Governança Ambiental no Brasil - Introdução

July 6, 2017 | Autor: Fabio Castro | Categoria: Brasil, Política ambiental, Governança ambiental
Share Embed


Descrição do Produto

Conselho Editorial

Av Carlos Salles Block, 658 Ed. Altos do Anhangabaú, 2º Andar, Sala 21 Anhangabaú - Jundiaí-SP - 13208-100 11 4521-6315 | 2449-0740 [email protected]

Profa. Dra. Andrea Domingues Prof. Dr. Antonio Cesar Galhardi Profa. Dra. Benedita Cássia Sant’anna Prof. Dr. Carlos Bauer Profa. Dra. Cristianne Famer Rocha Prof. Dr. Fábio Régio Bento Prof. Dr. José Ricardo Caetano Costa Prof. Dr. Luiz Fernando Gomes Profa. Dra. Milena Fernandes Oliveira Prof. Dr. Ricardo André Ferreira Martins Prof. Dr. Romualdo Dias Profa. Dra. Thelma Lessa Prof. Dr. Victor Hugo Veppo Burgardt

©2015 Fábio de Castro; Célia Futemma Direitos desta edição adquiridos pela Paco Editorial. Nenhuma parte desta obra pode ser apropriada e estocada em sistema de banco de dados ou processo similar, em qualquer forma ou meio, seja eletrônico, de fotocópia, gravação, etc., sem a permissão da editora e/ou autor.

D2917 de Castro, Fábio; Futemma, Célia Governança Ambiental no Brasil: Entre o Socioambientalismo e a Economia Verde/Fábio de Castro; Célia Futemma (Orgs.). Jundiaí, Paco Editorial: 2015. 296 p. Inclui bibliografia. ISBN: 978-85-8148-879-0 1. Governança ambiental 2. Desenvolvimento sustentável 3. Políticas ambientais 4. Recursos naturais. I. de Castro, Fábio ll. Futemma, Célia. CDD: 577 Índices para catálogo sistemático: Meio ambiente Recursos naturais

577 337.7 IMPRESSO NO BRASIL PRINTED IN BRAZIL Foi Feito Depósito Legal

AGRADECIMENTOS Os organizadores gostariam de agradecer a várias pessoas e instituições que possibilitaram a realização deste projeto coletivo. Agradecemos aos 16 pareceristas, que revisaram as versões preliminares dos capítulos. Agradecemos, também, o apoio institucional do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (Nepam), da Unicamp (Brasil); do Centro de Estudos e Documentação Latino-Americanos (Cedla, Holanda) e, em especial, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), pelo apoio financeiro aos vários projetos de pesquisa, os quais possibilitaram a divulgação de parte dos resultados ao longo dos capítulos, e, principalmente, pelo apoio financeiro para a publicação deste livro. E, finalmente, os organizadores gostariam de expressar gratidão pela colaboração de Leopoldo Cavaleri Gerhardinger e Ramon Felipe Bicudo da Silva, que foi imprescindível para a realização desta coletânea. As opiniões, hipóteses e conclusões ou recomendações expressas neste material são de responsabilidade dos autores e não necessariamente refletem a visão da Fapesp.

Sumário INTRODUÇÃO...................................................................7 Fábio de Castro; Célia Futemma

SEÇÃO I – GOVERNANÇA CLIMÁTICA E O ESTADO CAPÍTULO 1 O Brasil na Rio+20: qual foi o papel do país na Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável?.............................................27 Joana Bezerra

CAPÍTULO 2 Mudança Climática na Rio+20: uma reflexão sobre os 20 anos de negociações climáticas no Brasil.......................53 Fabiana Barbi; Gustavo Barbosa Mozzer; Rafael D’Almeida Martins; Leila da Costa Ferreira

SEÇÃO II – CIÊNCIA E MÍDIA CAPÍTULO 3 A proposição de um novo contrato entre ciência e sociedade: uma análise do Fórum de Ciência, Tecnologia e Inovação para o desenvolvimento sustentável....................87 Gabriela Marques Di Giulio; José Eduardo Viglio; Ramon Felipe Bicudo da Silva; Francisco Araos Leiva

CAPÍTULO 4 Mídia e Comunicação do Ambiente na Rio+20.............109 Rubia Gaissler; Thales Andrade; Juliane Acquaro

SEÇÃO III – SOCIEDADE CIVIL E PARTICIPAÇÃO CAPÍTULO 5 Governança dos Oceanos na Rio+20: o Debate sobre Áreas Marinhas Protegidas na Perspectiva da Gestão Compartilhada.......................................................137 Rodrigo de Freitas; Leopoldo Gerhardinger; Paula Chamy; Cristiana Seixas

CAPÍTULO 6 Populações tradicionais, a questão da terra e a conservação da biodiversidade: estratégias e conflitos nos tempos da Rio+20..................................................................................169 Jorge Calvimontes; Lúcia da Costa Ferreira

SEÇÃO IV – CONSERVAÇÃO E ENERGIA CAPÍTULO 7 Políticas Ambientais para Unidades de Conservação no Estado de São Paulo............................................................207 Ana Claudia Braga; Celia Futemma; Fábio de Castro

CAPÍTULO 8 Brasil e a questão energética no debate sobre mudanças ambientais globais...............................................................237 Marilia D’Ottaviano Giesbrecht; Gabriela Marques Di Giulio; Leila da Costa Ferreira

SEÇÃO V – REFLEXÕES FINAIS CAPÍTULO 9 Da Rio 92 a Rio+20: breve balanço crítico sobre os dois encontros......................................................................263 Maria Teresa Manfredo Lúcia da Costa Ferreira

Autores – Dados biográficos....................285

INTRODUÇÃO Fábio de Castro Célia Futemma

1. Introdução Nas duas últimas décadas a questão ambiental ganhou uma posição proeminente na arena política brasileira (Camargo; Capobianco; Oliveira, 2004; Ferreira, 2003; Little, 2003; Trigueiro, 2003). Muitos dos desafios ambientais enfrentados no país estão diretamente relacionados com as questões sociais, políticas e econômicas, que remetem ao dilema de como formular um modelo de desenvolvimento sustentável que inclua os preceitos de conservação ambiental e cultural, justiça social e melhoria da qualidade de vida em diferentes segmentos da sociedade. Além das demandas nacionais, o país enfrenta pressões externas antagônicas, em que a conservação de recursos naturais e a expansão da produção de commodities geram contradições entre as políticas econômicas e ambientais. Por um lado, o país abriga 65% da Amazônia, um bioma de dimensão continental que proporciona serviços ambientais de importância global, cujas transformações da paisagem implicam em consequências negativas em escala mundial. Por outro lado, o aumento do consumo mundial de produtos primários influencia diretamente na comoditização da economia nacional, com impacto direto no meio ambiente e nas populações locais. Enquanto o país busca soluções para alterar sua posição de um dos maiores emissores mundiais de carbono, principalmente a partir do desmatamento (La Rovere et al., 2013), o atual modelo de desenvolvimento econômico é promovido através da expansão do agronegócio e da extração mineral. 7

FÁBIO DE CASTRO; CÉLIA FUTEMMA (ORGS.)

O dilema ambiental, portanto, levanta ao questionamento de como formular um modelo de desenvolvimento econômico baseado no uso sustentável, equitativo e justo dos recursos naturais. Esta questão é o cerne da perspectiva de governança ambiental, que trata de entender como os diversos segmentos da sociedade interagem para negociar os seus interesses múltiplos (e geralmente conflitantes) na tomada de decisão sobre o acesso, o uso e o manejo de recursos naturais (Castro et al., 2011). Mais do que uma perspectiva centrada no “governo” e nas instituições formais (Cavalcanti, 2004; Camara, 2013), neste volume tratamos a governança ambiental como uma arena social geralmente assimétrica, em que as interações (de cooperação, de conflito, de negociação e de resistência, por exemplo) são mediadas por mecanismos formais e informais e múltiplas visões e motivações (proteção ambiental, crescimento econômico, autonomia, sobrevivência) pelos diferentes atores envolvidos no processo. Esse processo gera uma dinâmica social de contínua reconfiguração de estratégias entre e dentro de cada grupo, através de um jogo de poder para fortalecer cada qual sua posição política a partir de recursos econômicos, políticos e culturais disponíveis. Por exemplo, populações tradicionais fazem uso de sua identidade cultural para assegurarem o acesso exclusivo aos seus territórios; agricultores familiares se organizam acerca da função social da terra e de segurança alimentar. As grandes empresas argumentam com números a importância dos recursos naturais para atingir o tão esperado desenvolvimento econômico. A posição do Estado, por sua vez, é ambígua em negociar os diferentes interesses da sociedade, priorizar os objetivos e encontrar soluções consensuais. Neste contexto, a perspectiva de governança ambiental foca no processo interativo entre os atores relevantes na formulação e negociação dos modelos de desenvolvimento, de conservação e de soluções para os problemas socioambientais (Castro et al., 2011). Tal perspectiva assume um sistema democrático, com condições 8

GOVERNANÇA AMBIENTAL NO BRASIL

de exercício da cidadania. No entanto, o contexto nacional faz parte de uma sociedade globalizada que gera configurações socioambientais multiescalares com implicações diversas. As novas estruturas multiescalares trazem indagações a respeito de suas implicações para a governança ambiental no Brasil. Contrastar o contexto socioambiental com as agendas e os resultados em diferentes marcos temporais é, portanto, um exercício fundamental para identificar fatores que influenciam na reconfiguração socioambiental no país nestas últimas duas décadas. Este livro trata de entender as transformações recentes na governança ambiental no Brasil entre 1992-2012. Este período é marcado por dois eventos internacionais que representam uma arena de deliberação sobre assuntos socioambientais de mais alto nível – Rio 92 e Rio+20 –, no qual o Brasil teve um papel chave e singular de organizador e anfitrião. Neste capítulo introdutório, discutimos brevemente a evolução recente da governança ambiental no Brasil, seguido de uma descrição sumária da estrutura do livro, incluindo as seções e os respectivos capítulos.

2. Governança Ambiental no Brasil A governança ambiental no Brasil tem sofrido grandes transformações nos últimos 20 anos. O processo de democratização iniciado na década de 80 levou a uma mudança gradativa do arranjo institucional centralizado do governo militar para uma série de procedimentos de tomada de decisão descentralizada e participativa. Em particular, a Constituição de 1988, que inclui um capítulo sobre Meio-Ambiente e foi um salto de qualidade na institucionalização da problemática socioambiental. Porém, a implementação e o cumprimento de regras formais têm sido os grandes gargalos deste processo. Neste sentido, a década de 90 foi marcada por um intenso período de mobilização social em que o exercício da cidadania foi fundamental para 9

FÁBIO DE CASTRO; CÉLIA FUTEMMA (ORGS.)

o aumento da participação local em pressionar o poder público para implementar regras e combater possíveis violações das mesmas (Alonso; Costa; Maciel, 2007). A crescente organização da sociedade civil, através da criação de inúmeras organizações não governamentais, levou a uma maior visibilidade de casos de injustiça ambiental e busca de inclusão social nas tomadas de decisão (Acselrad, 2008). A Rio 92 traduziu-se, praticamente, no ápice dessa transformação da sociedade brasileira e se tornou um marco importante na consolidação desse processo. As organizações da sociedade civil se mobilizaram e se prepararam para o evento através da profissionalização, da criação de canais de comunicação e das conexões com redes transnacionais de ativismo (Hochtetler; Keck, 2007). Os ativistas aproveitaram a alta relevância da agenda ambiental na governança global na década de 90 e a agenda de desenvolvimento sustentável para fomentar o socioambientalismo, no qual os preceitos de direitos humanos, de autonomia e da diminuição de desigualdade e pobreza estavam intimamente ligados à conservação do meio ambiente (Born, 2004). O início do novo milênio foi marcado pela entrada do Partido dos Trabalhadores (PT) no governo federal. Durante os primeiros anos, o PT trouxe o movimento social para próximo (e dentro) do Estado, criando novas oportunidades de influência na institucionalização das demandas sociais e ambientais (Hochtetler; Keck, 2007). Foi neste período que houve um aumento na demarcação de terras indígenas, no reconhecimento e na titulação de territórios quilombolas e a expansão da categoria de populações tradicionais em todo o Brasil. Ou seja, a incorporação de uma diversidade de populações rurais que vivem em diferentes biomas brasileiros. Além disso, várias medidas legais foram implementadas para diminuir o desmatamento da Amazônia. Nesse novo arranjo institucional, o Estado retomou um papel central na governança ambiental. Ironicamente, essa mudança 10

GOVERNANÇA AMBIENTAL NO BRASIL

acabou diminuindo o poder político dos ativistas, uma vez que a aliança com o governo despolitizou o movimento socioambiental. Durante o segundo mandato, com o fortalecimento da frente ruralista no parlamento, o governo federal direcionou sua agenda econômica para a expansão do agronegócio e do biocombustível com impactos diretos nas populações rurais. Decisões federais, tais como a regularização de organismos geneticamente modificados (Mueller, 2009) e o licenciamento de projetos de usinas hidrelétricas de forma inconstitucional (Hall; Brandford, 2012), concretizaram-se, apesar da forte resistência do próprio Ministério do Meio Ambiente. Como resultado, o movimento socioambiental gradativamente se distanciou do Estado devido à falta de apoio às demandas das populações rurais, culminando na resignação da então ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, em 2008. Nos últimos anos, essa situação tem se agravado com a polarização entre propostas pragmáticas, a partir do modelo econômico hegemônico, e propostas alternativas, a partir de um novo modelo de desenvolvimento. Assim sendo, de um lado está o modelo que propõe a compatibilidade entre o aumento de produção de produtos primários com a conservação ambiental. Denominado como Economia Verde (Pnuma, 2011), este modelo se baseia em um fortalecimento institucional e mecanismos de incentivos de mercado (por ex., esquemas de compensação ambiental, certificação, taxações). Este modelo foi introduzido pela Rio+20 e é apoiado pelo governo nacional (mais informações: ), pelas elites econômicas e pelos (alguns) ambientalistas pragmáticos. Do outro lado estão as posições críticas que salientam as consequências socioambientais negativas advindas do modelo atual, tais como o aumento da violência contra a vida humana, violação de direitos humanos, falta de apoio institucional e até mesmo ações inconstitucionais por parte do governo (Fearnside, 2006; 11

FÁBIO DE CASTRO; CÉLIA FUTEMMA (ORGS.)

Zhouri; Laschefski, 2010). Este grupo, composto pelas populações locais, movimentos sociais e acadêmicos ativistas, defende uma mudança estrutural no modelo de desenvolvimento, que seja baseada em preceitos de direitos humanos, de autonomia, de participação efetiva, de pluralidade legal e de economia solidária (Singer, 2004). O Brasil representa um caso particularmente interessante neste debate. Na última década o país tem se posicionado como uma economia emergente democrática e detentora de uma grande parcela dos recursos naturais e serviços ambientais, com uma política socioambiental sólida e inovadora. A diminuição da taxa de desmatamento, o aumento de energia renovável, a formalização dos territórios tradicionais e as metas ambiciosas de redução de emissão de carbono são alguns dos feitos frequentemente usados pelo governo nacional para ilustrar o avanço do país no contexto global. Entretanto, este quadro se contradiz com as tendências recentes e a posição do país durante a Rio+20, evento que deveria representar o mais recente marco do processo de governança ambiental global. O governo federal tem assumido um papel de facilitador no relaxamento da legislação ambiental para dar suporte à expansão da exploração dos recursos naturais por grandes corporações empresariais. O processo de reforma do Código Florestal, as inconstitucionalidades acerca da aprovação da construção da Usina de Belo Monte e a falta de liderança do governo brasileiro na redação do documento “consensual” da Rio+20 são alguns dos exemplos recentes do baixo nível de comprometimento do país com a agenda socioambiental. Ao mesmo tempo, o governo federal não tem cumprido o seu papel de fomentador das garantias dos direitos das populações locais. Ironicamente, o Ministério Público tem assumido esse papel, aliando-se aos movimentos sociais e tornando-se, atualmente, um dos maiores inimigos do Estado. Embora haja consenso entre acadêmicos, sociedade civil e ativistas sobre a falta de avanço (ou mesmo um retrocesso) na 12

GOVERNANÇA AMBIENTAL NO BRASIL

questão ambiental, a Rio+20 representa um marco analítico para avaliar como as mudanças do contexto social, econômico e político nas últimas duas décadas têm influenciado a governança ambiental no país. Dentre as mudanças observadas neste período, três merecem destaque. Primeiro, a crise econômica e de segurança global tem diminuído a prioridade das questões socioambientais na governança global. Segundo, o surgimento de uma nova configuração sociopolítica e econômica multipolar, influenciada por demandas de novos padrões de consumo por economias emergentes, como a China e Índia. Terceiro, o fortalecimento do setor privado na governança ambiental a partir de propostas pragmáticas e o enfraquecimento do movimento socioambiental em função da fragmentação dos focos ambientalista e de justiça social. Essas novas tendências não têm apenas criado obstáculos para o avanço da proposta de desenvolvimento sustentável baseada em conceitos de justiça, igualdade e participação desenhada durante a Rio 92. Elas têm, também, proporcionado novos ingredientes para a reformulação de um programa para alcançar a tão almejada sustentabilidade a partir de mecanismos de incentivos de mercado, nos quais o setor privado assume a posição central de provedor de empregos, de infraestrutura e, em alguns casos, até benefícios sociais a partir de seus programas de Responsabilidade Social Empresarial. Neste livro, oferecemos uma pequena amostra de como a análise desse contraste pode render importantes insights e indicar algumas facetas da governança ambiental no país a partir da análise comparativa entre os contextos social, político e econômico na Rio 92 e na Rio+20.

3. Estrutura do livro Este livro é o resultado de um projeto participativo, incluindo professores, alunos e pesquisadores associados do Nepam13

FÁBIO DE CASTRO; CÉLIA FUTEMMA (ORGS.)

-Unicamp. O Nepam tem se consolidado como um dos centros de estudos socioambientais de excelência no Brasil ao longo destas duas décadas. Em particular, alguns dos professores foram protagonistas neste processo, atuando diretamente nos debates durante as duas conferências das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento. A partir de uma perspectiva de governança ambiental, o livro é dividido em quatro eixos principais. Os dois primeiros eixos enfocam atores relevantes como o Estado, a comunidade acadêmica, a mídia e a sociedade civil. Embora o setor corporativo não esteja contemplado em um capítulo específico, ele é parte da análise de vários capítulos. O terceiro eixo de leitura do livro é relacionado às políticas públicas indiretas, tais como descentralização (nível estadual) e política energética. Esta obra é concluída com uma reflexão interna de alguns acadêmicos ligados ao Nepam, que tiveram participação direta nos dois eventos. Abaixo, segue uma breve descrição de cada capítulo e sua conexão com o eixo central de governança ambiental no Brasil. A primeira seção do livro abre a discussão sobre governança ambiental a partir do contexto e das ações do governo brasileiro frente à negociação climática nos níveis nacional e mundial. No Capítulo 1, Joana Bezerra descreve as diferenças no contexto político global e nacional nos períodos da Rio 92 e Rio+20. O primeiro evento aconteceu em um contexto de globalização, do fim da Guerra Fria, de democratização nacional e da relevância das questões climáticas na agenda global. Este contexto mundial e nacional criou um espaço para o envolvimento de vários chefes de estado e da formulação de acordos concretos para um modelo de desenvolvimento sustentável. Em contraste, o segundo evento aconteceu dentro de uma conjuntura multipolar global altamente influenciada por economias emergentes, e um período de crise econômica mundial, porém, com um quadro doméstico de crescimento econômico e emergência da classe média. A autora argumenta que essas diferenças determinaram o tipo de liderança 14

GOVERNANÇA AMBIENTAL NO BRASIL

assumido pelo país. Enquanto o governo brasileiro tentou sanar a imagem negativa do país durante a Rio 92 com uma posição pró-ativa a partir de ações concretas, na Rio+20 o governo tentou se alinhar com o modelo pragmático neo-desenvolvimentista e manteve uma posição conservadora de busca de um documento de consenso a partir da retirada de temas controversos. Essa mudança de posição do Estado entre as duas conferências é mais detalhada no Capítulo 2, em que Fabiana Barbi, Gustavo Barbosa Mozzer, Rafael D’Almeida Martins e Leila da Costa Ferreira analisam a evolução das negociações climáticas no Brasil. Os autores dividem esse processo em três períodos. O primeiro período trata da construção de estruturas político-institucionais e científicas voltadas para as questões climáticas e como foram estabelecidas (1994-2001); o segundo período de implementação do Protocolo de Quioto (2002-2008); e por fim, o período de estabelecimento da Política Nacional de Mudanças Climáticas incluindo planos de mitigação e adaptação (desde 2009). Os autores enfatizam a relevância da participação da sociedade civil neste processo, sobretudo na mobilização e discussão sobre o tema por parte das ONGs e na construção de conhecimento por parte da comunidade científica. No entanto, concluem que, apesar dos avanços nas negociações no nível nacional, a maior barreira a ser vencida é o contraditório projeto de desenvolvimento econômico que aponta para o aumento de produção e uso de combustível fóssil. A segunda seção do livro se dedica a dois componentes importantes na construção e comunicação do conhecimento quanto à questão climática: a sociedade acadêmica e a mídia. No Capítulo 3, Gabriela Marques Di Giulio, José Eduardo Viglio, Ramon Bicudo da Silva e Francisco Araos discutem o papel da ciência no debate sobre mudanças climáticas através da análise dos documentos produzidos durante o “Fórum de Ciência, Tecnologia e Inovação para o Desenvolvimento Sustentável”, organizado pelo 15

FÁBIO DE CASTRO; CÉLIA FUTEMMA (ORGS.)

Conselho Internacional para a Ciência nos dias que antecederam a Rio+20. De acordo com os autores, os cientistas estão, hoje, mais preocupados com o seu papel social no desenho e desenvolvimento de uma agenda de pesquisa que dê apoio aos novos desafios da sociedade contemporânea que em anos anteriores. Os autores destacam também a necessidade de um diálogo maior da comunidade científica com outros segmentos da sociedade. Neste contexto, surge a proposta de uma ciência pós-normal, baseada na integração entre conhecimento científico e não científico, como solução para pensar e tratar questões mais complexas atuais. Além de ampliar a capacidade de análise dos riscos, tal perspectiva reconhece os limites da ciência moderna e a necessidade de participação e legitimação do conhecimento produzido juntamente com a sociedade afetada. No Capítulo 4, Rubia Pereira Gaissler, Thales Novaes de Andrade e Júlia Acquaro tratam de uma questão relacionada ao conhecimento – o papel da mídia na formação da percepção a respeito da questão climática. Os autores argumentam que a falta de espaço na mídia para tratar a questão ambiental é decorrente de uma política de informação que subestima fatos que não apresentem consequências imediatas, de pouco interesse pela população urbana e de baixa prioridade em um país com problemas sociais mais graves. Neste contexto, uma diferença fundamental entre a Rio 92 e Rio+20 foi a quebra da hegemonia dos meios de comunicação clássicos (jornal impresso e TV) pelas novas formas de comunicação online/digital tais como websites, blogs, Twitters e Facebook. Esse capítulo reforça o argumento do capítulo anterior sobre a importância do engajamento de cientistas na mídia para prover informações e fomentar o debate entre os diversos setores da sociedade e, concluem que o surgimento da mídia online tem um papel fundamental no protagonismo informativo da sociedade civil que se liberta da política de informação dominada pelos meios de comunicação convencionais. 16

GOVERNANÇA AMBIENTAL NO BRASIL

A terceira seção do livro aborda a participação das populações locais usuárias de recursos naturais e o papel delas no desenvolvimento sustentável. No Capítulo 5, Rodrigo Rodrigues de Freitas, Leopoldo Cavaleri Gerhardinger, Paula Chamy e Cristiana Simão Seixas descrevem o desafio da implantação de áreas marinhas protegidas (AMP) no Brasil no período entre 1992 e 2012. Os autores discutem o papel das ONGs na problematização e nas propostas de ações para combater a crise dos oceanos, um dos temas principais da Rio+20. Através de uma análise detalhada dos dois eventos internacionais e os temas debatidos, os autores indicam duas vertentes. De um lado, um discurso de cima-para-baixo para a ampliação da rede de AMPs sem apoio institucional; de outro lado, demandas de baixo-para-cima das populações locais costeiras que reinvidicam a sua participação nas decisões e nos direitos sobre seus territórios. Os autores concluem que apesar de um debate amplo, a Rio+20 avançou nas propostas para o ambiente de alto-mar enquanto a zona costeira, onde a degeneração dos sistemas sociais e ecológicos é mais premente, carece da implementação de modelos territoriais já existentes onde a gestão compartilhada pode contribuir para o seu sucesso. De forma complementar, Jorge Calvimontes e Lúcia da Costa Ferreira tratam de áreas protegidas de terra firme com presença humana no Capítulo 6. Os autores descrevem em detalhe o processo de institucionalização de territórios étnicos no Brasil e apontam que a Rio 92 foi o ponto de partida para o reconhecimento do nexus território-identidade-conservação, enquanto na Rio+20, vários modelos territoriais já tinham sido implementados. Apesar dos avanços, em que a área de proteção tem dobrado nesses 20 anos, a insegurança territorial ainda se mantém como agenda central entre os povos tradicionais. Além disso, os autores argumentam, com um certo otimismo, que o aumento de grau de poder político desses atores nas últimas duas décadas pode ajudar 17

FÁBIO DE CASTRO; CÉLIA FUTEMMA (ORGS.)

a superar essa barreira e, assim, assegurar uma negociação mais simétrica com as elites políticas e econômicas. A quarta seção do livro discute políticas mais abrangentes que influenciam a dinâmica da governança ambiental, tais como a descentralização política e a política energética. No Capítulo 7, Ana Claudia R. Braga, Célia Futemma e Fábio de Castro discutem como o movimento socioambientalista e as mudanças políticas no nível estadual influenciam a institucionalização e a configuração de áreas protegidas. Os autores descrevem o histórico de criação de unidades de conservação no Estado de São Paulo, onde a governança ambiental tem sido caracterizada por tensões entre políticos, ambientalistas e movimentos de justiça ambiental. Eles argumentam que a análise no nível estadual é importante para melhor entender a dialética entre os mecanismos descentralizados e centralizados, e como os Estados-chaves, neste caso São Paulo, desempenham um papel definidor nesse processo. E, ainda, os autores concluem que o Estado de São Paulo representa um caso importante para entender alguns fatores que influenciaram na institucionalização das unidades de proteção no país, entre eles, o papel de pessoas-chaves na mobilização social, no avanço das propostas e nas negociações para mediar os objetivos divergentes de preservação, conservação e justiça ambiental. No Capítulo 8, Marília Giesbrecht, Gabriela Marques Di Giulio e Leila da Costa Ferreira discutem os dilemas da transição para uma economia de pós-carbono. Considerando que a energia é o elemento fundamental para o fomento de desenvolvimento industrial, a demanda crescente de energia para o setor privado deve ser suprida a partir de energias renováveis. Neste sentido, o Brasil ocupa uma posição privilegiada com uma matriz energética relativamente mais limpa que os países no hemisfério Norte. Porém, argumentam as autoras, incertezas de mercado, de tecnologia e de políticas públicas só podem ser superadas com um suporte governamental consistente e de longo 18

GOVERNANÇA AMBIENTAL NO BRASIL

prazo. Além disso, as novas tendências de investimento no Brasil, no qual a produção de petróleo tende a aumentar, e com o desaceleramento do programa de biocombustível, as perspectivas futuras, prometidas na Rio+20, de uma transição para uma economia pós-carbono, parecem estar mais distantes do que na Rio 92. O livro conclui com uma reflexão pessoal sobre a relevância da Rio 92 e da Rio+20 na governança ambiental no Brasil de quatro acadêmicos que participaram ativamente nas duas conferências. Vindos de experiências profissionais vastas e diversas, incluindo-se academia, empresas, ONGs e agências governamentais, as visões desses indivíduos foram organizadas por Maria Teresa Manfredo e Lúcia da Costa Ferreira a partir de três eixos norteadores: relatos sobre a Rio 92, relatos sobre a Rio+20 e um balanço comparativo entre os dois eventos. Ficou visível nas falas que todos os entrevistados têm uma visão positiva em relação a Rio 92. Contudo, no que diz respeito à Rio+20, propriamente dita, há um clima de frustração, apesar de não ter sido uma surpresa para nenhum dos entrevistados. Todos concordam que a crise econômica serviu de aparente justificativa para silêncios e postergações. Um ponto de discórdia, porém, ilustra o dilema central deste livro. De um lado, defende-se a ideia de que na Rio+20 se demonstrou que há uma visão empresarial bastante engajada com o tema da sustentabilidade no cotidiano das organizações. De outro lado, argumenta-se que grande parte das ações de empresas no que concerne à preservação e à conservação ambiental são, na verdade, “puro marketing verde”. Este é o cerne da questão entre os dois eventos: o protagonismo das populações locais no socioambientalismo delineado pelos movimentos de justiça ambiental na Rio 92 e a substituição destas pelo protagonismo das corporações privadas na perspectiva da Economia Verde delineada pelas elites empresariais e o Estado na Rio+20. Este volume, obviamente, não tem a intenção de cobrir a complexidade do tema. Porém, essa pequena amostra das dife19

FÁBIO DE CASTRO; CÉLIA FUTEMMA (ORGS.)

rentes facetas da governança ambiental revela importantes lições, dos quais destacamos três! A primeira lição é que a governança ambiental, no Brasil, refere-se tanto a uma questão de conservação da natureza como a uma questão de justiça social e de desenvolvimento econômico. Portanto, a compatibilidade entre estes objetivos depende de um modelo que considere esses três pilares de maneira conjunta. Dessa maneira, o papel do Estado é fundamental para dar suporte a um processo de transição para uma economia pós-carbono (Capítulo 8), fomentar uma ciência pós-normal (Capítulo 3) e uma gestão compartilhada dos recursos naturais (capítulos 5 e 6). Uma segunda lição diz respeito à participação dos diferentes segmentos da sociedade que é central na governança ambiental (capítulos 3-7). Ressalta-se, aqui, que os stakeholders são categorias dinâmicas e heterogêneas e, portanto, devem ser analisadas de forma menos compartimentalizada e estática. O Estado ou poder público, por exemplo, divide-se em níveis jurisdicionais diferentes, cujas posições políticas e ações podem ser divergentes (capítulos 2 e 7). A sociedade civil é representada por interesses diversos (capítulos 5 e 7), a mídia apresenta-se cada vez mais diversificada e ramificada (Capítulo 4), e mesmo entre os acadêmicos mais engajados, há visões divergentes com relação à relevância desses dois eventos internacionais (Capítulo 9). Por último, a governança ambiental é um processo dinâmico e diretamente influenciada por fatores locais, nacionais e globais e, portanto, deve ser analisada dentro de uma perspectiva multiescalar. O contexto mundial de negociação (Capítulo 1), de economia emergente (Capítulo 8) e de formação de redes de informação e ativismo (capítulos 4-6), cria tanto barreiras quanto oportunidades para o avanço da governança ambiental no Brasil. Cada stakeholder tenta se ajustar aos novos contextos a partir de uso de recursos diversos, tais como identidade (Capítulo 6), ação coletiva (Capítulo 5), novas formas de construção de conhecimento (Capítulo 3) e novas formas de comunicação (Capítulo 4). 20

GOVERNANÇA AMBIENTAL NO BRASIL

Em suma, considerando a complexidade da questão da mudança ambiental, três elementos formam ingredientes fundamentais para a busca de novos modelos de sustentabilidade − a inclusão social, a construção de conhecimento e o papel do Estado –, concomitantemente com uma negociação justa das prioridades da sociedade contemporânea. Mais do que respostas, esperamos que o leitor encontre neste volume novas perguntas que mereçam a atenção acadêmica para futuras pesquisas em um campo emergente e de alta relevância para a sociedade.

4. Referências Bibliográficas ACSELRAD, H. Grassroots Reframing in Environmental Struggles in Brazil. In: CARRUTHERS, D.V. (ed). Environmental Justice in Latin America: Problems, Promises and Practice. MIT Press. Cambridge, USA, 2008. ALONSO, A.; COSTA, V.; MACIEL, D. Identidade e Estratégia na Formação do Movimento Ambientalista Brasileiro. Novos Estudos-CEBRAP. v. 79, p. 151-167, 2007. BORN, R.H. Agenda 21 Brasileira: Instrumentos e desafios para a sustentabilidade. In: CAMARGO, A.; CAPOBIANCO, J.P.R.; DE OLIVEIRA, J.A.P. (orgs). Meio Ambiente Brasil: Avanços e Obstáculos pós-Rio 92. FGV-cids/Instituto Socioambiental. Estação Liberdade. São Paulo, Brasil, 2004. CAMARA, J.B.D. Governança Ambiental no Brasil: Ecos do Passado. Revista de Sociologia e Política. v. 21, nº 46, p. 125146, 2013. CAMARGO, A.; CAPOBIANCO, J.P.R.; DE OLIVEIRA, J.A.P. (orgs). Meio Ambiente Brasil: Avanços e Obstáculos pós-Rio 92. 2. ed. FGV-cids/Instituto Socioambiental. Estação Liberdade. São Paulo, Brasil, 2004. 21

FÁBIO DE CASTRO; CÉLIA FUTEMMA (ORGS.)

CASTRO, F.; HOGENBOOM. B.; BAUD, M. Governança ambiental na América Latina: para uma agenda de pesquisa mais integrada. Ambiente e Sociedade. v. 14, nº 2, p. 1-13, 2011. CAVALCANTI, C. Economia e Ecologia: Problemas da Governança Ambiental no Brasil. Revista Iberoamericana de Economía Ecológica. v. 1, p. 1-10, 2004. FEARNSIDE, P.M. Dams in the Amazon: Belo Monte and Brazil’s Hydroelectric Development of the Xingu River Basin. Environmental Management. v. 38, nº 1, p. 16-27, 2006. FERREIRA, Leila C. A Questão Ambiental: Sustentabilidade e Políticas Públicas no Brasil. 2. ed. São Paulo: Boitempo Editorial, 2003. HALL, A.; BRANDFORD, S. Development, Dams, and Dilma: The Saga of Belo Monte’, Critical Sociology. v. 38, nº 6, p. 851-62, 2012. HOCHSTETLER, K.; KECK, M.E. Greening Brazil: Environmental Activism in State and Society Duke University Press. Durham, USA, 2007. HOCHSTETLER, K.; VIOLA, E. Brazil and the Politics of Climate Change: Beyond the Global Commons. Environmental Politics. v. 21, nº 5, p. 753-771, 2013. LA ROVERE, E.L; DUBEUX, C.B., PEREIRA JR. A.O.; WILLS, W. Brazil Beyond 2020: From Deforestation to the Energy Challenge. Climate Policy. v. 13, nº 1, p. 70-86, 2013. LITTLE, P. E (ed.). Políticas Ambientais no Brasil: Análises, Instrumentos e Experiências. Instituto Internacional de Educação do Brasil – IIEB. São Paulo: Editora Peirópolis, 2003. MUELLER, C.C. Agricultural, Agrarian, and Environmental Policy Formation under Lula: The Role of Policy Networks. In 22

GOVERNANÇA AMBIENTAL NO BRASIL

BAER, W.; LOVE, J.L. (eds). Brazil under Lula: Economy, Politics, and Society under the Worker-President. Palgrave MacMillan. New York, USA, 2009. PNUMA. Caminhos para o Desenvolvimento Sustentável e a Erradicação da Pobreza – Síntese para Tomadores de Decisão. 2011. Disponível em: . Acesso em: 10.nov.2013. SINGER, P. Desenvolvimento Capitalista e Desenvolvimento Solidário. Estudos Avançados. v. 18, nº 51, p. 7-21. 2004. TRIGUEIRO, A (ed.). Meio Ambiente no Século 21: 21 especialistas falam da questão ambiental nas suas áreas de conhecimento. Rio de Janeiro: Editora Sextante, 2003. ZHOURI, A.; LASCHEFSKI, K. (eds). Desenvolvimento e Conflitos Ambientais. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010.

23

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.