GRANDE REPORTAGEM E ESPECIAL MULTIMÍDIA: Aproximações possíveis 1 GREAT REPORT AND MULTIMEDIA SPECIAL: possible approaches

June 6, 2017 | Autor: Angela Farah | Categoria: Jornalismo, Grande Reportagem Multimídia
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GRANDE REPORTAGEM E ESPECIAL MULTIMÍDIA: Aproximações possíveis1 GREAT REPORT AND MULTIMEDIA SPECIAL: possible approaches Angela Maria Farah2

Resumo: O conteúdo jornalístico na web vem passando por uma série de mudanças. Uma delas é o modo de produção e de apresentação da reportagem. Este artigo surge de um olhar aberto às mudanças, bastante inquieto com as transformações que o jornalismo vem sofrendo e também da observação da possibilidade que a web traz para o jornalismo de recriar o espaço para a veiculação de grandes reportagens ou reportagens especiais, precisamente por ter espaço ilimitado. Desse modo, pretende-se analisar as aproximações possíveis entre a produção da grande reportagem e do especial multimídia. Muitos estudiosos têm-se debruçado sobre os formatos, as ferramentas, entre outros quesitos específicos do jornalismo digital. Assim, propõe-se uma reflexão sobre a grande reportagem e sua reinvenção no espaço digital, assim como suas implicações para o jornalismo. Palavras-chave: Jornalismo online. Grande reportagem. Reportagem multimídia. Abstract: The news content on the web has undergone a lot of changes. One is the mode of production and presentation of the report. In this article we intend to analyze the possible considerations between the output of the large reportage and special multimedia. Thus, it is necessary to analyze what are the traditional features and new and how it impacts journalism. In order to analyze the big story and its change process on the web, it is necessary to review, briefly, the history of web usage by media companies, the history of the story and the big story of the characteristics in the printed vehicle and on the web. This essay comes from an open look to change, quite uneasy with the changes that journalism has suffered and also observing the possibility that the web brings to journalism to recreate the space for the placement of large reports or special reports, precisely because it unlimited space. Many scholars have been poring over formats, tools, and other specific questions of digital journalism. Thus, we propose a reflection on the great story and its reinvention in the digital space, as well as its implications for journalism. Keywords: Online journalism. Great story. Multimedia reporting.

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Trabalho apresentado na Divisão Temática Ibercom Estudos em Jornalismo, do XIV Congresso Internacional IBERCOM, na Universidade de São Paulo, São Paulo, de 29 de março a 02 de abril de 2015. 2 Doutoranda em Ciências da Comunicação, Universidade de São Paulo, orientada por Profª Dra. Cremilda Medina, [email protected]

INTRODUÇÃO

Na década de 1970, o jornal The New York Times já havia iniciado a transposição do seu conteúdo para a web. Os assinantes do jornal, que possuíam computadores, podiam acessar resumos e textos completos de artigos atuais do jornal por meio do banco de dados denominado New York Times Information Bank. (MOHERDAUI, 2002).

Outros jornais norte-americanos começaram a oferecer serviço semelhante. Porém, o início da era da informação digital nos Estados Unidos tem como marco o final dos anos 1980. Nessa época, os jornais impressos que queriam usar a web perceberam que precisavam pensar em estratégias diferentes para ganhar esse público ainda desconhecido e a partir daí o usuário da web passou a receber boletins informativos personalizados disponibilizados por vários jornais. Foi a partir de 1995, tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, que os jornais digitais com conteúdos específicos para a web começaram a surgir.

A reportagem multimídia mais comentada desde o final de 2012 é Snow Fall: the avalanche at Tunnel Creek, produzida pelo The New York Times, assinada por John Branch. Ela conta a história da avalanche em Tunnel Creek, nos Estados Unidos, que matou três dos 16 atletas profissionais que praticavam snowboard naquele local. Demorou seis meses para ser finalizada, foi publicada em dezembro de 2012 e recebeu o Pulitzer, o mais prestigiado prêmio do jornalismo norte-americano, em 2013. Depois disso, passou a ser modelo para a produção de reportagem multimídia para o mundo todo.

No Brasil, as primeiras experiências foram do Grupo O Estado de S. Paulo. O Jornal do Commercio, de Recife, também disponibilizava notícias via web. Hoje, as experiências multimídias estão distribuídas entre as grandes empresas de comunicação, como Estadão, Folha de S. Paulo e Agência Brasil, mas há, também, alguns grupos independentes tentando usufruir das características da web para produzir jornalismo de qualidade, como o Grupo Garapa3 e a Pública, Agência de Reportagem e Jornalismo Investigativo4.

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O grupo pode ser acessado no seguinte endereço: http://garapa.org/ A agência pode ser acessada no seguinte endereço: http://apublica.org/

Este ensaio surge de um olhar curioso, aberto às mudanças, e bastante inquieto com as transformações que o jornalismo vem sofrendo. E também da observação da possibilidade que a web traz para o jornalismo de recriar o espaço para a veiculação de grandes reportagens ou reportagens especiais, precisamente, por ter espaço ilimitado. Muitos estudiosos têm-se debruçado sobre os formatos, as ferramentas, entre outros quesitos específicos do jornalismo digital.

Desde a década de 1980, os grandes jornais impressos brasileiros não dedicam mais tanto espaço para as reportagens especiais, por terem um alto custo financeiro e necessitarem da dedicação em tempo integral de um ou mais repórteres para a produção da reportagem. As grandes empresas de comunicação enxugaram seus quadros de profissionais e por isso não investem, como investiram nas décadas de 1960 e 1970, em trabalhos de fôlego como a reportagem especial. É nesse sentido que a web pode contribuir para manter viva a produção da grande reportagem.

Basta navegar um pouco pela web para encontrar reportagens especiais nos portais de provedores, de empresas de comunicação, em sites de movimentos sociais, universidades, entre outros. Assim como existem leitores que querem a informação rápida, fácil de ser encontrada, que o deixe informado rapidamente, também há o leitor que quer encontrar os temas da atualidade percebidos em vários ângulos, com riqueza de detalhes e informações, que priorizem a ação humana em sua complexidade.

Desse modo, este ensaio propõe uma reflexão sobre a grande reportagem e sua reinvenção no espaço digital, assim como suas implicações para o jornalismo.

A CONVERGÊNCIA NO JORNALISMO

Uma das características das produções jornalísticas para a web é a convergência entre os meios de comunicação. É possível construir uma narrativa jornalística utilizando diferentes linguagens em uma mesma plataforma. O pesquisador Henry Jenkins trata dessa questão no livro Cultura da Convergência, evidenciando como a convergência midiática influencia a maneira que os produtos são elaborados, principalmente os de entretenimento. Para ele,

essas mudanças podem transformar tanto a disposição e a formatação das redações futuras quanto o conteúdo a ser publicado online e sua estrutura. Assim, o autor define:

Por convergência, refiro-me ao fluxo de conteúdos através de múltiplas plataformas de mídia, à cooperação entre múltiplos mercados midiáticos e ao comportamento migratório dos públicos dos meios de comunicação, que vão a quase qualquer parte em busca das experiências de entretenimento que desejam. Convergência é uma palavra que consegue definir transformações tecnológicas, mercadológicas, culturais e sociais [...] (JENKINS, 2009, p.29).

Para os estudiosos Ramón Salaverría, José Alberto García Avilés e Pere Masip Masip (2010), a convergência atingiu o jornalismo de diversas maneiras e causou transformações de modo definitivo, apesar de ainda vivenciar esse processo. O conceito de “convergência jornalística” refere-se a um processo de integração de modos de comunicação tradicionalmente separados que afeta a empresas, tecnologias, profissionais e audiências em todas as fases de produção, distribuição e consumo de conteúdos de qualquer tipo. A convergência incide em múltiplas esferas do fazer jornalístico: nas estratégias empresariais, nas mudanças tecnológicas, na elaboração e distribuição de conteúdos por meio de distintas plataformas, no perfil profissional dos jornalistas e nas formas de acesso aos conteúdos (SALAVERRÍA; GARCÍA-AVILÉS; MASIP, 2010, p.58, tradução nossa).5

Desse modo, os autores refletem sobre as consequências da convergência tecnológica e empresarial, e de que modo influenciam na convergência no âmbito profissional e incide no produto jornalístico final. Assim, propõem a seguinte definição para convergência jornalística: A convergência jornalística é um processo multidimensional que, facilitado pela implantação generalizada das tecnologias digitais de telecomunicação, afeta ao âmbito tecnológico, empresarial, professional e editorial dos meios de comunicação, propiciando uma integração de ferramentas, espaços, métodos de trabalho e linguagens anteriormente desagregados, de forma que os jornalistas elaboram conteúdos que se distribuem por meio de múltiplas plataformas, de acordo com as linguagens próprias de cada uma (SALAVERRÍA; GARCÍAAVILÉS; MASIP, 2010, p.59, tradução nossa).6 5

El concepto de “convergencia periodística” alude a un proceso de integración de modos de comunicación tradicionalmente separados que afecta a empresas, tecnologías, profesionales y audiencias en todas las fases de producción, distribución y consumo de contenidos de cualquier tipo. La convergencia incide en múltiples esferas del quehacer periodístico: en las estrategias empresariales, en los cambios tecnológicos, en la elaboración y distribución de contenidos a través de distintas plataformas, en el perfi l profesional de los periodistas y en las formas de acceso a los contenidos (SALAVERRÍA; GARCÍA-AVILÉS; MASIP, 2010, p.58). 6 La convergencia periodística es un proceso multidimensional que, facilitado por la implantación generalizada de las tecnologías digitales de telecomunicación, afecta al ámbito tecnológico, empresarial,

Outra grande mudança provocada pela convergência no jornalismo se dá na formação do perfil do profissional. Salaverría e García-Avilés tratam dessa questão apontando para a polivalência profissional, ou seja, o jornalista precisa dominar a tecnologia digital e suas ferramentas, ter habilidade para trabalhar em equipe, ter preparação para elaborar conteúdos para em diversas plataformas e boa capacidade de reação para lidar com a notícia de última hora.

Ditas assim é possível que se diga que o jornalista já precisava ter essas qualidades antes mesmo do advento multimídia. No entanto, agora faz-se absolutamente necessário o conhecimento teórico-prático, caso contrário o jornalista pode perder sua colocação profissional para um designer, programador ou para qualquer outra pessoa que consiga suplantar essas necessidades dessa nova fase do jornalismo. Além de ter essas competências, é preciso mudar o modo como se percebe o produto jornalístico final, como considera Daniela Bertocchi (2014, p.12-13): [...] a atuação do jornalista, uma vez realizada à moda tradicional, revela-se limitada — porque incide apenas em uma parte da modelagem narrativa, e não no sistema como um todo. Incide muito mais no frontend (interface final) que no backend (bastidores). [...] Sugerimos, porém, que no momento histórico em que vivemos, o jornalismo se abra para ter contato com o modus operandi dos diversos estratos do sistema – o que lhe daria a vantagem de compreendê-lo e tirar deste entendimento algum proveito comunicacional. [...] os jornalistas podem compreender sistemas sem precisarem se tornar matemáticos ou programadores. Neste contexto, acreditamos que não bastará ao jornalista criar e manter uma base de dados; para se beneficiar do modelo, será preciso que o jornalista (dos repórteres aos editores-chefe, incluindo os diretores de Redação) cultivem um olhar tanto para o backend como para o frontend jornalísticos, em busca de (re)modelar o sistema continuamente.

A pesquisadora defende, ainda, que o jornalista deve se reconfigurar como profissional e passar a ser um design de experiência: O formato é capaz de revelar o comportamento de todo um sistema narrativo. O jornalista é potencialmente um designer de experiência: ele não apenas "escreve o texto", mas é a figura também capaz de modelar a narrativa em camadas, com

profesional y editorial de los medios de comunicación, propiciando una integración de herramientas, espacios, métodos de trabajo y lenguajes anteriormente disgregados, de forma que los periodistas elaboran contenidos que se distribuyen a través de múltiples plataformas, mediante los lenguajes propios de cada uma (SALAVERRÍA; GARCÍA-AVILÉS; MASIP, 2010, p.59).

equipes humanas e robôs, tendo como objetivo uma experiência narrativa centrada nos usuários (BERTOCCHI, 2014, p.13).

Para tal transformação acontecer, a autora considera que será preciso modificar a cultura jornalística, desde seu ensino até a sua prática cotidiana. A GRANDE REPORTAGEM NA WEB

A classificação histórica do jornalismo online proposta por Luciana Mielniczuk apresenta três fases diferentes, de acordo com o modo como a informação é passada para os leitores por meio da internet: a) Primeira Geração – existia apenas a reprodução do conteúdo na internet de tudo aquilo que já havia sido publicado no impresso; b) Segunda Geração – as primeiras experiências de produção para a internet começam a ser realizadas. O jornal impresso ainda é referência para o conteúdo veiculado na web. Nessa geração, as produções começam a apresentar as características de personalização e interatividade. O modo de produção também começa a ser alterado. É nesse momento que surgem os bancos de dados da internet, importante fonte de pesquisa jornalística; c) Terceira Geração – as produções começam a ser pensadas para serem publicadas no ambiente online exclusivamente. Começam a apresentar multimidialidade, além de interatividade e hipertextos, possibilitando ao leitor sair de sua passividade.

Alguns estudiosos apontam para a existência da quarta geração, que teria surgido a partir da utilização de banco de dados online na produção de conteúdo, mais ou menos a partir de 2002. A maior parte do que se produz e se analisa nos meios digitais faz parte da terceira e quarta geração.

Mielniczuck (2003) propõe a divisão de espaços diferenciados para o tratamento da informação jornalística em um webjornal: Últimas Notícias, Cobertura Cotidiana e Especiais. A autora define assim o espaço de Especiais: Os especiais, [...], na maioria das vezes, referem-se a material informativo mais extenso, elaborado com mais tempo e que ocupam seções específicas do webjornal. [...]

[...], o material produzido para as seções especiais fica disponibilizado no sítio de maneira permanente e cumulativa, [...]. Nestas produções, além da memória, são utilizadas com maior freqüência as características da hipertextualidade e multimidialidade na narrativa jornalística. (MIELNICZUCK, 2003, p.52).

A partir do conceito proposto por Mielniczuck, pode-se afirmar que a web traz novamente a possibilidade para os jornalistas realizarem trabalhos de reportagem e publicarem na rede, que diminui os custos da operacionalização porque os trabalhos são planejados e feitos de forma centralizada por empresas de comunicação estruturadas, que poderão utilizar o material nos diversos meios de comunicação da organização. Além de não existir custo de papel, de impressão nem de distribuição e o espaço da rede ser infinito.

Raquel Ritter Longui, pesquisadora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), buscou a definição do termo “especial multimídia” em artigo publicado na revista Estudos em Comunicação, apresentada assim: Grande reportagem constituída por formatos de linguagem multimídia convergentes, integrando gêneros como a entrevista, o documentário, a infografia, a opinião, a crítica, a pesquisa, dentre outros, num único pacote de informação, interativo e multilinear (2010, p.153).

Desse modo, é possível compreender o especial multimídia como uma grande produção de conteúdo jornalístico, adaptada ao meio web e suas potencialidades.

Com o desenvolvimento técnico de hardware e software, as narrativas multimidiáticas têm se desenvolvido em número, qualidade e formato. Dois trabalhos recentes, de Daniela Osvald Ramos (2011) e Daniela Bertocchi (2006; 2013), desenvolvidos na Universidade de São Paulo (USP), ampliam a discussão sobre os formatos dos especiais multimídia, avaliando as modificações no modo de produção, no modelo de negócio e na necessidade de se criar alternativas de modelos voltadas especificamente para a web, atendendo suas características específicas, assim como suas potencialidades7.

As características que definem a produção de conteúdos jornalísticos para a web, proposta por Marcos Palacios (2002), também descritas por Moherdaui (2002); Ferrari (2003) e Ribas

7

(2003)

são:

multimidialidade,

interatividade,

customização

do

conteúdo

Consultar as pesquisas acadêmicas de Daniela Osvald Ramos (2011) e Daniela Bertocchi (2006; 2013).

(individualização ou personalização), memória, atualização contínua, hipertextualidade, e a utilização dos bancos de dados. Nem todos os produtos jornalísticos têm essas características desenvolvidas em sua plenitude por motivos técnicos, de conveniência ou de adequação.

A hipertextualidade é a característica mais estudada e comentada quando se trata de informação na rede. A informação na web é construída por meio de um texto, que possui links que levam o usuário a uma leitura não linear e “própria” sobre o assunto. O discurso fragmentado e não linear é uma das características da informação na web. Porém, alguns autores afirmam que nessa leitura “própria” feita pelo usuário, ele estaria dando linearidade à informação lida. Essa característica é muito importante para a grande reportagem na web, pois garantirá movimento e liberdade para o usuário, possibilitando que ele conheça a extensão do conteúdo e tenha praticidade na leitura para a apreensão do conteúdo.

Outra característica é a interatividade. É certo que a web proporciona mais ação e interação do usuário com a informação, pois ele escolhe o que quer ler, ver, ouvir e qual caminho quer fazer. Porém, ainda a interação do usuário muitas vezes é limitada em dizer se gostou ou não da informação veiculada, votar em enquetes, etc. Na grande reportagem na web, o usuário pode interagir escolhendo o caminho de leitura e apreensão do conteúdo, dando sua opinião sobre conteúdo, links, design, etc., e ainda colaborando com novas informações sobre o assunto abordado pela reportagem. Ainda é uma característica com muito potencial para ser desenvolvido.

O uso de recursos como áudio, vídeo, fotografia, ilustrações, animações, simulações, além do texto, é chamado de multimidialidade, primeira característica da World Wide Web. Todos esses recursos podem acrescentar novas informações à narrativa webjornalística e também novas experiências no ambiente multimídia para o usuário. A multimidialidade é o diferencial da grande reportagem impressa para a grande reportagem na web, pois o leitor pode ter acesso a muitas informações de maneira ágil, dinâmica, interessante e com interatividade.

A personalização é a busca do pesquisador do MIT, Nicholas Negroponte, desde a década de 1990. A configuração de páginas com temas de sua preferência, o design de uma

página, o recebimento de um e-mail com notícias selecionadas de acordo com o perfil do usuário são exemplos de personalização.

A possibilidade de guardar os caminhos que a informação segue na web dá--se o nome de memória. Atrelada à memória, está a utilização do banco de dados. Tanto o conceito de memória quanto o desenvolvimento de mais eficientes bancos de dados estão sendo estudados e devem revolucionar grande parte do conteúdo já exposto na web.

Das características citadas, a única que não se encaixaria à produção da grande reportagem é a atualização contínua, que está presente nas Últimas Notícias e na Cobertura Cotidiana, pois é responsável pela velocidade da informação na web, com o compromisso da informação em “tempo real” na rede. No entanto, de algum modo, essa é uma grande transformação apresentada pela web para a produção de especiais multimídia: a condição da participação do usuário como produtor do material, trazendo a possibilidade da atualização contínua por meio da criação de um banco de dados sobre o tema da reportagem.

Nesse ponto, a cultura da participação, preconizada por Clay Shirky (2011), pode ser evocada. Ela é caracterizada pela: baixa barreira de entrada para expressões artísticas e engajamento civil; forte suporte para criação e compartilhamento de criações dos usuários; passagem de conhecimento dos mais experientes para os novatos; os membros acreditam que as suas contribuições realmente são importantes para o grupo e sentem algum tipo de conexão social com os demais participantes.

Desse modo, a cultura participativa requer um novo jeito de tratar a informação, novos métodos educativos e um repensar das estruturas tradicionais e suas propriedades. Shirky (2011) acredita que é possível usar o tempo livre mais o excedente cognitivo para produzirmos conhecimento útil para a sociedade. Nosso ambiente de mídia (ou seja, nosso tecido conjuntivo) mudou. Num histórico piscar de olhos, passamos de um mundo com dois modelos diferentes de mídias – transmissões públicas por profissionais e conversas privadas entre pares de pessoas – para um mundo no qual se mesclam a comunicação social pública e a privada, em que a produção profissional e a amadora se confundem e em que a participação pública voluntária passou de inexistente para fundamental (SHIRKY, 2011, p.186).

As reportagens multimídias podem contribuir para a construção dessa cultura participativa, se as empresas de comunicação souberem lidar com isso, pois, como afirma Shirky (2011, p.74): “As motivações sociais reforçam as pessoas. Nossas novas redes de comunicação encorajam a participação em comunidades e o compartilhamento, ambos intrinsicamente bons, fornecendo também apoio para a autonomia e competência.” A motivação é o fator determinante para compartilhar e a tecnologia é apenas um instrumento facilitador.

Acreditando na cultura participativa, mas considerando outros aspectos, os pequisadores Nick Couldry e Henry Jenkins (2014) dizem que é preciso pensar e elaborar o conceito de participação concretamente, a partir de ferramentas, práticas, ideologias e tecnologias que façam parte dela. É preciso manter a participação como um conceito “aberto”, “não terminado”, buscando alternativas para realizá-la efetivamente.

Além das características do jornalismo online, Ribas (2003) propõe modelos narrativos para o webjornalismo, que dividem-se em três: Linear, Hipertextual Básico e Hipertextual Avançado. Esses modelos correspondem aos três momentos pelos quais a produção jornalística para a web passa ou está passando. Na rede, podem existir produtos que estejam situados no modelo mais avançado e, ao mesmo tempo, produtos que podem ser classificados como básicos ou lineares.

O primeiro modelo, o Linear, corresponde ao primeiro estágio do webjornalismo. Nesse estágio, os jornais impressos apenas copiavam seus conteúdos para a web, sem usar o novo meio com suas características próprias. No segundo estágio do webjornalismo, o modelo é o Hipertextual Básico, que caracteriza-se pelo uso do link para organizar as informações presentes no texto, e apresenta um pouco do uso da interatividade. O modelo Hipertextual Avançado faz parte do terceiro estágio do webjornalismo, no qual algumas publicações começam a organizar as narrativas informativas em blocos de texto com links, que levam o usuário a conhecer novas informações sobre o tema em questão por meio de vídeo, áudio, ilustrações, animações e fotografias. A interatividade e o arquivo ou memória são mais valorizados nesse modelo.

Para a IJNET - Rede de Jornalistas Internacionais (2011), há alguns elementos que podem definir uma boa reportagem multimídia. De acordo com a Rede, as matérias multimídias aproveitam os pontos fortes de cada meio, como os vídeos para mostrar ação; as fotos para capturar um momento-chave no tempo ou uma forte emoção; o áudio para registrar as falas mais interessantes, importantes ou polêmicas; e os gráficos servem para estruturar processos ou dados complexos de modo facilitado aos usuários, que também podem ser interativos.

Essa potencialidade multimídia é o que agrega ferramentas e que compreende um novo desenho de interface e a imersão narrativa do usuário, pois os softwares e hardwares têm relevância cada vez maior no cenário da produção informativa (LONGUI, 2014).

No Brasil, um exemplo bastante interessante que pode ser citado, entre tantos existentes, é o especial multimídia Infância Perdida8, produzido pelo Sistema Jornal do Commercio de Comunicação, de Recife, que tem um portal que reúne o conteúdo dos veículos de comunicação pertencentes ao grupo e também conteúdo produzido especificamente para a web, e vem ganhando muitos prêmios por suas produções de especiais multimídias.

Figura 1 – Página inicial da reportagem multimídia Infância Perdida A partir de agosto de 2010, o projeto especial sobre o abuso sexual de crianças e adolescentes em Pernambuco, composto por uma série de cinco reportagens exibida pela 8

A reportagem está disponível no seguinte endereço: http://www2.uol.com.br/JC/sites/infanciaperdida/

TV Jornal, afiliada do SBT em Pernambuco; outra série de quatro matérias veiculada na Rádio Jornal 780 AM; uma série de três reportagens publicada no Jornal do Commercio, deu origem à reportage multimídia “Infância perdida”, publicada no site do grupo do Jornal do Commercio. A equipe de reportagem percorreu quase dois mil quilômetros e municípios de todas as regiões do Estado em busca de histórias de crianças e adolescentes que foram abusados. A reportagem foi premiada, em diversas categorias, em quatro grandes concursos nacionais9.

O tema da reportagem exigiria tratamento de profundidade e a opção do grupo foi trabalhar com uma grande equipe fazendo o assunto estar presente em todos os meios de comunicação do grupo e a versão final, que reúne todo o conteúdo, é a grande reportagem multimídia, que mantém o conteúdo sempre ativo por estar na disponível na internet.

O projeto envolveu quatro profissionais de produção, reportagem, edição de vídeos e áudios; e um professional de cada área: fotografia, imagens, ilustrações, design e edição; além dos especialistas que deram consultoria sobre as mais diversas questões acerca da temática tratada10.

Apesar de ser um projeto multimídia, ele não apresenta características de interação efetivas do público, a não ser o tradicional contato por e-mail com os autores da reportagem, assim como não usa tecnologias inovadoras para sua apresentação. No entanto, deve-se considerar o esforço do grupo nesse tipo de produção por ser pioneiro e ainda procurar soluções para a realização de reportagens especiais.

APROXIMAÇÕES POSSÍVEIS

A web mudou a comunicação. Acelerou-a, transformou e revolucionou o formato. A evolução das tecnologias Flash e HTML5 transformou e possibilitou o surgimento e a 9

3º Prêmio Imprensa Embratel, em 2011- venceu o prêmio na categoria Regional Nordeste; 32º Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos, em 2010 - ganharam os prêmios principais nas respectivas categorias, o especial multimídia recebeu menção honrosa; 27º Prêmio de Direitos Humanos de Jornalismo 2010 - ganhou o prêmio principal na respectiva categoria; 5° Concurso Tim Lopes de Jornalismo Investigativo 2010 - vencedor na categoria ‘Mídia Alternativa, Comunitária e Online’. 10 O expediente pode ser consultado no seguinte endereço, no link Expediente: http://www2.uol.com.br/JC/sites/infanciaperdida/

sofisticação das reportagens multimídias. Há diferentes formatos e ideias sendo executadas e pesquisadas acerca da reportagem multimídia, estando, nesse momento, em uma fase de franco crescimento.

No entanto, não se pode esquecer que a reportagem é a especialidade do jornalismo, na qual desenvolve-se a capacidade ética, técnica e estética do jornalista. É importante avançar tecnicamente, desenvolver novas ferramentas para buscar mais informação ou até para fazer essa informação chegar a mais pessoas, tornando-as parte disso.

Para além do simples aparato tecnológico, ainda é preciso que o jornalista lembre-se da lição dada pelos estudiosos da Nova História: é preciso compreender mais do que explicar. É preciso compreender que as histórias, a memória e o testemunho são construídos pela subjetividade humana, mas que é essa a nossa própria história: como contamos e recontamos o que vivemos. Estar sujeito às interferências da memória, da experiência, da vivência, é estar vivo, e admitir-se humano.

É nessa intertextualidade humana, que passa pelo texto e pela oratura, tão rica quando a literatura, como diz Medina (2003), em que se descobre os interstícios da vida, das diferentes experiências, das distintas visões de mundo, e de como todas essas pessoas convivem, sobrevivem, levam suas vidas adiante.

Qualquer relato do real é um ato de cultura. Desse modo, é preciso estar atento às descontinuidades, a possibilidade de criar, de inventar no momento da necessidade (neurociência), da criatividade – o ato emancipatório, como preconiza Ilya Prigogine.

De qualquer modo, está presente no jornalista a necessidade de questionar e/ou duvidar das histórias globais – panoramas, porque a perspectiva panorâmica é inviável. A história é temática, recortada e autoral e está sempre a relacionar o universal e o local/singular.

Medina define o jornalista como um leitor cultural, como um escritor romancista. Desse modo, o repórter amplia seu relato, porque percebe o que está a sua volta, a volta do seu entrevistado, relaciona-se com o presente, para poder reportá-lo com competência ética, técnica e estética. Como define a pesquisadora: “[...]: abrimos [nós, jornalistas] nossa

cosmovisão para a amplitude das leituras culturais, aos poucos a estreitamos em função de exigências específicas, voltamos a realimentar nossa estreiteza com as larguezas do outro, seguimos aplicando a situações próprias que novamente se esgotam.” (MEDINA, 1996, p.34).

É nesse sentido que Cremilda Medina busca apontar, em muitas áreas da ciência, modos de compreensão da realidade, que contribuem para o trabalho do jornalista, esse leitor cultural dos fatos e fenômenos sociais.

Desse modo, faz-se necessário buscar a experimentação de novos formatos e novas formações para as equipes que produzem a reportagem multimídia, pois essas experiências trarão um novo caminho ao jornalismo e uma grande contribuição para a participação da sociedade no processo de produção e gestão da informação, sem esquecer-se de que o jornalismo se faz a partir de valores humanos e profissionais.

5 REFERÊNCIAS BERTOCCHI, D. (2014) Dos dados aos formatos: o sistema narrativo no jornalismo digital. XXIII Encontro Anual da Compós, Universidade Federal do Pará, 27 a 30 de maio de 2014. Disponível em: . Acesso em: 29 jan. 2015. _____. (2013) Dos Dados aos Formatos – Um modelo teórico para o design do sistema narrativo no jornalismo digital. 248 f. Tese (Doutorado em Ciências da Comunicação) - Escola de Comunicações e Artes - Universidade de São Paulo (USP), São Paulo. _____. (2006) A narrativa jornalística no ciberespaço: transformações, conceitos e questões. 218f. Dissertação (Mestrado em Ciências da Comunicação, Área de Especialização: Informação e Jornalismo) – Escola de Comunicações e Artes – Universidade de São Paulo – São Paulo Departamento de Ciências da Comunicação, Instituto de Ciências Sociais, Universidade do Minho, Portugal. COULDRY, N.; JENKINS, H. (2014) Participations: Dialogues on the Participatory Promise of Contemporary Culture and Politics. International Journal of Communication 8. Forum. p.11071112. Disponível em: . Acesso em 29 jan. 2015. FERRARI, P. (2003) Jornalismo digital. São Paulo: Contexto. IJNET – REDE DE JORNALISTAS INTERNACIONAIS. (2011) Elementos de uma boa reportagem multimídia. Disponível em: . Acesso em 29 jan. 2015. JENKINS, H. (2009) Cultura da convergência. 2.ed. São Paulo: Aleph. LONGHI, R. R. (2014) Grande reportagem multimídia ontem e hoje. 12º Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo, Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo (SBPJor). Santa Cruz do Sul, Unisc.

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