Gramática Culinária em espaços bilingues: breve análise do caso colombiano em UNILA
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Ivanildo Henrique Vieira Antropologia da Alimentação Gramática Culinária em espaços bilingues: breve análise do caso colombiano em UNILA
Eu acabo de chegar a Universidade Federal da Integração Latinoamericana – UNILA, o ano é 2012. Uma de minhas primeiras refeições na moradia estudantil da UNILA que viria a ser conhecida como a Quebrada do Guevara, estou almoçando, a refeição está servida na parte côncava da tampa de uma panela improvisada como um prato, a comida é agarrada com a mão em bocados desajeitados, essa situação se deve pela falta de talheres suficientes para todos os moradores que recém chegados como eu e mesmo a tampa de panela empregada como um prato é dividida. Assim começou meu contato com as “comidas estrangeiras”, e em especial com a comida colombiana. Apesar de eu nunca ter comido muitas comidas exóticas1, essa experiência me marcaria e afetaria por algum tempo, pois eu, quando morava com meus pais
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Uso aqui o adjetivo exótica por falta de uma nomenclatura melhor, mas sem nenhum tipo de referencia a comidas típicas de quaisquer comunidades ou grupos étnicos. Entenda‐se aqui comida exótica como toda aquela que, no senso comum de um morador de uma cidade do interior do Paraná, não é uma comida ´´normal´´ ou comida do dia a dia mas sim de comida diferente, estrangeira... em resumo, não cotidiana.
sequer aceitava comer no mesmo prato que minhas irmãs, e ali naquele momento estava comendo com as mãos, uma comida preparada em um mutirão de pessoas de diferentes nacionalidades, dividindo uma tampa de panela com um ecuatoriano indígena da Amazônia. Partindo desse arsenal de informações coletadas em pelo menos três anos de relação mais ou menos direta (sendo esses dois últimos anos convivendo na mesma casa) com estudantes colombianos que possuem residência em Foz do Iguaçu Brasil tentarei analisar aqui, aquilo que Claude Fischler conceitualiza em seu livro “El (h)omnívoro. El gusto, la cocina y el cuerpo”2 (1995), como gramática culinária ou cocina : “Se define habitualmente la cocina como un conjunto de ingredientes y de técnicas utilizadas en la preparación de la comida. Pero se puede entender «cocina» en un sentido diferente, más amplio y más específico a la vez: representaciones, creencias y prácticas que están asociadas a ella y que comparten los individuos que forman parte de una cultura o de un grupo en el interior de esta cultura. Cada cultura posee una cocina específica que implica clasificaciones, taxonomías particulares y un conjunto complejo de reglas que atienden no sólo a la preparación y combinación de alimentos, sino también a su cosecha y a su consumo. Posee igualmente significaciones que están en dependencia estrecha de la manera como se aplican las reglas culinarias. Para retomar la analogía con el lenguaje, se suele decir que así como los errores gramaticales pueden alterar o anular el sentido, los errores de «gramática culinaria» pueden entrañar impropiedades inquietantes para el comensal.” Sobre este conceito bastante abrangente de gramática culinária o autor toma em consideração três elementos principais da alimentação para focalizar as suas análises: o fundo de cozimento, o fundo de especiarias ou condimentação e a comensabilidade.
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Essa é a tradução de Mario Merlino para o espanhol pela Editorial Anagrama, Barcelona, 1995. A edição original é intitulada L’homnivore, Editions Odile Jacob, Paris, 1990
Quando fala de fundo de cocção (ou cozimento) Fischler nos apresenta a ideia de que todo alimento, muito antes de ser consumido é dotado de valor enquanto comida possível dentro de uma possibilidade muito maior de comestíveis em determinado contexto geográfico, climático e histórico. No caso de interdições nascem os tabus alimentares, os tabus, segundo aponta o autor, necessitam primeiro serem reconhecido como efetivamente comestível , caso contrário o interdito não seria necessário. Este primeiro item, além daquela divisão prévia do que pode ser comido, inclui todos os procedimentos necessários para o consumo dos alimentos tais quais os processos de descasque, cocção, abafamento, defumação, fritura, resfriamento… Nessa perspectiva em minha pesquisa, pude constatar que uma das primeiras dificuldades para os estudantes colombianos ao tratar de reproduzir sua gramática culinária em terras brasileiras, era o fato de que eles não tinham a sua disposição elementos considerados comuns e de fácil acesso na Colômbia e que não o são por estes lados. A Harina P.A.N.3 é uma farinha de milho précozida muito comum nos mercados colombianos, mas não é facilmente encontrada no Brasil e quando é, custa absurdos em relação a outras farinhas nacionais. Talvez por isso todas as vezes em que questionei qual a comida que os estudantes mais sentiam falta por aqui a arepa apareceu como a principal. A arepa colombiana4, um
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Apesar de Harina P.A.N. se tratar de uma marca venezuelana de farinha de milho précozida e não de um tipo propriamente dito de farinha, ela é citada sempre dessa forma pelos interlocutores, provavelmente por se tratar da primeira grande marca a industrializar tal farinha e distribuir em grande escala, atingindo o mercado nacional e o internacional no caso da exportação para a Colombia. 4 Arepa é um prato de massa feita de farinha de milho, ovos,água e sal assada, frita ou defumada em formato de pequenas tortillas recheadas ou não. Faço aqui a distinção entre a arepa colombiana em contraposição a arepa venezuelana, pois apesar de ambas possuírem o mesmo produto base (farinha de milho) e praticamente o mesmo modo de fabricação, as arepas colombianas são geralmente mais achatadas e brancas e (ao menos aparentemente), admitem uma gama menos variada de recheios, enquanto aquelas produzidas na Venezuela são amarillas y más gorditas e envolvem um espectro mais amplo de recheios e sabores incluindo doces, salgados, carnes, queijos, geléias... Sobre a origem da “arepa verdadeira” (se é que exista) não existe nenhum consenso sobre o local exato, apesar de ser inegável o consumo de arepas no período précolombino em toda aquela região.
prato típico e comum a toda a nação colombiana, não pode ser reproduzida materialmente pela ausência do produto base, a saber, harina pan. Partindo dessa única prerrogativa, a gramática culinária colombiana ficaria impedida de ser executada nas terras brasilis , então como seria possível que eu tenha experimentado a arepa colombiana em Foz do Iguaçu sem que ninguém tenha importado a famosa Harina P.A.N. venezuelana? Aqui eu parto da hipótese de adaptação e/ou reinterpretação e/ou reinvenção das regras gastronômicas. Fui convidado a participar de um pequena reunião de estudantes colombianos que iriam tratar de fazer uma ´´noite da comida típica colombiana´´ por terem encontrado no mercado o chamado plátano (banana da terra) ainda verde, que é a época em que tal fruta é usada na culinária colombiana. Nessa noite iriam testar uma possível arepa abrasileirada, se assim podese dizer,além de outras receitas. A primeira mudança observada em relação a ´´arepa à brasileña´´ que comi foi essencialmente qualitativa, me alertaram os interlocutores e executores da receita. Como a harina pan verdadeira é précozida eles afirmam que nossa farinha de milho é de qualidade inferior aquela, e que por tal motivo haveria que adaptar a receita, encontrar as porcentagens corretas do fubá mimoso (ou polentina em alguns casos) que é a nossa farinha de milho mais parecida com aquela supracitada. Uma vez encontrada a divina proporção entre a farinha de milho, os ovos, o sal e a água necessária para uma boa massa de arepa, um elemento que irá garantir a qualidade final do produto é o recheio. Geralmente com recheio pouco volumoso, as arepas colombianas são caracterizadas pela espessura slim da massa o que as torna mais leves e saborosas que fique claro segundo os mesmos colombianos ao fazerem comparações com os pratos similares produzidos na Venezuela.
Nesse momento uma das garotas colombianas que estava ajudando a preparar as arepas exclama “Tenian que ser rolos5, para hacer unas arepas tan sin relleno así” ao observar que o ´´padrão´´ adotado para as arepas seria aquele praticado na capital do país. Em Bucaramanga, cidade de onde a garota provém, existe o costume segundo ela de se prepararem arepas muito mais recheadas, fato atestado também por outros estudantes, provenientes de Cali e de Cartagena. Para além disso, após alguns debates concluiuse que a Colômbia possui uma enorme variedade de arepas, enquanto na Venezuela só haveria poucas variações. O segundo elemento tomado por Claude Fischler é o do fundo de especiarias ou de condimentação se trataria dos procedimentos executados com o alimento para coagilo a ter um sabor diferente, são os saborizadores e condimentos em geral e os subprocessos envolvidos neles como a moeção dos grãos de pimenta do reino no ato de apimentar algum alimento, por exemplo. Para o autor este seria o elemento mais facilmente identificável, sendo portanto um sinal diferenciador para se reconhecer os “gostos culturais” entre as diferentes gramaticas culinárias. Quando as arepas ficaram prontas, começouse a produzir os diferentes recheios. E muito se falava sobre los condimientos de las salsas colombianas . Novamente iniciouse outro debate sobre quais das regiões colombianas produzia o ´´verdadeiro melhor recheio´´ salgado ou doce, eventualmente ganha o salgado, mas qual salgado? carne? frango? queijo é salgado? Interessante pensar que na ausência de muitos condimentos tradicionalmente utilizados na Colômbia, mas inexistentes aqui, os indivíduos, primeiro mantenham esses nomes e combinações de especiarias para determinado recheio, e em segundo lugar, existe toda uma apropriação de outros condimentos, conhecidos por aqui ou reinterpretados, como os ´temperos
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Rolo é uma gíria comumente usada pelos moradores do interior da Colombia para se referir pejorativamente aos moradores da cidade de Bogotá, os quais acusam de serem “ unos creídos, unos chetos (almofadinhas, mauricinhos) porque viven en la Capital, ¡uy si, uy sí!”
bahianos´ comprados em saquinhos no mercado o qual dizem ser bastante similar a um usado na Colômbia. O último espectro de análise proposto por Fischler é o da comensalidade. Entendido em um horizonte bem mais amplo do que o simples ´´compartilhamento de uma mesa´´ (dai com mensalis) , o autor argumenta que todo o ritual envolvido na apresentação, empratamento e degustação do alimento faz parte daquilo chamado comensalidade,, além das normas de etiqueta diante de cada contexto culinário especifico. Comensal do francês commensal e este do latim commensalis são todos aqueles que dividem a mesa, compartilham a refeição e preferencialmente, o mesmo sistema de bons modos à mesa, etiqueta… É farta a bibliografia que trata entre as relações de parentesco criadas a partir de relações de comensalismo, neste sentido sou inclinado a acatar algumas dessas posições. O ato de compartilhar a mesa, a preparação e a comida em si, é realmente impactante produzindo interações sociais profundas, uma vez que tudo o que produzimos leva um pouco de nós e, se nós somos o que comemos, quando comemos algo que alguém produz carregamos implicitamente (ou aceitmos carregar) um pouco desse alguém em nós. Bibliografia: FISCHLER, Claude. El (h)omnívoro. El gusto, la cocina y el cuerpo . Editorial Anagrama, Barcelona, 1995. ________________. Gastronomía y gastroanomía. Sabiduría del cuerpo y crisis biocultural de la alimentación moderna . Gazeta de Antropologia, 2010. disponível
em
acesso 1 de julho de 2015.
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