Governança: O modelo político do Imperialismo?

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UNIVERSIDADE DA BEIRA INTERIOR Covilhã | Portugal

Faculdade de Ciências Sociais e Humanas

Ciência Política e Relações Internacionais – Governança

Será a governança o modelo político do imperialismo?

Docente: Professora Liliana Ferreira Discentes: Virgílio Dias nº28624

Covilhã, 13 de Junho de 2014

Índice Introdução ......................................................................................................................... 2 Imperialismo: fase superior do capitalismo ...................................................................... 3 Globalização + Neoliberalismo + Governança = Imperialismo ....................................... 5 Conclusão ......................................................................................................................... 9 Bibliografia e recursos online ......................................................................................... 10

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Introdução

A governação global surge como uma realidade, num contexto de realização sob políticas liberais bastante sólidas, também conhecido como neoliberalismo. No entanto o processo de construção deste sistema global não é fruto de um acontecimento recente, mas sim de um longo processo que já dura deste a Revolução Industrial, no século XVIII. Aqui nos propomos a fazer uma breve análise histórica ao processo de construção da globalização, e analisá-a através da perspectiva marxista-leninista, mais em concreto através da conhecida obra de Vladimir Lenin, ‘O imperialismo, fase superior do capitalismo’. A análise feita nesta obra, preconiza os eventos que terão lugar cerca de 60 anos depois, explicando sucintamente quais as razões que farão surgir esta ‘nova ordem mundial’. No entanto Lenin não define esta nova ordem mundial como globalização, um termo que apenas surge nos anos 30 e com maior destaque nos anos 80 do século XX, mas chama-lhe ‘Imperialismo’. Afirma que este imperialismo é apenas uma fase do capitalismo, que surge no século XVIII, e que aparece quando o capitalismo necessita de disputar território além fronteiras, entrando numa corrida a novos territórios. Posteriormente, quando esta fase se encontrar bem estabelecida, os vários pólos disputarão a dominação económica mundial, através de monopólios. No presente trabalho procuraremos desenvolver mais esta ideia, tentando responder à seguinte questão: 

“Será a governança o modelo político do imperialismo?”

Tal como na obra de Lenin, também aqui serão analisadas partes da obra de J.A. Hobson, ‘Imperialism: a Study’, de 1902. Esta obra foi uma das principais bases do trabalho de Lenin, enquanto análise de economia política do final do século XIX e da era então vivida. Isto apesar da discordância ideológica entre ambos, pois Hobson era um liberal assumido.

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Imperialismo: fase superior do capitalismo

Isto não surge como questão, mas sim como afirmação. Lenin parte da análise da evolução do capitalismo, desde o seu surgimento até à altura sua contemporânea. Ele apercebe-se que o capitalismo atravessava uma fase que já havia ultrapassado a mera produção de bens e trocas comerciais, e havia evoluído para algo bem mais complexo. O capitalismo era então dominado por monopólios do capital financeiro, numa lógica de acumulação de capital, e totalmente opostos à própria ideia base de concorrência capitalista: “O que há de fundamental neste processo, do ponto de vista económico, é a substituição da livre concorrência capitalista pelos monopólios capitalistas”1. Àquela época estes monopólios, em falta de mercado interno, procuravam agora expandir a sua acção a outros países e continentes. Da mesma forma que procurava novos consumidores e expandia o seu negócio, crescia a sua necessidade em buscar mais matéria prima. É desta necessidade que as potências coloniais do final do século XIX iniciam a sua corrida em busca de novos territórios para explorar, e dividem entre si o mundo. Impérios estabelecidos à escala global se expandem, encabeçados pelo Reino Unido, à altura a maior potência global. A disputa que daí surgiria daria lugar à Primeira Guerra Mundial, entre os principais impérios mundiais: Império Britânico, Alemão, Francês e Russo, e os seus aliados. O surgimento da Alemanha como potência continental, em fase de necessidade de expansão além fronteiras, é a principal razão que Lenin aponta para o início da guerra. Também já no final do século XIX e início do século XX, Lenin observava algumas características que nos são tão familiares hoje em dia. Na sua obra ele faz referência a como as grandes potências prendem os pequenos Estados a elas, tornandoas satélites de si mesmas, através da acumulação de dívida por partes destes pequenos Estados. É este o papel da exportação de capitais por parte dos países mais ricos, que não favorecem o industrial de base, mas sim o capitalista que vive das rendas do capital previamente acumulado. Os lucros gerados por estas rendas são incrivelmente superiores às lucros obtidos por industriais: “O lucro destes [os que vivem de rendas] é 1

Lenin, V. (1917). O Imperialismo - fase superior do capitalismo (p. 107). Lisboa: Edições “Avante!” 3

cinco vezes maior que o lucro do comércio externo do país mais ‘comercial’ do mundo [Reino Unido]! Eis a essência do imperialismo e do parasitismo imperialista!”2 Nesta explicação Lenin baseia-se muito nas observações feitas pelo economista britânico nãomarxista John Hobson, que na sua obra ‘Imperialism: a Study’, de 19023, analisa o surgimento do imperialismo e dos seus impactos negativos na economia liberal mundial. Lenin usa os dados oficias disponíveis à época para mostrar de que forma as potências imperialistas e monopolistas exerciam a sua dominação sobre os países mais fracos, através da exportação de capitais: “A exportação para o Chile aumentou, em consequência do empréstimo de 1889, até 45,2 milhões de marcos (1892), descendo um ano depois para 25,5 milhões. Após novo empréstimo, concedido pelos bancos alemães em 1906, a exportação elevou-se até 84,7 milhões de marcos (1907) para descer de novo a 52,4 milhões em 1908”4. Como é aqui demonstrado, a táctica é emprestar para através do compromisso, fomentar a indústria interna através da exportação, retornando assim os capitais ao seu país original. Citando Hilferding (economista austríaco marxista) demonstra as crescentes resistências geradas por este processo de expansão imperialista, afirmando que: “no que se refere aos países recentemente descobertos – diz –, o capital importado intensifica as contradições e provoca contra os intrusos uma crescente resistência dos povos, cuja consciência nacional desperta; esta resistência pode transformar-se facilmente em medidas perigosas para o capital estrangeiro”5. Lenin refere de seguida que as potências europeias procuram construir um ‘Estado nacional único’, como forma de instaurar a sua liberdade económica e cultural. Mas também internamente são confrontados com movimentos de libertação nacional, que ameaçam estes projectos, por isso, e como forma de manter o seu estatuto, estas potências necessitam de fortes 2

Idem (p. 121)

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Hobson, J. A. (1902). J.A. Hobson: Imperialism, A Study (1902). Retrieved June 12, 2014, from http://www.marxists.org/archive/hobson/1902/imperialism/

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Die Bank (1909) (p. 819 e seguintes).

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Lenin, V. (1917). O Imperialismo - fase superior do capitalismo (p. 140). Lisboa: Edições “Avante!” 4

dispositivos militares, que mantenham a ordem vigente. Tudo isto são realidades que ainda hoje permanecem, e na próxima parte deste ensaio iremos transportar as ideias de Lenin para a actualidade, comparando com a situação que se vive hoje em dia, e com o processo de globalização neoliberal, tendo como ideal de regime político aquilo a que chamam de governança.

Globalização + Neoliberalismo + Governança = Imperialismo

A globalização é um processo de transformação espacial, ou como Scholte o define: “globalização refere-se a uma corrente e um processo, nomeadamente, o crescimento de relações transplanetárias entre pessoas. A globalização envolve a redução de barreiras aos contactos transmundiais. As pessosa tornam-se mais capazes – física, legal, cultural e psicologicamente – para se relacionarem umas com as outras num único mundo”6. O neoliberalismo surge como projecto político para uma globalização que sirva determinados interesses, que advogam em torno do ‘laissez-faire’, privatizações, liberalização e desregulação económica. É uma ideologia política que surge para fazer reaparecer com força todos os ideias liberais com a máxima força, e por isso se apoiam daqueles 4 pilares acima mencionados. É mais uma forma de forçar o imperialismo no planeta, de forma a servir os monopólios acumuladores de capital, tal e qual acontecia no final do século XIX e início do século XX. Hoje tentam passar os seus interesses despolitizando o seu discurso, e tornando-o mais técnico. Colocam o seu ambiente fora da esfera política, para assim verem os seus interesses cumpridos mais facilmente. Desta forma não vêem as suas acções restringidas pelo poder político, tal como conseguem exercer pressão sobre ele de forma mais dissimulada. A governança é, segundo a definição do Banco Mundial: “Conceptualmente, governança (diferente de ‘boa’ governança) pode ser definida como o governo dos governantes, tipicamente dentro de determinadas regras. Pode-se concluir que 6

Scholte, J. A. (2005). The sources of neoliberal globalization (p. 3). Overarching Concerns Programme Paper number 8. 5

governança é o processo – pelo qual a autoridade é conferida nos governantes, e pela qual eles fazem as regras, e pela qual essas regras são impostas e modificadas. Assim, entender governança requer uma identificação de ambos os governadores e as regras, tal como dos vários processos pelos quais são seleccionados, definidos e ligados entre si e com a sociedade em geral”7. Isso significa que existe uma necessidade intrínseca de um organismo supranacional, que coordene os governos locais ou regionais, para que estes cumpram as regras estabelecidas. A junção destes três factores resulta em imposição das regras sistémicas mundiais, dos mais fortes sobre os mais fracos. É curioso notar quais são as organizações que financiam e promovem este conceito de governança. Basta para isso analisar os sites e trabalhos publicados por organizações como o Banco Mundial, Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico, Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas, Fundo Monetário Internacional, entre muitas outras. Todas estas organizações estão associadas a uma agenda neoliberal, normalmente comandada pelas grandes potências mundiais, e daí o seu interesse em alcançar um governo mundial. O governo mundial será sempre marcado por uma falta de contacto entre a população e os governantes, levando-nos assim a questionar a sua falta de democracia e legitimidade enquanto representantes das pessoas. A democracia é tanto maior, quanto maior a proximidade entre os representantes e os representados, entre o cidadão e os organismos de poder e decisão. Elevar estes mecanismos, criando regras que os governantes têm de cumprir, sem a população ter uma forte presença na decisão, significa diminuir o nível democrático. A ilusão passada, de que a governança é a boa governação, não passa de uma utopia liberal. A capacidade de influenciar o processo de decisão, passa inicialmente pela capacidade de organização dos vários interesses. Quanto menos pessoas e mais recursos um determinado grupo de interesses possuir, maior será a sua capacidade de acção sobre os governantes. Este processo já pode ser hoje em dia evidenciado. 7

World Bank. (n.d.). Governance - What is Governance? http://web.worldbank.org/WBSITE/EXTERNAL/COUNTRIES/MENAEXT/EXT MNAREGTOPGOVERNANCE/0,,contentMDK:20513159~pagePK:34004173~pi PK:34003707~theSitePK:497024,00.html

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Por isso, e em última instância, quem poderá influenciar o processo de decisão, são os mesmos que hoje o fazem, ou seja, as grandes corporações e interesses privados, que não representam necessariamente os interesses das populações. Daí a associação feita no título deste tópico, entre globalização, neoliberalismo, governança e imperialismo. A junção destes três tópicos, consideramos aqui, é nada mais nada menos do que o reforço do imperialismo. A perda de importância do Estado, que o processo neoliberal impôs, é a transferência da capacidade de decisão das mãos do Estado, e dos representantes eleitos pelo povo (eleitos em processos mais ou menos democráticos), para um pequeno grupo de elite – dentro das próprias lógicas sociológicas das teorias das elites –, que não foi eleito, mas tem a capacidade de decidir acima do interesse geral da população. Para isso os Estado são servidos de tecnocratas, indivíduos formados para actuar dentro da lógica que lhes é imposta, normalmente dentro do racionalismo económico neoliberal, que procuram alcançar a máxima eficiência económica, e sem ter em conta a justiça e equidade social. Trazendo de novo as teorias marxistas-leninistas, sobre a expansão do imperialismo do mundo no final do século XIX e início do século XX, para uma comparação com a realidade actual, vemos que o mundo continua a caminhar num processo constante de imperialismo. Os avanços que o mundo viveu no século XX, foram em larga medida perdidos após o final da Guerra Fria, momento a partir do qual a lógica neoliberal se expandiu em grande força pelo mundo, sendo apresentada como a única lógica pela qual o mundo se deveria reger. Hoje, tal como no tempo de Lenin, são os monopólios capitalistas, acumuladores de capital a um nível inimaginável naquela época, são ainda mais poderosos. O vazio criado, pela perda de poder do Estado, foi ocupado pelas organizações privadas, sob financiamente privado. O parasitismo económico de Estados e instituições sobre outros Estados, é hoje ainda mais considerável. Basta olhar para organismos como o FMI e Banco Mundial, que apenas emprestam dinheiro, se puderem impor as suas regras, sempre na lógica neoliberal de privatização, liberalização e desregulação. As rendas retiradas destes empréstimos são sempre altíssimas, e normalmente criam uma dependência constante, e com tendência perpetuante, dos Estados mais fracos para com os mais fortes. A procura de mercados continua constante, e isto obriga as empresas a deslocalizar, não só a sua produção como o seu consumo.

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Mas também, como Lenin previra, as potências – não só europeias, mas mundiais – procuram a criação de um ‘Estado nacional único’. Vemos nesta afirmação uma clara referência a um sistema mundial, como o apontado por quem fala de governança. As padronizações culturais, monetárias, políticas, etc, têm servido como motores da construção deste ‘Estado nacional único’. Que têm sido também confrontadas com movimentos de resistência nacionais ou regionais anti-globalização. Normalmente estes movimentos são enfrentados de forma violenta pelas forças que coordenam a corrente dos acontecimentos. Seja através da simples utilização da comunicação social que têm ao serviço, seja em último caso através da violência física, sobre manifestantes ou com intervenções militares em países não colaborantes. As intervenções militares são a arma mais forte, e usada apenas como último recurso da política, tal e qual Carl von Clausewitz havia afirmado: “a guerra é a continuação da política por outros meios”8. A utilização de organizações intergovernamentais para este tipo de acções, como o exemplo da OTAN, tem sido constante desde o final da Guerra Fria. Assumindo, esta organização, a testa de ferro na imposição dos interesses das maiores potências, submetidas aos maiores interesses, em vários países que se mostram contrários a esta ‘Nova Ordem Mundial’.

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Clausewitz, C. von. (1832). On War. Project Gutenberg. http://www.gutenberg.org/files/1946/1946-h/1946-h.htm

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Conclusão

Após a elaboração deste trabalho, e remetendo para a nossa questão inicial, podemos concluir que as semelhanças entre os aspectos e acontecimentos descritos por Lenin no seu tempo, encontram bastantes semelhanças com os acontecimentos actuais fruto da expansão na globalização, neoliberalismo e governança. A expansão a que Hobson chamou de ‘Imperialismo’ parece assim manter toda a sua actualidade. E se hoje o processo já pouco é controlado pelos Estados, como outrora, isso significa que o processo se encontra numa fase ainda mais avançada. Podemos considerar que o ‘imperialismo’ é de facto a fase superior do ‘capitalismo’, e serve-se de métodos altamente sofisticados para impor a sua vontade no planeta. A obra de Lenin mostra assim toda a sua actualidade, podendo ser usada como ferramenta de desconstrução ideológica da realidade contemporânea. A criação e utilização de termos novos, para descrever processos antigos, surge assim como uma arma na imposição dos interesses. Apesar do esforço feito na utilização e generalização destes termos à escala global, em todas as instituições, organizações, comunicação social, etc, através da análise minuciosa e cuidadosa, é possível desmistificar esta realidade que nos é imposta. A associação dos termos ‘globalização’, ‘neoliberalismo’ e ‘governança’, ao imperialismo, passa assim a fazer toda a lógica. A questão que se coloca agora é saber o que o futuro trará relativamente a este processo, e de que mudanças trará em última análise. Ou se, pelo contrário, este processo será travado pelas forças anti-imperialistas, que actuam em vários pontos do mundo, contra o desenvolvimento desta nova ordem. Analisando a realidade actual, podemos considerar estar numa fase avançada deste processo, e que os próximos passos serão decisivos para ambas as partes. O futuro dirá quem irá vencer.

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Bibliografia e recursos online



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Bonaglia, F., Macedo, J. B. de, & Bussolo, M. (2001). How globalization improves governance (No. 181). http://www.oecd.org/dev/2675871.pdf [11-062014]. Clausewitz, C. von. (1832). On War. Project Gutenberg. http://www.gutenberg.org/files/1946/1946-h/1946-h.htm [12-06-2014]. Hobson, J. A. (1902). J.A. Hobson: Imperialism, A Study (1902). http://www.marxists.org/archive/hobson/1902/imperialism/ [12-06-2014]. Lenin, V. (1917). O Imperialismo - fase superior do capitalismo (p. 107). Lisboa: Edições “Avante!” Scholte, J. A. (2005). The sources of neoliberal globalization (p. 3). Overarching Concerns Programme Paper number 8. World Bank. (n.d.). Governance - What is Governance? http://web.worldbank.org/WBSITE/EXTERNAL/COUNTRIES/MENAEXT/EX TMNAREGTOPGOVERNANCE/0,,contentMDK:20513159~pagePK:3400417 3~piPK:34003707~theSitePK:497024,00.html [13-06-2014].

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