Governos at Risk: Impacto das PPP´s no Orçamento do Estado de Minas Gerais

May 30, 2017 | Autor: Murilo Melo Vale | Categoria: Direito Administrativo, Gestão Pública, Administração Pública, Controladoria
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Governos at Risk: Impacto das PPP´s no Orçamento do Estado de Minas Gerais1 Aline Rabelo Assis Buccini. Professora do curso de Ciências Contábeis do IBMEC/MG. Doutoranda e Mestre em Administração pela Universidade Federal de Minas Gerais. Membro do GOV – Grupo de Estudos sobre a Informação Contábil na Gestão Pública e Terceiro Setor, atividade realizada no âmbito do Grupo de Pesquisa Aplicada em Contabilidade e Controladoria – GPACC, da UFMG. E-mail: [email protected] Murilo Melo Vale. Professor de Direito Administrativo da UFMG. Mestre em Direito Administrativo pela Universidade Federal de Minas Gerais. Pós-Graduação em Direito Público pela Universidade Gama Filho/RJ. Pós-Graduação em Direito Tributário pela Universidade FUMEC. Membro da Comissão de Direito Administrativo da OAB/MG. Membro do GOV – Grupo de Estudos sobre a Informação Contábil na Gestão Pública e Terceiro Setor, atividade realizada no âmbito do Grupo de Pesquisa Aplicada em Contabilidade e Controladoria – GPACC, da UFMG. E-mail: [email protected] Thiago Bernardo Borges. Professor do curso de Ciências Contábeis do IBMEC/MG. Mestre em Ciências Contábeis pela Universidade Federal de Minas Gerais. Membro do GOV – Grupo de Estudos sobre a Informação Contábil na Gestão Pública e Terceiro Setor, atividade realizada no âmbito do Grupo de Pesquisa Aplicada em Contabilidade e Controladoria – GPACC, da UFMG. E-mail: [email protected] Renata Luciana Reis Magalhães. Professora dos Cursos de Ciências Contábeis e Administração do Centro Universitário Metodista Izabela Hendrix e do Curso de Ciências Contábeis da Faculdade de Pará de Minas (FAPAM). Mestre em Ciências Contábeis pela Universidade Federal de Minas Gerais. Membro do GOV – Grupo de Estudos sobre a Informação Contábil na Gestão Pública e Terceiro Setor, atividade realizada no âmbito do Grupo de Pesquisa Aplicada em Contabilidade e Controladoria – GPACC, da UFMG. E-mail: [email protected] Poueri do Carmo Mário - Doutor em Ciências Contábeis pela FEA/USP, Professor do Departamento de Ciências Contábeis da Universidade Federal de Minas Gerais, Professor do Mestrado Profissional em Administração do Centro Universitário UNA. Coordenador do Grupo de Pesquisa Aplicada em Contabilidade e Controladoria – GPACC, da UFMG. E-mail: [email protected].

Artigo apresentado e publicado no “XV Congresso Internacional de Contabilidade e Auditoria – A Contabilidade e o Interesse Público”, realizado em Coimbra, organizado pela Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas de Portugal. Posteriormente, este trabalho também foi apresentado e publicado no “I Congresso Internacional de Controle e Políticas Públicas”, realizado em Belo Horizonte, realizado pelo Instituto Rui Barbosa. 1

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RESUMO Nos últimos anos, o governo brasileiro vem realizando investimentos de longo prazo por meio de Parcerias Público-Privadas (PPP). A estruturação de PPPs gera um alívio do orçamento fiscal com investimentos públicos, e permite a viabilização de grandes projetos de infraestrutura sem trazer impacto orçamentário imediato. Em contrapartida, os gastos evitados no curto prazo se transformarão em uma despesa de custeio diluída durante o prazo da parceria. Esta característica das PPPs, tida como vantajosa, pode levar a falsa ideia de que o governo não paga pelos investimentos, quando na verdade está assumindo responsabilidades financeiras e comprometendo o orçamento fiscal durante muitos anos. Diante do risco fiscal que isto pode acarretar, este artigo busca avaliar se a contabilização das PPPs e os limites de contratação impostos pela legislação brasileira são suficientes para assegurar que os pagamentos públicos não se transformem em dívidas que onerem o setor público. O estudo baseou-se no programa de PPPs do governo de Minas Gerais e avaliou as implicações desses contratos nas finanças públicas e na situação patrimonial do Estado. Constatou-se que, apesar dos dispêndios com PPPs estarem abaixo das restrições impostas pela legislação, em 2014 o saldo contratado de PPPs representou 15% da arrecadação em termos de Receita Corrente Líquida (RCL) e foi duas vezes maior que as despesas orçamentárias de investimentos. Discute-se a necessidade de maior planejamento, reflexão quanto ao reconhecimento contábil e gestão do risco fiscal trazido pelas parcerias visando restringir vieses em prol da contratação indiscriminada destes arranjos como forma de burlar as restrições da Lei de Responsabilidade Fiscal. Palavras-chaves: Parcerias Público-Privadas, Accountability, Contabilidade Pública, Risco Fiscal. 1. Introdução Nos últimos anos, a experiência brasileira com Parcerias Público-Privadas (PPPs) vem se consolidando como alternativa para viabilizar investimentos e provisão de serviços públicos por meio de financiamento privado. Até 2014, o país já contava com 70 projetos contratados nos âmbitos federal, estadual e municipal em diversas áreas de infraestrutura econômica, tais como rodovias e saneamento e em projetos de infraestrutura social englobando escolas, hospitais e presídios (PEREIRA, 2015). O termo “Parceria Público-Privada” ainda que abrangente, refere-se a contratos de concessão de longo prazo entre o governo e uma empresa privada, que fica encarregada de planejar, construir, financiar e operar uma infraestrutura pública em troca de pagamentos ao longo da vida útil do empreendimento, que podem ser feitos por meio de subsídios governamentais ou por cobrança de tarifa aos usuários dos serviços. Ao término do contrato, todos os bens e ativos do projeto são revertidos para o setor público (YESCOMBE, 2007). Trata-se de um modo de financiamento privado para serviços de infraestrutura pública, geralmente em montantes significativos, onde há uma distribuição de riscos entre o parceiro público e o privado (EUROPÉIA, 2004). A Organisation for Economic Co-operation and Development (OECD) destaca duas das principais razões pelas quais governos decidem implementar PPPs como alternativas para 2

ampliar investimentos em infraestrutura (OECD, 2008). A primeira delas é a melhoria da qualidade da prestação dos serviços públicos, já que o ente privado teria capacidade de gerilos de maneira eficiente, tendo como contrapartida retornos financeiros. O segundo motivo é o potencial de financiamento privado para implementar e operar estes serviços. Neste sentido, pressão por déficits fiscais e aumento do endividamento público em meados da década de 1990 favoreceu a ideia de financiamento privado por meio de PPPs para viabilizar grandes projetos de infraestrutura em vários países do mundo. Os aspectos relacionados às decisões orçamentárias são considerados para a OECD (2008) um fator chave para que um programa de PPP seja bem sucedido. Isto porque algumas autoridades públicas podem ver as PPPs como uma forma de transferir parte de sua dívida para fora de seus balanços, especialmente quando confrontados com proporções fixas de endividamento público, tidas como aceitáveis. As contraprestações acordadas geram comprometimentos orçamentários não imediatos, mas duradouros para o poder público. No caso brasileiro, as PPPs são submetidas a legislação específica, com limitações estabelecidas pela Lei 11.079/2004 (BRASIL, 2004) quanto aos desembolsos com PPPs em relação à Receita Corrente Líquida (RCL) do ente público. Ainda assim, autoridades públicas podem vislumbrar esse instituto como forma de viabilizar investimentos sem esbarrar nos limites da Lei de Responsabilidade Fiscal. Desta forma, ao avaliar a contratação de uma obra pública pelos meios tradicionais de licitação ou por uma PPP, esta última traz no curto prazo, um efeito para o poder público de redução do gasto total e do déficit orçamentário, mas implica um comprometimento de desembolsos durante vários anos. Não existindo limitação quanto ao valor nominal dos contratos, tal fato poderia criar incentivos para que este arranjo contratual ocorra com uma frequência maior do que o desejável. Este efeito pode acontecer porque as PPPs não são tratadas como passivos no Balanço Patrimonial do governo, sendo consideradas operações fora do balanço (Off-Balance Sheet Itens), o que poderia criar um viés favorável à decisão de contratá-las. Isto levanta a questão de como avaliar a exequibilidade de um programa de PPP em um ambiente institucional onde o horizonte de planejamento não é muito longo. Diante do exposto, o presente trabalho analisa contratos de PPPs do Estado de Minas Gerais e seus impactos para os próximos dez anos. O objetivo é analisar se a forma de contabilização das PPPs bem como os limites de contratação impostos pela legislação são suficientes para garantir que os pagamentos públicos destes contratos não se tornem riscos fiscais de longo prazo para o Estado. 2. Referencial Teórico Este referencial está subdividido em cinco partes. São tratados os seguintes assuntos em cada uma delas: consolidação dos programas de PPPs e sua análise, a contabilidade governamental e o planejamento do governo, o tratamento contábil das PPPs e a Lei de Responsabilidade Fiscal, todos sintetizados para o escopo deste estudo. 2.1 A consolidação das PPPs no Brasil O surgimento das PPPs no Brasil decorreu da consolidação de uma nova maneira de gerir a coisa pública, inserindo-se num paradigma de Estado conhecido como “Nova Gestão Pública”. Como se sabe, esse paradigma da Administração Pública moderna foi resultado da generalização das críticas à ineficiência do Estado Burocrático weberiano, somado à expansão do movimento gerencialista e da cultura do management, os quais defendiam a utilização de técnicas gerenciais do setor privado no desenvolvimento das atividades públicas (ABRUCIO, 3

1997), tais como o controle por resultados, a constante busca pela otimização dos gastos estatais e da necessidade de incremento de investimentos públicos, associada à busca por uma constante melhoria na qualidade e efetividade dos serviços prestados pela Administração Pública. No Brasil, a incorporação de preceitos privados no modo de gerir a Administração Pública refletiu em vários procedimentos e mecanismos de descentralização e privatizações, dentre eles: desestatizações de empresas estatais exploradoras de atividades econômicas; ampliação de terceirizações de serviços de apoio administrativo; concessões de serviços públicos não exclusivos do Estado; fomento ao Terceiro Setor e a participação da Sociedade Civil em atividades de interesse público. Todos esses exemplos resultaram do reconhecimento da importância da esfera privada na boa consecução das atividades públicas. Todavia, até o advento da Lei nº 11.079/2004, todos os grandes investimentos em infraestrutura de vários setores, para a execução de serviços e atividades públicas, eram feitos da seguinte forma: (i) diretamente pelo Estado, através de contratos de empreitada, seguidos da operação pública direta ou da descentralização da gestão do empreendimento através de concessão, permissão, concessão de uso, convênios e outras tipos de parcerias com entidades filantrópicas, Organizações Sociais, OSCIPs – Organização da Sociedade Civil de Interesse Público – ou até mesmo mediante a privatização total da atividade; (ii) ou por concessionárias, através de contratos de concessão de serviços públicos em empreendimentos e serviços autossustentáveis, podendo ser seguida de obra pública, ou não. A Lei nº 11.079/2004 instituiu a Parceria Público-Privada (PPP) como uma nova modalidade de contratação a ser realizada pela Administração Pública, em um contexto de necessidade do apoio privado para a aceleração da realização de investimentos, principalmente, em infraestrutura. Com base nesse novo marco legal, pretendeu-se dinamizar a relação entre o poder público e a esfera privada, de modo a conferir maior atratividade para a realização de projetos de infraestrutura pública, não autossustentáveis, mediante investimentos privados. Para tanto, a Lei nº 11.079/2004 instituiu duas (02) modalidades de concessão: (i) a concessão patrocinada, que é a concessão tradicional de serviços ou de obras públicos (de que trata a Lei nº 8.987/1995), “quando envolver, adicionalmente à tarifa cobrada dos usuários, contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado” (art. 2, §1º da Lei nº 11.079/2004); (ii) a concessão administrativa, que é o “contrato de prestação de serviços de que a Administração Pública seja a usuária direta ou indireta, ainda que envolva execução de obra ou fornecimento e instalação de bens” (art. 2, §2º da Lei nº 11.079/2004). A PPP, tal como se conhece, surgiu na Inglaterra em 1992, no contexto do chamado Private Finance Iniciative. O programa da “iniciativa para financiamento privado” reflete uma política estatal pautada pela busca de mecanismos para que obras e gestão de serviços fossem realizadas mediante o apoio da iniciativa privada (FGV, 2006, p. 20). A ideia era que a modernização da gestão pública, por meio da transferência de grandes investimentos públicos a serem realizados e operados pela esfera privada, trariam resultados efetivos para a redução de gastos estatais e melhoria da qualidade prestacional do serviço público. A experiência inglesa do Private Finance Iniciative, o qual inspirou a legislação referente às PPPs no Brasil, tem, porém, uma modelagem mais ampla. Os Privates Finances Iniciative podem ser autossustentáveis, sem a necessidade de uma contraprestação pública, tal como se dá com as concessões e permissões de serviços públicos aqui no Brasil. Sendo assim, um projeto de Private Finance Iniciative “consubstancia-se em um contrato de concessão no qual o setor público especifica os resultados demandados pela prestação de um serviço público ou pela execução de uma obra, assim como a base para o pagamento em contrapartida aos resultados” (FGV, 2006, p. 29). 4

Di Pietro (2005, p. 159) se mantém cética quanto ao objetivo declarado pelos legisladores, qual seja, de que a Lei nº 11.079/2004 veio para atender à necessidade de realização de obras de infraestrutura para os quais o governo não dispõe de recursos suficientes. Segundo essa administrativista, certos mecanismos de atratividade advinda da Lei nº 11.079/2004, tais como a necessidade de realizar contraprestações públicas mediante “pesadas garantias” e o compartilhamento de risco, geram certo paradoxo, “porque se o poder público não dispõe de recursos para realizar as obras, dificilmente disporá de recursos para garantir o parceiro privado de forma adequada” (DI PIETRO, 2005, p. 159). O fato é que a Lei nº 11.079/2004 deu ênfase à atratividade da contratação pela modalidade das PPPs, por parte de investidores privados, de variadas formas. Sem esmiuçar detalhes legais, podemos citar os seguintes mecanismos que trouxeram maior atratividade para o “parceiro privado”: (i) alocação racionalizada de riscos no contrato para aquele que possua maior condição de arcá-las (art. 4, VI c/c art. 5, III); (ii) novas modalidades de garantias de pagamento da contraprestação pública, tais como a possibilidade de instituição de fundos creditórios e vinculação de receitas (art. 8); (iii) possibilidade da avença de “contragarantia ao financiador”, tais como a emissão de empenhoi e transferência de controle societário ao financiador no caso de inadimplemento que possa afetar a boa consecução dos serviços (art. 5, §2º, I e II); (iv) mecanismos extrajudiciais de solução de conflitos, tais como a arbitragem (art. 11, III); (v) possibilidade de estabelecimento de penalidades contratuais para o Parceiro Público (art. 5, II). Nesse sentido, pode-se dizer que o principal mecanismo trazido pela Lei nº 11.079/2004 para viabilizar a atração de investimentos privados e a implementação de atividades e serviços públicos não autossustentáveis que demandam grandes investimentos é, simplesmente, a contraprestação pública garantidamente prestada pela Administração Pública: (i) seja para complementar ou subsidiar as tarifas cobradas quando a execução envolva a prestação de um serviço público (concessão patrocinada); (ii) seja para remunerar o parceiro privado em razão da implementação e/ou gestão de um “empreendimento público”, no qual a própria Administração Pública é usuária direta ou indireta, tais como escolas, hospitais, penitenciárias etc. 2.2 A análise de conveniência de uma PPP Diante de tais mecanismos de atratividade, que acarretam em um sério compromisso a ser assumido pelo Estado em longo prazo, a Lei nº 11.079/2004 determina que a conveniência da realização de uma PPP deve ser averiguada e devidamente justificada anteriormente à tomada de decisão por essa modalidade de contratação (art 10, I, “a”). A Lei nº 11.079/2004 possibilitou a utilização de diversos mecanismos que podem resultar na otimização do gasto público: (i) a diluição do pagamento, cujo início poderá ser feito mediante a entrega final do equipamento e disponibilização dos serviços; (ii) a possibilidade legal de variação do quantum de remuneração em proporção ao uso do serviço e seu nível de qualidade (metas de desempenho); (iii) a redução dos riscos do empreendimento, através da possibilidade de realocar riscos no contrato e de prever garantias extras ao concessionário e ao financiador do projeto; (iv) e a própria eficiência da gestão empresarial do empreendimento. O uso adequado e racional de tais inovações pode resultar em menor custo para o erário público, mais eficiência na prestação do serviço ou atividade pública e, assim, na melhor conveniência pela escolha da PPP como modalidade de contratação em determinados casos, sempre à luz do interesse público. Neste contexto, seguindo a filosofia do Privates Finances Iniciative, o objetivo dos contratos de PPP é a busca do que se denominou “best value for money” (FGV, 2006, p. 25). 5

O Value For Money é uma referência para a combinação ótima do “custo/qualidade” do projeto (FGV, 2006, p. 20), ou melhor, uma análise de “custo-benefício” para a melhor escolha e formatação de determinados projetos, observados critérios previamente estabelecidos. Segundo Borges e Neves (2005, p. 78), Value For Money é a mensuração da diferença apurada entre o que seria fazer a mesma obra através do Estado ou de um particular contratado para assumir seus riscos e custos. Por isso, a constatação do best value for money é um requisito para a própria contratação através da modalidade da PPP. Tal requisito está expresso no art. 10, inciso I, alínea “a”, in verbis: Art. 10. A contratação de parceria público-privada será precedida de licitação na modalidade de concorrência, estando a abertura do processo licitatório condicionada a: I – autorização da autoridade competente, fundamentada em estudo técnico que demonstre: a) a conveniência e a oportunidade da contratação, mediante identificação das razões que justifiquem a opção pela forma de parceria público-privada (grifo nosso).

Com isso, para analisar a conveniência e oportunidade da contratação através de uma PPP, é necessária a realização de um estudo técnico que demonstre, qualitativa e quantitativamente, que a “concessão especial” trazida pela Lei nº 11.079/2004 é a melhor escolha comparativamente a outras formas tradicionais de execução do projeto, levando em consideração a otimização “custo/qualidade” do gasto público. Contudo, é importante ressaltar que, na averiguação do Value For Money, não significa que a escolha mais benéfica seja aquela que implique em menor custo financeiro. A análise do Value For Money visa dar mais otimização ao gasto público, levando em consideração critérios quantitativos, como também qualitativos. O custo total da via mais barata deve ser utilizado somente para estabelecer um valor de referência e não um teto para a contratação. Neste ponto, a análise de Value For Money compara as vantagens socioeconômicas para a sociedade (benefícios tangíveis e intangíveis) obtidas por meio da execução de determinado serviço por um parceiro privado, em determinada qualidade, com os custos (tangíveis e intangíveis) e receitas da prestação desse mesmo serviço diretamente pelo Estado (MARINS; OLIVEIRA, 2011). Pode ser que a opção pela PPP para a execução de um projeto não seja a de menor custo global, se comparada a outras formas de contratação. Porém, atendo-se às particularidades do caso concreto, a PPP pode implicar, por exemplo, na escolha de um parceiro privado ideal proporcionado pelo aumento da concorrência, sem mencionar que o pagamento por índices de desempenho poderá implicar em maior satisfação do interesse público que visa o serviço ou empreendimento público concedido. Além da análise de Value For Money, a Lei também estabelece um limite de 5% da Receita Corrente Líquida – RCL para a soma total das despesas de caráter continuado, representada pelos contratos vigentes na modalidade de PPP. Esse teto deverá ser respeitado para os dez anos subsequentes à assinatura dos contratos, sob pena de suspensão das transferências voluntárias pela União aos Estados e Municípios. 2.3 A contabilidade governamental e o planejamento público Políticas contábeis e financeiras, conforme Warren e Barnes (2003), impactam na performance organizacional do governo como um todo. Os autores argumentam que um bom desempenho econômico e organizacional depende de decisões melhores e, para que isto 6

aconteça, deve existir um bom mecanismo para medir os resultados. Nesse contexto, a contabilidade é pressionada a exercer seu papel de prover seus usuários com demonstrações e análises de natureza econômica, financeira, física e de produtividade, com relação à entidade objeto de contabilização (IUDÍCIBUS; MARION; PEREIRA, 2001). Reforçando o papel das políticas contábeis em um contexto de reforma, Guthrie, Olson e Humphrey (1999) defendem que, sem reformas na gestão financeira, a aplicação dos princípios da Nova Administração Pública torna-se menos significante para a sociedade. No Brasil, ainda que tardiamente em relação aos países desenvolvidos, o movimento de reformas gerenciais alcançou os governos. Nesse ambiente, no qual as medidas de desempenho e o controle dos gastos públicos são questões recorrentes na agenda de debates do setor público, ampliando a importância do acompanhamento de indicadores para uma execução eficiente e transparente dos recursos públicos, pouco se tem discutido, no Brasil, sobre a capacidade da contabilidade pública auxiliar na produção de informações eficazes para a tomada de decisão dos líderes de governo(ii). O governo brasileiro iniciou um processo de convergência das normas nacionais ao padrão de contabilidade internacional divulgado pelo Internacional Public Sector Accounting Standard Board - IPSASB. Tais normas redirecionam o foco dado à contabilidade orçamentária para a contabilidade patrimonial, impactando a informação financeira, exigindo a produção de novos documentos, mas também acrescendo um viés gerencial na produção dos relatórios, principalmente em relação à apuração de custos no setor público. Também no contexto atual, temos diversos estados brasileiros e o próprio governo federal realizando investimentos de longo prazo através de Parcerias Público Privadas, dessa forma a contabilidade deveria ser a ferramenta a registrar e demonstrar de forma eficiente e eficaz os impactos desses investimentos. Contudo, os instrumentos de planejamento e orçamento utilizados, atualmente, ainda apresentam uma perspectiva apenas de médio prazo. No Brasil, a Constituição Federal determina em seu art. 165 os seguintes instrumentos de planejamento-orçamentário: a) Plano Plurianual (PPA) – É um plano de médio prazo, tem a finalidade de ordenar as ações do governo para que as metas e objetivos fixados possam ser alcançados em um período de quatro anos; b) Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) – A LDO dispõe sobre o equilíbrio das receitas e despesas, orienta sobre a elaboração da lei de orçamento anual, expõe alterações na legislação tributária e estabelece a política de aplicação das agências financeiras oficiais de fomento. A LDO faz uma projeção das receitas e despesas para período de três anos, sendo essa revisada anualmente; e c) Leis de Orçamento Anual (LOA) – Traduz em ações concretas o que vislumbrado no plano plurianual, sempre obedecendo a LDO. A Lei Orçamentária Anual corresponde ao programa de trabalho anual do governo. Para tanto, ela detalha os valores da despesa, bem como estima os valores da receita, que darão suporte à execução dos programas de governo. É importante destacar que a base do planejamento orçamentário são as ações, pelas quais são alocados recursos financeiros e materiais, ações com um mesmo objetivo são agrupadas em programas e os programas entram em uma escala de prioridades determinada pelo governo. A tradução da estratégia governamental em sua representação financeira acontece através dos instrumentos orçamentários, Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e Lei Orçamentária Anual (LOA). Borges e Matias (2011) observam que, apesar de a contabilidade ser a ferramenta por detrás de todos os indicadores financeiros aplicados para monitoramento da estratégia dos governos, em relação à utilização da contabilidade gerencial para agregar valor nas decisões dos gerentes, em Minas Gerais, não se sabe ao certo quanto se tem avançado nesse quesito, 7

prevendo-se que pouco, a despeito de todo o aparato empregado para institucionalização da cultura gerencial. De acordo com Borges e Matias (2011), um Subsecretário de Planejamento e Orçamento e um Superintendente de Orçamento da Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão, em exercício no ano de 2011, teceram uma crítica contundente à ausência de inovação na contabilidade pública, a qual possui praticamente o mesmo ordenamento legal de 45 anos atrás, destacando a falta de metodologias para análise de custo-benefício de programas, utilização das contas de compensação, demonstração de contingências e relatórios com informações gerenciais, que representam a indisponibilidade de informações realmente importantes dentro de uma cultura orientada para resultados. Os gestores pontuaram que, através das informações atualmente disponibilizadas pela contabilidade pública, os indicadores de desempenho e as análises gerenciais ficam restritas a questões de eficiência, deslocadas de avaliações quanto à eficácia e efetividade do gasto. Acrescentam que a contabilidade pública poderia contribuir também ao acompanhar e demonstrar, através de relatórios gerenciais, as obrigações futuras assumidas pelo Estado, apresentando o comprometimento dos recursos estaduais nos exercícios futuros como base para a proposição orçamentária e para o planejamento das ações de governo. Destaca-se que a visão dos gestores quanto à análise de custo é de que existem iniciativas pontuais, mas não existia nenhum modelo, naquele momento, que pudesse ser aplicado de uma forma geral na administração pública estadual (Borges; Matias, 2011). 2.4 O registro contábil das PPPs Ainda que o arcabouço legal que rege as PPPs tenha dez anos de existência, a implementação de Parcerias Público-Privadas no Brasil é recente. De acordo com dados levantados por Pereira (2014), ao final de 2013, 30 contratos de Parcerias Público-Privadas estavam em vigor no âmbito dos estados brasileiros.. Da mesma forma, a legislação contábil, que também está em fase de consolidação de um novo modelo, conforme informado na seção anterior, tem sido ajustada aos contratos de PPP a partir das orientações da Secretaria do Tesouro Nacional - STN, setor pertencente ao Ministério da Fazenda. A STN, em 21 de agosto de 2006, emitiu a Portaria Nº 614 (BRASIL, 2006), que prevê normas gerais consoantes à consolidação das contas públicas aplicáveis aos contratos de parceria público-privada – PPP, de que trata a Lei nº 11.079/04. Essa portaria é aplicável aos órgãos da Administração Pública direta, aos fundos especiais, às autarquias, às fundações públicas, às empresas públicas, às sociedades de economia mista e às demais entidades controladas direta ou indiretamente pelo poder público nos três níveis de governo e Distrito Federal. É importante destacar que a Portaria nº 614/06 foi elaborada em consonância com a estrutura conceitual básica da contabilidade vigente, onde foi determinada a prevalência da essência sobre a forma. O art. 2º da portaria assim previu: Art. 2° O critério para registro das parcerias nas demonstrações contábeis dos entes públicos deverá refletir a essência de sua relação econômica com as sociedades de propósito específico – SPE constituídas para operacionalizar a PPP nos termos do art. 9º da Lei nº 11.079/2004.

Para registro do ativo patrimonial a portaria estabeleceu que: Art. 3º Os direitos futuros reconhecidos pelo ente público, decorrentes de pagamentos pré-estabelecidos em contrato, e não relacionados à efetiva prestação do serviço,

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deverão ser registrados como ativo patrimonial a partir da sua efetiva constituição ou ampliação, no caso de cessão de uso pelo parceiro público. Art. 4° A assunção pelo parceiro público de parte relevante de pelo menos um entre os riscos de demanda, disponibilidade ou construção será considerada condição suficiente para caracterizar que a essência de sua relação econômica implica registro dos ativos contabilizados na SPE no balanço do ente público em contrapartida à assunção de dívida de igual valor decorrente dos riscos assumidos. [...] Art. 5º Caso o contrato de PPP preveja a cessão de uso de bem público, o parceiro público deverá manter registro deste ativo patrimonial não financeiro em conta específica durante o período em que o mesmo estiver sendo utilizado pelo parceiro privado para a prestação do serviço, situação em que deverão ser adotados os mesmos critérios de avaliação dos demais ativos, procedendo-se à reavaliação após o encerramento do contrato de parceria.

Em relação aos passivos patrimoniais tem-se uma determinação específica para os valores de garantia: Art. 6° O reconhecimento de outras obrigações que configurarem comprometimento de recursos do parceiro público, não relacionado à efetiva prestação de serviços, deverá ser registrado no passivo patrimonial. Art. 7° Os entes públicos deverão provisionar e constar em seus balanços, na forma deste artigo, os valores dos riscos assumidos em decorrência de garantias concedidas ao parceiro privado ou em seu benefício.

Por fim, a Portaria nº 614/06 determina o registro dos ativos e passivos contingentes, da seguinte forma: Art. 8º Os ativos e os passivos contingentes decorrentes de contrato de PPP deverão abranger o valor presente da melhoria de um ativo não financeiro passível de transferência ao setor público e das prestações dos serviços objeto do contrato, incluindo a parcela variável condicionada à qualidade do serviço a ser prestado. Art. 9º O registro contábil do valor de ativos e passivos contingentes se dará na data da assinatura do contrato de parceria, e, extraordinariamente, sempre que for verificado fato relevante e será calculado com base em metodologia que reflita o valor presente de todas as obrigações e direitos potenciais. Parágrafo único. O valor registrado será ajustado anualmente em razão de reavaliações decorrentes das variáveis envolvidas. Art. 10 Os ativos e passivos contingentes deverão ser registrados e mantidos em contas contábeis típicas de Compensado até que sejam reconhecidos como passivos ou ativos patrimoniais. Os contratos vinculados à execução de obras deverão ser tratados contabilmente de forma individualizada. (GRIFOS DOS AUTORES).

Nota-se que a determinação legal é de que sejam evidenciados os valores dos contratos assumidos e os impactos futuros dessa forma de “financiamento” dos investimentos públicos. Contudo, percebe-se que o tratamento dado foi o de ativos e passivos contingentes por meio de contas de compensação, visto que o caráter contingencial dos mesmos esbarra na limitação da estrutura conceitual da contabilidade para reconhecimento dos mesmos como ativos e passivos propriamente ditos. O reconhecimento contábil de determinado item como passivo depende de que seja possível que benefícios econômicos futuros fluam para ou da entidade, além de ser possível a mensuração com confiabilidade (CPC, 2011). Ressalta-se que o conceito de confiabilidade

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proposto pela norma contábil não impede que a informação seja estimada, sugere porém que as premissas sejam adotadas em bases confiáveis. Além disso, o reconhecimento como passivo depende ainda de enquadramento na definição apresentada pela norma: “passivo é uma obrigação presente da entidade, derivada de eventos passados, cuja liquidação se espera que resulte na saída de recursos da entidade capazes de gerar benefícios econômicos” (CPC, 2011, p.19); Cabe ressaltar que o registro patrimonial de PPPs adotado no Brasil segue os princípios de tratamento contábil da União Européia (EUROSTAT, 2004). 2.5 A Lei de Responsabilidade Fiscal e o limite de endividamento Torna-se relevante destacar a existência da Lei Complementar 101, de 4 de maio de 2000, também conhecida como Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF, a qual estabelece normas de finanças públicas direcionadas para a responsabilidade na gestão fiscal (BRASIL, 2000). Segundo Sacramento (2005), a LRF é um instrumento importante para auxiliar no saneamento das contas públicas e ampliar a accountability do setor público. Nesse sentido, destacam-se os limites para endividamento estabelecidos pela lei, e também a chamada “Regra de Ouro”, que está contida nesses limites. A LRF em seu art. 32 estabeleceu que o Presidente da República deveria apresentar ao Senado Federal uma proposta de limites de endividamento para os entes federados de acordo com previsão constitucional incisos VII, VIII e IX do art. 52 da Constituição. Essa proposição da Constituição e da LRF visa enquadrar os entes federados em um patamar de endividamento considerado “saudável” pelos legisladores, segundo Nascimento e Debus (2009). O artigo 167, inciso II da Constituição Federal de 1988, apresenta a seguinte determinação: “É vedada a realização de operações de crédito que excedam as despesas de capital, ressalvadas as autorizadas mediante créditos suplementares ou especiais com finalidade precisa, aprovados pelo Poder Legislativo por maioria absoluta."

Segundo Nascimento e Debus (2009), tal comando traz a chamada “Regra de Ouro” e tem por pretensão coibir o financiamento, via operação de crédito, de despesas correntes. É matéria considerada orçamentária, ou seja, o limite das operações de crédito é o montante das despesas de capital previsto na lei orçamentária anual. Ressalte-se que a partir da LRF, passou então a ser também matéria financeira. A compreensão da existência desses limites estabelecidos e da pretensão em se garantir para os entes federados uma margem de endividamento capaz de ser administrada, com uma redução da alavancagem atual, permitirá a reflexão acerca dos valores autorizados pelos gestores públicos para investimentos através de Parcerias Público-Privadas. 3. Metodologia e análise dos resultados Esta pesquisa tem natureza descritiva e explicativa, uma vez que almeja avaliar o impacto do programa de Parcerias Público-Privadas do estado de Minas Gerais no orçamento público de longo prazo a partir da análise documental. As despesas com PPPs são registradas nos Relatórios Resumidos da Execução Orçamentária (RREO), que constitui o principal registro e evidenciação do orçamento público neste quesito. Desta forma, os gastos correntes com PPPs do Estado de Minas Gerais foram 10

obtidos nos RREOs do período de dezembro de 2007 a fevereiro de 2015 (MINAS GERAIS, 2015). O demonstrativo das Parcerias Público-Privadas evidencia as seguintes informações:  No balanço patrimonial do Estado: contabilização das PPPs em função de ativos e passivos diretos, conforme a natureza de cada contrato e a normativa estabelecida pela Portaria Nº 614 da Secretaria do Tesouro Nacional. No caso mineiro, observa-se que os todos os contratos assinados são tratados off-balance sheet, salvo suas garantias, que são registradas como passivos contingentes;  Demonstrativo de despesas de PPPs: apresenta os gastos com cada contrato relativos ao exercício anterior, ao exercício corrente e uma projeção por mais nove anos subsequentes. A Receita Corrente Líquida RCL também é evidenciada no mesmo período para cálculo do indicador das despesas correntes de PPPs sobre a RCL. É importante ressaltar que, no caso da RCL, os dados do exercício corrente são relativos ao mês do relatório somados aos 11 meses anteriores, ou seja, trata-se de uma receita já realizada; enquanto que, as despesas de contraprestações para o ano corrente são os valores pagos até o momento mais os valores previstos até o final do exercício. Até fevereiro de 2015 havia oito contratos de PPPs assinados em Minas Gerais. Na realidade, o programa de PPPs mineiro conta com mais um projeto, sendo nove ao total, que não aparece no relatório em questão por ter sido um projeto licitado diretamente pela Companhia Estadual de Saneamento Básico (COPASA), empresa estatal de economia mista, a qual é responsável pelos pagamentos das contraprestações pecuniárias. O programa de PPPs do Estado é diversificado, abrangendo desde infraestruturas tradicionais – como uma rodovia e um aeroporto – a projetos de infraestrutura social, tais como um presídio e um estádio de futebol. A tabela 1 ilustra as principais características destes projetos: Tabela 1: Projetos de PPP contratados em Minas Gerais até fevereiro/2015 Ano da assinatura Prazo de Ano de término Projeto do contrato vigência do contrato Rodovia MG2007 25 2032 050 Complexo 2009 26 2035 Penal Unidades de Atendimento 2010 27 2037 ao cidadão – fase 1 Estádio “Novo 2010 20 2030 Mineirão” Unidades de Atendimento 2014 17 2031 ao cidadão – fase 2 Unidades de Atendimento 2014 15 2029 ao cidadão – fase 3 Aeroporto 2014 30 2044 Regional Gestão de Resíduos 2014 30 2044 Sólidos

Valor estimado do contrato (em R$ MM)(1)

278 1.303 212 867 439

188 211 1.403

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Urbanos (RSU) Observação: (1) Valores estimados a partir dos gastos realizados até 2014 e as despesas previstas de 2015 a 2024 que constam nos relatórios de RREO. Fonte: Minas Gerais (2015) e Unidade Central de Parcerias Público-Privadas (www.ppp.mg.gov.br).

O programa de PPPs mineiro tem o seu primeiro contrato assinado em 2007, com a rodovia MG-050. Este é um projeto de menor escala quando comparado a outros como o Complexo Penitenciário. Este foi o segundo contrato assinado no ano de 2009, cujo valor total estimado de gastos com pagamentos públicos representa R$ 1,3 bilhão ao longo de 25 anos de operação. Em 2010 dois novos projetos foram contratados, e somente quatro anos depois, em 2014, é que o programa de PPPs ganhou quatro novos projetos. O saldo estimado com o total de pagamentos públicos futuros destes projetos foi de R$ 8,3 bilhões ao final de 2014. A figura 1 mostra as despesas correntes com PPPs realizadas até 2014 e projetadas até 2024. É possível observar que houve um salto nos pagamentos públicos a partir de 2013, devido a entrada de operação dos projetos do Complexo Penal e do Estádio Novo Mineirão, e outro salto em 2015, com a contratação de quatro novos projetos ocorrida em 2014. O máximo comprometido com despesas desta natureza é atingido em 2018 no valor de R$ 420 milhões. Mesmo sendo valores expressivos, os dispêndios representaram um percentual máximo de 0,8% da Receita Corrente Líquida no ano de 2015, muito abaixo do teto de 5% estabelecido na lei 11.079/03. Logo, o Estado atende aos requisitos legais com uma folga considerável. Figura 1: Despesas Correntes com PPPs no período de 2008 a 2024 (em R$ milhões)

Fonte: Elaborado pelos autores, com base nos dados da pesquisa.

Engel, Fischer e Galetovic (2013) discordam que as PPPs são vantajosas pela justificativa de aliviar o orçamento fiscal, pois ainda que o governo não assuma despesas de curto prazo explícitas, o compartilhamento de riscos implica em garantias públicas adicionais, tal como a garantia mínima de receita pelo poder público, que não são contabilizadas no balanço patrimonial, mas que a rigor, passam a existir no momento da contratação. Os autores também observam que as economias geradas no início do projeto são compensadas pelo maior valor nominal a ser pago no tempo ao se utilizar a iniciativa privada para financiálos. Este argumento também é compartilhado por diversos autores, que alertam para os potenciais problemas quando a má estruturação inicial dos projetos produz externalidades 12

negativas, que redundam em renegociações contratuais – em geral a favor da concessionária, e que podem por em risco os benefícios esperados pelas PPPs (BANCO MUNDIAL, 2014; BELSITO; VIANA, 2013; IRWIN, 2007; MONTEIRO, 2007). Neste sentido, Belsito e Viana (2013) destacam que, não obstante os limites de dispêndio já previstos em lei brasileira, ainda há necessidade de serem criadas restrições específicas afim de evitar riscos devido a natureza incompleta destes contratos. A alocação e transferência de riscos no contrato pode não ocorrer como inicialmente esperado, e a gestão de riscos pode ser dificultada devido a complexidade técnica, legal, política e econômica destes projetos e dos muitos atores envolvidos (DEMIRAG et al., 2012). Por esta razão, o Banco Mundial (2014) recomenda avaliação do impacto de todos os projetos de PPP na situação geral fiscal do governo, além de uma avaliação do risco sistêmico, ambas precisam ser adotadas pelo setor público e monitoradas continuamente. Baseando-se primeiramente no argumento de Engel, Fischer e Galetovic (2013) de que o investimento de hoje é equivalente ao fluxo de pagamentos públicos futuros (trazidos a valor presente), levantou-se o saldo a pagar dos projetos de PPP contratados pelo Estado de Minas, visando analisa-lo caso fosse tratado dentro da contabilidade pública. A figura 2 mostra o valor comprometido com PPPs no futuro e a sua correlação com o total de investimentos correntes do Estado entre 2007 a 2014(iii). Observa-se que o nível de investimentos correntes do Estado caiu, ao passo que o comprometimento com PPPs cresceu a ponto de, em 2014 representar o dobro dos dispêndios de capital do Estado. Por um lado, estes dados reforçam um dos principais argumentos políticos a favor das PPPs, que é a possibilidade de reduzir as pressões orçamentárias de curto prazo, realizando grandes investimentos de capital que serão diluídos como despesa de custeio de longo prazo. Contudo, o crescimento do estoque de pagamentos de PPPs pode trazer consequências indesejáveis para o orçamento público. Ainda que os pagamentos correntes estejam longe do teto estipulado pela legislação, o poder público precisa gerenciar os riscos dos projetos em andamento, porque um aumento significativo dos pagamentos poderia trazer sérios impactos fiscais. Vale ressaltar que os anos de 2010 e 2014, respectivamente, foram períodos importantes sob o ponto de vista político, pois foi quando ocorreram as eleições estaduais para governador. Os projetos de PPP celebrados poderiam dar grande visibilidade aos governantes da época, trazendo algum tipo de capital político positivo, por meio da mobilização da opinião pública. Adicionalmente, a forma de contabilização das PPPs fora do endividamento do governo ratifica a ideia de que o gestor público age de acordo com a lei de responsabilidade fiscal. Figura 2: Saldo comprometido com despesas de PPP e investimentos orçamentários no período de 2008 a 2014 (Em R$ milhões)

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Fonte: Elaborado pelos autores, com base nos dados da pesquisa.

Uma pesquisa survey realizada por Burger e Hawkesworth (2011) em 20 países mostra que a média de investimento do setor público feito através de PPP representa de 0% a 10% do investimento público em infraestrutura do país. Os níveis encontrados para o caso de Minas Gerais, ainda que passível de algum grau de ajuste, parecem elevados em relação à essa referência internacional. O Banco Mundial (2014) alerta que, se os compromissos fiscais não forem claramente reconhecidos e controlados, as PPPs podem ser estruturadas simplesmente para adiar o impacto orçamental do investimento público e para mover a dívida associada fora do balanço do governo de uma forma que não leva em conta as implicações de longo prazo para as finanças públicas. A exposição excessiva a riscos nos projetos de PPPs de rodovias em Portugal no início dos anos 2000 trouxe uma sobrecarga considerável e crescente para as contas públicas. Em 2011 as despesas de contraprestações correntes representaram 1,0% do PIB e o valor nominal dos contratos atingiu 14,2% do PIB, o que sugere que os compromissos assumidos ainda pressionarão as contas públicas no médio prazo (MINISTÉRIO DAS FINANÇAS DE PORTUGAL, 2012). Dentre os motivos que levaram ao aumento dos riscos fiscais em Portugal, estão: a ausência de regras claras para contratação de PPPs, a avaliação otimista de riscos ex‐ante dos projetos pelo governo, a ausência de monitoramento efetivo da execução contratual e a falta de auditoria preventiva antes das contratações (MONTEIRO, 2007). 4. Conclusão A legislação, em seu aspecto contábil, trata a previsão de contraprestação dos contratos de PPP como passivo contingente, o qual não é contabilizado no balanço patrimonial do Estado, visto as limitações impostas pelo modelo contábil para seu reconhecimento. Dada a relevância destes valores, é necessário refletir se o tratamento contábil aplicado às PPPs na contabilidade pública está condizente com a primazia da essência econômica ensejada pela estrutura conceitual vistos os possíveis impactos fiscais decorrentes da característica de longo prazo destes contratos. A reflexão deve ser direcionada no sentido de caracterizar se os desembolsos previstos com PPPs, são contingências passivas ou efetivas provisões que merecem ser contabilizadas no Passivo da instituição, certamente segregando-se curto e longo prazo. 14

O Demonstrativo das PPPs que acompanha os Relatórios Resumidos da Execução Orçamentária (RREO) tem demonstrado que os desembolsos são previsíveis e reais. De acordo com a OECD (2012), a experiência internacional revela que pode ser difícil obter o Value For Money de PPPs caso agências governamentais não estejam preparadas para se utilizar destes arranjos de maneira eficiente. Além disso, a OECD argumenta que as PPPs podem ser utilizadas como ferramentas para obscurecer o gasto real e fazer com que ações de governo se tornem não transparentes, à medida que se utiliza de financiamentos fora do balanço, como se evidencia na análise do presente estudo. Uma avaliação preliminar do programa de PPPs do Estado de Minas Gerais demonstra que as contraprestações correntes representam um impacto máximo de 0,9% da RCL em um horizonte de projeção de 10 anos. Este patamar, ainda que distante do limite de 5% estabelecido por lei precisa ser avaliado e monitorado continuamente pelos gestores públicos por meio de critérios alternativos e simulações de risco fiscal. Ferramentas financeiras como a simulação de Monte Carlo ou o Value at Risk podem contribuir para a avaliação do grau de exposição governamental a contingências passivas e externalidades negativas em concessões de PPPs. Desta maneira, se uma das principais vantagens de arranjos contratuais de PPPs seria a desoneração do Estado para alocar recursos de maneira eficiente em outros setores críticos, um excesso de contratos de PPPs poderia, com o passar dos anos, colocar em risco a sustentabilidade orçamentária do Estado. O estudo é um convite para que se possa fomentar o debate na academia com a participação dos agentes públicos e privados envolvidos, e que novos estudos possam ser desenvolvidos no sentido de se utilizar a informação contábil no poder público como base efetiva de gestão de projetos em andamento, e também como informação relevante na tomada de decisão para estruturação de novos projetos. Referências ABRUCIO, F. L. O impacto do modelo gerencial na administração pública: um breve estudo sobre a experiência internacional recente. Cadernos ENAP, n. 10, p. 1–52, 1997. BANCO MUNDIAL. Implementing a Framework for Managing Fiscal Commitments from Public Private Partnerships. [s.l.] Operational Note, 2014. BELSITO, B. G.; VIANA, F. B. O limite de comprometimento da Receita Corrente Líquida em contratos de parceria público-privada. Revista do BNDES, v. 39, p. 123–160, 2013. BORGES, L. F. X.; NEVES, C. DAS. Parceria Público-Privada: Riscos e mitigação de riscos em operações estruturadas em Infra-Estrutura. Revista do BNDES, v. 12, n. 23, p. 73–118, 2005. BORGES, T. B.; MATIAS, M. A. Contabilidade Gerencial no setor público: o caso de Minas Gerais. Revista contabilidade Vista e Revista, v. 22, n. 3, p. 73–98, 2011. BRASIL. Lei Complementar 101, de 4 de maio de 2000. Estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal e dá outras providências. Presidência da República, 2000. 15

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Conforme art. 58, da Lei nº 4.320/1964, “o empenho de despesa é o ato emanado de autoridade competente que cria para o Estado obrigação de pagamento pendente ou não de implemento de condição”. Sendo assim, com base nessa garantia, o contrato de uma PPP poderá prever que o empenho seja emitido em nome do financiador e, não no nome do concessionário. (i)

(ii)

Na pesquisa feita por Hopper et al. (2009,) apenas um artigo brasileiro sobre o tema utilização da contabilidade gerencial no setor público foi encontrado. Em pesquisa feita por título no portal de periódicos CAPES, no dia 21/02/2012, combinando as expressões “management accounting report”; “management accounting data”; “public sector”; foram encontrados sempre menos de 40 artigos. (iii)

Estes saldos foram calculados a cada ano, a partir dos gastos realizados até 2014 e aqueles projetados até 2024 de acordo com os relatórios de RREO de 2008 a fev/2015. Após este prazo, as despesas foram estimadas a partir dos valores estimados para 2024 e calculadas até o mês de término de cada contrato.

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