GREIMAS E CRISTIANISMO: ANÁLISE DAS IMPLICAÇÕES DO USO DA SEMIÓTICA GREIMASIANA NA INTERPRETAÇÃO BÍBLICA – ESTUDO DE CASO

July 22, 2017 | Autor: José Castro Neto | Categoria: Biblical Theology, Linguistic Theory, Greimasian semiotics, Biblical Hermeneutics
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GREIMAS E CRISTIANISMO: ANÁLISE DAS IMPLICAÇÕES DO USO DA SEMIÓTICA GREIMASIANA NA INTERPRETAÇÃO BÍBLICA – ESTUDO DE CASO

José Carlos Camillo Castro Neto

RESUMO

Este artigo tem como tema o uso de teorias literárias na interpretação bíblica. Focando-se na teoria semiótica greimasiana, pretende-se mostrar as implicações desta para a exegese e teologia bíblicas. Começando por definir a teoria e um pouco de seu desenvolvimento, este artigo passará a analisar um texto bíblico, a saber, Ml 3.13ss à luz da teoria semiótica, para poder analisar as implicações do uso desta teoria na interpretação bíblica. Chegará à conclusão de que a teoria semiótica do texto tem suas limitações, mas tem muitas características boas que os métodos exegéticos tradicionais não têm e que, portanto, deve ser usada para um melhor entendimento da Bíblia. PALAVRAS-CHAVE: Semiótica greimasiana. Exegese bíblica. Teologia bíblica. Teorias linguísticas.

ABSTRACT

This paper have as theme the usage of literary theories on biblical interpretation. Having the focus on the greimasian semiotics, it pretends to show the implications of that theory for biblical exegesis and theology. Starting in the act of definite the greimasiana theory and a little bit about his development, this paper will analyze a biblical text, namely, Mal 3.13ff on the semiotics theory toward see the implications of that theory on biblical interpretation. The method followed will be literary revision and the didactic materials found out in this research. It will conclude that the greimasian semiotics, despite their limitations, have a lot of advantages upon the traditional methods for exegesis and that, therefore, will be useful on biblical interpretation. KEY-WORDS: Greimasian semiotics. theories.

Biblical exegesis. Biblical theology. Linguistic

INTRODUÇÃO

O uso de teorias de linguísticas e teorias de texto na interpretação da Bíblia tem se tornado comum e útil no estudo da Bíblia (AGUIAR, 2012, p. 1-4). Uma teoria do texto muito interessante que tem despontado na linguística é a semiótica greimasiana. Algirdas Julien Greimas lançou sua teoria semiótica no ano de 1966. É importante ressaltar que há várias teorias semióticas, mas vamos focar nosso estudo apenas na greimasiana. A teoria semiótica greimasiana do texto é um desenvolvimento de outras teorias semióticas como a de Saussure e Hjelmslev e, portanto, mais completa e sensata (SILVA, 2010). A proposta deste artigo será analisar os pontos positivos e negativos do uso da teoria greimasiana na interpretação bíblica através de sua utilização na interpretação do texto de Malaquias 3.13ss. Através disso, pretendemos contribuir com a interpretação bíblica, ao unir nossas vozes com outros estudiosos do assunto, e incentivar o uso da semiótica na interpretação bíblica. Nosso estudo seguirá a seguinte linha de raciocínio: apresentação da teoria semiótica greimasiana, seguida por seu uso na interpretação do texto de Ml 3.13ss e concluída por uma análise das implicações do seu uso. 1 CONCEITUAÇÃO DA SEMIÓTICA GREIMASIANA1

A semiótica trata do estudo dos signos, ou seja, estuda os sentidos. Mas, como diriam Matte e Lara (2009), todas as ciências estudam sentidos. Portanto, em uma explicação mais específica ela busca entender o processo de produção e interpretação de textos (SILVA, 2010). Porém, há várias vertentes da semiótica. A semiótica que nos propomos a estudar é a greimasiana, que leva esse nome em homenagem ao seu desenvolvedor, Algirdas Julien Greimas. Ele lançou uma proposta que desenvolveu o estruturalismo de Saussure, já muito criticado, e o tornou mais flexível e adaptável aos objetos de estudo (texto) (SILVA, 2010). Uma boa definição de qualquer teoria poderia partir de seu objetivo e passar a suas propostas. Portanto, se fôssemos resumir em poucas palavras o que essa teoria prega, teríamos a seguinte definição: “A semiótica, como se afirmou desde o início, procura hoje determinar o

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A conceituação aqui realizada não é, de modo algum, exaustiva, mas pretende dar uma visão geral da teoria. Foi usado um exemplo em algumas definições que, para o leitor não acostumado com a teoria semiótica, precisavam de explicação e exemplificação. O exemplo dado não inclui uma análise semiótica completa, mas apenas alguns aspectos da teoria. A análise será feita na segunda parte deste trabalho. Para a conceituação, usamos apenas fontes secundárias de teóricos brasileiros, ou seja, não nos detemos a citar o próprio Greimas diretamente.

que o texto diz, como o diz e para que o faz.” (BARROS, 1999, p. 83). Trocando em miúdos, a semiótica greimasiana

[...] procura descrever e explicar o que o texto diz e como ele faz para dizer o que diz, examinando, em primeiro lugar, o seu plano de conteúdo, concebido sob a forma de um percurso global que simula a “geração” do sentido. Ao priorizar o estudo dos mecanismos intradiscursivos de constituição do sentido, a semiótica não ignora que o texto é também um objeto histórico determinado na sua relação com o contexto (tomado em sentido amplo). Apenas optou por olhar, de forma privilegiada, numa outra direção. (MATTE; LARA, 2009, p. 340).

Portanto, o objeto de estudo da semiótica é o texto. Segundo Barros (1999), o texto, antes de mais nada, define-se em duas concepções complementares: como objeto de significação, no qual há uma estruturação que forma o todo de sentido; e como objeto de comunicação, dependente do contexto sócio-histórico do texto. A primeira concepção exige uma análise interna ou estrutural do texto, já a segunda pede uma análise externa do texto. Em outras palavras, o texto existe nessa dualidade: é formado por mecanismos sintáxicos e semânticos da produção do sentido e é um objeto cultural. (FIORIN, 1999). Portanto, para o estudo do texto é preciso levar em conta mecanismos e fatores contextuais ou sóciohistóricos. A semiótica examina a organização textual e os mecanismos enunciativos de produção e recepção do texto. Esse texto pode ser oral, escrito, visual, gestual, ou mesmo, sincrético (plano de expressão). A semiótica explica os sentidos do texto pelo plano de conteúdo (BARROS, 1999). Já aqui há essa diferenciação: o plano de conteúdo (o que o texto diz), que recebe maior foco na teoria greimasiana, e o plano de expressão2 (como o texto diz), que também tem muita importância. Nesta teoria, o plano de conteúdo vem como um percurso gerativo. Esse percurso segue do mais simples e abstrato e atinge o mais complexo e concreto. Há 3 etapas no percurso, cada uma com sua gramática autônoma, mas o sentido do texto depende da relação entre os níveis. O primeiro é o nível fundamental, onde há uma oposição semântica mínima com um eixo em comum; o segundo, o narrativo, mostra o ponto de vista de um sujeito; o terceiro, por fim, é o nível do discurso, exibindo a narrativa assumida pelo sujeito da enunciação (BARROS, 1999). Um exemplo para entendermos. Na parábola do tesouro escondido no campo o nível fundamental é posse-privação. O nível narrativo mostra os enunciados do sujeito, o homem que encontrou um tesouro no campo. Mostra as transformações de seus estados de privação, 2

Aspectos relacionados ao estilo, gênero literário, estrutura textual, etc.

não privação e posse. O nível discursivo trata da relação entre enunciador (Jesus, no caso) e enunciatário (os ouvintes de Jesus) e da relação entre temas e figuras. Tema é um ideia (abstração) que, num texto de gênero narrativo, é embrulhado por uma figura (concretização) e a figura passa a representar o tema no texto (BARROS, 1999). Um exemplo da parábola: o tesouro (figura) representa o reino dos céus (figura) que, parece, representar a salvação (tema). Além dos níveis de construção do texto, outro conceito muito importante com o qual a teoria semiótica do texto lida é a narratividade. “Diferentemente da narração, ou narrativa (um tipo de texto), a narratividade é uma dimensão de todo e qualquer texto, responsável pelas transformações dos sujeitos e pela busca de valores e da produção do sentido social.” (ZABATIERO, 2007, p. 105). A narratividade envolve o mover dos enunciados3 do texto. Isso é possível por duas coisas: manipulação (motivação dada ao sujeito para agir) e competência (habilidade do sujeito para agir) (FIORIN, 1999). A manipulação se dá de várias formas, sendo resumidas em: tentação, intimidação, sedução ou provocação. E a competência é: saber-fazer e poder fazer. A narratividade, deste modo, é possível pela manipulação e pela competência do sujeito. Porém, ela conduz à performance (ação) e à sanção (avaliação da ação). A performance pode ser uma transformação no sujeito (fazer-ser) ou uma transformação na ação do sujeito (fazer-fazer). A sanção é a recompensa ou castigo pela ação. Portanto, pode ser positiva ou negativa. “Esses quatro elementos compõem o que se chama, então, de percurso narrativo canônico [...]” (ZABATIERO, 2007, p. 105, destaque do autor).

Tabela 1: percurso narrativo canônico Manipulação Quere-fazer Dever-fazer

Competência Saber-fazer Poder-fazer

Performance Fazer-ser Fazer-fazer

Sanção Positiva Negativa

Fonte: Zabatiero (2007, p. 106).

Porém, há esse percurso para três tipos de características textuais: o sujeito, o destinador-manipulador e o enunciador (BARROS, 1999). Assim, temos montado o esquema narrativo canônico:

Tabela 2: esquema narrativo canônico 3

Os tipos elementares de enunciados são: os enunciados de estado (relação de junção entre sujeito e objeto) e os enunciados de ação (transformações, passagens de um enunciado de estado a outro). (FIORIN, 1999).

ESQUEMA NARRATIVO CANÔNICO Percurso do destinadormanipulador PN de doação PN de doação de competência de competência semântica modal EN do EN EN do EN fazer de fazer de regend estad regend estad o o o o Fonte: Barros (1999).

Percurso do destinadormanipulador

Percurso do sujeito PN de competência EN do fazer regend o

EN de estad o

PN de performance EN do fazer regend o

EN de estad o

PN de interpretação EN do fazer regend o

EN de estad o

PN de interpretação EN do fazer regend o

EN de estad o

O percurso do enunciador não aparece neste esquema porque seu papel é subentendido. Porém, ele não deixa de ter um percurso narrativo também. O enunciador é um dos que seguem a rede da comunicação, seu iniciador, de fato. Numa narração completa temos o seguinte processo de enunciação: enunciador pressuposto > narrador no discurso > interlocutor > < interlocutário < narratário do discurso < destinatário pressuposto (BARROS, 1999). Se nos basearmos na parábola do tesouro escondido, temos o enunciador como Mateus, o narrador é Jesus, o público de Jesus é o narratário do discurso e o destinatário é o leitor. Neste caso, o narrador (Jesus) tem suas motivações (convencer o público de alguma coisa). E o enunciador principalmente. No caso de um texto extenso como o livro de Mateus, precisamos estudar o livro como todo para entendermos as motivações do enunciador (sua manipulação) bem como sua enunciação (performance). O leitor seria o manipulador (o enunciador passa a desejar provar alguma coisa para o leitor) e o sancionador (ele interpretaria o enunciado e concordaria ou não com ele). Para que haja alguma relação entre enunciador e enunciatário é preciso haver algum tipo de contrato, alguma unidade entre o enunciar e o entender o enunciado, caso não haja, a enunciação não foi satisfatória. Este contrato é chamado de contrato de veridicção (ZABATIERO; LEONEL, 2011). Veridicção não implica que o texto seja verdadeiro, mas que este pareça verdadeiro de modo a convencer os leitores. Para que os usuários do discurso se compreendam em torno dos mesmos “efeitos de verdade”, é preciso que se firme um prévio entendimento, implícito ou explícito, entre os dois pólos da comunicação: o do enunciador e do enunciatário. Tal entendimento se constitui, na realidade, de autêntico “contrato veridictório”, pressuposto epistêmico básico de todo e qualquer ato enunciativo. (BALDAN, 1988, p. 49).

Na verdade, todo texto pretende ser veridictório, a menos que o enunciador queira deixar claro que o texto não é para ser aceito como verdade (BALDAN, 1988, p. 50). Por exemplo, os contos infantis ao começarem com “era uma vez” pretendem enfatizar a irrealidade do que passa a ser contado. Alguns fatores tornam o texto mais aceitável ao enunciatário. Um deles é o estilo do texto. Discini (2009) argumenta que o estilo é um fator argumentativo que pretende levar o leitor a aceitar o texto como verdadeiro ou como falso, dependendo do que é intentado pelo enunciador. Como exemplo, podemos utilizar a análise de Zabatiero e Leonel (2011) sobre a introdução do evangelho de Lucas. O estilo usado pelo enunciador é semelhante aos textos científicos históricos de sua época, como o de Flávio Josefo. Portanto, o estilo de escrita, por si só, era um fator para a persuasão do enunciatário, Teófilo, no caso. Discini (2009) continua argumentando que o estilo tem sua raiz no gênero do texto. Assim, o gênero de Lucas pretende ser verossímil, o que o torna um fator de argumentação. Por outro lado, as parábolas, por exemplo, pretendem não ser veridictórias por causa do seu amplo uso de linguagem hipotética. Mesmo assim, todo texto tenta ensinar alguma coisa, defender alguma tese. Assim, podemos dizer com Barros (1999) que o plano de expressão também produz conteúdo ao assumir papéis e formular a organização da expressão. Outro modo de argumentação é o uso de figuras de linguagem. Fiorin (1988) afirma que o uso de figuras de linguagem pretende convencer o leitor de algum tema específico. Algumas figuras de linguagem tornam a argumentação mais clara, outras fazem o enunciatário se envolver mais, provocando uma aproximação maior entre o enunciador e o enunciatário, além de outras formas de persuasão. Dois outros aspectos caracterizam a semiótica greimasiana: o caráter social e psicológico do texto. Com relação ao primeiro aspecto, o social, Zabatiero e Leonel (2011, p. 155) dizem que “[...] toda enunciação é parte do jogo social, das lutas e acordos que se realizam cotidianamente na vida humana.”. Portanto, a análise semiótica “[...] também será um ato político, na medida em que nenhuma enunciação é politicamente neutra, mas é expressão dos conflitos político-ideológicos de uma dada sociedade.” (ZABATIERO; LEONEL, 2011, p. 159). O caráter psicológico dos textos foi acrescentado posteriormente por Greimas na semiose4 (FIORIN, 2007). Ele percebeu todos os textos são marcados por paixões.

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Nome que se dá à análise semiótica de um texto.

A Semiótica, ao reconhecer que há um componente patêmico a perpassar todas as relações e atividades humanas, que ele é o que move a ação humana e que a enunciação discursiviza a subjetividade, mostra que as paixões estão sempre presentes nos textos. (FIORIN, 2007, p. 10).

Essas paixões não são entendidas da forma que a psicologia as entende, mas são efeitos de sentido de qualificações modais que modificam o sujeito de estado (BARROS, 1999). Toda ação em um texto é marcada por paixões, mas suas funções não param por aí. Pelas paixões é possível analisar não só o desenvolvimento das ações do sujeito, mas também o desenvolvimento do ser do sujeito (FIORIN, 2007). Por exemplo, na parábola que nos tem servido de exemplo o homem que encontrou o tesouro no campo. A paixão que ele possuiu, que o levou a comprar o campo foi a ambição, não no sentido pejorativo de nossa linguagem vulgar, mas num sentido básico de querer-ser rico com o tesouro que encontrou. Há uma diferenciação entre paixões simples, que envolvem apenas uma modalização, e paixões complexas, que se desenvolvem em vários percursos passionais (FIORIN, 2007). Os percursos passionais têm um desenvolvimento similar ao do percurso narrativo canônico e é individual para cada personagem. Disposição – Sensibilização – Emoção – Moralização (semelhante a Manipulação – Competência – Performance – Sanção). 2 ANÁLISE SEMIÓTICA DE MALAQUIAS 3.13-245

A análise semiótica que faremos a seguir é baseada na teoria que descrevemos acima, mas utiliza o livro Manual de Exegese, de Zabatiero (2007), por base metodológica, pois ele mostra as técnicas semióticas no estudo da Bíblia de maneira didática. Desse modo, a análise semiótica a seguir estará incompleta (apenas para questão de análise), pois nos focaremos em analisar os níveis discursivo e narrativo. O nível profundo será apenas comentado. 2.1 Preparação – contexto do texto

O livro de Malaquias não proporciona muitas dificuldades quanto a sua datação, que se tem por certa no século V a.C. (SELLIN; FOHRER, 2012). As dificuldades passam a existir quanto a datar este livro na primeira ou na segunda metade. Seja qual a datação, também é amplamente aceita a teoria de que Malaquias ministrou antes de Neemias. As

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Seguindo a versificação da BHS. Nas versões portuguesas o texto é (Ml 3.13-4.6).

dificuldades com relação à posição do V século têm que ver justamente com a dificuldade de se datar a atuação de Neemias. Mas, a data exata não nos interessa. O que realmente importa na hora de fazermos a análise semiótica é o Sitz im Liebem, a situação que levou o profeta a escrever seu livro. Outra coisa que nos ajuda é o fato de que também há concordância entre os teóricos de que o livro é uma unidade (SELLIN; FOHRER, 2012). Os únicos versos que muitos teólogos creem serem fruto de edições são os dois últimos versos do livro, mas não temos motivos para duvidar da autenticidade desses versos e, mesmo que sejam adições posteriores, eles não ferem a lógica do texto em que estão inseridos. 2.2 Entendendo o texto – resumo, intertextualidade e interdiscursividade

Como todo o livro, esta perícope se foca numa discussão entre Deus e seu povo. Mas, nesta perícope, o povo é visto como tentando ser fiel, mas reclamando da falsa de recompensas, enquanto Deus é acusado de ser injusto, mas promete que trará justiça para os que O temem. O foco da passagem é a tensão entre o presente, cheio de injustiça e impiedade, e o futuro, quando a justiça e a vitória dos que temem a Deus chegará. A justiça virá num dia que será terrível para os soberbos e de grande felicidade para os que temem a Deus. O dia que vem é, de certa forma, pessoalizado e é comparado ao “sol da justiça”, que parecem representar a mesma coisa: justiça (o dia do SENHOR significa punição para os ímpios e o sol da justiça representa a salvação dos que temem a Deus). O dia/sol será precedido por um profeta (ou mensageiro, cf. 3.1) que preparará a chegada do próprio SENHOR, o que sugere que o dia é representativo da vinda do próprio SENHOR, quando Ele deixará de usar intermediários e interferirá, com Sua própria presença, na história do povo de Judá, os interlocutários. O autor do livro se utilizou, para construir seu texto, de muita intertextualidade 6. A intertextualidade se apoia na principal linha de pensamento em que é construída o próprio livro: o serviço no santuário. Percebemos que a linguagem cultual que percorre todo o livro7, por isso, deveremos perceber características dos rituais mesmo nesta perícope que estamos 6

Interdiscursividade é difícil de encontrar em Malaquias, já que nosso conhecimento do Sitz im Liebem daquele período é reduzido. Basicamente, as introduções tiram o Sitz im Liebem do próprio texto. 7 Embora nenhum dos teólogos que analisamos perceba isso, tudo o que Malaquias fala tem a ver com o serviço cúltico. O c. 1 fala dos sacrifícios defeituosos, o começo do c. 2 fala da infidelidade dos sacerdotes, a segunda parte do c. 2 fala do divórcio (aparentemente sem conexão com o templo) que torna a oferta no templo angustiante a Deus. O c. 3 começa falando do dia do SENHOR, no qual se trarão ofertas justas e continua falando dos dízimos que mantêm a casa do Tesouro. A perícope que estudamos não seria diferente.

estudando. A referência ao serviço do santuário está na expressão guardar a obrigação). Das trinta e oito vezes8 que

ATêr>m;vm. i Wnr>mv; '

(lit.

Têr>mv; .mi é objeto do verbo rmv na BHS,

apenas onze se referem a coisas distintas do templo (vinte e sete se referem diretamente ao serviço no templo) sendo que quatro dessas onze vezes constituem sentido genérico (Dt 11.1; Js 22.3; 1 Rs 2.3; 2 Rs 11.6) têm um sentido amplo que abrange o serviço no templo. O que indica que os interlocutores estão reclamando a Deus, dizendo que de nada adianta cumprir o que Ele está pedindo que se faça no templo. Outra linha de intertextualidade está nas promessas de Deus feitas anteriormente. O fato de Deus falar ao povo que este seria Sua propriedade (hL'_gUs.) (v. 17) nos lembra as várias promessas que Ele fez em relação a isso (Ex. 19.5; Dt 7.6; 14.2; 26.18; Sl 135.4). Junto com o fato de que os que temem ao SENHOR serão um livro de memória, podemos perceber que Deus está reafirmando as promessas e dizendo que não se esqueceu delas, mas que as cumprirá apenas naqueles que temem ao Seu nome. Porém, a declaração de que o povo considera felizes os justos (v. 15) é claro contraste com várias afirmações bíblicas de que os justos são felizes. Isso indica uma clara acusação a Deus de que Ele está ou sendo injusto, ou não cumprindo Suas promessas. A metáfora do restolho, por outro lado, está lembrando mais uma promessa de Deus, a do julgamento dos justos, já que restolho (vq;) (v. 19) é uma palavra usada na BHS, na maioria das vezes, para descrever os ímpios depois da atuação divina sobre eles, provavelmente em julgamento. O tema marcante do dia do SENHOR aqui é uma clara referência ao dia do juízo que os profetas anteriores ao autor deste livro descreveram. Uma descrição do dia do SENHOR, no v. 24 é tão semelhante à descrição que Joel dá (3.4), que parece até mesmo ser uma citação do livro deste profeta9. Mais uma vez uma lembrança das promessas e uma confirmação de seu futuro cumprimento. A afirmação da vinda do profeta Elias seguida pela vinda do próprio SENHOR (v. 23) é uma alusão ao próprio livro (3.1-3). Isso que mostra que o dia do SENHOR representa a vinda do Anjo da Aliança. A junção de Elias, o grande profeta que queria renovar Israel diante da Aliança que estava sendo quebrada com YHWH, com o Anjo da Aliança indica uma renovação da Aliança no povo de Deus que é representada pela conversão dos pais aos filhos

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Dados obtidos através do BibleWorks Software.

`ar")ANh;w> lAdG"h; hw"ëhy> ~Ay aAB ynE©pl. i (antes que venha o dia do SENHOR, grande e

temível).

e vice-versa. 2.3 Análise semiótica10

Malaquias reciclou o seu estilo de diálogo de julgamento que o SENHOR tinha com Seu povo nesta perícope. Esse estilo de diálogo: aconteceu tal coisa – como pode ter acontecido? – vós dizeis, etc., indica uma proximidade entre o interlocutor e o interlocutário, o que mostra o conhecimento do interlocutor sobre o interlocutário e seu domínio sobre a situação. Na perícope analisada, o interlocutário se apresenta como YHWH e o interlocutário é o grupo do povo mais ou menos fiel que está questionando a Deus. YHWH se mostra condescendente em analisar essa questão, já que agora é Ele quem está no banco dos réus e não o povo (cf. 1.6, 12-13; 2.14; 3.8). Mas, ao mesmo tempo, mostra que é o dono da situação e que tem conhecimento de tudo sobre o povo (a desembreagem da qual fala Barros, 1999). A argumentação de Malaquias continua a se construir por seu estilo e por sua intertextualidade. O interlocutor tenta convencer o interlocutário de que está, certamente, falando a verdade por suas hipérboles (total destruição dos ímpios – fim da raiz e dos ramos; pó debaixo da sola dos pés11), metáforas (intimidade, destruição e justiça – propriedade, restolho e sol da justiça) e símiles (destruição e extrema alegria – fornalha e fogo, e bezerro de engorda) e, também, por sua memória das promessas do passado. O fato de Deus “reprometer” que o povo fiel lhe seria por propriedade quer enfatizar que Ele certamente irá cumprir Suas promessas. O Dia do Senhor, também, é tido como ainda não cumprido, mas que certamente virá. A renovação da Aliança por Elias e pelo Anjo da Aliança também enfatizam que o Deus que prometeu no passado não se esqueceu de Suas promessas e irá cumpri-las. Nesta perícope, parecem estar inscritos quatro percursos temáticos: incoerência (3.1315), asseguração (3.16-17), vindicação (3.18-21/4.3)12 e preparação (3.22-24/4.4-6). Na incoerência, vemos a incoerência de servir a Deus e fracassar no mundo e não servir a Deus e se dar bem no mundo. Essa incoerência é atestada por Deus e Ele a considera como “duras 10

Barros (1999), separa a interdiscursividade da análise semiótica, que é, propriamente, a análise do plano de conteúdo, mas que deve ser usada na semiótica. A interdiscursividade, tipo e contexto da época estariam dentro do plano de expressão e, portanto, fora do plano de conteúdo. 11

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