GORAZDE: HISTÓRIAS EM QUADRINHOS NAS AULAS DE HISTÓRIA

July 4, 2017 | Autor: Rogério Fernandes | Categoria: Religion, Diplomacy, Bosnia and Herzegovina, HQs
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GORAZDE: HISTÓRIAS EM QUADRINHOS NAS AULAS DE HISTÓRIA SILVA, Rogério Fernandes. Professor especialista em História - UERJ. [email protected]

Resumo: o presente artigo é uma leitura sobre a prática educacional utilizando histórias em quadrinhos em sala de aula. Procurando atrair interesse do aluno e usar técnicas que normalmente não usamos. Através de uma apresentação dinâmica apresentamos as histórias em quadrinhos conhecidas como Graphic novels. Procurando ter variadas interpretações, Graphic novels possuem temáticas adultas e podem acrescentar muito na aprendizagem Histórica. Através deste artigo analisamos os diversos aspectos que compõem a utilização das historias em quadrinhos como meio didático. Palavras-chaves: história em quadrinhos, guerra, Bálcãs, História.

GORAZDE: COMICS LESSONS IN HISTORY CLASSES

Summary: This article is a reading about educational practice that uses comics in the classroom, inorder to draw studentes attention, by using theniques that we normally don’t use. Trough a dynamic presentation comics known as graphic novels are shown, in attempt to multiple interpretations, Graphic novels have adult themes and can add a lot in historical learning. Through this article, various aspects that make part of the using of comic books as didactical mean, could be analyzed. Keywords: comic books, war, Balkans, History.

GORAZDE: BANDES DESSINÉES DANS LES CLASSES DE L'HISTOIRE

Résumé: Cet article est une lecture de la pratique éducative utilisation de bande dessinée en classe. Vous cherchez à attirer l'intérêt des étudiants et d'utiliser des techniques qui n'ont pas l'habitude d'utiliser. Grâce à une présentation dynamique, nous présentons la bande dessinée connue sous le nom romans graphiques. Vous cherchez à avoir des interprétations différentes, les romans graphiques ont des thèmes adultes et peuvent ajouter beaucoup à apprendre l'Histoire. Par cet article, nous analysons les différents aspects qui rendent l'utilisation de la bande dessinée comme moyen d'enseignement.

Mots-clés: bandes dessinées, la guerre, les Balkans, l'histoire.

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Podemos dinamizar as aulas de História do ensino Fundamental e Médio? Como agir diante de diferentes anseios e realidades dos discentes e tentar atrair os interesses dos alunos para que compreendam os conteúdos? O professor poderia estabelecer meios de aprendizagem utilizando recursos que geralmente não usa em sala de aula. Um dos meios seria a utilização de histórias em quadrinhos, como instrumento didático diferenciado. Os professores geralmente enfrentam algumas dificuldades relativas ao processo ensino-aprendizagem. No 3º ano do Ensino Médio e 9° ano do Fundamental da rede pública são comuns os problemas com alunos inseridos em diversas realidades e interesses. Muitos vivem num ambiente familiar que não privilegia ou valoriza a educação formal. Ainda existe o problema da dificuldade estrutural porque muitas escolas não possuem materiais mínimos para o bom andamento educacional. Para enfrentar essas realidades optei pela proposta de ensino com historias em quadrinhos em sala de aula. Os alunos desconfiaram a principio da proposta, pois não estava relacionada com o que eles estavam habituados a ter, ou seja, quadro branco e livro didático. Mas foi preciso ir em frente tentando apresentar a produção historiográfica recente e demonstrar que ela se modifica e a sociedade onde ela é produzida também está em constante transformação. Era necessário perceber que um texto historiográfico pode ser apresentado de diversas maneiras, inclusive em forma de história em quadrinhos, como veremos no artigo. Um dos objetivos a serem alcançados era mostrar que a sociedade, onde estamos inseridos, produz História e nós, alunos e professores, podemos ser pesquisadores dela e analisar diversas fontes, mesmo aquelas relegadas, consideradas sem importância ou que não aparentam ser. Como é o caso das histórias em quadrinhos, elas geralmente são vistas de forma negativa por muitas pessoas, relegada a “coisa de criança”. Porém, atualmente, uma parcela significativa da sociedade de consumo atual valoriza demais esse tipo de arte, visto os diversos lançamentos de títulos das editoras especializadas em história em quadrinhos. Há alguns anos o ramo de quadrinhos se consolidou no mercado brasileiro, existindo uma produção comercial diversificada, e esta segmentada em diversas correntes que não somente produzem para as crianças e adolescentes como também para os adultos (VERGUEIRO, 2007, p. 10). O uso de uma história em quadrinhos específica Na minha experiência em sala de aula no Ensino Fundamental e Médio foram usadas histórias em quadrinhos que tivessem como referências acontecimentos históricos recentes 2

com finalidade de apresentar um recorte temporal e espacial para melhor compreensão. Foram trabalhados os temas contemporâneos. Para a atividade em sala de aula optou-se utilizar alguns autores que buscaram introduzir um certo rigor histórico em suas histórias. Neste caso, a opção foi pelas Graphic novels, pois são obras mais densas e de caráter adulto. Ao apresentá-las foi necessário perceber que construção das Graphic novels segue regras próprias visando contentar seu público consumidor segmentado. As obras utilizadas em sala de aula foram as do jornalista e quadrinista Joe Sacco. Este autor tem trabalhos quadrinísticos excelentes, publicados no Brasil, e podem ser interpretados de várias maneiras. Mas uma chave de leitura, utilizada por mim no trabalho, foi o conceito de memória social, implícita em suas obras, Joe Sacco recorre à memória dos entrevistados para construir seu trabalho, e cada personagem faz sua interpretação do passado. A memória é um acontecimento social, estar sempre em construção e é variável, mudar com o tempo, e dependendo, poderiam ter versões sobre um mesmo acontecimento. Os conceitos de identidade e memória social são importantes para entender a obra de Sacco. As entrevistas feitas por Sacco revelam que os discursos dos personagens estavam ligados a uma construção identitária feitas pelos grupos étnicos descritos em sua obra. A identidade consiste numa imagem de si para os demais, às vezes em oposição ao diferente que, assim gera embates. Essa construção social da identidade se faz também em função do olhar do outro, para que este o aceite e creia nos seus valores, como argumenta POLLAK (1992, p. 204). A identidade e a memória estão intimamente ligadas, são ambas construídas socialmente. Não deixaremos de perceber que uma boa história em quadrinhos não é somente valiosa apenas no que confere a matéria História, há um caráter interdisciplinar, isto porque na confecção de qualquer história em quadrinhos estão envolvidas outras disciplinas: como Geografia, Sociologia, Português, Literatura e Artes. As histórias em quadrinhos foram apresentadas aos alunos ora através dos meios comuns, como revistas e xerox quanto por meio de multimídia eletrônica. Neste caso foram utilizados como instrumentos o computador, o Datashow e o programa CDisplay, específico para leitura de história em quadrinhos virtuais, conhecidas por SCAN.1 O programa CDisplay

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SCAN seriam histórias em quadrinhos digitalizadas, há uma variedade para download gratuito. (http://www.nonaarte.com.br/, http://www.lori-jel.blogspot.com/, http://www.quadrinhosdehistoria. com/index.html, etc.).

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é um freeware ou software gratuito, disponível em diversos sites e suporta diversos formatos como CBZ (ZIP) E CBR (RAR). E ao término do projeto propomos como produto final, a construção de histórias em quadrinhos próprias. Estas poderiam refletir sobre diversos temas, inclusive sobre a situação cotidiana dos alunos. Os alunos produziriam textos e ilustrariam suas histórias em quadrinhos, estas demonstravam suas impressões e conhecimentos adquiridos no processo. O tema ao final deveria ser sobre a trajetória do aluno ou algum assunto atual que seria elaborado em forma de historia em quadrinhos A obra de Joe Sacco Para realizar esta atividade foram apresentadas várias historias em quadrinhos, porém devido à riqueza de detalhes da obra de Sacco ela acabou sendo escolhida como base e foi analisada de forma criteriosa. Figura I – capa da Graphic Novel “Área de segurança Gorazde” de Joe Sacco.

Sobre o autor: nasceu em Malta em 1960. No ano de 1981 se graduou em jornalismo pela Universidade do Oregón e dois anos depois voltou para Malta, onde publicou seus primeiros desenhos. A partir de 1988 viajou pelo mundo como repórter e desde então publicou diversos livros na área dos quadrinhos. Em 2000 lançou a Graphic Novel Área de Segurança Gorazde: a guerra na Bósnia oriental, uma história em quadrinhos sobre a guerra civil na Bósnia Oriental (1992-95), premiada e considerada pelos especialistas uma obra4

prima na área. Muitos profissionais se interessaram pelo seu trabalho, entre eles, historiadores e jornalistas, por causa os relatos contidos na obra e do impacto visual de suas ilustrações e sua boa pesquisa historiográfica. Joe Sacco não viveu as experiências no momento exato onde elas aconteceram. O jornalista-quadrinista conseguiu as informações de sobreviventes do conflito. Seus relatos decorreram dos relatos orais de uma memória recente. Poderíamos considerar que seu trabalho é uma história em quadrinhos jornalística. A revista trata da guerra civil da Bósnia-Herzegovina (1992-1995). Na obra estão relatados os testemunhos dos massacres na Bósnia Oriental. Estes são apresentados através dos desenhos e seu traço dar uma plasticidade dramática às entrevistas por causa da visualidade que o autor exprime através do desenho. Seu trabalho sobre a Bósnia-Herzegovina tem um impacto maior, pois não se trata de uma obra fictícia. O autor procura os antecedentes históricos para explicar ao leitor o porquê das atrocidades étnicas da região dos Bálcãs, para entender o contexto político da região. Joe Sacco procurou descrever os antecedentes recentes. Para ele, as raízes do mal tiveram origem no conflito da Segunda Guerra Mundial. Durante a segunda Guerra o grupo católico ultranacionalista da Croácia conhecido como Ustaše se tornou aliados políticos dos nazistas. Com o domínio da região pelo Reich, um governo “fantoche” foi estabelecido pelos alemães tendo os Ustaše como suas “marionetes” (JUDT, 2008, p. 49). Eles tinham como objetivo criar uma Croácia étnica pura, por isso os sérvios e bósnios seriam suas vítimas. O conflito foi sangrento. O Estado colaboracionista croata exterminou mais de 200 mil sérvios e em menor quantidade; muçulmanos (figura II). Os mulçumanos da Iugoslávia para sobreviverem colaboraram com as forças alemãs. Contudo, apesar dos massacres da Segunda Guerra a Iugoslávia não perdeu sua diversidade étnica (Id., 41). Em um dos relatos obtidos por Sacco é apresentado o medo dos moradores de Gorazde da volta de um estado Ustaše. Ficou marcado na memória dos mais velhos o terror dos massacres da Segunda Guerra Mundial (SACCO, 2005, p. 23).

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Figura II – Massacre dos Ustaše na Segunda Guerra ( segundo Joe Sacco)

Após o conflito mundial os povos da região foram reunidos em um único território. Essa unidade territorial ficou conhecida como a República Socialista Federativa da Iugoslávia, dela fazia parte às regiões da Sérvia, Croácia, Montenegro, Bósnia-Herzegovina, Eslovénia e Macedônia, ao todo seis repúblicas (figura III). Essa Iugoslávia tinha uma orientação marxista implantada por aqueles que lutaram na resistência antinazista e antiUstaše, pois sua maioria era composta de comunistas, sendo a maior parte deles sérvios. O movimento de resistência foi comandado por Josip Broz Tito, mais conhecido como Tito (1892-1980).2 O conflito recente nos Bálcãs: antecedentes Após a guerra, Tito se tornara o novo chefe político da Iugoslávia. Interessante notar que nos relatos colhidos por Joe Sacco alguns dos entrevistados acreditavam que o período de Tito foi considerado bom para região (Ibid., 2005, p. 20). Com a morte de Tito, em 1980, ficou estabelecido que administração do governo fosse rotativa entre as seis repúblicas, entretanto este sistema durou até 1989. A unidade territorial se esfacelou diante da crise econômica e o fim do socialismo do leste europeu. Apesar disso, em seu período de governo os conflitos étnicos do passado, estavam adormecidos. Porém, as diferenças não foram sepultadas devidamente e ressuscitaram violentamente na década de 90.

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Disponível: . Acesso 10/08/09.

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Figura III: grupos étnicos no início dos anos 80 do século XX3 Grupos étnicos na antiga Repúblicas

Iugoslávia Terceira principal Principal etnia (%)

Segunda principal etnia (%) etnia (%)

Eslovênia

Eslovenos - 91,0

Croatas - 3,0

Sérvios - 2,2

Croácia

Croatas - 78,0

Sérvios - 12,2

Outros - 10,6

Bósnios muçulmanos Bósnia

43,7

Sérvios - 31,4

Croatas - 17,3

Sérvia

Sérvios - 65,8

Albaneses - 17,2

Húngaros - 3,5

Montenegrinos muçulmanos Montenegro Montenegrinos - 61,8

14,6

Sérvios - 9,3

Macedônia

Albaneses - 21,0

Turcos - 4,8

Macedônios - 54,6

Depois da apresentação da história da antiga Iugoslávia e após analisar o conflito recente nos Bálcãs, através da ótica de Sacco. Considero que uma pergunta ética a ser feita aos alunos seja esta: como é possível que ainda haja genocídios nos tempos atuais?4 Em parte poderia ser respondido através das palavras de Marx, a história se repete pelo menos duas vezes, a primeira é como tragédia e a segunda é como farsa (MARX, 1978, p. 329). Vale pensar que o discurso dos sérvios para a repressão e a limpeza étnica nada mais era do que uma ideologia perversa, uma retórica construída para justificar sua ação e legitimar seu poder na região. A tragédia já havia acontecido nos anos 40 do século XX. A farsa seria o discurso defendido pelos sérvios, permitindo a estes que a tragédia fosse reencenada em vermelho vivo nos anos 90. Na região da Bósnia-Herzegovina os muçulmanos eram maioria perante os sérvios, então estes últimos resolveram tomar a frente e atacaram. Os sérvios da Bósnia queriam ter uma pátria eslava, mas de língua servia e religião cristã ortodoxa, ou seja, a sua nação estava baseada no caráter que eles identificavam como puro etnicamente. Era preciso ter um 3

Fonte disponível: . Acesso 14/07/2009. O massacre acontecido no enclave de Srebrenica é considerado o maior massacre de civis desde a Segunda Guerra Mundial (ANCUR, 2000, p. 233). 4

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território limpo, sem a presença do elemento católico ou muçulmano. E os sérvios bósnios para justificar seu interesse procuraram usar o conceito da autoderteminação dos povos, cujo principio é que cada nação deveria ter um Estado, com ênfase na comunidade cultural e linguística, idéia surgida no século XIX. O conceito determinava que os estados tivessem a legitimidade de existir e o nacionalismo seria sua principal força ideológica. Procuraria-se na história o sentido de seus povos, a etnicidade e a língua seriam valores decisivos para a formação e união (HOBSBAWM, 2002, p.125-127). Entretanto os países membros da antiga Iugoslávia possuíam grupos étnicos diversos e estavam territorialmente mesclados. Então, para aplicar o conceito étnico-linguistico cultural em um território que englobava vários grupos, os sérvios optaram pela expulsão desses grupos ou pela limpeza étnica através do genocídio. Figura IV – ação dos sérvios sobre as populações civis

Os sérvios justificavam-se dizendo temer que os mulçumanos bósnios tomassem a iniciativa e criassem uma república fundamentalista islâmica por conta própria (SACCO, 2005, p. 40). Tornou-se um drama, porque para expulsar os grupos diferentes das áreas reivindicadas, o meio usado foi extermino e isso ocasionou uma guerra civil. A etnia dos sérvios da Bósnia estava vinculada a nação da Sérvia e seus dirigentes tinham interesses na região (figura IV). A idéia era que os muçulmanos da região fossem expulsos ou eliminados, pois o país deveria fazer parte de uma Grande Sérvia.

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O sonho da “Grande Sérvia” se chocava com a presença de uma minoria muçulmana no caminho para formação do território etnicamente puro almejado por Belgrado. Os dois principais objetivos desse projeto eram a expansão territorial que congregasse todos os sérvios num Estado e a homogeneização étnica interna, o caracterizado como lar dos sérvios. Entre 1992 e 1995, no intuito de remover essa população do território que se pretendia como sérvio, a limpeza étnica arquitetada por Milosevic acabou por concentrar o inimigo muçulmano em três enclaves que impediam a plena conexão entre os sérvios bósnios e Belgrado (PARADA & GARCIA, 2009).5

As populações civis se envolvem no genocídio e as milícias paramilitares serão responsáveis por diversas atrocidades. Joe Sacco tem outra obra em quadrinhos sobre a ação das milícias cujo título é “Uma história de Saravejo”.6 O envolvimento das populações civis no conflito é um ponto crucial na compreensão do fenômeno da limpeza étnica nos Bálcãs. A proliferação de milícias particulares se deve exatamente a essa facilidade em conseguir armas e se engajar extra-oficialmente no conflito. Consideramos que a ação dessas forças irregulares sérvias, que passaram a agir na Bósnia, o marco inicial do processo de limpeza étnica (PARADA & GARCIA, op. cit.). Varias áreas da Bósnia foram tomadas pelas forças servias e Gorazde ficou como um enclave dentro de um território dominado. Para evitar que os muçulmanos fossem mortos a ONU criou áreas de segurança seguindo um modelo que dera certo no Iraque. As áreas de segurança eram territórios onde os muçulmanos bósnios eram maioria da população e estavam acuados por forças hostis. Os relatos colhidos por Sacco seguem demonstrando ação genocida dos combatentes e a tentativa de defesa dos atônitos moradores de Gorazde. As dimensões dos ataques as vitimas são difíceis de serem medidas e muito provavelmente ficaram na memória dos sobreviventes como uma lembrança amarga, um solo fértil para um futuro discurso vingativo manipulado por grupos interessados no poder.

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Esses três pequenos enclaves seriam Srebrenica, Zepa e Gorazde. SACCO, Joe. Uma História de Saravejo. São Paulo: Conrad Editora do Brasil, 2005.

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Figura. V – Mapa de Gorazde de Joe Sacco

Para salvar Gorazde a ONU interveio e criou um corredor para abastecimento dentro do território controlado pelos sérvios, Gorazde ficaria ligada aos territórios controlados pelos bósnios muçulmanos, conforme a figura V. O fim do conflito só aconteceu após a intervenção da ONU que finalmente saiu de seu imobilismo militar. De forma Tardia as Nações Unidas perceberam o erro da criação de zonas de segurança nos Bálcãs, pois as áreas de Zepa e Srebenica caíram nas mãos dos sérvios e suas populações muçulmanas dizimadas. Gorazde, contudo, foi à única que permanecer de pé, e cedo ou tarde cairia. Diante do fim das zonas de segurança, as ações dos militares das forças de segurança precisavam ser mais efetivas para preservar o que sobrou. Os ataques conjuntos da ONU e OTAN destruíram a infra-estrutura do exercito sérvio. Um acordo de paz acabou sendo assinado em 14 de dezembro de 1995, criando duas entidades no território da BósniaHerzegovina: A República Srpska e a Federação Croato-Muçulmana (ANCUR, 2000, p. 239). Atualmente os arquitetos do genocídio estão sendo perseguidos. O presidente da Sérvia na década de 1990, Milosevic foi preso em 2001 e só não foi sentenciado porque morreu na prisão. E outros da liderança sérvia, que promoveram os massacres, são perseguidos e entregues a Corte Internacional de Justiça. Faz-se necessário apresentar uma leitura política

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É preciso pensar com mais ênfase na questão política implícita nessa história em quadrinhos. Podemos observar que o conhecimento desse episódio recente está relacionado com a questão geográfica, pela diversidade étnica da região e seu valor estratégico para algumas nações, como a União Européia e Rússia. Os antecedentes históricos próximos ou antigos também influíram para a dinâmica do conflito, pois serviram como base ideológica para a justificação de ambos os lados. Tudo isso levou a formação identitária dos povos da região. O autor apresenta a relação política em sua obra, percebemos a distinção da política interna e externa dos grupos envolvidos direta ou indiretamente. Joe Sacco faz uma junção entre História e política, ele o faz de maneira ampla e oposta a uma leitura superficial ou tradicional, que em geral fazem os quadrinhos americanos. É preciso compreender que relações da História e do poder político durante muito tempo estiveram atreladas a da perspectiva patriótica e militar baseada nos feitos dos grandes homens esquecendo que existe uma variedade de protagonistas e influências (FALCON, 1997, p. 61). O caráter político do conflito nos leva a pensar como as estruturas das instituições internacionais são engessadas pelos interesses geopolíticos. A guerra dos Bálcãs havia se tornado um embaraço político para o ONU e para a OTAN. Por conseguinte é um episódio triste da História recente, com recuos e avanços da política tendo conseqüências trágicas paras as populações diretamente atingidas. A ineficiência da ONU foi imobilizada pelo seu regimento interno, pois a Rússia, aliada da Sérvia, não permitiu durante muito tempo uma intervenção militar mais séria na região. Foi o aumento da pressão exercida pela opinião pública, esta, através da mídia, passou a ter acesso aos relatos dos crimes perpetrados pelos sérvios, que fizeram os russos mudarem suas posições. Os

trabalhos

de

jornalistas

internacionais

foram

importantes,

pois

como

correspondentes de guerra puderam relatar ao mundo estas atrocidades. Os repórteres foram necessários para que a comunidade internacional se sensibilizasse e fizesse pressão para uma solução. O autor neste ponto consegue comunicar bem sobre as questões políticas envolvidas. Como por exemplo, as questões internas dos EUA que impendiam os americanos de se envolverem. Como exemplo: o presidente Clinton estava mais interessado na sua reeleição do que com uma terra perdida nos Bálcãs. O governo dos Estados Unidos, maior potência militar do planeta, pouco fez. Esta guerra teve ampla cobertura da mídia, porém, longe de serem heróis abnegados os jornalistas eram profissionais passíveis de erros e exploraram a situação extrema em que viviam os participantes dos conflitos. Joe Sacco tem uma visão crítica ao trabalho de alguns 11

jornalistas que exploram o cotidiano sofrível da população de Gorazde e os transformaram em espetáculos deprimentes para mídia que quisesse pagar (SACCO, 2005, p. 131). Um auxílio sobre a espetacularização midiatica do conflito é o filme Terra de Ninguém (No man’s land), filme Belga/Bósnio, de 2001. Este filme pode ser interessante para compreendemos como a imprensa pôde transformar em banalidade o sofrimento humano. Mas voltando a história em quadrinhos, Joe Sacco conseguiu transmitir com seu traço o olhar desesperado e de desamparo dos sobreviventes. Ele não viu pessoalmente os fatos em tempo real. Sua visualização é uma releitura da realidade. Sua mão transmitiu para a folha a dramaticidade dos relatos que ouviu. Obviamente transmitiu para o leitor sua simpatia pelos habitantes de Gorazde, Joe Sacco toma partido. Ele usa sua arte para exprimir a dor dos cidadãos da zona de segurança. Talvez um relato fotográfico do massacre não conseguisse transmitir tanta emotividade. Não compartilharíamos o drama dos habitantes que lutavam para obter pequenas coisas como jeans e sapatos (Ibid., p. 7). Ai esta o valor das histórias em quadrinhos, dizia Will Eisner que os quadrinhos são uma arte da comunicação e portadora de formas próprias, onde há união da ilustração com a prosa (EISNER, 2001, p. 6-7). A Bósnia atual As notícias recentes expõem que apesar da guerra ter acabado a algum tempo e das prisões dos lideres, as divergências ainda não foram superadas. É possível acontecer um novo conflito. O noticiário descreve a situação dos católicos da Bósnia-Herzegovina, as tensões continuam, ocasionadas agora pela maioria mulçumana: [...] A Bósnia está se islamizando sempre mais, segundo Prefeito da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica. O Cardeal Franc Rode acaba de retornar de uma visita às Dioceses de Sarajevo e Banja Luka. “Os católicos [...] diminuíram muito, numericamente, em conseqüência da ‘intenção de islamização’. Por exemplo, na Diocese de Banja Luka, antes da guerra de '91-'95, havia 150 mil católicos; hoje, são 35 mil. A maior parte deles foi embora porque suas casas foram queimadas, porque foram pressionados e tinham medo de serem mortos. Muitos católicos fugiram”.7

Os governos da Bósnia e da Sérvia não desistiram de estabelecer nos seus respectivos territórios os seus grupos étnicos, tornando as áreas “puras” do elemento diferente.

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Disponível: < http://www.vaticanradio.org/bra/Articolo.asp?c=297921>. Acesso 26 de junho de 2009.

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O mesmo fenômeno se verificou em Sarajevo, cidade de 600 mil habitantes e apenas 17 mil católicos, “praticamente uma cidade muçulmana”. “Mais de cem mesquitas foram construídas nos últimos anos, inclusive em aldeias aonde não havia sequer uma. Isso demonstra a intenção de islamizar a região de Sarajevo, e a vontade do governo de fazer da República Sérvia um país ortodoxo, onde o governo constrói igrejas ortodoxas.8

As histórias em quadrinhos de Joe Sacco são interessantes para entendemos a dinâmica atual no mundo. Além do que não existe uma literatura, em língua portuguesa, muito extensa sobre o assunto Bálcãs. A maior parte da produção está em Inglês. Figura VI – mapa recente da região dos Bálcãs (2006) 9

Gorazde atualmente

Considerações finais Após a apresentação das histórias em quadrinhos, e especificamente sobre Gorazde, discutimos como as fontes históricas podem ser reapresentadas através de ilustrações e textos. 8 9

Ibid. Disponível: . Acesso 15/ 07/2009.

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Ao temos contatos com tais documentos podemos compreender melhor o tempo em que elas foram construídas e o que elas querem transmitir. Para conseguir bons resultados e atrair o interesse dos alunos é preciso acreditar na noção de que o professor é um facilitador do processo. Este não possui verdades prontas, e deve estar disposto a aprender com a sua prática. Muitos alunos estão acostumados com uma prática docente tradicionalmente expositiva, às vezes, não se interessando, no primeiro momento, na atividade apresentada. É preciso insistir para derrubar tantos as barreiras. A prática direcionada ao âmbito da escola pública deve possuir um caráter diferenciado, os alunos têm realidades distintas, por vezes rodeadas de todo tipo de exclusão e levá-los a ser relacionar com outras concepções metodológicas podem fortalecer o aprendizado. BIBLIOGRAFIA Alto comissariado para os refugiados (ANCUR). Situação dos refugiados no mundo: cinqüenta anos de acção humanitária. Tradução: Isabel Galvão. Almada: A Triunfadora Artes Gráficas, 2000. CHAUVEAU, Agnés & TÈTART, Phillipe (orgs.). Questões para a história do presente. Bauru, SP: EDUSC,1999. EISNER, Will. Quadrinhos e arte seqüencial. São Paulo: Martins Fontes, 2001. FALCON, Francisco. História e Poder. In: CARDOSO, Ciro Flamarion S. e VAINFAS, Ronaldo (org.). Domínios da História: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Ed. Campus, 1997. FERREIRA, Marieta de Moraes & AMADO, Janaína. Usos e abusos da História Oral. Rio de Janeiro: FGV, 1996. JUDT, Tony. Pós-Guerra: uma História da Europa Desde 1945. Rio de Janeiro: Editora: Objetiva, 2008. HOBSBAWM, Eric J. Nações e Nacionalismo desde 1780: programa, mito e realidade. 3ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002. ___. Era dos extremos. O breve século XX. 1914 – 1991. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. MARX, Karl. Manuscritos econômicos-filosóficos e outros textos escolhidos. Os pensadores. 2º ed. São Paulo: Abril Cultural, 1978. PARADA, M. & GARCIA, B. Genocídio e limpeza étnica na Bósnia. Disponível:. Acesso em 12 de julho de 2009.

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POLLAK, Michael. Memória e identidade social. Estudos Históricos. vol. 5. n.º 10. 1992. pp 200–215. RAMA, Ângela et ali (org.). Como usar as histórias em quadrinhos em sala de aula. São Paulo: Editora Contexto, 2004. SACCO, Joe. Área de Segurança: Gorazde. A guerra na Bósnia Oriental. 1992-1995. 2ª ed. São Paulo: Conrad Editora do Brasil, 2005. ___. Uma História de Saravejo. São Paulo: Conrad Editora do Brasil, 2005. VERGUEIRO, Waldomiro. A atualidade das histórias em quadrinhos no Brasil: a busca de um novo público. N º 5, ano 3, setembro/2007 – ISSN 1808-9895 – Disponível: . Acesso em 05 de junho de 2009.

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