Governo e Economias Orwellianos

June 29, 2017 | Autor: S. Rodrigues | Categoria: Political Economy
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Governo e Economia Orwellianos

"A vida imita a arte muito mais do que a arte imita a vida".
Muitos dos desenvolvimentistas de diversos calibres e dos liberais de diversos matizes, que colocam seus amplos conhecimentos que teimam em encarar como ciência, acima de seu limitado entendimento das pessoas e da vida em geral, por certo jamais ouviram falar do autor da frase acima (Oscar Wilde).
Assim como, alguns poucos, consigam enxergar qualquer relação possível entre o que escreveu George Orwell em seus clássicos "A Revolução dos Bichos" e no "1984", com o que disse Wilde e a situação pela qual passa a economia (e, portanto, a sociedade brasileira) no atual momento.
Regredimos à situação vigente ao final do Governo Sarney (1985 a 1990) de modo absolutamente impressionante e assustador: a questão fiscal lembra em muito o descontrole que antecedeu o conjunto de medidas que, nos anos seguintes, justificou a adoção de uma serie de medidas voltadas a controlar (para diminuir e adequar) o tamanho do Estado ao tamanho do Orçamento Fiscal. Entre elas, a Lei de Responsabilidade Fiscal e a privatização de ativos públicos em larga escala.
Da mesma forma, de inicio por um reflexo da economia internacional e, depois, pelo descontrole da situação inflacionária interna, a crise cambial asfixiava as contas externas do país e as contas internas do setor privado financeiro e não financeiro, que carregava posições passivas importantes, denominadas em moeda estrangeira.
Até o mote da política fiscal de então era semelhante (assim como as reações que suscitava da sociedade organizada na forma de sindicatos, das classes empresariais e da opinião pública em geral) : o governo – depois de sucessivas e ciclotímicas intervenções sobre o sistema de preços (das tablitas de desindexação dos fracassados planos econômicos aos sucessivos tabelamentos de tarifas públicas e de preços privados), oferecia através de um Ministro da Fazenda com perfil técnico e teocrático muito semelhante ao atual titular da Fazenda, um indigesto (porque sabidamente limitado e insuficiente) Plano Arroz com Feijão, aguardando as (tão esperadas) novas eleições que se avizinhavam.
Como se um novo mandatário tivesse de per si o condão de mudar uma situação crítica (algo mágico, tal como aprender inglês dormindo, por exemplo...).
E aí a coisa tomava um ar mais funesto: afinal, chegava aos frangalhos (na área econômica e na área política) o mandato do primeiro presidente civil (eleito ainda que de forma indireta) depois dos anos de chumbo que durou nos 21 anos de ditadura militar (de 1964 a 1985).
O risco (semelhante também ao de hoje) é que se votasse com o estômago e com o fígado (geralmente maus conselheiros da razão) em candidatos que não poderiam representar nenhum dos lados que até então prevaleceram: nem os "direitistas" ainda que camuflados ou travestidos de liberais e democratas, nem seus opositores (já que então, o PMDB era a "esquerda") que se mostraram mal preparados para perenizar os "laivos promissores" de bonança que, fugaz e fatuamente, emergiram da alternância dos planos econômicos malsucedidos.
Deu no que deu: da crise aguda de identidade e da desesperança por lideranças reais, surgiu não o estadista demandado ou o visionário desejado.
Surgiu, na verdade, um personagem de si mesmo: emergiu um caçador de marajás, sem eira nem beira, que secundava o discurso (e várias ações) de perfil realmente progressista, desregulamentador, liberal e politicamente avançado e alinhado com o consenso emergente nos países mais desenvolvidos de então, com uma ação pessoal, patrimonialista, com traços de coronelismo da pior qualidade do que (tal como tal personagem gostava de dizer, "o tempo, o único e verdadeiro senhor da razão") parece demonstrar estar impregnado como tara genética até hoje...
Sim, porque um dos requisitos senão necessário mas, sem dúvida facilitador, para que a história sempre se repita como farsa (na verdade, primeiro como tragédia e em seguida como farsa, apud Marx, o Karl e não um dos cinco geniais irmãos de Hollywood), é que seus personagens nunca mudem...ou mudem muito pouco.
E no Brasil de hoje, de fato, estão quase todos aí!
Os das antigas direita e esquerda, os novos contestadores e os operadores de mudança de sempre: todos mais envelhecidos, e bem verdade. Mas, quem poderia estar em seus lugares senão eles (e elas) mesmos?
E é ai que entra George Orwell: na sua distopia (ou em sua anti-utopia), criou um mundo (ou um fim de mundo) que pode ser transplantado para o Brasil de hoje, onde parecem conviverem juntos todos os melhores personagens das obras citadas. Sejam Winston, Julia e O'Brien (de 1984) ou os não menos emblemáticos Sr. Jones, Garganta, Napoleão e Benjamin (da Revolução dos Bichos).
Em ambas as obras há traços da frase que Wilde tornou recorrente: por um lado, não se distingue mais a coerência entre os agentes de situação e oposição. Tal qual como na GRANJA DO SOLAR, as situações e os discursos soam semelhantes.
Desde quem fez o quê para assegurar um segundo mandato (o estelionato do câmbio de uns e o estelionato do ajuste fiscal de outros, que deveria levar ao impeachment de outros e uns); as pedaladas fiscais de outros e as pedaladas e o uso dos bancos por uns (que deveria levar ao impedimento por falta de governança de ambos); as compras de votos, os desvios, a corrupção...enfim, personagens e situações se equivalem (ou não) e o desvario pelo poder chegou a tal ponto que emerge o que (em 1984) se chamava de NOVAFALA.
Ou seja, o rebatizar de nomes diferentes para falar das mesmas coisas: e que querem embora queiram dizer as mesma coisas são diferentes porque são ditas por pessoas diferentes (!?!). Assim, por exemplo, vale até atirar no que se criou (como negar o fator previdenciário) para derrubar infernizar o astral do outro.
Ou apoiar quem está pendurado na justiça porque dele depende iniciar ou náo o processo de impedimento constitucional.
Tão ruim ou degradante quanto, é ressuscitar ao vivo e sem qualquer pudor – às escancaras – uma situação que se tornou famosa ao final do Governo Sarney, quando um deputado federal que era também ministro de estado, usou a franciscana locução de "que é dando que se recebe", para justificar o injustificável, sob qualquer ponto de vista.
Pior: procede-se assim, febril e vertiginosamente, ancorado na palavra, no desiderato e nas melhores intenções de dois personagens que, por razões opostas, têm todo o interesse em que se dê o mais rápido possível a vacância do cargo presidencial...
Ou seja, mercadeja-se o decoro e a honra (no fundo) do país, sabendo-se que será inevitável o inicio do processo de impedimento presidencial (que levará à renúncia para não ser consumado, tal como em 1992), com a mais cândida pretensão de que se está fazendo tudo isso no escurinho do cinema e que ninguém perceberá o troca-troca de espertezas.
Parte da classe produtora que fez imprimir ¾ de página nos principais meios editoriais para pregar apoio a uma nova situação (e, agora, para não que não se pague o pato de um ajuste fiscal regado a CPMF), assiste a um rearranjo que, entre outros horrores, se antecipa que, além de impor o ubíquo CPMF, para não aumentar a tarifa e ajudar estados e municípios além do próprio governo federal, se manterá (sic) a alíquota de 0,2% sobre as transações bancárias mas...do lado do crédito e do lado do débito...
E numa transição cevada por quem merecia o apoio das ditas classes empresariais: ou é non sense dos bravos; ou o enredo é bem outro!
No país das conspiratas, pode ser a senha para dizer que Inês é natimorta; mas que é preciso algum sacrificiozinho para que, após o seu enterro, as burras do tesouro não fiquem por demais debilitadas para quem emergir, altaneiro, em curto prazo, do lado de lá do rio.
Que vergonha!
Wilde acertou na mosca!
E Orwell está sendo dia a dia ultrapassado em sua arte. Eis que na vida real do Planalto, personagens de si mesmos se superam indefinidamente em se mostrarem tal como no final de uma obras de Orwell: "ao final, ao se olhar dos porcos para os homens e dos homens para os porcos...já não se sabia mais quais eram os homens, quais eram os porcos"...

BLOGCONPPP
SK, Outubro de 2015














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