GROTOWSKI - A PRESENÇA AUSENTE

August 24, 2017 | Autor: C. Pimentel de Al... | Categoria: Theatre Studies
Share Embed


Descrição do Produto

1

GROTOWSKI - A PRESENÇA AUSENTE1 Georges Banu

INTRODUÇÃO Georges Banu, professor na Universidade de Sorbone, é o autor de numerosos trabalhos, incluindo um livro sobre Peter Brook e outro sobre Teatro Japonês (L'acteur Qui ne revient pas). Tem acompanhado o desenvolvimento do trabalho de Grotowski de perto, inclusive sua mais recente atividade em palco ("L'oeuvre anonyme", Art Press Special, 1989). Nas linhas seguintes, Georges dá um raro testemunho das atividades de Grotowski em Pontedera. A pesquisa de Jerzy Grotowski tornou-se tão esquiva e "indescritível" que uma forma poética e paradoxal de ensaio, do tipo empregado aqUi por Banu, é talvez a maneira mais adequada a um quase impossível comprometimento do gênero. O termo Koan poderia vir a ser até mesmo mais apropriado. Estimulados pela "presença ausente" do mestre, nós poderíamos sugerir o Koan, devido ao fato de o mesmo somente persistir em perder-se do seu marco referencial. Em termos de palco e de mundo, Grotowski está ausente, embora ainda esteja presente; no passado, ele estava lá, embora ausente. Do mesmo modo, interculturalismo tem sempre estado lá sem estar lá, aparecendo quando se nega a si mesmo, desaparecendo quando afirma sua presença.

Somente um possível.

discurso

verdadeiro

pode

criar

um

silêncio

autêntico Heidegger

Eles dizem que na China ancestral "os filósofos mais radicais escolheram exilar-se em montanhas selvagens, fora do alcance da civilização e do poder dos príncipes. A existência destes seres puros era um ato de rebeldia contra o príncipe, uma permanente, viva condenação da lei por ele imposta." Portanto, abandonar e permanecer distante era creditado como um valor dissidente maior do que articular um conflito. Auto-exílio tornou-se sinônimo de questionamento do estado das coisas, ao invés de ser um sinal de desistência; ou, pior, de aceitação. Auto-exílio podia ser uma afirmação política na ausência de qualquer outra coisa porque, na ausência do poder discricionário, parecia assinalar a recuperação do controle local. Portanto, por meio do retirar-se, o filósofo anunciava ao mundo que havia uma crise. Ele renunciava a pegar em armas e ir contra o adversário; assim, escapava de toda e qualquer forma de contaminação. 1 Fonte: BANU, Georges. Grotowski – the absent present. In: PAVIS, Patrice (ed). The intercultural performance reader. Londres: Routledge, 1996. pp. 242-246.

2

O filósofo que optava pelo exílio não era desconhecido. Ao contrário, ele houvera vivido bem próximo do príncipe e havia tornado-se uma espécie de conselheiro após de ter sido, durante um bom tempo, seu professor. As pessoas sabiam sobre ele, e por isto se dizia que o homem que escolhia abandonar seu lugar era um pensador que havia preparado sua mente para manter-se desligada do poder tornado corrupto. E desde que a proximidade ao o poder era um conhecimento comum, o diagnóstico proposto pelo autoexílio tinha muito mais peso. Ele desestabilizava tal poder; desde que o filósofo não voltava à corte, o príncipe ou o lorde responsável sentia-se oprimido pelas críticas surgidas devido à sua ausência. A partida de um sábio que se movera pelos círculos de poder deixa um intervalo, e este intervalo é ameaçador porque preenchido pela energia de negação expressa na via negativa. É um julgamento crítico transformado em liberdade, uma ação independente que não compactua com forma alguma de diálogo com o poder. Uma grande figura ausente no mundo é um dissidente. A lenda do famoso Tao To King diz que "Lao Tsu habitou... por um tempo a corte de Chao, mas quando ele percebeu a decadência daquela família, ele a abandonou". Sua partida foi um testemunho crítico. Brecht, o qual também escapou do poder em voga, escreveu um dos seus melhores poemas inspirado por esta estória ancestral: A Lenda de Como Tao To King Seguiu os Caminhos do Exílio. O poema começa assim: Ele morou durante longo tempo nas terras de Chao Até que ele viu o declínio E desistiu de seu posto. Ele seguiu seu caminho acompanhado por um discípulo, e quando ele alcançou a fronteira, o guarda perguntou-lhe o que ele estava carregando com ele. Apenas sua sabedoria, replicou o filósofo. A pedido daquele servidor isolado e muito longe do país, o filósofo começou a ditar para seu discípulo o que dizia. Enquanto o pobre homem fornecia-lhe alimento, o mestre, que não estava sozinho - ele tinha a companhia de seu pupilo - rendeu a sua oralidade a palavra escrita. Graças à união destes três homens, o trabalho foi completado na jornada a partir de sua saída até o lugar de sua futura reclusão. O pensamento tradicional faz uma distinção entre o eremita que se afasta para ter um diálogo com o Ser Supremo e um aprendiz que vive em reclusão acompanhado por seus discípulos, embora sempre seja escolhido um dos dois a fim de confidenciar seus mais secretos pensamentos. O eremita procura pela perfeição sozinho, ao passo que o mestre trabalha com e entre a perfeição de outros: ele exprime uma imagem do mundo e propõe meios de vislumbrá-la. Daí porque,

3

até mesmo à distância, ele se afasta do mundo, continuando, porém, a agir. Ele está ainda presente em sua ausência. O pensamento tradicional me atrai porque é também um pensamento metafórico, do qual uma galáxia inteira de significados, conectados ao ponto de partida inicial, emerge. De fato, diz-se em algumas culturas que a relação entre um grande mestre ausente e seu discípulo é como a ligação entre o sol e a lua, esta última recebendo luz refletida do primeiro, ainda que ele esteja invisível. A luz somente ilumina o jovem que sabe como se beneficiar das lições da ausência. Isto é o que quer dizer o termo tradicional Talmudic "a resposta da face". A face do discípulo é iluminada pelos raios de seu mestre recluso. Na tradição Sufi, um mestre continua a exercitar sua influência sobre alguns de seus discípulos mesmo depois de ele ter desaparecido. Eles dizem que, pelo fato de estar ausente, um mestre é capaz de distinguir quem será seu melhor discípulo. A ausência determina quem prosseguirá o seu legado, e apenas o discípulo mais capaz será terá sucesso em transformar a ausência do mestre em uma presença. Apenas ele poderá diferençar o "ser permanentemente impresso" daquele situado à parte, mas que continua a viver no mundo. Reconhecer o poder da ausência permanece o teste máximo a ser verificado pelo discípulo. Na "unidade do esotérico", a qual fixa pensamentos tradicionais, a "Grande Figura Ausente" é um motivo recorrente. Ela está cristalizada no Sufismo, por exemplo, na figura suprema que retém o mais alto grau de perfeição: a figura do Imam escondido. Contudo, nós necessitamos lembrar o mestre ausente é também fisicamente intransferível - ele está sempre lá. Esta fixação em um lugar preciso, fora deste mundo, será sempre vista como um sinal do ser-mestre. Se o discípulo pode "ir de um lugar para o outro", o mestre que buscou o retiro não pode. Ele está ausente, embora possa ser sempre localizado. Para este mestre, ausência é mudança de tempo e permanência no espaço. Enquanto Peter Brook fala sobre "o ponto de mudança" - sua primeira sugestão para o título de seus escritos selecionados - Grotowski é um ponto fixo. Ele esteve ausente do mundo, e não se move através deste mundo. Sua assistente, Carla Pollastrelli, uma vez disse-me: "Grotowski não quer ir a lugar nenhum". Ele sabe que a ausência somente é forte quando acompanhada da permanência em um lugar fixo. O ausente atua como uma contra-força, precisamente porque apenas os únicos que nunca o esquecerão sempre saberão onde ele está. Eles não terão que caçá-lo em suas mentes. Ele está localizado geograficamente. O discípulo se move, o mestre, não. Nós sabemos que Castañeda viaja enquanto Don Juan nunca o faz. A ausência, como todo mestre conhece, pode ser somente prolongada produtivamente por meio dos seus discípulos, e

4

não apenas pelo modelo de discípulo que vive em contato próximo ao o mestre. Há alguns que continuam lutando contra o esquecimento e acabem por retomar o alcance simbólico da ausência. Portanto, alguns discípulos são designados para permanecer no mundo a fim de melhor lembrar as pessoas da existência do mestre ausente; sem estes, tempo ameaçaria a apagar o mestre da memória das gerações novas. Há muito tempo, Grotowski disse que, em Turkmenia,onde o rio Merl desaparece no deserto, existe um oásis luxuoso. Por este caminho, Grotowski nos fornece a noção de que a ausência pode gerar vida, embora a partir de uma fonte desconhecida. Embora haja ligações entre eles, quem tem conhecimento de que o rio alimento o oásis de Edenic? Grotowski é a Grande Figura Ausente do final do século vinte. Daí o motivo de ele ser freqüentemente comparado a Edward Gordon Craig, a Figura Ausente do começo do século vinte. Quando percebi isto, senti que eu tinha finalmente envelhecido, porque quando eu era jovem apenas acredita no fazer e nunca poderia entender o sentido da ausência de Craig. Apenas entendi esta ausência como uma força positiva muito tempo depois. Como Lao Tsu, ele [Gordon Craig] foi para retiro. E muitas gerações foram nutridas por aquela recusa utópica. Em 1950, Peter Brook visitou Craig, o qual estava no Sul da França. Brook fez isto porque, jovem diretor que era, já havia reconhecido o valor do exílio do mestre. Da mesma forma, Craig reconheceu o potencial de seu visitante: “ Nunca assisti a nenhuma de suas produções”, ele disse, “mas eu sei que ele é um grande artista”. Anos depois, Brook assumiria o poder deixado por um outro mestre, Grotowski, a Figura ausente ao final do século, a qual reflete a ausência muito anterior de Craig. Como situado em dois extremos, este século [XX] foi sendo examinado criticamente por dois intransigentes Figuras Ausentes. Entre aqueles dois permanece Brook, o criador que tem estado no mundo e tem aprendido como explicar para outros o quanto Craig e Grotowski significaram para o teatro e seu ideário no século vinte. Contudo, para não resultar em coisa alguma, a ausência tem de preencher certas funções: Primeira, o mestre deve ter estado no mundo e, tendo estado no mundo, deve ter tocado nos concretos pesos da perfeição, como Craig e Grotowski, e não como Appia, que nunca manobrou para alcançar nada concreto, o Reinhardt, cujo trabalho o desgastou. A ausência tem que seguir uma conquista ao invés de uma falha ou um bloqueio. Segundo, a ausência não significa silêncio. O mestre pode conquistar a moenda cotidiana que devasta o trabalho prático, embora ele nunca pare de pensar sobre seu trabalho

5

e sobre as possibilidades de aperfeiçoá-lo. Seu mundo é tanto crítico e utópico. Ausência não é bobagem. Finalmente, o mestre tem discípulos. Estes podem ser pessoas que o ajudam a sobreviver, como um guarda da fronteira, que alimenta o fugitivo homem sábio, ou pessoas as quais testemunham seu trabalho monástico. Sem formar uma coertia, i.e., um grupo de amigos incondicionais no que esta palavra grega coertia tem de verdadeiro, os discípulos operam individualmente para transformar a ausência do mestre na presença para outros arraigados ignorantes de sua existência. Apenas esta combinação tripartite pode transformar uma ausência em uma fértil presença que alimenta esperança em coisas melhores. O mestre exilado faz a dupla declaração de recusa e de projeção utópica. Porquanto ausente, ele não se apodera de poder imediato, conquanto reja, oriente sonhos para um futuro melhor. Sua ausência apenas tem sentido porque ela levanta-se sobre o presente. Sua dissidência relativa à história é transformada em uma expectativa que encoraja seus discípulos à medida em que eles lutam com o seu destino no mundo. Se escolhi aqui evocar os poderes de um mestre ausente, eu o fiz constantemente com Grotowski em mente. Em românia, um famoso poeta, Lucian Glaga, costumava escrever sobre os Grandes Seres Anônimos; eu escrevo sobre o Grande Ser Ausente. Todavia, sua ausência é simplesmente um jeito de mover à frente, rebaixando trilha escolhida, sem desperdiçar tempo durante a viagem. Fonte: BANU, Georges. Grotowski – the absent present. In: PAVIS, Patrice (ed). The intercultural performance reader. Londres: Routledge, 1996. pp. 242-246.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.