Guerra e Mercenarismo na Atenas Clássica

May 29, 2017 | Autor: Alair Figueiredo | Categoria: War Studies, Ancient Greek History, Mercenaries
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Guerra e Mercenarismo na Atenas Clássica

Alair Figueiredo Duarte

Alair Figueiredo Duarte

UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA NÚCLEO DE ESTUDOS DA ANTIGUIDADE

Guerra e Mercenarismo na Atenas Clássica

Alair Figueiredo Duarte Rio de Janeiro NEA/UERJ 2013

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Copryright©2013: Todos os direitos desta edição estão reservados ao Núcleo de Estudos da Antiguidade – NEA, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2013. Capa: Junio Cesar Rodrigues Lima Descrição: Psykter (vase for cooling wine), ca. 520-510 B.C.; Archaic; red-figure. Attributed to Oltos. Greek, Attic. Gift of Norbert Schimmel Trust, 1989 (1989.281.69). Disponível: The Metropolitan Museum of Art. Editoração e Diagramação: Carlos Eduardo da Costa Campos & Luis Filipe Bantim de Assumpção Revisão: Gabriel Soares & Michael Barbalho Projeto Editorial: Publicações NEA/UERJ Direção: Prof.ª Dr.ª Maria Regina Candido

CATALOGAÇÃO NA FONTE UERJ/REDE SIRIUS/CTC/B

D812 Duarte, Alair Figueiredo. Guerra e mercenarismo na Atenas clássica/ Alair Figueiredo Duarte.- Rio de Janeiro: Rio-DG: UERJ/NEA, 2013. 128 p. ISBN: 978-85-60538-10-2 1. Civilização grega. 2. Tropas mercenárias – Atenas (Grécia). I. Título. CDU 938

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“É impossível que homens capazes de usar a força e de resistir a ela sejam sempre submissos [...] Os senhores do poder das armas têm também o poder de sustentar ou mudar a constituição”. (ARISTÓTELES, Política, 7, 1329 a)

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SUMÁRIO Prefácio

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Apresentação

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Introdução

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Capítulo I: Grupos Étnicos: Cultura e Civilidade Helênica na comparação entre Soldados-cidadãos e Soldadosmercenários, no século V a.C. I.1 – Barbarismo e Civilização: uma Ótica Antropocêntrica I. 2 – Fronteiras Culturais I.3 - O Conceito de Cultura e Natureza como Instrumento para o Exercício do Poder I. 4 – Linguagem e Civilidade I.5 – Soldados-mercenários, Soldados-cidadãos: Identidades Étnicas entre Culturas

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Capítulo II Mercenarismo sob a Análise comparativa do Soldado e da Guerra na Sociedade Helênica

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II.1- Comparando Arquétipos: o Guerreiro, o Soldado-cidadão e o Soldado-mercenário 75 II. 2 - O Soldado-mercenário: um Especialista das Armas 83 II. 3 - O Poder Político e a Ação do Mercenarismo 100 II. 4 - O Mercenarismo 102 Conclusão

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Glossário

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Referências

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Índice de Tabelas e Gráficos Tabela 1 - Baixas de Guerra na Grécia Clássica de 431-322 a.C.

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Gráfico 1 - Taxa de Mortalidade na Hélade (431-322 a.C.)

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Tabela 2 - Armamento do Período Micênico

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Tabela 3 - Armamento Hoplita

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Tabela 4 - Baixas Militares (431-404 a.C.)

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ABREVIATURAS Apud.:

Citado por.

C.f.:

Confira, Confronte.

Ed.:

Editora.

Et. Al.

E, Vários autores.

Fig.:

Figura.

Frag.:

Fragmento.

Ibidem:

Na mesma obra.

Idem:

No mesmo autor.

In:

Em.

Loc.:

No lugar citado.

p.:

Página.

pp.:

Páginas.

Passim:

Em diversas passagens.

Tab.

Tabela.

v.:

Verso.

vv:

Versus.

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PREFÁCIO Henrique Modanez Sant‟ Anna Os dois termos gregos mais comuns para a caracterização do soldado mercenário grego são xenos e misthophoros. O primeiro deles, em princípio, faz referência ao estrangeiro, mas na condição de exilado ou refugiado que se vê obrigado (ou disposto) a oferecer seus serviços como soldado profissional, isto é, um misthophoros. Tal era o caso de Clearco, um espartano exilado, que no comando de outros mercenários havia aspirado ao poder tirânico em Bizâncio (Diodoro Sículo, Biblioteca Histórica, 14.12 e Polieno, Estratagemas, 2.2). Os dois termos são, então, intercambiáveis e aparecem nas fontes com propósitos idênticos (a não ser quando xenos faz referência unicamente ao estrangeiro, visitante ou convidado, como na Odisseia, 1.313). Após a consagração da batalha de tipo hoplítico nas Guerras Greco-Pérsicas, o número de mercenários contratados no pós-Guerra do Peloponeso (momento de crise no mundo grego, portanto) parece ter aumentado consideravelmente no Oriente Próximo. O caso mais emblemático é, sem dúvida, o dos Dez Mil (na verdade, cerca de 13.000) misthophoroi recrutados por Ciro, o jovem na tentativa fracassada de usurpação do trono persa (Xenofonte, Anábasis ou A Retirada dos Dez Mil), número equivalente aquele dos hoplitas atenienses na expedição de conquista da Sicília (415-413 a.C.), ocorrida durante a Guerra do Peloponeso (Tucídides, História da Guerra do Peloponeso, 6-7). Ironicamente, o tipo hoplítico foi produto de amadores na guerra, os soldados-cidadãos. Mas cidadãos não podiam se dedicar integralmente à guerra (exceto os espartanos, mas por razões muito específicas), deixando a tarefa para mercenários que combatiam como hoplitas em longas e distantes campanhas, sem ter de possuir qualquer sentimento cívico para o envolvimento no conflito. Por essa razão, a arte da guerra grega a partir do séc.IV a.C. contava com um número cada vez maior

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de profissionais, os quais respondiam às necessidades de seu tempo de modo mais satisfatório que os exércitos cívicos. Nos finais do século IV a.C., Agátocles havia se autoproclamado rei como os diádocos baseado na autoridade que possuía entre suas tropas (vale dizer, mercenárias) e não na magistratura que lhe cabia em Siracusa, onde seu poder tinha já se transformado em mera formalidade. Somente mercenários (gregos, no caso) poderiam compreender, em plena Sicília e norte da África, o significado de uma realeza helenística, da forma como a caracterizamos hoje, devido ao trânsito mediterrânico comum à sua profissão. Agátocles, no entanto, não representa o único nem o mais importante caso no uso de mercenários gregos no período helenístico, tampouco a história do mercenarismo grego teve início naquele momento, remontando ao menos até a segunda metade do séc.VII a.C., quando se pode notar a presença de mercenários gregos a serviço dos faraós da 26ª dinastia. Assim, diante do impacto do mercenarismo grego no mundo mediterrânico antigo (os exemplos acima não fazem jus nem de longe à sua relevância completa para a história antiga), impressiona a escassez de trabalhos acadêmicos destinados exclusivamente ao mercenarismo grego antigo. Uma explicação possível se retira da imagem do mercenário entre os próprios antigos, aqueles “assassinos, mutiladores, ladrões e arrombadores de casa”, como diria Políbio (Histórias, 13.6), o que certamente modelou a maior parte dos interesses investigativos modernos, sempre mais voltados à identificação do seu mundo com o “modelo cívico” greco-romano. O livro de Alair Figueiredo Duarte vem preencher as lacunas existentes no campo dos estudos sobre a misthotiké (ou serviço mercenário). Neste estudo, o tema do mercenarismo grego é tratado de modo sério e competente, sempre aludindo às informações retiradas das fontes. Além disso, merece destaque o fato de o autor ter explorado as origens sociais dos soldados mercenários, quase sempre oriundos dos grupos de soldados-cidadãos que a guerra regular e intensa abalou. Somente um estudo que interprete em seus próprios termos os

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soldados profissionais gregos, tão importantes para os rumos que a história grega antiga tomou, pode dar conta de seu significado histórico. Este livro representa não somente o esforço supracitado, mas também a integração institucional (fomentada, no caso, pelo NEA-UERJ há 15 anos) necessária ao avanço da ciência. Ao leitor, por fim, convido a ler este livro e a desfrutá-lo em todas as suas potencialidades.

Prof. Dr. Henrique Modanez de Sant‟Anna Universidade de Brasília – UnB

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APRESENTAÇÃO André Leonardo Chevitarese Maria Regina Candido Este livro faz parte de uma coletânea de publicações do NEA/UERJ que visa democratizar o saber produzido na academia. O pesquisador Alair Figueiredo Duarte integra o Núcleo de Estudos da Antiguidade, atuando como professor da Pós-Graduação Lato Sensu/CEHAM/UERJ na área da Sociedade Grega e ministra cursos com temas relacionados à guerra e historia militar no período arcaico, clássico e helenístico. Este eminente professor se especializou na formação do mercenário no período arcaico, analisando as imagens de vasos áticos que denotam o ritual da partida do soldado, além de exercer a função de orientador de alunos de graduação e pós-graduação em sociedades helênicas. O professor Alair Figueiredo Duarte possui qualidades raras nos dias atuais que é a ousadia de estabelecer o dialogo entre os saberes, tendo em vista que a sua formação vem da área de Filosofia e dialoga com a área de História e Arqueologia Fisica. Ao interagir com a História, o pesquisador adquire a especificidade de trazer para o historiador indícios do imaginário social que circulava na sociedade pesquisada, delimitando certas ações, atitudes e comportamentos. A seriedade, persistência e excelência com a qual o autor abraça uma pesquisa também se destacam junto as suas publicações e artigos. A publicação que se segue foi resultado de um longo tempo de pesquisa cuja maturidade e qualidade expressam o cuidado com a delimitação do tema, o estabelecimento de questionamentos, a definição de conceitos e a sua aplicabilidade e singularidade na metodologia de analise do discurso aplicada a documentação. O tema sobre guerra e mercenarismo na Antiguidade detém escassa publicação no que tange ao estabelecimento de analise pertinente a formação do imaginário social do soldado-cidadão comparado com o soldado-mercenário na Atenas do V - IV séculos diante do recebimento da mistophoria. O fato levou o pesquisador a desvendar a documentação buscando explicar qual o conceito construído em torno do mercenário no período clássico e que motivações socioeconômicas definiram a inserção do pagamento do

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misthos e qual seria a aspiração desse soldado mercenário ao engajar-se em uma guerra que não lhe pertencia. Essas questões permeiam toda pesquisa do professor Alair Figueiredo Duarte que usa de linguagem articulada que leva o leitor ao fácil entendimento e a especificidade da metodologia de abordagem, ações que tornam o eminente professor um dos mais recentes especialistas no tema sobre Antiguidade Grega. Ratificando minhas observações, a obra também recebe a análise de um eminente e renomado especialista em sociedades Antigas como o Professor André Leonardo Chevitarese, o participa da apresentação deste livro sob o convite do autor. Nas palavras seguintes podemos verificar a análise do Professor André Chevitarese. Foi com imensa alegria que aceitei o convite para escrever essa apresentação, já que eu conheço o professor Alair Figueiredo Duarte há muitos anos, desde quando ele era um jovem graduando da UERJ. Por isso a minha satisfação, já que acompanhei de perto o seu esforço para tornar-se, o que hoje ele é de fato, um especialista em História Antiga Grega. Esse livro, que tem como título Guerra e Mercenarismo na Atenas Clássica, é resultado da pesquisa de Mestrado, orientada pela Dra. Maria Regina Candido, desenvolvida e defendida em 2011 no Programa de Pós-Graduação em História Comparada do Instituto de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Esse dado não deve ser banalizado, muito pelo contrário, ele precisa ser explicitado pela sua raridade, já que a quase totalidade das pesquisas de Mestrado e Doutorado, das mais diferentes áreas do conhecimento, jamais ganhará uma versão para livro, o que acaba dificultando o acesso de outros leitores, para além das próprias Bancas Examinadoras que as leram. Por isso a minha ênfase, pois, nesse caso, o público tomará contato com o que há de mais recente na pesquisa sobre história militar no período clássico grego. Ao mesmo tempo, a editora que está publicando esse livro precisa ser parabenizada, especialmente por acreditar que é possível publicar textos bons e atuais, fruto de pesquisas realizadas aqui no Brasil. Também nesse caso é raro ver esse tipo de ação acontecer, mesmo no âmbito das editoras universitárias. Tal constatação revela um

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verdadeiro contra-senso, principalmente quando se pergunta: para que serve uma editora universitária? Parece óbvio, até que se demonstre o contrário, que ela existe para publicizar todo um conjunto de pesquisas que não tem um apelo comercial, mas um valor estritamente acadêmico. Ora, quando se considera o papel da editora da UFRJ nesse processo, constata-se a sua enorme coerência em virar as costas para a produção de altíssima qualidade realizada nos inúmeros programas de pós-graduações da própria Universidade Federal do Rio de Janeiro. Portanto, é importante insistir: não é fácil achar uma editora que queira remar contra uma lógica largamente disseminada no mercado editorial brasileiro, que prefere apostar na tradução de conteúdos ultrapassados, cujos valores repousam quase que exclusivamente no seu uso historiográfico. Vê-se claramente delinear aqui a triste constatação do quanto de colonizado há nessa prática editorial. Saúdo o professor Alair Figueiredo Duarte por esse seu livro, que com a certeza é apenas o primeiro de muitos que a sua carreira profissional nos brindará. O leitor vai encontrar, ao longo da leitura, uma interessante discussão sobre a presença cada vez mais crescente do elemento “bárbaro” no meio cultural ateniense clássico, através da figura do soldado mercenário. Torna-se central aqui atentar para o extenso uso que Alair Duarte fez de dois importantes historiadores antigos gregos, Tucídides e Xenofonte, esse último através de sua obra As Helênicas. Esses historiadores serviram de base para que o autor pudesse demonstrar o quanto essa presença “bárbara” contribuiu para o colapso de um dos pilares centrais das antigas póleis, qual seja, a do cidadãosoldado no fim do quinto século. A linguagem do livro não é hermética, proporcionando uma fácil leitura do início ao fim do texto. Quando, por estrita necessidade, foi necessário utilizar termos técnicos, o autor organizou um útil glossário, situado na parte final do livro, com as respectivas traduções e significados. Portanto, fica aqui o meu convite para que o público

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interessado em história militar leia o livro Guerra e Mercenarismo na Atenas Clássica.

André Leonardo Chevitarese Professor Doutor Associado Universidade Federal do Rio de Janeiro & Maria Regina Candido Professora Doutora Associada Universidade do Estado do Rio de Janeiro

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INTRODUÇÃO A Guerra sempre se tratou de uma temática atual. Os avanços tecnológicos propiciaram o desenvolvimento de armas cada vez mais poderosas e capazes de varrer a raça humana da face do planeta Terra. Tal prerrogativa contribui para aumentar cada vez mais o interesse de filósofos, historiadores, antropólogos e cientistas sociais pela temática. Contudo, as análises isoladas, acabam por não propiciar recursos necessários para que de fato possamos compreende a Guerra. Quando abordamos a temática Guerra, em boa parcela dos casos, é comum destacarmos seus efeitos e sua potencialidade destrutiva; tal problemática nos assola desde tempos remotos. Este é também um dos fatores que levam pacifistas, cientistas sociais e pensadores a buscarem incessantemente, teorias capazes de amenizar seus impactos ou mesmo erradicá-la da sociedade. Porém nenhum projeto, até o momento, obteve sucesso. Não acreditamos que algum dia haverá a extinção da Guerra, ou mesmo, que a bondade e consciência humana possam erradicar as armas nelas empregadas; mas defendemos que se de fato quisermos compreendê-la, é preciso um estudo transversal e interdisciplinar entre diversos ramos do conhecimento. O fenômeno da Guerra é composto de diversos elementos. Entendemos que ela deva ser analisada por partes e sob diferentes perspectivas, de modo que possamos conhecer minuciosamente os elementos que a compõem. Dentro destas especificidades, dispomo-nos a analisar aqueles que participam dela de maneira direta e literal. Analisaremos o soldado e as relações do contexto social de produção em que estão inseridos. Vemos que Estados Nações ao início do século XIX “mergulharam” arduamente na criação de políticas e ideologias que estimulassem o amor do indivíduo com seu solo pátrio. Foram inventadas simbologias, bandeiras e hinos, que não somente ratificavam as tradições locais; mas, que principalmente não abrem mão dos laços de ancestralidade. No século XX, os avanços tecnológicos exigiram inovações estratégicas e novas táticas nos combates. Ao início do século XXI o elevado número de Soldados-Mercenários nas guerras que assolam o

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Oriente Médio nos levam a refletir a postura das grandes potências da atualidade. Houve uma valorização em se utilizar exércitos formados por estrangeiros que lutam sob um contrato, em lugar do soldado da pátria. O que leva estes homens a combaterem por outras bandeiras que não seja a de sua pátria? A partir da inferência de Marcel Detienne de que é possível comparar o incomparável podemos - guardando as devidas proporções e sem anacronismos - compreender o presente analisando e conhecendo o passado. Nestas conformidades, cotejaremos a ação de SoldadosCidadãos e Soldados-Mercenários ao final do século V a.C. Dados historiográficos mencionados por H. W. Parker mostranos que o serviço mercenário veio ganhar notoriedade paralelamente às tiranias do Período Clássico Helênico (PARKE, 1933, passim) e Matthew Trundlle (2004: 12-13), aponta que Heródoto se utilizava do termo epikouroi para se referir aos aliados e tropas auxiliares. Isto não somente nos permite acompanhar historicamente a percepção que os gregos tinham a respeito do Soldado-Mercenário; mas também, nos fornecem indícios de que até o final do período Clássico, ainda não havia categoricamente a existência do Mercenarismo como atividade e ofício especializado na guerra. Entendemos os Mercenarismo não como a ação de vender seus serviços como profissional de guerra, mas sim como um fenômeno que se encontra além dos desejos individuais e envolve problemas de ordem política, sociais, econômicas e agrárias relacionados diretamente com questões militares. Percebemos que somente após o século V a.C., Soldados-Mercenários tornam-se uma sistematização político-estratégica das guerras entre os povos helênicos possibilitando o Mercenarismo, o qual terá seu ciclo completo, nas ações expansionista e políticas de Alexandre, o Grande. A temática Guerra envolve problemas de ordem social que transpassam o tempo unindo passado e presente sob diversas conceituações que a definem como: “A continuação da Política por outros meios” (CLAUSEWITZ, DA Guerra, 2003: 27); “Dois ou mais grupos em conflito necessitando fazer uso da violência através da força durável e organizada” (BOBBIO, T. Geral da Política, 2000: 515-516); ou ainda, “Uma falta de garantias que acabam gerando uma luta real e violenta” (HOBBES, Leviatã: cap. XIII). Estas diversas denominações do que vem ser a Guerra apenas nos demonstram como o estudo do tema pode ser complexo e sem consenso.

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Em Atenas, no século V a.C. cujo corte temporal estende do final do V ao início do século IV a.C., a prática do mercenarismo começou a tornar-se comum na Hélade e a integrar a polis dos atenienses. O discurso do orador ateniense Isócrates nos apresenta algumas das motivações desta prática, vejamos a citação: “Recortem na Trácia território suficiente para que não apenas vivamos em abundância, mas que possamos oferecer vida satisfatória aos gregos que passam necessidade”. (ISÓCRATES, Panagérico, Apud. GARLAN, 1991: 145). A partir de documentações do período, ratificados pela historiografia, torna-se possível indicar que tal fenômeno figurou como resultado de um colapso no sistema políade envolvendo questões de ordem sociais, políticas, econômicas, ideológicas e agrárias (MARINOVIC, 1988: 12). Nosso trabalho que toma por base a polis dos atenienses partirá do arquétipo cívico do Soldado-Cidadão, no qual a figura tornou possível realizar análises interdisciplinares daquela polis no fim do V e início do IV século a.C. Adotamos como processo metodológico a Análise do Discurso sob a perspectiva de Maria Aparecida Baccega operacionalizada pela grade de Análise do Conteúdo de A. J. Greimas, relacionado aos preceitos teóricos ou políticos filosóficos de Norberto Bobbio descritos na Teoria Geral da Política. Nestas especificidades, através da Análise do Discurso, percebemos nas documentações, a saber: Tucidides, A História da Guerra do Peloponeso e Xenofonte, Helênicas; um discurso antropocêntrico capaz de gerar entre os povos helênicos, uma identidade que os distinguia das demais etnias e demarcava sua Civilidade1. Neste sentido, será necessário identificar através de uma análise crítica o que podemos entender por Grupos Étnicos, Natureza e Cultura. Neste processo metodológico destacamos as intertextualidades e polifonias existentes nas documentações por acreditar que esta sistematização, reforça a credibilidade da narrativa em análise, pois entendemos que o Método possibilita um distanciamento do objeto em análise e permite que o discurso seja avaliado sob diversos ângulos. Termo que segundo as concepções de Marcel Detienne identifica-se como o inconsciente histórico que carrega tudo que as tradições representam. A Civilidade é capaz de dar forma as categorias coletivas, manifestada nas instituições sociais, tais como: o direito, a política e as relações sociais. O veículo prático das Civilidades é a Linguagem, pois este é o elemento capaz de produzir interpretações e produzir variações de Civilidades. (DETIENNE: 2004: 42-44). 1

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Através do método da análise comparativa entre Soldados-Cidadãos e Soldados-Mercenários é possível identificar que a relação entre estas duas personagens transcendem as questões bélicas. A partir da recorrência a um processo metodológico, evitamos ou minimizamos que perspectivas marcantes sejam apagadas (BACCEGA, 1955: 11-17). Tal prerrogativa encontra-se congruente a proposta de Marcel Detienne em Comparar o Incomparável (DETIENNE, 2004: passim), o qual prioriza a comparação sob uma análise interdisciplinar. Através desta perspectiva não somente evita-se que o discurso do autor seja tomado como verdade absoluta, mas também nos permite ver aquilo que não era evidente. Afinal, o sujeito é atuante na construção do seu Discurso-Verdade2 não deixando meios de escapar as Ideologias3. O sujeito que constrói o Discurso não é um indivíduo isento, mas sim autônomo (BACCEGA, 2000: 72-73). Dessa forma, tanto Tucídides ao descrever A História da Guerra do Peloponeso, quanto Xenofonte nas Helênicas, ao utilizarem termos para se referem a Soldados-Cidadãos ou Soldados-Mercenários embora não estejam deixando de relatar os fatos ocorridos; o fazem segundo a perspectiva de seu tempo, com todos os signos e Ideologias de sua época. Alguns termos encontrado nestas documentações tais como Epikourikós (aliado, companheiro de armas) em Tucídides; tanto quanto Misthóforos (mercenário) são epítetos relacionados ao fenômeno do Mercenarismo e se referem a tropas aliadas e ao Soldado-Mercenário propriamente dito. O fato de estes combatentes receberem nomenclatura totalmente diferenciada no desempenho de atividades análogas, são exemplos factuais de que o Discurso cria um Autor Implícito. Ou seja, alguém que “se mostra, normalmente, através do narrador, das personagens e de outros procedimentos lingüístico que estão à disposição dele nos processos discursivo (BACCEGA, 2000: 75). Neste sentido, a Linguagem torna-se um elemento fundamental, pois é ela quem irá determinar o caráter e a identidade do sujeito. Através da Linguagem são transmitidos Assim denominamos o discurso da História, pelo fato do mesmo, abarcar entre seus objetivos, a veracidade quanto a ocorrência dos fatos. Nesta conjuntura estão inseridos e são indissociáveis as estruturas que concorreram para o acontecimento, assim como o momento, (data registro) que aconteceram os fatos. Nota do autor. 3 Em conformidade com o Filósofo Político, Norberto Bobbio: Ideologia não exclui e sim implica um elemento de falsa “consciência”. O único critério com base no qual se pode julgar uma Ideologia é a sua eficácia prática, não sua verdade (BOBBIO, 2000: passim). 2

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e traduzidos os diversificados: sentimentos, emoções, apreensões e desejos do indivíduo, por isso ela é capaz de em conformidade com os preceitos de M. Detienne, de produzir interpretações e variações de Civilidades (DETIENNE, 2004: 42-44). Percebemos que o Historiador não se encontra fora desta estrutura, neste sentido, não podemos afirmar que o discurso constante nos documentos é um discurso totalmente isento. Mas, também seria uma precipitação conceitual, no mínimo imprudência, declarar que seu Discurso se restringe a juízos de valores intencionais conscientemente inventados. Tucidides ao escrever sua obra parece tomar como modelo a obra de Heródoto – o relator da História da guerra entre Persas e Gregos ao início do século V a.C. - porém, inovou no método histórico, utilizando-se de uma análise que exigia a comprovação e autopsia diferenciando de Heródoto que usa o testemunho indireto do ouvi dizer. A inovação metodológica utilizada por Tucídides trata-se de um acréscimo da provável herança do contato que teve com Anaxágoras e postura iconoclástica do discurso de sofistas tais como: Protágoras, Pródicos e Antifon4. O segundo documento trata-se das Helênicas, a qual foi escrita por Xenofonte com a finalidade de complementar a obra inacabada Tucídides. As Helênicas compõem-se de sete livros, documentando a Guerra do Peloponeso a partir de 411, até o seu fim em 404 e estendendose até o ano de 369 a.C. Seu autor, o estrátego Xenofonte, foi discípulo do filósofo Sócrates e participou da expedição de Ciro (Rei da Pérsia) durante os anos de 403 a 399 a.C.; período no qual praticara o Mercenarismo e tendo deixado registrado este acontecimento na sua Anábase. Embora Xenofonte na Ánabase, relate a ação dos SoldadosMercenários sob seu comando no regresso a Hélade, história conhecida como os dez mil, não a utilizaremos em razão de a narrativa abordar uma ação efetiva e estabelecida da prática do Mercenarismo. Nesta dissertação procuramos abordar o período de transição e os meios pelos quais o Mercenarismo se estabeleceu na Hélade. Podemos dizer que no século V a.C., o cidadão ateniense era um homem ativamente político. O indivíduo somente se realizaria e teria seu valor social reconhecido se estivesse integrado num corpo 4

Cf. Mário da Gama Kury, nota de introdução (TÚCIDIDES, 1986: 13-14).

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comunitário, tal qual nos apresenta a concepção aristotélica de homem, ζωον πολιτκό (Zoon Politikós: Animal Político), (ARISTÓTELES, Política, I: 1256 a). A vida comunitária se faria representar até mesmo no campo de batalha, através da Falange dos Hoplitas na qual a coletividade agiria como um só corpo, formando uma só unidade. Dentro dessa conjuntura, as armas amenizavam as diferenças entre cidadãos e estrangeiros que combatiam lado a lado no campo de batalha. Na Antiguidade, muitos acordos entre tropas cívicas e estrangeiras eram estabelecidos por relações de Φιλια (Philia: amizade) e συμμαχία (symmachia: aliança), encerrando também o sentido de Fidelidade a Fé Jurada (GARLAN, 1991: 41-156). Como aponta Mattew Trundle (TRUNDLE, 2004: passim), até o século V a.C., as tropas aliadas que combatiam mediante acordo, recebiam a nomenclatura de έpikourikό (épikourikós: auxiliares). A partir do final do V e início do IV século a.C., começam a receber a denominação μισθόφορος (misthóphoros5: mercenário) em referencia ao ato de vender seus serviços como artífice da guerra. Tal peculiaridade nos remete a repensar se realmente havia Mercenarismo6 na polis dos atenienses anteriormente ao século IV a.C. Outra questão: O que eram, ou quem eram estes Soldados-Mercenários na Antenas Clássica? A competitividade, o αɣον (Agon), presente na cultura helênica sempre foi concebida pelos antigos helenos como algo completamente saudável. Podemos apreender tais prerrogativas, através de manifestações culturais helênicas como: as olimpíadas, os festivais teatrais, os debates nas ekklésias e na arte da guerra. A sociedade helênica se manifestava em atividades agonísticas de tal maneira, que mesmo “funesta em si, a guerra tomava um aspecto positivo” (GARLAN, 1991: 14).

A palavra grega Misthophóros, significa: vender, alugar, receber pagamento; o SoldadoMercenário recebia este epíteto devido a sua atividade de valorizar o pagamento pelos seus serviços nas armas e não se importar o motivo pelo qual está lutando. 6Entende-se o Mercenarismo não o simples ato da lutar sob um pagamento ou um acordo pré-estabelecido. Mas sim, uma sistematização que envolve entre outras coisas, problemas estruturais de ordem política, econômica, social e agrária que se relacionam diretamente questões militares e interesses de determinadas potências em expandir seu poder. O Mercenarismo independe da vontade daqueles que são afetados por ele, daqueles que o praticam e daqueles que os promovem. Estes são apenas seus veículos, são passivos diante deste fenômeno. 5

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Contudo participar dela exigia determinados atributos possuir recursos pecuniários para aquisição de uma armadura de hoplita era um deles, privilégio acessível somente aqueles que tivessem por condição social mínima, uma pequena propriedade capaz de produzir o suficiente para a subsistência familiar e com o excedente adquirir armamento militar. Para tal, o cidadão deviria ao menos enquadrar-se no grupo censitário dos Zeugitas7. Combater como cavaleiro, era financeiramente acessível apenas aos dois segmentos sociais mais providos de recursos, a saber: Pentacosiomedinos e Hippies. Aqueles que não detinham propriedades recursos pecuniários como os Thetai, que viviam de jornada, combatiam armamentos de baixa qualidade: escudos feitos com vime, sem couraça, arremessadores de dardo e fundas. Tais prerrogativas, nos permitem apreender que no mundo helênico a participação na guerra não se trata exclusivamente de questões culturais e políticas, mas também uma condição econômica social. Na Ilíada Homero destaca os feitos militares dos Heróis e αριστος (aristóis), os célebres e bem nascidos. No período clássico Yvon Garlan (1991: 57) destaca que na polis dos atenienses, o status do cidadão era determinado segundo fatores econômicos e pela sua capacidade de atuar militarmente com excelência. Tais quesitos eram fundamentais para paramentar a valoração e proeminência social. Possuir recursos para investir na construção de uma trirreme ou financiar um festival teatral poderia representar a distinção da condição social (JONES, 1997: 234-235). As armas com que os combatentes lutavam também distinguiam o estrato social e evidenciavam interesses políticos de grupos sociais na polis. Aristóteles (322-384 a.C.) era natural de Estagira, cidade encravada no reino Macedônico e foi à Atenas na Ática ainda jovem, com aproximadamente dezessete anos, permanecendo como aluno de Platão na Academia por pelo menos vinte anos. Seu discurso ratifica a observação de que o segmento social e a atividade militar caminhavam juntos na Grécia Antiga. Devemos nos lembrar que o estagirita tinha seu discurso entre as elites, neste sentido sua análise social e política sobre a sociedade Terceiro segmento censitário da sociedade ateniense. Na sociedade ateniense do V século a.C., os segmentos sociais dividiam-se em quatro, a saber: Pentacosiomedinos, Hippies, Zeugitas e Thetai. Ciclos censitários estabelecidos por Sólon no fim do século VI a.C. por ocasião das reformas legislativas. (JONES, 1997: 6-7). 7

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ateniense por mais equitativa e justa sempre partiria da perspectiva dos grupos sociais aos quais circulava. Assim, da sua afirmação, podemos apreender que além de cada modalidade de combate servir melhor a um determinado sistema de governo, como o fato dos “Oligarcas recorrerem aos pobres para constituir sua infantaria é constituí-la contra si mesmo” (ARISTÓTELES, Política, 7: 1330 b), também nos mostra que havia tensões sociais. Como exemplo, o modelo democrático participativo durante o período Clássico foi adequado a polis dos atenienses, em razão dos menos providos de recurso haver conquistado um lugar social em decorrência das tensões políticas e interdependência social. Oitenta por cento da população era composta de camponeses e indivíduos sem propriedades como os Thetai (KEEGAN, 1995: 260). Naquela polis, a falta de contingente e a necessidade de defender o território, obrigava os grandes proprietários de terras e ricos comerciantes a recorrerem a outros segmentos sociais. Neste sentido, cidadãos zeugitas e thetai, respectivamente, integravam o contingente do corpo de infantaria pesada (Falange Hoplita), e ligeira (Peltastas). Em 493- 492 a.C., no início do século V, Temístocles na condição de Arkon (arconte)8 demonstrando interesse em investir na frota naval ateniense. Em 483 a.C., foi encontrado um extenso veio de prata em Laurion. Com o dinheiro proveniente destas minas, a polis dos atenienses pôde construir uma poderosa frota de guerra. A falta de recursos pecuniários de determinado grupo de cidadãos foi adequada ao recrutamento e a necessidade de contingente militar para tripular a extensa frota naval ateniense. Cidadãos sem nenhum recurso para financiar um armamento tiveram a oportunidade de combater como marinheiros, grupamento que diferente das demais milícias cidadãs responsável pela defesa da polis, tinham sua equipagem militar financiada por cidadãos ricos e pelo governo políade ateniense. Aristocratas e oligarcas, embora possuíssem condições financeiras para escolherem em quais armas combateriam, não possuíam contingente suficiente para atender a demanda adequada. Dessa forma, a população políade combatia com as armas segundo suas posses e acabavam de uma maneira ou outra, através delas, Magistrado eleito anualmente e encarregado de presidir o tribunal do Areópago, entre suas incumbências cuidava da administração da cidade e dos julgamentos, inclusive regulando o calendário. Os Arcontes totalizavam nove magistrados. (Nota do autor). 8

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influenciando nas decisões do governo da políade e determinando em conformidade com os interesses políticos, qual sistema de governo seria mais adequado. Yvon Garlan (1991: 72) nos aponta que a atividade militar influenciava nas ações do governo políade, o qual deveria possuir habilidade para evitar que disputas políticas se tornassem conflitos de cavaleiros contra hoplitas ou de hoplitas contra peltastas e marinheiros. O conflito entre as Cidades-Estados helênicas que ficou conhecido como Guerra do Peloponeso, devido ao seu longo período de duração (431-404 a.C.), especializou cidadãos dos últimos segmentos censitários no emprego e manejo das armas. Ao seu fim, veteranos que haviam perdido suas terras somando-se aqueles que já não as possuíam antes do início da guerra, foram designados para fundar colônias na Trácia permitindo que Thetai pudessem ascender à qualidade de Zeugita. Nossa problemática consiste em buscar compreender o que levaria o Soldado-Cidadão a deixar valores cívicos de defesa do solo pátrio estruturados na tradição dos seus ancestrais, e integrar um grupo bélico e a fazer da guerra uma atividade mercantil. A partir deste momento o Soldado-Cidadão deixaria de ser a representação da estabilidade política da polis, para tornar-se um fenômeno do poder pessoal em expansão adequados aos interesses de projetos de políticos expansionistas do século IV a.C. O aprendizado militar atenienses tratou-se de um processo em que as movimentações táticas e planejamentos estratégicos foram adquiridos e desenvolvidos pelos strategos, a partir da experiência adquirida no campo de batalha e passada as gerações futuras. O processo de amadurecimento militar ganha proeminência no século V a.C. quando a coalizão helênica vence o poderoso exército persa. Após a incidência das Guerras Greco-Pérsicas e do embate no Peloponeso envolvendo atenienses e espartanos, percebemos que as inovações táticas nas batalhas navais e terrestres dotaram os homens de habilidade no manuseio de armas, além de experiência em ação ofensiva e cerco ao território inimigo. Uma vez detentores destes atributos e diante das dificuldades sociais, este homens não conseguiram manter o mesmo espírito cívico de lutar pela liberdade comunitária a que foram doutrinados a defender em conformidade com as tradições. Por uma necessidade de sobrevivência e diante das turbulências políticas do período, os cidadãos atenienses, principalmente os de

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baixos recursos, passaram a priorizar interesses pessoais e monetários tornando-se distante às preocupações políticas. Assim, mais suscetíveis de serem persuadidos pelos ardis do discurso especializado de demagogos e a adotarem ações contraditórias aos princípios pelos quais juraram defender. A mutabilidade do Soldado-Mercenário apresentar-se como uma ameaça a estabilidade política, depois de ter sido um Soldado-Cidadão, envolvem questões políticas, jurídicas, administrativas e sociais, agrárias e ideológicas capazes de transpassar desejos particulares. Yvon Garlan nos mostra que seria equívoco concentrar todas as responsabilidades referentes às origens do Mercenarismo que emergiu na polis dos atenienses ao fim do século V a.C. exclusivamente a problemas econômicos e agrários – embora o historiador aponte que estas questões foram fundamentais (GARLAN, 1991: 140). Ao cotejarmos Antiguidade e atualidade, percebemos identificamos semelhanças. Afinal, atualmente o crescente número de Soldados-Mercenários utilizados nas guerras e conflitos no Oriente-Médio pelas potências da América do Norte e Européias sob o epíteto de “Seguranças” (TEIXEIRA, 2008), são semelhanças factuais aos fenômenos sociais ocorridos no fim do século V a.C. O exemplo pode ser verificado na busca de subsistência através das atividades na guerra executada pelo Thetai após a Guerra do Peloponeso, um fator congruente ao desejo dos jovens oriundos de países latino-americanos que almejam melhores condições de vida para si e para os seus familiares. Esses fatores, mais uma vez demonstra-nos a atualidade e pertinência do tema e nos leva a reflexão se a Guerra, também envolve uma problemática político-social e político-econômica e não se encontram restritas a vontade dos chefes de Estado. Defendemos com o presente trabalho duas hipóteses principais, a saber: 1. Demonstrar que a motivação que conduziu Soldados-Cidadãos a tornarem-se Soldados-Mercenários estaria diretamente relacionada a alta taxa de mortalidade durante a Guerra do Peloponeso. Esta peculiaridade adequava-se a necessidade do governo políade em contratar mão de obra militar especializada liberando sua população masculina e política ativa, para cuidar dos assuntos da polis. Tal estrutura, adequava-se a necessidade dos seguimentos menos

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providos de recursos, que por não possuíam propriedade e viverem de jornada de trabalho, visavam conseguir meios de subsistência e ascender socialmente. 2. Apresentar que embora houvesse Soldado-Mercenário na Hélade desde os tempos remotos; não havia Mercenarismo anteriormente a Guerra do Peloponeso. O termo Mercenarismo subentende uma prática exacerbada que somente veio a ocorrer após a final do século V a.C., nos períodos anteriores a segunda metade do século V a.C., haviam práticas isoladas, em grande parte sob a relação de Symanchia. A propósito, os Soldados-Mercenários que aderiam ao Mercenarismo tinham como seu principal objetivo, recuperar a Civilidade abalada pelas inovações políticas e sociais que estavam desestruturando o sistema políade ao final do período Clássico helênico.

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CAPÍTULO I

GRUPOS ÉTNICOS: CULTURA E CIVILIDADE HELÊNICA NA COMPARAÇÃO ENTRE SOLDADOS-CIDADÃOS E SOLDADOS-MERCENÁRIOS NO SÉCULO V a.C.

O que teria possibilitado Soldados-Cidadãos, os guardiões perpétuos da tradição e ancestralidade helênica, lutarem ao final do século V a.C. como Soldados-Mercenários junto daqueles que eles próprios sempre denominaram de “Bárbaros”? Que alterações teria sofrido a Cultura Helênica ao final do século V a.C.? É no intuito de oferecer respostas a estes questionamentos que abordaremos o conceito de Cultura, Civilização e Barbárie em relação à sociedade helênica do século V a.C., mais especificamente sobre a pólis dos atenienses. Quando comparamos a sociedade helênica ao início e ao final do período Clássico, percebemos alterações nos valores sociais que levaram os gregos a refletir a própria sociedade e o momento vivido. Obras como A História da Guerra do Peloponeso e Helênicas, escritas respectivamente por Tucídides e Xenofonte, datam do final do período Clássico e nos dão evidência desta inferência. Tucídides ao deixar um registro póstumo àqueles que procuram a verdade (TUCÍDIDES, I, 22), contribui para ratificar o valor da Guerra do Peloponeso. Segundo o historiador grego: Nunca tantas cidades foram capturadas e devastadas, algumas pelos bárbaros e outras pelos próprios helenos combatendo uns contra os outros. Nunca tanta gente foi exilada ou massacrada, quer no curso da própria guerra, quer em conseqüência das dissensões civis (TUCÍDIDES, I, 22). A preocupação de Tucídides nos remete a ratificar as afirmações de Marcel Detienne quanto à relevância do método histórico-comparativo (DETIENNE, 2004:passim), pois vemos que

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ninguém se aproxima da verdade ou concebe algo como verdade, sem comparar. Tucídides (I, 22) ao desenvolver seu método histórico se utilizou da comparação para chegar a um consenso, vejamos suas declarações: “O empenho em apurar os fatos se constituiu em uma tarefa laboriosa, pois as testemunhas oculares de vários eventos nem sempre faziam os mesmos relatos a respeito das mesmas coisas.” Nesta perspectiva, para compreendermos a Cultura Helênica e suas transformações ao final do período Clássico propomos a comparação entre Soldados-Cidadãos e Soldados-Mercenários na Atenas Clássica, antes e depois da Guerra do Peloponeso. I. 1- BARBARISMO E CIVILIZAÇÃO: UMA ÓTICA ANTROPOCENTRICA O αɣον (agon:disputa) e a competitividade presentes na cultura helênica sempre foram concebidos pelos antigos helenos como algo completamente saudável. Podemos apreender tais prerrogativas, através de manifestações culturais helênicas como: as olimpíadas, os festivais teatrais, os debates nas ekklésias e na arte da guerra. A sociedade helênica se manifestou em atividades agonísticas de tal maneira que mesmo “funesta em si, a guerra tomava um aspecto positivo” (GARLAN, 1991:14). Porém, a guerra para os gregos não se tratava de violência desmesurada. Entre pares, ou seja, de gregos contra gregos, a guerra configurava-se de um conflito bélico regrado por ritos e convenções, dentre elas: declaração nas formas devidas; sacrifícios adequados; respeito pelos lugares sagrados, arautos, peregrinos, suplicantes, juramentos às divindades; tréguas para repatriação dos mortos e abstenção do excesso de crueldade (GARLAN, In: VERNANT, 1994:50). Todas estas convenções - salvo especificidades – alcançavam eficácia, pois serviam como métron (medida) e evitariam que as partes beligerantes envolvidas cometessem hybris, excessos. Em um conflito envolvendo somente gregos, todas as guerras defensivas seriam

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consideradas justas9; já em relação aos “bárbaros”, mesmo que se tratasse de uma guerra ofensiva na qual o uso da violência e das armas tinha por finalidade dominar, os helenos considerariam se tratar de uma ação justa (GARLAN, 1991:29). Aristóteles nos aponta que na perspectiva helênica, caberia aos gregos: “reinar como senhores sobre aqueles que merecem ser escravo” (Política, 1334a Apud. GARLAN, 1991:29). A integração entre Soldados-Cidadãos das Cidades-Estados helênicas e Soldados-Mercenários estrangeiros que recebiam algum tipo recurso pecuniário pelos serviços prestados como combatentes nas guerras tornava-se cada vez mais freqüente a partir do século V a.C.. A guerra de helenos contra persas ao inicio do século V a.C., assim como o conflito pela hegemonia política entre atenienses e espartanos durante a Guerra do Peloponeso na ultima metade do século, possibilitaram maior proximidade entre gregos e não gregos. Particularmente na pólis dos atenienses, a tradição helênica era defensora de que grupos étnicos da região Ática e circunvizinhanças, como o Peloponeso, eram naturalmente Civilizados pelo fato de viverem inseridos na “cultura”, por exemplo: beber vinho com água e viver sob domínio da lei. As demais etnias que habitavam a região mediterrânica e que não vivessem à maneira helênica, praticando os ritos em honra aos deuses helenos e falando a língua grega eram categorizadas como “Bárbaras”. Em linhas gerais, isto significa que o indivíduo assim denominado, tratava-se de um inculto, tal qual define Aristóteles, alguém sem leis capazes de pautar a sua conduta (Política, 1253a). Portanto, o “Bárbaro”, sob a ótica dos gregos, seria um indivíduo indigno de tratamento igualitário frente aos helenos. Neste discurso habita a defesa ao distanciamento entre helenos e demais grupos étnicos da região mediterrânica, como exemplificamos: os persas. A concorrência destes fatos nos remete a refletir: O que é “Barbárie” e, porque em determinado momento ela passou a tomar uma A respeito das concepções de uma Guerra Justa ou uma Guerra Injusta, Norberto Bobbio aponta para o consenso a respeito da legitimação e justiça da guerra sobre três pontos, a saber: 1. A guerra defesa; 2. A guerra de reparação por uma ofensa; 3. A guerra punitiva. Em todas as três possibilidades, fica especificado a resposta a uma ofensa alheia, a qual exige um ato sancionador. Assim, o principal objetivo na elaboração teórica da Guerra Justa é estabelecer o critério de legitimidade da mesma. Porém, não basta que uma guerra seja legítima para ser justa, elas devem ser conduzidas segundo regras que geralmente limitem seus efeitos nocivos (BOBBIO, 2003:121-122). 9

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significação oposto a Civilização? Existe uma natureza definida para a barbárie? O argumento da pré-sociabilidade defendido pelos gregos na Antiguidade mostrou-se tão eficaz que perdurou por centenas de anos após sua hegemonia política. Ainda na Modernidade, grandes impérios se utilizavam do mesmo discurso para justificar sua política de colonização; ou seja: é totalmente justo que “Civilizados” detenham supremacia sobre aqueles que vivem em “estado de Barbárie”. O debate filosófico entre T. Hobbes, na obra Leviatã, e J. J. Rousseau, no Discurso das desigualdades entre os homens, a respeito do Estado de Natureza10 destaca a divergência das mentalidades durante a era Moderna. O debate questionava se o problema estaria no homem ou na sociedade. Contudo, não adentraremos no mérito da discussão; partiremos do fato de que o homem já nasce inserido em um grupo social e mesmo que tome a decisão de viver isolado, estará se comunicando e relacionando socialmente, pois sua ação de alguma maneira sempre irá refletir nele e na comunidade. Aristóteles analisou este princípio quando definiu o homem como ζοον πλιτκό (Zoon Politikós: Animal Político). Segundo o que podemos abstrair da sentença aristotélica, o homem é um ser naturalmente social porque somente desenvolve as potencialidades humanas através das relações comunitárias (ARISTÓTELES, Política, 1253 a). A relação entre o homem e a comunidade é dialética, o indivíduo depende da sociedade tanto quanto o corpo comunitário depende do indivíduo. Nesta relação o homem lê e interpreta o mundo isoladamente, porém, é através do grupo social que toma consciência da sua identidade. Suas ações sempre se encontram vinculadas à comunidade na qual nasceu ou na qual aprendeu a se relacionar. Isto fica evidente nas especificidades lingüísticas. Por exemplo, entre os gregos da Antiguidade, os termos: éthos (costume, uso, hábitos) e êthos (morada, pátria, caráter), deram origem à palavra latina ética, que se define pela finalidade e sentido da vida humana; os fundamentos da obrigação e do Estado de Natureza: hipoteticamente, o estado em que viviam os seres humanos, sem leis, antes de se organizarem em sociedade. Segundo Hobbes, seria o domínio da anarquia e do conflito, "a guerra de todos contra todos". Segundo Rousseau, o estado do "bom selvagem", a pureza originária do homem, "O homem nasce bom, a sociedade o corrompe." (JAPIASSÚ e MARCONDES, 2001:47). 10

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dever; natureza do bem e do mal; o valor da consciência moral (JAPIASSÚ e MARCONDES, 2001:69). A análise nos mostra que os termos, além de possuírem semelhanças fonéticas, representam respectivamente a conduta humana e o habitat do indivíduo. Portanto, o meio comunitário e o caráter do indivíduo não podem ser separados. Caso tentássemos separá-los, a palavra perderia seu significado diante dos valores sociais. Assim, o pensamento do indivíduo sobre a sociedade são apreensões que ele faz de maneira isolada; porém, ele somente segue os princípios aos quais foi convencido serem socialmente corretos. Tal inferência nos conduz à apreensão de que o homem sempre vê e define o outro e o que é diferente a partir de uma visão particular, mas comunitariamente etnocêntrica. O etnocentrismo, ou seja, a tendência a considerar as normas e valores da própria sociedade ou cultura como critério de avaliação das demais sociedades, é inerente ao ser humano. Todo indivíduo, independente da sua identidade cultural, tem a sensação de se encontrar no centro do universo (LEACH, In: ROMANO, 1985:136). Os gregos da Antiguidade não fugiam a esta regra, eram uma sociedade etnocêntrica. Mapas gregos do século VI a.C. procuravam sempre colocar a Ática como centro do mundo conhecido e civilizado. Heródoto, no século V a.C., destaca atenienses e espartanos como os mais poderosos entre os gregos. Em sua narrativa é possível encontrar a seguinte citação: “Procurou, então, saber quais os povos mais poderosos da Grécia no propósito de fazer amigos, chegando à conclusão de que os lacedemônios e os atenienses estavam em primeiro lugar: uns, entre os Dórios, outros, entre os Iônios (HERÓDOTO, História, I, 56). Segundo Heródoto, com esta aliança, Creso, rei dos Lídios, acreditava perpetuar seu reinado. As sociedades ocidentais herdaram esta tradição helênica e definem o que é “Bárbaro” a partir de uma dicotomia e relação binária de oposição: “Civilização” versus “Barbárie”. Esta dicotomia trata-se de um predicativo próprio da tradição, a qual toma por princípio que toda sociedade ou civilização possui uma Territorialização: um lugar histórico e antropológico inicial (DETIENNE, 2004:48). Marcel Detienne propõe a revisão do conceito através do Comparativismo Construtivo, pois a aplicação metodológica nos aponta que há sociedades e culturas, como a japonesa e hindu, nas quais os deuses míticos não fundaram o

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território pelo fato de lá habitarem desde a criação do universo. A propósito da sua história, estas culturas defendem que de tempos em tempos é necessário regenerar o mundo por meio de relações entre as forças humanas e as sobrenaturais (DETIENNE, 2004: 48). Contudo, a tradição antropocêntrica ocidental se difundiu perdurando o discurso que estabelece como epicentro cultural e arquétipo de civilização, o Ocidente. Tal qual aos gregos do período Clássico, ainda nos dias atuais, primeiramente se unifica pelo grupo familiar, depois pelo fundador mítico. Inserido no discurso etnocentrista, documentações helênicas que datam do século V a.C. mostraram-se importantes aos interesses dos impérios do século XIX que emergiam como Estado-Nação, pois necessitavam se firmar como cerne cultural do mundo “civilizado”. Neste processo, a noção heróditiana de “mundo civilizado” era adequada pelo fato de poder ser associada a um ponto central. Na visão de Heródoto, os gregos se encontravam no epicentro do mundo “civilizado”; a sua volta estavam aqueles que eram aparentados por possuírem costumes semelhantes. Para além, outros povos que não causavam nenhuma proximidade e, por isso, não mereciam a simpatia humana (LEACH In: ROMANO, 1985:138 – 139). Vejamos o que cita Heródoto: Não há homens que possuam hábitos mais selvagens do que os Andrófagos. Não conhecem nem a lei, nem a justiça, e são nômades. Seus costumes assemelham-se muito aos dos Citas, mas falam um idioma próprio. De todos os povos de que acabo de falar são os únicos a comerem carne humana(História, V, 106).

O historiador apresenta os Andrófagos como ainda mais “Bárbaros” que os povos citas não somente pelos costumes distintos aos dos helenos, mas também por estarem localizados regionalmente em lugares ainda mais longínquos. Contudo, as distâncias geográficas e a visão exótica a respeito do outro, tendem a se reduzirem quando há maior contato entre as culturas, ainda que esta relação seja em um ambiente de animosidade. Cristiano Bispo aponta que as Guerras Greco-Persicas permitiram maior aproximação entre gregos e etnias africanas, como os etíopes

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(BISPO, 2006:80-81). Segundo o pesquisador, a maneira pela qual os atenienses percebiam os grupos de etnia etíope modificou em razão dos persas possuírem número considerável destes grupos étnicos entre suas tropas. Em conformidade com C. Bispo, à medida que os persas se aproximavam belicosamente das Cidades-Estados que mantinham fronteira com Atenas, os discursos em prol das etnias etíopes, que anteriormente eram mínimas e se aludiam apenas a homens de rosto tisnado, começaram a receber maiores descrições e definições (BISPO, 2006:81). O discurso que define o outro, dependendo dos interesses políticos, é capaz de se sobrepor às diferenças culturais. Na era Moderna, durante a formação dos Estados-Nações, houve necessidade de se adaptar a uma nova ordem política: separar culturas homogêneas por fronteiras imaginárias e totalmente arbitrárias. Também deveria inserir dentro do novo espaço geográfico, aquelas que sempre foram diferentes. A proposta para o sucesso deste projeto repousava no culto a símbolos inventados. As bandeiras e estandartes passavam a assumir o papel da cultura na demarcação de territórios e seus limites por vezes conflituosos. Diferentemente dos gregos na Antiguidade, a invenção burocrática do Estado Moderno tomava maior importância que a Cultura na delimitação de fronteiras11. Neste período, as teorias Positivistas que prezavam pelo cientificismo, contribuíam de maneira importante pelo fato de muitas delas sinalizarem às etnias e culturas de maneira hierárquica. Aqueles que estivessem do outro lado da linha, através de uma secção vertical abrupta que não considera semelhanças e costumes, passam a ser: o outro. Embora os critérios para delimitar fronteiras na Antiguidade não sejam os mesmos adotados da era Moderna, as novas concepções tornavam-se aceitáveis pelo fato de manter a antiga perspectiva etnocentrista de diferenciar e excluir. As ciências biológicas também ofereceram sua contribuição para estruturar o discurso hierarquizante de culturas, sociedades e

Segundo o Dicionário de Filosofia: Limite (lat. limes, limitis: fronteira) 1. Aquilo que separa uma coisa da outra que lhe é contígua, Fronteira. 2. Fim, término, ponto além do qual não se pode progredir. (JAPIASSÚ e MARCONDES, 2001:119). 11

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grupos étnicos. A teoria darwiniana de Evolução das Espécies12, por exemplo, permitiu a muitos Estados em formação a justificativa necessária aos seus interesses. Sua teoria tornava possível a idéia de uma escala evolutiva na qual a raça humana seria o exemplo para os limites dessa linha graduada. Na conformidade dos interesses, as apropriações vincularam os humanos que tinham chegado ao topo da escala evolutiva aos que fossem de etnia européia com suas respectivas descendências. A partir de uma concepção etnocentrista, tornava-se bastante sustentável o seguinte pensamento: “Se estamos no centro do universo e somos os únicos e verdadeiros humanos, logo, os outros por não serem iguais tanto nos costumes quanto nos hábitos, são outra coisa em relação ao humano” (LEACH. In. ROMERO, 1985:140). Mais uma vez, o discurso de autores clássicos como Heródoto, Tucídides e Xenofonte tornavam-se atuais ao século XIX e pertinentes a interesses geopolíticos. A mentalidade científica do século XIX ratificava a defesa de que o Ocidente através dos gregos da Antiguidade; era o berço do mundo racional e civilizado. É bem verdade que não podemos ignorar o legado intelectual que herdamos dos gregos: Filosofia, Teatro e formas de governo, como a Democracia. Contudo, a problemática envolvendo a hipótese de “um berço da civilização” não reside nas heranças intelectuais, consiste no fato de que quando falamos em “Civilização”, poucas vezes adotamos uma perspectiva histórica ou geográfica isenta; quase sempre partimos de perspectivas etnocentristas. Ou seja, em modo generalizado se parte do pressuposto que os elementos que se encontram fora de uma região central a qual nos identificamos estão fadados a serem marginalizados. Portanto, devem ser banidos e extintos, mesmo que para isto tenhamos que recorrer à deflagração de conflitos e de guerras. Vemos no estudo da Guerra, uma possibilidade à reflexão dos paradoxos inseridos neste debate. Atualmente, a respeito da guerra, há um princípio maniqueísta na qual ela se identifica com o mal e a paz com o bem. Esta A Teoria da Evolução é um conjunto de pesquisas deixadas pelo cientista inglês Charles Robert Darwin e pelo naturalista britânico Alfred Russel Wallace. Em suas pesquisas, ocorridas no século XIX, Darwin procurou estabelecer um estudo comparativo de várias espécies de diferentes regiões que possuem semelhanças. Darwin publica em 1858 a Origem das Espécies, nesta obra ele sugere que o homem e o macaco, em razão de suas semelhanças biológicas, teriam um mesmo ascendente em comum. 12

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peculiaridade, mais uma vez remete à relação de oposição binária: Civilização versus Barbárie. Paz passa a representar um local comum aos Civilizados; e Guerra, a própria Barbárie – lugar adequado aos insociáveis. Contudo, mesmo os autoproclamados “civilizados” julgam adequado e justo se valerem da Barbárie para protegerem suas vidas, propriedades e liberdade. Os gregos na Antiguidade, os quais etnocentricamente se intitulavam os “Civilizados” do Mundo Antigo, deixam transparecer que não somente valorizavam a paz, mas tornavam-na um objetivo a ser alcançado. Podemos perceber tal pensamento através das palavras de Aristóteles: “A paz é fim e o objetivo da Guerra (Política, 1334 a)”; e também em Platão: “É na paz que se deve viver, o melhor que se puder, a maior parte da existência (Leis, 803 d)”. Contudo, como mencionamos em linhas anteriores, os gregos da Antiguidade eram também, amantes do αɣον(agon), da disputa e não viam problemas em fazer a guerra, ela era um fenômeno permanente. Yvon Garlan aponta que a pólis dos atenienses de 490 a 338 a.C. teria guerreado em média mais de dois anos em cada três (GARLAN, 1991:12). Qualquer indivíduo, até a idade de sessenta anos poderia ser convocado a defender sua comunidade. Cabia a cada cidadão se pronunciar a respeito, sabendo do risco do seu trabalho e quais as suas despesas. Tais prerrogativas como afirma Yvon Garlan, vinham acompanhadas de uma satisfação em bater-se pela sobrevivência da pátria ameaçada, pois é no campo de batalha que o caráter valoroso se mostrava; é através do combate que se reconheceria a verdadeira Arete, virtude (GARLAN, 1991:14). Para defenderem o solo dos ancestrais e assegurar a sobrevivência dos seus descendentes, os helenos eram capazes de agir com extrema agressividade, compatível às ações que eles classificavam como atitude dos selvagens. Na Batalha de Maratona, ocorrida em 490 a.C., atenienses quando tiveram sua terra e sua liberdade ameaçada pelos “bárbaros” persas, incutiram temor aos seus inimigos tamanha foi a sua violência e energia. Através dos dados historiográficos podemos mensurar o horror que foi aquela batalha. Victor Davis Hanson menciona que em Maratona: “Uma „loucura destrutiva‟ infectara as fileiras gregas. À medida que os hoplitas gregos chocavam-se impetuosamente contra as linhas

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persas, eles devem ter compreendido que aqueles homens cultivavam não apenas Apolo, mas também o selvagem e irracional Dioniso” (HANSON Apud. KEEGAN, 1985:268).

Haveria então uma gênese da Barbárie entre os “Civilizados”? Como a “Barbárie” e a “Civilização” podem habitar em uma única natureza? Verificando o que pode ser comum aos homens tanto quanto aos animais, percebemos que um elemento a ser considerado são os instintos. Embora existam fronteiras entre homens e animais como a capacidade humana de raciocinar, abstrair e criar; todo animal racional ou não, é capaz de ações naturais denominadas instintos ou àqueles que preferem, podemos denominá-las: ações instintivas. É comum aos homens após tomarem uma ação violenta, argumentar que agia tomado pelo instinto. Os apontamentos de Sigmund Freud nas correspondências que trocara com Albert Einstein em 193213 tornam-se úteis para compreender a relação entre as ações humanas violentas –- muitas vezes consideradas atos de “Barbárie” – ou os atos de urbanidade, comumente tomados como ações dignas dos “Civilizados”. Quando questionado pelo físico A. Einstein: Por que a Guerra? Sigmund Freud afirma que humanos são dotados de dois instintos, um que visa preservar e unir, e outro que se destina a destruir e a matar (EINSTEIN e FREUD, 2005:38-39). Segundo o psicanalista, nenhum desses dois instintos é menos essencial que o outro e ambos não operam isolados; estão amalgamados. O instinto de autopreservação necessita ter agressividade a sua disposição para atingir os seus propósitos (EINSTEIN e FREUD, 2005:38-39). Esta análise comportamental humana descrita por Sigmund Freud, quando é A década de 30 do século XX compreendeu os anos 1930 a 1939. Foi uma época conturbada. Neste período, A. Hitler ascende ao cargo de chanceler na Alemanha e o Partido Nazista alemão dá início ao extermínio de quem eles consideravam "raças inferiores", em especial os judeus. Em 1939 tem início a Segunda Guerra Mundial, que sucedeu à Guerra civil na Espanha (1936-1939). Nos Estados Unidos, Franklin D. Roosevelt dá início ao New Deal, o plano de recuperação econômica dos Estados Unidos da América após a quebra da bolsa de Nova York, em 1929. Muitos que foram contemporâneos a esse período, a denominaram de a pior década do século XX, já que começou com a Grande Depressão de 1929 e terminou com o início da II Guerra. Nota do autor. 13

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cotejada aos relatos historiográficos relativo aos gregos apontam-nos que os helenos tanto quanto os ditos “povos bárbaros”, praticavam atos violentos e atos de urbanidade. Isto nos leva a admitir uma natureza de preservação comum a todos os humanos e rejeitar a concepção hierárquica de culturas e “civilizações”. Portanto, não há civilização que possa ser naturalmente superior. Inseridos nesta especificidade, percebemos que a visão etnocentrista dos gregos na verdade prestava-se a um único propósito: a preservação das tradições culturais. Tradições que nos permitem nos dias atuais, delimitar a Civilização Helênica. Uma Civilização supõe um vasto conjunto geográfico e histórico que se estende por várias gerações de determinada sociedade com suas numerosas etnias ou nações; atravessam continentes, línguas e regimes políticos (WOLFF In. NOVAES, 2004:24). Podemos falar em uma Civilização helênica, formada por diversas Cidades-Estado com diferentes regimes políticos, leis e calendários religiosos para localizá-los histórica e geograficamente: tebanos, corintos, espartanos, atenienses, trácios, megarenses e beócios que habitavam um determinado território na Hélade e se inseriam em uma estrutura cultural única de helenos. Na Antiguidade, a Civilização helênica não era mensurada através de fronteiras milimetricamente definidas como temos atualmente. Os gregos percebiam a alteridade dos outros povos nos hábitos e costumes culturalmente diferenciados. Sua percepção de Civilização tinha por base o culto dos deuses, os ancestrais e o legado cultural deixado aos seus descendentes. I.2 - FRONTEIRAS CULTURAIS Embora possamos considerar a Cultura14 como um dos indicadores para delimitação das fronteiras no mundo helênico, não Segundo o dicionário de Filosofia o conceito pode ser definido em cinco proposições, mas destacaremos apenas quatro: 1. Serve para designar tanto a formação do espírito humano quanto toda a personalidade do homem: gosto, sensibilidade, inteligência. 2. Coletividade dos saberes possuídos pela humanidade ou por certas civilizações: a cultura helênica, a cultura ocidental etc. 3. Em oposição a natura (natureza), a cultura possui um duplo sentido antropológico: a) é o conjunto das representações e dos comportamentos adquiridos pelo homem enquanto ser social. b) um processo dinâmico de socialização pelo qual todos esses fatos de cultura se comunicam e se impõem em determinada sociedade, seja pelos processos educacionais 14

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podemos admiti-la como o único. Percebemos que entre os helenos a concepção de fronteiras na Antiguidade envolvia tensões políticas, religiosas, culturais e importância cívica e militar do cidadão na relação espaço rural versus espaço urbano. Isto se trata de uma problemática a ser solucionada e a qual nos aprofundaremos em outros trabalhos. Por hora, muito brevemente, nos limitaremos em apontar o valor das fronteiras na imaginária supremacia cultural defendida entre os integrantes da cultura dos Helenos. Exatamente por acreditarem serem os únicos dotados de cultura, os gregos não creditavam autoridade moral ou política, as fronteiras estabelecidas pelos costumes “Bárbaros”. Como nos indica Catherine Peschanski, em um contexto onde as diferenças dos costumes representam o outro, aquele que deve ser excluído; caberiam aos “Bárbaros” duas prerrogativas fundamentais diante da visão etnocêntrica helênica: primeiramente serem dominados e depois ficar sem História (PESCHANSKI In. CASSIN, 1993:63-64). Na atualidade, os tratados políticos são os principais instrumentos no estabelecimento de fronteiras. A criação de um Estado Judeu pela Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) em 194715 é um exemplo evidente desta proposição. Embora nem sempre os tratados modernos e contemporâneos respeitem a extensão das culturas e se pautem nelas para a delimitação das fronteiras, elas continuam a ser o fator de identidade entre os grupos étnicos. Marcel Detienne ao discorrer sobre Territorialização aponta que: “a aldeia gera o limite e não o limite que gera a aldeia” (DETIENNE, 2004:49). propriamente ditos, seja pela difusão das informações em grande escala. Nesse sentido, a cultura praticamente se identifica com o modo de vida de uma população determinada, vale dizer, com todo o conjunto de regras e comportamentos pelos quais as instituições adquirem um significado para os agentes sociais e através dos quais se encarnam em condutas mais ou menos codificadas. 4. Em sentido mais filosófico, a cultura pode ser considerada como um feixe de representações, de símbolos, de imaginário, de atitudes e referências suscetível de irrigar, de modo bastante desigual, mas globalmente, o corpo social. (JAPIASSÚ e MARCONDES, 2001:47). 15 Em novembro de 1947, uma Assembléia Geral da ONU, presidida pelo brasileiro Oswaldo Aranha, votou pela resolução 181, sobre a partilha da região Palestina, por uma resolução, aprovada por 33 votos contra 13 e 10 abstenções. Nesta resolução estava reconhecido o Estado Judeu que tinha 30% da população regional, mas deveria ocupar 53% do território. Cf. CAMARGO. In. MAGNOLI, 2009:431).

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A propósito da relação: Fronteiras e Identidade Cultural; percebemos que fronteiras são linhas imaginárias descritas a partir de uma visão etnocêntrica. Edward W. Said, ao apresentar o Oriente como uma invenção do Ocidente (SAID, 1990:64) destaca na sua narrativa como os grupos étnicos estabelecem Fronteiras Geográficas se utilizando das Fronteiras Culturais: Um grupo de pessoas que em uns poucos hectares de terra estabelece fronteiras entre sua terra e adjacências imediatas e o território além, que chama “terra de bárbaros”. Em outras palavras, essa prática universal de designar na própria mente um espaço familiar que é “nosso” como “deles” é fazer distinções geográficas que podem ser inteiramente arbitrário porque a geografia imaginativa do tipo “nossa terra e terra bárbara”, não requer que os bárbaros reconheçam esta distinção (SAID. Apud. CHEVITARESE In. THELM e BUSTAMENTE, 2004:66).

Como na Antiguidade helênica, as fronteiras geográficas eram antropológicas e não políticas16; havia dificuldade em delimitar o ponto exato no qual um território começava e no qual o outro tinha fim. Nos pontos limites em que costumes e Culturas se encontram as diferenças tem por tendência se mesclarem reduzindo suas distâncias, porém há traços culturais que se manterão heterogêneos. A cultura e seus delineamentos não dependem da proximidade e do distanciamento espacial geográfico entre grupos étnicos para se definir e estabelecer identidades. A identidade cultural para ser reconhecida, é dependente das tensões entre os grupos étnicos. Fançois Hartog nos mostra que o próximo e o longínquo agem de maneira imbricada, o distanciamento espacial não é capaz de excluir a proximidade cultural. O pesquisador destaca os gregos ao analisarem Zalmoxis, um estrangeiro de naturalidade dúbia, geta ou dácio que é mencionado por Heródoto no livro IV, cap. 94 da História Segundo Cristell Müller, os acidentes geográficos como florestas, montanhas, vales ou mesmo os domínios rurais eram utilizados como marco indicados dos limites territoriais. MÜLLER. In. PROST, 1999). 16

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(HARTOG, 1999:116-117). As discussões a respeito de Zalmoxis eram se ele era um homem, um deus ou um daimon (almas humanas divinizadas pela morte); tal debate não nos interessa neste momento. O que se torna interessante nesta análise é que devido aos seus conhecimentos filosóficos, os gregos para analisá-lo tomam por referência a figura de Pitágoras, um heleno natural de Samos, cidade localizada na Ásia Menor e distante da região considerada centro cultural helênico: a Ática. Na visão de François Hartog, o fato de o Zalmoxismo poder ser visto como uma espécie de “avatar” do Pitagorismo reflete lembranças ao citado movimento filosófico grego e permite a aproximação entre os dois (HARTOG, 1999:139-140), porém as analogias ou proximidade mantêm o distanciamento étnico, elas não são capazes de comprometer as diferenças culturais estabelecidas na relação etnocêntrica: gregos e “bárbaros”. Isto nos demonstra que a verdadeira fronteira não se trata de um fenômeno espacial geográfico. Ela consiste na visão etnocêntrica do individuo que se reconhece e é reconhecido como pertencente de determinada Cultura. Por exemplo, os gregos destacavam a diferença do outro, os denominando “Bárbaros”, não por se encontrarem em localização geográfica fora da Hélade, mas, por serem capazes de estabelecer um conjunto de elementos culturais que os tornavam ímpares aos demais povos mediterrânicos (CHEVITARESE In. THELM e BUSTAMEANTE, 2004:74). Na Antiguidade, as fronteiras geográficas e históricas como define André L. Chevitarese eram “fronteiras mentais” e se identificavam em cinco aspectos, a saber: 1.As fronteiras, antes de existirem como convenções baseadas em marcos geográfico entre as partes envolvidas em disputas fronteiriças, ganham os primeiros contornos na mente de quem as estabelecem. 2.As fronteiras só são esboçadas porque se reconhece que tanto o território (entendido como espaço de ação e de habitação) quanto às prioridades esboçadas por um determinado grupo social são declarados diferentes de um determinado conjunto social. 3.As fronteiras internas atenienses articulavam relações de poder, de dominação e de graus variados de uma complexa hegemonia. 4.As fronteiras geográficas e históricas (mentais) acompanham de perto e de um modo previsível, outros marcos geográficos centrados nas diferenças sociais e econômicas.

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5.As fronteiras geográficas e históricas (imaginativas) ajudam a mente a intensificar o sentido de si mesma mediante a dramatização da distância e da diferença, enfatizando o que está próximo e o que está distante (CHEVITARESE In. THEML e BUSTAMANTE, 2004:66).

Como observamos, as fronteiras na Antiguidade helênica se davam por meios arbitrários e imaginários em que a referência base encontrava-se na concepção etnocêntrica, apontando o que é distante e estranho, o “Bárbaro”, aquele que se encontra fora do “mundo civilizado”. I.3- O CONCEITO DE CULTURA E NATUREZA COMO INTRUMENTO PARA O EXERCÍCIO DO PODER O que é Cultura e em que sentido ela coaduna, ou não, com o conceito de Natureza? Embora tenhamos anteriormente destacado como o Dicionário de Filosofia define o conceito de Cultura, compreendemos que não se trata de tarefa simples apreender um termo tão complexo. Para apresentarmos recursos mínimos visando compreender o significado de Cultura, recorreremos ao método comparativo de Marcel Detienne, denominado pelo próprio, como: Comparativismo Construtivo ou Campo de Experimentação. O Comparativismo Construtivo exige um trabalho coletivo e para que seja realizado de maneira adequada se faz necessário uma rede intelectual envolvendo pelo menos dois ou três campos de saberes distintos (DETIENNE, 2004:47-48). Objetivando êxito em nossa análise, verificaremos o que nos diz a Antropologia, as Ciências Sociais, assim como as relações Étnicas Raciais. Para a Antropologia, a palavra Cultura possui duas definições principais que são inseparáveis: as formas gerais das culturas no pensamento coletivo e a cultura sob visão e perspectiva da História (BONTE Et. Al. 1991:190). O termo técnico definido por cultura foi introduzido à Antropologia por E.B. Tylor em 1865, no século XIX. Anteriormente aparecia com o significado de agricultura (TYLOR, 1865:369. Apud. SILVA Et Al.,1986:290). Porém, o termo somente toma sentido conceitual sólido seis anos posteriormente, nas concepções do mesmo autor. E. B. Tylor, em 1871, passa a conceber Cultura como uma definição que conserva valores canônicos: “uma complexidade evolvendo

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vários saberes, os conhecimentos, o direito, arte, os costumes, todos os usos e desusos disponíveis ao homem que vive em sociedade” (TYLOR, 1865:369. Apud. SILVA Et Al.,1986:190). Assim, a Cultura transformou-se em qualquer coisa que existe e interage com a condição humana coletiva, em sua característica universal o conceito de Cultura se opõe a Natureza (STRAUSS. Apud. BONTE Et. Al. 1991:190). Sob a ótica antropológica norte-americana, o conceito de Cultura seguiu uma perspectiva ocidental que privilegia a idéia de desenvolvimento. Os culturalistas americanos direcionam suas pesquisas, principalmente, para a ocorrência dos fatos sociais seguindo os padrões britânicos de sociedade. A. L. Kroeber e C. Kluckhohn na década de cinqüenta do século XX definem que Cultura é um fenômeno que possui estruturas capazes de revelar e levar a um saber comum que se constituiu e desenvolveu a partir da noção de cultura animi, adotada pelos Antigos (STRAUSS. Race et Histori, 1952 Apud. BONTE Et. Al. 1991:190). A Antropologia em uma segunda abordagem analisa e aborda o conceito de Cultura dentro da história como uma diversidade de culturas. Inclusive se propõe a interrogar se a unidade da condição humana se resume a uma pluralidade de culturas ou, consiste das diferenças entre as culturas. (BONTE Et. Al. 1991:191). C. Lévi Strauss, um Relativista Cultural, na obra Raça e História, em 1952, responde a esta questão afirmando que a Cultura tem por função reagrupar o que se encontra isolado a partir das coincidências aproximativas (BONTE Et. Al. 1991:191). As Ciências Sociais focalizam suas acepções na maneira como a sociedade se relaciona com a concepção de cultura. Sociólogos americanos como R. M. MacIver mostraram-se sensíveis à teoria de autores alemães como A. Weber que relaciona Cultura com religião subjetiva, filosofia e arte (SILVA, Et Al. 1986:291). Tal linha de pensamento julga adequado analisar o conceito de Cultura em duas perspectivas: pelo modo descritivo explanatório e pelo viés das culturas particulares (SILVA, Et Al., 1986:291). Segundo a concepção científica social do conceito de Cultura, as linhas que demarcam a descrição das culturas, trata-se de uma questão de nível, abstração e de conveniência para o problema enfrentado. Cada caso deve ser analisado isoladamente: Cultura Ocidental, Cultura Grego-Romana, Cultura Européia do século XIX, etc.; todas as abstrações serão legítimas se definidas cuidadosamente

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(SILVA, Et Al. 1986:291). Nestas conformidades, para que o discurso em prol da Cultura seja legítimo precisamos definir suas perspectivas. Deve-se estar atento a quem produz o discurso sobre a Cultura e como ele é abordado. Michel de Certeau aponta um dado interessante a esse respeito. O historiador faz sua análise sobre Culturas Plurais, descrevendo o papel do academicismo e seu propósito em legitimar o discurso envolvendo Cultura. Na visão de M. de Certeau, o academicismo trata-se de um universalismo fictício, pois ele define um lugar para a reflexão em que não é possível realizar uma discussão sobre a Cultura nos seus aspectos globais (CERTEAU, 2005:221-222). Nos encontros de especialistas há um conjunto de determinações que fixam os limites circunscrevendo a autoridade de quem fala e como é possível argumentar, quando abordam a Cultura, segundo Michel de Certeau esta é a maneira pela qual se define lugar. O academicismo, ao definir o lugar cria uma visão particularizada que somente alcança seriedade no momento em que encontra seus limites e se articula com o saberes absolutamente opostos (CERTEAU, 2005:221-222). Diante desta observação, percebemos a importância e validade da proposta de Marcel Detienne ao defender um Campo de Experimentação no método comparativo de pesquisa (DETIENNE, 2004:47-48). A tese de M. Certeau nos permite evitar que fiquemos prisioneiros da lei tácita de um lugar particular quando debatemos Culturas Plurais. Afinal, não há como transpormos a alteridade que se mantém além das nossas perspectivas e que estão ancoradas na experiência do outro (CERTEAU, 2005:221-222). Ainda sob a luz da análise das Ciências Sociais, a conceituação de Cultura permite a sua analise através do conceito e da idéia de Sub-Cultura: “uma subdivisão da cultura nacional, composta de uma combinação de situações sociais fatoráveis tais como: o status, classe social, base étnica, residência regional, rural ou urbana, associação religiosa que forma uma combinação; uma unidade de funcionamento que possui um impacto integrado sobre um indivíduo participante” (KLUCKHOHN, Apud. SILVA, 1986:292).

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O conceito de Subcultura nos remete à análise social dos Soldados-Cidadãos na Grécia Antiga, no qual os integrantes desta milícia guerreira17 eram compostos em oitenta por cento de agricultores (KEEGAN, 1995:260), todos reunidos a partir de sua base étnica e seu culto religioso. As práticas comunitárias deste segmento da sociedade helênica, sobretudo na pólis dos atenienses, permitem apreender a razão pela qual os gregos viam diferenciação entre os helenos que habitavam centros intelectuais como a Ática e gregos considerados estrangeiros que habitavam os extremos da Hélade fazendo fronteiras com outras etnias. As ações dos helenos representadas na figura de Soldados-Cidadãos áticos também coadunam com as concepções científicas sociais de Cultura de Folk. Cultura de Folk trata-se de um comportamento comunitário convencionalizado que se baseia no parentesco e é controlado informalmente pelas tradições e sacralidade dos cultos religiosos (SILVA, Et Al., 1982:292). Obras como The Classical Greek Battle Experience, 1998, do historiador helenista Victor Davis Hanson, deixam bem evidenciados a relação entre a esfera do sagrado, a sociedade helênica e a guerra na Antiguidade (HANSON, 1988: passim). A Cultura vista sob a perspectiva das Relações Étnicas e Raciais trata-se de um sistema de significados e costumes com limites pouco definidos e, sobretudo, instáveis. Sendo inclusive capaz de assumir novos rumos e compartilhar os significados que mudam juntamente com a Cultura, por isso não podemos tratá-la como um número finito de unidades estáveis (CASHOMORE, Et Al., 2000:153-154). A respeito das concepções “multiculturalistas” da atualidade, Eduardo Viveiros de Castro defende que a distinção clássica entre Natureza e Cultura não é capaz de descrever as dimensões e os domínios internos das cosmologias não-ocidentais (CASTRO, 2002:347-349). Quando o autor faz tal afirmação, não está se referindo aos antigos helenos, mas abordando sociedades ameríndias da América há mais de dois mil anos póstumos. Na sua análise, E. Viveiros de Castro defende

Sistema militar onde a defesa de determinado território está submetida ao seu corpo de cidadãos e não a um corpo militar profissional complexo, que demande aquartelamento e financiamento por parte do Estado. Nesta estrutura militar, o cidadão é responsável pelo próprio armamento guardando-o em sua própria residência e se mobilizando sob convocação. 17

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que o dualismo divisor entre Natureza e Cultura, advoga para abandonarmos nossa herança intelectual. Entre os gregos da Antiguidade, a natureza tratava-se de algo vivo e detinha seu próprio “espírito” (metafísica), suas ações não dependiam da ação humana. A Natureza era a própria φύσις (physis:nascimento, origem, brotar) que originou o universo e para onde todas as coisas caminham (LEACH In. ROMANO, 1985:67). Emmanuel Carneiro Leão lembra-nos que em conformidade com as escolas platônicas e aristotélicas, φύσις indicava céu, terra, vegetais, animais e de maneira específica, também o homem (LEÃO, 1991:17). Werner Jaeger destaca que Tucídides menciona este princípio quando faz seus escritos para deixar um registro visando evitar erros no futuro. Pois, considerando que a natureza do homem fosse única, os erros poderiam voltar a acontecer. O estado saudável e normal depende de proporção idêntica entre os elementos fundamentais da natureza no seu conjunto (JAEGER, 2003:1006). Aristóteles na sua Metafísica apresenta O Motor Imóvel, exemplo de como os gregos da Antiguidade percebiam a Natureza e, também, como ela se relacionava com o mundo. Segundo a teoria aristotélica, todas as coisas seguem uma ordem e caminham em direção a um Motor Imóvel que movimenta o universo pela atração. O movimento encontrase relacionado à capacidade de existência da coisa em ato e potência, ou seja, o que a coisa é de fato e, respectivamente, o que ela poderia vir a ser (ARISTÓTELES. Metafísica: passim); uma criança é concomitantemente, um humano em ato e um adulto em potência. Na Antiguidade, o futuro encontrava-se imanente no presente tornando próprio e perfeito que as águas de um rio desçam a serra em direção ao mar e que a pedra ao despencar de um abismo, vá em direção ao solo. Todos os seres procuram caminhar para a ordem, seu lugar de repouso (LEACH In. ROMANO, 1985:67). Para os gregos, o homem era apenas mais um elemento nesta ordem natural. Nestas conformidades, embora Platão tanto quanto Aristóteles fossem defensores que gregos não escravizassem outros gregos (GARLAN, 1991:78-79), criando paradoxos aos interesses políticos e econômicos das Cidades-Estado helênicas18, podemos dizer que na verdade ambos Devemos destacar a importância da agricultura e da escravidão na sobrevivência econômica da Cidade-Estado na Hélade. N. Harmond aponta que a distinção entre senhor e servo manteve o privilégio da classe dos cidadãos na comunidade. Ela gerou a 18

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os filósofos defendiam a ordem natural: justificar a submissão dos não gregos (os “bárbaros”). Isto porque “Bárbaros” aparentavam hábitos “naturalmente” distintos e, por isso, deveriam ser seus escravos em conformidade com a natureza (Cf. EURIPEDES, Ifigênia em Aulis, Apud. ARISTÓTELES. Política, 1252 a). A Cultura sob a visão etnocêntrica dos gregos, encontrava-se diretamente relacionada à Natureza. Entre os helenos havia um princípio imanente19 único capaz de explicar a movimentação dos corpos celestes, crescimento das plantas e ciclo de vida dos indivíduos (LEACH In. ROMANO, 1985:68-69). No Renascimento, a concepção de Natureza sofre transformações e passa a ser entendida como imutável, abandonando a idéia de devir (mudança) como os gregos a percebiam; porém, é a partir do século XVIII que o modelo de Natureza adotado na Antiguidade é rompido (LEACH In. ROMANO, 1985:68-69). Matéria e espírito tornam-se entidades separadas e não imanentes assim como Natureza e Cultura, que passam a ser concebidos como atributos independentes e separados. No século XIX, Cultura toma definitivamente a representação de acúmulo de conhecimento (LEACH, In. ROMANO, 1985:68-69). Até a primeira metade do século XIX, o termo alemão Kultur tratava-se de um sinônimo do termo inglês e francês Civilisation, serviam para se referir a ambas as concepções: Civilização e Cultura. Matthew Arnold na obra, Culture and Anarchy (1869), equipara “Cultura” a “Civilização” (LEACH In. ROMANO, 1985:68-69). Na citada obra, M. Arnold apresenta “cultura” como um atributo do homem culto (no sentido de bem educado e intelectualizado), sentido pelo qual o termo ficou conhecido e difundido na atualidade, correspondendo a uma visão elitista (LEACH In. ROMANO, 1985:68-69). Posteriormente algumas perspectivas antropológicas destacaram que o traço principal e característico da Cultura é a sua capacidade de transmitir aprendizagem de geração para geração, sendo economia agrícola que seria a fonte de auto-suficiência e assegurou aos cidadãos um grau adequado de tempo livre para praticar as artes da paz e da guerra. (HAMMOND, 1959:101. Apud. KEEGAN, 1995:256-257). 19 Em conformidade com José Ferrarter Mora: diz-se que uma atividade é imanente a um agente quando permanece dentro do agente no sentido de que tem no agente o seu próprio fim. O ser imanente contrapõe-se, portanto, ao ser transcendente - ou transitivo - e, em geral a imanência opõe-se à transcendência. (Cf: MORA, 1978:138).

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por tudo isto, um conjunto de idéias e arquétipos que se encontram adjacentes ao espírito (LEACH In. ROMANO, 1985:69). Percebemos que esses arquétipos próprios do espírito destacam a importância da Linguagem nas relações e nas antíteses que envolvem Cultura e Natureza.

I. 4 - LINGUAGEM E CIVILIDADE Linguagens são representações simbólicas, os meios através dos quais os seres se comunicam. Tal como nos aponta Maria Aparecida Baccega: A linguagem não é um domínio autônomo, que subsiste e desenvolve por si mesmo. [...] A instância da linguagem define o ser consciente. No decorrer do tempo, a consciência vai se constituindo através da assimilação de conjuntos de representações e de idéias (BACCEGA, 2000:43).

A citação nos mostra que a Linguagem para tomar sentido depende de três atributos: criatividade, relações comunitárias e experiência adquirida. Embora alguns animais sejam capazes de desenvolver os dois últimos atributos citados, apenas o homem é capaz de desenvolver as três qualidades apresentadas e por isso são os únicos, dentre todos os animais, capazes de dar sentido à Linguagem. Se recorrermos mais uma vez ao pensamento aristotélico, concordaremos com as afirmações do estagirita de que o homem é o único animal que detém a capacidade de articular sons com racionalidade, ou seja, com sentido de logos (ARISTÓTELES, Política,1253 a). Sabemos que a vida é um fenômeno natural e, em uma primeira análise, pré-existe às relações culturais. Contudo, se analisarmos as declarações de Aristóteles nos apontamentos acima, no qual destaca a natureza da racionalidade humana e cotejá-las junto às considerações de Maria Aparecida Baccega em relação à Linguagem, é possível inverter a polaridade de interdependência dos fenômenos. Natureza passa a ser totalmente dependente da Cultura, pois somente

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seremos reconhecidos como humanos na medida em que exercemos o dom da criatividade e do Logos, exclusivo aos humanos. Tal perspectiva põe por terra algumas afirmações do período Clássico helênico de que o grego era o único grupo étnico Civilizado em razão de sua Cultura e sua ancestralidade. A condição cultural humana na perspectiva, ora apresentada, se caracteriza pela capacidade de produzir e interpretar Linguagens e não pela herança genética (natureza) dos ancestrais. Ao refletirmos sobre as teorias de Thomas Hobbes, J. J. Rosseau ou John Locke quanto ao homem em Estado de Natureza20, o estado no qual ele se encontra livre como um selvagem ou totalmente desprovido de relação comunitária; perceberemos que este homem seria dotado de todos os atributos e características genéticas da sua espécie, porém impossibilitado de executar comunitariamente o atributo humano natural da Linguagem, pois ele estaria só. Caso considerássemos apenas seus atributos biológicos e desconsiderássemos os culturais, veríamos que o homem, mesmo em Estado de Natureza, por seus apetites biológicos intentaria reproduzir e teria que estabelecer algum tipo de linguagem com outro membro da espécie (LEACH In. ROMANO, 1985:72-74). A Linguagem trata-se de elemento importante a qualquer sociedade, isto em razão dela desenvolver as Civilidades. Marcel Detienne em Comparar o Incomparável, apresenta a Civilidade como um veículo da Linguagem; ela dá forma às categorias coletivas produzindo interpretações de Civilidades as quais se manifestam em instituições comunitárias, tais como: o direito, a política e as relações sociais – todos estes elementos, signos culturais (DETIENNE, 2004:42-44). A Civilidade diverge da concepção de Civilização, enquanto que o segundo conceito esteja relacionado a questões históricas e geográficas; o primeiro, como se pode apreender em Marcel Detienne, trata-se de uma manifestação prática da Cultura. A Civilidade qualifica o indivíduo como um perfeito cumpridor dos deveres cívicos: leis, ritos, práticas sociais e religiosas (DETIENNE, 2004:40-44). Especificidades que, em uma relação maior ou menor, possuem gênese nos mitos.

Ver respectivamente: Thomas Hobbes. O Leviatã; Jean Jacques Rousseau. Discurso das desigualdades entre os homens; John Locke. Segundo tratado sobre o governo: ensaio relativo sobre à verdadeira origem extensão e objetivo do governo civil. 20

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Marcel Detienne, através de seu Comparativismo Construtivo, percebe o mito como depositário fiel das Civilidades. Isto se dá, não somente pelo fato de o mito se mostrar presente em todas as Civilizações, mas principalmente por englobar os arquétipos da vida social e espiritual de qualquer sociedade. O mito nos permite descobrir muito do que não é evidente nas atividades mentais-comunitárias (DETIENNE, 2004:42-43). Podemos afirmar que o Mito para os gregos na Antiguidade expressava o mundo e a realidade humana. Ainda nos dias atuais pode ser visto como uma representação coletiva envolvendo a cultura de determinada comunidade, e por isso, é capaz de unir gerações distintas tornando o passado sempre atual, bem próximo ao presente e, garante o futuro de sua sobrevivência na memória coletiva da comunidade por onde transita (BRANDÃO, 1997:35-36). Os pesquisadores W. Robertson Smith e Jane E. Harrison destacam o valor do Mito junto às relações sociais. Segundo suas pesquisas: Mito são narrativas que foram ou são mal compreendidas, são contos ou histórias que se encontram ligados não só a costumes, às tradições, mas também a fatos que foram vividos pela sociedade (FRAZER, 1890). A respeito do Mito, M. Detienne afirma ainda que o fenômeno trata-se de um pensamento que testemunha comportamentos protohistóricos e que formam os esboços das categorias jurídicas, políticas ou religiosas (DETIENNE, 2004:43). Na sociedade helênica, mais propriamente na pólis dos atenienses, os Mitos contribuíram para estruturar a Civilidade através de instituições comunitárias como Agorá, o centro cívico da pólis; políticas como a Pnix, local em que assembléias populares votavam e; jurídicas como o Areópago, tribunal que tinha ingerência sobre questões religiosas e jurisdição nos julgamentos dos crimes de homicídios. Todas as citadas instituições atenienses - não devemos esquecer - possuem uma origem segundo a versão e narrativa mítica e por esta razão, encontravam-se imbricados a Civilidade daquela pólis. As Civilidades são “retalhos” que compõem a Cultura. Assim como na atualidade: brasileiros, argentinos e chilenos compõem a Cultura Latino-americana, na Antiguidade: atenienses, espartanos e corintos representariam a Cultura helênica cada qual com sua Civilidade. Portanto, a Cultura encontra-se além da universalidade de idiomas ou dialetos específicos, abarca os hábitos e costumes praticados por

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determinado grupo étnico e suas potencialidades em se relacionar, absorver ou transformar práticas comunitárias diversas. Catherine Peschansk evidencia esta observação quando debate sobre os gregos e o tempo, ela cita: “Mas os atenienses se transformaram em gregos e, ao fazerem isso, mudaram de língua. Assim, ou se nasce grego ou se torna um grego”. (PESCHANSKI In. CASSIN, 1993:62). Desta forma, vemos que a Cultura se identifica com a prática cotidiana, o hábito. Portanto, é o resultado de uma prática e não de algo inato. Tucídides ao documentar a historicidade da Cultura helênica nos permite apreender que ela foi “datada”, ou seja, construída e é analisada etnocentricamente. Em seus relatos, encontramos elementos que descredenciam a supremacia da Natureza sobre a Cultura, observemos: Na realidade, todos os helenos costumavam portar armas, porque os lugares onde viviam não eram protegidos e o contato entre eles eram arriscados; por isto em sua vida cotidiana eles normalmente andavam armados, tal como ainda fazem os bárbaros. O fato de algumas regiões da Hélade ainda manterem esse hábito prova que, em certa época, modos de vida semelhantes prevaleciam por toda parte (TUCÍDIDES, I, 6).

Em conformidade com o relato do estratego historiador, alguns helenos ainda mantém, ações que são dignas de “bárbaros”. Nesta especificidade, deve-se considerar duas premissas: primeiramente, a diferença cultural entre helenos e “Bárbaros” não é um fenômeno inato. Depois, Tucídides analisa o modo de vida grego a partir de uma visão etnocentrista, pois aponta os atenienses como pioneiros a adotarem hábitos refinados dentre todos os outros helenos. Vejamos suas afirmações: “Os atenienses, todavia, estavam entre os primeiros a desfazerem-se de suas armas e, adotando um modo de vida mais ameno, mudaram para uma existência mais refinada” (TUCÍDIDES, I, 6). Na citação é possível verificar que de fato houve um discurso que estabeleceu a construção da Helenicidade, a qual foi edificada nas tradições que deveriam ser passadas às gerações futuras. O lugar e o segmento social dos homens eram socialmente controlados, até na maneira de se vestirem, vejamos: “De fato, não faz muito tempo que os idosos do segmento mais privilegiado, na fase de transição para a vida mais agradável deixaram de usar túnicas de linho

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rústico....” (TUCÍDIDES, I, 6). Devemos nos lembrar que em conformidade ao modo de vida helênica - sobretudo, na pólis dos atenienses - a “vida mais agradável” seria um privilégio dos cidadãos idosos que ao longo da sua existência tivessem gerado filhos homens à pólis, cultuado os deuses nas formas devidas, cumprido com o seu dever de defender a pólis e, por tudo isso, deixado um exemplo aos seus descendentes. No século V a.C., adotava-se um estilo de vida que os helenos consideravam mais refinado, observemos o que diz Tucídides (I:6): “Roupas mais simples, como as usadas atualmente, foram adotadas primeiro pelos lacedemônios, e em geral os homens mais ricos entre eles evoluíram para um estilo de vida que os aproximou mais das massas que em outras regiões”. Nesta observação, fica-nos a apreensão de que os atenienses se consideravam mais refinados que os espartanos. Isto, em razão de atenienses adotarem como forma de governo, o regime democrático no qual todos os cidadãos eram iguais diante das leis. Seguimos na análise da construção cultural dos helenos: Os lacedemônios foram também os primeiros a despirem-se e após tirar a roupa em público untarem-se com óleo quando iam participar de exercícios físicos; pois em épocas mais remotas mesmo durante os jogos olímpicos - os atletas usavam panos enrolados em forma de cintos em volta dos quadris nas competições, e não faz muitos anos que esta prática cessou. Ainda hoje entre alguns bárbaros (especialmente na Ásia, onde há prêmios para o luto e o pugilismo), os competidores usavam esses panos nos quadris. É “possível demonstrar que os helenos antigos tinham muitos outros costumes semelhantes aos dos bárbaros atuais. (TUCÍDIDES, I, 6).

A valorização da estética corporal tratava-se de uma virtude entre os princípios aristocráticos helênicos. Um corpo belo e vigoroso tratava-se de uma prerrogativa aos que detinham tempo e condições para se dedicarem ao ócio produtivo: intelectualidade, vida política ativa (dedicar-se à administração e interesse dos assuntos comunitários), além do treino para competir nos Jogos Olímpicos (VIEGAS, 2009:78-79).

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A nudez, que expõe um belo corpo pode ser compreendida como a ostentação do status social. Segundo a pesquisadora Alessandra Viegas, era através do corpo que os gregos demonstravam saber respeitar as medidas e evitar excessos, era imprescindível a um aristhos (um bem nascido), possuir um belo corpo. O corpo representaria os valores nobres: beleza, coragem, força; signos da manutenção do status quo, entendido como supremacia sobre os menos favorecidos em seus corpos (VIEGAS, 2009:78-79). Como define Margaret Mead, a Cultura é “o conjunto das representações e dos comportamentos adquiridos pelo homem enquanto ser social” (MEAD In. MARCONDES e JAPIASSÚ, 2001:47). Portanto, é capaz de estabelecer os diversos tipos de relações envolvidos em uma sociedade, interliga-se às informações e conhecimentos adquiridos. Além de tudo, a Cultura é responsável por desenvolver no indivíduo uma opinião singular que agrupado a outros indivíduos por similaridades de pensamento, criam a identidade social. As identidades sociais por sua vez criam arquétipos que acabam por refletir nas instituições comunitárias, representadas pelo seu código de leis, culto religioso, festivais, sistema educativo e expressões artísticas. Enfim, Cultura são signos criados e codificados pelo ser humano, ou seja: O modo de vida de uma determinada população vale dizer, com todo o conjunto de regras e comportamentos pelos quais as instituições adquirem um significado para os agentes sociais, e através dos quais se encarnam em condutas mais ou menos codificadas (MEAD In. MARCONDES e JAPIASSÚ, 2001:47).

Cotejando a análise do conceito de Cultura e etnocentrismo aos escritos de Tucídides, fica-nos perceptível que o discurso demarca o desejo do autor em vincular o início da Civilidade dos povos helênicos a sua contemporaneidade, Período Clássico. Neste corte temporal, houve maior interação bélica, comercial e, conseqüentemente, maior contato cultural entre helenos e demais etnias da região mediterrânica. A relação, tradição cultural versus interações étnicas ao final do século V e início do século IV a.C. ficou caracterizada na figura de Soldados-Cidadãos e Soldados-Mercenários que a partir deste período começavam a combater cada vez mais próximos e integrados taticamente aos exércitos políades

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atenienses. Tal prerrogativa os conduziria a uma convivência, pois no campo de batalha combatiam como unidade, compondo um exército homogêneo.

I. 5- SOLDADOS-MERCENÁRIOS, SOLDADOS-CIDADÃOS IDENTIDADES ÉTNICAS ENTRE CULTURAS O Soldado-Mercenário tratava-se - como acontece até os dias atuais – de um soldado especializado que combate por um governo estrangeiro em troca de recursos pecuniários. Devido ao seu contato com outras culturas através das guerras e dos exércitos no qual se encontrava articulado, poderia resultar em um indivíduo culturalmente híbrido. Contudo, é interessante verificar que helenos frente a outros grupos étnicos mediterrânicos como os persas, embora combatessem integrados, mantinham sua identidade e tinham sua alteridade percebida pelo outro. O rei Ciro, o Jovem, da Pérsia, diante de seus SoldadosMercenários ao motivar as tropas de origem helênica acentuou as diferenças nas seguintes palavras: “Homens da Grécia, não é por não ter tropas bárbaras suficientes que eu os trouxe até aqui para lutar em meu nome. Eu os trouxe até aqui porque pensei que fossem mais corajosos e fortes do que muitos soldados bárbaros.” (XENOFONTE, Anábase, 1, 73. Apud. HANSON, 2002:78). Ciro, o Jovem, buscava reforçar o pensamento de alteridade que os gregos tinham em relação aos outros povos da Antiguidade. Isto é uma evidência de que estar a serviço de uma Civilização ou Cultura diferente não significa fazer parte dela. Segundo Fredrik Barth, em uma cultura os diversificados grupos humanos que a compõem com suas diferenças peculiares formam-se unidades étnicas, as quais desempenham papel importante na constituição das Fronteiras Culturais. (BARTH In. POUTINHAGNT, 1998:198-188). O Dicionário de Antropologia define Etnia em linhas gerais, pela identidade lingüística e pelo fator cultural comum que abarca uma dimensão territorial considerável. Nestes critérios, o termo tribo trata-se de uma especificidade para grupos de menores dimensões (BONTE, Et Al., 1991:242). Sobre estes propósitos, a denominação de Minorias Étnicas não é um sinônimo de tribo; trata-se de pequenos grupos que se definem por critérios convencionais internos e externos do próprio

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Grupo Étnico. Dentre os critérios internos, exemplificamos: comunidade de origem, cultura, religião ou linhas de parentesco que unem os membros entre si; a respeito dos critérios externos: passado histórico comum, posição social dentro da sociedade global e meio econômico (BONTE, Et Al., 1991:242). A análise conceitual envolvendo Minorias Étnicas e Grupos Étnicos nos permite perceber que os critérios utilizados pelas Minorias Étnicas para definir quem é seu par, permitem ao indivíduo se identificar como integrante de determinado Grupo Étnico, que por sua vez, utiliza dos mesmos critérios para se definir como membro de determinada Cultura. Com esta observação, queremos destacar que as Culturas não são uniformes, há variações morais nos hábito sociais entre os Grupos Étnicos que a compõem. Diante desta prerrogativa, as diferenças internas se mantém apesar do contato inter-étnico e da interdependência dos grupos (BARTH In. POUTINHAGNT, 1998:198-188). Isto nos permite compreender não somente a razão pela qual os gregos percebiam as diferenças entre os próprios helenos, mas também a identificar como as relações entre os grupos étnicos ao final do século V a.C. permitiram aos etnocêntricos Soldados-Cidadãos políades combaterem como Soldados-Mercenários articulados em exércitos distintos dos gregos e, ainda assim, manterem sua identidade cultural. A guerra, ainda que por uma questão de animosidade entre os grupos, acaba por aproximar Culturas distintas; por isso vemos que Fredrik Barth não se equivocou em afirmar que, antropologicamente, não há razões para alegar que a belicosidade entre duas sociedades distintas seja o fator preponderante para perpetuar determinada cultura (BARTH In. POUTINHAGNT, 1998:198-188). Edward Said, embora concorde que a aproximação cultural proporciona homogeneidade e consolida identidades, percebe que o encontro entre culturas distintas sob a égide do “Imperialismo21“, cria a falsa idéia de que as pessoas e os Imperialismo: expansão violenta por parte dos Estados, ou de sistemas políticos análogos, da área territorial da sua influência ou poder direto e formas de exploração econômica em prejuízo dos Estados ou povos subjugados, geralmente conexas. Embora este fenômeno se ache manifestado sob formas e modalidades diversas em todas as épocas da história, esta expressão é relativamente recente. Ela se impôs pela primeira vez na década de 1870, na Inglaterra vitoriana, sendo usada para designar a política de Disraeli, que objetivava robustecer a unidade dos Estados autônomos do império, ou seja, criar a imperial federation. Mas é só pelos fins do século XIX que se inicia o estudo sistemático dessa série de fenômenos, isto é, só então surgem as 21

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grupos étnicos dominantes devam ser de uma etnia exclusiva: brancas, negras, ocidentais ou orientais (SAID, 1995:411). Embora a teoria do isolamento geográfico e social permaneça como uma possibilidade para manter a cultura inalterada, esta tese se trata de uma análise simplista (BARTH In. POUTINHAGNT, 1998:188), visto que nas documentações helênicas do século V a.C., como Tucídides e Xenofontes, há diversos relatos de contatos políticos, comerciais e militares entre helenos e persas. No entanto, não encontramos afirmações de que algum heleno - ainda que no ostracismo22 - tenha deixado de ser reconhecido como heleno. A relação entre Soldados-Mercenários e as diversificadas culturas com as quais tinham contato não ocorreria de modo diferente. Segundo Yvon Garlan, o Soldado-Mercenário na Grécia Clássica era notado mais por suas habilidades de combatente que por ser um estrangeiro (GARLAN, 1991:142). Isto mostra que havia uma integração entre a cidade e o Soldado-Mercenário, porém isto não significaria que ele se tornaria um cidadão local. Como aponta JeanChristophe Couvenhes, a instalação de Soldados-Mercenários sobre o território da cidade, no interior de seus muros e controle das suas ruas, era feito de maneira integrada às milícias de Soldados-Cidadãos (COUVENHES, 2004:78-97). Esta integração era conduzida pelo comandante dos Soldados-Mercenários conforme os desejos da população primeiras teorias sobre o Imperialismo, dando origem a uma seqüência de análises que nunca deixaram de se desenvolver, em quantidade e qualidade, até hoje. (Cf. BOBBIO, 1998:620). 22 Ato da Ekklésia que bania alguém da Ática por dez anos, mas sem que lhe fosse imposta a perda dos direitos de propriedade. Segundo José Antônio Dabdab Trabulsi, “os votos eram feitos por incisão nos cacos de cerâmica (ostraca), de forma e tamanho variados, do nome do cidadão que se desejava ver ostracizado, para simplesmente depositá-la na urna. Podia-se trazer consigo o caco já escrito, para simplesmente depositálo na urna. O que permitia o voto de todos os cidadãos, pois, ainda que sejamos muito „otimistas‟ sobre o grau de alfabetização na Atenas Clássica, é certo que pelo menos uma parte do corpo cívico não sabia escrever. Uma vez fechada a votação e a contagem dos votos realizada, o resultado era proclamado”. (Cf. TRABULSI, 2001:99).

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cívica local. Soldados-Mercenários participavam dos cultos religiosos locais quando havia similaridades entre as divindades locais e as da sua terra natal. Com exceção das tropas não gregas, em um rito religioso era difícil distinguir Soldados-Mercenários das tropas políades locais (COUVENHES, 2004:78-100). O fato de em um culto religioso as diferenças entre helenos e outra etnias se ressaltarem evita que cometamos interpretações ambíguas, pois, ainda que Soldados-Mercenários formassem um exército de etnia diversificada, cada Grupo Étnico manteria sua identidade como Minoria Étnica. Quando estes mesmo Soldados-Mercenários estivessem articulados a exércitos póliades ou de Cultura distinta a dos gregos, os Grupos Étnicos, embora integrados, mantinham suas diferenças. As distinções étnicas e culturais não dependem exclusivamente de não interação social. Elas se organizam segundo a percepção dos próprios autores e tem por característica estabelecer bases nas interações entre as pessoas, inclusive, permite que se perpetuem as diferenças culturais (BARTH In. POUTINHAGNT, 1998, pp. 196198). Portanto, em consonância com os argumentos apresentados, podemos concluir a partir do Comparativismo Construtivo proposto por Marcel Detienne e através dos quais tivemos a oportunidade de relacionar saberes históricos, antropológicos e filosóficos, que SoldadosMercenários do século V a.C. na Hélade mantinham sua identidade cultural independente da localização geográfica e social. Por esta mesma razão, Soldados-Mercenários gregos não viram problemas em combaterem ao lado de exércitos não gregos denominados por eles de “exércitos bárbaros”. Como explicitamos anteriormente, apesar dos contatos interculturais e das possíveis alterações à Civilidade Helênica, ela continuaria sendo reconhecida como uma Civilidade típica de Grupos Étnicos e da Cultura helênica. Neste sentido, a temeridade do SoldadoMercenário grego se afastar totalmente da sua Civilidade o motivaria buscar o retorno as suas origens mantendo as tradições e culto dos ancestrais, como podemos apreender dos dados historiográficos, os quais relatam a ação dos Soldados-Mercenários que mantinham os aspectos de uma pólis itinerante (Cf. GARLAN, 1991:143-145. e MOSSÉ In. VERNANT, 1999:297).

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Além das questões sócio-econômicas, Soldados-Cidadãos tornavam-se Soldados-Mercenários em razão de sua Civilidade abalada. No corte temporal que se estende do início do século V a.C. passando pelo final da Guerra do Peloponeso em 404 a.C. até as primeiras décadas do século IV a.C., quando o emprego de Soldados-Mercenários tornou-se mais efetivo na Hélade, houve mudanças na geopolítica que afetou a construção das relações sociais. Dentre estes fatores, podemos mencionar a mortalidade dos cidadãos masculinos em idade política ativa durante a Guerra do Peloponeso. De acordo com Claude Mossé, o recenseamento feito por Demétrio de Faleros em 317 a.C, mostra que durante o conflito na Hélade, que durou vinte e sete anos e foi liderado por atenienses e espartanos, a população ateniense teria sido reduzida à metade. (MOSSE, Apud: CANDIDO, 2001:32). Na tabela que se segue podemos verificar as baixas por geração de cidadãos e categoria cívicomilitar:

Período

Morte

Hoplita

Cavaleiros

Thetas

Colonos

Batalhas

431-400

49.450

12.050

550

20.500

2000

66

399-369

5.700

300

?

1.400

-

16

368-338

4.750

30

30

1.750

-

14

338-322

4.100

350

50

650

-

08

Total

64.000

12.750

630

24.300

2000

104

Tabela 1: Baixas de Guerra na Grécia Clássica de 431-322. (BRULÉ, Apud. CANDIDO, 2001:32).

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70.000 60.000 Morte

50.000 40.000

Hoplita

30.000

Cavaleiro

20.000

Theta

10.000

Colonos

0

Batalhas

Gráfico 1: Taxa de Mortalidade na Hélade (431-322).

Através do gráfico acima podemos perceber o alto índice de mortalidade, principalmente no período em que ocorreu a Guerra do Peloponeso. Estes dados nos permitem apreender que as gerações nascidas durante este período se habituaram não somente a conviver com combates, morte e violência, mas passaram a compartilhar o convívio com outras etnias gerando um convívio multicultural. Isto ocorreu em razão da crescente demanda de Soldados-Mercenários que eram contratados como tropa complementar aos cívicos SoldadosCidadãos. Maria Regina Candido aponta que a alta mortalidade somada à baixa natalidade do final do século V a.C. levou os atenienses a buscarem alternativas para suprir a falta de demanda de contingente militar e incluiu o Soldado-Mercenário entre a comunidade dos atenienses (CANDIDO, 2001:34). Vemos que tal medida contribuiu para que a tradicional Civilidade do Soldado-Cidadão ateniense se tornasse sensível às inovações da sociedade e se adaptasse admitindo, em razão dos interesses, o convívio com o “Bárbaro”, o diferente. Dentre as adaptações, consta adotar o serviço mercenário como alternativa de sobrevivência. Em contrapartida, o Soldado-Cidadão ao se transformar num Soldado-Mercenário buscava reestruturar sua Civilidade. Pois, salvo as exceções dos espíritos aventureiros, ninguém suportaria viver por toda a vida ávido de combates, sem leis e sem lar (Cf. ARISTÓTELES, Política, 1252 b).

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Neste contexto, o arquétipo de Civilidade idealizado pelo Soldado-Mercenário seria o Soldado-Cidadão. Desta primeira hipótese, coaduna Yvon Garlan, que teria feito menção à busca pela estabilidade cívica dos Soldados-Cidadãos. O historiador afirma se tratar de um engano considerar Soldados-Mercenários seres associais seduzidos pelo caminho da aventura. Estes combatentes não eram meros instrumentos nas mãos de seus empregadores. O soldadoMercenário, antes de tudo, aspirava por um fim às suas andanças e à precariedade de sua condição social. O desejo destes combatentes, quando não tinham possibilidade de retornar as suas casas, era se estabelecer em algum lugar e nele obter meios para viver regularmente num contexto cívico e passar este modelo de Civilidade a todos os seus filhos (GARLAN, 1991:156). O desejo em recuperar uma cidadania e reestruturar a Civilidade abalada pode ser apreendida, segundo o pensamento de Marcell Detienne, como uma necessidade de tornar presente acontecimentos anteriores de um grupo provido de memória (DETIENNE, 2004:76). Percebemos que todos os fatores que contribuíram isoladamente ou em conjunto de alguma maneira para a proliferação de Soldados-Mercenários na Hélade, durante e após o século V a.C., não foi um elemento isolado e sim um conjunto de fatores. Nessa nossa primeira hipótese, defendemos que os fatores principais que motivaram Soldados-Cidadãos a se transformarem em Soldados-Mercenários foram problemas de ordem política, social-econômica somadas ao alto índice de mortalidade da população masculina ativa. Nas linhas que seguem, iremos analisar historicamente a ação destes artífices da guerra na Hélade a partir da pólis dos Atenienses visando identificar o que representou a sistematização do emprego de Soldados-Mercenários como recurso militar alternativo as tropas cívicas políades.

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CAPÍTULO II MERCENARISMO SOB A ANÁLISE COMPARATIVA DO SOLDADO E DA GUERRA NA SOCIEDADE HELÊNICA Iniciamos nossa análise questionando: como era a Guerra na Antiguidade e quem eram os combatentes que faziam dela, um fenômeno indispensável às relações políticas, sociais e econômicas da sociedade helênica? Dos épicos e heróicos combates cantados nos versos da Ilíada e Odisséia homéricas, podemos apreender a vivência cultural guerreira da sociedade Palaciana, na qual o Ánax concentrava na sua figura os poderes políticos, militares, religiosos e econômicos (VERNANT, 1994:15-16). Nesta estrutura política, que sobrevivera aproximadamente até o século XII a.C., as muralhas que protegiam estes palácios demonstram uma política centralizadora que atribuía ao seu líder a figura de um grande protetor: “o Palácio é quem dirige a encomenda das armas, o equipamento dos carros, o recrutamento dos homens, formação, a composição e o movimento das unidades (VERNANT, 1994:18-19). O Ánax figurava como um protetor, alguém capaz de dar respostas a todos os problemas de que a sociedade daquele período necessitava. As narrativas poéticas destacam a coragem e a bravura destemida com que os aristóis23 se sobressaíam sobre os demais combatentes. Somente ouvimos relatos de combates envolvendo semideuses, assim como a peleja entre os próprios deuses (Cf. HOMERO, Ilíada, passim). Neste período é perceptível que o carro-deguerra além do emprego operacional militar, tinha um valor político singular, pois sua presença era imponente24. Através dele, o aristói vinha Bem nascidos, os melhores, os célebres. Conforme nos apresenta Jean Pierre Vernant, a técnica do carro-de-guerra deve ter reforçado a especialização da atividade guerreira. Centralizar carros-de-guerra em um campo de batalha supõe um Estado centralizado e poderoso em que os guerreiros dos carros, quaisquer que sejam seus privilégios, estão submetidos a uma autoridade única. (Cf. VERNANT, 1994:11-13). John Keegan declara que não se pode designar a origem do carro-de-guerra com precisão, eles podem ter sido trazidos por aurigas que se tornaram senhores dos reinos costeiros, pois suas riquezas seriam capazes de comprar tecnologia militar. John Keegan vê alguns problemas na maneira como os carros-de-guerra operavam em campo de batalha e como eles eram empregados segundo as narrativas homéricas. Para o historiador, a verdadeira 23 24

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conduzindo seus cavalos propulsores e desembarcava para lutar vestindo uma pesada armadura e armado com o arco, sua principal arma. Os armamentos utilizados no Período Palaciano poderiam ser classificados segundo as afirmações de Paul Courbin (COURBIN, In: VERNANT, 1999:cap. 3, passim) em ofensivos, defensivos, auxiliares e meios de transporte. Vejamos a tabela abaixo: Meios de Transporte

Armamento Ofensivo

Armamento Defensivo

Navio – Carro – Cavalo

Armas de combate aproximado: Espada - Punhal - Adaga – Lança de estoque Armas de combate a distância: Lança de arremesso e dardo. Arco e Flecha

Fortificações

Armamento auxiliares Machado de dois gumes

Capacete feito com dentes de Javali -

Funda

Couraça de bronze:em escamas, plena e em bandas. Grevas Escudos:em oito; em torre e redondo.

Tabela 2: Armamento do Período Micênico vantagem de se utilizar carros-de-guerra consistia nos ataques em massa e na velocidade, em Homero os guerreiros utilizavam o carro apenas como veículos de transporte, dos quais desembarcavam para lutar a pé equipados com arco ou lança. (C.f. KEEGAN, 1995:254-255). Já Marcel Detienne destaca que no período Clássico o carro-de-guerra tinha mais função de prestígio político que eficiência militar, segundo este autor, isto serve para ilustrar seu declínio como arma de guerra. (C.f. DETIENNE, In:VERNANT, 1999:.428).

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Podemos destacar acerca deste período, o aspecto de belicosidade no qual o ícone é a aristocracia guerreira, privilegiada dentro da estrutura social do período (VERNANT, 1994:23). Inseridos em um clã guerreiro que proclamava descendência divina, seus integrantes partilhavam de uma Philia (amizade) dispensada somente aos iguais que, sob o empenho da palavra, deveriam prestar assistência uns aos outros quando necessário – inclusive para fazer a guerra. Indícios desta prerrogativa encontram-se descritos no poema homérico Ilíada, no qual gregos partem para resgatar Helena desembarcando nas praias inimigas de Tróia (HOMERO, Ilíada, passim). Embora o sistema político do período Palaciano fosse centralizador, não podemos afirmar categoricamente que as comunidades rurais que viviam ao redor dos palácios eram tão dependentes dele que não pudessem subsistir sem o mesmo. Os aldeãos e agricultores eram quem produziam os víveres necessários à subsistência da sociedade (VERNANT, 1994:23-24). Posteriormente, quando não mais vigorava o sistema político da Realeza Palaciana, estes mesmos aldeões e camponeses seriam aparentemente mais independentes, mas continuariam a alimentar reis e homens ricos do lugar por meio de remessas e prestação de serviços (VERNANT, 1994:23-24). A transição social do Período Palaciano para o período Arcaico deu-se de modo gradativo e os armamentos empregados nas guerras acompanharam as transformações da sociedade (DURCREY, Pierre, 1997:130). Victor Davis Hanson ratifica a afirmação e destaca que evoluções táticas não podem ser consideradas um fenômeno puramente militar, elas também possuem origens nas relações políticas e sociais (HANSON, 1989:66-76). Em meados do século VII a.C., juntamente com a emergência da pólis, desenvolvem-se novas táticas de combate. Os aristocratas já não eram os únicos a fazerem a guerra. Em razão do alargamento da cidadania foi necessário desenvolver políticas de expansão e necessário armar os cidadãos para a defesa de territórios conquistados (GARLAN, 1991:11). Agricultores ao tornaram-se donos de pequenas propriedades obtiveram participação cidadã, se tornaram donos do campo de batalha. Embora valores guerreiros que destacassem a figura do comandante tenham permanecido, resistindo às transformações

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sociais25, surge uma nova maneira de guerrear na qual a virtude não está em destacar a coragem sobre a dos demais através da luta individual. Ser virtuoso e eficaz no campo de batalha, na nova ordem social, é manter sophrosine (temperança). Os pequenos agricultores para defenderem o solo dos ancestrais, continuam a combater de maneira violenta, mas agora valorizam a disciplina em uma ritualizada batalha campal decisiva (HANSON, 1989:passim). A relação de Philia estabelecida pelos aristocratas transformouse em um acentuado espírito de corpo no qual a vida do companheiro, dependia também do combatente que estava do seu lado portando um escudo redondo que protegeria a ambos. A vitória não era mais do indivíduo isolado, mas de todo o corpo militar organizado compactamente em uma falange. O combatente passava a ser um anônimo, comportamento comum à sociedade políade e democrática na qual os cidadãos são iguais perante o corpo legislativo. Todo o equipamento destes camponeses cidadãos pesava entre 30 / 35 kg. Observe a relação de todo equipamento na tabela seguinte: Armas de Defensiva Escudo redondo de aproximadamente 90 cm de diâmetro (feito de madeira de lei e revestido com uma placa de bronze) Elmo de bronze Couraça de linho revestida com placas de metal que lhe protegem o tórax Grevas de bronze que lhe protegem os braços e pernas

Armas de Ofensivas Espada curta aproximadamente 50 cm Lança com 2,5m de comprimento com uma ponta de latão, ferro ou bronze

Tabela 3: Armamento Hoplita

Nas batalhas do período Clássico, quando a guerra entre falanges já se encontra estruturada, sempre temos em evidência a figura dos comandantes:Milcíades em Maratona (490 a.C); Temístocles em Salamina (480-479 a.C); Leônidas nas Termópilas (480-479 a.C.); Brásidas e Tucídides em Anphipólis (424 a.C). 25

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Estes combatentes recebiam o epíteto de Hoplita devido ao seu escudo redondo, o hoplon, o qual tinha a primazia de defender o solo que foi conquistado pelos seus ancestrais e o companheiro que estava ao seu lado. O Combate Hoplita era ritualizado e não ocorriam sem os devidos preparativos (KEEGAN, 1995:264). Em uma planície, as falanges se encontravam frente-a-frente, em blocos compactos, formadas por fileiras (no mínimo oito; número adequado a não deixar espaços vazios). O espaço entre os combatentes eram em média de um metro, de maneira, que um exército com tamanho médio (formado por dez mil homens) chegava a se estender por dois quilômetros e meio (GARLAN In. VERNANT, 1993:59). Atravessando a chamada terra de ninguém26 (Território indefinido e desabitado que se estendia até onde se julgava ser o limite de suas longínquas fronteiras); após aproximadamente uns 150m em uma corrida organizada - porém desajeitada devido ao peso da armadura havia o choque com a falange inimiga. À medida que a segunda fileira e as subseqüentes reduziam o espaço entre os homens, a falange se Terra de Ninguém: O conceito envolve questões acerca da defesa do território com suas fortificações e a concepção de pólis propriamente dita. Como nos aponta Pierre Ducrey, um fator fundamental para a existência de uma pólis é a existência de um centro urbano protegido por uma muralha. Porém o que há além de suas muralhas, o território políade estaria restrito a ela? O historiador destaca três teses a respeito da defesa políade. Primeiramente, a reflexão de Yvon Garlan a respeito da defesa de território; segundo suas perspectivas uma pólis depende de suas armas para conseguir sucesso em uma batalha arrasando os inimigos. Daí a importância das muralhas e a notoriedade da inovação estratégica adotada por Péricles durante a Guerra do Peloponeso no séc. V a.C. (colocar a população protegida pelas muralhas e abastecer a cidade através do seu porto). A segunda tese é de autoria de Josiah Ober o qual, alguns anos posteriormente a Yvon Garlan, insere entre as possibilidades políticas na defesa de uma pólis, “o código de honra”. Para J. Ober, este elemento moral prezava pela ritualidade guerreira de afrontar o inimigo em terras descobertas e não somente através do abrigo das fortificações. Por ultimo, a tese de Mark H. Munn, que aproxima as divergências entre as proposições de Y. Garlan e J. Ober. Segundo M. H. Munn, os fortes que eram colocados ao longo das fronteiras da Ática visavam não somente a proteção do território, mas serviam também para atenuar o conflito em uma região que estivesse sob proteção de várias estruturas. O autor se utiliza das muralhas para justificar a sua tese em razão das fortificações que foram criadas exclusivamente para conter os ataques espartanos à Beócia em 378 a.C. Atenienses e beócios tratavam-se de pólis vizinhas na Ática e sempre disputaram o território de Orôpos nas suas fronteiras, no entanto se uniram contra um inimigo comum. (DURCREY, 1997:130). 26

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comprimia e o peso provindo da retaguarda, empurrava as fileiras da vanguarda. Neste momento alguns combatentes tombavam mortos ou feridos e eram pisoteados pelas fileiras que vinham imediatamente de trás. Os combatentes da segunda e terceira fileira tentavam abrir brechas nas fileiras inimigas com suas lanças. Se obtivesse sucesso, havia o othismos (“empurrão com o escudo”). Este era o método mais eficaz para levar o rompimento das linhas inimigas e espalhar pânico e confusão entre elas. Rompida a falange inimiga, estava configurada a possibilidade de vitória (KEEGAN, 1995:264-265). Nos momentos iminentes aos combates era habitual o sacrifício de animais em ritos de sangue, sfagia; neste ritual um animal saudável (comumente um caprino) tinha a sua garganta perfurada e seu sangue ao cair ao solo garantiria a aprovação ou impediria hostilidades das forças sobrenaturais do mundo subterrâneo. Era comum realizar um desjejum cerimonial na manhã do combate, com uma ingestão, bem maior, de vinho neste dia. Ouvia-se a exortação ao combate por parte dos comandantes e, após os rituais de sfagia, avançavam contra o inimigo proferindo o pean, cântico ou grito de guerra em honra a Dioniso ou Apolo (KEEGAN, 1995:263). Após os combates, o vencedor erigiria um troféu em honra aos deuses – carcaça de madeira adornada com as armas do vencido – e após os acordos necessários haveria um período de tréguas para que derrotados pudessem repatriar seus mortos (GARLAN In. VERNANT, 1994:59). A guerra, da Antiguidade até os dias atuais, sempre exigiu altas somas O próprio Tucídides, estratego ateniense, admitira que, “o dinheiro é quem torna as armas possíveis” (TUCÍDIDES, I, 83). Entre os helenos pecuniárias a provisão do armamento ficava a cargo do próprio cidadão, que deveria comprar e mantê-lo com seus próprios recursos, exceção aos remadores que tinham o equipamento financiado por um cidadão abastado e com recursos, enquanto que seu pagamento era feito pelo governo da pólis27. Segundo Daphné Gondicas, os remadores eram extremamente importante dentro da tripulação de uma embarcação de guerra do tipo Trirreme. Para o pesquisador, quando Atenas decidiu investir em frota de guerra, teve que recrutar um grande número de homens e isto implicou uma programa sistemático de treinamento dos remadores e recorreu às Thetai (seguimento social menos provido de recursos na sociedade ateniense). Embora o decreto de Temístocles ao início do século V mencione remadores estrangeiros, os xenoi, Péricles, posteriormente, mencionará a potencialidade dos metécos (estrangeiros residentes em Atenas) desertarem. Contudo, em casos 27

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Em Atenas, o armamento refletia a condição social do cidadão. Quando Sólon, ao início do século VI a.C., tomou medidas de erradicação da escravidão por dívidas e dividiu os grupos sociais segundo a riqueza agrícola, não somente reduziu poderes da aristocracia, mas também permitiu que grupos sociais ficassem evidenciados através das armas que utilizavam para combater nas guerras (JONES, 1997:7). Aristocratas e oligarcas por serem abastados financeiramente, geralmente combatiam como Cavaleiros; pequenos proprietários de terras como Hoplitas (infantaria pesada) e indivíduos sem propriedades; cidadãos pobres e sem nenhum recurso que vivia de jornada de trabalho combatiam como Peltastas (infantaria ligeira) (GARLAN, In: VERNANT, 1993:61-62). A Cavalaria era uma arma das elites sociais, pois além do alto custo de se manter um animal de grande porte como um cavalo, era preciso tempo disponível para se praticar a equitação. Este corpo militar era formado na sua maioria por cidadãos oriundos do segundo e primeiro segmento social instituído por Sólon, os Hippies e os Pentacossimedimminos. Sob a perspectiva militar, a Cavalaria era limitada não somente devido ao alto custo de manutenção de um cavalo, mas também por ser incapaz taticamente de penetrar as fileiras de lanças dos hoplitas formados em falange (GARLAN In. VERNANT, 1993: 6162). Segundo Yvon Garlan, as pinturas de vasos que datam do início do século V a.C. retratam cenas de “aspirantes” a cavaleiros. Foi Péricles em meados do mesmo século quem teria dotado a pólis ateniense de um corpo de cavalaria regular. Em um primeiro momento iniciou com quinhentos cavaleiros, depois este número foi estendido a mil homens e mais duzentos arqueiros montados. A pólis dos espartanos, rival da política dos atenienses no século V a.C., somente veio se dotar de uma cavalaria constituída por quatrocentos homens, extremos de falta de contingente, podiam-se armar até mesmo escravos. Embora o uso de remadores escravos não fosse comum na era Clássica, não é raro encontrarmos relatos que demonstrem que eles continuavam a ser utilizados. Em 406 a.C., os atenienses equiparam 110 vasos de guerra em direção a Mytilene. Para tripulá-los fez uso de livres e escravos; prometendo a liberdade aos escravos que serviram em seus navios. Embora o decreto de Temístocles não contemplasse remadores escravos, para atender os interesses da cidade, a pólis dos atenienses mantinha escravos embarcados durante todo o ano. (GONDICAS In. BRUN, 1999:45-51).

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em 424 a.C. Este efetivo não ultrapassava um décimo do contingente que era empregado na Falange Hoplita (GARLAN In. VERNANT, 1993:61-63). A principal função tática da cavalaria até o século V a.C. estava restrita à exploração de terreno, desgastes da infantaria pesada inimiga e perseguição aos adversários derrotados que se encontrassem em fuga, sem, no entanto, tirar-lhe a vida. Somente no IV século é que ela ocupará maior importância tático-estratégica realizando movimentação articulada com infantaria. Sua equipagem de combate que envolvia o armamento era: uma lança curta que poderia ser usada como dardo; couraça leve, sem revestimento metálico; não havia estribos ou selas fixas e seus animais não usavam ferraduras (GARLAN In. VERNANT, 1993:61-63). Enquanto os cidadãos mais abastados combatiam como cavaleiros e pequenos proprietários dotavam-se de uma armadura hoplita constituindo a principal unidade de combate no período Clássico, a Falange Hoplita; aqueles que não detinham recursos como os Thetai (cidadãos do ultimo segmento censitário instituído por Sólon), constituíam o corpo de infantaria ligeira. Os cidadãos que combatiam na infantaria ligeira eram denominados, Peltastas. Esta alcunha era proveniente do seu escudo leve em forma de meia lua, era feito de vime e coberto por uma camada de couro. A função tática da infantaria ligeira somente adquiriu proeminência estratégica ao final do século V a.C., quando a unidade teve a responsabilidade de proteger os flancos da Falange Hoplita. Até este momento estava restrita a lançar projéteis (pedras, dardos e flechas) à distância, incomodando o inimigo e não emitindo sinal efetivo de perigo (GARLAN In. VERNANT, 1993:63). A partir da Guerra do Peloponeso esta unidade ganha espaço nas estratégias militares devido a sua capacidade de mobilização diante dos hoplitas que trajavam uma pesada armadura (MOSSÉ In. VERNANT, 1999:296). A marinha ateniense também foi uma opção aos cidadãos que não detinham recursos financeiros para comprar uma armadura de hoplita e muito menos condições de combater como cavaleiro. As embarcações de guerra eram construídas pelo kraino (governo) da pólis com impostos denominados Liturgias e Esphorai28 que recaiam sobre Liturgias e Esphorai: As Liturgias tinham a finalidade de financiar festivais teatrais e principalmente a manutenção de Trirremes. Segundo Yvon Garlan, estes impostos eram 28

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cidadãos ricos, como os Pentacossiomedimno. Assim muitos Thetai, por não necessitar financiar os custos do próprio armamento, tiveram a oportunidade de combater como remadores e marinheiros nos Trirremes, definindo um lugar social na pólis dos atenienses (CANFORA In. VERNANT, 1993:108109). Segundo Tucídides, a busca por recursos mercantis foi uma das motivações para que atenienses construíssem Trirremes; e foram os corintos os primeiros helenos que as construíram, como nos mostra a citação: “Corinto foi o primeiro lugar em toda a Hélade onde foram construídas trirremes. Aminocles um construtor naval coríntio, fez quatro naus para os sâmios trezentos anos antes do fim da presente guerra” (TUCÍDIDES, I, 13). Contudo foi Temístocles que, percebendo a potencialidade bélica dos Trirremes, lançou os pilares do objeto que seria a principal força militar ateniense no século V a.C e que daria à pólis de Atenas projeção política. Por ocasião do seu arkontado em 493 a.C., Temístocles começa a fortificar a região do Pireu através do seu porto localizado em Atenas, substituindo a Baía de Phalerion como principal porta de acesso à cidade. Temístocles persuade seus concidadãos a utilizar os recursos excedentes provenientes dos veios de prata das minas de Laurion, para construir uma frota naval em lugar de compartilhar com o Estado como era costume. Através disto, Temístocles cria um projeto visando à defesa da pólis e acaba por instituir as Liturgias em Atenas (GONDICAS In. BRUN, 1999:29-30). A geografia da Hélade, com diversas ilhas, tornava os navios um importante instrumento de comunicação; fundamental ao comércio. Durante o período Arcaico foram utilizados diversos tipos de embarcações com propulsão a remo como os Pentacontiéres (nau que exige somente 50 remadores). Porém foram os Trirremes (Triéres em grego), navio de guerra inventado pelos corinthos no século VII a.C., que suplantou a todos tendo hegemonia sobre os mares pelo menos até a era de domínio político dos romanos, seis séculos posteriormente. A bastante onerosos e podia ultrapassar 6000 Drácmas, por isso teve-se que regulamentálo dividindo o seu custo. No final da Guerra do Peloponeso pode ser dividida em duas trierarquias. (C.f. GARLAN, In. VERNANT, 1993:62). Segundo Peter Jones: Liturgíai (liturgia), trata-se de um serviço voluntário, para a comunidade, mas, na democracia ateniense as liturgias eram compulsórias para aqueles que possuíssem muitos recursos. Já a Eisphorai, se tratava de um imposto de emergência de guerra. Estima-se que tal tributação pública, tenha sido estabelecida pela primeira vez ao início da Guerra do Peloponeso. (JONES, 1997:234-235).

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principal característica do Trirreme está na sua velocidade e possibilidade de manobras (GONDICAS In. BRUN, 1999:29-30). O Trirreme tratava-se de uma nau de combate que poderia servir também para transporte e pesava de 70 a 90 toneladas; possuía 35/37 m de comprimento; 3,5 m de largura e era dotada de um aríete de ferro ou bronze na proa que servia para golpear as embarcações inimigas levando-as a pique. O Trirreme possuía um calado baixo que comprometia a sua navegação em águas profundas e em condições climáticas desfavoráveis. Sua tripulação se constituía de 200 homens assim divididos: 170 remadores (não escravos) postos em duas filas sobrepostas assim divididas, 27 nas inferiores, 27 nas do meio e 31 nas superiores; um estado maior formado por sete oficiais: um trierarca que comandava a embarcação29, um Kubernetes, responsável pelas manobras da nau; um Keulestes, oficial de remadores; um Prorates, oficial responsável pela vigilância da proa; dois Toikharkoi, um responsável pelo bombordo da nau e outro pela boreste; um Trieraulos, tocador de aulos responsável pela cadência das remadas; além de 13 marinheiros, dentre eles um carpinteiro, que era responsável pela manutenção da embarcação e acompanhava todas as manobras; 10 Epíbates, infantaria de marinha ou marinheiros armados; totalizando duzentos homens (TAILLARD In. VERNANT, 1999:263). Segundo Peter Jones, de acordo com a necessidade, o Trirreme possuía capacidade máxima para comportar até 300 homens a bordo. Dentre a sua tripulação havia também, 4 arqueiros (JONES, 1997:272). A análise comparativa das armas e dos soldados que formavam os exércitos helênicos a partir da pólis dos atenienses nos mostra que as transformações na sua estrutura, foram marcadas por revoluções sociais nas quais grupos menos providos de recursos conquistavam cada vez mais notoriedade ao dotarem-se de armas e treinamento militar. Na pólis dos atenienses, a articulação destes grupos sociais era estreitamente ligada à capacidade de poder se armar e de defender a pólis, resultando na especialização militar e articulação política. O apogeu da especialização política, tanto quanto das habilidades militares, ficaram evidenciadas na ação dos Demagogos dentro do cenário político ateniense ao final do século V e pela acentuada O Trierarca não precisaria, necessariamente, ser um marinheiro experiente. Poderia se tratar do fiador da embarcação ou de um proeminente cidadão. Suas funções eram, entre outras coisas, atuação política. (Cf. TAILLARD In. VERNANT, 1999:263). 29

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utilização de Soldados-Mercenários no início do século IV a.C. por toda a Hélade. Partimos do princípio de que estes Soldados-Mercenários, figura comum ao final do quinto século, um dia foram homens fiéis às tradições dos ancestrais como Soldados-Cidadãos da pólis e, após um século de conflitos constantes, tornaram-se veteranos de guerra à procura de quem pudesse pagar pelo seu novo ofício: Artífice de Guerra. II.1- COMPARANDO ARQUÉTIPOS:O GUERREIRO, O SOLDADO, O SOLDADO-CIDADÃO E O SOLDADOMERCENÁRIO Há diferenças entre o Guerreiro, o Soldado, o Soldado-Cidadão e o Soldado-Mercenário? Em The Western way of war: Infantary battle in classical Greece. University of California Press, 1989; Victor Davis Hanson deixa bem definido o modelo eficiente de combate inaugurado pelos gregos em meados do século VII a.C. Uma batalha campal violenta, porém, disciplinada e decisiva (HANSON, 1989:passim). Embora não seja unanimidade declarar que a coragem do Soldado-Cidadão é produto de uma disciplina propriamente militar, mas sim de um espírito de corpo que prezava por não abandonar os companheiros em combate, como defende Yvon Garlan (In.VERNANT, 1993:60), podemos afirmar que o surgimento da falange dos hoplita em meados do século VII a.C. marca a história do Ocidente. A ampliação da cidadania proporcionou participação política àqueles que anteriormente se encontravam dependentes de determinado estrato social. A partir desse período, houve valorização do corpo militar e da disciplina em seu conjunto (HANSON, 2002, passim). Neste momento, vemos o ocaso do modelo Guerreiro de combater. Seja em razão de novas rotas comerciais (KEEGAN, 1995:25) ou para punir o rapto de esposas como diziam os poetas (Cf. HOMERO, Ilíada, passim), o modelo Guerreiro valorizava a fúria, a força e a coragem de um combatente sobre os demais, tal como fez Aquiles tomado pela Lissa (fúria guerreira). O Pélida, como era denominado Aquiles, arrasta o corpo do príncipe Heitor à frente das muralhas de Ílion (HOMERO, Ilíada, vv: 315-320).

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Com o surgimento da Falange dos Hoplitas inicia a era do Soldado, um indivíduo disciplinado e cumpridor das ordens do seu comando, sendo por isto um anônimo que deve agir sem paixão para evitar erros. À sua antítese, temos o Guerreiro; um combatente que movido pelas paixões vive intensamente a passionalidade da fúria, pois a vida ameaçada pelo risco pode ser o momento da glória. Para o Guerreiro, o combate somente tem valor se o risco for capaz de destacar sua bravura sobre os demais. Já o Soldado é um anônimo, não somente valoriza, como também se realiza com a vitória do grupo. O modo como a Falange Hoplita combate - homens disciplinados agindo em um mesmo passo que prioriza a ação coletiva evidencia a Guerra como uma atividade organizada, com objetivos definidos estrategicamente, no qual “o planejamento dos combates, servem para atingir a finalidade da guerra” (CLAUSEWITZ, 2003:172). Portanto, diante da figura do Soldado, os objetivos estão acima dos homens e não os homens acima dos objetivos, como fazem os Guerreiros. Por esta razão é pertinente a afirmação de Aristóteles: “na ordem natural a cidade tem precedência sobre a família e sobre o indivíduo, pois o todo deve ter precedência sobre as partes” (ARISTÓTELES, Política, 1253 a). Nas pólis em que vigoravam o regime democrático como Atenas, esse princípio era um discurso eficaz. Como exemplo, podemos citar os estrategos que foram condenados por não socorrerem os náufragos em Arginusa em 406 a.C.. Aristóteles, citando o discurso de Xenofontes, aponta que houve erros no julgamento, pois um dos estrategos acusados encontrava-se na condição náufrago. Segundo Aristóteles, a condenação teria acontecido em razão de a população ser manipulada pelos acusadores e postularem para si os direitos de decisão (ARISTÓTELES, Constituição de Atenas, 34.1). A emergência da pólis é contemporânea à mudança na maneira de combater e de se fazer a guerra e, sobretudo, marca as transformações ocorridas nas estruturas políticas da sociedade helênica (VERNANT, 1994:43). A diferença de comportamento no campo de batalha vivenciada por Guerreiros e Soldados, evidencia a mudança de mentalidade aristocrática do Período Palaciano para a estrutura políade: a primazia da coletividade. Seria possível afirmar o mesmo na comparação entre o Soldado e o Soldado-Cidadão? Como nos aponta Matthew Trundle, o Soldado no período Clássico grego, independente da arma com a qual lutava, recebia a

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denominação de stratiotés (TRUNDLE, 2004:10). Porém, percebemos que nem todo Soldado pode ser denominado um Soldado-Cidadão. O serviço militar na estrutura políade ateniense era um dever que deveria ser cumprido inicialmente entre os dezoitos anos até os cinqüenta e nove – a quarenta e nove anos na ativa e o restante na reserva (GARLAN In. VERNANT, 1994:49). É comum apontar o Soldado-Cidadão ateniense como um homem que integra o demos como cidadão livre, pequeno proprietário de terra e componente de uma milícia-cidadã na qualidade de Hoplita; o qual, com o armamento que guardava em sua própria residência, defendia a pólis se mobilizando em caso de necessidade (GARLAN In. VERNANT, 1994: passim). Restringir o epíteto de Soldado-Cidadão somente aos integrantes da Falange Hoplita talvez não seja o adequado. Como aponta Yvon Garlan, no regime democrático ateniense o indivíduo se tornava um soldado defensor da pólis porque antes de qualquer prerrogativa, ele era um cidadão e exercia sua cidadania (GARLAN In. VERNANT, 1994: passim). Assim, podemos deduzir o Soldado-Cidadão não como simples Stratiotés que cumpre uma obrigação militar, mas a indivíduos conscientes de que qualquer invasão a terra dos ancestrais representaria uma ameaça ao seu estatuto de homem livre (KEEGAN, 1995:259). Pierre Vidal-Naquet nos demonstra que durante a era Clássica, as atividades militares se confundiam com as organizações e instituições cívicas (VIDAL-NAQUET In. VERNANT, 1999:214), portanto Soldados-Cidadãos encontram-se imbricados às instituições políades e simbolizavam, respectivamente, o próprio Poder Político30. A modalidade de poder responsável por organizar as instituições e estabelecer, distributiva e comutativamente, a ação da justiça no controle dos cidadãos (BOBBIO, 2000:221). A democracia ateniense na era Clássica era participativa na qual seus cidadãos isonomicamente decidiam diretamente os destinos da comunidade sem representantes intermediários e não como vemos acontecer nas democracias representativas dos dias atuais. O SoldadoCidadão não era um stratiotés por ofício, tratava-se de um cidadão que para defender a terra dos seus ancestrais pegaria em armas por ser um polités, cidadão que visa o bem da sua comunidade acreditando que os A ordem-social estabelecida, os mecanismos que se utiliza o Estado para manter suas instituições e controlar seus cidadãos. (BOBBIO, 2000:221). 30

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interesses do grupo encontravam-se acima dos seus interesses particulares. Por tudo isso, podemos afirmar que o Soldado-Cidadão ateniense era um signo do Poder Político Legítimo. Tratavam-se de cidadãos ativos, diretamente atuantes na vida política, portanto: capazes de convencer, influenciar e determinar o comportamento de outros sujeitos. Em conformidade com os preceitos filosóficos de N. Bóbbio, vemos Soldados-Cidadãos como a própria manifestação Poder (Cf. BOBBIO, 2000:216). Como a participação política na pólis dos atenienses do século V a.C. se dava isonomicamente e todo cidadão livre independente da sua condição social tinha igualdade diante das leis, decidindo os destinos da pólis nas assembléias diretamente pelo voto, consideramos que a concepção de Soldado-Cidadão vai bem além da exclusiva condição de combater como Hoplita ou simplesmente ser um stratiotés. SoldadosCidadãos são indivíduos politicamente ativos, comprometidos com o presente e o futuro da sua comunidade, e por essa razão detém capacidade de transformá-la. Quando analisarmos as articulações políticas de SoldadosCidadãos e Soldados-Mercenários ao final do século V a.C. percebemos as diversas modalidades de poder exercidas nas relações sociais, dentre elas: o Poder Ideológico, o Poder Econômico, o Poder da Força e o Poder Constituinte31. O Poder Ideológico32 se torna fundamental para a análise comparativa de Soldados-Cidadãos e Soldados-Mercenários. Em razão de congruências nas relações e articulações da Linguagem33, o Poder Ideológico torna-se eficaz através do Discurso. Como nos aponta Maria Aparecida Baccega, o Discurso cria um Autor Implícito - alguém que “se mostra, normalmente, através do narrador, das personagens e de outros procedimentos lingüístico que estão à disposição dele nos processos discursivo (BACCEGA, 2000:75). A criação de um Autor Implícito, não se dá de maneira Poder Constituinte, em linhas gerais, pode ser compreendido como a modalidade de poder que, segundo o filósofo Antônio Negri, representa a capacidade de sublevação das facções políticas que não constituem o status quo. 32 O ideológico é uma ação da Ideologia, conceito que para N. Bobbio implica um elemento de falsa consciência. O único critério no qual podemos julgar uma Ideologia é o de sua eficácia prática e não o caráter de sua verdade. BOBBIO, 2000:418-650). 33 Em um sentido genérico, pode-se definir a linguagem como um sistema de signos convencionais que pretende representar a realidade e o que é usado na comunicação humana. (C.f. JAPIASSÚ e MARCONDES, 2001). 31

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intencional, são idéias equivocadas quanto à origem, caráter ou composição daquilo que acreditamos conhecer. O Poder Ideológico faz aumentar esta consciência equivocada e pode servir a diversos interesses. A análise da Linguagem sob a perspectiva histórica facilita compreender o contexto social de produção de sociedades Antigas. As maneiras como os helenos se referiam às tropas do período Clássico e anos adjacentes, permitirão que não adotemos denominações equivocadas ao Soldado-Cidadão ateniense do século V a.C., pois o termo exige uma série de predicativos, inclusive servindo para não confundirmos o Soldado-Mercenário com o fenômeno do Mercenarismo. Os gregos nomeavam os soldados em consonância com o armamento que empregavam (TRUNDLE, 2004:10). Assim, aqueles que portavam o hoplon, eram denominados carregador do escudo, hoplita; os levemente armados, psiloi, às vezes tinham sua identificação especificada como: lançadores de dardos e arremessadores de pedra (akontistai e petroboloi); arqueiros: toxotai; e peltastas soldados que traziam um escudo em forma de crescente feito de vime e coberto com uma pele de couro, o peltai, eram denominados peltastai; enquanto os que se encontravam praticamente desarmados:(gymnetes) (TRUNDLE, 2004:10). De acordo com Matthew Trundler, anteriormente ao século V a.C. não havia um termo adequado para definir a prática do Mercenarismo. Até o final do período Clássico, no qual o sistema políade helênico começa a apresentar colapsos, surgiram várias designações para definirem as tropas que de alguma maneira combatiam como apoio, ou como aliadas (TRUNDLE, 2004:Cap. 1, passim). A palavra mercenário vem do latim mecenarius e deu origem a sua significação em outras línguas. Tanto a palavra francesa mercenaire, quanto à inglesa mercenary todas se referem a um soldado com acentuada experiência e que em troca da pecúnia a ser recebida, presta serviços no ofício das armas indiferente a sua região de origem ou nacionalidade; se optarmos por utilizar o termo adequado aos tempos modernos (TRUNDLE, 2004:10). Quando analisamos a sociedade helênica do período Homérico até o fim do século V, verificaremos que o grego para se referir ao Soldado-Mercenário utilizou determinados termos. Até o século V a.C., se adotou o epíteto Epikouros (companheiro, aliado) baseado no ritual do Xenos que se refere às relações de Philia (amizade,

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fé jurada) daquele que recebe um estrangeiro como um hóspede; enquanto que no século IV a.C. percebe-se com maior freqüência o emprego do termo misthos, referindo-se a natureza mercenária daquele que vende sua experiência no ofício das armas e está preso a um pacto (TRUNDLE, 2004:10). O que gostaríamos de evidenciar nos apontamentos é maneira pela qual o Soldado-Mercenário poderia ser concebido. Ao final do Período Clássico, o termo Epikourikós se torna pontual, enquanto que Misthos é encontrado com maior freqüência em todas as regiões da Hélade e para compreender o verdadeiro significado da Linguagem é preciso compreender como a sociedade helênica em determinado período a percebia. Por exemplo, no período Homérico, a partir da narrativa Ilíada, uma coalizão grega avança sobre o território troiano para honrar a palavra dada. Todos os aristhos (bens nascidos) deliberaram em assembléia guerreira que caso algo de errado ocorresse em relação ao matrimônio de Helena e Menelau, todos que foram pretendentes da noiva, deveriam prestar solidariedade ao marido (VERNANT, 2000:92). Noutra abordagem, Tucídides evidencia a ação de tropas em auxílio a um aliado. O relato cita campanhas militares no território trácio e nos permite perceber que na Hélade, durante o século V a.C., diferentemente dos períodos anteriores, apoiar militarmente por relações de Philia já não é unanimidade: Sitalces havia feito um acordo com os atenienses, no sentido de por termo a guerra com os calcídios da Trácia. [...] Convocou ainda muitos montanheses da Trácia, chamados Dios, que são independentes e usam sabres, grandes números destes soldados serviam mediante salário, enquanto outros vieram como voluntários (TUCÍDIDES, II, 95-96).

Nesta particularidade, Sitalces, príncipe dos trácios, não impediria que atenienses se estabelecessem na região e, por outro lado, cobraria apoio na sua guerra contra os calcídios. Segundo Yvon Garlan, o aliado não se comprometia por inteiro nas campanhas de assistência. Nas alianças defensivas a obrigação se resumia a enviar ao aliado uma tropa de reforço que se limitasse a repelir a invasão sem que ele mesmo não viesse

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necessariamente, declarar guerra contra os agressores. Todas as despesas desta aliança eram cuidadosamente estipuladas com antecedência (GARLAN, 1991:136). Por tal motivo, não podemos declarar que todo stratiotés que recebesse algum tipo de remuneração por seus serviços seria um Soldado-Mercenário. O pagamento poderia fazer parte de um acordo previamente firmado. A diferença entre um pacto de aliança militar e contrato de mercenários estaria no objetivo da ação. A associação de combate denominava-se symmachia e o Aliado era quem prestava auxílio efetivo em tempos de guerra. A assistência poderia se dar de várias formas: através do envio de contingente militar, víveres, navios, armas ou recursos pecuniários. Esta prática se adaptava a sistemas mais complexos de aliança, pois era comum que CidadesEstado com menor poder político se agregassem em torno de uma potência para se proteger (GARLAN, 1991:41-42). Por exemplo, no século V a.C. várias póleis se uniram a Atenas na Liga de Delos34 visando obter a proteção da sua frota naval contra qualquer ataque, principalmente dos estrangeiros persas. Segundo Yvon Garlan, era comum que as despesas ficassem por conta do solicitante, porém isto não significava que aquele que enviou o socorro, estivesse isento de qualquer investimento nos primeiros trinta dias, normalmente, a manutenção da tropa ficava a seu cargo (GARLAN, 1991:46). Com Tucídides podemos encontrar algumas referências, vejamos: Para as tropas de socorro, a cidade que as enviar fornecerá provisões para trinta dias após sua chegada à cidade que pedir socorro, e nas mesmas condições quando regressarem; se desejar usá-las por um longo período, as tropas que pedirem socorro fornecerá provisões as de infantaria pesada, tropas ligeiras e arqueiros à razão de três óbolos eginetas por dia, e para a Aliança de Cidades-Estados helênicas sob a hegemonia de Atenas, formadas após as Guerras Greco-Pérsicas com a finalidade de assegurar proteção à Hélade contra as invasões dos persas. Os membros pagavam tributos a Atenas em dinheiro ou fornecendo navios. Os recursos eram depositados inicialmente na ilha de Delos, contudo, em 542 a.C. os atenienses transferem o centro de depósito deste tesouro para a sua pólis. (Cf. JONES, 1997:376). 34

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cavalaria à razão de um drácma egineta (TUCÍDIDES, V, 47).

O botim de guerra era algo que interessava tanto ao solicitante do auxílio quanto aquele que havia prestado auxílio. Claude Mossé afirma que os lucros obtidos com o botim seriam repartidos em partes iguais (MOSSÉ, 1999:23). O princípio da isonomia nos leva a ratificar que seriam raros os acontecimentos em que apenas uma das partes ficasse com todo o lucro (GARLAN, 1991:48). Na Ilíada, Agamêmnon por ter devolvido a sacerdotisa Criseida a seu pai resolveu tomar para si Briseide, parte do espólio pertencente a Aquiles. Esta medida gerou a cólera do filho de Peleu, que em retaliação decidiu não mais entrar no campo de batalha contra os inimigos troianos (HOMERO, Ilíada, I, 270-430). Segundo as forças empenhadas, poderia haver porcentagem na divisão dos lucros como nos mostra a citação: “Depois os arcânios entregaram aos atenienses um terço dos despojos e dividiram os restos entre suas próprias cidades” (TUCÍDIDES, III,114). Como nos indica Yvon Garlan a respeito das despesas e dos lucros nos botins de guerra, há indícios de que quando não eram proporcionais ao empenho empregado havia insatisfação (GARLAN, 1991:51). Vejamos o que relatou Xenofonte: “corintios, arcadios e aqueus, na guerra contra vocês participaram de todos os perigos, trabalhos e gastos. Depois que os lacedemônios conseguiram o que queriam: poder, honra e glória, o que eles repartiram” (XENOFONTES, Helênicas, III,12). O relato representa o discurso da embaixada tebana persuadindo atenienses a não estabelecerem alianças com os espartanos, tornando-se adversários de Tebas. Em concordância com os relatos, os lacedemônios não seriam confiáveis no momento de dividir os lucros da guerra. No serviço mercenário a principal motivação não residia no botim, mas sim no pagamento que receberiam. Matthew Trundle nos declara que a pobreza e o exílio eram atributos que levariam o indivíduo a se tornar um Soldado-Mercenário e se envolver em guerras estrangeiras. O pagamento poderia variar de dois a nove óbolos ao dia, isto equivalia a um drácma e meio (TRUNDLE, 2004:63). Documentações que datam o século IV a.C. demonstram como o valor do pagamento a ser recebido poderia ser importante: “Eteónico convoca os quiotas e insiste para reunirem dinheiro visando pagar os marinheiros, evitando com isso, que eles mudem de lado”

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(XENOFONTES, Helênicas, II, 45). A partir deste exemplo, podemos apreender que a fidelidade neste período não descartaria os interesses pecuniários que são inerentes ao Poder Econômico. A Civilidade própria do Soldado-Cidadão não era mais suficientemente capaz de preservar os laços de Philia que outrora motivavam o pedido de auxílio a favor do aliado. O risco de não sair vitorioso na guerra e conseqüentemente não receber os lucros a que teria feito jus, passava a ser o ponto fundamental. II. 2 - O SOLDADO-MERCENÁRIO UM ESPECILISTA DAS ARMAS O Soldado-Mercenário é um Soldado-Cidadão cuja Civilidade foi comprometida, ele já não prioriza manter as tradições que irão simbolizar e manter o Poder Político do solo pátrio. Trata-se de um stratiotés que se tornou especialista nas armas e exerce a guerra como ofício. O Soldado-Mercenário vende seus serviços a quem possa pagá-lo, não se importando necessariamente, com a causa pela qual está lutando; o seu interesse é pessoal e não político. Nesta conjuntura, torna-se pertinente identificar quais fatos transformariam um Soldado-Cidadão em Soldado-Mercenário. Como nos apontam a historiografia que toma por base documentos do período Arcaico até o IV século a.C., na Grécia Antiga o surgimento do Soldado-Mercenário esteve relacionado a vários fatores envolvendo problemas de ordem econômica, política, agrária e ideológica (MARINOVIC, 1988:2). As denominações que recebiam os stratiotés que apoiavam aliados contra inimigos comuns tomando por base o Xénos; dão-nos evidências que permitem descrever as transformações na sociedade helênica do período citado. Dentre a historiografia envolvendo o Soldado-Mercenário destacamos algumas obras que consideramos fundamentais: H. W. Parke. Greek Mercenary Soldiers from Earliest Times to the Battle of Ipsus. Oxford University, 1933; G. T. Griffith. The Mercenairies of the Hellenistic Word. Cambridge, 1935; André Aymard. Mercenariet et L’ histotorie grecque. Universitaires de France, 1967; Ludmila Marinovic. Le Mercenariat grec au IV avant siècle notre ère et La crise de La polis. L‟ Université de Besançon,

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1988; Matthew Trundlle. Greek Mercenairies: from the late archaic period to Alexander. Routledge, 2004. H. W. Parke nos apresenta uma cronologia quanto ao surgimento do Soldado-Mercenário reunindo documentos que estavam dispersos. Revela-nos tratados que marcaram as características do Soldado-Mercenário destacando sua influência nas atividades referente à guerra e também aponta questões relacionadas à economia (PARKE, 1933: passim). Segundo H. W. Parke, a desestruturação do sistema políade helênico não é a principal razão para a emergência do Mercenarismo no século IV a.C.; isto se encontra em segundo plano. Para este autor, a transformação do Soldado-Cidadão em Soldado-Mercenário é o epicentro da problemática. O Soldado-Mercenário surge a partir de um largo processo que transformou projetos de domínio e expansão na unidade fundamental da vida política helênica (PARKE, 1933:20-235). Tais apontamentos podem ser verificados já a partir da Guerra do Peloponeso nas ações adotada pela pólis dos atenienses que começou a intervir diretamente na constituição de cidades aliadas da Liga de Delos (JONES, 1997:240). Para compreendermos como o final do século V a.C. foi importante para o estabelecimento do Mercenarismo na Hélade, não podemos prescindir de mencionar a Guerra do Peloponeso pelo fato do conflito ser marcante para o desenvolvimento propício à especialização da infantaria ligeira e de marinheiros oriundos do segmento social Theta, os quais obtiveram maior inserção social. Os peltastas com armamentos leves da infantaria ligeira, durante a Guerra do Peloponeso, foram os precursores na especialização das ações de guerrilhas (BAKER,1999:254). Em contrapartida, percebemos que o investimento da pólis dos atenienses em uma frota naval destinado à guerra, além de permitir a ascensão social de cidadãos menos providos de recurso também contribuiu para inovar a maneira de combater, pois permitiu que planejamentos estratégicos não fosse exclusividade de ações terrestres. Yvon Garlan nos apresenta que a guerra entre os helenos se dava em meio a um “código de agressão territorial”. O inimigo se apresentava de imprevisto, beneficiando-se do efeito surpresa em épocas favoráveis do ano. O objetivo visava minar a capacidade de subsistência assim como a potencialidade econômica da Cidade-Estado

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inimiga; ocupava seu território por curtos períodos (GARLAN, 1991:90). Embora o próprio Yvon Garlan admita que estas incursões não inviabilizassem totalmente a agricultura inimiga, elas eram realizadas geralmente no período da colheita, antes das vindimas, quando as oliveiras já estavam carregadas (GARLAN, 1991:90-91). A respeito das inovações estratégicas, vemos que Temístocles quando fortificou as muralhas atenienses e iniciou a construção de um porto na região do Pireu insistindo em um projeto de ampliação de frota naval de guerra em 493-492; lançou os alicerceis estratégicos defensivos que posteriormente ficou conhecido como Estratégia Pericleana (GARLAN, 1991:90-91). Péricles ao início da guerra, em 431 a.C., persuadiu os cidadãos a votarem em assembléia que a população rural deveria se refugiar no lado interno dos muros da asty (CANDIDO, 2001:20). Adotando uma estratégia35 pouco difundida pelos strategos do seu tempo, Péricles utilizou as muralhas que ligavam a cidade ao porto como principal meio de defesa, pois as muralhas atenienses permitiam a circulação de modo seguro pelo seu lado interior36. Em contrapartida, através de uma poderosa esquadra os atenienses mantinham sua hegemonia marítima e abasteciam a pólis através do seu porto com grãos que provinham do Egito e da Criméia (FUNARI In. MAGNOLI, 2009:33). A postura defensiva adotada pelos atenienses resultou em inovações nas estratégias de cerco, pois os invasores necessitariam permanecer maior tempo em terras inimigas se quisessem causar algum prejuízo considerável. Os espartanos, como nos descreve Tucídides, chegaram a permanecer em território ateniense por pelo menos quarenta dias (CANDIDO, 2001:21). Maria Regina Candido afirma que a estratégia ateniense de esvaziar o espaço rural trata-se de um traço marcante entre os strategos atenienses, pois foi utilizada por Temístocles Cf. Carl Von Clausewitz, “Estratégia: é a utilização do recontro para atingir a finalidade da guerra. Ela fixa uma finalidade para o conjunto do ato de guerra que corresponda ao objetivo da guerra. Quer dizer: estabelece o plano de guerra e determina em função do objetivo em questão, uma série de ações que a ele conduzem; elabora, portanto, os planos das diferentes campanhas e organiza os diferentes recontros destas ações”. (CLAUSEWITZ, 2003:171). 36 É relevante ressaltar que embora Péricles tenha lançado mão da proteção das muralhas atenienses e de sua esquadra como estratégia defensiva; Péricles não deixou os campos atenienses abandonados, realizava patrulhas esporádicas com a cavalaria a fim de reprimir as incursões espartanas nos campos atenienses. (C.f. PROST, 1999:81). 35

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anteriormente a 430 distribuindo mulheres e crianças nas póleis localizadas fora da Ática como Trezena, Salamina e Égina; foi inovada por Péricles durante a Guerra do Peloponeso; repetida por Hipérides e relembrado por Lísias no discurso da Oração Fúnebre em homenagem aos mortos na Batalha de Corinto no século IV a.C. (CANDIDO, 2001:22-23). Para G. T. Griffith, a especialização do Soldado-Cidadão em relação às guerras, é uma conseqüência de dois períodos e medidas distintas: primeiro, figuram as reformas políticas Sólon ao final do século VI a.C., que basicamente criavam uma relação de identidade entre as armas e a condição social do sujeito; em segundo, os projetos políticos de Isócrates, que defendia a conquista de terras estrangeiras para fundar colônias. Tal medida incidia nos indivíduos sem propriedade a esperança e também a oportunidade de ascenderem socialmente à condição de zeugita quando conseguissem um pedaço de solo para lavrar (GRIFFITH, 1935, passim). A falta de subsistência para a sobrevivência do indivíduo é um elemento importante, capaz de convencê-lo a aceitar inovações políticas. Como tivemos a oportunidade de apreciar em linhas anteriores, a relação entre o cidadão e as armas poderia representar o estrato e o status social do cidadão dentro da pólis dos atenienses. Vemos a busca por melhores condições de vida e maior prestígio social como uma das motivações que levaram Soldados-Cidadãos a se afastarem dos seus princípios de Civilidade e tornarem-se Soldados-Mercenários. Isto se daria em razão dos stratiotés habituado a combates, ter novas prioridades. Eles não estariam mais preocupados em lutar pelo bem comunitário, suas novas preferências, como afirma G.T. Griffth, teriam por primazia arriscar a vida em uma batalha mortal pela ambição ou simplesmente para saciar um espírito aventureiro (GRIFFITH, 1935, passim). Portanto, o Soldado-Mercenário diferentemente do Soldado-Cidadão, seria um soldado especialista sem comprometimento político. Ao final do século V a.C., Soldados-Mercenários eram usados como um contingente militar complementar as tropas de SoldadosCidadãos e aos poucos foram sendo utilizados como força militar principal (MARINOVIC, 1988:22). Maria Regina Candido nos aponta que a partir da Guerra do Peloponeso, a morte passou a integrar o cotidiano ateniense em acentuada escala (CANDIDO, 2001:50). Vemos nesta prerrogativa um dado interessante que destaca a importância da

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Guerra do Peloponeso no processo de proliferação de Soldados-Mercenários ao final do século V a.C.. São elas: a morte e a ação política ativa dos cidadãos. M. Regina Candido afirma que a relação cotidiana do corpo de cidadãos com a morte, infligiu na desorganização da comunidade políade. Sendo Atenas uma comunidade masculina, na qual os direitos de cidadania preteriam as mulheres em prol dos homens, as campanhas militares exigiam que muitos chefes de família estivessem ausentes dos assuntos pertinentes à política, primazia de um cidadão ativo. Tal prerrogativa gerou a temeridade e risco iminente de ocorrer desvio nas tradições dos ancestrais (CANDIDO, 2001:50). Nesta especificidade, a contratação de Soldados-Mercenários viria a suprir a necessidade de demanda ao contingente militar políade e permitiria aos cidadãos masculinos dedicarem maior tempo para as atividades políticas e cívicas. Esta potencial solução permitiu emergir no quarto século uma nova concepção de comunidade à sociedade políade. A capitulação de Atenas em 404 a.C. para a sua rival Esparta trouxe por conseqüência a necessidade de um novo ordenamento geopolítico, pois Atenas teria perdido juntamente com a Guerra do Peloponeso, a liderança da Liga de Delos e a supremacia sobre o Mar Egeu. Isto ocasionou também em perda de parte dos recursos proveniente das póleis aliadas. Segundo M. Regina Candido, tais concurso de fatos teria iniciado um processo de dissolução do conceito de comunidade, no sentido de ação política voltada para o bem comum e emergido nos cidadãos um interesse voltado para problemas pessoais e privados (CANDIDO, 2001:50). M. Regina Candido informa ainda que a partir do novo quadro social e político, os cidadãos atenienses de baixos recursos monetários preocupados em garantir sua subsistência, dedicavam maior tempo com seus assuntos privados e mostraram-se pouco motivados a participarem das práticas políticas políades; transformaram-se em ιδιóτή (idiótés) (CANDIDO, 2001:50-51). É notório destacar que este fenômeno não se tratava de uma transformação político-social exclusiva dos indivíduos de baixo poder aquisitivo. Afetavam também aos integrantes das elites sociais e os responsáveis pela administração políade (CANDIDO, 2001:5051). Portanto, a proliferação de Soldados-Mercenários ao final do século V a.C. figurava como tropa complementar as tropas cívicas políades em razão de um conjunto de fatores. Dentre os principais

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identificamos: acentuado índice de mortalidade da comunidade cívica, interesse dos governos políades em contratá-los, e indivíduos interessados em serem contratados visando o pagamento a ser recebido. Ao final do século V a.C., há uma espécie de profissionalização do ofício guerreiro, os stratiotés atenienses em grande proporção começaram a receber um soldo especial para combaterem como aliados nas póleis sob a égide de Atenas (MARINOVIC, 1988:22). Esta prática é fruto das inovações táticas inseridas durante a Guerra do Peloponeso. Segundo Maria Regina Candido, a longa duração das campanhas militares e o conseqüente afastamento dos cidadãos nos trabalhos que lhe garantiriam a subsistência levaram a pólis dos atenienses a adotar mitshoís (pagamento) aos soldados e siterésion, auxílio de suprimento alimentar (CANDIDO, 2001:21). A historiadora afirma ainda que, desde o início da Guerra do Peloponeso, houve a necessidade de pagamento ao soldado cujo montante variava conforme a duração dos conflitos. O período das campanhas militares aumentava e em determinados períodos poderiam chegar a oito meses, resultando na permanência do hoplita ou marinheiro há aproximadamente um ano fora da pólis. Os gastos diários destinados à tropa exigiam um grande dispêndio financeiro por parte da pólis (CANDIDO, 2001:21). O pagamento diário era feito em óbolos: três para infantes; dois para cavaleiros e seis para marinheiros (FEYEL, Apud. CANDIDO, 2001:21). Embora o pagamento oferecido aos Soldados-Mercenários pudesse ser muito superior ao que era pago aos Solados-Cidadãos37, o benefício compensava, pois o contratante teria uma tropa disciplina e especializada para o objetivo pretendido em curto espaço de tempo. Durante todo o período Clássico, a imagem do cidadão estava associada, em linhas gerais, ao hoplita. Após a Batalha de Queronéia em 338 a.C., os ephebos atenienses aprendiam não somente a combater como hoplita, mas também a arremessar a lança e a manobrar a Cf. Mattew Trundle, os Soldados-Mercenários contratados Dion de Siracusa receberam de presente por seus serviços 100 minas após conquistarem o objetivo pretendido, o rei Cyro prometeu aos seus contratados, cinco minas caso obtivessem a vitória. Isto sem mencionar o botim e o siterésion. (TRUNDLE, 2004:84). Para termos noção da diferença entre o pagamento destinado a um Soldado-Cidadão e um Soldado-Mercenário: seis óbolos constituíam um Drácma; cem Drácimas uma Mina; sessenta Minas um Talento. (Cf. JONES, 1997:372). 37

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catapulta (BAKER In. PROST, 1999:251), nos demonstrando que neste período a preparação para a guerra exigia melhor qualificação. Neste mesmo corte temporal, houve grande circulação de metais preciosos no Mar Egeu. Na Ática, as Minas de Laurion forneciam prata, enquanto que na Macedônia situava-se o depósito aurífero do Monte Pangeu (BAKER In. PROST,1999:251). Metais preciosos, como ouro, prata e mesmo outros não tão valioso como o bronze, possuíam vantagens sobre víveres e elementos perecíveis como grãos pelo fato das moedas, antes de qualquer juízo, valerem seu peso em metal e não se deteriorarem. Contudo, devemos ressaltar que sociedades antigas dificilmente tivessem sua economia totalmente monetarizada e o pagamento muitas das vezes estaria relacionado ao botim conseguido com as vitórias (TRUNDLE, 2004:80-103), que após consolidada, deveria ser dividida em partes iguais entre todos os aliados (MOSSÉ, 1999:23). Dentre as formas de pagamento à contratação de Soldados-Mercenários, também era utilizado o sistema de trocas, as quais poderiam ser realizadas envolvendo bens de consumo ou bens imóveis: vinhos, grãos de cereais ou terras (TRUNDLE, 2004:1-9). Os vinte e sete anos da Guerra do Peloponeso provocaram conflitos políticos internos que acentuaram os danos ao sistema financeiro das Cidades-Estados e isto veio a se agravar com a crescente contratação de Soldados-Mercenários. Dentre várias especificidades, inclusive com fins a contratação de Soldados-Mercenários, a hegemonia ateniense do século V a.C. tinha feito muito para rentabilizar o comércio no Mar Egeu e habituando a circulação de moedas, especialmente na guerra (TRUNDLE, 2004:82-83). Tornou-se cada vez mais comum, durante as guerras deste período, que Soldados-Mercenários recebessem seus pagamentos em moedas. Para Ludmila Marinovic, este processo de cunhagem das moedas associado ao pagamento de tropas mercenárias, marcaram a desestruturação e declínio do sistema políade (MARINOVIC, 1988:270). A introdução da cunhagem de moedas nas cidades-Estado helênicas demarca o sexto século a.C, entretanto sua circulação somente se torna ativa no fim do século V e início do século IV a.C (TRUNDLE, 2004:114). Tal fato nos possibilita inferir que durante e após a Guerra do Peloponeso, o processo de cunhagem das moedas se deve mais a atividades político-militares que por trocas comerciais e isto teria ocorrido por uma necessidade dos governos políades regularizarem a

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manutenção e permanência dos seus soldados (GARLAN, 1991:64-65). Aristófanes na comédia Assembléia das mulheres, representa uma cena do cotidiano ateniense ao final do século V. Vejamos: “Fui à Ágora comprar farinha. Em seguida, no momento que acabava de estender meu saco, o arauto gritou: já não aceita peça de bronze; doravante só a de prata tem valor” (ARISTÓFANES, Assembleia de Mulheres, vv. 816-822. Apud., GARLAN,1991:59). Em conformidade com Yvon Garlan, a cena representa a conseqüência das cunhagens de tetradácmas e drácmas de bronze terem sido suspensas para transações internas. Segundo Y. Garlan, o objetivo de retirá-las de circulação seria reutilizá-las no financiamento de operações militares (GARLAN, 1991:59). Através da análise de Yvon Garlan junto à comédia aristofânica, podemos apreender como os gastos militares estavam pesando sobre as decisões da política interna dos governos políades. A crescente utilização de Soldados-Mercenários tornava a circulação de moedas cada vez mais comum, principalmente devido às campanhas militares na Magna Grécia. As moedas de prata eram levadas a centros de cunhagem como Atenas e passavam por uma refundição para apagar seus traços de origem. Ao final do século V a.C., moedas de estilo siracusano emitidas por oficinas gregas estavam proliferando na Ática. Tal evidencia coaduna para ressaltar a relação entre guerra e emissão de moedas, pois é muito provável que estas moedas tenham chegado à região juntamente com o retorno de Soldados-Mercenários das campanhas na Sicília (GARLAN, 1991:67). Embora a ação de Soldados-Mercenários tenha se tornado habitual a partir dos anos finais da Guerra do Peloponeso e se estruturado no século IV, eles já eram utilizados em períodos anteriores a citada guerra. Podemos afirmar que os tiranos do VI século a.C. teriam sido os primeiros a empregar mercenários como serviço especializado de combate na Hélade. Afinal, tiranos necessitavam de um extenso corpo de guarda pessoal para se protegerem e manter a sua forma de governo (TRUNDLE, 2004:44). Pisístrato, tirano de Atenas, teria usado dinheiro das minas do Pangeu para contratar soldados da Trácia, Argos e Tebas. Os Soldados-Mercenários com os quais teria derrotado seus opositores e instituído o braço militar da sua tirania. Polícrates de Samos contratou um largo número de soldados para integrar sua equipe de guarda-costas (TRUNDLE, 2004:44). Dentre as tiranias da Sicília, Hipócrates teria contratado vários homens para protegê-lo, inclusive é

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difícil afirmar se eles eram de fato genuínos mercenários ou andarilhos errantes, fugitivos à busca de terras e de uma comunidade para viver (TRUNDLE, 2004:44). Matthew Trundle analisa a ação de Soldados-Mercenários no período de Alexandre, o Grande e aponta que neste período este tipo de serviço foi utilizado em larga escala. A relação entre SoldadosMercenários era concebida como uma extensão familiar. M. Trundle afirma que o fato de muitas das referências em prol da temática serem proveniente de orações retóricas e comédias que indicam o verossímil e não a análise isenta, fazem com que estes artífices da guerra sejam descritos também como vagabundos (TUNDLE, 2004:3), referindo-se ao indivíduo errante, andarilho, sem um referencial pátrio. Isto se trata de um indício de que não podemos categoricamente declarar o caráter do mercenário como totalmente vil. Em relação à terminologia do termo, os gregos utilizavam ou entendiam o termo Mercenário sob diversos contextos. Do período Arcaico até o século V a.C. foram denominados ou chamados de xenos; referindo-se ao ritual hospitaleiro referenciado ao amigo ou hóspede. Durante o século V, recebe a denominação de epikourikós (companheiro, aliado). Após este século, começam a receber a denominação de misthós (ordenado, soldo, salário, aluguel); referindo-se à natureza do mercenarismo por ela mesma. Ou seja: vender, alugar ou receber um pagamento com fins de subsistência por seus serviços prestados como Stratiotés (TRUNDLE, 2004:1013). Segundo M. Trundlle, o termo misthói foi utilizado primeiramente por Tucídides referindo-se ao pagamento dos marinheiros e Xenofonte fez uso extensivo desta terminologia nas Helênicas. Durante o período de Alexandre, o Grande, o mercenário era chamado xenói-mistophorói; possivelmente para distinguir os gregos dos não gregos que lutavam juntos durante a batalha (TRUNDLE, 2004:16). A. Aymard faz abordagens peculiares à figura do mercenário. Este historiador apresentar uma distinção entre o que é Mercenarismo e o que vem a ser Mercenário. O historiador destaca que Mercenário trata-se de um guerreiro profissional. Porém, aponta que nem todo guerreiro profissional é um Mercenário (AYMARD, 1967:passim). Mercenários são guerreiros estrangeiros lutando em auxílio a um Estado aliado movido pelo xenos. Enquanto Mercenarismo, segundo as

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concepções de Aymard, trata-se da ação propriamente dita de recorrer à guerra em troca do pagamento, ou fazer dela seu sustento. Ou seja, para Aymard, o conceito de Mercenarismo seria o produto de uma crise econômica e social, portanto o símbolo de uma sociedade com turbulências institucionais (AYMARD, 1967:passim). Neste processo, dois períodos distintos contribuíram para o surgimento do Mercenarismo: o século VIII se estendendo ao século VI, e o século IV a.C. Enquanto o primeiro marca a estruturação do sistema políade, o segundo representa a crise político-social que se abateu sobre a pólis. Entre as constantes guerras que ocorreram neste corte temporal, o historiador ressalta a importância da Guerra do Peloponeso neste processo, seus efeitos, e a maneira diversa pela qual o homem começou a perceber a morte; além dos problemas sociais e econômicos decorrentes do longo período desta guerra (AYMARD, 1967:passim). Embora não possamos determinar a unanimidade de consenso historiográfico quanto à emergência e ação de Soldados-Mercenários no mundo helênico, há um ponto comum entre as obras que se propuseram a abordá-lo. Em uma parcela considerável delas, há questões tangenciando as flutuações políticas do século V a.C. assim como as turbulências econômicas no regime políade. Todas as abordagens citam momentos de crise ou transição estruturais e política. Segundo Ludmila Marinovic, alguns autores como M. Finley concentram suas idéias na propriedade da terra, contudo todas as características estão concentradas na evidência das permanentes guerras da segunda metade do século V a.C. e no empobrecimento das massas (MARINOVC, 1988:2). Outro ponto comum percebido entre os autores reside no fato de a Guerra do Peloponeso (431-404 a.C) figurar como uma referência para o crescimento e definição do que é o Mercenarismo. Percebemos que tal proposição, encontra-se associada à terminologia empregada para se referir ao Stratiotés que combatia como aliado, Xenos ou Epikourikós, e àqueles que exerciam a guerra como o ofício e dela retiravam sua subsistência, os misthóis ou misthóphoros. A análise das terminologias e a comparação das ações táticas destes dois tipos de stratiotés nos levam a afirma como segunda hipótese que não havia Mercenarismo anteriormente ao período Clássico helênico. Embora houvesse Soldados-Mercenários desde o período Arcaico na Grécia Antiga, a prática do Mercenarismo iniciou ao final da Guerra do Peloponeso e

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se consolidou a partir do século IV a.C. na articulação tática e estratégica adotadas pelos exércitos helênicos no período Helenístico. Os primeiros registros atestando o emprego do termo Misthóis datam de 479 a.C. em Heródoto: História; 470 e 460 em Aristóteles: Política; e 431 em Tucídides na História da Guerra do Peloponeso (TRUNDLE, 2004:18). Misthóis é termo denominado aos stratiotés especialistas, que faziam da guerra seu meio de subsistência. A. Aymard na sua distinção sobre Mercenário e Mercenarismo toma como epicentro da problemática as crises estruturais da sociedade que acabam imbricando em questões bélicas. Em razão de o pesquisador admitir a existência de mercenarismo anteriormente ao século V a.C., vemos necessidade de proceder os ajustes devidos às especificidades. Como nos aponta Yvon Garlan, aliados eram aqueles que prestavam assistência efetiva em tempo de guerra e symmachia era o nome dado a este auxílio de força suplementar (GARLAN, 1991:41). A partir desse acordo, o aliado poderia solicitar o envio de socorro material como: víveres, navios, armas ou mesmo recursos pecuniários. Era comum que Estados solidários se agrupassem sob o comando ou chancelaria de uma força hegemônica formando ligas ou confederações que poderia ser naval ou terrestre, tais como: Liga de Delos, Liga do Peloponeso, Liga de Corinto. Para termos um exemplo, na Liga do Peloponeso sob a égide de Esparta, elas eram teoricamente voluntárias (GARLAN, 1991:42). As divisões quanto às despesas de guerra eram cuidadosamente estipuladas previamente entre aliados (GARLAN, 1991, 136). Tal fato, nos permite apreender que uma Cidade-Estado, ao solicitar ajuda, poderia assumir as despesas referente à manutenção das tropas de apoio, em parte ou totalmente. Nestas condições, A. Aymard (1967:passim) estaria cometendo um equívoco; não haveria razões para conceber tropas aliadas como mercenárias. O apoio militar nestes casos estaria em conformidade com o conceito de xenos. Portanto, o corpo expedicionário deveria ser considerado um epikourikói e não um misthói. Tucídides fornece exemplos quanto à divisão das despesas de guerra e especifica que o pagamento não era o único e principal elemento envolvido. Havia também questões morais, vejamos:

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Mas Perdicas disse que não havia trazido Brasidas para ser juiz de suas pendências, e sim para ser o destruidor de qualquer inimigo que ele mesmo indicasse, e que Brasidas estaria agindo erradamente se, não obstante, ele estar contribuindo com metade das despesas do exército lacedemônio. [..] Perdicas passou a contribuir somente com um terço, ao invés de metade das despesas considerando-se ofendido (TUCÍDIDES, IV, 83).

Na passagem em evidência, Brásidas foi em auxílio de Perdicas como um aliado e não como mercenário. Ter as despesas pagas por quem as solicitou tratava-se de uma prática comum nas alianças (GARLAN, 1991:43-45). Sendo assim, vemos na teoria de A. Aymard uma maneira diversificada de interpretar o Mercenarismo. Embora existam momentos que o xenos tenha uma ação bem próxima dos misthóis (GARLAN, 1991:45), devemos estar atentos para as exceções, pois a concepção conceitual de A. Aymard: Mercenário e Mercenarismo; pode gerar equívocos. Um stratiotés não deixaria de ser um SoldadoCidadão por receber um soldo excedente pelos serviços de apoio militar. Ademais, o termo Mercenarismo nos indica o uso contínuo e ação proliferada de Soldados-Mercenários. Documentações do período como Tucídides e Xenofontes, assim como a historiografia apresentada neste capítulo, nos mostram que a prática corrente ao uso de SoldadosMercenários na Hélade somente é intensificada a partir do século V a.C. Nos períodos anteriores, a ação de Soldados-Mercenários é uma prática isolada. As relações de apoio militar são em sua maioria feitas em concepção ao xenos. Ressalvando as especificidades e realizando os ajustes necessários, ratificamos que há diferenças entre Mercenarismo e SoldadosMercenários. O fenômeno envolvendo ambas as conceituações encontrase relacionado a turbulências políticas, como no aponta AYMARD (1967:passim). Um exemplo desta premissa pode ser verificado ao observarmos o cenário político e o período em que os autores apresentados neste ensaio, dedicam atenção à figura do SoldadoMercenário e do Mercenarismo na Grécia Antiga. Na década de trinta do século XX, quando G. T. Griffth e H. W. Parker escreviam suas obras sobre o tema em análise, problemas

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econômicos assolavam o sistema financeiro mundial que tentava se reerguer de um colapso nas bolsas de valores de todo o mundo, em razão da quebra da bolsa de Nova York ao final da década de vinte. Motivada por problemas de ordem econômica, a Alemanha começava a se armar e desafiar outras potências na Europa (AURÉLIO, 2005:19). Ao final da década de sessenta, quando André Aymard escreve sobre Mecenariato e a História dos gregos, o mundo vivia um período pós-II Guerra Mundial, encontrava-se bi-polarizado no choque ideológico entre capitalistas e socialistas e envolvido na chamada “Guerra Fria” – um ambiente de Paz Negativa38. Diante do cenário geopolítico em vigor na Guerra do Peloponeso, historiadores contemporâneos como: Victor Davis Hanson e George F. Kennan realizaram analogias entre o conflito envolvendo atenienses e espartanos no século V a.C. e o período conhecido como Guerra Fria no século XX em nossa contemporaneidade. Contudo, outros historiadores como Pedro Paulo Funari ressalvam que estas hipóteses têm recebido críticas (FUNARI In. MAGNOLI, 2009:43) devido aos possíveis anacronismos, na análise comparativa entre os dois distintos períodos históricos. Porém, destaca que o período da Guerra Fria não foi menos real que a Guerra do Peloponeso (FUNARI In. MAGNOLI, 2009:43). A este propósito, André Leonardo Chevitarese aponta que no período conhecido como Guerra Fria, apesar da soberania dos países envolvidos, havia uma série de tratados internacionais assegurando o cumprimento dos acordos comerciais e militares estabelecidos entre as hegemonias e outros países considerados seus “satélites”. Segundo A. Chevitarese, na Antiguidade, o Tratado de Nícias que fora firmado entre atenienses e espartanos no ano de 421 a.C39, por exemplo, pode ser considerado como um acordo isolado entre as duas potências que Conceito que segundo Norberto Bobbio exprime um ambiente que não pode ser considerado efetivamente guerra, mas não pode ser considerado paz. Em um estado de Paz Negativa, duas potências com poderes equivalentes e com interesses contrários evitando se confrontarem diretamente para não se auto-aniquilarem. Também pode se tratar de uma “Paz por obediência”, imposta. (BOBBIO, 2000:516- 517). 39 Tratado de paz entre Atenas e Esparta, que entre outros acordos, estabelecia a não intervenção nos assuntos internos de suas aliadas por um período de cinqüenta anos, mas que durou apenas três anos. O tratado tinha a finalidade de por fim a guerra entre atenienses e espartanos que lutavam até aquele momento, dez anos, sem que nenhum dos lados beligerantes capitulasse. Este acordo diplomático recebeu este nome devido ser Nícias, estratego ateniense, o seu principal articulador. (TUCÍDIDES. V, 18-25). 38

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buscavam a hegemonia política no período; não impedia outras Cidades-Estados de continuarem a se enfrentar mutuamente e fazer suas próprias alianças, como era comum entre os governos políades. Portanto, a Guerra do Peloponeso como um todo nunca existiu. Tucídides é quem, de maneira original, reuniu em um único ensaio os combates e acontecimentos políticos do período “inventando” e dando forma continuada a um conjunto de conflitos que se denominou Guerra do Peloponeso. E é exatamente por essa razão que Tucídides passa a ser considerado como historiador pela historiografia e não por simplesmente registrar fatos tornando-os históricos, como faz a imprensa na atualidade40. Retomando a relação Soldados-Mercenários e turbulência políticosocial, vemos que ao fim do século XX potências ocidentais avançaram militarmente sobre territórios do Oriente-Médio. Nesta conjuntura houve aumento relevante na utilização de tropas militares privadas, ocasião em que o comandante da força multinacional de ocupação no Iraque, David Patraus, fez seguinte afirmação: “sem as forças privadas é impossível vencer uma Guerra” (SANCHES, 2007:56-57). O que se torna importante neste cenário é que o progresso tecnológico do século XX exigiu maior demanda de energia; inclusive pesquisas científicas apontam para possíveis crises do setor. Não devemos esquecer que o Oriente-Médio é uma região rica em recursos energéticos. A necessidade de atuação militar para conquistar e ocupar territórios desconhecidos torna-se uma questão relevante. Assim, quando observamos o crescente número de “Empresas Militares Privadas”, Private Milatary Company – os chamados (PMCs) – percebemos que, em sua maioria, os recrutados são oriundos de países ditos periféricos tais como: Sudão, Colômbia, África do Sul e Brasil (SANCHES, 2007:56). Enfim, ainda na atualidade temos a relação Mercenarismo e crise. Tanto na Antiguidade como na atualidade, há necessidade do contingente militar se adequar à condição daqueles que nada possuem e vêem nas guerras a oportunidade de mudarem sua condição social. Na citação de Isócrates, esta peculiaridade é mais evidente: “Recortem na Trácia território suficiente para que não apenas vivamos em abundância, mas que possamos oferecer vida satisfatória aos gregos que passam necessidade” Observações realizadas pelo Prof. Dr. André Leonardo Chevitarese da Universidade Federal do Rio de Janeiro, por ocasião do exame de qualificação da presente dissertação, o qual se realizou em 11/06/2010. Nota do autor. 40

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(ISÓCRATES, Panegérico. Apud. GARLAN, 1991:145). Destacamos que ao início do século V a.C. ainda não havia forças militares profissionais, portanto não existia stratiotés que vivesse exclusivamente da atividade militar como meio de subsistência. Péricles, que acreditava na superioridade militar natural dos atenienses, tenta justificar por qual razão sua pólis não deveria investir no treinamento contínuo de suas tropas; vejamos a citação: Somos também superiores aos nossos adversários em nosso sistema de preparação para a guerra [...] Nossa confiança se baseia menos em preparativos e estratagemas que em nossa bravura no momento de agir. Na educação, ao contrário dos outros que impõem desde a infância exercícios penosos para estimular a coragem, nós, a nossa maneira de viver enfrentamos tão bem quanto eles perigos comparáveis (TUCÍDIDES, II, 39).

Na Hélade, sobretudo em Atenas, a defesa do território era responsabilidade de uma milícia-cidadã na qual a estreita relação do homem com a terra dos ancestrais figurava como elemento motivador da coragem: “A maneira grega de lutar pode ser explicada como uma percepção mental dos pequenos agricultores de que a terra dos seus ancestrais deveria permanecer inviolada a qualquer custo” (HANSON, 1989:6). As instituições democráticas tomavam o reflexo destes princípios. Em Atenas, para que o cidadão pudesse ser eleito estratego, deveria primordialmente possuir terras dentro das fronteiras da pólis e ser pai de família (GARLAN In. VERNANT, 1994:66-67). Esta preocupação, na qual identificamos um princípio de Civilidade, nos demonstra que o amadorismo militar helênico não se perpetuaria por muito tempo. Na pólis dos atenienses do século V a.C., já era comum os jovens hoplitas, após receberem sua formação básica, serem convocados periodicamente para uma revista em que se observaria a boa manutenção dos equipamentos e das armas, efetuando inclusive algumas manobras em formação cerrada (GARLAN In. VERNANT, 1994:68).

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Neste período começa emergir a especialização das técnicas militares. Tal qual nos menciona Yvon Garlan, se cotejarmos as campanhas militares narradas por Heródoto e por Tucídides, verificamos que a disparidade é extrema. Em Tucídides há uma supremacia de operações militares cuja astúcia sobrepõe a força (GARLAN In. VERNANT, 1994:68). No século IV a.C. aparecem tratados como o Poliorcético de Eneias, o Tático; obras que recomendam treinos e preparação para a guerra, como menciona Platão na Republica. Há uma especialização militar dos estrategos atenienses no qual fica evidenciada a distinção entre o político e o soldado (GARLAN In. VERNANT, 1994:69). Ainda no século V a.C., quando Soldados-Mercenários não eram tão utilizados taticamente e o Mercenarismo não era uma prática, algumas cidades estabeleceram a prática manter um exército permanente. O contingente destas forças poderia variar de trezentos a mil homens. Em 422, os argianos selecionaram mil cidadãos dentre os mais jovens e mais robustos, para alimentá-los por conta da pólis que os deixavam isentos de qualquer serviço; sua única obrigação encerrava se dedicar constante para a guerra. A pólis de Tebas reformulou seu Batalhão sagrado em 379 a.C., trezentos homens teriam sua formação militar e manutenção assegurada pelo governo da pólis. No mesmo período, a Liga Arcádia41 organizou um grupo de eparitóis (guardas públicos) (GARLAN In. VERNANT, 1994:70), demarcando o século V a.C. como um período de especialização militar. Esta prerrogativa associada aos problemas políticos econômicos e agrários criou o ambiente necessário para que cidadãos sem recursos começassem a participar da guerra como meio de subsistência, visando obter recursos que possibilitasse a ascensão social do peltasta, em sua maioria theta, para o zeugita, que se assemelhava a figura do hoplita. Nesta conjuntura, definimos o Soldado-Mercenário como um indivíduo que se tornou um estrangeiro em busca da Civilidade fragilizada pelas crises em suas terras de origem, ou seja, alguém que buscava a estabilidade da cidadania através do Mercenarismo.

A Liga Arcadia foi uma reunião de várias Cidades-Estado da região Arcádia e do Peloponeso em uma única força. A liga foi fundada em 370 a.C. aproveitando-se do decrescente poder de Esparta que e havia dominado militarmente toda a região. Nota do autor. 41

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O Mercenarismo se estabelece nas relações comunitárias assim como nas esferas do Poder, por isto quem o pratica assim como quem o promove não procede de maneira independente nas suas deliberações. Suas decisões encontram-se envolvidos a diversos fatores de ordem: política, econômica, social e militar. O Mercenarismo necessita das turbulências em pelo menos um destes setores para tornar realizável a antítese do Poder Político, entendido como a ordem estabelecida pelo Estado. Nos momentos em que o Poder Político se utiliza do Mercenarismo visando estabelecer sua autoridade, acontece o contrário; é ele quem está se estabelecendo e utilizando o Poder Político. Uma vez adotado, não há como evitar sua ação, pois o Mercenarismo percorre por entre as estruturas da sociedade e a desestabiliza. Soldados-Cidadãos atenienses recorreram à prática do Mercenarismo após o final o século V a.C. pelo fato deste fenômeno deixar transparecer a possibilidade de estabilidade. Nesta conjuntura, a fronteira entre Soldados-Cidadãos e SoldadosMercenários transcende questões de recursos monetários especialidade e habilidade militares. A principal diferença entre estas duas personagens reside no âmbito institucional em que agem politicamente, pois ambos buscam a estabilidade na Civilidade e na Cidadania. Enquanto SoldadosCidadãos procuram mantê-las, Soldados-Mercenários buscam recuperá-la. A historiografia não perde oportunidades de mencionar os dez mil que acompanharam Xenofonte na sua Anábase, e destacar suas características de uma “República Viajante” em vários aspectos: “mantinham assembléias inspirados na vida cívica [...] em meio a aplausos e elogios expressos ruidosamente” (GARLAN, 1991:143-144). Em outro momento: “Os mercenários falangistas de Alexandre, O Grande, gozavam de uma familiaridade com seus superiores nos banquetes e torneios esportivos reais desconhecidos da corte persa” (HANSON, 2002:120-121). Todos estes Soldados-Mercenários que se encontravam nos exemplos citados, traziam uma nostalgia da comunidade políade e da Civilidade abalada. Apontar a distinção entre Soldados-Cidadãos e os SoldadosMercenários, somente é possível diante da compreensão do que vem a ser Civilidade e Linguagem (DETIENNE, 2004:42-44). Através desses conceitos, não só poderemos identificar e conceituar o que são ou quem foram os Soldados-Cidadãos e Soldados-Mercenários, mas também aproximar passado e presente através das Mudanças (DETIENNE, 2004:76-91), pois quando na atualidade não pudermos encontrar algo

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estritamente idêntico, utilizaremos algo oposto ou proporcional para compreender comparativamente.

II. 3- O PODER POLÍTICO E A AÇÃO DO MERCENARISMO Afinal, o que é o Poder? Norberto Bobbio aproxima a prática política do conceito de Poder. Sua afirmação é de que o termo Política sempre designa “o poder ultimo, soberano e supremo de uma comunidade sobre um território” (BOBBIO, 2000:216). Nestas prerrogativas, mais uma vez, não podemos prescindir da definição aristotélica de que “o Homem é um animal político” (ARISTÓTELES, Política, I, 1256 a). Entende-se por Político, uma condição natural de sociabilidade do Homem na qual se destacam as relações de domínio e obediência. Pois toda relação social ou comunitária, somente se estabelece através de normas ou de leis em prol de um interesse comum. Caso contrário nos encontraríamos diante do Estado de Natureza hobbesiano (HOBBES, Leviatã, XIII:passim). Se de fato o homem, tal qual nos aponta Aristóteles, é um ser naturalmente social percebemos que no âmbito da política (âmbito do comunitário) não há como se pôr à parte as relações de poder que os homens estabelecem entre indivíduos e entre grupos. Assim, o Poder pode ser “entendido como a capacidade que um sujeito tem em condicionar, influenciar e determinar o comportamento de outro sujeito ou de um grupo” (BOBBIO, 2000:216). Cotejando a teoria de N. Bobbio às ocorrências e fatos da pólis dos atenienses ao fim do V e início do IV século a.C., percebemos a evidencia com que cidadãos dos primeiros segmentos censitários exerciam domínio sobre os demais grupos políticos utilizavam-se de uma postura ideológica42 para manipular as massas. Nas comédias aristofânicas do período em análise, encontramos conotações referentes à maneira como determinados grupos políticos se mantinham no topo da hierarquia social. Na visão de Aristófanes, os cidadãos economicamente abastados e que possuíam preparação política, O ideológico é uma ação da Ideologia, conceito que para N. Bobbio implica um elemento de falsa consciência. O único critério no qual podemos julgar uma Ideologia é o de sua eficácia prática e não o caráter de sua verdade. (BOBBIO, 2000:418-650). 42

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persuadiam os demais com belos discursos, ao mesmo tempo em que subjugavam economicamente os que eram menos providos de recursos. Em Atenas, no século V a.C., havia um consenso: o cargo de strategoi deveria exigir algum conhecimento técnico de combate. Ao final do século V e início do IV, a necessidade desta prerrogativa se acentuou quando se acrescentou ao conhecimento técnico o saber especializado de combate. Os critérios de eleição haviam mudado e os strategois que se elegiam doravante dominavam as técnicas inerentes aos assuntos de guerra e se diferenciavam dos demagogos, que eram mestres da oratória nas assembléias (GARLAN, 1991:139). A partir das inovações políticas que emergiram ao final do século V, os integrantes da elite social ateniense deixaram evidentes algumas características inerentes ao Poder Político: evitar uma distribuição equitativa do poder na qual existem aqueles que comandam e aqueles que obedecem. Contudo, na pólis dos atenienses, tal prerrogativa ocorreu através do uso acentuado da Violência Estrutural43. Ao final do século V a.C., como destaca Yvon Garlan, oradores e strátegois passaram a agir em conjunto, formando corriolas mais ou menos estruturadas e representativas de diferentes correntes, para manterem-se no poder (GARLAN, 1991:140). Isto vem ratificar a visão de José Antônio D. Trabulsi de que o regime democrático ateniense era competitivo, elitista e, paradoxalmente, antidemocrático (TRABULSI, 2001:93). O Poder Político se distingue das outras formas de poder, trata-se de um signo que representa a ordem-social estabelecida; são os mecanismos que se utiliza o Estado para manter suas instituições e controlar seus cidadãos. Para obter o efeito desejado, o Poder Político pode se utilizar diversos meios e de outras formas de poder, dentre eles: o Poder Ideológico, o Poder Econômico e em sua ultima instância, o Poder da Força (BOBBIO, 2000:221). Sendo este último a violência empregada por quem está autorizado por um sistema normativo (BOBBIO, 2000:514).

Em conformidade com Norberto Bobbio: uma violência que as instituições de domínio exercem sobre o sujeito, incluindo-se nela as injustiças sociais, as desigualdades entre ricos e pobres, poderosos e não poderosos, a exploração em diversas ramificações, além do imperialismo e do despotismo. (BOBBIO, 2000:176). 43

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A crescente contratação de Soldados-Mercenários ao fim do século V a.C. nos permite compreender que a ação conjunta entre strategos e oradores, pode ser interpretada como uma tentativa de manutenção do Poder Político. O Mercenarismo atendia às especificidades do Poder Político, pois todo contingente militar contratado poderia ser utilizado tanto para manter a ordem, quanto para dissuadir inimigos ou submetê-lo a seus interesses através da Força. Entre as prerrogativas do uso e Soldados-Mercenários por parte do Poder Político conta a particularidade de permitir que um maior número de cidadãos esteja possibilitado de cuidar de seus afazeres, contribuído para aumentar o poder econômico da pólis. Além, é claro, de poder contar com um stratego experiente e bem treinado aos serviços enquanto estiver lhe pagando (MOSSÉ In. VERNANT, 1999:296). Para termos uma noção da articulação entre Mercenarismo e Poder Político, em conformidade com as proposições de Matthew Trundle, a contratação de Soldados-Mercenários entre os gregos teve inicio diante das tiranias do século VI a.C., pois tiranos necessitavam de um extenso e hábil corpo de guarda para prover sua segurança pessoal (TRUNDLE, 2004:5). Com esta atitude a elite social, ratificava a ação do Poder Político através do Poder Econômico. II.4 - O MERCENARISMO O início do Mercenarismo ao final do período Clássico deu-se em razão de condições sociais e políticas favoráveis. Em primeiro lugar, havia a necessidade de segmentos menos providos de recursos conseguirem subsistência e, em segunda abordagem, o interesse de governos políades em reunir contingente militar especializado e estarem dispostos a pagar por este contingente para cumprir projetos de projeção de poder (GARLAN, 1991:156). Nestas conformidades, o Mercenarismo caracterizava a nova ordem política, inclusive foi bem aceito pelas massas pelo fato de servir como perspectiva de sobrevivência tanto aos que nada possuíam, quanto para aqueles que tudo perderam nos conflitos bélicos do final do século V a.C..

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O Mercenarismo diante dos estratos sociais menos favorecidos figurava como uma sublevação social as pressões políticas que o cumprimento dos deveres cívicos exigia e do oportunismo que emanava por parte dos cidadãos mais abastados, os quais se utilizavam da sua potencialidade econômica articuladamente às estruturas do sistema democrático para se perpetuarem à frente das instituições que representavam o poder. Porém, a via econômica não é o único campo de ação do Poder Político. Na forma de Poder Ideológico, o Poder Político torna legítimo o uso da força física e impede a insubordinação domando a desobediência segundo os interesses desejados. Incluí-se nesta conjuntura o desencadear da guerra contra qualquer resistência inimiga (BOBBIO, 2000:221-222), pois toda articulação política é uma luta pelo poder e a tipologia de poder mais definitiva é o da violência (ARENDT, 1970:15). Embora sejam pares, Violência44 distingue-se de Força visto que a primeira se trata de um ato transgressor das normas estabelecidas, por isso é totalmente ilegítimo; enquanto que a segunda, devemos lembrar, trata-se de um ato legal, pois está amparado pelas normas e leis estabelecidas. Para que o Poder Político possa se estabelecer, não há como se prescindir da Força – seu aparelho coercitivo legítimo – a qual tem por finalidade coibir a Violência, uma ameaça à ordem estabelecida. Contudo, vemos que a Força jamais conseguirá extingui-la, pois a violência também se manifesta na forma de Violência Estrutural, isto é, uma violência que as instituições de domínio exercem sobre o sujeito, incluindo-se nela as injustiças sociais, as desigualdades entre ricos e pobres, poderosos e não poderosos, a exploração em diversas ramificações, além do Imperialismo e do Despotismo (BOBBIO, 2000:517). Segundo N. Bobbio, uma maneira de amenizar a ação da Violência Estrutural seria possibilitar que decisões no âmbito social não partissem exclusivamente dos grupos dominantes. Ou seja, as decisões que determinam o ordenamento social também deveriam partir das O conceito de Violência muda segundo se trate de ação individual ou coletiva. A violência pessoal e individualizada, salvo casos excepcionais é condenada. A violência das instituições ou cometida seguindo as normas sociais, salvo casos excepcionais, é justificada. (BOBBIO, 2000, 176). 44

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massas socialmente menos favorecidas para as elites sociais, e não de cima para baixo como víamos acontecer na pólis dos atenienses no século V a.C. Porém, em razão das estruturas que compõem o Estado (instituições de domínio que exercem o poder de maneira vertical descendente) e pelo fato dos homens serem dotados de uma antropologia negativa denominada Rude Matéria, na qual os mesmos se apresentam como um animal violento, passional e enganador (BOBBIO, 2000:55), esta perspectiva mostra-se inaplicável. A historiografia nos mostra que na sociedade helênica, a aristocracia e os financeiramente abastados sempre ocuparam o topo de uma hierarquia social, mesmo em regimes democráticos como viveu a pólis dos atenienses no século V a.C., em que se prezava pela isonomia. Sessenta e cinco por cento (65%) dos strategos eleitos eram grandes proprietários de terra e pertencentes à aristocracia ateniense (PROST, 1999:114-115). A Guerra Peloponeso por vezes impediu camponeses de cuidarem das suas propriedades em razão de estarem envolvidos em campanhas militares ou mesmo em razão da migração forçada para a cidade, decorrência dos saques inimigos (GALENO, 2005:122). Os danos causados à agricultura, embora não tenham sido tão devastadores contribuíram para um inchaço demográfico nos centros urbanos gerando problemas de ordem social (GALENO, 2005:130). Quando a guerra acabou, embora pobres continuassem sendo a maioria entre os cidadãos atenienses ativos que votavam nas assembléias, a situação para eles havia se agravado, pois apenas um quinto destes cidadãos possuía terras e permaneciam na área urbana da pólis (GALENO, 2005:124). Em conformidade com Peter Jones, a população ateniense em 431 a.C. estimava cerca de 300.000 a 350.000 (JONES, 1997:159). Segundo as estatísticas de Pierre Brulé, as baixas militares que se contabilizaram do período de 431 a 400 a.C., estimavam aproximadamente 55.000 cidadãos (BRULÉ In. PROST, 1999:61). Veja tabela a seguir:

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Período

Perdas de Cidadãos

Hoplitas

Cavaleiros

Thetai

Colonos

Média anual

Nº de Batalhas

431400 a.C

49.500

12.050 x 1.5 = >18.100

550

10.250 x2=

2000

1.648

66

> 55.000

>20.500

Tabela 4: Baixas Militares (431-404)

Dentre as alternativas que visavam solucionar o problema demográfico que emergiu entre os atenienses após a Guerra do Peloponeso, encontrava-se a fundação de colônias com o excedente contingencial das guerras. Tal particularidade levou Isócrates a sugerir em 380 a.C. o seguinte: “Recortem na Trácia território suficiente para que não apenas vivamos em abundância, mas que possamos oferecer vida satisfatória aos helenos que passam necessidade” (ISÓCRATES, Panegírico. Apud. GARLAN, 1991:145). Outra possibilidade para solucionar o inchaço populacional urbano seria se beneficiar dos serviços de experientes veteranos de guerra em projetos políticos de expansão territorial como fez Alexandre, O Grande, que chegou a empregar milhares de Soldados-Mercenários em 329 a.C. (KEEGAN, 1995:245-246). Na pólis dos atenienses do período Clássico, as relações internas envolvendo grupos políticos se davam por meio de tensões. Com a Guerra do Peloponeso, elas tiveram por tendência aumentar. Um exemplo de tensões entre facções políticas rivais pode ser apreciado na Revolução ou Golpe Oligárquico ocorrido em 411 a.C., o qual instaura em Atenas um governo conhecido como “O Conselho dos Quatrocentos”. Diante do triunfo dos oligarcas, soldados e marinheiros da frota que estava aportada em Samos se mobilizaram e organizaram uma Ekklésia que destituiu os strategos simpáticos à facção Oligarca, ou seja, realizaram uma espécie de contragolpe. Em 410 a.C., a democracia já havia sido restituída (MOSSÉ In: VERNANT, 1999:293). O Poder necessitaria destas tensões para ser o que é? Observando o pensamento aristotélico, defensor de que tudo visa a um Bem maior procurando seu lugar de ordenação (Cf. ARISTÒTELES.

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Ética a Nicômacos, 1094 a), vemos que as tensões existentes nas relações político-sociais, também não se encontram à parte desta teoria. Neste sentido, as revoluções, embora intentem abruptamente mudar o status quo45, estão na verdade à procura de novas respostas para determinados problemas; procuram restabelecer a ordem. No século V a.C., a pólis dos atenienses vivenciava um regime democrático no qual o corpo de cidadãos através das Ekklésias representava o Poder Constituído. Esta modalidade de poder era legítima porque se referia e se identificava com o conceito de política, o meio pelo qual os cidadãos eram detentores do poder através de um corpo comunitário. Embora, tal como mencionamos anteriormente, o Poder Político fosse conduzido pelas elites sociais através das instituições democráticas, no sistema democrático radical - como foi o sistema político ateniense ao final do século V a.C. - os que integravam o corpo comunitário de cidadãos eram os verdadeiros detentores do poder. Embora pudessem ser atingidos pelo Poder Ideológico e manipulados por discursos eficazes, os cidadãos atenienses eram capazes de alterar a ordem estabelecida através do voto nas Ekklésias. Um exemplo desta premissa ocorreu na votação pela condenação dos strategos que retornaram da campanha naval em Arginusa, anteriormente abordada neste trabalho. Nesta contextualidade, há possibilidades de que as alterações políticas não ocorram de maneira cooperativa, então ela é alterada abruptamente pela stásis (a guerra civil), a qual, segundo as especificidades do contexto social de produção, justificaria a máxima proclamada por Mao Tsé-Tung de que “o poder brota do cano de uma arma” (Mao Tsé-Tung. Apud. ARENDT, 1970:6). Em documentações do período analisado - dentre elas comédias aristofânicas - podemos apreender que durante a Guerra do Peloponeso houve acentuada atividade da Violência Estrutural. Porém, percebemos que esta Violência Estrutural se manifestava através das tensões políticas que o regime democrático radical ateniense permitia, pois em conformidade com Julián Galeno, em Atenas havia uma tensão política entre campo cidade pelo exercício real do Poder Político. O surgimento de lideranças políticas ao estilo típico dos políticos 45

O estado em que estão atualmente as coisas. (AQUAROLE, 1993:70).

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demagogos demarcava a distinção entre cidadão urbano e massas rurais (GALENO, 2005:125). Segundo Julián Galeno, o historiador Tucídides em várias passagens de seus escritos crítica as assembléias de cidadãos pelas decisões tomadas. Aristófanes procede, tal qual o mencionado historiador, porém destaca que as decisões da massa cidadã na sua grande maioria, simples camponeses, eram facilmente enganada por belos e eficazes discursos políticos (GALENO, 2005:126). Tal ocorrência de fatos nos demonstra que o Poder Político embora emanasse do Demos, encontrava-se dividido entre os segmentos Zeugitas e Thetai que ora apoiavam facções políticas oligárquicas, ora facções políticas aristocratas que os levavam a seguir discursos que acentuavam as tensões políticas entre campo e cidade. Esta incidência tornava o Poder Político suscetível às ameaças de sublevação por parte destas massas populares, ocorrência que sob a perspectiva filosófica de Antônio Negri, trata-se de um fenômeno que torna os acontecimentos históricos e o quadro político-social intimamente relacionado (NEGRI, 2002:22). As massas de Soldados-Mercenários na Hélade ao final da Guerra do Peloponeso eram em grande parte sem-terras, Soldados-Cidadão veteranos seduzidos por melhores condições de vida. Um atrativo para suprir a necessidade de contingente militar de potências políticas do período (KEEGAN, 1995:245-246). Este quadro social foi o produto de séculos de tensões políticas relacionando armas e direitos de cidadania. O surgimento da Falange dos Hoplitas, em meados do século VII a.C., nos mostra que o alargamento da cidadania e maior participação política dos camponeses não se trataram de algo dado gratuitamente. A consolidação destes direitos veio com as reformas de Sólon, contudo, as elites sociais continuaram a operar o poder através de clientelismos, que lhes permitia manipular lavradores tanto quanto aqueles que viviam de jornada (GALENO, 2005:130-131). Após a Guerra do Peloponeso, muitos lavradores que haviam perdido suas terras durante a guerra viram em trabalhadores urbanos pobres - sapateiros, ferreiros e tantos outros artífices que viviam de jornada - uma causa comum. Indivíduos que tinham se habituado à participação na vida política ativa – principalmente após as reformar de

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Efialtes46 - não admitiriam passividade diante do novo quadro político social. Ao adotarem o Mercenarismo como forma de subsistência, as camadas menos providas de recursos se apresentavam como parte ativa de um quadro social revolucionário, não como instrumentos passivos ou meros produtos de uma turbulência social que relacionava guerra, economia e política. Soldados-Mercenários oriundos das massas camponesas e artífices das camadas pobres assumiriam a postura de um Poder constituinte, a possibilidade de sublevação contra o Poder Político.

Efialtes era filho de Sofónides liderou, conjuntamente com Péricles, a facção democrática em Atenas no final da primeira metade do século V a.C. Foi um dos responsáveis pela reforma do Areópago, órgão controlado pela aristocracia, limitando o seu poder ao julgamento de casos de homicídio e crimes religiosos. Esta reforma teria ocorrido em 462 a.C. e não teria sido bem recebida entre a aristocracia. (GALENO, 2005:125). 46

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CONCLUSÃO A visão antropocêntrica dos atenienses em relação às demais etnias que habitavam a região mediterrânica no século V a.C. modificou-se consideravelmente após a Guerra do Peloponeso. Isso ocorreu em razão do alto índice de mortalidade e baixa taxa de natalidade no corte temporal que se estendeu de 431 a 400 a.C. Como a guerra trata-se de um fenômeno capaz de aproximar culturas - ainda que seja por atos de Força ou Violência - as gerações atenienses que nasceram no período em evidência se habituaram não somente com a morte e a violência cotidiana dos combates e campanhas militares, eles acostumaram-se a conviver com o “Bárbaro” através da contratação de Soldados-Mercenários que tornava-se cada vez mais freqüentes ao final do século V a.C. Embora a aproximação de Culturas distintas tenda a reduzir as diferenças propiciando mudanças na estrutura cultural da sociedade, os gregos mantinham sua identidade cultural através das unidades étnicas. Assim, tropas helênicas que se encontravam articuladas taticamente a outras etnias, embora fossem de poleis e regiões distintas da Hélade, viam na Cultura um fator comum à Civilidade. A Civilidade diverge da concepção de Civilização. Enquanto Civilização encontra-se relacionado a questões históricas e geográficas; Civilidade se trata de uma manifestação prática da Cultura, qualificando o indivíduo como um perfeito cumpridor dos deveres cívicos: leis, ritos, práticas sociais e religiosas (DETIENNE, 2004:40-44). Através das constantes guerras do século V a.C. e dos problemas de ordem econômica social decorrente dela, a Civilidade dos Soldados-Cidadãos atenienses tendeu a se modificar. Através disto, os cívicos SoldadosCidadãos atenienses, defensores da tradição dos ancestrais, ao tornaremse Soldados-Mercenários e se integrarem ao Mercenarismo, estavam na verdade, buscando recuperar a Civilidade alterada e a estabilidade na cidadania perdida. Na pólis dos atenienses, a participação política e a isonomia que caracterizava o cidadão livre, dotado de igualdade diante das leis e com direito à palavra se solidificou no século V a.C. e chegou ao extremo, caracterizando uma democracia radical. Curiosamente foram estas mesmas prerrogativas que permitiram o ocaso desta estrutura.

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Soldados-Cidadãos conheceram o fim da sua era no século V a.C.. Contudo fizeram surgir o poder e a ação dos Soldados-Mercenários no século IV através do Mercenarismo. Vemos que este fenômeno se desenvolveu das crises do regime políade abalando sistematicamente estruturas políticas, econômicas, agrárias e militares. No século IV a.C., Soldados-Mercenários eram figura comum, caracterizando o Período Helenístico como um período propício à prática do “Imperialismo”. E isso ocorreu pelo fato de que, enquanto profissionais das armas, os Soldados-Mercenários estavam ligados à obediência do comandante e, antes de qualquer coisa, ao cumprimento do seu contrato (MOSSÉ, In: VERNANT, 1999:297). O desinteresse do indivíduo com a participação política tornava o Mercenarismo um terreno fértil para projetos expansionista, a qual visava manter todas as movimentações políticas sob uma única égide. Apesar das turbulências políticas e adaptação a um novo quadro social, o Mercenarismo apresentava a esperança de restabelecimento da ordem social. Devido ao cenário agonístico da política interna em Atenas, Soldados-Cidadãos daquela pólis tinham sido vítimas de Violência Estrutural na era democrática. As relações entre póleis durante a Guerra do Peloponeso possibilitou aos Soldados-Cidadãos se tornarem um SoldadoMercenário, emergindo como força de sublevação contra instituições de domínio na sociedade helênica através do Mercenarismo, um signo de instabilidade: o Poder Constituinte. No século V a.C., emergiu a especialização militar na Hélade e transformou a Guerra - um fenômeno identitário da sociedade e da cultura helênica – numa atividade cada vez mais técnica e relacionada com os interesses políticos e diplomáticos das Cidades-Estados. Tal peculiaridade fica-nos mais evidente quando analisamos o discurso de Tucídides em A História da Guerra do Peloponeso. Nesta obra, o historiador nos apresenta diversas descrições quanto ao emprego de Soldados-Mercenários47. A metodologia utilizada sobre a documentação a saber: Tucídides com A História da Guerra do Peloponeso e Xenofonte com As Helênicas; nos permitiu analisar o contexto social de produção da pólis dos atenienses no período Clássico. Sob a perspectiva da Análise do Discurso articulada à grade de Análise do Conteúdo de A. J. Greimas. Ver Tucídides ( I, 115.4; II, 33.1, 70.3, 79.3; III, 18.1, 34.2, 85.3, 109.2; VI, 46.2, 129.3, 130.3, 131.3; VII, 43.1, 57.3,9,11, 58.3; VIII, 25.2, 28.4,38.3). 47

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Semiótica e Ciências Sociais foi possível destacar as intertextualidades e polifonias existentes. O Método possibilitou um distanciamento do objeto de análise e permitiu que o discurso fosse analisado sob diversos ângulos. Como exemplo, através do método foi possível identificar através da análise Comparativa Produtiva (DETIENNE, 2004:48) entre Soldados-Cidadãos e Soldados-Mercenários que a relação entre estas duas categorias transcendiam as questões bélicas junto aos atenienses. Com a recorrência aos recursos metodológicos, evitamos ou minimizamos que perspectivas marcantes sejam apagadas, pois o sujeito que constrói o Discurso não é um indivíduo isento, mas sim autônomo. Dessa forma, tanto Tucídides ao descrever A História da Guerra do Peloponeso quanto Xenofonte nas Helênicas, utilizaram determinados termos para se referir aos Soldados-Cidadãos e aos Soldados-Mercenários. Embora, não tenham deixando de relatar os fatos ocorridos, os autores o fazem segundo a perspectiva de seu tempo com todos os signos e ideologias de sua época, ou seja o período Clássico e Helenístico. A nomenclatura pela qual Tucídides se refere a estes combatentes, Epikourikós (TUCÍDIDES:passim), nos permite apreender não somente a proximidade entre Soldados-Mercenários e tropas políades, mas também declarar que houve ao início do século IV a.C., projetos políticos que envolviam guerra e relações diplomáticas direcionado ao emprego de Soldados-Mercenários. Nas exposições apresentadas por Marcel Detienne (2004, passim), onde é possível comparar sociedades e culturas distintas no tempo e no espaço, houve oportunidade de se refletir sociedades da Antiguidade a partir de nossa atualidade e vice-versa. Neste sentido, é relevante novamente destacar a declaração de David Patraus quanto à importância dos PMC nas novas estratégias de guerra. Isto mais uma vez, destaca a relevância da temática envolvendo Soldados-Mercenários, pois vemos que a ação e emprego destas tropas desde a Antiguidade não permite que a desconsideremos nos assuntos pertinentes à guerra. A guerra não poderia ser dissociada da cultura entre os povos helênicos. No período Clássico, por exemplo, a visão de cidadania estava condicionada ao agon (disputa). Havia toda uma prática social voltada para a competitividade. Tal atributo pode ser percebido em atividades esportivas como jogos olímpicos, festivais teatrais, o discurso nas assembléias e postura no campo de batalha. Nas palavras de Platão,

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percebemos que atividades nas quais o agon encontra-se presente havia um ideal de cidadão-guerreiro que dentre as virtudes do seu caráter deveria abrigar uma coragem destemida, vejamos: “Ora, daqueles que morreram em campanha, quem cair gloriosamente, não diremos que pertencem à raça de ouro?” (PLATÃO, República, 468 a) Na pólis dos atenienses, a condição de cidadão-guerreiro poderia refletir o status social do indivíduo, pois todo o armamento era financiado pelo próprio cidadão que sob um sistema de milícia se apresentava para lutar quando convocado. A capacidade econômica dos cidadãos se dotarem de um armamento adequado em caso de necessidade era um fator primordial (GARLAN In. VERNAN, 1994:57). Os zeugitas formavam 80% da infantaria pesada helênica, os Hoplitas (KEEGAN, 1995:260), agricultores, pequenos proprietários de terra. Ao abordamos a pólis dos atenienses quanto à relação envolvendo condição social e armas, fica-nos perceptível que os cidadãos os quais não possuíam propriedades - e por isso viviam de jornada de trabalho, como os thetai - buscavam ascender socialmente à condição de hoplita. Tornando-se especialistas na guerra, os integrantes deste seguimento social instituído pelas medidas políticas de Sólon, teriam a oportunidade de conseguir recursos pecuniários para dispor de uma armadura de combatente e com ela participar mais ativamente da guerra (CANFORA In. VERNANT, 1994: 108-109). Ao início do século V a.C., Atenas investiu em uma frota naval de guerra e desta maneira surgiu a oportunidade de muitos thetai que não possuíam recursos pecuniários para dispor de uma armadura de hoplita ascenderem à condição de cidadãos-guerreiros tornando-se marinheiros da pólis ateniense, considerada a detentora da maior armada do mundo helênico (CANFORA In. VERNANT, 1994: 108109). Nestas condições, podemos observar como as freqüentes guerras e conflitos no século V a.C. poderiam estar diretamente relacionados às questões sociais e como elas permitiram a especialização dos atenienses nos assuntos militares. Principalmente em se tratando dos cidadãos e habitantes da pólis dos atenienses, afinal de 490 a 338 a.C., esta pólis guerreava dois, de cada três anos (GARLAN, 1991:12). Diante da experiência de combate adquirida, principalmente durante a Guerra do Peloponeso, que durou vinte e sete anos, 431 a 404 a.C., aqueles que não tinham propriedades juntamente com aqueles que

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as perderam viram nas guerras um ambiente propício para conseguir recursos pecuniários. Esta relação envolvendo guerra e economia justifica, em parte, o crescimento da prática do Mercenarismo. Tais apreensões tomam maior pertinência quando observamos as afirmações de Matthew Trundle de que o uso de Soldados-Mercenários neste período foi bastante explorado e que a maioria dos mercenários gregos provinha de pequenos proprietários de terra, Soldados-Cidadãos, camponeses das pólis helênicas (TRUNDLE, 2004:1-3). Esta peculiaridade contribuiu para desencadear mudanças de ordem político-social e ações práticas por parte do Poder Político que procurou manter o controle sobre seus cidadãos. O que pretendemos dizer com Mudança, na especificidade do Poder Político em se utilizar de todos os instrumentos possíveis para se perpetuar alterando-se e se adaptando à nova ordem político-social, não se refere necessariamente a uma mudança cronológica e histórica - embora num primeiro olhar isto seja o mais evidente. Referimo-nos a uma mudança de estado do próprio objeto que ao procurar uma resposta a partir dele mesmo, gera algo novo e imprevisível. Marcel Detienne afirma que o conceito de Mudança, encontrase relacionado ao passado e ao presente (DETIENNE, 2004:76-91). O pesquisador declara que para se entender as Mudanças, ou seja, no que o objeto de análise se tornou, muitas vezes é preciso recorrer a “uma idéia oposta e a uma mudança proporcionada” (DETIENNE, 2004:78). Tal premissa, dentro do debate envolvendo a guerra e a sociedade ateniense no V século a.C., mostra-nos que o melhor meio que Soldados-Cidadãos encontraram para desafiar a Violência Estrutural a qual eram submetidos, foi transformarem-se em Soldados-Mercenários e adotarem valores que em muitos aspectos divergiam das tradições as quais foram herdeiros. Em contrapartida a estas ações, o Poder Político visando manter sua égide utilizou-se do Poder Ideológico construindo uma imagem pejorativa da figura do Soldado-Mercenário. E o fez comparando-o com o SoldadoCidadão, destacando o que era singular em cada um deles. O discurso circulante entre as elites enaltece as qualidades do Soldado-Cidadão e concomitantemente difama o Soldado-Mercenário. Isto foi feito mesmo quando o Soldado-Mercenário não era o ponto fundamental da discussão, mas sim, a natureza da coragem. Vejamos que diz o discurso de Aristóteles:

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Os soldados profissionais, mostram-se covardes quando a tensão do perigo é muito grande e quando são inferiores em número e em equipamentos. E, com efeito, são os primeiros a fugir, enquanto que as tropas de SoldadosCidadãos morrem em seus postos (ARISTÓTELES, Ética a Nicômacos,1116 b).

As prerrogativas aristotélicas nos permitem apreender que de fato houve uma construção da figura do Soldado-Mercenário. Se esta figura trata-se de uma imagem positiva ou negativa aos receptores do discurso, depende da tensão entre os poderes envolvidos. Ao final deste trabalho, podemos declarar que ao fim das guerras do século V a.C. os segmentos menos providos de recursos da sociedade ateniense tornaram-se Soldados-Mercenários possibilitando o Mercenarismo, não somente em razão da especialização nos assuntos pertinentes à guerra, mas também em conseqüência da Violência Estrutural vigente e do convívio com o outro, que era contratado para suprir a falta de contingente militar devido ao alto índice de mortalidade durante a Guerra do Peloponeso. As gerações que nasceram no período do citado conflito, quando atingiram a idade adulta no final século V a.C., já não encontravam tanta dificuldade que seus ascendentes em se articularem militarmente a exércitos formados por várias etnias. A parir da análise das flutuações envolvendo relações de poder, o Mercenarismo ao fim do período Clássico helênico apresentava-se como parte ativa de um quadro social revolucionário e não mero produto da turbulência social que relaciona guerra, economia e política. O fato de existir naquela sociedade um Poder Político mutável capaz de adaptar-se a um novo ordenamento utilizando-se do Poder Ideológico construiu um discurso em prol da figura do Soldado-Mercenário a partir da figura do Soldado-Cidadão. Porém, os discursos poderiam mudar em decorrência dos interesses envolvido. Afinal, os Soldados-Mercenários no exército de Alexandre, o Grande, recebia a denominação de xenoiMisthophoroi, para ser diferenciado dos não gregos (TRUNDLE, 2004:17). Também pôde ser atestado que de fato havia um planejamento político para empregar massas populares sem ocupação e adquiriram

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habilidades militares especializadas. Dentre as propostas, encontravamse a fundação de colônias ou mesmo empregá-los em guerras de conquista como fez Felipe da Macedônia seguido por seu filho Alexandre, o Grande. Por último, a partir das proposições apresentadas chega-se à conclusão de que o Mercenarismo foge às esferas individuais dos desejos humanos e habita o plano das relações políticas. Não se trata de uma discussão sobre o bem ou mal, justo ou injusto, mas sim de relações que envolvem o Poder em diversas esferas. Enquanto hegemonias políticas poderiam usar o Mercenarismo para perpetuar sua égide, outras esferas da sociedade puderam se utilizar dele para desestabilizar uma ordem vigente – ainda que a ação tenha sido consciente. Destacamos esta observação, em razão do fato de que Soldados-Cidadãos, ao se tornarem Soldados-Mercenários na Hélade do período Clássico, não tinham entre seus objetivos o intuito de desestabilizar governos e subverterem a ordem. Soldados-Cidadãos tornaram-se Soldados-Mercenários primeiramente em busca de melhores condições de vida e visavam retomar à Civilidade perdida juntamente com sua cidadania própria do Soldado-Cidadão.

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GLOSSÁRIO Agon - αɣονcontenda, luta, qualquer disputa inclusive os festivais teatrais e jogos olímpicos. Areté - αρετή - virtude, coisa admirável no caráter do indivíduo. Barbaros - βαρβρος - bruto, rude, sem civilidade; aquele que não fala a língua e nem vive segundo os costumes helênicos. Cleuruquia – κλευχιαχ - assentamento de cidadãos pobres que recebiam um pedaço de terra em território conquistado. Estes indivíduos conservavam todos os direitos de cidadania. Civilidade: consciência histórica que carrega tudo que as tradições representam. (cf. Marcel Detienne. Comparar o Imcomparável. 2004). Democracia – δημοκρατια - governo do demos, o demos era composto pelo corpo de cidadãos; massas populares da pólis. Demos - δεμος - comunidades locais que foram a base das reformas políticas de Clistenes. O demos tratava-se do pré-requisito para possuir uma cidadania em Atenas. Outros significados: cidadãos mais pobres; corpo de cidadãos adultos; constituição democrática; o povo de Atenas na Ekklesia. Drácma – δραχιμα - unidade monetária que tinha como referência mínima o óbulo; seis óbulos constituía um drácma; cem drácmas:uma mina; sessenta minas: um talento. Eisforái – εισφοραι - Imposto sobre capital, muitas vezes recolhido quando a cidade estava em guerra. Este imposto era cobrado principalmente por estrangeiros residentes na pólis, os metecos. Epikourikós - έπικουρικό - companheiro, aquele que combate junto; companheiro de combate, auxiliar. Estratego - στρατεγό - oficial general. Em Atenas eram eleitos todo ano diretamente pelo voto do demos, podendo ser reeleito. Força: Violência praticada sob respaldo de uma legislação ou norma social. (Cf. Norberto Bobbio. Teoria geral da Política. 2000). Guerra: Conflito organizado e violento entre dois ou mais grupos políticos com finalidade de estabelecer a ordem e firmar seu poder político contra os demais. (Cf. Norberto Bobbio. Teoria geral da Política. 2000). Guerra de Tróia: conflito de dez anos entre gregos e troianos, o conflito teria ocorrido, segundo os poemas épicos de Homero, em aproximadamente entre 1200 a.C. Guerras Greco-Pérsicas: Guerra entre helenos e povos persas ao início do século V, 490-479 a.C. Guerra do Peloponeso: Conflito entre helenos envolvendo a pólis dos atenienses e a pólis dos espartanos em uma guerra pela liderança política na Hélade que durou vinte e sete anos, 431-404 a.C.

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Hélade - ελλα - (hellás): palavra que designava todo o mundo grego e não uma única cidade, incluindo-se no termo o fator de identidade cultural. Hippieis – ιπιεις - segmento censitário formado por cidadãos com renda anual estimada em no mínimo quinhentos médimnoi. Hoplita - ὁπλίτης - soldado que integrava uma milícia cidadã e combatia munido de escudo circular, lança medindo 2,5 m; couraça, grevas e elmo de bronze. Em conjunto formavam a Falange Hoplita, corpo de infantaria pesada que combatia de maneira organizada e em fileiras de homens perfilados. Isegoria - ισεγορια - mesmo direito a palavra. Isonomia - ισονομια - igualdade perante as leis. Liturgia - λιτουργιαι - imposto pago aos cidadãos mais ricos de Atenas para financiamento de peças teatrais e despesas de funcionamento e manutenção de uma trirreme. Liga de Delos: Confederação de póleis sob a liderança de Atenas com a finalidade de garantir a segurança da Hélade contra as invasões dos persas. Os membros desta coalizão de póleis pagavam tributos a Atenas em navios ou em dinheiro. Liga do Peloponeso: Confederação de póleis sob o comando de Esparta visando garantir a segurança dos helenos contra o domínio estrangeiro. Com a criação da Liga de Delos comandada pelos atenienses criou-se uma bipolaridade de poder na Hélade, onde Esparta dominava como potência terrestre e Atenas como potência naval. Linguagem: Conceito capaz de produzir interpretações de Civilidade. (Cf. Detienne Marcel. Comparar o Imcomparável. 2000). Médimnos - μέδμνο - medida ática para medida de grãos, aproximadamente 54 litros. Mercenarismo: fenômeno onde problemas políticos, econômicos e agrários se relacionam diretamente com questões militares. O Mercenarismo sobrevive das crises e turbulências políticas e paira além das vontades pessoais, pois ele é necessário em determinado quadro social. Quem o pratica, assim como quem o promove, são seus instrumentos passivos. Meteco - μέτοικο - emigrante, cohabitante, estrangeiro residente, nãocidadão que habitasse amais de um mês a pólis. Os metecos estavam sujeitos ao serviço militar e aos impostos especiais, porém proibidos de possuírem grandes (muitas propriedades) agrárias. Misthos - μισθό - salário, ordenado, estipêndio, soldo, aluguel, honorário. Misthóphoros - μισθόφορος -soldado-mercenário, aquele que vende seus serviços de especialista nas armas. Óbulo: ver drácma. Oikós: casa, lar, inclui-se neste conceito as propriedades e os escravos.

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Ostracismo – όστρακιμό - banimento do cidadão ateniense pela assembléia pelo período de dez anos sem retirar os seus direitos de propriedade. Peã – παιάν - canto de batalha. Peltastas - πελταστή - soldado da Infantaria Ligeira, combatiam com um escudo feito de vime e coberto com couro (pelte). Antes e durante o século V a.C. tinha como principal função fustigar o inimigo, no século IV, tornou-se uma importante força de combate. Pentakosiomédmnoi – πεντακοσιομέδμνοι - segmento social formado por pessoas com rendimentos anual superior a quinhentos médmnoi de cereais. Era o segmento com maior recurso financeiro, seguido por: Hippieis (300-500 médimnoi); Zeugitas (200-300 médimnoi); Thetai (menos de 200 médimnoi). Philia - Φιλια - amizade; companheirismo, fé jurada. Pireu: porto de Atenas. Poder: capacidade de um sujeito influenciar, condicionar e determinar o comportamento de outro sujeito. (Cf. Norberto Bobbio. Teoria Geral da Política. 2000). Poder Constituinte: capacidade de sublevação contra o Poder Político. O Poder Constituinte não deseja se tornar o Poder Político. (Cf. Antônio Negri. O Poder Constituinte: ensaio sobre as alternativas da modernidade. 2002) Poder Político: Poder que o Estado detém sobre seus cidadãos e suas instituições. (Cf. Norberto Bobbio. Teoria Geral da Política. 2000). Poder Político Legítimo: o Poder Político nas mãos dos cidadãos sem intermediações e representtatividade. Pólis - πολι - Cidade-Estado auto-independente do mundo helênico. Todas as poleis tinham sua própria constituição, seus critérios de cidadania e seus modelos e sistemas de cunhagem. Política: O termo que deriva do sentido aristotélico de vida em comunidade e bem comum. Porém, também possui estreita relação com o conceito de Poder. Geralmente se usa o conceito de Política para designar a esfera das ações que tem alguma referência à conquista e ao exercício de um poder soberano numa comunidade. (Cf. Norberto Bobbio. Teoria Geral da Política. 2000). Thetes: cidadãos do ultimo segmento cesitário que recebiam menos de 200 médimnoi por ano. Timé – τιμή - honra valor. Tranitai – θρανιται - remadores que remavam no nível mais alto da trirreme e, portanto, tinham que puxar os remos mais altos com ângulos mais agudos. Os tranitais ganhavam mais que os remadores das fileiras abaixo. Trierarca - τριήραχο - comandante de uma trirreme, cidadão abastado escolhido para financiar a construção e manutenção desta nau de guerra. Trirreme: embarcação de guerra com propulsão a remo de 170 remadores divididos em três fileiras sobrepostas. A trirreme era armada com um aríete de ferro ou bronze na ponta.

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Violência: infração as leis ou convenções estabelecidas, ato de violência física praticado por quem não está autorizado por um sistema legislativo ou normativo. (Cf. Norberto Bobbio. Teoria Geral da Política. 2000). Violência Estrutural: Violência praticada pelas instituições do estado para controlar e manter a ordem sobre seus cidadãos. Estão incluídas na Violência Estrutural, as relações entre poderosos e não poderoso, ricos e pobres. (Cf. Norberto Bobbio. Teoria Geral da Política. 2000). Xénos - ξένο - estrangeiro, amigo, hóspede, alguém que através dos laços de amizade decorrem direitos e deveres recíprocos. Zeugita – ζευγιται - indivíduos do terceiro segmento censitário ateniense que recebiam até 300 médmnoi e eram donos de uma pequena propriedade.

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AGRADECIMENTOS Ao término da presente dissertação, não há como descrever a satisfação e o sentimento de dever cumprido. A reflexão quanto às dificuldades e obstáculos são elementos que depois de transpassados podem ser interpretados como necessários; e quanto maior foi seu grau de dificuldade, fazem aumentar nosso júbilo por vencê-los e mais agradável os “sabores” da conquista. São tantas pessoas e instituições que deveríamos prestar agradecimentos que tememos cometer injustiças. A todos que de maneira direta ou indireta contribuíram para a realização desta obra, meus eternos agradecimentos. No entanto, seria ingrato de minha parte deixar de citar determinadas pessoas. À Vanessa, declaro a felicidade de estar ao seu lado e agradeço a paciência pelas horas de ausência em que minha dedicação estava voltada aos livros. À Universidade Federal do Rio de Janeiro e aos docentes do Programa de Pós-Graduação em História Comparada, agradeço pela seriedade do trabalho e pelos ensinamentos ministrados. À Minha orientadora, Prof.ª Dr.ª Maria Regina Candido, mestra e amiga. Com seriedade ao ministrar seus ensinamentos e orientações, de maneira gentil e hábil, consegue unir a Academia ao saber popular quando descontraidamente afirma: “Se a caneta é pesada, é porque a enxada é leve!”. Sábias palavras; posso atestar a veracidade desta sentença! Eu, que pelas experiências vividas sempre estive habituado a suportar as intempéries do tempo, pude realmente atestar que a caneta, por vezes, pode ser mais “pesada” que mochilas e equipagens militares. Ao Núcleo de Estudos da Antiguidade da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (NEA/UERJ), meus agradecimentos por tudo que esta amada instituição fez por mim e ao seu conceituado corpo de pesquisadores, meus campanhas de jornada em pesquisa de sociedades antigas Ao Prof. Dr. André Leonardo Chevitarese, agradeço as observações e apontamentos durante a pesquisa, as quais contribuíram para amadurecer minhas idéias e buscar caminhos adequados para chegarmos com maior segurança às hipóteses.

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Aos Professores Doutores Maria do Carmo Parente e Alexandre Carneiro pelos livros da própria biblioteca que foram cedidos em empréstimo. Também gostaria de agradecer ao corpo administrativo da secretaria do Programa de Pós-Graduação em Historia Comparada da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGHC/UFRJ). Aos Professores Doutores Cláudio Umpierre Carlan e Pedro Paulo Funari, meus agradecimentos pelas colaborações as indicações bibliográficas. Ao Prof. Dr. Mattew Trundle e Prof. Ms. Henrique Modanez Sant‟Anna pelas observações que foram bastante pertinentes à minha pesquisa. Meus familiares e amigos que pacientemente suportaram meu humor ácido nos momentos de angústia e luta contra o tempo durante a execução da redação deste trabalho. A todos, inclusive os que por ventura não tenha mencionado, meus sinceros agradecimentos!

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