Goodman Contra a Semalhanç na Representação Pictórica

May 26, 2017 | Autor: Chiyoko Gonçalves | Categoria: Nelson Goodman, Philosophy of Depiction
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Goodman contra a semelhança na representação pictórica

Chiyoko Gonçalves do Nascimento Oliveira Mestrando pela UFG bolsista CAPES chiyoko.goncalves@ gmail.com Palavras-chave Nelson Goodman, representação, semelhança, realismo.

Resumo A comunicação que desenvolverei a partir daqui se baseará em minha pesquisa sobre a relação de representação pictórica na filosofia de Nelson Goodman. Onde o filósofo argumentará que não há algo como uma noção de realismo figurativo em que seja a semelhança seu parâmetro máximo de correção. Para isso usarei o ensaio Seven strictures on similarity e Linguagens da arte. Focarei no que os dois possuem em comum, todavia usarei mais elementos do primeiro uma vez que ele clarificará a fala sobre o uso da relação de semelhança. Nisso, apresentarei de forma bem geral a relação de representação pictórica que Goodman usa. Em seguida, entrarei na discussão sobre a relação de semelhança. Onde apresentarei o problema geral do uso da relação de semelhança como definidora de um realismo artístico, como aparecerá em linguagens da arte e a refutação do uso da relação de semelhança. Por fim, abordarei a relação em sua forma mais geral apresentada por Goodman, argumentando que o uso puro dela não é razoável, e que o uso da relação de semelhança é notadamente o uso da semelhança através de um quadro de referência que explicite sua importância para comparação.

Representação Nelson Goodman no primeiro capítulo de Linguagens da Arte desenvolve algo que podemos chamar de teoria linguística da representão pictórica. A teoria linguística é uma construção em que uma maioria das representações pictóricas, doravante figuração, possui uma característica central de ser uma relação denotativa. Em geral, Goodman construirá denotação como um símbolo para um objeto, uma relação tal de estar por um objeto. Entretanto para que essa noção seja construída é necessário instituir uma base negativa para outra concepção de figuração. Essa concepção, a saber, é o que podemos chamar realismo figurativo, em que uma figuração representará partindo da premissa que figuração e objeto figurado estarão de posse de características comuns entre si, ele negará essa concepção. Uma figuração, argumentará Goodman, só funciona porque institui uma relação de estar por um objeto, ser um símbolo para este objeto, denotar um objeto (GOODMAN, 2006, p. 37). O que Goodman pretende é borrar os limites entre a figuração, como representação, e de denotação, como representação linguística. Segundo Aires Almeida, uma representação assumirá a seguinte forma para Goodman em Linguagens da Arte: “[...] x representa y se, e só se, x denota y e existe um sistema de convenções simbólicas que fazem que x denote y” (ALMEIDA, 2006, p. 25). Goodman não fará a mescla entre os dois tipos de representação, linguística e pictórica, como se fossem uma e a mesma coisa. Ele pretende tratá-las como relações variáveis e dependentes de um 98

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contexto. Contudo, argumenta que utilizá-las como formas complementares de construções de versões de mundo é elucidativo, servindo como correção e sendo bem sugestivo (GOODMAN, 2006, p. 69), tratando-as como algo não muito distinto. O que farei a seguir será construir a relação de semelhança, mas sem construir uma noção de descrição. O que será importante no primeiro momento da teoria da representação pictórica será romper a relação de uma causalidade absoluta entre as relações de semelhança e de figuração. Em suma, Goodman argumentará que não é caso que para toda figuração a relação de semelhança seja um dos requisitos necessários à relação de figuração. Iremos argumentar que será apenas um possível sintoma entre outros. Sendo muito mais importante para uma representação a instituição de hábitos representativos claros que estabeleçam o tipo de representação a ser utilizada. Para que a relação de figuração realista seja desvinculada da relação de semelhança é necessário que analisemos a relação de semelhança de forma clara. Para que isso ocorra iremos primeiro mostrar os dois contextos principais em que a relação de semelhança é utilizada no primeiro capítulo de Linguagens da Arte. Os dois contextos principais são os apresentados no ensaio Seven strictures on similarity, artigo posterior a Linguagens da Arte em que Goodman levanta os sete usos da relação de semelhança que levanta em sua filosofia. Sendo o primeiro uso o da semelhança como critério que define um realismo ou um naturalismo; o segundo uso é o de a semelhança como posse de características comuns entre objetos distintos. Os ataques à relação de semelhança Em um artigo posterior a Linguagens da Arte, Seven strictures on similarity, Goodman faz um apanhado geral dos usos da relação de semelhança em sua obra, o que permeia parte considerável de sua filosofia, mas sendo pelo menos quatro delas idiossincrásicas de Linguagens da Arte; outras duas presentes em Structure of appearance e Fact, fiction and forescast; e a última sendo uma generalização daquilo que tomamos como a relação de semelhança. Essa seleção faz parte do que Goodman chama de sete ataques à relação de semelhança. Os enumerarei rapidamente e explicarei o primeiro e sétimo ataques, semelhança como critério de realismo e semelhança como posse de características comuns, respectivamente, que serão necessários na primeira fase de nosso estudo. Goodman em seu ensaio Seven strictures on similarity aborda sete modos de como a relação de similitude normalmente aparece na argumentação filosófica e de como é atribuída a ela uma falsa relevância. É comum que se tome a noção de similitude como resposta a diversas questões filosóficas, e normalmente essas abordagens estão erradas, argumenta o filósofo. Tendo isso em mente, levantou as formas como é normalmente abordada a similitude e as atacou de forma correspondente. São esses ataques:

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1. Semelhança não estabelece diferenças entre uma figuração e uma descrição, também não serve como critério necessário a tomar algo como um ícone de e tampouco para avaliar algo como realista ou naturalista (GOODMAN, 1972, pgs. 437); 2. Similitude não implica que inscrições sejam réplicas

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umas das outras, ou pertençam ao mesmo grupo de tipos (GOODMAN, 1972, pgs. 438); 3. Semelhança não implica que duas ou mais performances, experimentos, ou comportamentos sejam repetições um dos outros (GOODMAN, 1972, pgs. 439); 4. Semelhança não explica necessariamente uma metáfora ou verdade metafórica (GOODMAN, 1972, pgs. 440); 5. Semelhança não é justificação para nossas práticas indutivas ou preditivas (GOODMAN, 1972, pgs. 441); 6. Similitude entre particulares não é razão suficiente para definir qualidades (GOODMAN, 1972, pgs. 441); 7. Semelhança não pode ser medida ou igualada em termos de posse de características comuns (GOODMAN, 1972, pgs. 443).

Quase todos esses ataques de Goodman possuem lugar em Linguagens da Arte, mas julgo que para a discussão que desenvolvo logo abaixo apenas o primeiro e o último ataques sejam necessários. Ataque à ideia de que a semelhança é critério fundamental de realismo Dos ataques à relação de semelhança, o primeiro é central a nossa análise da representação pictórica, tendo lugar de destaque no capítulo inicial de Linguagens da Arte. Nele, Goodman fará uma abordagem das formas de figuração e sua relação com a noção se semelhança, mostrando que a relação de semelhança não é de forma alguma um critério definitivo para que haja uma relação figurativa. Argumenta também que mesmo que em algum contexto a semelhança seja sintoma para estabelecer parte da relação, não será suficiente para estabelecer a relação como um todo. E, por fim, semelhança não é critério suficiente e nem necessário para que haja estabelecimento de realismo ou naturalismo figurativo. Dentro da noção geral de figuração é necessário que avaliemos suas formas gerais. Dentro dessas formas haverão ao menos duas formas a serem avaliadas. E Nelson Goodman argumentará que existem duas concepções que chama ingênuas da noção figuração, ambas razoavelmente próximas e fazendo uso da relação de semelhança como critério necessário a figuração, sendo também o critério de realismo mais ingênuo utilizado, e nele focaremos. Ele formula assim os dois modos: “’A representa B se, e só se, A se assemelha a B apreciavelmente’”, ressaltando aqui uma forma absoluta de semelhança como critério necessário a relação de representação; e “’A representa B na medida que A se assemelha a B’” (GOODMAN, 2006, p. 36), que introduz a noção de grau e deixa claro uma posição em que a semelhança ocupa um papel relativo dentro do critério de representação. Apesar da evidência da noção de grau na segunda formulação, o grau é presente nas duas, de forma que só podemos associar relativa ou absoluta semelhança através da noção de grau1. A semelhança não é critério para estabelecer uma relação de figuração entre objetos. Semelhança não é condição suficiente que dois objetos apenas por serem semelhantes sejam representações um do outro. O estabelecimento de representação através da semelhança

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1 A relação de semelhança por grau será avaliada no momento em que for analisada a noção mais geral de semelhança, na próxima seção deste trabalho.

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leva a maus entendidos, uma vez que podemos tomar objetos com máximo grau de semelhança entre si e esses objetos não serão representações um do outro. Então, não é o caso de algo ser necessariamente uma figuração apenas porque se assemelha com outro objeto (GOODMAN, 1972, pgs. 437). Segundo Goodman, semelhança é uma relação que possui a propriedade de reflexividade. Reflexividade é uma propriedade tal que ૵x xRfx, para todo x, x mantém uma relação Rf com x. O exemplo mais característico que o autor usa será o da moeda que não é representante de outra moeda de mesmo valor, outro exemplo no mesmo tom é o de irmãos gêmeos que não representam um ao outro. Então, por mais que haja uma relação de reflexividade, não por isso haverá necessariamente representação (GOODMAN, 2006, p.36; GOODMAN, 1972, p. 437). Semelhança é também uma relação que possui a propriedade de simetria, representação não é uma relação simétrica, argumenta Goodman. A simetria é uma relação tal que ૵xy (xSmy ՜ySmx), para todo x e y, se x mantém relação com y, então y mantém relação com x. Uma representação em sua forma geral pode ser tomada por xRy, x representa y, não sendo simétrica. Portanto por essa razão não podemos afirmar que Napoleão represente seu quadro, somente que o quadro, representa Napoleão (GOODMAN, 2006, p. 36). Mesmo que se estabeleça a necessidade da referência não se pode garantir que a semelhança seja necessária à figuração. Uma vez que estabeleçamos a referência de uma figuração, mesmo que nos atenhamos a semelhança de sua referência como algo a ser respeitado ao representá-la, não podemos disso inferir que um objeto x figure a um objeto y apenas por se assemelharem, o fato de se assemelharem pode ser apenas incidental. No ensaio citado o exemplo de Goodman é o de que o enunciado “as sete últimas palavras dessa página” podem representar de fato um outro enunciado idêntico, mas isso seria apenas incidental, poderia representar qualquer enunciado ou grupo de palavras que fossem denotados pela expressão citada. Não sendo, portanto, a semelhança critério de representação mesmo que a referência esteja estabelecida (GOODMAN, 1972, pgs. 437). Figuração por semelhança não estabelece que um objeto seja realista mesmo mantendo o critério do quadro de referência. Havendo uma relação de figuração entre dois objetos não podemos afirma sobre eles que correspondem a uma figuração apenas por se assemelharem. Numa figuração, mesmo estabelecido o quadro de referência, podemos figurar qualquer coisa, mesmo objetos não atuais, Goodman argumenta. Sendo x um produto de uma referência nula, um duende, digamos, como podemos fazer uma figuração dele e chamá-lo de realista? É possível denotar um duende, mesmo que ele não exista. O autor conclui que a semelhança não é critério final também mesmo para figurações chamadas de realistas, uma vez que o uso de realismo aqui não é meramente o uso de objetos atuais na figuração (GOODMAN, 1972, pgs. 437s). Pode-se falar que uma figuração realista compartilhe graus de semelhança com o objeto figurado, mas deve-se atentar para as pré-condições de figuração em culturas diversas para que seja estabe-

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lecida a figuração. Uma figuração é culturalmente dependente, não se pensa que um objeto figura sem que se estabeleçam os critérios culturais para que seja figurado. As condições de semelhança poderão instituir graus de semelhanças em aspectos diversos, sem que seja para isso necessário que seja apenas semelhante em aparência. Portanto, a relação de semelhança que aqui estabelecida será majoritariamente dependente das condições culturais, ambientais, etc, sendo relativos em aspectos diversos à concepção de realismo adotada (GOODMAN, 1972, pgs. 438). A representação realista, em resumo, não depende da imitação, da ilusão ou da informação, mas da doutrinação. Praticamente qualquer imagem pode representar praticamente qualquer coisa; isto é, dada uma imagem e um objecto, há habitualmente um sistema de representação, um plano de correlação, sob o qual a imagem representa o objecto. O grau de correcção da imagem sob esse sistema depende de quão rigorosa é a informação sobe o objecto que se obtém ao ler a imagem de acordo com esse sistema. Mas o grau de literalidade ou de realismo da imagem depende de quão canónico é o sistema. Se a representação é uma questão de escolha e a correcção uma questão de informação, o realismo é uma questão de hábito (GOODMAN, 2006, p. 68).

Pelo dito sobre o primeiro ataque à relação de semelhança feito por Goodman, podemos concluir que ela é muito mais uma relação que se estabelece culturalmente do que um grupo de propriedades em comum que se estabelece entre figuração e figurado. Sendo, por isso algo dependente do contexto e do histórico ambiental como um todo do artista e não necessariamente uma característica do realismo figurativo em questão. Este ponto de vista é fundamental para entender o desenvolvimento da teoria da representação desenvolvida em Linguagens da Arte. Ataque à ideia de semelhança como posse de propriedades em comum entre objetos Dos ataques à relação de semelhança que Goodman desenvolve no ensaio acima citado, creio que o sétimo, assim como o primeiro, desempenha também papel fundamental em nossa investigação sobre as formas como funcionam a relação de semelhança. O autor desenvolve no sétimo ataque uma noção mais geral do funcionamento da semelhança, que seria inicialmente como a posse de propriedades comuns entre dois objetos. Argumentando em seguida que pares ou grupo de objetos não possuem normalmente todas as suas propriedades em comum. Inclui também em sua argumentação que se pode definir qualquer par de propriedades em comum e defini-los como pontos de comparação e então qualquer objeto pode ser semelhante a outro em ao menos um aspecto. Conclui argumentando que o que importa não é a posse das propriedades em comum que vai determinar a semelhança, mas a escolha dessas propriedades e como será interpretada essa escolha entre eles. Goodman inicia seu sétimo ataque à relação de semelhança assim: “similitude não pode ser equacionada, ou medida em termos de, possessão de características comuns” (Goodman, 1972, p. 443). Com isso já fica claro que há uma visão filosófica que classifica que semelhança deva ser medida através da posse de características 102

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comuns a objetos. Constrói com isso a ideia de que dois objetos possuem semelhança se tiverem um grupo razoável de propriedades em comum. Parece poder ser uma ou todas. Este é um ponto de vista que Goodman tem dificuldade de aceitar. Nenhum objeto possui todas as características em comum. O autor de Linguagens da Arte constrói a ideia que quer refutar dessa maneira: havendo dois objetos em comum, para serem semelhantes devem possuir o grau máximo de propriedades compartilhadas. Esse é um argumento radical, mas relevante ao modo como Goodman pretende construir a relação de semelhança. Podemos pegar um grupo de objetos qualquer, e exigiremos que sejam descritas suas propriedades e que sejam também descritas suas propriedades em comum. Para facilitar nosso trabalho, suponhamos que seja possível descrever partícula por partícula de todos esses objetos. Sobre esse ponto de vista, nenhum desses objetos possuirá todas as suas características em comum com outro objeto. O que ele quer dizer é que não faz sentido falarmos que todos os objetos, e aqui eles são particulares, possuam entre si grau máximo de características compartilhadas entre si. Mas se fosse sequer possível falar que todos os objetos possuem grau máximo de características compartilhadas entre si, argumenta o filósofo, esta seria uma relação plenamente universal e, por isso, inútil. Logo, não é possível falar de semelhança total através das propriedades de um objeto. Todos os objetos compartilham ao menos uma propriedade, não significa com isso que sejam semelhantes. E é trivial se estabelecemos um conjunto de objetos que possuam ao menos uma propriedade comum, podemos dizer que possuem a propriedade de fazerem parte daquele conjunto de objetos, e afirmamos que possuem a característica de fazer parte desse grupo de objetos, mesmo que arbitrária tal característica. Todavia, não é a posse de uma propriedade somente que o torna semelhante a um outro objeto. Podemos afirmar, dentro dum grupo de objetos qualquer estabelecer relações de semelhança na mesma medida em que estabelecemos relações de dessemelhança, apenas ao mudar o aspecto comparado do objeto. Não sendo por isso possível estabelecer uma relação de semelhança entre objetos por possuírem uma propriedade em comum. Ao falarmos de objetos com características em comum é difícil pensarmos que todos os objetos compartilhem a posse das mesmas características e possível que falemos que todos os objetos possuam ao menos uma característica em comum. Nos questionamos sobre o conjunto dos objetos atuais, todos eles possuem todas as características de seus objetos em comum? Não. No mesmo grupo, todos eles possuem ao menos uma característica em comum? Sim. Qual? Serem atuais. Essas duas visões radicais de compartilhamento de características comuns não garante em momento algum uma possibilidade pragmática de comparação entre os objetos. Enunciados como “dois objetos de posse de todas as características em comum entre eles” e “objetos com ao menos uma característica em comum entre eles” são ausentes de utilidade para uma análise da posse das características comuns, são apenas vetorialmente diversos, mas dizem nada sobre um objeto e sua relação de semelhança com outro objeto.

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Goodman argumenta que a manutenção de propriedades comuns e apenas isso leva a transitividade na comparação entre objetos. Características comuns são transitivas, semelhança não. Ao abordarmos a relação de semelhança devemos ter em mente que suas propriedades lógicas são reflexividade e simetria. A atribuição dessas propriedades garante a semelhança entre objetos. Se observarmos apenas as características comuns poderemos dizer que da mesma forma que a e b possuem características e comum e que b e c possuem características em comum, poderá significar que a é semelhante a b e b é semelhante a c e, portanto, a é semelhante a c. Por tal razão não podemos concluir que haja qualquer grau de transitividade entre objetos que mantenham relação de semelhança. Ao falarmos de semelhança estabelecemos uma relação entre objetos e esses objetos devem ser pensados sobre as regras contingentes dessa relação. Não é o caso de simplesmente negar que objetos possuam características comuns, mas delinear quais características comuns são importantes para o uso da relação de semelhança em determinado contexto. Um grupo de características comuns não é sempre importante como podemos notar pelos argumentos acima. É necessário ressaltar que a importância de um conjunto de características comuns é relativo em grau quase absoluto ao contexto, não há definição de importância sem que se defina um contexto de ocorrência, sendo este argumento que traz a importância da definição do contexto para a análise da relação de semelhança e seus usos nos mais variados tipos de situação. Mais algumas considerações Vim até aqui estabelecendo um caminho um pouco mais distante de Linguagens da Arte, optando por relevar os dois principais ataques à relação de semelhança, como critério de realismo e a forma mais geral que a insere como posse de características comuns entre objetos. Argumento agora que esses ataques são de central importância para a compreensão da primeira parte de Linguagens da Arte. O primeiro é a pedra toque do primeiro capítulo. E o sétimo ataque é o que garante a forma geral da noção ingênua de semelhança. Uma semelhança é relativa a um contexto, só podemos utilizá-la se o quadro de referência for explicitado ou, ao menos sugerido. Concepções artísticas que sugiram que a semelhança mantém grau de importância na leitura da obra possuem um forte apelo habitual para que haja a associação da relação de forma automática. A leitura da semelhança numa figuração é, argumenta Goodman, um fruto da habituação, ou de nosso histórico ambiental. Somos ensinados a procurar determinadas semelhanças explícitas na obra de arte. O que é importante ressaltar é que a relação de semelhança não possui importância se não lhe forem delineados os critérios que lhe façam importante. O que Goodman pretende dizer com tudo isso é que a semelhança não é condição suficiente para estabelecermos uma concepção de realismo em uma obra de arte, nem mesmo de que há uma figuração realista de algo. Ela será antes um sintoma do que será lido numa figuração. Um dentre muitos aspectos a serem considerados para a interpretação de uma relação de figuração que terá outros

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critérios além da ingênua concepção de que “a figura b se e somente se a se assemelha a b consideravelmente” (Goodman, 2006, p. 36). Se não houverem quaisquer critérios de relevância explícitos ou tácitos, semelhança mínima ou máxima entre objetos não será condição suficiente e nem necessário para estabelecer uma figuração.

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Bibliografia ALMEIDA, A. Introdução à tradução portuguesa. In: GOODMAN, N., Linguagens da Arte. 1a edição ed. Lisboa: Gradiva Publicações Ltda., 2006. GOODMAN, N. Linguagens da Arte. Tradução: Vítor Moura; Desidério Murcho. 2a edição, Lisboa: Gradiva Publicações Ltda., 2006. GOODMAN, N. Problems and projects. 1a. ed. Indianapolis/ New York: The Bobbs-Merrill Company Inc., 1972.

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