Guattari contra a mídia como dispositivo de produção e reprodução das semióticas dominantes do \"Capitalismo Mundial Integrado\"

August 1, 2017 | Autor: J. Da Silva Junior | Categoria: Comunicação, Filosofia
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Guattari contra a mídia como dispositivo de produção e reprodução das semióticas dominantes do "Capitalismo Mundial Integrado" José Geraldo da Silva Junior1 Resumo Com o intuito de contribuir com o arcabouço teórico do campo da comunicação popular e comunitária, o artigo procura evidenciar que as reflexões de Félix Guattari sobre o "Capitalismo Mundial Integrado" e sobre seus dispositivos de sujeição social, dentre eles o dispositivo midiático, constituem um potente substrato conceitual: 1) para análises críticas da mídia hegemônica, seja em sua face privada seja em sua face Estatal subsumida às lógicas do capitalismo; 2) para a investigação de iniciativas no campo da comunicação popular, comunitária e alternativa; 3) para a formulação e desenvolvimento de projetos comunicacionais contra-hegemônicos que instaurem no socius uma "nova suavidade" construída a partir de novos paradigmas éticos e estéticos; 4) para reflexões e pesquisas sobre as relações entre o inconsciente e os dispositivos midiáticos; 5) para se pensar a comunicação não apenas em nível político, mas também micropolítico; 6) para se pensar a comunicação não apenas como prática orientada para a fabricação de consenso, mas também como ação através da qual as diferenças possam se relacionar enquanto diferenças. Palavras-chave:, Comunicação Popular, Comunicação Comunitária, Félix Guattari Abstract Aiming to contribute theoretically with the field of popular communication, the article seeks to highlight that the reflections of Félix Guattari about the "Integrated World Capitalism" and about their social domination devices, including the media device, comprise a powerful conceptual substrate: 1) for critical analyzes of mainstream media in his "private dimension" and in your "State dimension" subsumed to the logic of capitalism; 2) for research initiatives in the field of popular communication, community and alternative; 3) for the formulation and development of counter-hegemonic communication projects which enforce in the socius a "new softness" built from new ethical and aesthetic paradigms; 4) for reflection and research on the relationship between the unconscious and media devices; 5) for communication not only at the macro-political level, but also micro-political ; 6) to think the communication not only like practice oriented to manufacturing of consensus, but also as an action by which the differences can relate to while differences. Keywords: Popular Communication, Community Communication, Félix Guattari

1 Introdução

Rizomático, o pensamento de Félix Guattari não se limita a um só campo do conhecimento. 1

Embora seus textos sejam bastante referenciados em

Universidade Federal do Paraná (UFPR), Jornalista, Especialista em Comunicação Política e Imagem e Mestre em Comunicação, [email protected]

produções no campo da psicologia e da filosofia, as discussões que os constituem não se restringem a estes campos do conhecimento e se agenciam também com a política, com a literatura, com a comunicação e com a arte. De forma transversal à multiplicidade de temas e questões pensadas por Guattari, a crítica ao capitalismo aparece de forma constante em suas obras escritas individualmente, bem como naquelas escritas com o filósofo Gilles Deleuze, em especial, no primeiro tomo de "Capitalismo e Esquizofrenia": "O Anti-édipo", publicado em 1972. Neste artigo procuraremos focar em sua produção individual e evidenciar o posicionamento de Guattari com relação ao capitalismo e aos seus dispositivos de sujeição social, em especial o dispositivo midiático.

2 O Capitalismo Mundial Integrado

Guattari & Rolnik (1999) denominam de Capitalismo Mundial Integrado (CMI), o período histórico contemporâneo marcado, segundo eles, pela expansão e consolidação da hegemonia do modo de produção capitalista em nível planetário. A ordem capitalística produz os modos das relações humanas até em suas representações inconscientes (...). Ela fabrica a relação com a produção, com a natureza, com os fatos, com o movimento, com o corpo, com a alimentação, com o presente, com o passado e com o futuro - em suma, ela fabrica a relação do homem com o mundo e consigo mesmo (GUATTARI & ROLNIK, 1999, p.42)

Nessa conjuntura, conforme

Guattari (2008), a subjetividade é

padronizada através de uma comunicação que elimina o que ele chama de "composições enunciativas trans-semióticas". Os sintomas desse processo são: desaparecimento progressivo da polissemia da prosódia, do gesto, da mímica em proveito de uma língua rigorosamente assujeitada às máquinas escriturais e a seus avatares "mass-mediáticos". Na contemporaneidade, "tal subjetividade tende a se reduzir a troca de fichas informacionais, calculáveis por quantidade de bits e reprodutíveis por computador" (GUATTARI, 2008, p.134). Esta concepção da influência da mídia sobre a subjetividade advém de um entendimento anterior de Guattari sobre a produção da subjetividade. Para

Guattari, a subjetividade não é produzida apenas através das fases psicogenéticas ou dos matemas do inconsciente, mas também nas grandes máquinas sociais, mass-mediáticas e linguísticas. Guattari (2008, p.14) elenca esta heterogeneidade de componentes que a constituem da seguinte maneira:

a) Componentes semiológicos significantes que se manifestam através da família, da educação, do meio-ambiente, da religião, da arte, do esporte; b) Elementos fabricados pela indústria dos mídia, do cinema, etc. c) Dimensões semiológicas assignificantes colocando em jogo máquinas informacionais de signos, funcionando paralelamente ou independente, pelo fato de produzirem, e veicularem significações e denotações que escampam então às axiomáticas propriamente linguísticas.

Este terceiro componente que Guattari considera como também produtor de subjetividade está relacionado, por exemplo, com o trabalho com o computador que pode ser aproximado a uma "produção maquínica de subjetividade". Guattari (2008) adverte, todavia, que esta produção não deve ser julgada a priori nem positivamente nem negativamente porque tudo depende como se dá sua articulação com os "agenciamentos coletivos de enunciação".

3 A mídia no contexto do CMI

Segundo Guattari (2001), a mídia, no contexto do Capitalismo Mundial Integrado, opera dentro de uma lógica de dominação. Ela, a partir da produção e reprodução das semióticas dominantes, é responsável pela criação de um imaginário que serve de base para o CMI. Para ele, o capitalismo não depende apenas de meios de coerção ou do sistema de remuneração para operar, mas também de técnicas de modelização dos agenciamentos inconscientes operados pelos equipamentos sociais, pelos meios de comunicação e pelos métodos psicológicos de adaptação. Nas sociedades pré-capitalistas a libido estava ligada a estruturas relativamente estáveis (família, profissão, castas, classes, etc). Os novos modos de produção, a instauração de um Capitalismo Mundial integrado, tendem inexoravelmente para a destruição das antigas estruturas territorializadas dos agenciamentos inconscientes. E a expansão tentacular do maquinismo tem como efeito o desenvolvimento

de uma espécie de angústia coletiva, que leva, em contrapartida, ao reaparecimento de ideologias religiosas, de mitos arcaicos (GUATTARI, 1986, p.171).

A educação infantil também é pensada por Guattari (1986) que se questiona sobre como evitar que as crianças se prendam às semióticas dominantes que, no seu entendimento, fazem-nas perderem desde muito cedo toda e qualquer verdadeira liberdade de expressão. Novamente, a mídia aparece como meio de efetuação desta semiótica dominante sobre a subjetividade infantil. "Sua modelagem pelo mundo adulto parece efetuar-se, de fato, em fases cada vez mais precoces de seu desenvolvimento, especialmente por meio da televisão e dos jogos educativos" (GUATTARI, 1986, p.50). Trata-se, nas palavras de Guattari (1986), de uma iniciação ao sistema de representação e aos valores do capitalismo cujo processo não ocorre apenas através de interações entre pessoas mas que passa cada vez mais pelos meios audiovisuais que modelam as crianças aos códigos perceptivos, aos códigos de linguagem, aos modos de relações interpessoais, a autoridade, a hierarquia, a toda a tecnologia capitalista das relações sociais dominantes (IDEM).

Ele chama atenção para o fato de que nas sociedades industriais, e poderíamos dizer que também nas "sociedades pós-industriais", cabe às crianças formar-se o mais cedo para uma "tradutibilidade do conjunto dos sistemas semióticos", porque "não seria concebível, na sociedade atual, que se pudesse formar um trabalhador sem esta preparação que se faz na família, na creche, antes mesmo da entrada na escola primária" (IDEM, p.52). No presente, não seria errôneo dizer que a internet também opera como difusora desta subjetividade capitalística, embora, diferentemente da televisão, é necessário reconhecer, este meio também possibilita ações, expressões, encontros e compartilhamentos que dão margem ao aparecimento e/ou potencialização de modos de subjetivação diferentes daqueles pré-concebidos no âmbito de uma ordem hegemonicamente capitalista. Todavia, tomando como base a perspectiva de Guattari (1986), convém sempre manter uma posição crítica perante esta teórica margem de manobra possibilitada pela internet, pois a "escrita" do capital implica, com efeito, que o

desejo do indivíduo, em seus diferentes desempenhos semióticos, seja capaz de se adaptar, de se "tradutibilizar" agenciando-se a partir de qualquer ponto do sistema sócio-econômico. "Assim sendo, as máquinas desejantes vivem formigando nas máquinas industriais e sociais, mas são constantemente vigiadas, canalizadas, isoladas uma das outras, esquadrinhadas" (GUATTARI, 1986, p.79). Além disso, neste contexto, o próprio inconsciente pode operar para assegurar a cumplicidade do indivíduo com as formações repressivas dominantes. Para Guattari (1986, p.65-66), "não apenas somos equipados semioticamente para ir à fábrica, ao escritório, como somos injetados, além disso, de uma série de representações inconscientes, tendendo a moldar nosso ego". As "máquinas totalitárias capitalistas", diz Guattari (1986) ao mesmo tempo em que captam a energia do desejo dos trabalhadores, esforçam-se para dividi-los, particularizá-los e molecularizá-los, infiltrando-se em suas fileiras, suas famílias, seus casais, sua infância; instalam-se no coração de sua subjetividade e de sua visão de mundo. Além disso, por temer os grandes movimentos de massa, o capitalismo procura apoiar-se em sistemas de regulagem os quais são articulados pelo Estado, pelos equipamentos coletivos e pelos meios de comunicação de massa.

4 Das críticas às proposições

Em suas obras Guattari tece críticas ferozes a mídia no contexto "capitalístico", vendo nela um mecanismo de sujeição da subjetividade humana à subjetividade capitalista. Além das críticas ao capitalismo e dos chamados para a necessidade de "lutar contra estes sistemas de integração e de alienação" (GUATTARI, 1986 p.54), em seus textos costuma propor, direta ou indiretamente, formas de resistência e "linhas de fuga" da dominação, as quais efetuadas através de práticas micropolíticas nos mais diversos espaços sociais podem vir a instaurar uma nova suavidade juntamente com renovadas práticas estéticas e novas práticas analíticas das formações do inconsciente. Esta, segundo ele, é a única

via possível para que as práticas sociais e políticas passem a trabalhar para a humanidade "e não mais para um simples reequilíbrio permanente do Universo às semióticas capitalísticas" (GUATTARI, 2001, p.35). Essa micropolítica não pretende contornar os fluxos do capitalismo, mas de pensá-los, "de localizá-los, e, de um certo modo, de "governá-los" (GUATTARI, 1986, p.54). Além disso, não se trata de simplesmente opor uma codificação no lugar de outra, mas de criar condições que permitam aos indivíduos adquirir meios de expressão relativamente autônomos e portanto relativamente não recuperáveis pelas tecnologias das diversas formações de poder (estatais, burocráticas, culturais, sindicais, da comunicação de massa) (IDEM, p.55)

No que diz respeito à luta micropolítica no campo midiático, Guattari (2001) fala de uma era pós-mídia para descrever um momento histórico em que a mídia, em geral, concentrada nas mãos de poucos grupos passa a ser controlada por uma multidão de grupos-sujeito. Um ponto programático primordial da ecologia social seria o de fazer transitar essas sociedades capitalísticas da era da mídia em direção a uma era pós-mídia, assim entendida como uma reapropriação da mídia por uma multidão de grupos-sujeito, capazes de geri-la numa via de ressingularização (GUATTARI, 2001, p.46).

Além da reapropriação da mídia por uma "multidão de grupos-sujeito" esta era pós-mídia segundo Guattari (2008) é também marcada pela resingularização da utilização da mídia que, ao possibilitar a invenção de novos universos de referência, relativiza a mass-midiatização que, no seu entendimento, embrutece e condena milhares de indivíduos à subjetividade capitalística. "As evoluções tecnológicas, conjugadas a experimentações sociais desses novos domínios, são talvez capazes de nos fazer sair do período opressivo atual e de nos fazer entrar em uma era pós-mídia" (GUATTARI, 2008, p.16). De acordo com o autor, componentes verbais, corporais e espaciais combinados aos avanços da informática, da telemática e do audiovisual podem contribuir de forma decisiva para a entrada em uma era pós-mídia e a um retorno maquínico da oralidade. Ele vislumbra a emergência de um paradigma estético que trabalha com os paradigmas científicos e éticos e é por eles trabalhado ao instaurar-se "transversalmente à tecnociência porque os phylum

maquínico desta são, por essência, de ordem criativa e tal criatividade tende a encontrar o processo artístico" (IDEM, p.137). Guattari foi um entusiasta das rádios livres entendendo-as como mecanismos fundamentais para uma guerrilha informacional contra os signos emitidos pelo poder. "A guerrilha da informação, a subversão organizada da circulação das informações, a ruptura da relação entre emissão e circulação de dados situa-se no interior da luta geral contra a organização e a dominação do trabalho" (GUATTARI, 1986, p.57). Em meados dos anos 1970, em Bolonha na Itália, a "Rádio Alice", segundo

Guattari,

transversalmente

as

desenvolveu diversas

um

processo

autonomias

que

ao

atravessar

(secundaristas,

feministas,

homossexuais, trabalhadores emigrantes do sul) potencializou ações práticas de questionamento tanto ao capitalismo quanto ao socialismo burocrático. Guattari (2008) destaca também o papel da arte como "território" onde podem ser encontrados núcleos de resistência à subjetividade capitalística marcada, segundo ele, pela unidimensionalidade, pelo equivaler generalizado, pela segregação, pela anulação da alteridade.

Todavia, diz, não se trata de

fazer dos artistas os novos heróis da revolução, mas compreender a arte não apenas como manifestação de artistas patenteados, mas também como criatividade subjetiva que atravessa os povos e as gerações oprimidas, os guetos e as minorias. Para ele a poesia, a música, as artes plásticas o cinema, em particular em suas modalidades performáticas ou performativas tem um lugar importante para uma "ecologia do virtual" devido tanto ao às suas contribuições específicas, mas também como paradigmas de referência de novas práticas sociais O encontro da ecologia virtual com a ecologia do mundo atual resultaria em uma ecologia generalizada – ou ecosofia – que poderá agir como objeto de regeneração política e como engajamento, ético, analítico, "na iminência de criar novos sistemas de valorização, um novo gosto pela vida, uma nova suavidade entre os sexos, as faixas etárias, as etnias, as raças (GUATTARI, 2008, p.116).

Antes de concluir, é importante assinalar a relação estabelecida entre o pensamento de Guattari e o conceito de "máquina" e as implicações teóricas e práticas deste processo. Nas obras “O Anti-Édipo” (2011 [1972]) e “Mil Platôs" (2011 [1980]), Guattari e Gilles Deleuze, partindo de uma concepção produtiva do desejo, desenvolvem a "esquizoanálise" que, em linhas bem gerais, pode ser entendida como uma proposição de uma nova prática analítica, formulada a partir da crítica à psicanálise e à triangulação edipiana, à concepção freudiana do inconsciente e à interpretação do “desejo” como falta. Na verdade, a produção social é unicamente a própria produção desejante em condições determinadas. Dizemos que o campo social é imediatamente percorrido pelo desejo, que é o seu produto historicamente determinado, e que a libido não tem necessidade de mediação ou sublimação alguma, de operação psíquica alguma, e de transformação alguma, para investir as forças produtivas e as relações de produção. Há tão somente o desejo e o social, e nada mais (DELEUZE & GUATTARI, 2011 [1980], p.47).

É no âmbito destas discussões que conceitos como "inconsciente maquínico", "máquinas desejantes" e "agenciamentos maquínicos" são 'produzidos'. Este inconsciente, eu o denominarei "esquizoanalítico" por oposição ao inconsciente psicanalítico, porque se inspira mais no "modelo" da psicose do que no das neuroses a partir das quais foi construída a psicanálise. Eu o qualificaria igualmente de "maquínico", porque não está essencialmente centrado na subjetividade humana, mas participa dos mais diversos fluxos de signos, fluxos sociais e fluxos materiais (GUATTARI, 1986, p.167).

Para Guattari (1986) o inconsciente na contemporaneidade não pode ser analisado apenas em termos de entidade intrapsíquica porque é também influenciado

pelos

meios

de

comunicação,

pela

publicidade,

pelos

equipamentos coletivos e pelos especialistas de todo tipo. O inconsciente, insisto, não é algo que se encontra unicamente em si próprio, uma espécie de universo secreto. É um nó de interações maquínicas através do qual somos articulados a todos os sistemas de potência e a todas as formações de poder que nos cercam (IDEM, p.171).

Assim, as problemáticas referentes ao inconsciente não mais dependem apenas do domínio da psicologia, mas "compreendem as "escolhas de

sociedade" mais fundamentais: o "como viver" num mundo transpassado em todos os sentidos por sistemas maquínicos que tendem a expropriar toda singularidade, toda vida de desejo" (IDEM, p.167). Ele expõe que o progresso dos maquinismos de toda natureza, em todos os domínios, e que parece conduzir a espécie humana para uma catástrofe, poderia tornar-se a via real de sua liberação. Antes de apreender a história como sendo essencialmente carregada pelas máquinas produtivas e econômicas, penso, ao contrário, que são as máquinas, todas as máquinas que, funcionando à moda da história real ficam, por isso, constantemente abertas aos traços de singularidade e às iniciativas criadoras (GUATTARI, 1986, p.138).

Mas esta "liberação", segundo ele, não ocorrerá nos quadro das "relações sociais capitalísticas" e necessita que outros agenciamentos sociais e conexões maquínicas sejam concebidos, de tal modo que sejam constituídas as "máquinas revolucionárias, que mudarão o curso do mundo". . Guattari (1986) adverte, todavia, que estas máquinas só tem sentido de serem desenvolvidas e colocadas em operação se: 1) tiverem por objeto a destruição das relações de exploração capitalista e o fim da divisão da sociedade em classes, em castas, em raças; 2) romperem com todos os valores fundados sobre uma certa micropolítica do músculo, do phallus, do poder territorializado. À "máquina de produção de subjetividade" capitalista Guattari e Rolnik (1999) contrapõem ainda o desenvolvimento de modos de subjetivação singulares, "aquilo que poderíamos chamar de processos de singularização" (GUATTARI & ROLNIK, 1999, p.22), uma maneira segundo os autores de recusar a manipulação e o telecomando para construir modos de sensibilidade, modos de relação com o outro, modos de produção, modos de criatividade que produzam uma subjetividade singular. Todas estas propostas de Guattari não devem ser lidas como se compusessem um "programa político" centralizado e hierarquizado, ou mesmo uma espécie de método prático para a revolução, para ser colocado em prática assim que determinado grupo quisesse. Muito pelo contrário. Se há uma forma de pensá-las e articulá-las é a partir da instauração de enxames de práticas micropolíticas a fim de constituir um "gigantesco rizoma de revoluções moleculares" (IDEM, p.139). "É trabalhando em pequenas tentativas como

estas que se contribui para o desencadeamento de grandes fraturas do tipo da de Maio de 68" (IDEM, p.85) e, poderíamos dizer, pensando no Brasil, em acontecimentos como o de Junho de 2013. É importante lembrar ainda que, conjuntamente às manifestações que ocorreram em todo o país, diversas mídias, possuindo a internet como plataforma, passaram a produzir informações a partir de perspectivas múltiplas, atualizando outras percepções da realidade brasileira para além da leitura hegemônica veiculada pelos grandes conglomerados midiáticos.

Como diz

Guattari (IDEM, p.172) a integração maquínica da humanidade continuará a avançar o que implica em saber segundo quais modalidades últimas ela se orientará. Irá, como atualmente, contra a corrente das linhas criativas do desejo e das finalidades humanas mais fundamentais? (...) A economia do desejo, ao contrário, conseguirá ficar em harmonia com os progressos técnicos e científicos? Só uma profunda transformação das relações sociais em todos os níveis, um imenso movimento de "retomada" das máquinas técnicas pelas máquinas desejantes, o que eu denomino uma "revolução molecular", correlativa da promoção de práticas analíticas e micropolíticas novas, permitirão alcançar um tal ajustamento.

5 Considerações finais

Com o objetivo de contribuir com o arcabouço teórico do campo da comunicação popular, comunitária e alternativa, este artigo, partindo de reflexões do filósofo e psicanalista Félix Guattari sobre o "Capitalismo Mundial Integrado" e sobre seus dispositivos de sujeição social, dentre eles o dispositivo midiático, procurou instaurar uma discussão que mostrasse não apenas a viabilidade de tal aproximação teórica, mas que ela pode constituir um potente substrato conceitual: 1) para análises críticas da mídia hegemônica, seja em sua face privada seja em sua face Estatal subsumida às lógicas do Capitalismo Mundial Integrado; 2) para a investigação de iniciativas no campo da comunicação popular, comunitária e alternativa; 3) para a formulação e desenvolvimento

de

projetos

comunicacionais

contra-hegemônicos

que

instaurem no socius uma "nova suavidade" construída a partir de novos paradigmas éticos e estéticos; 4) para reflexões e pesquisas sobre as relações entre o inconsciente e os dispositivos midiáticos; 5) para se pensar a comunicação não apenas em nível político, mas também micropolítico; 6) para

se pensar a comunicação não apenas como prática orientada para a fabricação de consenso, mas também como ação através da qual as diferenças possam se relacionar enquanto diferenças. Como coloca Guattari (2001, p.55), pensando em numa nova ecologia mental, social e ambiental, "os indivíduos devem se tornar a um só tempo solidários e cada vez mais diferentes".

Referências

DELEUZE, Gilles. GUATTARI, Félix. O Anti-Édipo: Capitalismo e Esquizofrenia 1. 2. ed. São Paulo: Editora 34, 2011.

_______________. Mil Platôs: Capitalismo e Esquizofrenia 2. Vol.1. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora 34, 2011.

GUATTARI, Félix. Revolução Molecular: pulsações políticas do desejo. 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 1986.

_______________. As três ecologias. 11. ed. Campinas: 2001.

Papirus Editora,

_______________. Caosmose: um novo paradigma estético. São Paulo: Editora 34, 2008.

_______________. ROLNIK, Suely. Petrópolis: Vozes, 1999.

Micropolítica: cartografias do desejo.

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