Guerreiro Ramos, S. D. Clark e a busca por uma “sociologia nacional” no Brasil e no Canadá

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Guerreiro Ramos, S. D. Clark e a busca por uma “sociologia nacional” no Brasil e no Canadá Alexandre Pinheiro Ramos

O objetivo deste texto é investigar, sob uma perspectiva comparada, alguns dos esforços no Brasil e no Canadá de elaboração de uma “sociologia nacional”. Para tanto, seleciono dois autores que, cada um a seu modo, dedicaram-se à reflexão sobre a possibilidade (e necessidade) de desenvolvimento em solo brasileiro e canadense de uma sociologia dotada de instrumental analítico próprio voltado, por um lado, para a compreensão das particularidades de cada país, e por outro, para a solução e superação de seus problemas. São estes autores: Alberto Guerreiro Ramos e Samuel Delbert Clark. [1] Com isto pretendo contribuir para estudos mais amplos sobre a circulação do conhecimento sociológico, bem como seu desenvolvimento, em contextos que não aqueles dominantes com o intento de não só evidenciar o caráter reflexivo de sua recepção, mas também mostrar como, a despeito das particularidades locais, eles não se configuram em mundos culturais irredutíveis ou incomensuráveis – o que permite, assim, que se localizem regularidades e semelhanças no modo como tal conhecimento pode ser abordado e utilizado. Trata-se, assim, de levar em consideração locais nos quais reflexões em torno e a partir do conhecimento sociológico fornecem contribuições valiosas à sociologia tanto no que diz respeito à crítica a suas formulações, como em relação a seu próprio desenvolvimento a partir da assunção de novas perspectivas, temáticas e problemas. Pretende-se, assim, sublinhar narrativas nas quais se verificam esforços intelectuais pouco conhecidos, mas que não se mantêm a parte do trânsito global da sociologia. Adota-se, preliminarmente, uma estratégia de análise que consiste em fazer do caso brasileiro a principal “referência” no sentido de fornecer uma série de elementos que possibilitem a comparação, o que não significa dizer que o caso canadense, também com suas particularidades, não fornecerá outros capazes de questionar o brasileiro. Tal procedimento justifica-se, em parte, pela existência no Brasil de uma maior produção de trabalhos que lidam com a história da sociologia (e das ciências sociais em geral) 1 , inclusive em perspectiva comparada – neste caso, em relação com outros países latino-americanos. Acredito que isto possa vir a contribuir para outras pesquisas sobre a sociologia no Canadá. [2]

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Aliás, isto também poderia ser alvo de investigação.

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1 Alberto Guerreiro Ramos nasceu em 1915 na cidade de Santo Amaro da Purificação, na Bahia (Nordeste do Brasil). Oriundo das classes subalternas, passou parte da infância em cidades pobres do interior do estado, migrando para a capital, Salvador, quando seu pai faleceu. Com 11 anos começou a trabalhar e, devido ao contato de sua mãe com famílias tradicionais baianas (ela trabalhava como lavadeira para a elite local), conseguiu ingressar no prestigioso Ginásio da Bahia. Ainda estudante, ingressou na Ação Integralista Brasileira 2 e fez parte do Centro Católico de Cultura, influenciado por Jacques Maritain e autores ligados às revistas L’Ordre Noveau e Esprit. Sua circulação pelo ambiente intelectual baiano levou-o a trabalhar no jornal O Imparcial, simpático ao Integralismo (Cf. Ferreira, 2009), escrevendo críticas literárias; e também fundou uma revista, O Norte, com Afrânio Coutinho. Antes de migrar para o Rio de Janeiro em fins de 1939 para estudar ciências sociais na Faculdade Nacional de Filosofia (FNFi) da Universidade do Brasil, Guerreiro Ramos publicou dois livros: um de poesias, O Drama de Ser Dois, de 1937, e outro de filosofia, Introdução à Cultura, de 1939. Na primeira metade da década de 1930 dois cursos de ciências sociais3 haviam sido fundados em São Paulo: em 1933, na Escola Livre de Sociologia e Política (ELSP), e em 1934, na Universidade de São Paulo (USP). No Rio de Janeiro, então capital federal, houve a curtíssima experiência da Universidade do Distrito Federal, criada em 1935 e fechada em 1939, sendo incorporada à Universidade do Brasil – nesta, o curso de ciências sociais fazia parte da FNFi. Ainda na década de 1930, na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do Paraná, também é criado um curso de ciências (1938). Neste período nota-se particularmente a presença da (e o grande interesse pela) sociologia 4 no ambiente cultural e intelectual brasileiro, o que se verifica pelo número de obras dedicadas à disciplina, em particular sua apresentação e sistematização em manuais e livros introdutórios, mas havendo também periódicos, coletâneas de texto e dicionários. E a isto deve-se ainda somar a publicação de livros que viriam a se tornar clássicos do pensamento social brasileiro, como Raízes do Brasil, Casa-Grande & Senzala e Evolução Política do Brasil 5. Foi neste contexto de rotinização e desenvolvimento da sociologia que Guerreiro Ramos iniciou sua trajetória.

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Usar minha definição clássica... Sociologia, Antropologia e Ciências Política. 4 A presença da sociologia no Brasil remete... (ver ANEXO) 5 Isto na década de 1930, não se podendo descurar do impacto causado anteriormente por obras de autores como Oliveira Vianna. 3

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Já no Rio de Janeiro, Guerreiro Ramos deu continuidade a suas atividades intelectuais, escrevendo em revistas como Cadernos da Hora Presente, que reuniu antigos integralistas, e Cultura Política, ligada ao Estado Novo, e terminou o curso de ciências sociais em 1942. Foi, então, indicado para ser professor assistente nas cadeiras de sociologia e ciência política, porém, devido a sua militância no movimento integralista na década anterior, foi impedido de assumir tais cargos. Graças a San Tiago Dantas, então diretor da FNFi (e antigo integralista), passou a trabalhar no Departamento Nacional da Criança (DNC) e no Departamento de Administração do Serviço Público (DASP), começando e desenvolvendo nestes órgãos suas primeiras reflexões sociológicas. Em fins da década de 1940 ligou-se ao Teatro Experimental do Negro (TEN), fundado por Abdias do Nascimento (também um antigo integralista) em 19446. A partir daí aprofunda suas reflexões sobre o negro e as relações raciais no Brasil iniciadas em meados da década de 1940. Com a volta de Getúlio Vargas à presidência do país, no início dos anos de 1950, Guerreiro Ramos passa a trabalhar na assessoria econômica do gabinete civil do governo e integrou o Grupo de Itatiaia que viria a ser o embrião do Instituto Brasileiro de Economia, Sociologia e Política (IBESP), posteriormente, Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) 7 . Além disto, foi professor de sociologia da Escola Brasileira de Administração Pública da Fundação Getúlio Vargas. Durante o período da década de 1950, e atuando no ISEB8, publicou uma série de trabalhos que versam tanto sobre a intelectualidade brasileira e os primórdios da reflexão social no país, como sobre a situação da sociologia no Brasil, formulando críticas e apresentando propostas e análises relativas ao campo da disciplina naquele momento. Isto não fora fortuito, haja vista a crescente circulação e importância da sociologia no microcosmo intelectual, como se pode observar na realização do II Congresso Latino-Americano de Sociologia, em 1953, e do I Congresso Brasileiro de Sociologia, em 1954; e também pelo aumento de publicações de livros9. Além disto, deve-se sublinhar neste mesmo período a criação de novos cursos em outras partes do país (Carneiro, Pinto, 1955, p. 75-92; Trindade, 2006, p. 83-86) e a existência de uma série de esforços voltados para o

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Sobre o TEN: Nascimento, 2004; Rosa, 2007; Maio, 1997, p. 271-276. Sobre estes grupos e a passagem de Guerreiro Ramos por eles: Bariani Jr. 2011, p. 71-100. 8 Sobre o ISEB: “Gozando de autonomia administrativa e de plena liberdade de pesquisa, de opinião e de cátedra, o Iseb destinava-se ao estudo, ao ensino e à divulgação das ciências sociais, cujos dados e categorias seriam aplicados à análise e à compreensão crítica da realidade brasileira, além da elaboração de instrumental teórico que permitisse o incentivo e a promoção do desenvolvimento nacional. Constituiu um dos núcleos mais importantes de formação da ideologia "nacional-desenvolvimentista" que impregnou todo o sistema político brasileiro no período compreendido entre a morte de Vargas, em 1954, e a queda de João Goulart, em 1964” (DHBB, 2011). 9 Ver: Villas Bôas, 2007. p. 110 e 185. 7

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desenvolvimento das ciências sociais: por exemplo, as fundações do Instituto Joaquim Nabuco (1949) ou do Centro Latino-Americano de Pesquisas em Ciências Sociais (1957), ou a articulação de um projeto como o da UNESCO sobre as relações raciais no Brasil, liderado e executado por cientistas sociais brasileiros e estrangeiros (cf. Maio, 1997, 1999). O fim da década de 1950 e, principalmente, início dos anos de 1960 marcam os esforços de Guerreiro Ramos em direção a uma maior compreensão dos problemas nacionais, em particular em sua dimensão política10, e seu ingresso na política partidária, tendo se filiado em 1960 ao Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), ocupando uma cadeira na Câmara dos Deputados entre agosto de 1963 e abril de 1964. Teve seus direitos políticos cassados após o golpe militar e foi perseguido, encontrando abrigo (econômico e institucional) na Fundação Getúlio Vargas, onde voltou a se dedicar a temas referentes à administração e, também, à burocracia, afastando-se das questões políticas. Permaneceu no Brasil até 1966, quando foi para os EUA, passando por universidades como Yale e Wesleyan University até firmar-se na Escola de Administração da Universidade do Sul da Carolina, dando prosseguimento a seus estudos sobre os temas mencionados acima. Seu último livro, escrito nos EUA, A Nova Ciência das Organizações, foi publicado em 1981 pela editora da Universidade de Toronto após ser recusado por várias editoras americanas (Bariani, 2011, p. 273). Guerreiro Ramos faleceu em 1982 nos EUA.

Samuel Delbert Clark nasceu em 1910 em Lloydminster na província de Alberta (oeste do Canadá). Filho de agricultores que se estabeleceram na porção oriental do país, cresceu em meio ao radicalismo agrário oriundo dos problemas enfrentados pelos fazendeiros da região e acompanhou as atividades da United Farmers of Alberta, associação política que lutava pelos os interesses daqueles. Ingressou na Universidade de Saskatchewan em 1927 e obteve o diploma de Bachelor of Arts (BA) em História e Ciência Política em 1930. No ano seguinte obteve o diploma de mestrado em História pela mesma universidade (seu trabalho versava sobre assentamentos no oeste do Canadá) e ingressou, em seguida, no curso de doutorado em História da Universidade de Toronto. Simpático ao socialismo, Clark envolveu-se com a League for Social Reconstruction 11 e escreveu várias vezes ao jornal Lloydminter Times criticando o capitalismo. Nos anos de 1932 e 1933 foi para Londres, frequentando a London School of Economics, e ao voltar ao Canadá passou a trabalhar na Universidade McGill como pesquisador assistente, ingressando pouco depois no mestrado em Sociologia. Clark teve 10 11

Sobre sua produção nesta fase, ver: Soares, 1993, p. 141-169. http://www.thecanadianencyclopedia.ca/en/article/league-for-social-reconstruction/

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aulas com Carl Dawson e Everett Hughes, entrando, assim, em contato com os ensinamentos da Escola de Chicago. [2.1] Ao terminar o mestrado em 1935, Clark optou por retornar à Universidade de Toronto para um doutorado agora em Ciências Política (no Departamento de Economia Política) ao invés de ir para Chicago, desenvolvendo naquela um estudo sobre a Canadian Manufacturers Association no qual pesquisa histórica e análise econômica mesclavam-se. Passou a lecionar cursos de sociologia em Toronto, interessando-se crescentemente pela disciplina (mas com algumas reservas em relação à sociologia como preconizada pela Escola de Chicago) no que tangia à sua contribuição ao estudo e compreensão da sociedade canadense. Após a conclusão de seu doutorado, Clark começou a trabalhar na Universidade de Toronto, na qual participaria da fundação do Departamento de Sociologia em 1963, e nela permaneceu até aposentar-se em 1976. Dedicou-se integralmente à vida acadêmica, de modo que sua trajetória confunde-se com a própria história do desenvolvimento da sociologia no Canadá (Cf. Hiller, 1981). De seu período de formação (década de 1930) até fins da década de 1950, Clark dedicou-se a pesquisas de cunho histórico, publicando livros e artigos nos quais História e Sociologia trabalhavam em conjunto a fim de lançar luz sobre diversos momentos da história canadense (do século XVII às primeiras décadas do XX), em particular as áreas de fronteira. A partir dos anos de 1960, voltou-se para questões contemporâneas (áreas urbanas, subúrbios) e refletiu sobre o desenvolvimento da sociologia no Canadá e os desafios que lhe eram postos na década de 1970, sobretudo pelos debates relativos a necessidade de uma sociologia canadense. [2.2]

2 Como se pode verificar pelo que foi apresentado acima, estamos diante de dois sociólogos com distintas trajetórias e inserções intelectuais, o que, por si só, já permite vislumbrar ao mesmo tempo alguns aspectos das estruturas de oportunidade (Collins, 1998) para indivíduos com formação na área de ciências sociais assim como o grau de penetração e/ou circulação do conhecimento sociológico nas sociedades brasileira e canadense. Se S. D. Clark, cujo contato formal com a disciplina ocorreu unicamente durante seu mestrado na McGill University, atuou quase sempre no interior do mundo universitário canadense – mesmo quando a sociologia sofria com sua resistência –, nele realizando suas pesquisas, outro foi o caso de Guerreiro Ramos, que trabalhou em e ligou-se a diversas instituições, que não universidades, nas quais pôde desenvolver uma série de reflexões em torno do conhecimento 5

sociológico12. Além disto, fica-se também diante da própria diferença entre os processos de desenvolvimento e institucionalização da sociologia em ambos os países, algo que, sem dúvida, reforça as distinções existentes, de modo que se faz necessário um ponto de partido em comum capaz de viabilizar uma análise comparativa a despeito das particularidades (institucionais, temporais, etc.) de cada caso. Sendo, então, o objetivo deste paper analisar a questão da sociologia nacional no Brasil e no Canadá do modo como foi abordada por Clark e Guerreiro Ramos, este ponto em comum que se busca (não só de partida, mas também de contato) pode ser encontrado nas críticas feitas por ambos à sociologia americana, notadamente em relação à sua pretensão de universalidade e, de importância crucial, à sua inadequação ao estudo das sociedades brasileira e canadense. Deve ser sublinhado que, no caso de Clark, a discussão sobre a possibilidade de uma sociologia nacional, ou seja, canadense, não é sempre feita de modo explícito, ainda mais levando-se em consideração que tais formulações estendem-se ao longo de anos e perpassam várias obras (artigos e livros)13 – diferente, como se verá adiante, das principais proposições de Guerreiro Ramos, que podem ser circunscritas a determinado período. Poder-se-ia sugerir que, em alguns momentos, Clark busca tal sociologia canadense negativamente, isto é, pela recusa do que seria característico da sociologia americana (geralmente referida à Escola de Chicago e as teorias de Talcott Parsons), apontando o que não a credenciaria a compreender corretamente o Canadá – embora reconhecesse nela alguns usos importantes. Em outros, ele indica as melhores (ou mais corretas) formas de estudar o país, mas sem pleitear abertamente por uma sociologia canadense. Começarei por este autor14. Para Harry Hiller, os primeiros trabalhos de Clark são melhor descritos como “the blending of sociology and history in order to illuminate the nature and character of Canadian society” (1982, p. 64). Um de seus primeiros esforços nesta direção foi um artigo publicado em 1939 com o sugestivo título de “Sociology and Canadian social history”. Nele o autor chama a atenção para a importância que materiais históricos teriam para o desenvolvimento da sociologia ao mesmo tempo em que critica sua dependência de técnicas de pesquisa como entrevistas e questionários, cuja consequência seria o confinamento das investigações sociológicas a fenômenos contemporâneos, limitando-se a estudos de grupos ou comunidades locais (1939, p. 348). Destarte, embora tais técnicas levassem a uma maior precisão 12

Lembrando, também, o papel exercido pelas redes de sociabilidade nas quais estes dois sociólogos achavam-se inseridos e que contribuíram para sua inserção institucional. 13 Sem contar a emergência do nacionalismo canadense que teve considerável expressão na sociologia. 14 Harry Hiller (1982, esp. 73-78) e Deborah Harrison (1981, esp. 59-64) apresentam análises semelhantes as que pretendo fazer, porém minha leitura busca vincular as reflexões de Clark à ideia de uma sociologia nacional.

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metodológica, seria à custa de “much historical and philosphical insight into the nature of society”. E prossegue o autor: If much sociology on this continent today appears to lack depth, if much of it appears to be concerned with the trivial and common-place, the reason may be found in this fact. Many studies seem to have been undertaken because they lent them-selves to the interview method, and their perusal leaves the uneasy feeling that the effort expended in their preparation was scarcely worth-while. (Idem, p. 348). [3]

Nesta dura crítica feita por Clark, possivelmente devedora de sua passagem pela London School of Economics (cf. Hiller, op cit.; Brym, Fox, 1989), o alvo não parece ser outro que não a sociologia americana, pelo menos algumas de suas principais expressões. E a ela ainda se juntaria a influência do historiador econômico Harold Adams Innis (Magill, 1999, p. 28), seu orientador de doutorado na Universidade de Toronto, que não só defendia a importância de pesquisas sobre temas canadenses – criticando, inclusive, a importação de modelos de análise americanos e europeus para estudo do Canadá (cf. Campbell, 1983, p. 100) – como também acreditava que a compreensão do Canadá passava, invariavelmente, pelo estudo de seu passado. Não é fortuito, então, que Clark enxergava na história social canadense o campo ideal para investigações sociológicas

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, particularmente em vista das constantes

transformações pelas quais diversas áreas da vida social teriam passado, sofrendo com variados processos de organização e reorganização. Neste contexto, o problema da mudança social [além de ser uma importante chave de leitura e compreensão da sociedade canadense], ocuparia grande parte de suas pesquisas e reflexões. E ainda que referida constantemente às transformações de ordem econômicas ocorridas em determinadas coordenadas espaçotemporais, sua análise de processos de mudanças levava em consideração uma gama de fatores: “The nature of the underlying economy, the cultural background of the population, and the closeness of contacts with the outside world, determined the rapidity of social changes and the area and degree of social disturbance” (Clark, 1939, p. 351 [grifos meus]).[4] Ao final do artigo, a conclusão de Clark é inequívoca: se o sociólogo deveria utilizar suas

teorias

para

investigar

fenômenos

sociais,

reavaliando-as

diante

da

emergência/descoberta de novos fatos16, então transformações e mudanças ocorridas ao longo

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Clark não deixa de mencionar a importância que autores como Hobhouse, Durkheim, Veblen e Weber deram à investigação histórica. Em relação ao último, escreveu: “The work of Max Weber provides a striking demonstration of the fruitful results of such investigations in the field of sociology” (p. 350). Aliás, seria interessante uma pesquisa sobre a recepção de algumas ideias de Weber por parte de Clark. Embora apontada por pesquisadores como Harry Hiller e David Nock (1983), acredito que seria interessante mostrar como o sociólogo canadense utilizou-se de formulações de Weber, conjugando-as com as de outros autores (americanos) para sua própria reflexão. 16 Harry Hiller, ao avaliar o legado da obra de Clark para a sociologia canadense, assim como para a análise da sociedade canadense, escreve que: “Perhaps the gravest mistake any analyst of Canadian society could make

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do tempo deveriam ser incluídas em tais investigações, o que levaria ao enriquecimento da própria sociologia pela possibilidade de uso de novos materiais (Idem, p. 357). Estes trariam à tona uma gama de novas questões que, sem o recurso à perspectiva histórica, permaneceriam eclipsadas – como, por exemplo, “why certain forms of behaviour persisted while other died out or did not develop” (Idem, p. 354). Pouco mais de vinte anos depois, Clark retomou discussões semelhantes em uma série de artigos publicados entre os anos de 1959 e 1965 nos quais procurou apresentar a moldura teórica [theoretical framework] utilizada em suas pesquisas sobre mudança social (Clark, 1968, p. xiv)17. Neles, sua reserva e desconfiança em relação a sociologia americana (em particular a ecologia humana e alguns aspectos do funcionalismo parsoniano) ficam evidentes pelo fato de ignorarem a história, chegando a considerá-la superficial e mesmo enganosa (Campbell, 1999, p. 49). Para o sociológico canadense, a sociologia americana, por se preocupar unicamente com a sociedade contemporânea, havia virado as costas para a história e se aproximado da antropologia e psicologia. Sua preocupação ficaria, assim, restrita à compreensão da ordem social e, consequentemente, seria incapaz de lidar com a questão da mudança: “if social order can only be viewed within the spatial dimension, social change can only be viewed within dimension of time. Change in society takes place in time” (Clark, 1968 [1959], p. 271). Mas quando a história (isto é, processos de mudança social) era levada em consideração, Clark argumentava que o era a partir de uma perspectiva evolucionista, ou seja, que as mudanças levavam, inevitavelmente, a um estado de maior complexidade e diferenciação que o anterior. Assim, ao criticar as ideias de Talcott Parsons, dirá que este incorporou em sua teoria geral uma teoria da mudança baseada na sociologia de Herbert Spencer, e embora perdoasse este por não ser historiador e por ter diante de si o exemplo da evolução biológica18, Clark não foi tão compreensivo assim com o colega americano, que, no entanto, não estava sozinho no uso de uma teoria evolucionista do século XIX para explicar mudanças ao longo do tempo (cf. Clark, 1968 [1962], p. 290) 19 . Especificamente sobre a teoria de Parsons e suas limitações, escreveu:

would be to take Clark’s assertions or conclusions as definitive. Undoubtedly, Clark would also feel uncomfortable about such an approach for He tended to view his work only as bouilding block to create mor comprehensive portraits of society” (p. 160). 17 Eles foram reunidos na Parte IV do livro The development of Canadian Community sob o título “Sociology and History”. 18 Em outro artigo, Clark assume um tom mais crítico em relação a Spencer, colocando quase exclusivamente em sua conta o fato de que conceito de sociedade permanecia vago e indeterminado... (1968 [1963], p. 303). 19 Deve-se sublinhar que, no tocante a ecologia humana, esta não “caíra na armadilha teórica da evolução social” (Clark, 1968 [1963], p. 303), embora acabasse por esposar um determinismo que Clark combatia (1968 [1959], p. 282; 1976, p. 3).

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[B]y building the process of structural differentiation into his [Spencer] model of social change, Parsons from the very beginning seriously limits the range of historical investigation. Among the changes taking place in society can be discerned certainly changes in the direction of increasing structural differentiation. But so also can be discerned changes of the very opposite character. (…) Movements in the direction of increasing structural differentiation (and as well social integration) are intimately related do movements in the opposite direction and any theory of change must be able to account for one type of movement as well as the other. (Idem, p. 286-287).

Mas a despeito de suas críticas, Clark via no funcionalismo um valioso referencial teórico conquanto, dada sua inclinação a conceber a sociedade como estática, como um “boundary-maintaning social system”, fornecesse uma imagem do estado de coisas anterior ao processo de mudança. “If we want to grasp what happens to a thing undergoing motion we must somehow get a look at it when it is still. (…) What we seek is to get to know as far as possible what the society was like before undergoing the change we are examining. And what it has come to be like after having changed” (Clark, [1968] 1959, p. 279)[6]. Tal posição seria mantida anos mais tarde, já em meados da década de 1970 em um contexto de nacionalismo e anti-americanismo (influenciado e que influenciou a sociologia no Canadá). A teoria funcionalista tivera o mérito de livrar a sociologia da dependência em relação a explicações monocausais para o que ocorria na e de apresentar um ponto de partida para a análise dos processos de mudança social, contudo, suas potencialidades cessavam aí, e sua transposição para o Canadá só prejudicara a sociologia neste país. Percebe-se, aqui, não somente um uso seletivo como reflexivo do patrimônio sociológico (e também histórico no que diz respeito ao conceito de fronteira20) americano. O fato de não ser um teórico e de rejeitar a ideia de estabelecer uma teoria da mudança social (Hiller, op. cit., p. 78) talvez permita conjecturar que Clark veria no instrumental teóricoconceitual uma caixa de ferramentas na qual buscaria a melhor delas para abordar determinada questão, utilizando-as também para guiar suas análises ou adaptando-as e combinando-as quando julgasse necessário. Seu recurso à teoria da organizaçãodesorganização social delineadas por W. I. Thomas e F. Znaniecki no livro The Polish peasants in Europe and America (cf. Magill, 1999; Hiller, op. cit.) fornece um interessante exemplo do modus operandi de Clark em relação ao uso e incorporação do patrimônio sociológico americano para suas pesquisas sobre os assentamentos nas fronteiras canadenses. Ao longo dos artigos mencionados neste tópico há várias referências àquela teoria e como poderia ser utilizada para o estudo de mudanças ocorridas no Canadá: “When, now, analysis turns to the processes which brought about the change from the society as it existed 20

Careless, 1954.

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in 1760 to the society as it existed in 1800, attention becomes focused upon the forces of disintegration of the one society and forces of integration of the other” (Clark, 1968 [1965], p. 309). [7] Além disto, a sequência ideal-típica de “fases” que caracterizariam processos de organização-desorganização apresentada por Clark sugere a incorporação (ou acomodação) de alguns elementos da dominação carismática de Weber, notadamente a existência de uma situação de crise 21 e de questionamento dos valores e comportamentos vigentes a qual é seguida pela irrupção de indivíduos/grupos (carismáticos) portadores de novos valores que se opõem à ordem vigente e, obtendo sucesso em mudá-la, perdem seu ímpeto revolucionário ao se cotidianizar, criando uma nova ordem social. Assim, o sociólogo canadense falará, por exemplo, em “agitação” e “descontentamento” (em relação à ordem vigente), “separação de formas institucionais estabelecidas”, “rotinização” e “estabelecimento de uma nova ordem de valores” (Clark, 1968 [1963], p. 304; [1965], p. 310-311) ao apontar eventos característicos de processos de mudança social. Considerando-se o carisma e a dominação carismática um modelo de explicação para o surgimento de determinadas formas de mudança e transformação, e tendo Clark os interpretado mais ou menos nestes termos, seriam valiosas ferramentas analíticas que, conjugadas a outras – no caso, aquelas fornecidas pelo trabalho de Thomas e Znaniecki – poderiam ser empregadas para o estudo da sociedade canadense. Destarte, uma primeira abordagem exploratória aponta para a forma particular como S. D. Clark relacionar-se-ia com o instrumental teórico à sua disposição, não só mobilizando determinadas ferramentas analíticas que fossem capazes de lançar alguma luz sobre seus objetos e interesses de pesquisa 22 , mas também as combinando ou adaptando para tornar inteligível o que quer que buscasse compreender na sociedade canadense. Tal uso “pragmático” deste instrumental facultaria Clark a criticar o uso da sociologia americana pelos sociólogos canadenses. No máximo indicava possíveis usos circunscritos a determinadas análises, daí seu julgamento taxativo: “In a word, Canadian society can be understood only if viewed within an historical perspective” (Clark, 1976, p. 5). No Brasil, Alberto Guerreiro Ramos também fez críticas, algumas semelhantes as de S. D. Clark, a sociologia americana e uso de seus conceitos ou teorias para o tratamento da

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Escreve Maurizio Bach acerca da dominação carismática: “Mas uma crise social, muitas vezes, também é o momento da confiança cega e da esperança, do fácil cultivo do entusiasmo através de promessas de salvação e redenção religiosas, mas também seculares” (Bach, 2011, p. 56). 22 Na introdução a The Developing Canadian Community, ao fazer referência a teoria da organização e reorganização de Thomas, Clark afirma que “at no time was there an acceptance of the notion that these processes had any meaning except in terms of the particular forms of organization being analysed” (Clark, 1968, p. xiv [grifo meu]).

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sociedade brasileira. Mas também, tal qual o colega canadense, mobilizou parte do instrumental disponível, embora em circunstâncias distintas. O contato de Guerreiro Ramos com a sociologia produzida nos EUA (particularmente aquela da Escola de Chicago) deu-se durante sua graduação em ciências sociais na Universidade do Brasil por meio do sociólogo Donald Pierson23, pesquisador da Universidade de Chicago. Mas foi durante sua passagem pelo Departamento Nacional da Criança (DNC) e pelo Departamento de Administração do Serviço Público (DASP), que o sociólogo brasileiro fez uso de ferramentas teórico-metodológicas da sociologia americana24. No primeiro, tratou de assuntos como puericultura, medicina popular e mortalidade infantil a partir de um ponto de vista sociológico, contrapondo-se aos estudos de médicos que enfatizavam apenas a dimensão biológica dos problemas25. Nas palavras de L. A. Alves Soares (1993), o curso dado sobre puericultura no DNC – que mais tarde viria a se tornar um de seus primeiros trabalhos de sociologia, Aspectos sociológicos da Puericultura (de 1944)26 – trazia a preocupação de Guerreiro Ramos em “apresentar aos médicos o pensamento científico da realidade social, enfatizando as possibilidades de intervenção em seus mecanismos” (p. 129). Sendo a saúde, de uma perspectiva coletiva, menos um fenômeno médico que social, e ganhando contornos de problema quando se afasta do padrão de normalidade estabelecido pela sociedade (tornando-se patológico), então, para Guerreiro Ramos, a conversão da situação patológica de volta ao normal passava pela mobilização de conceitos, métodos, teorias. E aqui a sociologia, tendo uma aplicação prática, seria de grande contribuição, pois seu instrumental permitiria a compreensão e superação dos problemas pelo conhecimento de suas particularidades27. Nestes primeiros trabalhos sociológicos, Guerreiro Ramos utilizou-se das técnicas de survey social e, ao avaliá-los posteriormente, afirmou que eram “muito americanos” e que havia escrito “coisas muito americanizadas” (cf. Oliveira, 1995 [1981], p. 141). Em publicação de 1946, Um inquérito sobre quinhentos menores, ao apresentar seus objetivos escreve: “Tomando uma situação de desajustamento social apenas para descrevê-la, quisemos simplesmente expor fatos relativos a um grupo de pessoas, fatos que, considerados em bloco, indicam a natureza das dificuldades sociais que ameaçam os seres humanos neles comprometidos e os meios para a sua solução” (apud Soares, op. cit., p. 129). Aliás, no 23

Sobre Pierson e a sociologia no Brasil, ver: Oliveira, 1995 (Cap. 3). A atuação nestes órgãos corresponde, na periodização proposta por L. A. Alves Soares para a produção sociológica de Guerreiro Ramos, à sua primeira fase (cf. Soares, 1995). 25 Artigos publicados na revista Sociologia em 1951 também abordaram estes tópicos à luz da ecologia humana (cf. Bariani Jr, 2011, p. 65). 26 Abranches, 2006. 27 Para uma análise mais detida sobre a passagem de Guerreiro Ramos pelo DNC e seu relacionamento com a sociologia americana, ver: Maio, 2012. 24

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levantamento feito com Evaldo da Silva Garcia sobre pesquisas sociológicas no Brasil na década de 1940, são mencionados os Cursos de Administração do DASP nos quais se ofereciam cursos de sociologia onde se ensinavam os “atuais métodos e técnicas de pesquisa sociológica” (Ramos, Garcia, 1949, p. 11). Antes de Guerreiro Ramos assumir tais cursos, Donald Pierson ministrara-o uma vez28. [8] Sua passagem pelo DASP e, em particular, sua atuação no corpo editorial da Revista do Serviço Público ligada a este órgão também revelam o interesse de Guerreiro Ramos pela sociologia americana. É deste período sua incursão pela temática das relações raciais 29 no Brasil e a publicação de trabalhos nos quais fica patente não só a familiaridade com, mas também a influência de autores, temas e abordagens caras ao que se produzia nos EUA. Em artigo publicado na Revista do DASP intitulado “A pesquisa e os ‘surveys’ sociais” (1947), ressalta, em primeiro lugar, a importância de se treinarem especialistas no campo das ciências sociais para o manejo e emprego de métodos e técnicas de pesquisa. Em seguida, Guerreiro Ramos busca apresentar e explicar em que consiste o “survey”, comparando-o à “pesquisa social”30, valendo-se, como referência, de uma série de obras e autores americanos. Em 1948, publicou também um artigo sobre W. I. Thomas em ocasião de seu falecimento. Referindo-se a ele como “um dos mais distinguidos pioneiros da atual fase científica do pensamento sociológico”, teceu breves comentários sobre algumas de suas obras, chamando atenção para The Polish peasants, “uma importante contribuição para a edificação do aparato conceitual da pesquisa e da ciência sociológicas”, e sua Nota Metodológica que “abriu um novo caminho para a pesquisa” (Ramos, 1948). Como apontado por Luiz Werneck Vianna (1994), a aproximação (e valorização) da sociologia americana por parte de Guerreiro Ramos pode, também, ser explicada a partir de sua própria inserção em um órgão criado no contexto do Estado Novo com o intuito de modernizar o aparelho estatal. Afinal, fazia-se necessária a existência de quadros munidos de conhecimentos técnicos e científicos.

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Isto ocorreu quando a sociologia ainda não havia sido incluída como curso regular (Ramos, Garcia, op. cit., p. 11, nota 2). 29 De acordo com Marcos Chor Maior , “O primeiro período das análises de Guerreiro Ramos sobre o tema das relações raciais no Brasil esteve sob a influência da sociologia americana”, com destaque para os trabalhos de Donald Pierson. Posteriormente, a partir de um de seus cursos no DASP sobre métodos de pesquisa, fez uso de questionários e abordagens utilizadas por autores como Robert Park, W. I. Thomas e F. Znaniecki para estudar o preconceito contra negros e mulatos (1998, p. 266-267). Aliás, ao comentar o trabalho de Donald Pierson sobre a relação entre negros e brancos na Bahia, Guerreiro Ramos referiu-se a ele como “uma análise lúcida e clara das relações de raça naquele Estado, [que] revelou-nos a riqueza da metodologia sociológica americana” (Ramos, Garcia, op. cit, p. 16). 30 Cf. Ramos, 1947, p. 6 [online].

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Se neste momento Guerreiro Ramos saudava e se valia do instrumental fornecido pela sociologia americana para abordar determinados problemas – já evidenciando, todavia, a dimensão prática, intervencionista que o conhecimento sociológico deveria adotar –, deu-lhe um tratamento diferente em obras posteriores (década de 1950), quando integraria o Instituto Brasileiro de Economia, Sociologia e Política (IBESP), que mais tarde viria a se tornar o Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB). É deste período sua formulação de uma sociologia nacional “militante” ou “autêntica”31 que utilizará o tipo de sociologia produzida nos EUA como material para suas críticas ao uso de referências estrangeiras para pensar o Brasil 32 . Pois haveria para Guerreiro Ramos pelo menos duas ordens de problemas interrelacionados que precisariam ser reconhecidas e combatidas pelos sociólogos brasileiros no tocante ao seu relacionamento com o patrimônio sociológico estrangeiro, em particular o americano, ao mesmo tempo exemplo e alvo dileto de suas críticas. A primeira, diz respeito ao uso acrítico, irreflexivo, repetitivo de tal patrimônio, pois não se reconheceria que o mesmo seria fruto de condições sócio-históricas particulares não apenas relacionado a determinadas tradições intelectuais (nacionais), mas também dirigido a problemáticas distintas: “(...) as sociologias têm sido instrumentos de decifração nacional, mesmo nos seus aspectos aparentemente mais abstratos. As formulações teóricas de um Max Weber, de um Spencer, de um Durkheim, ainda que se pretendam universais, estão presas a tradições nacionais e permeadas de influências nacionais” (Ramos, 1953, p. 8-9). Já a segunda ordem de problemas diz respeito a possibilidade de seu uso revelar-se uma espécie de mau guia para os cientistas sociais brasileiros, fosse por “distorcer” a realidade diante deles, fosse por levá-los a se engajar em pesquisas desprovidas de utilidade, ou seja, seus resultados não poderiam ser mobilizados para a compreensão e resolução dos problemas do país. Guerreiro Ramos assim sintetiza estes problemas: A adoção mecânica dos métodos e processos refinados da antropologia e da sociologia europeia e norte-americanas tem levado grande parte dos profissionais brasileiros dos campos dessas disciplinas a um certo descritivismo casuístico de escasso valor pragmático, isto é, pouco utilizável como contribuição para o esclarecimento dos principais problemas da sociedade brasileira (Ramos, 1995 [1955], p. 59).

Neste sentido, ao comentar os estudos de comunidade nos EUA (Cf. Ramos, 1995 [Cartilha]), afirma serem eles compreensíveis neste país em vista do estágio de 31

Cf. Soares, 1995. Werneck Vianna (1994) falará em “Sociologia da intervenção”. Em última análise, a crítica de Guerreiro Ramos é direcionada à transplantação de ideias estrangeiras (americanas e estrangeiras) sem o devido tratamento (redução sociológica) para pensar o país. Mas como exemplo de tal crítica, ele se volta para a americana. Para uma discussão sobre o tema da transplantação, ver: Ramos, 1995, Anexo. 32

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desenvolvimento não só de sua economia como de sua sociologia (com a oferta de grande contingente de especialistas). Porém, no caso do Brasil, diz que “a prática de tais investigações só poderá contribuir para desorientar os nossos escassos sociólogos em formação”, distraindo-os “de tarefas outras essenciais ao seu meio, quais as de elaborar um saber sociológico compatível com as necessidades nacionais e regionais”. Sua avaliação, ao fim, é ríspida: “é verdadeiro contra-senso ou despistamento sair o aprendiz a ‘campo’ em busca de conhecimento pormenorizado dos mecanismos da comunidade, segundo regras made in USA. Não é assim que ele deixará de ser colonial” (Idem, p. 142). Guerreiro Ramos também comentará que a sociologia americana é não apenas “essencialmente descritiva e tautológica”, como suas pesquisas chegam a “conclusões óbvias” (Ramos, 1996 [1958], p. 118). Diagnóstico semelhante ao de S. D. Clark que sublinhou sua preocupação com o “trivial” e o “lugar comum”33. Ora, as críticas de ambos parecem convergir para uma ideia em comum: a sociologia americana falharia ao não apresentar uma análise mais matizada da sociedade, não revelando o complexo de forças sociais que a compunham e caracterizavam. Assim, o sociólogo brasileiro não se surpreenderá porque ela não “[põe] em questão a estrutura mesma dos Estados Unidos” (Idem, p. 118 [grifo meu]); seu colega canadense, por sua vez, sublinhará o desafio ao qual ela não estaria qualificada, “to reach deeper into the nature of society” (Clark, 1938, p. 349 [grifo meu]). Tais posicionamentos de Guerreiro Ramos podem ser verificados em sua formulação da redução sociológica34, e em particular naquilo que denominou “lei do caráter subsidiário da produção científica estrangeira”. A primeira caracterizar-se-ia por constituir, grosso modo, um método que permitisse ao sociólogo a transposição do instrumental teórico-metodológico estrangeiro para o solo nacional, para seu uso no tratamento de problemas do país, reconhecendo-se, contudo, suas valorações e conexões de sentido com contexto no qual foi originalmente produzido – por isto, deveria passar por processos de depuração e seleção (Ramos, 1996 [1958], esp. p. 71-74). E em relação àquela “lei”, consistiria no reconhecimento de que a produção estrangeira deveria ser utilizada “como matéria-prima de elaboração teórica, condicionada por fatores particulares da sociedade em que vive” (Idem, p. 115). Neste sentido, ao sociólogo caberia, em primeiro lugar, a tarefa de assimilar criticamente as ideias estrangeiras, cônscio do fato de serem construções referentes a realidades sócio-históricas 33

Ao comparar as pesquisas de antropólogos e sociólogos, Clark vê o primeiro em vantagem: “The nature of the marriage or of the daily round of activities in a primitive society is strange to us and therefore of interest. Similar features of present-day society are common-place and of little importance” (1938, p. 348). 34 Guerreiro Ramos dedicou-lhe um livro inteiro para a apresentação e explicação de seus preceitos: A Redução Sociológica, publicada em 1958.

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particulares para, em seguida, tomá-las como subsídio para sua própria reflexão e produção simbólica orientada por objetivos práticos específicos. Para Guerreiro Ramos, a menos que o sociólogo estivesse ocupado com “atividades lúdicas”, todo o conhecimento produzido dirigir-se-ia para algo, isto é, atenderia a alguma imposição ou necessidade

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Comportamento contrário seria, assim, característico de uma situação colonial onde a atividade sociológica, por prescindir de exigências próprias, ficaria restrita a seguir passivamente as diversas correntes intelectuais estrangeiras. Em poucas palavras, denotaria a ausência de engajamento ou comprometimento por parte do sociólogo. Ao adotar uma perspectiva existencialista que enfatizava a condição de ser-no-mundo do sociólogo – “Tenha ou não consciência disso, o homem não é termo isolado da realidade histórico-social” (Idem, p. 108) – e a considerar, seguindo as reflexões de Hans Freyer (1944), toda sorte de formulação sociológica como impregnada de história (Idem, p. 100), Guerreiro Ramos abria caminho para a discussão referente ao (suposto) caráter universal da sociologia, tópico também abordado por S. D. Clark. Embora escrevendo em momentos distintos, o primeiro na década de 1950 e o segundo na década de 1970, a abordagem desta questão compunha e se referia a contextos (intelectuais, políticos) que, a despeito de suas particularidades, são passíveis de aproximação e sujeitos a comparação. Pois tanto no Brasil quanto no Canadá verificam-se debates envolvendo a sociologia, isto é, relativos ao papel que poderia e/ou deveria desempenhar em cada país, possuindo (ou não) uma dimensão crítica/intervencionista. Guerreiro Ramos possuía o projeto de uma sociologia militante, mais voltada para uma ação política efetiva, o qual se chocava com projetos distintos em disputa no espaço de atenção36 da esfera intelectual brasileira, mais cautelosos em relação à conjunção entre pensamento e ação, entre ciência e política, como aqueles esposados por outros sociólogos como Florestan Fernandes e Luiz Aguiar Costa Pinto37 . Por sua vez, S. D. Clark, já consagrado e com amplo reconhecimento nos meios intelectuais/acadêmicos do Canadá38, vivenciava um período de nacionalismo, o movimento de canadianização 39 , acompanhado do surgimento de outras modalidades de sociologia (crítica/radical, marxista, feminista, etc.) que não apenas se opunham àquela mainstream 35

A prática da redução sociológica como proposta por Guerreiro Ramos surgiria “como pormenor da reação global de um país situado no âmbito de dominação de outro mais poderoso, no sentido de obter capacidade autodeterminativa. Nesses países periféricos, a sociedade não está fundada segundo critérios próprios, é algo a fundar, e, por isso, a assunção, o engajamento abre, para o intelectual, um horizonte de infinitas possibilidades (Ramos, 1996 [1958], p. 111) 36 Ver: Collins, 1998. 37 Sobre estes “projetos”, suas diferenças e tensões, ver: Villas Bôas, 2006; Oliveira, 1995; Bariani Jr. xxxx. 38 Ver, por exemplo: Magill, 1999; Campbell, 1999. 39 Ver: Cormier, 1997.

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(largamente identificada com a contrapartida americana) como viam na própria sociologia um valioso instrumento de afirmação nacional e de superação dos problemas do país40. Ambos tomaram parte nestes debates e seus argumentos sobre a questão do caráter universal da ciência (e as inevitáveis referências ao contexto nacional e, direta ou indiretamente, ao nacionalismo) fornecem um ponto em comum para que se compare as ideias destes sociólogos.

3 Recordando o que foi apresentado sobre S. D. Clark, verificou-se que, em vários momentos, o sociólogo canadense sublinhou a utilidade de alguns elementos da sociologia americana. Mas, no geral, foi crítico da incapacidade desta – em vista de seu viés ahistórico, demasiadamente ocupado com a ordem social e que tomava a sociedade como entidade estática – em lidar com fenômenos de mudança social 41 , elemento privilegiado em suas análises e central para a compreensão do Canadá, de como este país sobrevivera (falarei disto mais a frente). E escrevendo já na década de 1970, acrescentou outra crítica àquelas já formuladas: o suposto caráter universal dos conceitos e teorias da sociologia americana (particularmente em sua feição funcionalista), e como isto prejudicara o desenvolvimento da disciplina no Canadá. Deve-se sublinhar que, na década de 1960, Clark já havia breve e indiretamente tocado neste assunto (Cf. 1968 [1962]) ao discutir e criticar mais uma vez a teoria parsoniana42. Não fez uso de termos como “universal” e tampouco teceu considerações sobre a eventual pretensão de universalidade daquela, porém julgou-a “etnocêntrica” e afirmou que aquilo que era percebido e tratado a partir das formulações funcionalistas como o desenvolvimento de características gerais das sociedades era, na verdade, o desenvolvimento de características extremamente singulares (p. 292), ou seja, diziam respeito a contextos particulares que eram analisados sob um ponto de vista também particular – a sociedade como um sistema social ordenado e desprovido de conflitos. Ora, se isto já não era completamente adequado aos EUA,

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Os primeiros números do Canadian Journal of Sociology, em 1975, publicaram vários artigos sobre a relação entre nacionalismo e sociologia. 41 Tal importância é observada não só em seus trabalhos históricos, mas também naqueles contemporâneos. Ao estudar os subúrbios canadenses, diz que as análises geralmente consideram-nos como um “sistema de ordem”, não percebendo que “suburbanism is not only an order, it is also a process”. E por isto afirma: “What suburbanism development essentially means is the process of transformation of the country into de city. It is in the nature of the transformation that are to be found the distinctive characteristics of the suburban society” (Clark, 1966, p. 8). 42 Para uma análise mais detida sobre a questão do universalismo e da crítica ao funcionalismo por Clark, ver: Harrison, 1981, p. 59-64.

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como sustentar seu uso como ferramenta de análise e explicação de outros contextos sóciohistóricos? Na década seguinte tal questionamento seria retomado por Clark, agora sob o tema da “universalidade”, mas a partir de uma perspectiva que enfatizava, antes, a maneira como os sociólogos canadenses haviam se relacionado com tais pretensões. Eles teriam levado a sério demais o que os textbooks de introdução à sociologia ou os professores americanos diziam sobre a disciplina: “a science in search of universal principles of social organization and social behaviour. It knows no national boundaries. If a sociological principle has validity, it has such whether the form of social behaviour is to be found in Pakistan, in West Africa, or the Arctic regions of Canada” (Clark, 1976 [1973], p. 127) [9]. Para Clark não havia nenhum problema com tal afirmação sobre os fins da sociologia. Preocupante, sim, era não sublinhar que tais objetivos deveriam fazer o sociólogo voltar-se para sua própria sociedade: “Sociology cannot be taught simply in terms of abstract principles. Its teaching involves talking about society”. E o mais importante: “A sociology that is worth its salt is a sociology that develops out of a deep concern about the problems of society. The nearer one is to those problems the greater is the concern” (Idem, p. 121 e 127 [grifo meu]). Justamente este aspecto teria sido deixado de lado pela sociologia canadense que enfatizara apenas, ao levar a “ciência da sociologia” dos EUA para o Canadá, a universalidade de seus fins. De acordo com a argumentação de Clark, haveria até boas razões para isto: como os sociólogos canadenses utilizavam material americano e passavam-nos para seus alunos, era preciso justificar tal prática apelando para a ideia de que a sociologia não era afetada por determinantes nacionais (Idem, p. 128). Aliás, o livro Introduction to Sociology de C. A. Dawson e W. E. Getty é ilustrativo desta situação, pois o que se verifica no conteúdo de suas três edições (1929, 1935 e 1948), além da predominância de autores americanos, é o fato de que havia muito pouco material sobre o Canadá em suas quase 700 páginas: algo em torno de trinta páginas. De acordo com Richard Helmes-Hayes, “despite the fact that Dawson wrote the Introduction in response to students complains that there was little Canadian content in their courses, the Introduction was never more than marginally ‘Canadian’”. E como a visão corrente era de que “sociology was best viewed as a social science which should pay no heed to national boundaries” (Helmes-Hayes, 1994, p. 465-466), a quase inexistência de material ou referências mais substanciais sobre o Canadá não era considerada um problema 43 . No entanto, como consequência desta crença, os sociólogos canadenses teriam não apenas evitado pesquisas que não se adequariam às abordagens preconizadas pela sociologia americana como

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Para estudos sobre outros textbooks de sociologia no Canadá, ver: Hiller, Di Luzio, 2001.

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também, para manter o caráter “universal” de suas descobertas e resultados, deixado de lado aspectos que os singularizariam, isto é, traços particulares que poderiam distingui-los de outros casos considerados semelhantes44. De acordo com a argumentação de Clark, residiria aí um dos principais problemas que identificava na sociologia feita no Canadá: esta não se empenhara em estudar o que havia de diferente na sociedade canadense, o que distinguia o Canadá 45 – e em particular dos EUA, como exemplificado por sua fala na Associação Americana de Sociologia: “We have had to keep comparing ouserselves to you [americans] because we have had to show that somehow we are different from you” (Clark, 1968 [1964], p. 221)46 [10]. Daí afirmar de modo peremptório que no Canadá não se desenvolvera uma sociologia canadense, mas sim americana (Clark, 1976 [1974], p. 133). [V. Perspectives SS] Para Clark, então, era preciso que os sociólogos no Canadá (fossem ou não deste país) “sentissem” [have a feel for] a sociedade canadense, se identificassem com ela e conhecessem sua história, afinal a sociologia precisava ser uma disciplina altamente sensível em relação ao ambiente no qual era produzida. Neste sentido, eles deveriam levar a cabo pesquisas cujos objetivos estivessem voltados para a compreensão e explicação da estrutura da própria sociedade, daí a necessidade de desenvolverem instrumentos teórico-metodológicos apropriados, os quais levassem em consideração as particularidades daquela. Colocando de outra maneira, era preciso que uma sociologia canadense comunicasse algo para e sobre o país. Não é fortuita, assim, sua afirmação de que a sociologia no Canadá nunca tivera seu H. A. Innis, pois este, com seus trabalhos no campo da história econômica sobre o comércio de peles, desenvolvera não só uma abordagem “truly Canadian” preocupada com a forma como o Canadá assegurara sua existência, mas também uma teoria econômica relevante para o tratamento de sua situação específica (Clark, 1976 [1974], p. 134). Utilizando-me da expressão empregada por Harry Hiller (1981, p. 139), Innis teria feito as perguntas certas sobre a sociedade na qual se encontrava, e Clark esperava isto por parte dos sociólogos – e pode-se conjecturar que ele via seu próprio trabalho desta maneira. Suas críticas e formulações, como aquelas apresentadas em seus artigos sobre sociologia e história, parecem indicar sua preocupação com uma abordagem adequada às particularidades de seu país. O universalismo da sociologia poderia até estar em (alguns) de seus fins, mas seus “meios” 44

Clark usa como exemplo uma pesquisa sobre imigrantes portugueses em Toronto. Para ele, pela forma como a pesquisa fora conduzida, não haveria diferença caso fossem imigrantes no Novo México ou no sul da França (Clark, 1976 [1973], p. 128). Mas a despeito de suas críticas, não se furtou a louvar o esforço da autora. 45 “There is much as well (...) that is distinctive about the Canadian society, and it is the investigation of the distinctive that Canadian sociologist has tended to shy away from” (Idem, p. 129). 46 Clark prossegue assim: “Canadian national identity has depended heavily upon the fostering of a feeling of anti-Americanism”. Isto foi expresso em apresentação na sessão geral sobre sociedade canadense da Associação Americana de Sociologia.

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conheceriam e seriam influenciados por limites nacionais. Por isto sua afirmação: “In claiming to teach a sociology that knows no national boundaries what really is being taught is American sociology” (Clark, 1976 [1974], p. 131). Os argumentos mais incisivos de Clark sobre a situação da sociologia no Canadá e suas críticas à dominação pela contraparte americana datam, como se verifica, da década de 1970, quando o país conhecia uma onda nacionalista originária do desconforto com a presença maciça dos EUA na economia canadense47 e que se espalhou para outras esferas, como a cultural, atingindo as universidades – e a sociologia em particular. Harry Hiller argumenta que tal posicionamento por parte de Clark neste momento poderia ser considerado como sendo oportunista, porém, ressalta que o sociólogo já havia expressado sua preocupação sobre a necessidade da sociologia em seu país ocupar-se dos problemas canadenses (1982, p. 141 e 194, nota 30). Em sua introdução à The Developing Canadian Community, Clark escreveu: “There is much sociological work to be done of a non-historical character. Indeed, it is to the study of the contemporary scene that the major effort must be directed. But it is not unbecoming perhaps on the part of Canadian sociologist to plead the cause of a sociology directed primarily to the understanding of Canadian problems” (1968, p. xiv [grifo meu]). [11] Além disto, como procurei mostrar, o sociólogo canadense em vários momentos não deixou de apontar os problemas e limitações da sociologia americana, e embora tenha reconhecido sua utilidade em alguns momentos, lançando mão, inclusive, de parte de seu instrumental, isto não significou seu mero “transplante” ou aplicação mecânica. Antes, buscou empregá-las em conjunto com uma abordagem particular, propícia ao tratamento das questões do Canadá48. I have wanted to look at what is wrong about society as well as what is right; to look at the way old established structures of a society broke down as well as the way new structures came into being. In a word, the interest has been in the problem of change rather than in the problem of order (Clark, 1976, p. 14). [12]

Neste sentido, verifica-se que a preocupação de Clark em estudar temas do Canadá, procurando ressaltar características que lhe eram próprias (contrapondo-as, geralmente, com outras encontradas nos EUA) a partir de abordagens que estariam, também, de acordo com as 47

“[Canadian] economy had relieved heavily on foreign capital, a trend that intensified after World War II. American multinationals made massive direct investments in Canadian resources, resource extraction companies, and branch plants, and by the early 1960s they exerted considerable control over Canadian economy” (HelmesHayes, 2010, p. 75). 48 Por exemplo, ao falar sobre o o país na década de 1970, Clark afirmou que: “what is happening today in Canadian society can only be understood in relation to how that society become structured in the years before the Second World War, reaching back, indeed, to the early seventeenth century” (Clark, 1976, p. 16). A perspectiva histórica que sempre abraçara ofereceria, assim, a abordagem mais adequada ao estudo de sua sociedade.

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particularidades da história e sociedade canadenses, articula o conhecimento “puro” sobre o Canadá com o que se poderia apontar de problemático no país, ou mesmo de positivo para que se garantisse sua continuidade. [13] In Canada, what assimilation or secularization in Park’s terms, or consensus in Parson’s, meant was Americanization, the acceptance of the doctrine of the manifest destiny of American people. Canadian nationhood was attained, not by making of different people into one, or by the strengthening of forces of consensus, but by fostering the differences between people within the nation and thereby securing the differences between Canadian people and American (Clark, 1976 [1974], p. 143 [emphasis added]).

Por fim, é preciso sublinhar que a crítica a modelos explicativos que não atentavam para as particularidades do Canadá também era direcionada aqueles que se identificavam com ideologias de esquerda e, para Clark, eram igualmente importados dos EUA – e no Canadá mesclavam-se à causa nacionalista. Tal argumento é sintetizado no comentário do sociólogo canadense sobre os esforços feitos ao longo dos anos por seus colegas americanos em provar que Marx estava errado: “[but] since Vietnam and in face of the increasingly troubled state of the American society, the effort of this new crop of American sociologists has become directed to proving Marx right” (Clark, 1976 [1974], p. 143-144).[14]. O crescimento de uma sociologia “crítica” (ou “radical”) que, aos olhos de Clark, misturava ideologia e princípios científicos e não se preocupava em estudar as características da sociedade, mas sim em transformá-la, era problemático não só porque ela era estranha e parecia deslocada em um país que não tivera “nem bruxas nem caça às bruxas”, mas também porque apresentava o seguinte: “a horribly distorted picture of what our society is really like, what are the forces that have shaped it and determined the character of its development” (Clark, 1976 [1973], p. 130) [15] . Neste sentido, era preocupante que uma sociologia canadense fosse transformada em simples instrumento para a ação, ou que ela estivesse sempre à disposição para atender às exigências de políticos, empresários ou líderes comunitários em relação a problemas que eles definissem como sociológicos – neste ponto, Clark continuava defendendo a autonomia da pesquisa, opondo-se a atuação de quaisquer forças externas que pretendessem dirigir ou intervir sobre o empreendimento científico (Cf. Clark & Britnel, 1958; Harrison, 1981, p. 8992). De um lado, nesta situação, a sociologia perdia suas características científicas, e do outro, abdicava de sua dimensão nacional. Nada disto poderia ser mais estranho ao projeto acalentado por Guerreiro Ramos que encarava a sociologia a partir de uma íntima relação entre o conhecimento científico por ela produzido e sua inclinação para a ação efetiva, considerando-a instrumento capaz de provocar mudanças na sociedade. Mas a despeito de tal sentido de engajamento atribuído à disciplina, 20

suas “fontes”, isto é, as razões mobilizadas pelo sociólogo brasileiro para justificá-lo guardariam algumas semelhanças em relação aos argumentos de S. D. Clark a favor de uma sociologia canadense. Retomando a proposta de Guerreiro Ramos da redução sociológica como um de seus principais esforços na direção de uma sociologia nacional e militante, verifica-se, também, seu tratamento da questão do caráter universal da ciência sintetizada na “lei da universalidade dos enunciados gerais da ciência”. Tal lei não implicaria na negação da universalidade da ciência, mas sim no reconhecimento por parte do cientista de que seu trabalho deveria submeter-se à comunidade na qual vivia (Ramos, 1996 [1958?], p. 123). Já em relação ao próprio caráter universal da ciência – e Guerreiro Ramos não tem dúvida sobre sociologia ser uma ciência – isto significaria que, em primeiro lugar, ela seria um empreendimento coletivo e organizado de várias pessoas espalhadas pelo mundo cujos resultados formariam um patrimônio intelectual comum ao qual se deveria referir para o progresso do conhecimento49: “Em ciência, não há lugar para jacobismo, ninguém pode realizar progressos senão a partir do que foi conquistado pelo esforço universal dos cientistas”. Além disto, a universalidade significaria a partilha de um “mesmo repertório central de enunciados” (Idem, p. 124), isto é, o reconhecimento de que a atividade científica possuiria pressupostos fundamentais aos quais os cientistas fariam referência. Assim, ao referir-se apenas à dimensão “social” da ciência (a universalidade diria respeito, em última análise, as práticas e atividades dos envolvidos), Guerreiro Ramos ficava livre para postular a validade do conhecimento produzido localmente referindo-o, antes, às exigências e problemas do ambiente circundante, de modo que a universalidade ficaria, até certo ponto, apartada do conteúdo. A ênfase logo acima é para indicar que, para o sociólogo brasileiro, estando o desenvolvimento de teorias e conceitos submetido a questões práticas, a produção sociológica nacional poderia vir a ser utilizada por pesquisadores de outros países. Usando como exemplo a sociologia no Brasil, escreve: “Provavelmente, em breve, será despertada a atenção dos estudiosos para o fato de que temos, hoje, no Brasil, uma teoria sociológica geral mais penetrante e avançada do que a norte-americana, capaz inclusive de envolvê-la e explicá-la” (Idem, p. 126). Se, por um lado, o caráter universal do empreendimento científico adviria apenas da maneira como este é produzido, independendo, então, das particularidades locais (ou seja, no sentido de que estaria atrelado a existência de desafios a serem superados), por outro, justamente por sofrer com a atuação de condicionantes, o conhecimento poderia 49

Esta afirmação de Guerreiro Ramos assemelha-se às considerações feitas por Robert K. Merton sobre o ethos científico (cf. Merton, 2013).

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universalizar-se ao ultrapassar barreiras nacionais e ser mobilizado em contextos distintos. O reconhecimento de que as teorias, conceitos e métodos da sociologia – igual aos fatos e a problemática sobre os quais eles incidiriam para análise – sofreriam com o “incessante condicionamento histórico-social” (1995 [1955], p. 62) era, assim, a marca de seu caráter científico – e por conseguinte, universal. O que, então, caracterizaria uma sociologia como nacional era “tão somente a funcionalidade das cogitações dos sociólogos. (...) é o caráter necessariamente particular de que se revestem os pontos de vista dos sociólogos, tanto quanto sejam significativa e funcionalmente adequados aos problemas da nação em que vivem” (Ramos, 1996 [1958], p. 125-126)50. Ou seja, a dimensão nacional da sociologia atrelar-se-ia à posição de seu praticante como ser-no-mundo identificado com o contexto em que se insere e do qual retira suas referências e confere sentido ao seu agir. Daí a recomendação de que, da sociologia americana, dever-se-ia somente assimilar, além de suas técnicas, sua capacidade de se tornar uma ferramenta para a autoafirmação nacional. Mais do que isto seria prejudicial – ou funesto, para usar o termo empregado pelo próprio Guerreiro Ramos – porque o sociólogo americano estaria “necessariamente vinculado a um contexto estranho ao nosso” (Ramos, 1953, p. 32)51. Tomando de empréstimo da obra de Hans Freyer a ideia de que a sociologia seria não apenas a autoconsciência científica da sociedade (cf. Freyer, 1944), mas também consistiria em uma ciência aplicável ou técnica (cf. Freyer, 1973 [1945]52), Guerreiro Ramos percorre um caminho semelhante aquele que S. D. Clark, por sua vez, viu como prejudicial – o da ação política. A partir das duas tarefas essenciais da disciplina – a elaboração de um instrumental cognitivo para que o país pudesse compreender a si mesmo e seu uso para o entendimento objetivo dos problemas nacionais – somadas à “conversão da atividade diuturna do sociólogo ao interesse nacional” (Ramos, 1995 [cartilha], p. 140; Villas Bôas, 2006, p. 66), verifica-se a proposição de uma sociologia, por um lado, dotada de uma dimensão salvadora, de reconstrução social (Ramos 1995 [Cartilha], p. 107; Oliveira, 1995, esp. Cap. 2), e por outro, capaz de organizar a sociedade (Ramos, 1960, p. 11-14), fornecendo os meios (científicos) necessários como guias para a ação transformadora. Nota-se, aqui, por parte do sociólogo 50

Em relação ao uso de variantes do termo “função” por Guerreiro Ramos, Edson Bariani Júnior (2011) aponta como neste momento ele perde qualquer relação com a teoria funcionalista, adquirindo “cunho existencialista” (p. 154, nota 61). O próprio Guerreiro Ramos sublinha seu uso do termo ao discutir os “antecedentes filosóficos da redução sociológica” (1996 [1958], p. 87 et seq). 51 Prossegue ao autor: “Vamos falar claro, o que é funesto é pedir ao sociólogo norte-americano (como também ao francês, ao alemão, ao inglês, ao russo...) mais do que ele ordinariamente pode dar – instrumentos de investigação – é pedir-lhe o impossível – que nos ensine a resolver os nossos problemas” (Ramos, 1953, p. 32). 52 Guerreiro Ramos utiliza a versão espanhola, cuja primeira edição é de 1945. A edição que uso é a argentina, de 1973.

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brasileiro a adoção de uma razão planificadora como núcleo organizador e motor da atividade sociológica, de modo que a disciplina, devidamente “nacionalizada”, poderia (deveria) ser empregada na tarefa de construção nacional. Assim como a própria sociologia ficaria “impregnada” pelo ambiente circundante (o que a transformaria em um conhecimento autêntico), seu praticante selaria um compromisso com seu contexto imediato, colocando-se a serviço da coletividade53 para cumprir tarefas como as expostas acima. Dirá Guerreiro Ramos: O sociólogo é, de todos os trabalhadores intelectuais, aquele ao qual é menos permitido fazer de sua profissão uma instância hermética, inacessível aos leigos. Ao contrário, a medida de qualidade científica e de funcionalidade de todo o trabalho sociológico é o seu sentido humano ao nível do maior número possível de pessoas (Idem, p. 11).

Destarte, o que nosso autor sustenta é o estabelecimento de uma relação sinérgica entre o sociólogo e o restante da sociedade54, contudo, o que se percebe em suas reflexões acerca deste tema, além da defesa de uma nova elite intelectual da qual o sociólogo faria parte (cf. Villas Bôas, 2006, p. 79-82), é o fato de que este teria uma posição de destaque, de “liderança” em tal relação, atuando como uma espécie de guia, pois – e aqui ecoam as ideias de Karl Mannheim55 sobre a intelligenstia em Ideologia e Utopia (1972 [1929]) – a posse do conhecimento sociológico que levava ao engajamento no processo de construção da nação também o fazia colocar-se acima das visões parciais dos vários grupos que compunham a sociedade56. Neste sentido, Guerreiro Ramos advogava um protagonismo social do intelectual (no caso, do sociólogo) nada estranho à história intelectual do país, algo que parece ir ao encontro das análises de Reinhard Bendix (1996, p. 260 et seq) sobre o papel desempenhado por elites intelectuais de determinados países (cujo desenvolvimento seguiu vias distintas dos casos “clássicos”, como Inglaterra ou França, por exemplo) as quais buscaram “planejar” o futuro de seus países, atuando em prol de seu desenvolvimento como agentes particularmente interessados em transformar suas sociedades, em superar “atrasos”57. [15.1] Colocando-se, assim, nas antípodas de S. D. Clark – para quem tal associação entre sociologia e ação política deveria ser rejeitada não só por ser contrária a certo “caráter” da 53

Ideia semelhante pode ser encontrada, também no Canadá, no tipo de sociologia adotada por John Porter (cf. Helmes-Hayes, 2009 e 2010, esp. Afterword). Este é um tema que pode ser abordado em outra oportunidade. 54 A meu ver, não há como não pensar em alguns aspectos da ideia de “sociologia pública” trabalhada por Michael Burawoy. 55 Sobre a influência de Mannheim sobre a sociologia brasileira, ver: Villas Bôas, 2006 e 2006a; Vianna, 1997. 56 “O sociólogo, de todos os especialistas, é o que está mais habilitado, pelos instrumentos intelectuais que possui, a superar a visão parcelada das necessidades do país, substituindo-a por uma visão unitária de sua contextura integral” (Ramos, 1995 [Cartilha], p. 134). A influência de Mannheim aqui é clara. Cf. Mannheim, 1972, e.g., p. 178-189. 57 Este é um ponto que merece ser explorado, em particular para ser cotejado com o caso canadense na figura dos “intelectuais públicos”. Para Robert Brym (1989), a academia teria oferecido poucos exemplares de intelectuais “comprometidos”.

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sociedade canadense, mas porque prejudicaria à própria atividade sociológica (no sentido da produção do conhecimento e da percepção correta daquilo que se estudava) – Guerreiro Ramos via nesta associação a própria realização da sociologia. No sociólogo canadense verifica-se uma pequena tensão entre a autonomia do pesquisador, para julgar e escolher o que merece sua atenção, e seu comprometimento para com a sociedade, de modo que o respeito àquela não significava virar as costas para os problemas do país: “An avoidance of being caught up in the immediate concerns of men of action does not mean, however, that the social scientist should hold himself aloof from all problems of concern in the society in which he lives” (Clark, 1976 [1973], p. 130) [16]. Para o brasileiro, como sublinhado acima, a sociologia tornar-se-ia ancila das necessidades nacionais mais prementes58. Mesmo colocada em termos diferentes, a discussão tanto de S. D. Clark quanto de Guerreiro Ramos no tocante ao desenvolvimento de uma sociologia nacional no Canadá e no Brasil assemelha-se em alguns pontos. Ambos rejeitam a ideia do universalismo da sociologia no momento em que esta perde contato com o substrato local de onde emerge, afastando-se de (ou negando) suas características mais específicas e distintivas. E ambos reconhecem e sublinham a dimensão “prática” da sociologia e aí enfatizam que o relacionamento entre ela e seus praticantes é mediado por uma vivência particular que os liga menos a um conjunto de normas gerais que organizariam a atividade científica (como o éthos científico de Robert Merton) e mais a um determinado espaço de experiência. No caso de Clark, como vimos, fazse necessário aquele “sentir” a sociedade, para Guerreiro Ramos, há quase uma imposição do local (na forma de seus problemas a serem superados). Afetado, assim, pelo ambiente circundante, o sociólogo empregaria as ferramentas à sua disposição para nele intervir. Há, porém, uma diferença fundamental entre as propostas daqueles dois autores que se traduz pela intensidade da relação que se estabelece a partir de tais vivências: enquanto, para Clark, verifica-se um envolvimento da sociologia com a sociedade (e, claro, do praticante daquela com esta), em Guerreiro Ramos há um claro engajamento. Neste ponto, o sociólogo brasileiro e o canadense levam suas sociologias nacionais por caminhos distintos.

4 As propostas de S. D. Clark e Alberto Guerreiro Ramos acerca de uma sociologia nacional apontam de modo inequívoco o caráter instrumental da disciplina, ou seja, para ambos a sociologia seria um instrumento voltado para a intervenção no mundo social. Os 58

Vide o comentário feito por Guerreiro Ramos ao estudo Cunha – tradição e transição em uma cultura rural do Brasil de Emilio Willems: Ramos, 1995 [Cartilha], p. 141-142.

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comentários e críticas feitas pelos autores em relação, por exemplo, à sociologia americana são ilustrativas desta concepção. Seja em sua avaliação negativa – ela se ocupava com tópicos irrelevantes ou triviais – ou no que teria de importante – o fornecimento de algumas técnicas e conceitos operacionalizáveis – o que se verifica aí é uma preocupação em dar uso a esta parte do repertório sociológico estrangeiro. Decerto que há uma diferença flagrante no relacionamento de Clark e Guerreiro Ramos: o primeiro assume um tom bastante crítico da sociologia americana em vários momentos de sua atividade intelectual, mas não se furta a utilizar várias de suas ferramentas conquanto bem circunscritas aos temas pesquisados; o segundo mostra-se bastante entusiasmado com ela em um primeiro momento (década de 1940), mas logo depois parece descartá-la,

criticando-a

de

modo

mais

veemente

(na

década

de

1950).

Mas

independentemente do modo particular como cada um se relaciona ao longo do tempo com a sociologia americana, evidencia-se a preocupação com a dimensão prática da sociologia e até que ponto a recepção de tal repertório estrangeiro poderia contribuir ou prejudicar um uso naquela direção. Deste modo, ambos os autores atribuíam um determinado sentido à sociologia que a comprometeria com o contexto no qual era produzida. O que não significa dizer que uma parte da sociologia americana, no caso aquela identificada com a Escola de Chicago, não possuísse tais contornos intervencionistas, mas sim que se deveria atentar para as questões particulares do país (Brasil ou Canadá), sendo os problemas distintos destes o alvo de qualquer sorte de intervenção. Assim, a ideia de sociologia nacional desenvolvida por Clark e Guerreiro Ramos visava não só o estabelecimento de uma ligação com a sociedade (esta forneceria o material necessário à reflexão sociológica e aquela comunicaria algo ao seu contexto local de produção), mas também a possibilidade de agir sobre ela. E aqui há nova divergência entre as propostas dos autores. Pesquisadores que se debruçaram sobre a obra de S. D. Clark (Hiller, op. cit.; Harrison, op. cit.) não deixaram de apontar nela a inequívoca centralidade da ideia de sobrevivência do Canadá: por que e como este país continuou a existir? Por que ele não se tornou, por exemplo, parte dos EUA? Clark apresentou esta questão nos seguintes termos: “There is nothing about the society that can be fully understood except in relation to how the society developed, how its very survival as a society, flanked as it was by the powerful republic to the south, remained problematic at least until very recent times” (1976, p. 5). [17] Grande parte dos esforços do sociólogo canadense foi, assim, direcionada não somente para o estudo das singularidades de seu país, para aquilo que lhe era característico, mas também para a compreensão de como tais traços distintivos se desenvolveram e, principalmente, foram capazes de se manter de modo a 25

compor uma comunidade autônoma a despeito de seu posicionamento entre duas potências (EUA e Inglaterra). Se isto fica, até certo ponto, implícito nos primeiros trabalhos de Clark, não se pode dizer o mesmo das reflexões trabalhadas neste artigo, datadas do fim da década de 1950, nas quais há o claro objetivo de sublinhar, em um primeiro momento, a maneira mais “apropriada” de estudar a sociedade canadense sem se descurar de suas feições particularidades; e em seguida, verifica-se um posicionamento mais firme sobre a imperativa necessidade de se adotar tal perspectiva, o que se pode traduzir pela ideia de sociologia nacional. Não se pode negar o peso dos debates sobre canadianização e do contexto mais amplo de nacionalismo nas considerações de Clark na década de 1970, mas suas preocupações antecedem este período – no máximo, careciam de uma formulação mais “nacionalista”. A defesa do estudo de temas canadenses – ainda que isto estivesse de acordo com a própria tradição intelectual a qual Clark identificava-se – e a crítica à incapacidade de parte do patrimônio sociológico americano de lidar adequadamente com elas somadas as recorrentes comparações com os EUA com vistas a marcar diferenças entre os dois países (o que não o impedia de admirar determinados aspectos da sociedade americana) fornecem o substrato para a compreensão da sociologia nacional proposta por Clark. Uma sociologia, por seu turno, que pode ser considerada como preocupada com a existência do Canadá, isto é, voltada para a afirmação do país como uma unidade sócio-histórica autônoma dotada de singularidades. O tema da sobrevivência seria, assim, para a sociologia de Clark não apenas um tópico privilegiado e mesmo uma chave de leitura e interpretação da sociedade canadense, mas igualmente seu leitmotiv que associaria a dimensão analítica aos esforços para a manutenção (para a sobrevivência) do país. Daí o envolvimento do sociólogo com sua disciplina significar, também, o envolvimento com o ambiente ao seu redor59. Desta maneira, acredito que o uso do termo manutenção seja adequado à compreensão da proposta de sociologia nacional de Clark, pois encerra dois sentidos interligados: um primeiro é o de dar continuidade, de assegurar algo; o outro, de cuidado com vistas a conservar o bom funcionamento. O primeiro caso é evidente: trata-se de contribuir para a permanência, para a existência do Canadá – em suma, sua sobrevivência. Sendo assim, a sociologia teria como uma de suas tarefas fornecer subsídios (através do estudo da história, das instituições, da organização, etc.) para a

59

Novamente comentando o influxo de profissionais estrangeiros nas universidades canadenses, Clark diz que, independente de suas posições ideológicas, a grande maioria deles possuía uma coisa em comum: eram altamente profissionais, porém com limitado interesse nos problemas das universidades e pouquíssimo conhecimento ou interesse sobre a política, a economia ou o passado do Canadá (Clark, 1999 [1979], p. 236).

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continuidade daquela unidade sócio-histórico dotada de características bem distintas, sobretudo em relação aos EUA60. O segundo caso diz respeito a uma tomada de posição mais efetiva perante a própria disciplina no que tange à suas possibilidades práticas61. Considerando-se que, para Clark, o Canadá conseguiu sobreviver e que toda sorte de esforços deveria ser dirigida a continuidade de sua existência, então não se trata de construir ou organizar a sociedade e/ou o país – o que, todavia, não significa tomá-los como uma obra concluída, como a própria perspectiva histórica adotada pelo sociólogo canadense busca sublinhar. Trata-se, antes, de manter (conservar) aquilo que já existia, mas sem se descurar dos eventuais problemas que viessem a surgir ou que ainda não tinham sido enfrentados. Como colocado por Harry Hiller: Sociology was only a tool to uncover what was really important about his own society. Clark seldom began with a theoretical issue or a disciplinary matter, but instead utilized critical societal concerns as his starting and ending points in research. The discipline was not an end in itself but a vehicle to understand a particular society (1982, p. 161). [18].

Embora reconhecesse, como já indicado, a importância de alguma margem de ação autônoma para o pesquisador na escolha do tema com o qual pretendesse trabalhar, Clark não se furtava a considerar o envolvimento daquele com seu espaço de experiência como necessário, de modo que a sociologia ganhava contornos práticos, transformando-se em um instrumento que visava algum grau de intervenção. No caso de Guerreiro Ramos, como já foi possível observar no tópico anterior, a sociologia nacional por ele proposta torna-se, antes, a consciência crítica da sociedade e, por isto, em orientadora das ações. Embora a primeira característica também possa ser, de maneira reduzida, captada na formulação de Clark, a segunda acha-se praticamente ausente, ou então é apresentada em termo bem distintos, pois o que está em jogo é a afirmação do Canadá feita, em certa medida, negativamente – é um país com traços distintivos, próprios, e que se diferencia largamente dos EUA . Para o sociólogo brasileiro é de importância crucial a organização de seu país, sua construção. O Brasil seria um projeto histórico-político, e a sociologia, subsumida aos valores deste, um instrumento para sua realização. Sendo assim, o que desponta como fim último da sociologia nacional de Guerreiro Ramos não é, e nem 60

Deborah Harrison sublinha que, para Clark, se a história canadense fosse composta unicamente de consenso e integração, como se poderia pensar a partir do uso das teorias funcionalistas, então o Canadá já teria sido incorporado aos EUA (1981, p. 60). 61 Este segundo caso também abarca a visão de que a sociologia teria limites e só poderia ser manipulada e mobilizada dentro deles, o que leva a uma discussão sobre a teoria do conhecimento esposada por Clark. Contudo, como ficará mais claro no final do texto, esta é uma questão para ser desenvolvida em outra ocasião, ficando aqui registrada sua importância. Como exemplo, basta ver algumas de suas críticas, por exemplo, ao marxismo – mais do que mera manifestação “conservadora”, considero-as um posicionamento sobre as possibilidades do conhecimento que desemboca em uma relação entre questões epistemológicas e axiológicas.

27

poderia ser, qualquer forma de manutenção do país, mas sim o planejamento ou a planificação [19]. Suas propostas referentes à sociologia “dinâmica” (em oposição à “enlatada”) e “em mangas de camisa” (diferente da “acadêmica”) apresentadas na Cartilha Brasileira do aprendiz de sociólogo (Ramos, 1995 [1954]) estão, assim, a serviço daquela razão planificadora

mencionada

mais

acima.

Detentora

da

capacidade

de

antecipar

(presumivelmente com sucesso) quais as necessidades mais prementes a serem atendidas ou os problemas mais urgentes a serem enfrentados e por quais meios isto seria feito62, tal razão planificadora, por conseguinte, seria capaz de articular com êxito meios e fins, planejando e realizando ações com vistas a provocar as mudanças que estivessem na ordem do dia. Não foi, assim, à toa que Guerreiro Ramos declarou em entrevista que “o espontaneísmo pode ser mortal para o Brasil”63. E prosseguiu: Não basta constatar a existência entre nós, de fatores autodeterminativos. Temos um prazo curto para realizar a emancipação do país, o que nos obriga a esforços para enquadrar esses novos fatores nos estatutos econômicos e sociais que eles reclamam. A criação desses novos estatutos da sociedade brasileira exige que se projete e realize um elenco de medidas integradas, que reflitam a consciência orgânica de nossas lacunas e necessidades. (Ramos, 1995 [1956 – entrevista], p. 256-257).

Em última análise, o que se depreende das reflexões de Guerreiro Ramos é que a sociologia nacional por ele propugnada pode ser vista como a realização da própria razão planificadora – sendo os sociólogos, claro, seus portadores. S. D. Clark e Alberto Guerreiro Ramos desenvolveram reflexões sobre a sociologia que convergem em alguns pontos e distanciam-se em outros. As discussões sobre uma sociologia nacional, e seus esforços para que estas fizessem frente, em particular, à sociologia americana, mostram como os dois autores partilhavam preocupações semelhantes não apenas no que dizia respeito ao modo adequado de se estudar seus países, mas também em como esta disciplina e o conhecimento por ela produzido poderiam ser mobilizados e manipulados, visando seu uso prático. Porém, seus fins são distintos, assim como o alcance de tal uso, isto é, até que ponto sua capacidade interventora é possível e desejável. Uma investigação simples sobre o posicionamento destes dois sociólogos em seus respectivos contextos nacionais e intelectuais apontaria, sem maiores problemas, justificativas para as diferentes proposições. No entanto, a meu ver, limitar a análise a esta perspectiva levaria apenas a um sociologismo exacerbado que vê a produção intelectual como mero epifenômeno do contexto social, desconsiderando completamente sua lógica interna e as razões mobilizadas para a elaboração

62 63

Esta definição é tributária da análise de Ralf Dahrendorf (1974, p. 243-261). Entrevista dada ao jornal Última Hora em 1956. [20]

28

de suas argumentações. Neste sentido, acredito que seja necessária uma compreensão das limitações e potencialidades da sociologia por eles apontadas não tanto a partir de convicções políticas ou interesses materiais, mas sim a partir de investigações que levem em consideração as teorias do conhecimento esposadas (consciente ou inconscientemente) por estes autores. Trata-se, assim, de não se descurar da relação sublinhada por Max Weber entre interesses ideais e materiais – “Muito frequentemente, as ‘imagens mundiais’ criadas pelas ‘ideias’ determinaram, tal qual manobreiros, os trilhos pelos quais a ação foi levada pela dinâmica do interesse” (Weber, 1979, p. 323) – enquanto atentando, em particular, para a questão do conhecimento, como sintetizado por Karl Popper na seguinte passagem: “uma oposição na avaliação do conhecimento humano – portanto, uma oposição epistemológica – pode levar a objetivos e exigências ético-políticas opostas” (2006, p. 53 [grifo meu]). Esta análise subsequente ao que foi apresentado aqui será feita em outro momento.

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