GOVERNAÇÃO DEMOCRÁTICA E DESENVOLVIMENTO EM ÀFRICA 1 . DEMOCRATIC GOVERNANCE AND ECONOMIC DEVELOPMENT IN AFRICA

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GOVERNAÇÃO DEMOCRÁTICA E DESENVOLVIMENTO EM ÀFRICA1. DEMOCRATIC GOVERNANCE AND ECONOMIC DEVELOPMENT AFRICA.

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Waldano Heler Natxari Wanga2 RESUMO Apesar da democratização constituir um processo eminentemente político, inúmeros estudos promovidos tanto por economistas como cientistas políticos desde meados do século vinte estabeleceram uma relação entre o nível de desenvolvimento e o carácter democrático da governação. Alguns autores apontam a democracia como mecanismo para o Desenvolvimento e outros apontam o último como suporte da Democracia. O objectivo deste artigo é o de verificar a relação existente entre a Democracia e o Desenvolvimento bem como analisar estas hipóteses para o continente africano, e mais propriamente para a sua fatia subsaariana. Palavras-chaves: Democracia, Desenvolvimento, Economia e Governação. ABSTRACT Despite the democratization constitute an eminently political process, numerous studies promoted both by economists and political scientists since the midtwentieth century established a relationship between the level of development and democratic governance. Some authors point out democracy as a mechanism for Development and others point the last in support of democracy. The purpose of this article is to study the relationship between Democracy and Development and analyze these hypotheses to Africa, and more specifically for its sub-Saharan slice. Keywords: Democracy, Development, Economics and Governance.

1. Considerações iniciais. Há um extenso debate na literatura de desenvolvimento econômico em torno do papel da democracia. Contribuições substanciais foram feitas na análise da relação entre democracia e desenvolvimento, principalmente por parte de economistas, investigando a forma segundo a qual o regime político influencia o desenvolvimento de um país. O conhecimento destas pesquisas, que têm levado os acadêmicos a conclusões por vezes contraditórias. Existe uma forte tensão entre a escolha pelo desenvolvimento econômico e a democracia, sendo relativamente baixa a preferência da população por esta última. 1

Trabalho apresentado no âmbito do Modulo de Fundamento de Governação Democrática do Mestrado em Governação e Gestão Publica. 2 Licenciado em Filosofia; Assessor da Direção Provincial de Saúde; Professor de Introdução ao Direito e Presidenteda Comissão de Avaliação de Desempenho da Escola do IIº Ciclo do Ensino Secundário do Uíge. Email: [email protected]; [email protected] .

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Não é difícil concluir que são os altos níveis de exclusão socioeconômica que têm levado as populações dos países em via de desenvolvimento a valorizar mais os avanços econômicos do que a ampliação das práticas democráticas, como é caso de Angola em que o governo no poder dá primazia ao desenvolvimento e os Partidos da oposição a Ampliação da Democracia. Atualmente, o processo de democratização, entendido como a criação e utilização de instrumentos capazes de possibilitar a participação dos interessados na tomada de decisões, não se limita apenas no interrelacionamento das democracias direta, indireta e semidirecta. A democracia contemporânea não é mais entendida como uma simples forma de governo em que os elementos definidores da sua natureza são o número de governantes e a maneira como se exerce o poder político. A definição moderna identifica a democracia como uma forma de governo em que objetivos e princípios traçam as diretrizes de atuação dos detentores do poder político. E a essência desses objetivos e princípios está na igualdade socioeconômica e não mais apenas na igualdade jurídica. Essa reflexão sobre o conceito de democracia em suas diversas dimensões acaba por desembocar numa definição de democracia econômica, que nada mais é do que um ambiente apto a permitir o exercício popular da liberdade de consciência e de escolha econômicas, o qual devidamente regulado pelo Estado constitui-se em um meio de extrema relevância para favorecer o desenvolvimento econômico, pois, com a participação popular, será possível aliciar as escolhas e preferências sociais que se encontram de forma difusa na sociedade. Pensar em desenvolvimento Economico e democracia como termos intrinsecamente relacionados implica considerar os desafios a serem enfrentados pelo Estado para a consecução da dignidade humana, em perspectiva intergeracional, diante das complexas e intrincadas consequências geradas pelo modelo econômico transnacional, caracteristicamente global, sobre as estruturas estatais. É sob essa perspectiva que indagamos: Qual a relação existente entre a Democracia e o desenvolvimento económico? 2. DEMOCRACIA conceptuais.

E

DESENVOLVIMENTO:

Aspectos

Históricos

e

Em vários momentos ao longo deste período, a reivindicação democrática surgiu com alguma intensidade e, nos nossos dias, é um tema central de onde emergem as opções de construção institucional do país e da respectiva base material. Por essa razão é importante desde já referir alguns conceitos, a fim de reduzir a margem de confusões sobre aquilo de que falamos e, ao mesmo tempo, acentuar um aspecto fundamental de tudo o que se relaciona com os dois temas-chave desta comunicação: como ninguém se declara oposto á democracia e ao desenvolvimento, várias práticas antidemocráticas e de contra-desenvolvimento aparecem envoltas em justificações manipuladoras.

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Um dos problemas que subsistem ao conceito de democracia, outros, é que esta é uma expressão que goza de muitos significados (Bobbio, 1983). Esta diversidade, por sua vez, abriga até mesmo sentidos opostos e, em alguns casos, não são meras variações de uma mesma concepção mas sim perfeitamente antagônica. E, inclusive, o antagonismo de muitas delas a um valor positivo para a democracia, Bobbio mostra o argumento que durante muito tempo vigorou: “Durante séculos, de Platão a Hegel, a democracia foi condenada como forma de governo má em si mesma, por ser o governo do povo e o povo, degradado a massa, a multidão, a plebe, não estar em condições de governar: o rebanho precisa do pastor, a chusma do timoneiro […]” (BOBBIO, 2000, p. 114). Ele reforça seu ponto de vista em outra obra ao afirmar que a “democracia pode ser considerada […] com sinal positivo ou negativo, isto é, como uma forma boa e, portanto, a ser louvada e recomendada, ou como forma má, e portanto a ser reprovada e desaconselhada” (BOBBIO, 1987, p. 139). Um desses argumentos históricos contrários a democracia é o de que elas se apresentavam como regimes turbulentos, referência esta que, desde logo, dizia respeito à democracia direta. Apesar da palavra democracia ter uma origem grega bem precisa – governo do povo – a História, ao complexificar as relações humanas, se encarregou de exigir mais detalhes. Assim, um movimento histórico pode ter começado com largo apoio popular e participação diversificada, mas pode rapidamente ter descido para esquemas de concentração de poder e ausência de controlo social sobre o mesmo. A origem histórica do poder não é, portanto, garantia suficiente de conteúdo democrático. Verifica-se que todos autores apresentam dois pilares fundamentais para a democracia: A igualdade e liberdade. O conceito de activae civitatis nos remete à relação entre igualdade e liberdade anunciada por Martino. Segundo ele, quando se dá um forte predomínio da liberdade sobre o valor igualdade nos encontramos com uma situação de forte disparidade, principalmente do ponto de vista econômico. Por outro lado, argumenta o autor, que ao dar-se forte predomínio da igualdade nos remete para a configuração de formas políticas autocráticas (Martino, 1983)3 Estando em perfeita consonância com BOBBIO, de que a durabilidade da liberdade necessita formas ativas de participação. Isto torna-se ainda mais evidente quando o Estado tem políticas compensatórias de cunho social-democrata e buscam a extensão de certos níveis de igualdade no Estado. Como diz BOBBIO, existe o conflito entre a liberdade e a igualdade que, dado a ampliação da primeira, sempre redundou na limitação do segundo conceito. Não obstante, em algum momento identifica a democracia como fundamentada no amplo “reconhecimento dos direitos de liberdade e como natural complemento o reconhecimento dos direitos sociais ou de justiça” (BOBBIO, 2001, p. 502) De modo mais preciso BOBBIO admite ser possível reconhecer a democracia um significado preponderante, qual seja, aquele que supõe a existência de uma “ampla e segura participação da maior parte dos cidadãos, em forma direta e indireta, nas decisões que interessam à toda coletividade” (BOBBIO, 1983, pp. 55-56). Essa participação, no entanto, não deve ser 3

A sobreposição do valor liberdade sobre a igualdade é admitida até mesmo por Ruiz-Miguel (cf. Ruiz-Miguel, 1994, p. 124).

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compreendida apenas como atividade político-partidária. Ao contrário, BOBBIO defende a tese de que quem está fora dos partidos políticos pode exercer atividades muito úteis, à medida que há um sem-fim de tarefas as quais os historicamente, diz BOBBIO, o aparecimento da democracia material em substituição à democracia meramente formal teria ocorrido através da instituição dos direitos sociais. A democracia substancial exige a reforma das estruturas econômicas e sociais como fatores fundamentais para tornar esses direitos democráticos efetivos. A inter-relação entre ambos conceitos é o que tornaria possível a democracia em sentido amplo ou, como diz em outra obra, “o processo de alargamento da democracia na sociedade contemporânea” (BOBBIO, 1987, p. 155), o que deve ser entendido em boa parte como extensão do processo de participação dos cidadãos. Um dos principais consensos globalmente construídos durante o século XX foi, sem dúvida, o consenso democrático, aquele que afirma a democracia como a melhor e mais legítima forma de governança. Na esteira de tal consenso, o pensador político norte-americano Francis Fukuyama chegou a predizer o “fim da história” com a instauração do modelo democrático mundo afora, o que representaria a evolução máxima das relações sociopolíticas da humanidade. (FUKUYAMA, 1989). Entretanto, o consenso democrático que se desenhou refere-se apenas a uma forma particular de democracia, a chamada democracia representativa liberal, a qual compreende a política unicamente sob o seu viés institucional e coloca o voto eleitoral periódico como única forma e momento de participação popular na vida política do país4. A formação de um consenso universal em torno dessa forma de democracia teria ocorrido em decorrência de sua imposição como o único modelo possível, “para além e fora do qual não existia qualquer possibilidade democrática”. (SHETH, 2003). Para Emir Sader, tal reducionismo das possibilidades democráticas a essa forma única de democracia teria ganhado ares de universalidade e constituído-se numa “canonização consagrada e multiplicada por várias instâncias, praticamente sem qualquer tipo de contestação”. (SADER, 2003). Ao tempo em que tal consenso era firmado, entretanto, sinais de crise já se tornavam evidentes, e a expressão “crise da democracia” passou a ser cada vez mais utilizada. Escobar Dagnino afirma que tal crise nasceu em decorrência da “profunda insatisfação com os resultados dessas democracias em termos de justiça social, eficácia governamental e inclusão política”. (DAGNINO, 2000). Na mesma esteira, Rodolfo Pereira Viana afirma que a crise do modelo representativo liberal se criou em razão da quebra de identificação entre representantes e representados e da forte insatisfação com a lógica operacional e o desempenho dos partidos políticos, a ponto de ter nascido a 4

Diversos autores identificam a formação desse “consenso democrático” em torno unicamente do modelorepresentativo liberal da democracia. Entre eles: (SANTOS, 2003).

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expressão “ceticismo partidário”. Isto porque o inventário comportamental dos partidos tem-se pautado, na maioria das vezes, na lógica da conquista e da manutenção do poder, na qual a situação do poder é colocada acima da coerência ideológica e dos compromissos assumidos perante os representados. Como consequência disso, surgem os fenômenos de afastamento, renúncia ou recusa à política, que possuem como maior exemplo o crescente abstencionismo da população dos países. Uma vez que a “crise da democracia” tem saltado aos olhos, a tônica do discurso democrático passa a ser pela sua reformulação, pela necessidade de revisão de suas bases estruturantes, suas dimensões, seus elementos. Segundo Dagnino, “o que está fundamentalmente em disputa são os parâmetros da democracia, são as próprias fronteiras do que deve ser definido como arena política: seus participantes, instituições, processos, agenda e campo de acção”. (DAGNINO, 2000 p. 15). Para Rodolfo Viana Pereira, chega a ser uma ironia o fato de que, juntamente com o “consenso da democracia”, venha o consenso em torno da necessidade de “reforma da democracia”, o qual possui na expressão “democratizar a democracia” uma de suas mais eloquentes expressões. (PEREIRA R., 2008 p. 116). Assim, é com a perspectiva de reformar a democracia, de democratizá-la, de transformá-la em uma democracia de alta intensidade, que muitos autores, desde a segunda metade do século XX, têm produzido importantes teorias normativas da democracia, geralmente se focando ou na abertura de um número maior de espaços e momentos de participação popular, ou no aprimoramento da forma que se dá esse processo de participação – preocupações com a quantidade e com a qualidade da participação, respectivamente. As teorias que se focaram na ampliação da quantidade da Participação são as chamadas teorias participativas da democracia, e as que se focaram na qualidade dessa participação são as chamadas teorias deliberativas da democracia. As teorias participativas contemporâneas, em primeiro lugar, começaram a surgir na segunda metade do século XX como forma de oposição à corrente do elitismo democrático (característico da democracia representativa liberal), para a qual os cidadãos comuns seriam indivíduos apáticos, desinformados e incapazes de fazerem parte do processo de tomada de decisões políticas, cabendo aos mesmos, portanto, unicamente o papel de votar em um ou outro representante oriundo das elites políticas do país. (SHUMPETER, apud SANTOS, 2003). Ao contrário desta ideia, as teorias participativas pregam a constante participação dos cidadãos na vida política do país, tanto no sentido de influenciarem as decisões políticas através de espaços e instrumentos nãoinstitucionais, como no sentido de participarem ativamente dos processos de tomada de decisão política, através da ampliação de espaços e instrumentos institucionais. As teorias participativas não pretendem pôr abaixo o sistema de representação política, mas sim conjugá-lo com espaços e formas constantes de participação popular na vida política das cidades, das regiões e do país5.

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Com o mesmo entendimento: (MENDES, 2004).

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Carole Pateman e Benjamin Barber foram alguns dos autores que primeiro realizaram o movimento de recuperação do princípio participativo nas democracias contemporâneas, elevando-o ao patamar de fonte de legitimidade das mesmas. Em sua clássica obra “Participation and democratic theory”, de 1970, Carole Pateman reconstrói Carole Pateman e Benjamin Barber foram alguns dos autores que primeiro realizaram o movimento de recuperação do princípio participativo nas democracias contemporâneas, elevando-o ao patamar de fonte de legitimidade das mesmas. Em sua clássica obra “Participation and democratic theory”, de 1970, Carole Pateman reconstrói as funções positivas da participação e, com isso, desenvolve uma teoria para sustentar a necessidade de participação em diversas instâncias da vida social, em especial dentro das indústrias. (PATEMAN, 1970). Benjamin Barber, por sua vez, afirma que na participação política reside o conceito de “strong democracy” (democracia forte). (BARBER, 2003). De uma forma geral, as virtudes da democracia participativa vislumbradas por esses e outros autores6 podem ser resumidas nas seguintes: 1) maior integração do cidadão na sua comunidade, aumento do senso de pertencimento à mesma; 2) ligação direta entre maior participação e redução das desigualdades sociais, o que possibilitaria uma democracia material, em vez de meramente formal; 3) potencial educativo da participação política, capaz de desenvolver as capacidades sociais e políticas de cada indivíduo: “the more the individual citizen participates the better able he is to do so” (PATEMAN, 1970), ou seja, quanto mais os cidadãos participam, mais se tornam aptos a participarem (nesse sentido, a participação promoveria um constante educar dos indivíduos participantes, num ciclo virtuoso de participação-educação); 4) maior eficiência na gestão dos problemas relacionados à sociedade globalizada e à sociedade de risco. Na década de 80 do século XX o foco da discussão saiu da vertente da quantidade da participação e se fixou na vertente da qualidade dessa participação: foi o que ficou conhecido como a “virada deliberativa da democracia”. A principal preocupação das teorias deliberativas da democracia, portanto, reside na forma como se dá a definição das preferências dos indivíduos, ou seja, as razões que levam os indivíduos participantes a fazerem esta ou aquela escolha. A corrente deliberativa da democracia faz ampla oposição à corrente agregativa (presente no modelo da democracia representativa liberal), para a qual os posicionamentos dos cidadãos sobre os assuntos em pauta e, consequentemente, suas decisões sobre os mesmos, já estão dados, são fixos, e a questão principal, então, recai sobre a melhor forma de agregá-los, como em uma soma matemática. Na corrente deliberativa, por sua vez, os posicionamentos dos cidadãos e as consequentes decisões políticas tomadas por estes devem ser construídos dialogicamente, ou seja, através de debates entre os membros de uma comunidade na esfera pública. Desta forma, os posicionamentos ou, conforme denominam os autores deliberativos, as “preferências” dos indivíduos não seriam fixas, não estariam previamente estabelecidas; elas seriam fruto da 6

Dentre eles: (PEREIRA M., 2008).

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discussão pública. O importante, para essa corrente, não é a simples agregação de votos, mas sim o debate público que é feito anteriormente à tomada da decisão e que irá orientá-la. Dessa maneira, conforme afirmou S. Chambers, a democracia deliberativa move o coração da democracia para longe do voto e o aloca dentro da discussão na esfera pública. (CHAMBERS, 2003 p. 311). E dentro os vários autores que passaram a considerar a deliberação pública como a principal característica da democracia, Jürgen Habermas é o maior expoente, eis que foi ele o teórico fundador da democracia procedimental baseada na razão discursiva, teoria democrática esta que foi seguida, criticada e, consequentemente, aprimorada por diversos autores posteriormente. Enfim, duas recentes teses de doutorado, uma da Universidade de Coimbra – Portugal e outra da Universidade de São Paulo – Brasil7, chegaram à semelhante conclusão no que tange às vertentes “quantidade e qualidade” dentro de uma democracia: a de que a corrente da democracia participativa, dentro da vertente quantidade, e a corrente deliberativa, dentro da vertente qualidade, são as que, conjugadas, possuem o poder de realizar uma democracia de alta intensidade. Denise Mendes vislumbrou essa democracia de alta intensidade como um “conceito contemporâneo de democracia participativa”. Tal conclusão é corroborada pelos inúmeros exemplos que mostram, hoje, a concepção do princípio participativo como um princípio que encerra, em si mesmo, tanto a idéia de participação strictu sensu como a idéia de deliberação pública (portanto, uma participação deliberativa). Assim, participação, hoje, não é sinônimo do ato único e individual de votar (seja em eleições ou seja em referendos e plebiscitos): é muito mais do que esse acto, é participar deliberativamente das inúmeras situações e espaços da vida pública do país. A concepção participativa-deliberativa da democracia tem-nos permitido alocar a sociedade civil ao lado do Estado como um dos sujeitos da governança democrática. Nesse mesmo sentido o cientista político T. M. Thomas Isaac afirmou que “uma democracia possui duas características inter-relacionadas – uma sociedade civil robusta e um Estado capaz”. Sociedade civil e Estado, portanto, são os sujeitos da governança democrática, dois sujeitos que dialogam e se conformam mutuamente, um exercendo influência sobre o outro. E essa mútua influência ocorre tanto na arena institucional como na não-institucional (pois o fenômeno político é bem mais amplo do que a política institucionalizada), e nas escalas local, nacional, regional e global. O Estado é o sujeito que ocupa primariamente a arena institucional da governança democrática, e todas as ações do Estado caracterizam-se por estarem revestidas com o manto da institucionalidade. Na escala global, as organizações internacionais (como a ONU, a OMC, a OTAN, etc.) também se alocam na arena institucional, mas isso porque, em última análise, os Estados

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(MENDES, 2004) e (PEREIRA M., 2008).

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são os membros formadores de tais organizações que “concederam” parte do seu manto institucional a elas. A sociedade civil, por outro lado, tem como principal lócus a arena não institucional, ou seja, a arena onde os atos não estão vinculados ao Estado, não foram mandados nem planejados pelo mesmo, ainda que tais atos tenham grande força política. Como exemplo, podemos citar a atuação majoritária dos movimentos sociais e ONG’s, os quais, por si próprios, com ou sem a aquiescência do Estado (e muitas vezes estão protestando contra atos do Estado), promovem, sob diversas formas, intensa argumentação pública. Da mesma forma poderíamos citar os meios livres de imprensa, a comunidade científica, as empresas e o setor corporativo, as escolas, as comunidades religiosas, etc. Todos estes fazem parte da sociedade civil e são sujeitos aptos a promoverem a argumentação pública no seio da sociedade. Entretanto, a atuação da sociedade civil não se confina somente na arena nãoinstitucional: é cada vez mais frequente a abertura de espaços e instrumentos institucionais à participação da sociedade civil. Mais relevante ainda é quando tais espaços estão inseridos em processos de tomada-de-decisão, conforme se verá adiante. De toda forma, o que há de mais caracterizador na atuação da sociedade civil, seja em espaços institucionais ou não-institucionais, é o fato de que ela é o sujeito da governança democrática que, por excelência, promove a argumentação pública; é nela que recai e é para o empoderamento dela que se advoga, portanto, o princípio da participação-deliberativa. Isso porque é no momento da participação deliberativa que a sociedade civil mostra toda a sua importância e essencialidade, mostra o que mais tem a contribuir para a governança e as tomadas-de-decisões. Nesse sentido, a atuação da sociedade civil na governança democrática tem ocorrido segundo várias formas, espaços e instrumentos de participação deliberativa. Por exemplo: a atuação não-institucional de ONG’s que, através de atos públicos (como passeatas) ou de campanhas mediáticas, em nível local, nacional ou global, promovem o debate na sociedade acerca de algum tema específico. Encaixa-se nesse exemplo a marcante atuação mediática de ONG’s ambientais globais, como o Greenpeace e o WWF. Apesar de tal atuação não vincular as decisões do Estado, sobre elas exerce influência, principalmente se considerada em seu conjunto e a longo prazo, quando o tema do debate já se torna parte da consciência coletiva. Outro exemplo seria a participação da sociedade civil em espaços semiinstitucionais ou institucionais de deliberação, como as conferências promovidas pelas organizações internacionais (as conferências da ONU no tema do meio ambiente e desenvolvimento sustentável são um dos maiores exemplos) e as audiências públicas para a criação de uma lei ou para a concessão de um licenciamento ambiental, em nível local ou nacional. Aqui, a atuação da sociedade civil continua a ser, na maioria dos casos, nãovinculativa, mas já se percebe a ampliação do espaço político institucional no sentido de abraçá-la.

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Ademais, a atribuição de legitimidade processual ativa a pessoas coletivas da sociedade civil (associações em geral, como ONG’s e movimentos sociais) na defesa de interesses coletivos ou difusos (como a proteção do meio ambiente) constitui-se em um exemplo de abertura à sociedade civil de instrumentos e espaços institucionais de poder vinculativo (as ações jurisdicionais e o poder judiciário, respectivamente), os quais também possuem um caráter deliberativo, embora a deliberação aqui ocorra dentro dos parâmetros jurídico-processuais. Por outro lado, o regime de alocação do trabalho e distribuição da riqueza incide diretamente no exercício dos direitos garantidos pela democracia política, na medida em que cria desigualdades de poder e de oportunidades. Este processo se deu em boa parte às custas da perda de espaço pelo Estado, que descobre no nicho de poder deste último um grande espaço para que os indivíduos desenvolvam seus potenciais. Diferentes significados podem ser atribuídos ao vocábulo desenvolvimento. Até recentemente, o conceito estava restrito a pesquisas e teorias voltadas para a avaliação de crescimento econômico (segundo o aumento da renda per capita) e modernização da produção. Tal perspectiva começou a se alterar, entretanto, a partir dos anos 60 e 70, quando se observou altos níveis de crescimento em alguns países sem alteração na condição de vida da maior parte de população, sem redistribuição de renda ou aumento dos índices de emprego (TODARO; SMITH, 2009, p. 15) “A teoria do desenvolvimento trata de explicar, numa perspectiva macroeconômica, as causas e o mecanismo do aumento persistente da produtividade do fator trabalho e suas repercussões na organização da produção e na forma como se distribui e utiliza o produto social (...) Não basta construir um modelo abstrato e elaborar a explicação do seu funcionamento. Igualmente importante é a verificação da eficácia explicativa desse modelo em confronto com uma realidade histórica” (FURTADO, 2000). Na realidade, a História revela uma luta constante pelo respeito aos direitos de escolha do Ser Humano e pelo alargamento das oportunidades e possibilidades das escolhas, uma luta que as ditaduras procuram contrariar impondo suas próprias escolhas, quer se trate de ditaduras visando o controlo do poder político ou dos mercados. A manutenção de um sistema democrático requer um controle sobre o mercado econômico liberalizado, espaços democráticos que consigam garantir a vivência dos direitos humanos, da igualdade, da cidadania. Trata-se de objetivo que depende principalmente da atuação dos Estados, pois estes têm hoje papel fundamental para conseguir a recuperação da política em âmbito global. Atualmente, o desenvolvimento é analisado a partir de aspectos diversos, não mais se restringindo a análises puramente econômicas. Um dos principais autores que contribuiu para esta expansão do significado de desenvolvimento foi Amartya Sen. Este autor assevera a necessidade de se dissociar privação de renda e privação de liberdade, visto que o primeiro tipo nem sempre revela outras limitações à qualidade de vida dos indivíduos. Sen chama a atenção para o conjunto de oportunidades reais disponíveis para o sujeito. Define, 9

então, capability como “liberdade substantiva de realizar combinações alternativas de funcionamentos” (SEN, 2000, p. 95) e apresenta um entendimento segundo o qual a liberdade seria tanto fim quanto meio do processo de desenvolvimento. A partir desta importante expansão conceitual, o estudo do desenvolvimento incorporou debates de outras áreas e passou a considerar variáveis não econômicas na avaliação da melhoria da qualidade de vida em países subdesenvolvidos. Dentre estas novas dimensões envolvidas, uma questão extremamente polêmica tem sido aquela que trata do papel da democracia. Do ponto de vista das análises empíricas, haveria aproximadamente um terço dos pesquisadores que encontra um papel positivo para a democracia, um terço apontando para um papel neutro e um terço que indica efeito negativo (TODARO; SMITH, 2009, p. 559).

3. RELAÇÕES DA ECONOMICO.

DEMOCRACIA

COM

DESENVOLVIMENTO

Karl Marx expressou a convicção de que propriedade privada e sufrágio universal são incompatíveis (1952, p. 62). De acordo com sua análise, a democracia inevitavelmente "desencadeia a luta de classe": os pobres usam a democracia para expropriar os ricos; os ricos são ameaçados e subvertem a democracia, tipicamente ao "abdicar" do poder político em favor das forças armadas permanentemente organizadas. Em consequência, ou o capitalismo ou a democracia sucumbem. A combinação de democracia e capitalismo é assim, nas palavras de Marx, uma forma de organização da sociedade inerentemente instável, "somente a forma política da revolução da sociedade burguesa, e não sua forma de vida conservadora" (1934, p. 18), "somente uma situação espasmódica excepcional [...] impossível enquanto forma normal da sociedade" (1971, p. 198). Em retrospeção, essas conclusões são obviamente exageradas. Existem hoje no mundo catorze países que foram capitalistas e democráticos, de maneira contínua, nos últimos cinquenta anos. No entanto, essas visões clássicas devem ser suficientes para ao menos pôr em questão a afirmação, ultimamente em moda, de que a democracia necessariamente promove o desenvolvimento através da salvaguarda dos direitos de propriedade. Há também uma importante discussão que trata da democracia como um produto do desenvolvimento econômico (LIPSET, p. 1959). Neste sentido, o padrão de vida da população determinaria sua propensão a sustentar um regime democrático8. Argumentos que relacionam regimes com crescimento centram-se em direitos de propriedade, pressões por consumo imediato e autonomia dos ditadores. Embora todos pareçam concordar que a garantia dos direitos de propriedade estimula o crescimento, é controversa a questão de quem melhor protege esses direitos, se as democracias ou as ditaduras. O principal mecanismo 8

Esta análise não constitui objeto deste trabalho.

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através do qual a democracia é vista como um obstáculo ao crescimento são as pressões por consumo imediato, que reduzem o investimento. Um dos entendimentos mais importantes atualmente é aquele apresentado por Amartya Sen, considerando o desenvolvimento um processo de expansão das liberdades reais individuais (SEN, 2000, p. 32), que são o fim e o meio do processo de desenvolvimento. Este autor ressaltou a insuficiência da perspectiva que compreende o desenvolvimento somente como acumulação de riqueza, afirmando que esta não é a única variável que se deve considerar ao tratar-se de melhoria da qualidade de vida e consolidação das liberdades individuais (SEN, 2000, p. 28). De fato, observa-se que a promoção do desenvolvimento precisa incluir um grande número de prestações em áreas diversas, como saúde, educação, meio ambiente, segurança. Estas prestações têm como finalidade eliminar privações que vão além da privação de renda. O autor reafirma a importância instrumental das liberdades para o crescimento, mas acrescenta que elas são também importantes por si mesmas, enquanto elementos constitutivos da liberdade humana (SEN, 2000, p. 33). Conforme esta concepção mais ampla de desenvolvimento que incorpora o bem-estar social – e ressalta a importância de liberdades políticas e civis – a democracia que assegure tais liberdades estaria contribuindo para o processo de desenvolvimento. No final dos mesmos anos cinquenta do século vinte, Seymour Lipset recorrendo a uma grande variedade de indicadores de democracia e de desenvolvimento, como o nível do rendimento, a taxa de urbanização e de industrialização, por exemplo, e comparando vários países, estabelecia uma correlação positiva entre o nível de desenvolvimento e o grau de liberdade, permitindo-se estabelecer uma série de condições económicas para a democratização (LIPSET, 1959). Os argumentos utilizados por Lipset para justificar esta correlação ainda hoje são relativamente bem aceites e assentam, essencialmente, na possibilidade do desenvolvimento, por um lado, estimular a educação e, por outro lado, operar uma redistribuição da riqueza e do poder no seio da população. O processo de desenvolvimento operário, ainda, uma deslocação do equilíbrio de forças entre as diferentes classes sociais, que permitiria, por sua vez, diluir o poder no seio da sociedade civil. Ora, a constituição desta classe média trabalhadora resultaria, justamente, da urbanização, da industrialização e do progresso verificado nos transportes e nas comunicações (HUBER e outros, 1993), componentes históricas, como se sabe, de um processo tradicional de desenvolvimento. Assim, apesar da democratização ser um processo eminentemente político, os aspectos económicos parecem desempenhar também um papel de extrema importância. “Além de reconhecer, fundamentalmente, a importância avaliatória da liberdade, precisamos entender a notável relação empírica que vincula, umas às outras, liberdades diferentes. Liberdades políticas (na forma de liberdade de expressão e eleições livres) ajudam a promover segurança econômica. Oportunidades sociais (na forma de serviços de educação e saúde) facilitam a participação econômica. Facilidades econômicas (na forma de oportunidades 11

de participação no comércio e na produção) podem ajudar a gerar a abundância individual, além de recursos públicos para os serviços sociais. Liberdades de diferentes tipos podem fortalecer umas às outras” (SEN, 2000). A definição de um processo como democrático e de desenvolvimento, não quer dizer que se deva aguardar seu acabamento – o que aliás pode nem nunca ocorrer na medida em que o progresso humano é infinito. É a obtenção progressiva de resultados que fornece indicadores de desenvolvimento democrático, quer dizer de aumento das liberdades, oportunidades e capacidades. As temáticas relacionadas de sustentabilidade e irreversibilidade da fase transitória e de sua duração, dependem de fatores específicos, por vezes de cada país ou, mais frequente ainda, por grupos de estágios de desenvolvimento. Portanto, a democracia contém um valor em si, que vai além de sua função instrumental para o desenvolvimento. Observa-se uma relação identitária entre democracia e desenvolvimento. Entendido como melhoria do bem-estar, o desenvolvimento inclui a autonomia e participação popular como seus componentes, de modo que não é suficiente, para esta tese, identificar apenas seu papel instrumental. A democracia é um componente essencial do processo de desenvolvimento por seu papel instrumental, mas também por sua importância direta e por seu papel construtivo (SEN, 2000, p. 175). Pode-se observar que, segundo esta concepção, ao se fortalecer a democracia estaria sendo também favorecido, por definição, o processo de desenvolvimento: “A luz da autonomia municipal, nas dimensões administrativas, politica, financeira, legislativa e auto-organizatória, ressalva-se a importância capital da autonomia financeira, sem a qual as demais autonomias se encobrem nas trevas da dependência e da subserviência politica (CORRALO, 2006 p. 154). Segundo estas análises, com uma governação Democrática, espera-se obter (a) alocação mais eficiente de recursos (ou seja, melhor utilização dos frutos do crescimento econômico), (b) melhores políticas públicas (contribuindo para uma melhor qualidade de vida) e (c) melhores instituições que, por sua vez, vão gerar melhores políticas públicas e alocação mais eficiente de recursos. Outro aspecto importante é o favorecimento de uma forma de organização de poder descentralizada. Neste contexto, a ênfase na descentralização política está ligada à mesma questão do aumento da participação popular, fortalecida por um argumento de eficiência alocativa. A descentralização – associada a mecanismos de participação locais ou regionais – poderia levar as decisões sobre políticas públicas para o poder mais próximo à sociedade, de modo a melhorar a qualidade e eficiência das políticas empreendidas pela Administração. Corralo (2006, p. 141) enfatiza que não é possível conceber um requisito da autonomia municipal a existência de condições por parte da população local para o exercício do poder, uma vez que não existem atalhos para o amadurecimento institucional. Assim o próprio exercício da democracia e da política possibilita os necessários avanços em termos culturais, sociais e políticos. Observa-se com esta teoria que a democracia pode favorecer a construção de instituições que melhor traduzem as necessidades sociais, contribuindo para 12

uma prestação mais eficiente de serviços públicos, que pode contribuir para melhorar qualidade de vida para a população. A democracia na esfera política exacerba essa divergência ao garantir a igualdade do direito de influenciar a alocação de recursos. De fato, a distribuição do consumo causada pelo mercado e aquela escolhida pelos cidadãos através do voto devem ser diferentes, uma vez que a democracia oferece, através do Estado, uma oportunidade de reparação àqueles que são pobres, oprimidos ou mesmo miseráveis como consequência da distribuição inicial de dotações. Munidos de poder político na forma de sufrágio universal, aqueles que sofrem as consequências da propriedade privada tentarão usar esse poder para expropriar os ricos: na linguagem moderna, se o eleitor mediano é decisivo e se a curva da distribuição de renda gerada pelo mercado é assimétrica à direita (como sempre é), o equilíbrio da decisão por maioria (se algum existir) levará a uma maior igualdade de renda. Assim, não se justifica o uso generalizado em estudos econométricos da democracia como proxy para garantias de direitos de propriedade9: a democracia pode promover o crescimento, mas não via este mecanismo. Fundamenta-se que a expansão da democracia – por meio de mecanismos como voto, participação e controle social da gestão de recursos – contribui para o desenvolvimento por meio do aumento da eficiência da Administração Pública e melhor atendimento das necessidades sociais. E quanto maior e mais intensa for a sua utilização, maior a legitimidade do poder público, especialmente na formulação, execução e avaliação das políticas públicas locais. (CORRALO, 2010, p. 289-306). A democracia participativa é compreendida mediante os seus instrumentos de participação e controle social sobre a máquina pública, a se sobressair instrumentos vinculantes ao gestor (plebiscito, referendo e conselhos deliberativos) ou não vinculantes (conselhos consultivos, ouvidorias, consultas públicas e audiências públicas). De qualquer forma, em momento algum se busca diminuir ou desconsiderar o insubstituível espaço da democracia representativa, mas aumentar a legitimidade das ações governamentais com o maior grau possível de interação social. Trata-se de dar concretude máxima ao Estado Democrático de Direito consubstanciado na Constituição de 198810. É especialmente neste ponto, ao tratar da qualidade das instituições, que se destaca a importância da democracia com seu papel instrumental para o desenvolvimento. A democracia é enfatizada, em primeiro lugar, pela sua capacidade de traduzir as demandas dos cidadãos em prestações mais adequadas por parte do poder público. Outro benefício associado à democracia está no incentivo gerado pela possibilidade de perda do poder político, a qual tornaria os políticos eleitos mais inclinados a considerar as preferências dos cidadãos.

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Observe-se que este uso implica que as ditaduras são invariavelmente hostis à propriedade privada. Barro (1989, p. 22) só conseguiu encontrar, em todo o mundo, três que não o eram: Chile, Coreia do Sul e Singapura. 10 CORRALO, Giovani da Silva. A democracia participativa nos municípios brasileiros. In: HERMANY, Ricardo (Org.). Empoderamento Social Local. Santa Cruz: Editora IPR, p. 289-306, 2010.

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Além disso, espera-se do governo democrático uma maior transparência, que também deveria contribuir para um ganho de eficiência do poder público. Todos estes aspectos são viabilizados por mecanismos de participação que são encontrados (em maior ou menor grau) nos regimes democráticos. Entende-se, portanto, que a efetivação das políticas públicas no interesse da sociedade ocorre da melhor forma em regimes democráticos que permitem o acesso dos grupos interessados (BHAGWATI, 2002), comunicando suas demandas e participando da formulação das decisões administrativas. Esperase obter, assim, um uso mais eficiente dos recursos públicos, bem como o aumento do controle exercido pela sociedade em relação às políticas públicas governamentais. O crescimento econômico é necessário, porém não é suficiente para o desenvolvimento. O economista Jagdish Bhagwati (2002, p. 156) enfatiza o entendimento segundo o qual o atendimento às demandas sociais por parte do Estado somente poderá ser oferecido pelos governos se houver crescimento econômico, mas o uso dos recursos conforme as necessidades sociais exigem que o sistema político ofereça incentivos para traduzi-las em demandas efetivas. Combinada com abertura de mercado, a democracia parece confirmar o seu papel de fornecer mecanismos que comunicam as demandas sociais para o interior do Estado. A compreensão mais ampla de desenvolvimento combinase, então, com a expansão da importância da participação e a busca de inovações e manifestações surgidas no nível local. Espera-se que a efetivação da democracia e das liberdades políticas não só traga uma maior eficiência para os governos como também possam contribuir para a melhor qualidade do desenvolvimento. Entende-se que a democracia produz o incentivo para os governantes melhor atenderem às necessidades sociais diante do risco de perda do cargo, esta corrente oferece o argumento de que a perspectiva de perda das eleições pode também ser incentivo para um governante buscar realizações de curto prazo que sejam facilmente exibidas em campanhas, prejudicando investimentos de longo prazo – ou, ainda, um político corrupto teria o incentivo de roubar o máximo possível no tempo que lhe resta antes de deixar o cargo (TODARO; SMITH, 2009, p. 559). A razão pela qual os cientistas sociais têm pouco conhecimento estatístico sólido quanto ao impacto dos regimes sobre o crescimento é que o desenho de pesquisa necessário para gerar tal conhecimento é complexo. De acordo com Lipset, todos parecem acreditar que a durabilidade de qualquer regime depende de seu desempenho econômico. Crises econômicas são uma ameaça tanto para democracias como para ditaduras. A probabilidade de que um regime sobreviva a uma crise não precisa ser a mesma, entretanto, para democracias e ditaduras: uma das razões para isso é que sob uma democracia é mais fácil mudar o governo sem mudar o regime, uma outra é que as democracias derivam sua legitimidade de algo além de seus desempenhos econômicos. Temos também o argumento de Olson (1963; também Huntington, 14

1968) de que o crescimento rápido é desestabilizador para democracias mas não para ditaduras. Ao computar a média das taxas de crescimento de dez países sul-americanos entre 1946 e 1988, descobre-se que os regimes autoritários cresceram a uma taxa média de 2,15% ao ano, enquanto os países democráticos cresceram a uma taxa de 1,31%. Portanto, somos levados a concluir que o autoritarismo é melhor para o crescimento do que a democracia. Mas, suponhamos que, na verdade, os regimes não tenham nenhum efeito sobre o crescimento. Entretanto, os regimes diferem em suas probabilidades de sobreviver a diferentes condições econômicas: quando o desempenho é ruim, os regimes autoritários têm menor probabilidade de sobreviver do que as democracias. Um dos principais porta-vozes desta perspectiva é o ex-primeiro ministro de Cingapura, Lee Kuan Yew (que ocupou o cargo de 1959 a 1990), para quem um regime autoritário tem melhores condições de conduzir um país ao desenvolvimento. Ele afirma (apud BHAGWATI, 2002, p. 151): Acredito que aquilo que um país necessita para se desenvolver é disciplina mais do que democracia. A exuberância da democracia conduzà indisciplina e conduta desordenada, que são inimigas do desenvolvimento.

Seria necessário, segundo esta teoria, fazer uma escolha entre atender a exigências econômicas mais urgentes ou permitir o curso mais demorado e “desordenado” das decisões democráticas. Aponta-se, por exemplo, para o desenvolvimento econômico da Índia, inferior àquele da China, afirmando que isto se deve justamente ao fato de aquela ser uma democracia. Diante de situações dramáticas encontradas nos países pobres, afirma-se que a democracia seria um “luxo” que resultaria em um custo em termos de crescimento e demora nas decisões que visam a melhoria dos padrões de vida da população. Adam Przeworski e Fernando Limongi (1993, p. 55) destacam que esta teoria simplesmente pressupõe que os ditadores possuem uma visão “desenvolvimentista” voltada para o futuro, dado que não haveria nenhum incentivo para agirem desta forma e não em seu próprio interesse (ao contrário das democracias, normalmente sujeitas às pressões da sociedade). Esta perspectiva, portanto, pressupõe que o governo autocrático irá agir conforme o interesse da população e de forma eficiente – porém nenhum argumento explicita qual seria seu incentivo para fazê-lo. Consequentemente, o Estado, livre das pressões sociais que dificultariam o desenvolvimento, seria o principal agente deste processo. Assim, a democracia é colocada em uma relação contraditória com o desenvolvimento econômico. Alguns estudos ressaltam, ainda, que as democracias superam os regimes autoritários em qualidade (RODRIK, 1998). Há evidência apontando também para uma correlação negativa entre falta de liberdades civis e políticas e crescimento econômico (DE HAAN; SIERMANN, 1996). Estas, por outro lado, são importantes ferramentas da democracia: a liberdade política permite que os cidadãos exerçam algum controle sobre os governos. A possibilidade de rejeitar políticos corruptos ou que não satisfazem aos critérios da população ou 15

de apoiar os que atendem às exigências da maioria contém uma expectativa de melhoria na qualidade dos políticos11. É preciso ressaltar desde já, entretanto, que os resultados positivos de crescimento observados em alguns governos autoritários parecem tratar-se da exceção, e não da regra. Rodrik (1999, p. 22) enfatiza que se, por um lado, sob o autoritarismo, os países do Leste Asiático prosperaram, por outro lado, muitos outros – como Zaire, Uganda e Haiti – assistiram à deterioração de suas economias. Por fim, deve-se ressaltar que a democracia, em si, não é um instrumento para geração de riqueza, devendo ser associada a liberdades econômicas para que se alcance o crescimento econômico e o desenvolvimento buscados. Para Bhagwati (2002, p. 159): É improvável que a democracia, sem mercados, gere crescimento. Mesmo que as instituições democráticas de um país facilitem a criação de novas idéias e novas tecnologias, a habilidade de traduzir estas idéias e knowhow em inovações efetivas e eficiência produtiva está em desvantagem pela ausência de mercados.

3.1. GOVERNAÇÃO DEMOCRÁTICA E DESENVOLVIMENTO: O caso de África. Benno Ndulu e Stephen O’Connel testaram a hipótese de Lipset12 para África e descobriram que os países que, na altura da independência, adoptaram um sistema político multi-partidário, partiram de um nível de rendimento superior aos países que, pelo contrário, optaram por várias formas de autoritarismo (Ndulu e O’Connel, 1999: 50), dando a entender que esta hipótese, isto é que o nível da riqueza determina o arranque do processo de democratização, no fundo, estava correcta. Em geral, e no que concerne à consolidação, à durabilidade da governação democrática, Adam Przeworski e outros sustentam que acima de um patamar de 6005 dólares por habitante nenhuma democracia no mundo jamais foi derrubada, enquanto que abaixo de um rendimento médio de 1000 dólares a esperança de vida de uma democracia tem sido de, apenas, seis anos (PRZEWORSKI et al., 2000). A justificação para esta relação parece encontrar-se, em primeiro lugar, na redução de intensidade dos conflitos distributivos quando o nível de rendimento médio, ou a sua taxa de crescimento, são elevados, o que permite que estes conflitos possam ser resolvidos sob o império da lei em vez de o serem sob o da força; em segundo lugar, no facto de um rendimento médio elevado ser fundamental para a constituição das tais classes médias vigorosas e, em terceiro lugar, na importância que tem como impulsionador da melhoria dos níveis de educação da população. 11

Segundo Easterly (2006, p. 103): partidos políticos competem para agradar os eleitores, da mesma forma que empresas competem para agradar seus consumidores. A geração de políticos seguintes se sairá melhor na prestação destes serviços. Certamente, nenhuma democracia chega perto de funcionar como este ideal, mas algumas chegam perto o suficiente para tornar o desenvolvimento possível. 12 A durabilidade de qualquer regime depende de seu desempenho econômico.

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Além disso, vários estudos empíricos credíveis parecem demonstrar que não existe qualquer relação entre o nível do rendimento por habitante e a democracia. James Robinson descobriu que se o rendimento e a democracia aparecem correlacionados tal se deve ao facto de determinadas características de uma sociedade estarem na origem tanto da sua prosperidade como da natureza democrática da sua governação (Robinson, 2006). No estudo anteriormente mencionado, embora Adam Przeworski e outros defendam que o nível do rendimento por habitante exerce um efeito sobre a taxa de sobrevivência de uma democracia, advertem, no entanto, que não encontraram qualquer relação entre o mesmo nível do rendimento e a taxa de surgimento da democracia (PRZEWORSKI et al., 2000). Muitos outros estudos confirmaram esta teoria (vide Acemoglu et al., 2005; PNUD, 2002), reforçando a ideia de que o nível do rendimento por habitante não constitui nem um obstáculo decisivo nem uma condição prévia para a democratização. De facto, o argumento do nível do rendimento entre outros do mesmo género, tem servido, sobretudo, aos governos autocráticos para oferecer alguma legitimidade científica à sua falta de vontade em iniciar um processo de transição democrática, e em proporcionar às pessoas tanto direitos civis e políticos como direitos económicos, sociais e culturais. Em 1968, por exemplo, pouco depois de um golpe militar bem-sucedido ter posto fim ao regime civil de Illia e colocado no poder o general Ongania, um alto funcionário afirmou a Albert O. Hirschman que afinal o que se estava a fazer na Argentina resultava da aplicação dos seus próprios princípios sobre o crescimento desequilibrado, continuando: Na Argentina não podemos alcançar simultaneamente todos os nossos objectivos políticos, económicos e sociais. Decidimos então proceder por etapas como numa sequência de crescimento desequilibrado. Antes do mais devemos resolver os nossos problemas económicos, ou seja restabelecer a estabilidade económica e estimular o crescimento, em seguida procuraremos uma maior equidade social e só então o país estará maduro para o restabelecimento das liberdades civis e para outros progressos políticos (HIRSCHMAN, 1988: 112).

O nível do rendimento não parece, pois, constituir uma condição necessária para a democracia o que aliás é corroborado pelos inúmeros exemplos de países democráticos de rendimento baixo, dos quais se destaca a Índia. Todavia, a sua evolução, isto é o ritmo do seu crescimento, é mais susceptível de influenciar o processo de democratização. Assim, em muitos países pobres democráticos, na Ásia nomeadamente, tem-se assistido a um sensível crescimento económico, enquanto na África subsaariana, pelo contrário, o panorama é deveras negativo. Com efeito, nesta parte do continente, os salários reais caíram em mais de 25% entre 1970 e 1998 (HUGON, 2001: 64). Por outro lado, entre 1975 e 2002 o conjunto dos países em vias de desenvolvimento viu o seu rendimento por habitante crescer em 2,3% ao ano enquanto que, pelo contrário a África Subsaariana viu o seu rendimento por habitante diminuir a uma taxa de 0,8% ao ano no mesmo período (PNUD, 2004: 187). O empobrecimento, ao contrário da pobreza, assume-se, então, como um provável obstáculo à democracia. Vejam-se em contraste as taxas de 17

crescimento económico das democracias africanas mais bem consolidadas. No período acima referido o rendimento por habitante nas Ilhas Maurícias cresceu 4,6% ao ano, no Botswana 5,1% e em Cabo Verde 3,0% (PNUD, 2004: 185186). Apesar da viva controvérsia que tem suscitado o debate em torno da utilidade económica da democracia, parece transparecer, no entanto, a existência de uma espécie de consenso de segundo grau acerca da ideia de que a democracia é o melhor sistema político para promover o desenvolvimento. Assim, devemo-nos questionar sobre as razões que levam muitos dirigentes políticos africanos a estarem tão pouco inclinados para democratizar as suas sociedades. No que diz respeito à sua estrutura económica, a maior parte das economias africanas estão dependentes da exportação duma escassa variedade de recursos naturais ou de produtos da agricultura de plantação. De acordo com dados da CNUCED para 2004-2005, de entre os 39 países africanos para os quais se possuem dados, em 17 destes países as receitas de exportação dependem em mais de 75% de três ou menos matérias-primas, em 12 países entre 50% a 75% das mesmas receitas de exportação dependem de três matérias-primas, e em apenas 10 países as três principais matérias-primas exportadas representam menos de 50% das exportações (UNCTAD, 2007). O que remete a seguinte questão “que governo vai ceder a pressões dos cidadãos se não precisa deles para as receitas fiscais e para o Orçamento Geral do Estado?”; Seguindo a mesma linha de raciocínio, quanto mais marcado for o carácter extractivo da economia, maior será o risco do grupo no poder de se tornar num perdedor político, por outras palavras maior será o risco de perder o estatuto económico e social no caso de ser substituído no poder, o que por sua vez favorece o recurso a estratégias autoritárias para o manter. Para além disso, este tipo de estrutura económica não favorece o aparecimento de novas elites que se envolveriam na luta pelo poder político com as antigas elites, forçandoas a aceitar a alternância e o jogo democrático (vide Mazo, 2005). Não é de todo inesperado que estas características económicas incentivem os dirigentes a manterem o poder a todo o custo. Ainda estará, porventura, fresca, na memória de muitos observadores atentos da política em Moçambique uma reveladora entrevista conduzida por ocasião das primeiras eleições multi-partidárias realizadas neste país. A reportagem televisiva abordou um transeunte nas ruas de Maputo e perguntou-lhe qual a sua opinião acerca do desempenho da Frelimo, o partido no poder desde a independência. Em resposta o cidadão declarou às câmaras que a Frelimo havia passado a maior parte do tempo a roubar o povo. A entrevista continuou e foi perguntado ao nosso transeunte Maputense em quem iria ele votar no dia das eleições. Para espanto do entrevistador, anunciou que iria votar na Frelimo. Quando este o confrontou com a possibilidade do seu juízo ser contraditório com a sua previsível acção, ou seja de o seu voto não reflectir a sua opinião sobre o desempenho político da Frelimo, o entrevistado respondeu de um modo surpreendente e ao mesmo 18

tempo extremamente lúcido. É que ao contrário dos seus competidores, nomeadamente a Renamo, a Frelimo já tinha roubado o povo, disse ele. Estes incentivos contraditórios não são, aliás, característicos apenas dos países dependentes de recursos naturais ou de agricultura de plantação. A simples omnipresença do Estado, porventura mais frequente neste tipo de países, é por si só um importante factor de défice democrático. Robert Dahl mostra como a economia da América descrita por Alexis de Tocqueville, em a Democracia na América, assentava numa agricultura individual altamente descentralizada, que dava muito poucas oportunidades aos políticos de se apropriarem dos recursos, o que favoreceria, segundo ele, o desenvolvimento democrático (DAHL, 2000 p. 194). Quando, pelo contrário, os políticos beneficiam de um acesso directo aos recursos da nação, através do governo, torna-se, de facto, mais difícil convencê-los a aceitarem transferir pacificamente o poder para agrupamentos políticos rivais. Pois o Estado de Direito ou o devido regramento jurídico requer a existência de normas jurídicas precisas e claras a nortear o desenvolvimento e disciplinar a relação com as pessoas e os agentes econômicos, com o mínimo de estabilidade e previsibilidade. Quando se tem por base o desenvolvimento numa economia de mercado esta dimensão acaba por ser essencial diante dos atores privados que conduzem ao desenvolvimento econômico. Assim, a administração municipal desfruta de um considerável espaço de liberdade para a elaboração de políticas públicas, consoante o poder municipal refletido na autonomia gozada pelos entes locais na organização…... Esta liberdade abarca a conformação da administração pública, tanto na perspectiva subjetiva, que diz respeito à sua organização em órgãos públicos e entes da administração indireta, como também na perspectiva objetiva, que remete à funcionalidade das atividades administrativas. (CORRALO, 2012, p. 116-130). É verdade que numa sociedade tão fustigada pela guerra e por governações totalitárias e autoritárias – incluindo a do passado colonial –, por pressões e incidências externas (políticas, económicas e de todo o tipo), e sem tecido empresarial com significativo peso na economia e na política, seria muito difícil imaginar uma sociedade civil forte. Todavia, para a fragilização da sociedade civil dos países africanos contribuem vários factores que a ela são externos e que importa ter em linha de conta o peso: da história; da fonte do Orçamento e dos meios de comunicação social13. Certos discursos falam de liberdade democrática como se tratasse de devolver ao povo africano uma liberdade perdida. Creio que não perderíamos nada em admitir, que essa liberdade democrática invocada hoje, nunca existiu antes no seio das sociedades a partir das quais se constituiu a sociedade angolana. E quanto à memória recente, àquela que decorre das experiências vividas pelas

13

Pacheco, Fernand. Factores limitadores das OSC, in PROJECTO de PESQUISA – Acção Processos de Democratização e Desenvolvimento em Angola e na África Austral Relatório de Progresso 2004/2009. Media XXI / Editora Firmamento Luanda, Bruxelas & Lisboa, Novembro de 2009, Pag. 8.

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gerações em presença, o que temos vivido é antes uma cultura de guerra, de violência e de sobrevivência14.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Com base nas reflexões feitas neste artigo é possível chegar às seguintes conclusões: I.

Os estudos empíricos revelam uma dificuldade em se sustentar uma relação causal entre os dois conceitos analisados. Por um lado, tem-se o fato de que a maioria dos países desenvolvidos são democracias. Por outro lado, encontram-se evidências em sentidos opostos: crescimento observado sob regimes autoritários e falta de crescimento sob regimes democráticos.

II.

Alguns estudos ressaltam, ainda, que as democracias superam os regimes autoritários em qualidade. Há evidência apontando também para uma correlação negativa entre falta de liberdades civis e políticas e crescimento econômico. Estas, por outro lado, são importantes ferramentas da democracia: a liberdade política permite que os cidadãos exerçam algum controle sobre os governos. A possibilidade de rejeitar políticos corruptos ou que não satisfazem aos critérios da população ou de apoiar os que atendem às exigências da maioria contém uma expectativa de melhoria na qualidade dos políticos.

III.

A democracia realiza a importante função de vigilância daqueles que detêm o poder. Por outro lado, aponta-se para outra ferramenta que a democracia – ao menos potencialmente – também possui: comunicar aos governantes a preferência dos cidadãos. Essas duas características – accountability e feedback – são muito mais difíceis (se não impossíveis) de se alcançar sob uma autocracia.

IV.

Uma possível explicação para o fato de que algumas democracias crescerem e outras não pode estar associada aos detalhes do desenho institucional de diferentes regimes democráticos, sendo tais mecanismos mais efetivos em alguns contextos do que em outros leva a considerar que talvez as democracias também dependam de outros fatores (especialmente, institucionais) para que funcionem efetivamente como meios de promoção do desenvolvimento.

V.

Apesar de não haver uma relação comprovada entre Governação democrática e desenvolvimento, parece ser possível reconhecer um relevante papel instrumental da democracia para o melhor funcionamento do Estado nos interesses da população, permitindo uma melhor compreensão das necessidades sociais e um melhor desenho das políticas públicas.

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Carvalho, R. Duarte . Deficits de democracia angolana in PROJECTO de PESQUISA – Acção Processos de Democratização e Desenvolvimento em Angola e na África Austral Relatório de Progresso 2004/2009., Media XXI / Editora Firmamento Luanda, Bruxelas & Lisboa, Novembro de 2009 Pag. 5

20

VI.

A partir da análise da co-relação da alta concentração de renda com a da universalização de serviços públicos como forma de redistribuição, podese concluir que a idéia de desenvolvimento econômico acaba por se identificar com a de democracia econômica, a qual é verificável quando a sociedade é incluída no processo de tomada de decisões econômicas, ou seja, quando é oportunizado o exercício popular da liberdade de consciência e de escolha econômicas, o que deve acontecer mediante a ação regulatória do Estado para viabilizar a participação popular com a finalidade de aliciar as escolhas e preferências sociais difusamente encontradas na sociedade, bem como de garantir que as decisões tomadas, além de representar os anseios da população, sejam as melhores.

VII.

Portanto, possibilitar a participação popular é a maneira mais eficiente para o Estado cooptar as opções sociais que deverão determinar as diretrizes de qualquer estratégia desenvolvimentista.

VIII.

E para isso a ideia de democracia e liberdade é essencial, porque quando o processo de tomada de decisões econômicas se der de forma mais participativa e envolvendo interesses distintos, os resultados se inclinam para uma maior satisfação social. Ou seja, a participação popular acaba por se tornar um importante elemento legitimador da ação regulatória do Estado, uma vez que incorpora e controla as possíveis insatisfações sociais ao oportunizar a inclusão da população no debate sobre assuntos de interesse coletivo, além de possibilitar à Administração Pública identificar suas políticas com os anseios da sociedade. E para isso a idéia de democracia e liberdade é essencial, porque quando o processo de tomada de decisões econômicas se der de forma mais participativa e envolvendo interesses distintos, os resultados se inclinam para uma maior satisfação social.

IX.

Embora seja amplamente aceito que a democracia tem como "prérequisito" algum nível de desenvolvimento econômico, há muito menos concordância sobre que aspectos do desenvolvimento são importantes e por quê. Alguns pensam que um certo nível de desenvolvimento é necessário para uma democracia estável porque a riqueza reduz a intensidade dos conflitos distributivos; outros, porque o desenvolvimento gera a educação ou as redes de comunicações necessárias para garantir a sustentabilidade das instituições democráticas; outros ainda, porque o desenvolvimento engrossa as fileiras da classe média, facilita a formação de uma burocracia competente, e assim por diante.

X.

No entanto, os resultados estatísticos não são claros (Lipset, 1960; Cutright, 1963; Neubauer, 1967; Smith, 1969; Hannan e Carroll, 1981; Bollen e Jackman, 1985; Soares, 1987; Arat, 1988; Helliwell, 1992). Eles sugerem que o nível de desenvolvimento, medido por uma variedade de indicadores, se relaciona positivamente com a incidência de regimes democráticos na população de países do mundo, mas não necessariamente dentro de regiões específicas. Além disso, a forma exata da relação e seus efeitos sobre a estabilidade do regime são questões abertas ao debate. No entanto, as evidências prima facie em favor dessa hipótese são esmagadoras: todos os países desenvolvidos do 21

mundo constituem democracias estáveis, enquanto as democracias estáveis nos países menos desenvolvidos continuam sendo a exceção. XI.

Porém julga-se que o desenvolvimento económico influencia mais a democracia do que está a primeira. Evidentemente, o impacto dos regimes políticos sobre o crescimento é uma questão amplamente aberta à reflexão e ao debate. E a democracia não deve ser é entendida como um fim em si, em razão de atender a um princípio de participação inerente aos indivíduos, mais como um elemento importante na medida em que serve como um instrumento para melhorar as prestações do Estado.

XII.

De um modo geral democracia e desenvolvimento estabelecem uma relação de interdependência ambígua.

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