na tinturaria, o preço pra fazer em alta quantidade é mais barato do que mandar mil metros de tecido. Você vê que o grande produtor ganha em tudo (Pequeno produtor façonista de Americana).

Indagado sobre a viabilidade de se formar uma cooperativa para a compra conjunta de fios, o assessor do SINDITEC, inicialmente, afirmou que era viável, mas ao mesmo tempo disse que houve tentativas fracassadas e expôs as barreiras burocráticas e fiscais existentes: É viável, mas ai que tá, o pessoal trabalha com cota de fio da fiação, não tem como, você tem a sua cota (da sua empresa), a fiação quando ela solta a produção dela, ela já tem o pessoal certo, não tem como, outra coisa, esse fio, a gente tentou fazer isso daí, Central de Compras, era um dos projetos que nós tínhamos colocado no pólo, ele funciona até com uma quantidade pequena, você pode agregar umas 4 ou 5 empresas que consome uma determinada quantidade de fio, você agrupa esse pessoal ai, mas ai você tem um problema, você esbarra na parte fiscal, como você vai fazer a contabilidade disso daí, quem vai comprar, se eu compro eu vou revender, eu vou ter que comprar em nome do grupo, eu tenho que abrir uma empresa ai você tem a parte fiscal, isso ai pode ate existir, se o governo crias-

se dentro dessa esfera fiscal dele algumas aberturas que transpusesse essa questão fiscal, essas barreiras, que você tem que dar entrada no seu estoque, como você vai fazer isso daí, ai você tem que emitir uma nota, ai você emite a nota, você recolhe o imposto, como eu vou recuperar isso daí, então passa a onerar (...) (Assessor do SINDITEC)

- Encadeamentos com os clientes Excluindo as 4 empresas façonistas, que não são responsáveis por colocar seus produtos no mercado, as 16 empresas autônomas da amostra apresentavam uma diversidade grande na localização dos clientes (Quadro 04), mas com grande concentração deles fora do cluster, seja dentro do próprio Estado de São Paulo ou em outros estados brasileiros.

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As iniciativas, ainda tímidas, de relacionamento cooperativo com os fornecedores de matéria-prima, no intuito de obter um produto de melhor qualidade, ou com fornecedores de máquinas, para treinamento da equipe interna, foram citadas pelas seguintes empresas. A empresa G1 informou que realizava visitas aos fornecedores (alguns fornecedores eram outras unidades do próprio grupo), com rodízio de funcionários, buscando maior troca de informações. A empresa M1 informou que mantinha bom relacionamento com fornecedores de matéria-prima e com fornecedores de máquinas, com estes para treinamento da equipe interna que iria operar as máquinas. A empresa P1 informou que tinha parceria com a DuPont (lycra). A empresa P6 informou que realizava troca de informações de maneira bastante informal com seu fornecedor. A empresa P7 informou que estabelecia diálogo constante com seu fornecedor de matéria-prima e com seu fornecedor de maquinas para treinamento dos seus funcionários. Finalmente, a empresa P8 informou que estabelecia diálogo com seu fornecedor de matéria-prima para produzir novos produtos.

Globalização e Mudanças na Cadeia Têxtil Brasileira 218

Quadro 04 Cluster Têxtil de Americana- Segmento de Tecelagem Localização dos Clientes (16 empresas) Localização do(s) Cliente(s)

Empresas amostradas

Dentro do Cluster

M5, P1, P3, P4

Fora do Cluster dentro do Estado de SP

G1, G2, M1,M2, M3, M4, M5, P1, P2, P3, P4, P5, P7, P8, P11, P12

No Brasil fora do Estado de SP

G2, M3, P1, P2, P3, P4, P5, P7, P8, P11, P12

Países membros do Mercosul

G2

Mercado Mundial

G2

Fonte: Pesquisa de Campo (2002/2003).

Indagados se realizavam algum tipo de relacionamento cooperativo com seus clientes, algumas empresas afirmaram desenvolver algumas formas, como relatado a seguir: A empresa M4 desenvolve parceria com seus clientes produzindo mais sob encomenda e com exclusividade. A empresa P1 informou desenvolver parceria com seu cliente em projetos de propaganda. A empresa P2 informou desenvolver simples troca de informações. A empresa P7 informou estabelecer diálogo com clientes de grande porte (fornece tecidos para surfwear que muda a cada 3 meses). E finalmente, a empresa P11 informou estabelecer parceria com alguns clientes para melhorar a qualidade do produto. As iniciativas, ainda tímidas, de cooperação com os clientes estavam presentes, no geral, em empresas voltadas para a indústria da moda ou de decoração, mais suscetíveis a constantes mudanças no mercado consumidor exigindo adequações constantes na cadeia produtiva e maior empenho em projetos de marketing. Um dos efeitos da crise na década de 1990 foi o boom de confecções no cluster. A maioria delas funcionando na informalidade. Um empresário têxtil vê no desenvolvimento do segmento de confecção e sua articulação com outros pontos da cadeia produtiva uma potencialidade para uma maior integração competitiva local. Na entrevista ele argumenta que: Essa questão dos confeccionistas que surgiram muito por causa do desemprego da indústria têxtil, você tem mais de mil confeccionistas trabalhando ai na informalidade, esse trabalho que a Câmara (Municipal) esta tentando

fazer aqui de regularizar (...) fazer com que esse pessoal se organize num sentido deles, até melhorar a qualidade deles, eles crescerem, e tudo mais, são mil confecções, é gente pra burro (...) por isso que eu falo que é importante o setor público participar dessa história, o setor público tem que participar pra organizar. Eu não tenho este número, talvez o SINDITEC possa até te passar, mas eu vou chutar por cima assim, 90% do tecido que é feito em Americana vai pra fora de Americana e 90% do tecido que é utilizado pelas confecções de Americana vem de fora de Americana, falta o que, sentar e se organizar, aquela história que é o cluster, que é o meu maior sonho, formar um cluster mesmo aqui na região e tal, e nisso o poder público têm que entrar pra organizar (...) estive falando com o Paulo Skaf (Presidente da ABIT), ele até ficou de vir até aqui na Câmara (Municipal) falar sobre um projeto nesse sentido, é uma coisa que nós devemos procurar nos organizar que eu vejo como uma saída pra gente (Médio empresário de Americana). 11.03.03 - O meio institucional e cultural: estar no cluster 219

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A análise do meio institucional e cultural buscou compreender de que forma a empresa amostrada se inseria no aglomerado, como percebia o fato de estar operando em um aglomerado, como a empresa viveu as pressões competitivas na década de 1990 estando no cluster, como avaliava as instituições locais, particularmente o SINDITEC, suas ações conjuntas e quais as sugestões para o fomento das empresas do aglomerado. Foi indagado aos entrevistados qual seria a vantagem de estar operando no cluster de Americana (Quadro 05). Pôde-se concluir que a maioria tem consciência das vantagens externas inerentes à própria situação de aglomeração industrial. “Todos que querem tecidos procuram Americana” (P11). Apesar de dois responderem que não viam vantagem alguma: “Hoje, não vejo muita vantagem, estou aqui porque sou daqui mesmo. Há mais vantagem para sair” (P3); “Vantagem porque nasceu aqui. Não tem como fugir” (P13). Um dos pequenos empresários de Americana argumentou a vantagem de estar operando em um cluster:

Globalização e Mudanças na Cadeia Têxtil Brasileira 220

Em se tratando de uma empresa pequena, ela não tem estrutura suficiente para ter tudo o que ela precisa para seu funcionamento dentro dos seus próprios domínios. Portanto, quando a gente esta instalada em um pólo em que apresenta “n” opções de serviços e detalhes, só temos vantagens. Temos possibilidade de ter menos almoxarifado, menos empregados, e rapidez naquilo que necessitamos, como um acessório, uma peça que quebrou, ou uma solução para um problema que acabou acontecendo sem que a gente imaginasse e nos socorremos de vizinhos e de empresas amigas. Quadro 05 Cluster Têxtil de Americana- Segmento de Tecelagem Vantagens consideradas existentes em operar no Cluster Tipo de Vantagem

Empresas amostradas

Proximidade de outras empresas fornecedoras de insumos, acessórios e serviços especializados

G1, G2, M1, M3, M5, P1, P2, P4, P5, P6, P8, P9, P10, P12, P13

Mão-de-obra especializada

G1, G2, M3, P1, P4, P5, P6, P9, P10, P12

Facilidade de escoamento da produção proximidade de grandes centros urbanos

G2, M2, P2, P5, P6, P10

Afluxo de clientes - contatos comerciais

P1, P11, M5

Cultura têxtil

G2

Estoque Menor

P8

Não vê vantagens

P3, P13

Fonte: Pesquisa de Campo (2002/2003)

Os entrevistados foram indagados sobre o que poderia ser implementado para se gerar novas vantagens. As ações sugeridas foram: criação de linha de crédito especial junto ao BNDES (P12, P10); melhor capacitação de pessoal (G2, P7); maior incentivo fiscal com diminuição da carga tributária (M1, P3, P12); incentivo às exportações (M2, P4); criação de uma central de compras de fios e máquinas (M3); o polo funcionar como um indutor de po-

Ajudou, porque num primeiro momento nós tivemos reuniões, tivemos decisões em conjunto nas quais procuramos achar caminhos. Ao mesmo tempo, nós vimos

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líticas diferenciadas para o setor- fomento ao cluster (M4, P4); maior especialização do cluster (P1); atrair mais empresas fornecedoras de fios (P4); desenvolvimento de uma marca valorizando o produto local (P8,P7); atuação efetiva do Governo Federal no combate ao contrabando de tecidos, subfaturamento e dumping (P10); acabar com o monopólio da matéria-prima pelas grandes empresas fornecedoras de fio (P10). As experiências particulares vividas durante a crise têxtil no cluster no período da abertura comercial foram diferenciadas entre as empresas amostradas. Algumas não sofreram um impacto tão forte como a maioria das empresas da amostra devido ao tipo de produto produzido. A empresa G2 não sofreu tanto devido ao tipo de produto produzido (denim) e ao grau de modernização implementado antes da abertura comercial. A empresa M2 também não teve um impacto negativo tão forte devido ao tipo de tecido produzido (tecidos plásticos para uso técnico). Mas para a maioria, particularmente as pequenas empresas, a experiência foi bastante traumática com impacto profundo em todo o setor têxtil local: “Foi horrível, piores épocas, todos sofreram as conseqüências” (P2); “Aumentou a concentração do capital no setor e eliminou as pequenas empresas” (P6); “Foi uma transformação traumática” (P7); “Foi o caos” (P11). Foi indagado aos entrevistados se o fato de estar no cluster ajudou ou ajuda na superação das dificuldades. A maioria (65%) considerou que ajudou ou ajuda. Um dos entrevistados citou como exemplo o ato de protesto de 1995: “sem o movimento de 18 de maio de 1995, reunindo centenas de empresários e milhares de trabalhadores, além de políticos de toda ordem, a região não seria o que é hoje” (M3). Outros acreditam que estar no cluster ajuda a enfrentar dificuldades, estes enfatizaram a importância da situação de aglomeração: “Por ser um pólo as empresas se uniram, uma empresa sozinha não teria como lutar” (P2); “Há vantagem pelo conhecimento do ramo têxtil” (P3); “Sim, porque o movimento gerado para amenizar as importações ocorreu sobre o pólo todo, que se reuniu e solicitou providências” (P4); “Sim, a cidade gira em torno da indústria têxtil” (P10); “Ajuda sim, é importante estar na região. Sim, é importante para o pequeno estar numa área têxtil. Aqui é mais fácil alcançar a eficiência da fábrica”(P12). O empresário da empresa P8 argumentou que:

Globalização e Mudanças na Cadeia Têxtil Brasileira 222

que empresas que ficaram estagnadas, ficaram paradas, não se movimentaram elas foram acabando-se. Em terceiro, também descobrimos rapidamente que não havia outra saída, outra porteira, outro caminho. O caminho era agilização, modernização e competitividade.

O restante das empresas acredita que não ajuda ou ajuda pouco. Não devemos desconsiderar o fato de que estar no cluster que recebeu forte impacto da globalização econômica tornou a experiência de “estar no cluster” bastante traumática. Os entrevistados mais desacreditados de que estar no cluster ajuda a superar dificuldades afirmaram: “O mercado é o mesmo” (M1); “Não vejo diferença entre estar no aglomerado e estar fora” (M5); “No pólo as dificuldades foram maiores” (P6); “Minimiza as dificuldades” (P7). Como as instituições desempenham um papel fundamental na dinamização e na promoção dos clusters, foi indagado sobre quais seriam as instituições (associações empresariais, instituições educacionais ou órgão público) atuantes na promoção do cluster (Quadro 06). Os entrevistados citaram, de forma espontânea, uma série de instituições de dentro e de fora do cluster. Três entrevistados consideraram que não havia nenhuma instituição atuante. Todas as instituições consideradas atuantes pelos entrevistados estão na tabela abaixo. Quadro 06 Instituições Consideradas Atuantes na Promoção do Cluster de Americana Empresas Amostradas- Segmento de Tecelagem Instituições Citadas

Empresas da Amostra

SINDITEC

G1, M1, M3, M4, P1, P2, P3, P4, P5, P6, P8, P10, P11, P12

ACIA

G1, M3, M4, P3, P4, P5, P11, P13

FATEC

G2, M1, P4, P5, P8

SENAI

G2, M1, P4, P5

CIESP-FIESP

G2, M1, M4, P8

FIDAM

M4, P8

Escola Técnica Estadual Polivalente P5, P8

Secretária de Desenvolvimento Econômico da Prefeitura Municipal de Americana

M4, P5, P11

ABIT *

M1, P1, P3

Assembléia Legislativa do Estado de SP*

M3

SEBRAE**

P8

Não considera nenhuma instituição atuante

M5, P7, P9

Fonte: Pesquisa de Campo (2002/2003). * Instituições de fora do Cluster. ** O SEBRAE é uma instituição de fora, mas que desenvolve projetos no cluster.

O pessoal prefere não ser sócio de sindicato. Acha sempre que o sindicato nunca faz nada por elas. A contribuição no caso é espontânea. É livre a associação sindical (…). É bem variado. Não seria correto dizer que as bem sucedidas estão no sindicato e as não estão fora. É heterogêneo. É bem misturado. As pessoas têm medo de fazer parte do sindicato. A mensalidade é irrisória. Vai de 20 a 50 reais por mês. Tem empresas que às vezes fatura milhões e a pessoa não se associa ao sindicato, tem medo de preencher questionário, medo de tudo, são esses questionários básicos que a pessoa tem medo, não respondem, não atendem. Tem medo. Acaba enfraquecendo o sindicato. A hora que precisa depois, não tem um sindicato forte, representativo.

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Como um dos empresários do cluster relatou: “Houve uma união maior, emergencial, que acabou consolidando o nosso Sindicato” (Médio empresário de Santa Bárbara). A ação conjunta liderada pelo SINDITEC e pela ACIA, que se exprimiu no ato público de 18 de maio de 1995 e na mobilização em defesa da indústria têxtil em diversas instâncias, contribuiu para uma maior consolidação do SINDITEC dentro do cluster têxtil. O SINDITEC, principal associação empresarial local, tem a participação de empresas de diversos tamanhos, mas com predomínio das pequenas e médias. Um dos diretores do SINDITEC argumenta que há bastante diversidade entre as empresas filiadas, em termos de tamanho e de êxito nos negócios, mas também aponta obstáculos para a efetiva consolidação da instituição, principalmente se for considerado que apenas 64 empresas são filiadas ao SINDITEC:

Globalização e Mudanças na Cadeia Têxtil Brasileira

Há evidências na literatura internacional de que a associação empresarial local tem um papel importante a desempenhar apoiando e assistindo clusters industriais nos países em desenvolvimento frente às novas pressões competitivas (Nadvi, 1999). O SINDITEC enquanto associação empresarial local teve um papel central na ação conjunta e na mobilização empresarial no período mais difícil da crise têxtil. Mas sua consolidação, como agente articulador de ações cooperativas interfirmas para fazer frente aos desafios colocados pela globalização e pela liberalização na década de 1990, ainda tem obstáculos a serem vencidos. Os entrevistados foram indagados sobre quais seriam as formas de intercâmbio da empresa com o SINDITEC e também com a ACIA (Quadro 07). A maioria das empresas (55%) afirmou que as relações com estas instituições se restringem a simples troca de informações por meio de informativos e outros meios escritos. Seis empresas não tinham nenhum tipo de intercâmbio. Apenas oito empresas (40%) haviam participado diretamente de alguma atividade no SINDITEC ou na ACIA. Quadro 07 Formas de Intercâmbio da Empresa com o SINDITEC ou com a ACIA Empresas Amostradas- Segmento de Tecelagem

224

Tipo de Intercâmbio

Empresa Amostrada

Troca de Informações (meios escritos)

G1, M3, P1, P2, P3, P4, P5, P7, P8, P11, P12

Participação em reuniões, fóruns e palestras

M1, M3, M4, M5, P3, P5, P7, P11

Nenhum

G2, M2, P6, P9, P10, P13

Fonte: Pesquisa de Campo (2002/2003).

A Unidade de Americana do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (CIESP-FIESP) atua no cluster há 50 anos contando com cerca de 80 associados, sendo 50 da Cidade de Americana. O CIESP tem por objetivo dar apoio ao desenvolvimento industrial e oferece cursos para os empresários locais. Há no cluster uma gama de instituições que oferecem cursos voltados para a área têxtil possibilitando a capacitação da mão de obra local, elas são: SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial; Fatec- Faculdade de Tecnologia Têxtil; e ETEPA- Escola Técnica Estadual Polivalente de Americana. A Escola do SENAI foi fundada em 1982 na Cidade de Americana e desen-

volve três tipos de atividades: aprendizagem industrial, educação continuada e atendimento às empresas. Esta escola oferece uma série de cursos voltados para o setor têxtil e confecção. A Fatec oferece curso de nível superior: Tecnólogo Têxtil. A Escola Polivalente (ETEPA) oferece curso técnico de nível médio. O SEBRAE e a Secretaria de Desenvolvimento Econômico da Prefeitura Municipal de Americana também oferecem cursos de capacitação profissional. O principal problema citado pelos entrevistados, no que se refere à capacitação dos trabalhadores pelas instituições locais, foi o sucateamento das máquinas que dão suporte aos cursos técnicos. Segundo Regina Coelli, responsável pelo Posto de Atendimento ao Trabalhador (PAT) em Americana, em entrevista ao Jornal Gazeta Mercantil: “Nossa maior dificuldade é requalificar esta mão de obra, até porque nem o SENAI possui máquinas tão modernas como as que existem hoje nas fábricas para poder treinar todo esse pessoal”.135 Outra instituição importante no cluster é a Feira Industrial de Americana (Fidam), que tem por objetivo a realização de feiras e exposições voltadas para a área têxtil, promovendo o intercâmbio entre os diversos segmentos do setor. A Fidam teve um papel importante no período de crise quando foi criado o Movimento Mil teares. Um dos empresários entrevistados foi Presidente da Fidam durante a década de 1990 e relata como foi o movimento e sua importância para a modernização do cluster:

135. Relatório Gazeta Mercantil - Indústria Têxtil- Jornal Gazeta Mercantil, 08 de junho de 2000 (p.9).

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Nós tivemos alguns eventos que acabaram marcando isso. Um desses eventos foi o “movimento mil teares” que foi patrocinado pela Fidam. No qual nós conseguimos uma coisa inédita, os principais fabricantes de máquinas têxteis modernas do mundo estiveram apresentando à nossa cidade os produtos, mostrando as vantagens, apoio e com isso muitas pequenas empresas que nunca tiveram acesso a feiras internacionais, ou empresas que já tinham adquirido esses produtos, conseguiram conhecê-los e uma grande parte delas acabaram adquirindo essas máquinas (...) Isso foi um grande início, esse contato”. O “movimento mil teares” era um rótulo para que a gente conseguisse trazer mil teares novos para Americana. Num primeiro momento isso não aconteceu, mas diluímos através da década de

Globalização e Mudanças na Cadeia Têxtil Brasileira 226

1990, superou, muito mais do que isso (...) acredito que mais de 2 mil teares novos . Uma sementinha que brotou bem (Ex-presidente da Fidam).

Das instituições de fora do cluster citadas pelos entrevistados cabe destacar a ABIT, que é a maior associação empresarial da CTC brasileira. Trata-se de uma instituição de fora do Cluster, mas que apoiou o SINDITEC e o movimento local em defesa da indústria têxtil na década de 1990 e mantêm parceria com o SINDITEC. A ABIT foi reconhecida pelos empresários têxteis locais como realmente atuante e dinâmica na defesa dos interesses do setor. Um médio empresário de Americana comentou de forma bastante franca a mudança de atuação da ABIT na última década: Hoje a ABIT ela até funciona, porque antes a ABIT, cá entre nós, era um local onde os empresários se encontravam para tomar whisky, mais nada, não faziam absolutamente nada. Depois da gestão do Paulo Skaf, você pega hoje, a moda brasileira é respeitada no mundo inteiro, os nossos estilistas são respeitados dentro do mercado deles, foi uma grande estratégia da ABIT nesse sentido (...).

No inicio da década de 1990, o SEBRAE foi coordenador da implantação da “Proposta SEBRAE/FIA (USP)” de Formação dos Pólos de Modernização Empresarial para Eficiência Coletiva no Cluster de Americana (Braunbeck, 1994). A proposta visava superar de forma conjunta as condições desfavoráveis de acesso das pequenas e médias empresas às tecnologias de produto, de processo e gestão. A Proposta do SEBRAE (SP) e da Fundação Instituto de Administração da Universidade de São Paulo (FIA-USP) foi aplicada em parceria institucional com o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) e com as seguintes instituições sediadas no cluster: SENAI; ACIA, Fatec; e SINDITEC. A proposta previa projetos de modernização para os três grupos de empresas (confecções, tecelagens e fações). Contudo, grosso modo, os três “pacotes” de projetos não saíram do papel (Braunbeck, 1994:60). O fracasso de mais uma tentativa de estabelecimento de relações cooperativas interfirmas no cluster na primeira metade da década de 1990 é atribuído tanto à falta de um meio institucional consolidado quanto à falta de confiança entre os agentes econômicos (Braunbeck, 1994; Souza et al, 2002a). Não podemos desconsiderar que tais iniciativas se deram dentro de um contexto extremamente difícil para o cluster, quando a crise têxtil se

Capítulo 12 - Conclusão: um cluster em recuperação e em busca da eficiência coletiva O cluster têxtil de Americana é um sistema em recuperação ainda em busca da sua eficiência coletiva. O cluster apresenta características de consolidação enquanto um aglomerado industrial, pelo seu nível de especialização, pela sua base tecnológica, pela presença de grande número de pequenas e médias empresas e pelo conjunto das instituições presentes, mas ainda com baixo nível de coordenação entre os agentes econômicos locais e ausência de um meio institucional consolidado, assim como de uma cultura empresarial cooperativa. Sem deixar de considerar que a crise e a mobilização dos agentes locais diante das fortes pressões competitivas imprimiu maior dinamismo ao cluster, gerou uma busca por novas estratégias individuais e coletivas, uma

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agravava, apesar de que a situação de crise pode ser salutar para as empresas em termos de busca de ações conjuntas e de formas inovadoras de produção e de articulação empresarial. Indagados sobre quais seriam as principais ações conjuntas e o papel das instituições locais no enfrentamento das pressões competitivas, as respostas foram reveladoras dos problemas enfrentados na década de 1990 e do grau de consciência da “racionalidade econômica da cooperação” (Souza et al, 2002a). As principais ações conjuntas mencionadas foram: a luta do SINDITEC pela imposição de cotas em 1995/96 e maior controle das importações (P3, P4, P11); o combate ao contrabando e à concorrência desleal (M3, G2); e o movimento mil teares (P8). Se a grave crise vivida pelo cluster têxtil de Americana ajudou a consolidar o SINDITEC, ele ainda está em processo de gestação como uma associação empresarial que representa o interesse coletivo do cluster. A emergência de instituições fortes e a consolidação do meio institucional passa pela mudança da cultura empresarial local. Alguns entrevistados confirmam essa necessidade imperativa para a obtenção da eficiência coletiva, demonstrando pensamento autocrítico de parte do empresariado têxtil local: “A desunião da classe não permite nenhum tipo de ação conjunta, mesmo em beneficio da própria classe” (P.3); “É preciso mudar a cultura empresarial. Atuar de forma cooperativa. A cultura empresarial ainda é individualizada” (P6); “Se for esperar juntar empresário tá difícil. Não tem união entre os empresários têxteis de Americana” (P11).

Globalização e Mudanças na Cadeia Têxtil Brasileira

maior consolidação da principal associação empresarial local, um aumento da consciência da necessidade de haver relacionamento cooperativo, assim como uma autocrítica do próprio meio empresarial em relação à falta de cooperação, uma tímida tendência de crescimento da cooperação vertical e a busca de políticas de fomento ao cluster articulando os setores público e privado. Há uma recuperação da produção no final da década de 1990 com os níveis de utilização da capacidade instalada em torno de 70% (SINDITEC, 2000). Dados das empresas da amostra indicaram 8 empresas (40%) trabalhando entre 60 e 80% e 12 empresas (60%) trabalhando entre 81 e 100%. Em relação à evolução do número de unidades produtivas do setor têxtil e confecção no conjunto das atividades industriais da Cidade de Americana na década de 1990, dados coletados na Secretaria de Planejamento da Prefeitura Municipal (referentes apenas às indústrias cadastradas do Município de Americana) indicam que houve uma redução percentual do número de unidades do setor têxtil e um aumento do número de unidades do setor de confecção entre o período de 1992 e 2000 (Tabela 15). Estes dados – pelo fato de serem da principal cidade do aglomerado onde se concentram cerca de 60% das empresas têxteis – demonstram que, em termos do número de unidades produtivas da cadeia têxtil e de confecção, no conjunto estes dois segmentos constituem a principal atividade industrial representando cerca de 66% da economia industrial local.

228 Tabela 15 Número de Unidades Produtivas da Indústria Têxtil e de Confecção No Conjunto das Atividades Industriais na Cidade de Americana-SP Período de 1992/2000 Ano Têxtil Confecção

Cadeia Têxtil + Confecção

1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000

654 706 762 804 833 887 896 944 980

492 533 568 573 566 598 579 589 599

(57%) (56%) (54%) (50%) (46%) (47%) (44%) (41%) (40%)

162 173 194 231 267 289 317 355 381

(19%) (18%) (19%) (20%) (22%) (23%) (24%) (25%) (26%)

(75,5%) (74%) (73%) (70%) (68%) (70%) (68%) (66%) (66%)

Total de Indústrias Cadastradas (100%) 866 958 1041 1144 1229 1272 1317 1421 1483

Fonte: Informativo Sócio-Econômico de Americana - Secretaria Municipal de Planejamento da Prefeitura Municipal de Americana.

[i] Upgrade na produção e fora da produção. A modernização do parque industrial do cluster se acelerou durante a década de 1990 em função da necessidade de ajuste rápido aos novos padrões competitivos internacionais. Os investimentos financeiros feitos entre 1991-1999 foram bastante altos, segundo dados do SINDITEC (2000) os investimentos somente no segmento de tecelagem somaram US$ 730 milhões. Os investimentos foram destinados basicamente à aquisição de novos equipamentos, mais eficientes e produtivos, não refletindo necessariamente aumento da capacidade instalada. Os investimentos feitos na modernização das tecelagens buscaram substituir os velhos teares com lançadeira pelos novos teares sem lançadeira136, mais adequados à produção de tecidos sintéticos.

136. Jato d’água, jato de ar, teares com projéteis e teares com pinças.

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A recuperação nos níveis de produtividade das empresas têxteis remanescentes não tem significado o mesmo ritmo de recuperação na criação de novos postos de trabalho e na abertura de novas firmas. O desemprego estrutural também faz parte da agenda do cluster. O processo de recuperação da atividade fabril elevou os níveis de automação das empresas remanescentes tornando difícil a retomada do emprego, além da crise ter baixado o piso salarial dos trabalhadores têxteis. Segundo o Estudo do IEL (2000: 330): “Houve um acordo entre a indústria e os trabalhadores no sentido de flexibilizar, de alguma forma, os salários. Com isso, o piso salarial baixou para 278 reais e o salário médio passou a 350 reais”. Além do novo acordo, que contribuiu para a competitividade das empresas, tem ocorrido somente a manutenção do salário real. O cluster têxtil tem buscado duplamente a superação de suas fragilidades, presentes desde o final da década de 1980, assim como a recuperação dos efeitos negativos provocados pela abertura abrupta do mercado (fechamento de empresas, desemprego, perda da receita dos municípios e crise social). Como foi enfatizado no primeiro capítulo desta parte, uma resposta estratégica das firmas agrupadas aos desafios da globalização e da liberalização deve ser apoiada na via alta para uma inserção ativa na economia global (Schmitz, 1999). A seguir, o trabalho busca avaliar as principais respostas estratégicas do cluster frente às pressões competitivas globais tendo como referência a via alta.

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O principal obstáculo, apontado pelo entrevistador, para a contínua modernização do cluster é a dificuldade de financiamento para as pequenas e médias empresas e a escassez de crédito no país. Este obstáculo se torna maior levando-se em conta que a melhoria contínua do parque torna as empresas praticamente dependentes da importação devido à globalização da indústria de máquinas têxteis. O alto custo do desenvolvimento tecnológico e a necessidade de escalas de produção são fatores que tem contribuído para tornar a indústria de máquina e equipamento têxtil cada vez mais concentrada mundialmente (IEL, 2000). No trabalho de campo foi constatado que os empresários percebem a necessidade de se investir na melhoria dos fatores capacitação empresarial, gerencial e dos funcionários, assim como marketing, design-moda e gerenciamento de marca. Alguns empresários sugeriram que deveria ser criada uma marca que identificasse os tecidos produzidos. Fazia parte dos planos do SINDITEC a criação de uma marca própria do cluster que identifique o produto local. Contudo, a proposta de criação de uma marca local, articulada à marca “guarda-chuva” TexBrasil da ABIT, não implica um investimento local no fator moda. Segundo o Assessor do SINDITEC: Isso está mais ligado à São Paulo, onde existe os grandes estilistas, Americana não tem isso daí, então Americana vai produzir exatamente em cima daquilo que a moda lá de fora, de São Paulo, dá para nós, então esse é o nosso programa. Dentro desse guarda-chuva. Nós queremos criar uma marca diferenciada pra Americana, tecido de Americana, tecido do pólo têxtil de Americana, dentro dessa TexBrasil (...) Mas isso tem que estar dentro desse guarda-chuva da ABIT.

Foi enfatizado anteriormente que o investimento em fatores como marketing, design-moda e gerenciamento da marca tem se tornado essencial para a maior competitividade da CTC. No cluster de Americana, com o boom de confecções na década de 1990, a promoção desses fatores passa também pelo investimento nos pólos de confecção local que deveriam estar articulados. Devido às características do segmento de confecção, extremamente pulverizado e marcado pela informalidade, fica difícil quantificar o número de empresas deste segmento no cluster. Há grande potencialidade na proposta de fomento às empresas pequenas e micro da indústria de confecção local, na articulação deste segmento aos outros agentes da cadeia têxtil local e no investimento em fatores como

marketing, design-moda e gerenciamento da marca. Uma política de fomento voltada para o segmento confecção/moda e uma articulação com toda a cadeia têxtil podem gerar condições para a produção local de um confeccionado de maior valor agregado além de contribuir para a geração de novos postos de trabalho. É preciso ressaltar que a Proposta SEBRAE/FIA (USP) de Formação de Pólos de Modernização (Braunbeck, 1994) já previa, no início da década de 1990, uma série de projetos voltados para a melhoria de fatores além da produção manufatureira. Os projetos eram agrupados por segmentos: [i] no grupo confecções: marca coletiva; show room permanente (este projeto foi um dos poucos que teve resultado); sala de criação de moda e biblioteca técnica; desenvolvimento e implantação de sistemas de gestão e controle gerenciais, inclusive capacitação de recursos humanos; [ii] no grupo das fações e das tecelagens: qualidade na fação; parceria saudável; desenvolva o cliente; capacitação técnica de recursos humanos; modernização e gerência; show room- centro de acolhida e orientação de clientes; cartela unificada de cores e lançamento coordenado de produtos; Bureau de modasdesenvolvimento de produtos; qualidade assegurada na tecelagem; capacitação técnica de recursos humanos (Braunbeck, 1994:59-60).

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[ii] Maior integração e coordenação da cadeia têxtil local. Cada vez mais a competitividade do setor têxtil-confecção passa a depender dos relacionamentos interfirmas ao longo da cadeia produtiva e não de empresas isoladas. A integração e a coordenação da cadeia produtiva local são elementos essenciais para a consecução da eficiência coletiva. Tentativas de implantação de projetos de modernização e outros projetos coletivos no cluster não esbarram apenas em entraves burocráticos e fiscais presentes no ambiente econômico. Enquanto não houver um meio institucional consolidado assim como um meio cultural cooperativo surgirão no cluster ações conjuntas que despontam apenas em situações emergenciais. Sem desconsiderar os efeitos negativos provocados pela globalização e a busca de uma inserção passiva na economia global que promoveu uma desarticulação das cadeias produtivas (Mattoso & Pochmann, 1998), o choque competitivo levou os principais agentes econômicos locais a uma ação conjunta e a uma mobilização reunindo os principais segmentos sociais. A convergência dos diversos agentes econômicos e sociais em defesa de uma causa comum, a defesa da indústria têxtil, promoveu uma articulação local. Os conflitos também emergiram com a defesa de interesses divergentes en-

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tre os segmentos têxtil e confecção. De qualquer forma o setor saiu do equilíbrio artificial vigente no período pré-abertura. Foi enfatizado que a mobilização no cluster ajudou a consolidar a principal associação empresarial no cluster: o SINDITEC. O grupo originário do atual SINDITEC nasceu dentro da ACIA como um departamento têxtil ainda na década de 1960. A consolidação do aglomerado têxtil levou o grupo de empresários têxteis da ACIA a fundar em 1989 o Sindicato das Indústrias de Tecelagem de Americana, Nova Odessa, Santa Bárbara e Sumaré. Houve uma discordância da parte do SINDITÊXTIL que alegou na justiça a inconstitucionalidade do Sindicato das Indústrias de Tecelagem da Região de Americana. Mas após disputa judicial o SINDITEC obteve reconhecimento definitivo em 1998 como representante legal da indústria têxtil do cluster. A associação empresarial local tem importante papel a desempenhar. Nesse sentido, o processo de consolidação do SINDITEC traz elementos para um meio institucional local mais forte e para o desenvolvimento da cadeia produtiva. A coordenação da cadeia local é fundamental para o sucesso do cluster na medida em que promove uma convergência de interesses dos diversos atores econômicos e das principais instituições representativas em torno de uma política industrial local e de uma estratégia empresarial coletiva. Nadvi (1999) argumenta que a associação empresarial pode desempenhar uma série de funções na promoção do cluster: promovendo a coordenação da cadeia, seja por meio de maior cooperação horizontal entre os produtores ou por meio de maior cooperação vertical para trás e para frente; melhorando a competitividade do cluster; institucionalizando os vínculos coletivos; sendo um fórum para o debate das necessidades e dos problemas comuns; formando grupos de discussão de temas específicos para interferir nas políticas governamentais frente aos novos desafios competitivos. A trajetória de consolidação do SINDITEC, fundado em 1990, nasce exatamente no processo de crise e de mobilização local. Sua gestação não poderia se dar em momento mais propício: o de enfrentamento de novos desafios. As estratégias empresárias locais foram, durante a década de 1990, defensivas num primeiro momento. As principais ações conjuntas, desencadeadas no período de crise e de mobilização, buscaram medidas de proteção comercial a fim de obter um “fôlego” para que as empresas pudessem rapidamente realizar o seu “dever de casa”. É preciso que as alianças estratégicas forjadas durante o período mais crítico da crise perdurem. Segundo o Secretário de Desenvolvimento Econômico de Americana:

Existem algumas ações da Acia, do SINDITEC, que vêm costurando essas alianças estratégicas visando tirar o máximo proveito da sinergia dos setores que são elos de uma mesma corrente - cadeia. Este trabalho esta sendo feito e com certeza vai dar resultados dentro de certo tempo.

[iii] Política Industrial e Política Comercial. A ausência de política industrial ativa e de mecanismos de proteção comercial durante a liberalização comercial foram dois fatores que contribuíram para os efeitos negativos verificados no cluster têxtil de Americana. A abertura indiscriminada e as novas condições nacionais significaram uma re-

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Para que haja a efetiva consolidação das instituições locais, enfatizado o papel fundamental da associação empresarial local (SINDITEC), fazse necessário a adesão consciente dos empresários têxteis. Segundo Souza et al (2002a), o surgimento de instituições fortes no cluster de Americana reclamam o interesse real do empresariado têxtil local em empreender a ação conjunta e a consciência da racionalidade econômica da cooperação, ou seja, um meio empresarial onde haja confiança entre os agentes econômicos e a pré-disposição para estabelecer vínculos cooperativos. Evidências de que há obstáculos a serem superados no meio cultural existem. Do universo das cerca de 700 empresas de tecelagem no cluster menos de 10% são filiadas ao SINDITEC. Das empresas da amostra somente 40% participavam diretamente de alguma atividade no SINDITEC (cooperação horizontal). Foi verificado na pesquisa de campo que havia uma tímida tendência de cooperação vertical (encadeamento para trás e para frente), com ações ainda pouco estruturadas, com 50% das empresas não desenvolvendo nenhum tipo de cooperação vertical. O cluster têxtil de Americana tem potencialidade porque pode ser considerado consolidado enquanto um agrupamento espacial de firmas setorialmente especializado. Mas, como argumentou Schmitz & Nadvi (1999), o sucesso de clusters industriais nos paises em desenvolvimento repousa no conceito de eficiência coletiva. Em suma, o sucesso do cluster de Americana em responder às fortes pressões competitivas globais repousa na sua capacidade para combinar competição e cooperação indo além das simples vantagens resultantes da situação de aglomeração industrial.

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dução da capacidade do Estado de planejar e comandar os destinos nacionais com o predomínio do processo passivo de inserção internacional (Mattoso & Pochmann, 1998). Segundo Humphrey & Schmitz (1996:1865), a experiência dos distritos industriais contribuiu para uma mudança dupla no debate sobre política industrial na Europa: primeiro, uma mudança em direção à descentralização, com maior destaque para o papel dos governos local e regional; segundo, uma mudança em direção a iniciativas conjuntas entre os setores público e privado enfocando temas específicos. No cluster têxtil de Americana desponta uma maior consciência da importância da política industrial e do uso de instrumentos de proteção comercial (salvaguarda e antidumping) para uma trajetória de crescimento. No período de crise e de mobilização em defesa da indústria têxtil, quando diversos agentes econômicos, políticos e sociais locais se articularam, unindo os setores público e privado, surgiram novos espaços locais e regionais de debate e de formulação de diretrizes, fonte para uma política industrial têxtil, como a criação do Conselho de Defesa da Indústria da Cidade de Americana em 1995, o Movimento Pró-Têxtil fundado em Americana em 1995, a Câmara Setorial Têxtil do Estado de São Paulo que foi instaurada em Americana em 1996. Estes novos espaços – onde também emergiram conflitos entre os segmentos têxtil e confecção – foram palco de debates sobre políticas de médio e longo prazo para o setor têxtil, assim como buscavam medidas emergenciais para conter a avalanche de tecidos importados. Há polêmica sobre os reais resultados destes novos espaços de debate. Segundo o Vice-Presidente do SINDITEC: “A Câmara Setorial não ajudou, pode ter sido uma boa intenção, mas de prático não surgiu nada”. A Frente Parlamentar de Defesa da Indústria Têxtil ainda é um espaço ativo na época coordenado pelo Deputado Federal Aldo Rebelo. Os novos espaços de discussão que surgiram na década de 1990, apesar de alguns transitórios, foram um momento de aprendizagem e amadurecimento de novas políticas e novas alianças em defesa do setor como um todo.

imagens da TECELAGEM BERETTA ROSSI, Santa Barbara D’Oeste - SP.

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CONCLUSÃO FINAL

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A intensificação da competição procedendo da globalização dos mercados e da liberalização comercial tem demandado o estabelecimento de laços mais cooperativos para as empresas que compõem os diversos pontos da cadeia da mercadoria. No caso particular da indústria têxtil e de confecção, vimos que as mudanças em curso na sua cadeia produtiva em nível mundial, desde as últimas décadas do século passado, têm levado a novos encadeamentos estratégicos globais e a novas formas de organização da produção. As respostas estratégicas das empresas têxteis dos países avançados, assim como suas políticas industriais e comerciais, foram analisadas no sentido de se entender mais adequadamente as tendências neste setor. As empresas da CTC dos países avançados têm buscado fazer frente ao acirramento da concorrência voltando-se para nichos de mercado mais lucrativos, produzindo produtos de maior valor agregado. Desta forma, tem sido dado maior ênfase aos produtos direcionados ou mais sensíveis ao fator moda, além dos investimentos em maquinário sofisticado e em novas fibras químicas. As principais respostas estratégicas das empresas dos países avançados têm sido buscar um sistema produtivo mais flexível e inovador, seja reestru-

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turando o processo produtivo, seja reorganizando a cadeia da mercadoria, de forma a responder ao mercado consumidor cada vez mais diversificado e exigente. Na busca de um sistema flexível e inovador a cooperação interfirmas se tornou um requisito fundamental, seja como uma forma de responder com rapidez e de forma flexível às demandas do mercado consumidor, seja como uma forma de difusão de informações dentro da cadeia gerando novos processos organizacionais que possibilitem melhor coordenação das empresas interligadas. A capacidade das empresas do setor têxtil e de confecção de manter-se competitiva dentro do novo cenário tem dependido cada vez mais dos laços estratégicos entre as diversas empresas que formam a cadeia da mercadoria. A intensificação da competição com a globalização dos mercados e a necessidade de um sistema produtivo mais flexível e inovador tem colocado cada vez mais para as empresas do setor têxtil e confecção a necessidade de estabelecer relações interfirmas mais cooperativas. A competitividade do setor passa cada vez mais a depender do desempenho da cadeia produtiva ou da rede de empresas e não mais da empresa isoladamente. As alianças estratégicas e os projetos de cooperação interfirmas têm se tornados essenciais para a competitividade das empresas da CTC. A tendência tem sido a formação de encadeamentos estratégicos entre as empresas com o novo padrão de concorrência no setor apontando para uma maior integração das empresas como parte de segmentos distintos da cadeia. O processo de globalização implica integração funcional ou integração competitiva dos diversos nós ao longo da cadeia da mercadoria, assim como pede uma coordenação eficiente da cadeia (Gereffi & Korzeniewicz, 1994). É dentro deste contexto que tem se dado a reconfiguração do setor têxtil e de confecção brasileiro, fazendo frente aos desafios colocados pela globalização. Baseado no pressuposto de que há uma série de mudanças em curso no setor têxtil e de confecção, argumentamos que as principais respostas estratégicas das empresas deste setor no Brasil têm se constituído em um processo de reconfiguração produtiva e institucional. Os impactos imediatos da globalização dos mercados e da liberalização comercial sobre o setor têxtil-confecção brasileiro foram de forte crise e de conflito entre agentes e segmentos da cadeia. Mas ao final da década de 1990 o setor já apresentava sinais claros de recuperação de sua capacidade produtiva, apesar de à custa de uma maior concentração industrial e de um aumento assustador do desemprego, principalmente no setor têxtil (tecelagem). As novas estratégias de médio e

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de longo prazo que vêm sendo formuladas, sejam no âmbito das próprias entidades empresariais, sejam em parceria com órgãos estatais nos novos fóruns estabelecidos no período recente, têm demonstrado um amplo processo de reconfiguração produtiva e institucional. As novas estratégias empresariais e os novos espaços públicos de negociação têm colaborado na construção de uma nova relação entre os empresários do setor e o Estado. A reconfiguração produtiva tem sido verificada nos altos investimentos em modernização industrial feitos pelo setor têxtil no período analisado, buscando reverter o atraso tecnológico no setor. Investimentos estes feitos particularmente pelas grandes empresas da subcadeia do algodão, as mais competitivas e líderes na cadeia brasileira, o que tem levado a uma maior concentração industrial no setor têxtil. O fato de a globalização ter gerado maior concentração industrial no setor reforça a tese que as alianças estratégicas empreendidas pelas grandes empresas colaboram para que estas se tornem fortes centros de poder e que as pequenas e médias empresas tendem a ficar sob controle das grandes. Como foi enfatizado por Castells (2000: 178), longe do declínio da grande empresa, o que se verifica é a crise do modelo corporativo tradicional baseado na integração vertical e no gerenciamento hierárquico. A reconfiguração institucional se dá na medida em que o empresariado têxtil nacional passa a perceber a necessidade de mudanças no modelo organizacional. A reconfiguração institucional tem sido constatada na mudança de postura e no fortalecimento da maior entidade empresarial do setor têxtil brasileiro, a ABIT: primeiro, a entidade tem agregado empresas dos diversos segmentos da cadeia, desde os produtores de fibras manufaturadas até os produtores de confeccionados com marca própria, ampliando o leque de articulação da instituição ao longo da cadeia; segundo, tem formulado novas estratégias de médio e longo prazo, tais como, a ênfase nos segmentos finais da cadeia (Confecção e Moda), a ênfase na exportação de produtos de maior valor agregado e a defesa de uma maior integração competitiva das empresas ao longo da cadeia; particularmente o incentivo ao estabelecimento de parcerias estratégicas entre todos os nós da cadeia têxtil, em particular as parcerias com a indústria da moda brasileira. Sendo que, é preciso enfatizar, a ampliação do leque de articulação da ABIT ao longo da CTC nacional tem se dado a partir de seu abrangente programa estratégico (TexBrasil) e também da formação de inúmeras comissões setoriais que debatem e buscam soluções para os diversos segmentos que compõem a complexa cadeia.

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As principais estratégias da ABIT refletem, em grande parte, as principais tendências globais, quais sejam: a defesa da integração das empresas que formam a cadeia da mercadoria; a valorização da indústria da moda, o elo que puxa toda a cadeia e que agrega valor ao produto final, além de diferenciar os produtos confeccionados (diferenciação com design nacional); e por fim, a ampliação da exportação de produtos de maior valor agregado. O investimento estratégico no setor de confecção e moda tem adquirido um duplo papel, seja por agregar valor ao produto final, seja pelo seu potencial papel na geração de emprego, o que tem contribuído para que muitas ações do setor empresarial têxtil sejam empreendidas em parceria com órgãos estatais. O apoio e a parceria da Agência de Promoção das Exportações (APEX) aos projetos da ABIT que buscam o desenvolvimento do segmento de confecção-moda brasileiro caminham neste sentido, por contribuir tanto para uma maior integração competitiva entre os elos da cadeia quanto para superação do grave problema do desemprego no setor, já que os segmentos finais são relativamente intensivos em trabalho. A nova situação de mercado tem impulsionado os empresários têxteis a buscarem novas relações interfirmas e uma maior integração na cadeia da mercadoria. Nesse sentido, o setor têxtil e de confecção brasileiro vêm buscando, não apenas uma reestruturação produtiva de forma a se ajustar ao novo contexto competitivo, mas também novos mecanismos de coordenação da cadeia. Contudo, apesar de as metas parecem claras para o empresariado têxtil - ênfase na exportação de produtos de maior valor agregado e maior integração das empresas que formam a cadeia - os principais obstáculos estão no meio cultural e no meio institucional. O meio empresarial ainda carece de uma cultura suficientemente cooperativa alicerçada na confiança entre os agentes econômicos e na consciência da racionalidade econômica da cooperação. Laços estes que possam sustentar a construção dos novos encadeamentos estratégicos e efetivamente possibilite novos mecanismos de coordenação da cadeia. Os obstáculos estão nas relações fortemente hierarquizadas típicas do tecido industrial brasileiro (Abramo & Abreu, 2000) e em particular nas formas dominantes de integração intrafirma típicas do setor têxtil brasileiro, ou seja, um dos principais obstáculos à cooperação entre as empresas está no próprio desenho da cadeia têxtil brasileira. Os obstáculos no meio cultural se interligam aos do meio institucional gerando instituições fracas. Conforme enfatizado por Nadvi (1999), somente instituições empresariais fortes, tanto no âmbito na-

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cional quanto no âmbito local-regional, podem facilitar a ação coordenada entre as empresas, assim como transformar a cooperação empresarial descentralizada em um empreendimento institucional. A indústria têxtil brasileira é reconhecidamente uma indústria tradicional. As metamorfoses vividas neste setor desde a década de 1990 em função da abertura de mercado ainda são recentes. E mais recente ainda são os sinais de um processo de mudança na cultura empresarial com o novo discurso institucional da ABIT preconizando a cultura cooperativa em meio a uma cultura tradicionalmente hierárquica, uma importante questão para pesquisa futura. Como a literatura internacional demonstra, mesmo que as empresas têxteis brasileiras cooperassem entre si ou atuassem como parceiras de forma ampla buscando responder aos novos desafios postos, a cooperação interfirmas e as alianças estratégicas entre as empresas não pressupõem que haja automaticamente uma igualdade na divisão de tarefas ou de competências (Moniz & Kovács, 2001). A concentração industrial aumentada devido ao próprio processo de globalização pode levar ao mesmo tempo tanto a uma maior cooperação estratégica com a formação de redes de empresas na cadeia nacional quanto a um maior domínio das grandes empresas. Baseado na hipótese de que há um processo de reconfiguração produtiva e institucional no setor têxtil e de confecção brasileiro, o trabalho investigou em que medida a cooperação interfirmas concretizava-se no Pólo Regional de Americana-SP, assim como quais foram as ações e as reações do empresariado têxtil local no enfrentamento das pressões competitivas globais. A investigação no cluster de Americana mostrou que os impactos do processo de globalização dos mercados e da liberalização comercial foram mais dolorosos no cluster, seja pela própria situação de aglomeração industrial onde em torno de 60% da economia local era predominantemente têxtil; seja pela especialidade das empresas têxteis, tecidos artificiais e sintéticos, a mesma especialidade dos fortes concorrentes asiáticos; seja pelo alto grau de obsolescência industrial e empresarial; seja pela conjuntura macroeconômica nacional desfavorável; seja pela ausência tanto de políticas industriais ativas quanto de um uso adequado de mecanismos de defesa comercial. A grave crise têxtil no cluster da Região de Americana, vivida pelas empresas, pelos trabalhadores e pela sociedade local na década de 1990, impulsionou um processo de reconfiguração produtiva e institucional. Os altos investimentos na reversão do quadro de obsolescência tecnológica local têm sido concentrados, em grande parte, nas médias e grandes empresas, as

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mais capitalizadas. Houve uma destruição de grande parte das pequenas empresas (a maioria façonista), as mais obsoletas e as mais frágeis no enfrentamento das fortes pressões competitivas. Apesar de haverem pequenas empresas dotadas de bom nível de atualização tecnológica. Mas, em termos gerais, também em Americana a reestruturação produtiva foi concentrada, em grande parte, nas grandes e médias empresas provocando uma maior concentração industrial. Em termos de reconfiguração institucional, a própria situação de crise levou a uma mobilização empresarial articulando amplos setores da sociedade local e regional. Esta mobilização empresarial emergencial foi articulada e liderada pela principal associação empresarial local, o SINDITEC, que havia sido fundado no inicio da década de 1990, junto com a abrupta aberta comercial. O SINDITEC teve, com o enfrentamento das fortes pressões competitivas globais e na mobilização em defesa da indústria têxtil, a oportunidade de iniciar um processo de consolidação institucional no meio empresarial têxtil local, assim como de formular novas estratégias empresariais nos novos espaços de negociação que foram sendo abertos no processo de enfrentamento da crise do setor. Nadvi (1999) salienta que a associação empresarial local tem um importante papel a desempenhar nos clusters. No caso de Americana, o fortalecimento da principal associação empresarial têxtil local no enfrentamento dos novos desafios e seus projetos estratégicos (articulados a outras entidades locais e regionais, publicas ou privadas de apoio ao cluster) tem significado: primeiro, o início de um processo de consolidação da entidade enquanto potencial instituição coordenadora da cadeia local; segundo, um meio institucional mais forte contribuindo para a obtenção da almejada eficiência coletiva. Conclui-se que, após o choque competitivo da década de 1990, o cluster de Americana constitui-se em um sistema em recuperação, com as principais empresas remanescentes alcançando bons níveis de produtividade, mas com seus principais agentes econômicos ainda em busca da eficiência coletiva. A conclusão principal é que a intensificação da competição levou a principal associação empresarial do setor, a ABIT, a proferir um novo discurso institucional em defesa de uma maior integração competitiva ao longo da cadeia, contudo, a análise do caso de Americana mostrou que a concretização da cooperação interfirmas no ambiente empresarial têxtil ainda enfrenta obstáculos no meio institucional e no meio cultural.

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A potencialidade do cluster está na sua atmosfera industrial fruto da situação de aglomeração industrial. Mas os principais agentes econômicos locais e as principais lideranças do SINDITEC ainda buscam as vantagens oriundas da ação coletiva. A própria situação facilitou a mobilização empresarial emergencial contra a abertura comercial abrupta, contudo, as simples vantagens externas da situação de aglomeração não são suficientes para enfrentar os desafios maiores que se colocam com a globalização e que demanda uma ação conjunta duradoura ou institucionalmente sólida. O que diferencia um cluster de um distrito industrial é a eficiência coletiva, ou seja, a combinação das vantagens oriundas da simples aglomeração de firmas com as vantagens oriundas da ação coletiva. Existindo aglomeração de empresas provavelmente surgirão vantagens externas (eficiência coletiva passiva), se emergirá a cooperação entre as empresas (eficiência coletiva ativa) somente a pesquisa empírica dirá (Humphrey & Schmitz,1996). A evolução da situação de simples aglomeração industrial para um distrito industrial ou para um cluster maduro implica tanto o surgimento de formas de colaboração entre os agentes econômicos locais quanto o surgimento de fortes associações setoriais. O caso de Americana mostrou que ainda é problemático o estabelecimento da cooperação interfirmas na cadeia têxtil - confecção brasileira devido à dificuldade dos agentes econômicos locais perceberem a racionalidade econômica da prática cooperativa e à cultura ainda bastante individualizada. Junto com o upgrading na produção e fora da produção, o cluster têxtil de Americana demanda tanto uma maior consolidação do seu meio institucional quanto uma mudança na cultura empresarial local. Mas é preciso considerar que permanece no cluster a busca da eficiência coletiva e que este fato é essencial. Somente um meio institucional consolidado marcado por instituições empresariais fortes e um meio cultural onde predomine a idéia de que há racionalidade em combinar competição com cooperação interfirmas podem desenvolver as potencialidades locais trazendo a eficiência coletiva para o cluster. A perspectiva da via alta para uma inserção ativa na nova economia global fornece oportunidade para uma reflexão das respostas estratégicas das empresas dos países avançados em comparação com as respostas das empresas dos países em desenvolvimento – onde se insere o caso brasileiro e o de Americana particularmente. Ficou claro que o upgrading das empresas não pode ficar restrito ao processo produtivo apesar de ter sido fundamental e urgente

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para superar o alto grau de obsolescência do parque industrial têxtil brasileiro. Mas o maior enfoque nas atividades mais intensivas em conhecimento, tais como, o design, o marketing, o gerenciamento da marca própria e a formação dos trabalhadores e dos gerentes, se tornaram atividades essenciais. O que já vem sendo feito pelas empresas líderes dos paises avançados. Os grandes diferenciais da via alta em relação à via baixa são: primeiro, a integração competitiva que valoriza os encadeamentos estratégicos para trás e para frente entre as empresas da cadeia em uma cooperação setorial regional ou local, assim como uma maior cooperação horizontal; segundo, a valorização de produtos de maior valor agregado mais intensivos em conhecimento; e terceiro, a construção de uma nova relação entre o setor empresarial e o Estado por meio de novos espaços públicos de negociação e de formulação de políticas públicas (industrial e comercial), convergindo as estratégias empresariais com as políticas públicas de fomento ao dinamismo industrial de forma a apoiar uma inserção mais ativa no novo contexto econômico mundial. Mas o grande desafio para a obtenção da via alta para uma inserção competitiva está na coordenação da cadeia que pede o envolvimento de todos os agentes econômicos. Em síntese, nossa conclusão final é que as fortes pressões competitivas globais na década de 1990 impulsionaram as principais empresas do setor têxtil e de confecção brasileiro a buscarem novas estratégias onde a cooperação interfirmas se tornou um elemento central no novo discurso empresarial da principal entidade representativa do setor. A análise do caso do cluster de Americana mostrou que há obstáculos no meio cultural e institucional para uma maior integração competitiva das empresas. Analisado as relações interfirmas em um contexto de mudança, ou sob uma perspectiva dinâmica, concluimos que: primeiro, emergiu uma ação conjunta emergencial frente ao acirramento da concorrência em uma mobilização empresarial inédita, ou seja, houve cooperação interfirmas, apesar de em uma situação crítica, onde a própria situação de aglomeração facilitou esta mobilização; segundo, apesar do caráter emergencial da ação conjunta, o processo de enfrentamento dos novos desafios contribuiu para uma maior consolidação da principal associação empresarial têxtil local (SINDITEC) enquanto agente articulador no fomento ao dinamismo da indústria têxtil regional; terceiro, com a própria situação de crise e a mobilização empresarial criaram-se novos espaços de negociação e de formulação de políticas públicas industriais no âmbito local e regional; quarto, passou-se a utilizar mecanismos de defe-

sa comercial (salvaguarda transitória) de forma mais ativa; quinto; apareceram sinais de uma maior consciência da necessidade de laços mais cooperativos interfirmas, ainda que o crescimento dos laços cooperativos verticais e horizontais seja tímido, assim como surgiu - no próprio ambiente local - empresários têxteis com um pensamento crítico em relação ao comportamento individualista de muitos agentes econômicos.

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