GUARDA: NOVAS DIRETRIZES (MARIA HELENA DINIZ)

July 6, 2017 | Autor: R. Rdcc | Categoria: Family Law, Private law, Direito Civil, Direito de família
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Guarda: novas diretrizes

GUARDA: NOVAS DIRETRIZES Joint custody: nem policies Revista de Direito Civil Contemporâneo | vol. 3/2015 | p. 207 - 212 | Abr - Jun / 2015 DTR\2015\6586 Maria Helena Diniz Professora Titular de Direito Civil da PUC-SP. Professora de Direito Civil na Graduação, e de Direito Civil Comparado, Filosofia do Direito e Teoria Geral do Direito nos cursos de Pós-graduação (Mestrado e Doutorado) da PUC-SP. Coordenadora do Núcleo de Pesquisa em Direito Civil Comparado da Pós-graduação da PUC-SP. [email protected] Área do Direito: Família e Sucessões Resumo: O presente artigo analisa os impactos da Lei 13.058/2014, que introduziu o instituto da guarda compartilhada no ordenamento jurídico brasileiro. Descreve, ainda, a importância de tal alteração para o melhor interesse da criança e do adolescente, bem como o modo como deve acontecer a regulamentação de tal formato de guarda, seja consensualmente, pelos pais, seja judicialmente. Palavras-chave: Direito de família - Guarda compartilhada - Regulamentação da guarda. Abstract: This paper analyzes the impacts of Brazil's federal law 13.058/2014, which introduced the joint custody institute in Brazil. It also focuses on the importance of this change for the best interests of the child and of the adolescent, and how regulation of such custody should happen both consensually, by the parents, and in court. Keywords: Family law - Joint custody - Regulation. Sumário:

Recebido em: 02.02.2015 Aprovado em: 13.02.2015 A família é uma possibilidade de convivência marcada pelo afeto e pelo amor, constituindo núcleo ideal do pleno desenvolvimento da pessoa e instrumento para a sua realização integral.1 A “afetividade, traduzida no respeito de cada um por si e por todos os membros – a fim de que a família seja respeitada em sua dignidade e honorabilidade perante o corpo social – é, sem dúvida alguma, uma das maiores características da família atual”.2 Nas relações entre pais, filhos e parentes, o afeto é o liame essencial para a convivência familiar. O direito à convivência familiar constitui prioridade absoluta da criança e do adolescente (CF, arts. 226, § 4.º, e 227, caput; ECA, art. 4.º). Todo menor tem direito de ser criado no seio da família, assegurando-se-lhe a convivência familiar e comunitária (ECA, art. 19). A paternidade e a maternidade constituem um construído e não um dado.3 Rolf Madaleno4 observa que os filhos são conquistados pelo coração, pois maternidade e paternidade são obras de uma relação de afeto construída a cada dia, em ambiente que: revele amor e carinho; divida conversas; mostre caminhos e forneça informação conducente ao aprendizado. O exercício do poder familiar deve ocorrer de modo permanente e efetivo, revelando afetividade, solidariedade e reciprocidade de sentimentos no convívio familiar. Tal ocorre porque o afeto é a matéria-prima do desenvolvimento mental da criança e do adolescente e a força motivadora do aprendizado e da construção de sua inteligência.5 Com a dissolução da sociedade conjugal, do vínculo matrimonial ou do companheirismo surgem dois grandes problemas: como evitar a ruptura da convivência familiar? Quem terá direito à guarda dos filhos menores? Para solucionar tais questões, em boa hora veio a lume a Lei 13.058/2014, pois procura aliar a convivência familiar com a guarda ao alterar os arts. 1.583 a 1.585 do CC vigente, que ora passamos Página 1

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a interpretar. A guarda é um dever de assistência educacional, material e moral (ECA, art. 33) a ser cumprido no interesse e em proveito do filho menor, garantindo-lhe a sobrevivência física e o pleno desenvolvimento psíquico. A guarda unilateral é a conferida a um dos genitores, ou seja, àquele que, objetivamente, apresentar mais aptidão para propiciar aos filhos uma boa educação e para assegurar a eles saúde física ou psicológica. O genitor-visitante possui a guarda descontínua, pois a visita se opera em intervalos de tempo. Não há qualquer alteração de titularidade do poder familiar, mas o genitor-guardião terá o seu exercício e não poderá praticar quaisquer atos de alienação parental, lesando o direito da prole à convivência familiar. Tal guarda obrigará o genitor-visitante a supervisionar os interesses da prole, o mesmo se diga do genitor-guardião. E, para tornar possível essa supervisão, qualquer um dos genitores poderá, legitimamente, solicitar informações ou prestação de contas, de ordem objetiva ou subjetiva, sobre assuntos ou situações relacionadas, direta ou indiretamente, com a saúde física ou psíquica e a educação dos seus filhos (CC, art. 1.584, § 2.º). Qualquer estabelecimento público ou privado é obrigado a prestar informações a qualquer um dos genitores sobre os filhos, sob pena de multa que varia de R$ 200,00 a R$ 500,00 por dia em que a solicitação não for atendida (CC, art. 1.584, § 6.º). A guarda compartilhada é o exercício conjunto do poder familiar por pais que não vivem sob o mesmo teto. Ambos os genitores terão responsabilidade conjunta e o exercício dual de direitos e deveres alusivos ao poder familiar relativamente aos filhos comuns, sendo que o tempo de convívio com os filhos deve ser dividido de forma equilibrada com a mãe e com o pai, considerando-se sempre as condições fáticas e os interesses da prole (CC, art. 1.853, § 2.º), para que não haja “quebra” da convivência familiar. Urge esclarecer que os filhos terão como residência principal a de um deles, mas deverá haver equilíbrio no período de convivência para que os filhos se relacionem com ambos. A cidade considerada como base de moradia da prole será aquela em que residir o genitor que melhor atender aos seus interesses (CC, art. 1.583, § 3.º). Na guarda alternada é que haverá dupla residência: os filhos moram, por exemplo, seis meses com o pai e seis meses com a mãe, o que não é aconselhável, visto que prejudica a convivência familiar. Se a separação, divórcio direto ou dissolução da união estável for consensual, os pais deliberam com quem ficam os filhos menores, devendo o juiz apenas homologar o acordo. Não sendo consensual, a guarda (unilateral ou compartilhada) poderá ser requerida por qualquer genitor em ação autônoma, de separação, de divórcio, de dissolução de união estável ou em medida cautelar. E o juiz decretará, não havendo acordo entre mãe e pai quanto à guarda dos filhos, estando ambos aptos a exercer o poder familiar, a guarda compartilhada, salvo se um dos genitores declarar que não deseja a guarda dos menores (CC, art. 1.584, § 2.º). O magistrado, em atenção às necessidades específicas da prole, ou em razão da distribuição de tempo imprescindível ao convívio deste com o pai e com a mãe, na audiência de conciliação, informará ao pai ou à mãe o significado da guarda compartilhada, a igualdade dos direitos e deveres de ambos e as sanções cabíveis pelo descumprimento de suas obrigações. Assim, ficarão, por haver acordo entre as partes ou recusa de um dos genitores ao exercício da guarda, os filhos menores com o ex-cônjuge mais apto para exercer a guarda unilateral por ser impossível a compartilhada, visto que esta atenderia ao superior interesse da prole, respeitando sua dignidade como ser humano e seus direitos da personalidade e, ainda, procurando seu bem-estar. Quanto à guarda, há, portanto, um apelo à equidade judicial, pois o juiz deverá – valendo-se de ofício ou a requerimento do Ministério Público, se for necessário, de profissionais especializados (psicólogo, assistente social, por exemplo) ou de equipe interdisciplinar, ao aplicar o art. 1.584 do CC, com as alterações da Lei 13.058/2014, para estabelecer as atribuições do pai e da mãe e os períodos de convivência sob guarda compartilhada, de modo que haja uma divisão equilibrada do tempo com o pai e com a mãe (CC, art. 1.584, § 3.º), levando sempre em consideração o princípio do superior interesse da criança e do adolescente – averiguar certas circunstâncias: idade dos filhos, conduta dos pais, relação de afinidade psicológica, afetividade, integridade física e mental, local da residência e da escola, padrão de vida, disponibilidade de tempo, melhores condições sociais, morais e financeiras de um deles etc. Deverá analisar ambos os genitores, sem se esquecer de ouvir os menores, parentes e pessoas ligadas ao casal parental. Assim, se o juiz verificar que os filhos não Página 2

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devem ficar nem com o pai, nem com a mãe, por ser prejudicial à sua formação, definirá a sua guarda a pessoa idônea, que revele compatibilidade com a natureza da medida e considerando, de preferência, o grau de parentesco e as resoluções de afinidade ou de afetividade com aqueles menores (CC, art. 1.584, § 5.º). Ao genitor-guardião ou aos detentores da guarda compartilhada, em caso de ofensa aos direitos fundamentais da prole ou de alteração, sem autorização, ou descumprimento sem justa causa ou de cláusula de guarda, poder-se-á aplicar como sanção: a redução de prerrogativas atribuídas ao seu detentor (CC, art. 1.584, § 4.º), por exemplo, quanto ao número de horas de convivência com o filho. Ao julgar o pedido de separação cautelar de corpos ou o pedido cautelar de guarda, ou, ainda, o de fixação liminar de guarda, o juiz poderá ordenar que a guarda temporária ou provisória da prole caiba, durante o processo principal, após oitiva de ambas as partes, àquele genitor que revelar melhor aptidão para exercê-la ou, então, se nenhum deles for idôneo, a uma pessoa que apresente compatibilidade com a natureza da medida, considerando, é obvio, preferencialmente, o grau de parentesco e os laços de afetividade que tenha com aqueles menores. Mas se a proteção dos interesses da prole exigir, na concessão de liminar, a decisão sobre a guarda será proferida sem a oitiva da outra parte (CC, art. 1.585). A guarda que, na pendência de procedimento judicial, for concedida precariamente, poderá ser alterada sempre que for necessário, tendo-se em vista que se deve buscar o bem-estar dos filhos do casal.6 A criança e o adolescente têm direitos próprios e interesses que devem prevalecer sobre os de seus pais, em virtude do princípio do superior interesse do menor, que lhes proporcionará condições para que sua dignidade e seus direitos sejam respeitados. Esse princípio deverá ser, portanto, a diretriz decisória na resolução de problemas voltados às relações entre pais e filhos, por ser norma cogente, em decorrência da ratificação da Convenção Internacional dos Direitos da Criança, da ONU, pelo Dec. 99.710/1990. É um princípio norteador de controle do exercício do poder familiar, da fixação do direito de guarda e visita em caso de término do casamento ou da união estável, da solução de problemas engendrados pela alienação parental e da determinação da indenização por dano moral por descumprimento do dever de convivência familiar, por conter elementos voltados ao pleno desenvolvimento da personalidade, à boa formação educacional, à realização pessoal, à integridade moral, física e psíquica da prole. Dever-se-á encarar a criança e o adolescente como sujeitos de direito, que necessitam de uma proteção integral na convivência familiar, que é um direito fundamental deles para que possam ter um pleno desenvolvimento psíquico e físico. O juiz, ao deferir a guarda unilateral, não podendo ser ela compartilhada, deverá ter como única fonte o superior interesse do menor, atendendo a três referenciais de continuidade, apontados por Françoise Dolte: a) o continuum de afetividade, segundo o qual o menor deve ficar sob a guarda do genitor em cuja companhia se sentir mais feliz e seguro, logo, é preciso averiguar quem é o genitor que representa para a criança ou adolescente uma figura de apego, sendo o seu porto seguro nos momentos difíceis, garantindo-lhe segurança, cuidado adequado e confiança tão necessários para o bom desenvolvimento de suas potencialidades, de seu caráter e de sua personalidade; b) o continuum social, considerando-se o ambiente vivido pelo menor no instante da separação dos pais; e c) o continuum espacial, preservando seu espaço, porque a personalidade do menor nele se constrói e se desenvolve, pois quando há mudança do local onde vive, da escola onde estuda ou da igreja que frequenta, a criança ou adolescente perde seu referencial de espaço, ou melhor, o envoltório espacial de sua segurança e, consequentemente, poderá haver desequilíbrio em seus relacionamentos sociais, em virtude de alteração na sua rotina. Havendo luta entre os pais pela guarda dos filhos menores, o magistrado deverá fazer prevalecer o seu superior interesse (moral e material), respeitando sua dignidade como ser humano e seus direitos da personalidade, satisfazendo suas necessidades, acatando suas relações de afetividade, procurando seu bem-estar e buscando o que for melhor para o seu desenvolvimento e sua vida.7 O juiz, nas questões alusivas à guarda, deverá ter em mente que o importante para o menor é a comunhão material e espiritual; o respeito aos seus direitos da personalidade e à sua dignidade; o afeto; a solidariedade e, sobretudo, a convivência familiar, para que possa atingir seu pleno desenvolvimento, sua segurança emocional e sua realização pessoal. Página 3

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1 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2005. vol. 5, p. 13. 2 OLIVEIRA, José Sebastião. Fundamentos constitucionais do direito de família. São Paulo: Ed. RT, 2002. p. 233. 3 FACHIN, Luiz Edson. Da paternidade: relações biológica e afetiva. Belo Horizonte: Del Rey, 1996. p. 21. 4 MADALENO, Rolf. Filhos do coração. Revista Brasileira de Direito de Família, vol. 23, p. 36. 5 PIAGET, Jean. The relation of affectivity to intelligence in the mental development of the child. Bulletin of the Menninger Clinic, n. 3, vol. 26, 1962. 6 Sobre guarda: DINIZ, Maria Helena. Código Civil anotado. São Paulo: Saraiva, 2014, comentários aos arts. 1.583 a 1.584; DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2005. vol. 5, p. 346-349; GRISARD FILHO, Waldyr. Guarda compartilhada: um novo modelo de responsabilidade parental. São Paulo: Ed. RT, 2000. p. 124 e ss. e 414 e ss.; FRAGA, Thelma. A guarda e o direito de visitação. Niterói: Impetus, 2005; MOTTA, Maria Antonieta P. Atribuição de guarda: a sentença não basta. Revista Literária do Direito, vol. 10, p. 15; BAPTISTA, Silvio M. Guarda e direito de visita. A família na travessia do milênio. Belo Horizonte: Del Rey, 2000. p. 282-399; CAMARGO, J. Machado de. Guarda e responsabilidade. Repertório de doutrina sobre direito de família, vol. 4, p. 244-275; LEITE, Eduardo de Oliveira. Temas de direito de família. São Paulo: Ed. RT, 1994. p. 133. 7 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2005. vol. 5, p. 320-321 e 348-349; BARBOZA, Heloisa H. O princípio do melhor interesse da criança e do adolescente. A família na travessia do milênio. Belo Horizonte: Del Rey, 2000. p. 205 e ss.

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