GRH, Metáforas e Metamorfoses: Breve Estudo Qualitativo Acerca de Percepções Inter-departamentais

September 1, 2017 | Autor: R. Moreira | Categoria: Human Resource Management
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GRH, Metáforas e Metamorfoses: Breve Estudo Qualitativo Acerca de Percepções Inter-departamentais

Ricardo Moreira1 1. Professor Auxiliar na Universidade Lusófona do Porto

Resumo: Este estudo evidencia o modo como algumas ideias tradicionais sobre GRH foram sendo alicerçadas em imagens que se aproximam das metáforas mecanicista e biológica investigadas por Morgan (1996). Paralelamente, apresenta-se um estudo qualitativo, alvo de análise interdepartamental, que diagnostique possíveis fontes conflituais. Perspectiva-se uma organização que funciona como uma máquina, que tem conflitos e jogos de interesses e que se pode estruturar como um sistema político (uma das metáforas de Morgan). Exploram-se excertos de 20 entrevistas (análise de conteúdo) realizadas em 4 empresas de grande dimensão (mais de 5000 colaboradores) a gestores de outros departamentos. Esta breve abordagem pretende desenvolver o debate sobre as diferentes metamorfoses associadas à gestão das pessoas e intenta reflectir, sumariamente, acerca de algumas metáforas aplicadas por outros gestores ao departamento em vertente análise. Sobressaem metáforas ligadas ao direito e à diplomacia. Palavras-chave: GRH; Metáforas; Sistema Político; Conflitos e Jogo

INTRODUÇÃO: ALGUNS APONTAMENTOS SOBRE A METÁFORA DA ORGANIZAÇÃO COMO UM SISTEMA POLÍTICO (A ABORDAGEM DA GESTÃO DE CONFLITOS) No século XXI surgem diferentes intervenções paradigmáticas no âmbito das teorias organizacionais. Para se interpretar as organizações, e as suas práticas de gestão, é primordial reconhecer a pertinência de se recorrer a metáforas, para se abordar vários problemas (ex. questão conflitual) sob novas perspectivas. Para D’ Onofrio (2005, p. 358): “etimologicamente, a palavra grega metaphora está ligada ao verbo ir além de, transportar (…) consiste em transpor o significado de um termo para outro, de campo semântico diferente, em virtude de um processo de comparação ou analogia. (…)”. Morgan (1996) defende que as metáforas são profícuas para lidar com contextos ambíguos e paradoxais. Também argumenta que alguns quadros teóricos se sustentam em metáforas básicas ou sistemas metafóricos. Discute-se, na literatura, a complexidade em se avaliar a realidade organizacional e entrar no processo de tomada de decisão, aportando-se várias experiências individuais para a organização. Variáveis como a educação e o género são passíveis de influenciar as nossas percepções. Estão em debate diferenças entre mentalidades mais reactivas ou pró-activas, e respectivas disposições culturais no que concerne ao contacto com diferentes factores de mudança organizacional (ex. a tecnologia). Existe uma certa bipolaridade de orientação para duas grandes dimensões metafóricas: a mecanicista e a orgânica. A primeira metáfora (a máquina) só funciona dentro do paradigma estabelecido pelo seu programador, enquanto a segunda (metáfora do organismo) possui qualidades adaptativas que servem para perpetuar o processo evolutivo. As diferenças entre as duas repercutem-se em questões relacionadas com a identidade corporativa, crescimento, gestão, avaliação de desempenho, gestão de recursos humanos, satisfação do empregado e produtividade (Morgan, 1996).

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Com efeito, Morgan (1996) apresentou outras metáforas organizacionais. Uma delas descreve a empresa como cérebro cibernético, outra metáfora imagina a organização como prisão psíquica, influenciada pelo inconsciente e representações de morte e imortalidade, sexualidade, ansiedade, sombras, entre outras variáveis. O autor também explora a imagem da organização como fluxo e transformação, que muito se confunde com o actual contexto organizacional. Essa imagem está centrada nas interações, círculos e mudanças que vão marcando a actualidade, sob o espectro político-económico. A metáfora cultural também tem sido alvo de intensa incidência. Neste estudo importa salientar a metáfora da organização como um sistema político, focalizando-se o paradigma conflitual e os jogos de poder resultantes da afectação de recursos pelo departamento que gere as pessoas nas organizações. Perante este panorama idiossincrático, diferentes imagens ocupam os inconscientes individuais e colectivos. Hocker & Wilmot (1991) debruçaram-se sobre as mais variadas metáforas que se foram construindo nas organizações, sobretudo as que se relacionam com a metáfora da organização como um sistema político de Morgan e com a gestão dos conflitos. Assim, uma metáfora muito presente na literatura é a que enquadra “o conflito como explosivo”. Frequentemente recorre-se expressões quotidianas como “acender o rastilho” ou “apagar o fogo com gasolina”. São, de facto, afirmações que nos remetem para comportamentos possivelmente conflituosos. O conflito é percebido como uma matéria altamente “inflamável” porque os sentimentos assim o são. Transparece a impressão que uma vez iniciado é extremamente difícil pará-lo. Esta imagem condiciona a criatividade no processo. A forma que as partes têm de lidar com o conflito é, muitas vezes, disfuncional e visa a sua eliminação ou o “rebentamento” (Hocker & Wilmot, 1991). Ligada à gestão do conflito surge a metáfora do “julgamento” que pressupõe acusação e defesa. Muitas vezes questionamos “está a acusar-me do quê?” ou quem é “que tem maior ou menor legitimidade?”. Mesmo em relações afectivas como a amizade, um actor organizacional pode desempenhar um papel acusatório em relação a outro (Hocker & Wilmot, 1991). No mesmo contexto do “tribunal” encontra-se a metáfora da “mesa”. Não é por acaso que ouvimos falar do que “está em cima da mesa” ou do que está “por baixo da mesa” ou “na mesa da discussão”. O conflito como estrutura depende da mesa, não só como artefacto, literalmente falando – muitos conflitos são dirimidos à mesa –, mas como imagem condutora da ideia de sustentabilidade, subjacente aos argumentos apresentados pelas partes, na sua resolução. Segundo uma lenda anglosaxónica o Rei Artur terá criado uma “mesa redonda” para simbolizar uma discussão igualitária. Ainda hoje é usual utilizar-se o termo quando se planeiam encontros, reuniões ou debates de ideias (Hocker & Wilmot, 1991). A assunção do conflito como tradução de “desordem ou lixo” não é, igualmente, nada invulgar. Não é estranho ouvir-se “esta situação não me está a cheirar nada bem!” quando se pressente que a eclosão de determinado problema, seja de que ordem for, pode estar iminente (Hocker & Wilmot, 1991). Em oposição a esta visão menos abonatória emerge a metáfora do conflito como uma “aventura heróica”. Quem passa por um conflito de grande monta como vencedor é, de per se um “herói” potencial. Os mártires da História, os “heróis” do cinema, do desporto, entre outros, são, não raramente, associados a situações de conflito que ultrapassaram com mestria. Os mitos e as idolatrias da infância perpetuam-se na vida adulta. Um “herói” é alguém que se vê como um exemplo a seguir. Os grandes líderes da história são, idelevelmente, referências do passado, presente e futuro (Hocker & Wilmot, 1991). A noção dinâmica do conflito está, por sua vez, bem presente na metáfora da maré”. É uma das imagens mais próximas da essência conflitual. Depois do elemento “fogo”, inerente à “explosão” e, de modo mais rebuscado, a “terra”, ao referir-se o “lixo”, segue-se a “água”. Esta analogia, aporta-nos para a evolução humana, porque, como a própria vida, não dispensa a mudança; crescemos nas alegrias e tristezas, ao sabor das correntes. Hoje pode estar “maré vazia” e amanhã “maré-cheia”, podemos estar em “maré de sorte e de azar”. No conflito também há mais “marés do que marinheiros”. Assim como as “marés”, o conflito só pode ser previsto se submetido a uma observação criteriosa e vigilante, no entanto nunca o é na plenitude. As “condições climatéricas” influenciam as

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“marés” da mesma forma que os indivíduos influenciam o conflito. O “marinheiro” pode ser muito experiente, mas as “tempestades” podem ter efeitos (Hocker & Wilmot, 1991).

METÁFORAS SOBRE A PROFISSÃO DE GRH: BREVE ESTUDO QUALITATIVO BASEADO EM PERCEPÇÕES INTER-DEPARTAMENTAIS Este breve estudo qualitativo, de análise de conteúdo de excertos de entrevistas, que suporta a comunicação a apresentar, insere-se num outro de muito maior alcance e dimensão (Moreira, 2010). A opção por uma amostra exploratória de conveniência recaiu em 4 empresas consideradas, na sua quase totalidade, de grande dimensão. Foram realizadas 20 entrevistas com o intento de se analisarem as perspectivas inter-departamentais sobre o poder e a política, tendo como base as diferentes expectativas, preocupações e percepções dos entrevistados; Directores de diferentes Departamentos/Unidades. Com a intenção de se ultrapassarem certos constrangimentos optou-se por analisar organizações com esta(s) dimensão no panorama empresarial português, na medida em que permite uma riqueza analítica relevante. Em termos de caracterização, pode referir-se que se tratam de 2 organizações do ramo da Indústria e outras tantas da Distribuição com sede no Norte de Portugal (3 do Distrito do Porto e 1 de Braga). Do universo referente ao número de Unidades/Departamentos presente nos organigramas das empresas em análise - foram entrevistados mais de 80% do total de Directores ‘equiparados’ ao Director de Recursos Humanos. É de referir que a maioria das Unidades às quais pertencem os indivíduos é muito específica em cada organização, assumindo diferentes nomenclaturas adstritas às múltiplas realidades (e representam 50% dos casos), motivo pelo qual são referidas indistintamente (Cunha, 2008). Em relação aos departamentos dos entrevistados, os mais representativos são: o Departamento Relações Públicas e de Marketing (4 Directores/20%), o Departamento Comercial (3 Directores/15%), e o Departamento Financeiro (3 Directores/15%). Em relação à distribuição da amostra por sexo é equitativa (50% do sexo masculino e 50% feminino). As mulheres ocupam gradualmente lugares de destaque nas organizações. Tal desiderato tem reflexo nas pessoas entrevistadas (apesar da base de incidência ser relativamente reduzida). Gerir os recursos humanos pode confundir-se com a gestão da ‘força de trabalho’, o que implica que um departamento com estas características tenha à sua disposição recursos que lhe possibilitam, paralelamente, lidar com questões mais administrativas e implicar-se, mesmo que indirectamente e na estreita dependência da Administração, no processo de tomada de decisões, tentando retirar alguma vantagem da posição do seu Director, que integra, pelo menos retoricamente, uma equipa de gestores de topo com incumbências estratégicas (Nutt, 1998). No entanto, o enfoque nos factores “humanos” em detrimento dos “recursos”, mais próxima da escola de Harvard e menos próxima da de Michigan, ainda não é tão visível nas práticas, apesar de no discurso e nas percepções dos entrevistados essa intenção parecer concretizar-se (Rego & Cunha, 2004; Bodla & Danish, 209): “(…) Se quisermos, podemos olhar para a palavra-chave em si que é o ‘recurso’. Há vários ‘recursos’ críticos nas empresas incluindo as pessoas (…)” (E 7, p. 1). “Eu que vejo o lado mais soft e não o lado hard (o lado produtivo) do Departamento de Recursos Humanos também posso perceber essa vertente, agora quem está no dia-a-dia a cumprir prazos e gerir custos rigorosos, entre outras coisas, acha: quem é este que vem para aqui opinar?” (E 8, p. 4). “Ao nível dos Recursos Humanos, por exemplo, quando há uma necessidade de recursos ou de transferência de recursos eles próprios orientam e chega-se a um consenso nas diversas áreas da empresa (juntamente com os colaboradores)” (E 11, p. 1). “Os recursos humanos não deixam de ser recursos e têm de ser sempre encarados e geridos como tal…” (E 16, p. 5).

Apesar da análise qualitativa ter como objecto de estudo a(s) ‘pseudo-realidade(s)’ organizacionais, a imputação das diferentes tipologias de GRH não é imune à condição idiossincrática da(s) empresa(s). Aliás, essa aparente ‘uniformização’ - que se esbate na prática - remete, na narrativa, para o desenho de uma primeira metáfora; a do Departamento de GRH como ‘espelho’ ou ‘fotocópia’ da organização:

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“Eu perspectivo os Recursos Humanos a conversarem com as pessoas a todas horas, não sei se é a visão mais antiga ou moderna da coisa? Cada vez mais os Recursos Humanos devem estar onde as pessoas estão e perceber o que se passa na organização. Devem ter uma perspectiva muito ‘fina’ (de ‘fotocópia’) da organização” (E 9, p. 5).

As teorias de carácter sistémico, em concomitância com as do comportamento organizacional, ressaltam as dimensões humanas como determinantes para a eficácia organizacional, reconhecendose, actualmente, uma dimensão simbólica na apropriação das mesmas. As mentalidades ‘inspiram’ as actuações do departamento e, no sentido inverso, as operações ao nível dos activos/recursos humanos servem de base para uma evolução conceptual. Há, neste sistema de recursos humanos, uma dialéctica de reciprocidade patente entre os estudos que se têm difundido e as necessidades das organizações, com consequências nos resultados da gestão. Desde os anos 80 que o número de publicações (científicas e de divulgação) se tem multiplicado. Por seu turno, os sistemas técnicos em que se inserem as empresas nas sociedades, designadas de informação, conduzem a que os imperativos ‘tayloristas’ e ‘fordistas’ se afigurem ultrapassados mas, nas culturas semi-periféricas como a portuguesa, ainda subsistem modos de produção pré-industrial em conformidade com unidades de produção que apresentam tecnologia(s) de ponta (Moreira, 2010): “(…) nós somos muito ‘marcados’ pela Indústria, por várias razões e, portanto, muitas das pessoas que estão à frente das Direcções dos outros Departamentos tem a formação de base em engenharia, já se deve ter apercebido disso, e todo o processo está ligado à Indústria (ex: ao nível dos horários: qual é a necessidade de entrar à 8h00 da manhã para uma tarefa de serviços, não faz sentido; também existem, por exemplo, caixas de sugestões…). Existe uma cultura com muitos resquícios do Taylorismo (de base familiar). Julgo que - devido ao facto do grupo ainda ter muito a influência paternalista do seu fundador (a quem as pessoas chamam o patrão) em relação à tomada de decisão, a Administração é o principal motor e a autonomia dos Recursos Humanos é condicionada por essa contingência…” (E 15, p. 2).

Essa transição paradigmática ainda se faz sentir actualmente devido à manutenção da forte presença dos princípios ligados à Administração de Pessoal, por muito que a designação do departamento seja outra (Skinner, 1997): “Como é que é hoje ou como é que eu gostaria que fosse a GRH? Eu diria que ainda está numa fase de reestruturação. Durante muitos anos não houve, sequer, Departamento de Recursos Humanos. Houve uma tentativa antes de estar a pessoa responsável que está cá agora; dois ou três anos antes, mas com uma pessoa com uma certa idade, com uma cultura um pouco ultrapassada. Tinha assim umas ideias um bocadinho… pronto, não creio que fossem as ideias mais apropriadas para aquilo que é o funcionamento das empresas. (…) Anteriormente era tudo muito em função de potenciais conflitos laborais. Do que eu tenho memória o departamento como é agora nunca existiu. (…) Antigamente havia uma Secção de Pessoal que se dedicava à parte administrativa do processamento de salários e pouco mais. Se calhar neste momento ainda está um bocadinho nessa vertente jurídico-administrativa, fruto das circunstâncias (…). Neste momento é uma gestão mais administrativa mas a caminhar para uma vertente estratégica” (E 1, p. 1). “É importante que as pessoas sintam que a sua valorização profissional e pessoal vai subindo, senão deixa de ser um Departamento de Recursos Humanos e passa a ser um Departamento de Pessoal, que processa os salários, as faltas e isso. A GRH aqui é muito administrativa, é mais administrativa do que Gestão de Recursos Humanos. É mais administrativa do que estratégica. Não conheço suficientemente bem para saber se caminha para o outro pólo. Aqui é mais isso. Aquela barreira entre Serviço de Pessoal e GRH ainda não está ultrapassada. (…)” (E 19, p. 1).

Os ‘novos paradigmas’ das organizações implicam uma definitiva afirmação decorrente da assunção plena da dimensão estratégica dos recursos humanos, incutindo-se a iniciativa, promovendo-se a inovação e incentivando-se a responsabilidade social, mesmo que nem sempre o cumprimento desta se verifique (Moreira, 2007):

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“(…). Normalmente, as acções de responsabilidade social também são organizadas pela Divisão de Recursos Humanos (…)” (E 12, p. 2). “A percepção que eu tenho é que a empresa tem uma enorme responsabilidade social a todos os níveis de negócio, mas é uma intervenção que não passa muito pelo Departamento de Recursos Humanos; é mais diluída. Tenho uma plena consciência sobre a responsabilidade social no negócio da companhia, mas sobre a parte dos Recursos Humanos não consigo ter uma grande percepção sobre a sua quota-parte. Acredito que todos os departamentos terão de ter responsabilidade social” (E 20, p. 3).

A tentativa de afirmação do modelo da “Gestão de Recursos Humanos” revela-se eloquente na(s) narrativa(s) dos testemunhos. Os indivíduos que representam a amostra estudada são quadros muito qualificados e, por conseguinte, construir um discurso que evidencie uma afinidade com este ‘constructo’, não é tarefa de grande complexidade. Surge no discurso a metáfora de o Departamento de GRH como um representante dos valores ou ‘embaixador’ da identidade da organização: “(…) A imagem que a empresa passa no exterior passa muito pelas pessoas que trabalham na empresa, não é? Quando vendemos determinado produto temos sempre delegados nossos que, de certa forma, quando visitam os clientes também representam a empresa e são os embaixadores da marca e aqueles que pretendem demonstrar as nossas características e as características dos nossos produtos. Isto para chegar à conclusão que se o Departamento de Recursos Humanos que temos não é suficientemente competente a passar a mensagem que a empresa quer para o exterior… a organização poderá até ser muito boa, mas se não tiver os Recursos Humanos à altura dessa função não chegamos lá…” (E 12, p. 1).

Esta analogia é complementar de uma outra que emerge na literatura consultada que estabelece a transposição para o domínio da Arquitectura como reflexo de um processo de construção, desempenhando este departamento, concomitantemente, um papel de parceiro e de auditor das competências organização, não deixando de se pautar como ‘guardião’ dos mecanismos administrativos. Para além disso, para os Directores dos outros Departamentos, este departamento também possui uma acção supostamente mobilizadora do empenhamento organizacional. Esta visão aproxima-se da metáfora da organização como um organismo. Tem elevado pendor organicista e mecanicista: “(…) as decisões são tomadas e a gestão de Recursos Humanos funciona como uma correia de transmissão, que vai desencadeando vários processos e, se calhar, nalgumas situações está um pouco esvaziada…” (E 15, p. 5).

Os trabalhos empíricos vigentes, para além de um conhecimento da realidade baseados em percepções, fazem emergir uma matriz paradigmática hibrida: “(sorrisos) Acho que está a caminhar para um modelo um bocadinho mais estratégico, mas ainda é muito administrativo. Está a ter uma evolução positiva nesse âmbito. Há uma intenção e uma força de vontade para isso, mas acho que ainda é um bocadinho administrativo. Poderiam ter uma parte mais estratégica, com conhecimento do negócio, ao serem eles próprios a proporcionar e não nós a ter que solicitar. Portanto, poderia haver indicações mais estratégicas da parte dos Recursos Humanos. (…)” (E 19, p. 1).

A abordagem sistémica é das mais proeminentes. A GRH é como um sistema, insere-se num processo mais vasto onde as contingências, a estratégia e o clima são variáveis independentes imprescindíveis. No entanto, sem o crivo do poder formal (autoridade) da Administração o sistema encontra alguns obstáculos: “Por muito que o Departamento de Recursos Humanos se esforce, se não tiver o agrément da Administração é muito difícil; se esta não tiver uma política que dê oportunidades de acção ao departamento de RH, que é o caso, este acaba por ficar muito restringido ao Departamento de Pessoal” (E 4, p. 3).

A(s) ‘política(s)’ da(s) empresa(s) no plano das intenções impende(m) para uma aproximação ao terreno da GRH. O ‘contrato psicológico’ também oscila entre o envolvimento e a submissão. Talvez

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por no departamento se efectuarem muitas tarefas burocráticas, o envolvimento e o auto-controlo sejam limitados: “Exemplos… Deixe-me ver… Normalmente se algum procedimento institucionalizado, alguma regra, alguém que tenha dúvidas dirige-se ao Departamento de Recursos Humanos para saber. Alguma outra regra pode provir da Área Financeira, mas até mesmo nesse caso, há algumas explicações que são dadas pelos Recursos Humanos” (E 5, p. 3). “Eu já falei um bocadinho sobre isso… dentro de uma empresa, com vários departamentos, é preciso alguém que diga: isto é assim; estas são as regras. Um departamento não pode ter umas regras e outro departamento regras diferentes. (…) E dentro do mesmo departamento, para a mesma função, também tem de haver regras (em termos de formação, de remuneração e regalias em geral)” (E 18, p. 4).

O modelo que sobressai ainda é muito dependente de uma visão ‘pluralista’ e ‘colectivista’ e tal desiderato constrange a ‘confiança organizacional’ deste departamento. O departamento é, intrinsecamente, muito dependente da Administração. Porém, não é de descurar o impulso desenvolvimental que se tenta, pontualmente, levar a cabo (Veloso, Ferreira, Keating & Silva, 2010). Emerge, desta feita, uma nova metáfora; a do ‘diplomata’: “Quando gere ou lida (também em questões de conflitos) com os colaboradores se você não tem uma forma política de actuar… Tem de ser político na gestão das coisas… Repare vou-lhe dar um exemplo que se passou nesta divisão: um colaborador/cliente nosso foi acusado de desviar verbas: tem ou não tem de se ser político para gerir esta situação? São muitas sensibilidades, desde o próprio colaborador, que desde o inicio nega tudo, até aos próprios interesses da organização. Ou você gere isto de uma forma muito hábil e diplomática de forma a ir de encontro aos interesses de todos ou então arranja para aqui uma ‘salsada’ e uma confusão” (E 12, p. 3).

No período histórico em que predominava o Departamento de Pessoal, a essência administrativa da sua função não implicava uma incidência tão pró-activa que lhe possibilitasse aspirar a uma maior ‘coesão’. Presentemente, pela sustentação teórica de longo-prazo que se lhe atribui, e que resulta de uma dificuldade de resposta eficiente à concorrência, o Departamento de Recursos Humanos, embora aspire, com legitimidade, ter um enquadramento – interno e externo – estável, pela actuação que lhe é conferida, essa finalidade é praticamente impossível de alcançar. As características - inerentes à posição intermédia e intermediária que o departamento ocupa - redundam noutro papel que encerra uma diferente metáfora; a do ‘advogado do diabo’: “Há uma decisão sobre temas de recursos humanos que é minha, mas tenho no Departamento Recursos Humanos alguém que faz um papel de promotor (ou de advogado do diabo, como referi) de informações, para que a espinha dorsal da organização se mantenha coerente (…) “Os Recursos Humanos fazem um papel de ‘advogados do diabo’ para nos ajudar a encontrar uma solução mais viável (…)” (E 7, p. 5).

Minimizar os custos e maximizar os recursos (humanos) é um objectivo inerente a qualquer departamento com estas características. Embora a envolvente sócio-económica não seja privilegiada e os ‘cortes’ financeiros e humanos possam estar na ‘agenda das prioridades’ da Administração, tais constrangimentos não encontram paralelo na vontade dos nossos entrevistados, que enfatizam a perspectiva de optimização dos recursos humanos – como forma de conseguir ultrapassar esses obstáculos. No entanto, face à multiplicidade de condicionalismos e devido à instabilidade inerente à função, o departamento tem que acudir literalmente a muitas situações. Daí a pertinência de se apresentar outra metáfora referida; a do ‘bombeiro’: “(…) Ainda funcionam muito como bombeiros…” (E 5, p. 2).

As práticas do Departamento de RH evidenciam uma influência muito vincada dos ‘serviços de pessoal’. Entretanto, a força potencial do departamento em avaliação é considerada pela maioria dos Directores questionados, mas é formatada, sobretudo, em moldes académicos.

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DISCUSSÃO DOS RESULTADOS E CONCLUSÕES: AS METAMORFOSES DA GRH E A METÁFORA DO ‘JOGO’ As mentalidades ‘influenciam’ as políticas e as práticas do departamento de GRH e as opções estratégicas ao nível dos activos humanos que servem de base para uma evolução teórico-conceptual. Verifica-se neste sistema de recursos humanos uma dialéctica de reciprocidade veiculada pelas pesquisas que se têm difundido. Este artigo tentou acompanhar uma lógica de mudança nas organizações e no modo como se gerem as pessoas, analisando-se os respectivos instrumentos de dominação, redundando numa visão interdepartamental das metáforas associadas à GRH, desde a metáfora da fotócopia da organização, passando pela metáfora do bombeiro, pela metáfora do diplomata ou pela imagem do advogado do diabo, entre outras. Todas elas estão directa ou indirectamente ligadas às metáforas transformacionais e políticas aventadas por Morgan (1996) Morgan (1996), ao efectivar a comparação através de metáforas, construiu, simultaneamente, uma formatação diferenciada sobre as organizações. Nesta investigação as metáforas podem contribuir para aprofundar o entendimento sobre a actuação da GRH, permitindo-nos novas dimensões comportamentais. Actualmente, herdeira das imagens estudadas por Morgan (1996) pontifica uma crescente literatura que se debruça sobre o impacto da metáfora em relação ao modo pelo qual se percecionam os sistemas de conhecimento político. Reflectiu-se sobre as metas e objetivos, não se descurando que o trabalho desempenhado pelos profissionais de recursos humanos pode transcender alguns contornos rotineiros e repetitivos. Neste estudo as metáforas não foram estudadas unicamente como ferramentas interpretativas dos diferentes contextos e narrativas empreendidas sobre eles, funcionando como um auxílio estrutural na ‘leitura’ das diferentes configurações funcionais dos profissionais de GRH nas empresas. Cada organização pode ser determinada por constructos. Ao desenvolverem-se ligações entre o pensamento e ação em contexto de trabalho facilita-se o mesmo tipo de raciocínio em relação ao departamento de GRH (Mintzberg, 1990). Na literatura revista, a orientação teórica parece incidir numa GRH mais estratégica. No entanto, seria, porventura, descontextualizado escamotearem-se as praxis de teor administrativo que ainda predominam. Em Portugal, a nomenclatura de “Gestão de Recursos Humanos”, não deixa de manter relevância. Não obstante ter havido uma aparente evolução conceptual, nestas organizações muitos dos entrevistados continuam a referir-se a este departamento como se tratando do “Departamento de Pessoal”. Nalguns casos, a intenção é de se transcender uma realidade tendencialmente jurídicoadministrativa podendo-se equacionar, num esforço de legitimação discursiva, que as diferentes tipologias coexistam e que o departamento encerre essa duplicidade ontológica: ver-se na eminência de ter de debelar problemas processuais e poder participar, ainda que de forma indirecta, em situações mais estratégicas (Cabral-Cardoso, 2004). Neste esforço de memória resta “a metáfora do jogo” (também recorrente na reflexão sobre o poder e a política). São frequentes as alusões a “o que está em jogo”, a um “jogo de interesses” ou “jogo sujo”. É, sem dúvida, uma das imagens mais representativas da metáfora política nas organizações (Brito, Capelle, Brito & Silva, 2008). Cada “jogo” pressupõe a existência de regras e a interacção entre os intervenientes. O “xadrez”, por exemplo, é, tal como a questão do conflito, um “jogo” que envolve um elevado grau de interdependência, requerendo de ambos os jogadores uma concentração permanente, de molde a se antecipar as intenções e movimentações do oponente; uma pequena falha e pode deitar-se tudo a perder. Trata-se de um “jogo” que só pode ser ganho se suportado numa vertente estratégica muito forte. Quem não controlar as opções do adversário pode perder. Muitos indivíduos aprenderam socialmente a respeitar o(s) “jogo(s)” e os seus resultados. Afinal, o povo diz que “ganhar e perder faz parte do jogo”. No entanto, se interpretarmos estas intenções à luz da semiótica, e enfatizarmos mais o contexto em detrimento do sentido denotativo das palavras, com influência da escola anglo-saxónica, esta expressão merece ser, no mínimo, alvo de grande

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desconfiança por parte de quem a analisa. Nunca ninguém, por muito bem formado que seja, fica totalmente confortável com a derrota. Uma coisa é o individuo conformar-se com os resultados, outra, completamente diferente, é a vontade de se “entrar sempre para vencer”. É instintiva no ser humano, logo os profissionais de GRH não fogem à regra ao estarem envolvidos nesse tipo de jogos de poder (informal) tentando conquistar recursos (liderança operacional, comunicação estratégica ou motivação intrínseca) que se traduzam em vantagens competitivas (Hocker & Wilmot, 1991).

CONTACTO PARA CORRESPONDÊNCIA Ricardo Moreira : correio electrónico: [email protected]

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