Globalização e o Comércio Internacional no Direito da Integração

June 28, 2017 | Autor: Eduardo Gomes | Categoria: direito Internacional público, Direito da Integração, Comércio Exterior
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Eduardo Biacchi Gomes Tarcísio Hardman Reis (Organizadores)

São Paulo 2005

Copyright © 2005 Coordenadora: Yone Silva Pontes Diagramação: Luiz Fernando Romeu e Nilza Ohe Ilustração de capa: Ana Carolina Sá Revisão: Wilton Vidal de Lima Impressão e acabamento: Graphic Express

2005 Proibida a reprodução total ou parcial. Os infratores serão processados na forma da lei.

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Sumário

Prefácio ........................................................................................

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Apresentação ...............................................................................

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Parte I – Direito da Integração O Brasil e o Processo de Formação de Blocos Econômicos: Conceito e História, com Aplicação aos Casos do Mercosul e da Alca Paulo Roberto de Almeida Anotaciones Preliminares Sobre La Incompatibilidad Entre El Ordenamiento Juridico Del Mercosur Y Las Disposiciones Nacionales Argentinas Sobre Derechos a Las Exportaciones................ Alejandro Daniel Perotti

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A Integração Econômica, o Mercosul, a Comissão Européia e o Presidencialismo ........................................................................... Luís Alexandre Carta Winter

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A Contribuição de Macrorregiões para a Construção da Paz: Uma Perspectiva de Análise .................................................................. Rodrigo Tavares

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Atores Políticos e Grupos de Interesses no Mercosul................... Marcelo Fernandes de Oliveira

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Parte II – Direito Internacional Econômico Os Acordos Stand-by com o FMI e a Competência Internacional do Ministério da Fazenda.............................................................. 139 Valério de Oliveira Mazzuoli

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O Novo Código Civil e as Sociedades Estrangeiras ...................... 183 José Gabriel Assis de Almeida El Fin de la Teoria de Bernardo de Irigoyen. Aparecen las Sociedades Argentinas............................................................................ 191 Luis Alejandro Estoup A Livre Circulação de Trabalhadores na Comunidade Européia e no Mercosul ................................................................................... 203 Rômulo Silveira da Rocha Sampaio e Marco Antônio César Villatore Aspectos Jurídicos da Criação de um Sistema Monetário para o Mercosul ........................................................................................ 235 Tarcísio Hardman Reis Parte III – Direito Internacional do Comércio Embraer versus Bombardier, a Anatomia de um Caso .................. 251 Jorge Fontoura Perspectivas para as Negociações Comerciais Multilaterais: A Reunião Ministerial de Cancún ..................................................... 267 Welber Barral Dumping Social e o Direito do Trabalho ....................................... 285 Carina Frahm e Marco Antônio César Villatore O Comércio Eletrônico e a OMC .................................................. 325 Roberto Chacon de Albuquerque Alca e União Européia: Interesses Específicos e Gerais da Política Econômica Brasileira..................................................................... 347 Frederico Augusto Monte Simionato O Processo de Integração Hemisférica do Continente Americano e os Interesses dos Países Periféricos ............................................ 365 Eduardo Biacchi Gomes

Prefácio

Though the encouragement of exportation and the discouragement of importation are the two great engines to enrich every country, yet with regard to some particular commodities it seems to follow an opposite plan: to discourage exportation and to encourage importation. The ultimate object of this strategy, however, is always the same, to enrich the country by an advantageous balance of trade.1 A transcrição com que iniciamos o presente prefácio poderia ser de documento ultramoderno, consoante ao espírito da época em que vivemos. Porém, trata-se de fragmento de texto do século XVIII, do Livro IV de A Riqueza das Nações, de Adam Smith. A percepção dos prodígios do comércio internacional, tão decantados nestes tempos de multilateralismo e liberalismo, é, no entanto, tão antiga quanto as raízes iluministas da Escola Clássica, que embasou o advento da burguesia ao poder político e a conseqüente queda do absolutismo real. Antes do aparecimento e do ocaso dos muros feitos de concreto e de ideologia que separavam a Europa do 2º pós-Guerra, refletindo o bipolarismo irredutível e intransigente de um ciclo perdido da História 1

Ainda que o encorajamento às exportações e o desencorajamento às importações sejam os dois grandes motores para enriquecer todos os países, no que tange alguns produtos, no entanto, parece seguir-se um plano contrário: desencorajar exportações e encorajar importações. O objetivo fundamental dessa estratégia, entretanto, é sempre o mesmo: enriquecer o país por meio de uma vantajosa balança comercial.

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contemporânea, houve quem demonizasse a mais valia e o lucro, este considerado câncer social. Eram tempos de dialética e de materialismo histórico, que parecem hoje tão irreais, como o são a própria execração do lucro, a demência da inquisição ou a certeza de que a terra é o centro do universo. A evolução da sociedade e de suas instituições tende a preceder a elaboração jurídica. Com o comércio, não foi diferente. Seu desenvolvimento foi anterior à sua normatização e até mesmo à sua elaboração doutrinária. A origem eminentemente empírica, no entanto, não lhe subtraiu valor social, como inquestionável fator de desenvolvimento, hoje, pacificamente aceito aquém e além dos meridianos e das paralelas, na avassaladora construção da “praça do mundo”. As fontes do civil law podem sempre ser buscadas na clássica antigüidade romana, quando o mare nostrum já ligava diferentes pontos de mercancia. Os romanistas, porém, apresentam teorias dissonantes em face da existência de direito comercial em tal época. De toda sorte, a carta de crédito é exemplo lapidar de direito comercial avant la lettre, aperfeiçoado posteriormente na revolução comercial, com o florescimento mercantil e com as grandes navegações a serviço do comércio europeu. A criação de estruturas semelhantes a bancos comerciais e a popularização dos títulos de crédito fomentaram as práticas mercantis já na baixa Idade Média. Porquanto reveladas as vantagens do comércio, impossível restringir-lhe o desenvolvimento. Nesse ímpeto, as potências marítimas do século XV e XVI excursionaram pelos “mares nunca dantes navegados”, em busca de riquezas para as metrópoles. Estava irremediavelmente em curso a Revolução Comercial emulada por sua doutrina: o mercantilismo. Na América descoberta, as práticas mercantilistas significaram subordinação aos desígnios da metrópole. Na divisão internacional do trabalho correspondia-lhe o fornecimento de matérias-primas, produzidas no modelo de plantation, com a monocultura, o trabalho escravo e a exploração latifundiária e predatória dos recursos coloniais. Conquanto fosse comércio, tal ciclo não ensejou vantagens comuns ou interesse social. Pelos tortuosos caprichos da História, constituiu fator de empo-

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brecimento coletivo, tanto da colônia explorada quanto da metrópole exploradora, o que se inculcou no subdesenvolvimento ibérico, fadado a perdurar até a União Européia e seus generosos fundos comunitários, já em nossos dias. Enquanto os princípios do mercantilismo eram aplicados na América e, em menor escala, na Ásia, a Europa inovava nas tratativas comerciais internas, que envolviam países do próprio Continente. O Tratado de Methuen de 1703, conhecido como Tratado de Panos e Vinhos, é marco de inflexão comercial e política. Portugal e Inglaterra vinculavam-se ao comércio bilateral, no qual portugueses tornavam-se vendedores quase exclusivos de vinho no mercado inglês, e ingleses, por sua vez, adquiriam exclusividade na venda de manufaturados têxteis no mercado português. Claro que as conseqüências, mercê da abundância do ouro luso de lavra colonial, geraram grande impacto na economia européia. Quando ainda não se falava em valor agregado, viuse rapidamente erigir o industrialismo britânico, com o avanço tecnológico dos teares, o desenvolvimento dos parques fabris e o surgimento do capitalismo e de todos os seus consectários. Quanto aos vinhos portugueses, com valor crescentemente aviltado, continuaram sempre artesanais, de produção rudimentar, ao sabor pleno do paladar britânico. No século XVIII, as teorias econômicas promotoras do comércio como instrumento indispensável do desenvolvimento, formalmente, começaram a aparecer. Superando em alguns pontos os fisiocratas franceses, defensores da natureza como fonte de riqueza, e complementando-os em outros, as idéias clássicas de Adam Smith e David Ricardo apontavam novos caminhos para o crescimento econômico por meio do livre comércio e da não-intervenção governamental. Desse modo, inaugurava-se com os pensadores clássicos, aos quais se pode também incluir Jean-Baptiste Say, Stuart Mill e Robert Malthus, a ciência econômica das teses liberais. Adam Smith, nascido na Escócia de 1723, dedica-se à filosofia e a pesquisas doutrinárias na Inglaterra e na França antes de redigir a teoria de sua obra principal: Uma Pesquisa sobre a Natureza e as Causas da Riqueza das Nações, publicada em 1776, mesmo ano da Declaração de Independência dos Estados Unidos da América. Tomando em conta

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o devenir político-econômico, difícil saber, de fato, qual dos dois documentos teve maior repercussão e influência histórica. A teoria de Smith versa, basicamente, sobre o crescimento defendido como atribuição inerente aos homens, e não aos governos, que se deveriam abster de intervir na economia, de modo a permitir a existência de competitividade. Para Adam Smith, a presença do Estado em domínios alheios à manutenção da segurança militar e de certas instituições públicas, e à administração da justiça seria inútil e prejudicial. O verdadeiro fator de crescimento estaria condicionado aos homens agindo de acordo com seus próprios interesses, o que, inevitavelmente, levaria à realização do interesse geral e coletivo. Ao enfatizar que uma apropriada divisão da mão-de-obra pela sociedade contribuiria para o aumento da produtividade e, por conseguinte, para a Riqueza das Nações, vez que cada um se especializaria naquilo que melhor soubesse fazer, Adam Smith lançava as sementes que germinariam na obra de David Ricardo e na consolidação da idéia da divisão internacional do trabalho. Tal concepção iria constituir-se em justificativa basilar da utilidade social do comércio internacional, como hoje se concebe. De descendência abastada e prodigioso negociador da bolsa de valores, David Ricardo cedo acumulou fortuna a lhe permitir dedicação à literatura, à ciência e à economia. Influenciado pelas idéias liberais, elaborou o que se pode denominar teoria clássica do comércio internacional, com base no princípio das vantagens comparativas, defendendo ser a troca de mercadorias vantajosa para os parceiros, desde que cada um se especializasse naquilo em que seus custos fossem menores. Seu padrão de comércio, portanto, seria a especialização e a fonte da vantagem comparativa, a produtividade do trabalho. A turbulência do século XX e de suas guerras mundiais impediriam, até 1945, o avanço do comércio internacional. A destruição européia e asiática, resultado catastrófico dos totalitarismos, contribui fortemente para o bipolarismo, que dividiu ideologicamente o mundo e construiu barreiras também ao comércio. A idéia da auto-suficiência, da intervenção e do dirigismo estatal dos regimes socialistas demonizou a

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idéia de liberalização do comércio internacional, com o protecionismo sendo levado a seu paroxismo. A reorganização mundial proposta pelas nações aliadas, após a 2ª Guerra, à exceção da União Soviética, consubstanciada em tratados institutivos de organizações internacionais vocacionadas ao projeto de manutenção da paz, como as Nações Unidas, vinculavam ao desenvolvimento econômico o livre comércio entre as nações. Voltava-se, portanto, aos conceitos de Smith e Ricardo para recuperar sociedades e mercados abalados por conflagrações mundiais. Novas teorias do comércio internacional ganharam destaque. Os neoclássicos Hecksher e Ohlin reformularam as vantagens comparativas de David Ricardo, destacando a dotação dos fatores de produção como elemento a determinar o produto a ser exportado com maior eficiência. Seguiram-se generalizações dessas idéias, que buscaram explicar o comércio interindustrial e intra-industrial. Porém, em que pesem as diversidades doutrinárias e a sutileza de seus detalhes, formavase o consenso irrefutável: o principal mecanismo de desenvolvimento é e deve ser o comércio. As relações diplomáticas, até então restritas a temas de high politics, incorporaram o comércio à agenda internacional. A assinatura do Gatt, em 1947, conduzia à idéia-força de sua organização multilateral, implementada por sucessivas rodadas de negociações, e à criação da Organização Mundial do Comércio, em 1995, com todo seu repertório de novidades. Nessa dinâmica, o aparecimento e consolidação de blocos econômicos e de concepções do regionalismo aberto, pautadas por liberalismo à outrance, embora pareçam refletir pós-modernidade surpreendente, na verdade, reportam e resgatam concepções tão antigas quanto o mercantilismo, a reação fisiocrata e a Escola Clássica Liberal. Afinal, laissez faire, […] laissez passer, le monde va de lui même. Jorge Fontoura

Apresentação

O Direito Internacional, neste começo de século, ganha destaque notadamente em face da nova realidade mundial que se aproxima. Os Estados não podem mais, de forma isolada, buscar alternativas para o desenvolvimento, tornando-se interdependentes entre si. Através dessa nova redefinição da ordem mundial, o Direito Internacional surge como a principal ciência apta a enfrentar os desafios desse “admirável mundo novo” que se avizinha, pois nunca foi necessário a existência de um regramento internacional como agora, principalmente porque tornam-se cada vez mais próximas as relações econômicas e comerciais entre os Estados, blocos econômicos e organizações internacionais. A formação dos blocos econômicos, processo que ganha destaque a partir do pós-guerra, é de extrema importância para compreender a nova realidade mundial e os próprios interesses brasileiros em relação à condução das políticas no âmbito do Mercosul e da Alca. Assim o Direito da Integração, examinado à luz dos paradigmas do Direito Internacional Público e do Direito Comunitário, bem como seus reflexos nas esferas econômicas e comerciais, é essencial para que se possa compreender o tema. No dia-a-dia da integração existem temas relevantes a serem debatidos, como por exemplo, a necessidade de uma maior compatibilidade entre as normas nacionais dos Estados, diante das normas emanadas do bloco econômico. No plano jurídico da formação dos blocos econômicos, destacam-se os estágios de integração econômica, bem como os seus mecanismos de funcionamento, oportuno, pois, que seja feito um paralelo entre esses e os Estados, em relação aos órgãos de representação.

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Comércio e guerra são temas correntes neste século, assim, relevante debater sobre os mecanismos de manutenção da paz mundial, neste passo, a formação de macrorregião torna-se preponderante. Negociar a integração é primordial, o que torna necessária a existência de estratégias diplomáticas. Como a integração depende da vontade política dos Estados, a cooperação é elemento essencial para o sucesso das negociações. No plano econômico, a interdependência, cada vez maior das nações periféricas diante dos agentes financeiros internacionais, como é o caso do Fundo Monetário Internacional e os procedimentos de negociação dos acordos stand-by, nos levam a uma nova realidade: o questionamento da constitucionalidade dos referidos acordos. Verifica-se, cada vez mais, que as legislações comerciais vêm a se tornar harmônicas, com vistas a promover a adequação ante as empresas estrangeiras. Neste sentido, destaca-se a temática sobre a livre circulação de trabalhadores nos espaços econômicos integrados. Finalmente, importante destacar a tão propalada criação de uma moeda única no âmbito do Mercosul, buscando-se, quiçá, o modelo ideal para o projeto. No comércio internacional o multilateralismo econômico, representado pelas negociações junto à Organização Mundial do Comércio e pela defesa dos interesses das nações periféricas ganha destaque. Novos temas passam a ser debatidos, como a questão do dumping social. No plano das soluções de controvérsias, o sistema da própria organização tem obtido, cada vez mais, um destaque no sentido de tentar eliminar as distorções do comércio internacional. Trata-se do emblemático caso que envolveu as grandes empresas de aviação comercial: Embraer e Bombardier. As relações diplomáticas do Brasil e do próprio Mercosul com outros Estados e blocos econômicos, como é o caso da União Européia, é política primordial a ser adotada pelo governo brasileiro e, neste passo, imprescindível destacar os interesses do nosso Estado nesse âmbito. Finalmente, o projeto da criação da Associação de Livre Comércio das Américas (Alca) que, cada vez mais, vem sendo debatido

Apresentação

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nos meios nacionais ganha destaque, no sentido de, efetivamente, verificar os benefícios, riscos e oportunidades que podem advir não só ao Brasil, mas aos países periféricos e ao próprio Mercosul com essa integração. A presente obra reúne renomados atores do mundo jurídico e especialistas em Direito Internacional e em Relações Internacionais. Dividiu-se em três grandes temas que são, a nosso ver, considerados como relevantes ao Direito Internacional deste século. Trata-se de uma obra inovadora, que traz à baila o exame de temas pontuais para a sociedade internacional contemporânea. O projeto terá continuidade, na medida em que novos livros surgirão, sempre buscando-se o rigor acadêmico, através da seleção de artigos de renomados atores, que reflitam a realidade mundial, abordando outros temas relevantes ao Direito Internacional e às Relações Internacionais. Esta obra, assim como as futuras, servirá de valioso instrumento aos pesquisadores, acadêmicos, professores e profissionais do Direito, com vistas a melhor compreenderem a nova ótica do Direito Internacional. Curitiba, fevereiro de 2005. Eduardo Biacchi Gomes Doutor em Direito – UFPR

Tarcísio Hardman Reis Doutorando pela Université de Lausane

Parte I – Direito da Integração

O Brasil e o Processo de Formação de Blocos Econômicos: Conceito e História, com Aplicação aos Casos do Mercosul e da Alca Paulo Roberto de Almeida1 Agrupamentos Econômicos e Blocos Comerciais: Definição e História Embora a designação de “bloco regional” possa ser aplicada a qualquer grupo de países vinculados pela contigüidade geográfica (blocos asiático, africano ou latino-americano) ou ligados por acordos intergovernamentais, de tipo econômico ou político, o termo, em sua acepção restrita, refere-se usualmente aos agrupamentos de caráter comercial resultando de um projeto político integracionista. São exemplos de blocos regionais a União Européia (UE), o Mercosul e o Nafta, bem como dezenas de outras entidades menos conhecidas (a Organização Mundial do Comércio – OMC, lista mais de uma centena em sua classificação estabelecida ao abrigo do artigo 24 do Acordo Geral de Tarifas Aduaneiras e Comércio, mais conhecido em sua sigla em inglês: Gatt). Mesmo se antecedentes existem na Antigüidade – Liga Ateniense – ou no começo da Idade Moderna – Liga Hanseática, por exemplo – trata-se de fenômeno recente, ocorrendo simultaneamente à emergência da ordem econômica internacional do pós-2ª Guerra (mesmo se exemplos de união aduaneira precedem a segunda metade do século XX, como o Zollverein germânico e a união aduaneira e monetária belgo-luxemburguesa, do pós-1ª Guerra). O processo de formação dos blocos regionais contemporâneos coincide com o desenvolvimento dos processos políticos de integração econômica, cujo primeiro exemplo 1

Doutor em Ciências Sociais. Diplomata. ([email protected]; www.pralmeida.org)

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bem-sucedido foi o Mercado Comum Europeu, criado pelo tratado de Roma de 1957 (precedido pela Comunidade Européia do Carvão e do Aço, de 1951), convertido depois em Comunidade Européia e, em 1992, em União Européia, comportando a partir de então dispositivos sobre a moeda única (1999-2001). O conceito de integração econômica aplica-se a entidades de natureza política diversa, com realidades econômicas diferenciadas entre si, mas pode ser melhor percebido se considerado como um processo em etapas sucessivas: área de preferências tarifárias, que comporta a simples redução seletiva de tarifas entre dois ou mais sócios, sem obrigações complementares em termos de política comercial; zona de livre comércio, que liberaliza completamente o intercâmbio entre os membros num prazo determinado, conservando entretanto cada qual sua própria estrutura tarifária em relação a terceiros países; união aduaneira, que compreende, ademais, a definição de uma tarifa externa comum; mercado comum, que liberaliza completamente o fluxo de fatores produtivos e de pessoas, além de obrigar a adoção de políticas comuns nas áreas comercial, industrial, agrícola e de concorrência, entre outras; união econômica e monetária, que pode comportar, como no caso da UE, a abolição das moedas nacionais em favor de um meio circulante comum a seus membros. Os blocos regionais organizados em torno de um acordo de integração, como a UE, o Mercosul e o Nafta, apresentam a dupla característica de serem discriminatórios em relação aos Países nãoMembros – isto é, excluindo estes últimos das vantagens e benefícios recíprocos concedidos aos membros, configurando, portanto, uma exceção ao princípio da nação mais favorecida (NMF) administrado pelas regras do Gatt – e de contribuírem, progressivamente, para o aumento da interdependência econômica global, ao anteciparem e prepararem processos mais complexos e geograficamente mais amplos de liberalização comercial e de abertura econômica no quadro do sistema multilateral de comércio, atualmente regido pela Organização Mundial do Comércio (OMC). A multiplicação desse tipo de acordo comercial nas duas últimas décadas do século XX obrigou inclusive essa organização a constituir, desde 1996, um Comitê sobre Acordos Regionais de Comércio, com vistas

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a monitorar o seu desenvolvimento, a examinar sua consistência com as regras do Gatt-OMC e a evitar a generalização de práticas excludentes e discriminatórias. Como exemplos dessas práticas podem ser citados os regimes especiais aplicados a determinados ramos da economia – como a Política Agrícola Comum da UE, por exemplo, altamente distorciva das regras multilaterais de comércio – que resultam em reservas de mercado e dispositivos contrários ao princípio do tratamento nacional, outro dos fundamentos do Gatt, junto com a reciprocidade. No regime do Gatt, os blocos regionais são regidos pelo artigo 24, que estabelece as condições pelas quais esses agrupamentos (geralmente sob a forma de uma zona de livre comércio ou de uma união aduaneira) podem ser progressivamente constituídos como exceção à cláusula NMF (geralmente no prazo de dez anos), devendo cobrir “substancialmente todo o comércio” entre os membros, sem introduzir maiores barreiras tarifárias e restrições não-tarifárias do que aquelas existentes no comércio desses países com terceiros, anteriormente à criação do bloco. Em 2000, existiam no mundo cerca de 130 agrupamentos regionais, sendo que 90 deles tinham sido notificados à OMC depois de sua criação, isto é, 1995. Desse número, seis blocos tinham sido declarados em conformidade com as regras do Gatt-OMC, mas apenas dois estavam ainda vigentes. A UE, a mais exitosa experiência de integração econômica conhecida, estabeleceu desde seu início o objetivo do mercado comum (livre circulação de bens, serviços, capitais e pessoas), atingido de forma completa apenas em 1993, mas convivendo durante muito tempo com espaços econômicos reservados aos nacionais de seus países constitutivos (monopólios estatais ou exceções nacionais em matéria de transportes aéreos, sistemas bancários, meios de comunicação de massa, por exemplo). Já o Nafta é uma simples zona de livre comércio, embora reforçada por dispositivos liberalizantes abrangentes, cobrindo serviços, investimentos, concorrência, compras governamentais e propriedade intelectual. O Mercosul pretende ser um mercado comum, ainda que numa modalidade intergovernamental e não sob o formato do direito comunitário como no caso da UE. Mas, dez anos depois de sua criação, em 1991, ele ainda não conseguiu realizar plenamente sua zona de livre comércio ou implementar de maneira integral sua união aduaneira. Os

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demais exemplos conhecidos de integração combinam elementos de livre comércio com os de uma simples área de preferências tarifárias, a primeira etapa da construção integracionista. O modelo europeu de cooperação econômica e de integração comercial – que na verdade começou em 1951 com a Ceca, Comunidade Européia do Carvão e do Aço – exerceu forte influência em toda a América Latina, tendo inspirado diversos experimentos integracionistas desde os anos 60, a começar pela Alalc (Associação Latino-Americana de Livre Comércio), criada pelo Tratado de Montevidéu desse ano e substituída, 20 anos depois, pela Aladi, que a despeito do ambicioso objetivo integracionista que ostenta no nome não passa de uma simples zona de preferências tarifárias. É no âmbito da Alalc-Aladi que se desenvolvem as experiências sub-regionais de integração, a começar pelo Grupo Andino (criado com o Pacto de Cartagena de 1969), convertido em Comunidade Andina em 1996 (sem que, no entanto, sua pretensão em atingir a fase do mercado comum tenha sido sequer vislumbrada), e sobretudo a do Mercosul, o mais importante bloco de países em desenvolvimento que pretendem, tendencialmente, alcançar um mercado comum. A Aladi, que oferece cobertura jurídica – do ponto de vista das regras do Gatt e dos compromissos multilaterais comerciais – a todos os países da região, reagrupa quase toda a América do Sul (Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela), mais o México (que solicitou uma derrogação de suas obrigações em relação à cláusula NMF, pelo fato de ter aderido ao Nafta) e, desde 1998, Cuba. Naquele mesmo ano, 1960, tinha sido igualmente criada a Associação Européia de Livre Comércio (Efta) com vistas a oferecer uma perspectiva de liberalização dos intercâmbios aos países que não aderiram, em 1957, ao projeto comunitário dos tratados de Roma, em especial o Reino Unido e os países escandinavos. A Efta agrupou, no início, todos os outros países capitalistas europeus que não pertenciam à Comunidade Européia, mas quase todos eles decidiram aderir, gradualmente, ao sistema comunitário, à exceção da Suíça, da Noruega e da Islândia. Data dessa mesma época o Mercado Comum Centro-Americano (MCCA), mas ele nunca realizou seu objetivo nominal, contentandose com acordos de livre comércio com seus vizinhos maiores, como

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México, Venezuela, Colômbia e também o Chile. O México, a Venezuela e Colômbia encontram-se por sua vez vinculados, desde 1995, no chamado Grupo dos Três (G-3), que visa à constituição de uma zona de livre comércio num prazo de dez anos. Ainda no hemisfério americano, cabe reconhecer que o maior agrupamento de todos, o já citado Nafta – assinado em 1992, em vigor desde 1994 entre os Estados Unidos, o Canadá e o México – pode ser estendido a outros países, como revelado em algumas concessões feitas a países do Caribe e da América Central e, sobretudo, na decisão tomada pelos Estados Unidos em novembro de 2000 no sentido de negociar um acordo de livre comércio com o Chile, país que já mantém acordos similares com os outros dois membros do Nafta, o México (1992) e o Canadá (1998). Dois pequenos grupos regionais atraem mais a atenção do que efetivamente pesam na balança da região: a Comunidade do Caribe (Caricom), criada em 1995 com o objetivo de constituir um mercado comum, mas que não logrou sequer ser uma zona de livre comércio; e a Associação dos Estados do Caribe (AEC, 1994), da qual fazem parte inclusive Cuba, os centro-americanos, o México e a Venezuela, e que se dedica mais à concertação e à cooperação econômica e política. Na região da Ásia-Pacífico, se destacam: a Asean, Associação das Nações do Sudeste-Asiático, criada na época da Guerra Fria (1967) para fortalecer a cooperação política entre países anticomunistas, mas que admitiu, recentemente, o Vietnã ainda formalmente comunista e que tenta negociar uma zona de livre comércio passando por um sistema de preferências tarifárias; a CER (Closer Economic Relations), zona de livre comércio entre Austrália e Nova Zelândia que pode evoluir para uma união econômica; e a Apec (Asia Pacific Economic Cooperation), fórum de diálogo associando quase todos os países da bacia do Pacífico (inclusive no hemisfério americano) em um programa de liberalização de comércio e de cooperação econômica. Na África, a despeito de tantos experimentos, ao longo dos anos, quanto na América Latina, o único bloco regional com viabilidades comerciais – mas inúmeros obstáculos políticos momentâneos – parece ser representado pela SADC (Southern African Development Community), composto por uma dúzia de nações meridionais sob a liderança da África do Sul, e que visa à constituição de um mercado comum em médio prazo.

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