Guerrilha do Araguaia - luta e a apropriação da massa campesina, 1972-1975.pdf

June 1, 2017 | Autor: Laercio Braga | Categoria: Empatia, Apropriação, Repressão, LEGADO, Guerrilha do Araguaia
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Descrição do Produto

Laércio da Silva Braga Pedro Cesar Miranda Fonteles Lima

Guerrilha do Araguaia Luta e a apropriação da massa campesina (1972-1975)

1ª Edição

Belém 2016

© 2011 by Laércio da Silva Braga 1ª edição - 2016

Normalização Laércio da Silva Braga

Orientação Prof. Msc. Aldo Sampaio Figueira Capa Laércio da Silva Braga Revisão Professora Márcia Antonia Moreira da Silva

B935g

Braga, Laércio; Fonteles, Pedro Guerrilha do Araguaia: luta e a apropriação da massa campesina (1972-1975)/ Laércio da Silva Braga e Pedro Cesar Miranda Fonteles Lima. _ Belém, 2016. 79 p. ; E-Book.

ISBN: 978-85-916793-3-1

1.

Brasil - História. 2. Guerrilha Araguaia. 3. Conjuntura Nacional. 4. Campesinato. 5. Repressão. I. Braga, Laércio da Silva. Fonteles, Pedro Cesar, II. Título.

CDU 981

Dedicamos este trabalho a todos os guerrilheiros e camponeses que tombaram nas terras úmidas do Araguaia, como exemplos de revolucionários. Suas mortes não foram em vão, seus ideais permanecem vivos em todos os corações que sonham com uma sociedade mais justa, igualitária e fraterna.

Pesadelo

Quando o muro separa uma ponte une Se a vingança encara o remorso pune Você vem me agarra, alguém vem me solta Você vai na marra, ela um dia volta E se a força é tua ela um dia é nossa Olha o muro, olha a ponte, olhe o dia de ontem chegando Que medo você tem de nós, olha aí Você corta um verso, eu escrevo outro Você me prende vivo, eu escapo morto De repente olha eu de novo Perturbando a paz, exigindo troco Vamos por aí eu e meu cachorro Olha um verso, olha o outro Olha o velho, olha o moço chegando Que medo você tem de nós, olha aí O muro caiu, olha a ponte Da liberdade guardiã O braço do Cristo, horizonte Abraça o dia de amanhã, olha aí

Canção entoada pelos guerrilheiros no Araguaia. Autores: Paulo Cesar Pinheiro e Maurício Tapajós

SUMÁRIO

CAPA FOLHA DE ROSTO DEDICATÓRIA AGRADECIMENTOS EPÍGRAFE SUMÁRIO RESUMO ABSTRACT INTRODUÇÃO

13

Guerra, guerrilha, motim.

15

Localização geográfica

20

Conjuntura nacional

22

Empatia e convocação à luta

30

A participação campesina

39

A repressão

49

O legado

61

CONCLUSÃO

70

FONTES

73

REFERÊNCIAS

75

ANEXOS

78

12 RESUMO

O artigo discorre sobre a luta e a apropriação da massa campesina em torno dos acontecimentos gerados entre 1972-1975, na Guerrilha do Araguaia. Esse movimento reuniu um grupo de jovens, em sua maioria, alcunhados localmente de “paulistas”, militantes do PC do B (Partido Comunista do Brasil), que tentaram implantar, a partir dos sertões da região conhecida como Bico do Papagaio, a resistência contra a ditadura instalada no país desde o golpe de 1964. Os guerrilheiros foram ferozmente aniquilados pelas Forças Armadas brasileiras, mas obtiveram resultados práticos nos movimentos sociais campesinos até hoje atuantes. PALAVRAS-CHAVE: Guerrilha do Araguaia, empatia, apropriação, repressão, legado.

ABSTRACT The article talks about the fight and the appropriation of the rural mass around the events generated among 1972-1975, in the Guerrilla of Araguaia. That movement gathered a group of youths, in his majority, nicknamed locally of “paulistas”("inhabitants from São Paulo"), militants of PC of B (Communist Party of Brazil), they tried to implant, starting from the interiors in the area known as Beak of the Parrot, the resistance against the dictatorship installed at the country from the blow of 1964. The guerrilla fighters were annihilated ferociously by the Brazilian Armed forces, but they obtained practical results in the rural social movements until today active. Key- words: Guerrilla of Araguaia, empathy, appropriation, repression, legacy.

13 INTRODUÇÃO

O presente artigo discute um fato recente na história do Brasil há pouco mais de trinta e cinco anos e que continua a desafiar o silêncio quase sepulcral dos governantes de então. A guerrilha do Araguaia continua persistente e inquiridora quanto à participação dos camponeses. Continua a ser marginalizada enquanto feito heroico do povo brasileiro. O Exército insiste em alcunhar os guerrilheiros como marginais, terroristas, bandidos, assaltantes de banco, maconheiros, subversivos, etc. Em pelo menos sete vezes encontramos o Cel. Lício Augusto Ribeiro1 chamando os guerrilheiros de bandidos no livro de Luiz Maklouf Carvalho, “O coronel rompe o silêncio” (2004). Ao longo desses anos discutiu-se a participação do povo na articulação da Guerrilha do Araguaia. Algumas bibliografias comentam que foram poucos os camponeses envolvidos em nome de um projeto que se almejava grandioso. Entretanto, algumas ponderações precisam ser feitas para que dialoguemos com as fontes, tendo por objetivo discutir sobre a participação popular. Nossa intenção é traçar uma panorâmica do processo, a partir de fontes primárias colhidas por Paulo Fonteles2 (enquanto advogado dos posseiros no Sul do Pará) bem como do material colhido quando da sua participação na Caravana dos familiares dos mortos e 1

Oficial do Exército brasileiro que atuou na linha de frente do combate à Guerrilha do Araguaia. À época da guerrilha, o coronel era majoradjunto do Centro de Informações do Exército (CIE) e estava lotado no Escalão Avançado do gabinete do ministro do Exército, em Brasília. Seu nome de guerra era “Dr. Asdrúbal”. Para saber mais ler “O coronel rompe o silencio”, de Luiz Maklouf Carvalho, Objetiva, 2004. 2 Paulo Fonteles, ex-deputado pelo PMDB, mas que atuava na clandestinidade pelo PC do B e morto em 1987.

14 desaparecidos do Araguaia, que percorreu a região no período de outubro de 19803. Para além das fontes já citadas, este trabalho faz incursão pela bibliografia correlata ao tema e pretende contribuir com novas abordagens e discussões sobre o mesmo. Entre as inúmeras possibilidades de fontes, temos os relatos orais nos locais de operação da guerrilha, com as próprias fontes de pesquisa empreendidas por Paulo Fonteles, jornais e revistas, livros, arquivos particulares, e vários documentos secretos das Forças Armadas, entre outros. Primeiramente pensamos em desenvolver o tema Guerrilha do Araguaia baseado na oralidade de fontes primárias e secundárias. Entretanto, precisaríamos de um tempo maior disponível e da aceitabilidade de uma gama de pessoas antecipadamente. Localizar número significativo de pessoas dispostas a conceder entrevista numa área tão vasta necessitava, realmente, de muito tempo, até mesmo se as tivéssemos mapeado. Esse fato não inviabilizou o uso das referências bibliográficas disponíveis e das entrevistas realizadas na cidade de Marabá-PA e depoimentos de camponeses torturados ao Ministério Público Federal, e ainda uma série de relatos em periódicos e documentos eletrônicos. Entretanto, os conselhos velados, sugerindo a inconsistência do tema (bem antes da investigação científica) e a desistência da abordagem, baseado numa suposta permanência da

3

Em 1980 familiares dos guerrilheiros vão à região do Araguaia em busca de informações a respeito de cemitérios clandestinos. Foi a primeira caravana realizada por parentes. Uma segunda viagem para realizar as escavações nos cemitérios demarcados e localizar outros cemitérios clandestinos foi organizada pela Comissão Especial do Ministério da Justiça e ocorreu entre os dias 29 de junho e 24 de julho de 1996.

15 ditadura, nos chamou bastante a atenção, servindo-nos muito mais de incentivo. Em nossa fase gestacional pretendeu-se discutir o legado da Guerrilha do Araguaia para os movimentos sociais campesinos de hoje, em seguida o trabalho foi direcionado, sobre a participação da massa campesina durante os acontecimentos. O objetivo desta discussão se alicerça na possibilidade de construir outras análises acerca do tema. Comunga-se aqui da possibilidade de discutir a participação popular na perspectiva de uma história “vista de baixo” 4, dialogando com os autores que discutem tal possibilidade. Investigaremos o grau de amplitude da Guerrilha do Araguaia e quais interesses convergiam ou divergiam sobre os grupos envolvidos.

Guerra, guerrilha, motim

No período da Antiguidade as batalhas eram vistas como oportunidades de os homens demonstrarem sua coragem ou sua abnegação. Durante a Idade Média desenvolveu-se o conceito de “guerra justa”, que representava as longas batalhas especialmente entre Europeus e Muçulmanos pela conquista da chamada terra santa, ou Jerusalém. Este conceito recebia o nome de “santa”, pois era fundamentado nos ensinamentos cristãos de que Deus convoca todos os homens, mulheres e crianças a lutarem contra os infiéis 5, e por este

4

Ver, A Formação da Classe Operária Inglesa ─ E. P. Thompson. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. 5 Como os cristãos europeus definiam os muçulmanos e árabes.

16 motivo quem morresse em batalha estaria a salvo e com seu lugar garantido no paraíso. Durante o período colonial brasileiro e da escravização indígena, o termo “Guerra Justa” foi muito empregado pelas diversas lutas travadas entre colonizadores e índios. Estes últimos eram obrigados a trabalhar principalmente para a ordem religiosa dos Jesuítas. Os jesuítas eram autorizados pelo governo português a fazer a captura daqueles que não ajudassem nos interesses da coroa. Para o mestre Sun Tzu em seu A Arte da Guerra (2007, p. 25), no século 7 antes de Cristo: “A guerra é uma questão vital para o Estado. Por ser o campo onde se decidem a vida ou a morte, o caminho para a sobrevivência e a ruína [...]”. A atual definição de Guerra que consta no Dicionário Eletrônico Aurélio (FERREIRA, 1999) é a seguinte: “Luta armada entre nações ou entre partidos do mesmo povo. Guerra aberta, hostilidade declarada, constante”. Então, compreendemos como um determinado confronto de um ou mais grupos que se utiliza de armamentos podendo ser bélicos ou não para derrotar o oponente. Para o que diz respeito à guerra civil, entenda-se como o confronto ou conflito armado ou não, entre determinados grupos ou partidos ou grupos de um mesmo povo. No geral, a guerra pode ter variados motivos, que podem ser de ordem religiosa, étnica, ideológica, econômica, territorial, de vingança, ou de posse. Para a definição de Guerrilha, o Dicionário Eletrônico Aurélio (FERREIRA, 1999) faz a seguinte análise: “Guerra que se caracteriza por ações descontínuas de inquietação, emboscadas, levadas a efeito por grupos irregulares ou mesmo por tropas regulares”. O que temos

17 de fato é um modelo de guerra no qual o principal estratagema é a ocultação e extrema mobilidade dos combatentes, os chamados guerrilheiros. Em sua tese de mestrado (A Guerrilha do Araguaia: paulistas e militares na Amazônia) o professor Durbens Nascimento (2000), coloca o seguinte:

No Brasil, segundo registros históricos, a guerra de guerrilhas foi utilizada na totalidade dos movimentos anticoloniais, antimonárquicos e anti-republicanos. A luta dos escravos - a luta antiescravista que visava suprimir as condições as quais estavam submetiam os negros a uma vida degradante e cruel. Em conseqüência desse fator surgiram os primeiros quilombos, sociedades livres à margem da sociedade nacional imperial. Ainda no império a resistência cabana é o momento alto das lutas políticas e sociais durante o império. Na Cabanagem6, um Exército irregular composto na sua maioria por caboclos da Amazônia, enfrentou as forças policiais usando a guerra de guerrilhas. De origem popular, a Cabanagem se espalhou por vastas áreas da Amazônia, em particular no Estado do Pará (Província do Grão Pará que também incluía o Maranhão e o Amazonas) no século XIX (p. 22).

6

Revolução ocorrida em meados do século XIX que derrubou o governo oficial e instaurou um governo popular. Ver: Cabanagem: Di Paolo, Pasquale. (1990). Cabanagem: a revolução popular da Amazônia. 3ª ed. Belém, CEJUP, 415 p. / Monteiro, Cauby Soares. (1994)

18 Já “Motim” define-se como um levante ou insurreição que pode ser organizada ou não contra a autoridade oficial ou governo. Foi por muito tempo usado com o objetivo de criminalizar a Revolução Popular da Cabanagem7 e seus personagens. Domingos Antonio Rayol, em sua célebre obra “Motins Políticos 8” faz a seguinte análise:

Pensem os visionários como quiserem, a rebeldia sempre será condenável nas sociedades bem constituídas. Pintemna com as cores mais vivas e sedutoras da imaginação; chamem-na tumulto ou sedição, revolta ou insurreição, motim ou rebelião, nada alterará a sua natureza e efeitos; dêem-lhe o nome que melhor soe e agrade aos ouvidos dos incendiários, ela não deixará nunca de ser uma transgressão sujeita à sanção penal (RAIOL, 1890, v3, p. 1006).

Sun Tzu (2007, p. 11) em seus ensaios sobre a arte da guerra, nos ensina 25 séculos antes, que “O verdadeiro objetivo da guerra é a paz”. Nós, em nossa análise vemos este objetivo em primeiro lugar. Naquela realidade diríamos que era necessário empunhar as ferramentas em busca da liberdade, e que a paz seria a revelação dos

7

Cabanagem, a Revolução Popular da Amazônia, comumente propagada como sido iniciada em 7 de janeiro de 1835 e terminada em 1840. Para saber mais ler DI PAOLO, Pasquale. Cabanagem: a revolução popular da Amazônia. 3ª Edição. Belém, CEJUP, 1990. 8 Rayol, Domingos Antônio. Motins Políticos ou História dos Principais Acontecimentos Políticos na Província do Pará desde o ano de 1821 até 1835.

19 objetivos que se almejava conseguir libertando a memória da trágica possibilidade da injustiça. Para Maurício Grabois (Apud BERTOLINO, 2004) a necessidade de democratização era pertinente tanto que no 5º Congresso do PCB Duas concepções, duas orientações políticas ele expõe sua linha de pensamento:

Grabois critica os fundamentos teóricos da linha política configurada na Declaração de março de 1958, reconhecimento oficial da linha esquerdista dita Manifesto de Agosto (de 1950), mas também geralmente considerada o protocolo programático de uma virada à direita que levaria a sucessivas rupturas da unidade partidária. [...] é a lucidez com que os relaciona ao abandono do materialismo dialético por um evolucionismo vulgar, gradualista em política e oportunista na teoria: segundo a Declaração, “a democratização é uma tendência permanente na vida nacional, uma decorrência do desenvolvimento do capitalismo (p. 11-12).

Hanson W. Baldwin9 (Apud BROCHADO, 2010) nos esclarece acerca da falta de objetivos políticos amplos dos Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial, na busca da vitória militar de seus exércitos na Europa:

9

"As grandes decisões estratégicas" - Hanson W. Baldwin - Biblioteca do Exército Editora, 1977.

20 A guerra não deve resultar de simples substituição de um inimigo por outro; deve produzir um mundo mais estável e mais seguro. Sem objetivos políticos, a guerra não passa de um morticínio insensato. Hoje, mais do que nunca, na idade do átomo, a grande estratégia representa o casamento sólido dos fatores militares com os políticos (p. 77). Localização Geográfica

O movimento guerrilheiro instalou-se nas matas do Araguaia, mais precisamente na região denominada de Bico do Papagaio10. A escolha resultou de uma série de estudos por parte da direção do movimento, e deu-se, sobretudo por dois motivos. Em 1º lugar, a avaliação era de que existiam

na

mata

amazônica os elementos necessários para a prática de ações guerrilheiras. Em Reprodução do mapa do Estado do Pará com área distinta da Guerrilha do Araguaia, com alteração nossa. Fonte: Wikipédia.

2º lugar, a ausência do estado

e

os

conflitos

sociais pela posse da terra em região próxima à mata fechada reuniam 10

A Mesorregião Bico do Papagaio compreende atualmente 66 municípios 25 no Pará, 16 no Maranhão e 25 no Tocantins distribuídos em oito microrregiões, com área total de 140.109,5 km2 e com população de 1.645.861 habitantes (estimativa 2008 - IBGE).

21 condições determinantes para o confronto com as Forças Armadas, pois a mata dificultaria o uso de armamento pesado como aviões e helicópteros por exemplo. Estes corpos bélicos seriam usados com mais frequência apenas como meio de transporte, ficando sua utilização militar limitada. A floresta Amazônica era considerada importante no que diz respeito ao fornecimento de caças e alimentos nativos que garantiriam a subsistência alimentícia dos guerrilheiros, além de significar um entrave para os ataques do Exército, já que os militares não dispunham de grandes conhecimentos para os deslocamentos na mata fechada. O documento secreto do Ministério do Exército – Relatório das Operações Contraguerrilheiras Realizadas pela 3ª Brigada de

Reprodução de um mapa do Portal do Professor com a localização das bases da Guerrilha do Araguaia entre os estados do Pará, Maranhão e Goiás. Fonte: .

22 Infantaria no Nordeste do Estado do Pará (C M P – 11ª RM – 3ª Brigada de infantaria) resume a área e a localização da Guerrilha do Araguaia:

A região de operação, delimitada a N, E e SW pelo rio ARAGUAIA e a W pela linha do Rio VERMELHO – Rio ITAIPAVAS, apresenta uma área de cerca de 9.000 km² e está situada SE do estado do Pará. Dista da Capital Federal cerca de 1.400 km, via rodoviária e por volta de 1.700 km de Uberlândia [MG] (1972, p. 3).

O fato de as Forças Militares se instalarem às margens das rodovias PA-70 e Transamazônica (para facilitar o abastecimento de alimentos e armas) beneficiava os guerrilheiros, possibilitando os ataques surpresas. Para os dirigentes comunistas, que eram em grande parte influenciados pelas experiências vitoriosas de guerrilhas rurais em países da América Latina, como em Cuba e asiáticos como China e Vietnã, a região Amazônica era a ideal porque reunia condições interessantes e estava apta ao triunfo de um movimento guerrilheiro e socialista no Brasil.

Conjuntura Nacional

O cenário nacional antes da instalação da Guerrilha do Araguaia é parte das inquietações que culminaram na articulação da

23 luta armada, das guerrilhas instaladas no Brasil (A guerrilha urbana começa a se organizar. Formada por jovens idealistas de esquerda, assaltam bancos e sequestram embaixadores para obterem fundos para o movimento de oposição armada, a VPR11, o MR-812 e a ALN13). Para abordarmos o tema com qualidade e isenção, temos de levantar as principais inquietações, devemos fazer uma leitura sobre a conjuntura nacional de nosso país naquele período, fato levou-nos a viver uma ditadura militar, qual o sentimento permeava o dia-a-dia daqueles que viveram sob a censura e tortura, com forte supressão dos direitos constitucionais, perseguição política e repressão aos que eram

11

A Vanguarda Popular Revolucionária (VPR). Organização de luta armada brasileira de extrema esquerda que lutou contra o regime militar no Brasil visando à instauração de uma ditadura de cunho socialista no país. Formada em 1966 a partir da união dos dissidentes da organização Política Operária (POLOP) com militares remanescentes do Movimento Nacionalista Revolucionário (MNR). Posteriormente, de sua fusão com o Comando de Libertação Nacional (Colina), deu origem à VAR-Palmares (em homenagem ao Quilombo dos Palmares). 12 Movimento Revolucionário Oito de Outubro. Organização brasileira de esquerda que participou do combate armado ao regime militar e tinha como objetivo a instalação de um Estado socialista no Brasil. Seu nome lembra a data em que foi capturado pela CIA (Agencia de Inteligência Norte-Americana), na Bolívia, o guerrilheiro argentino Ernesto "Che" Guevara. 13 Aliança Libertadora Nacional. Organização mais estruturada da guerrilha urbana, sendo também aquela onde a quantidade de mulheres a ela vinculada era proporcionalmente maior do que em outras organizações. A ALN tinha a proposta de uma ação objetiva e imediata contra a ditadura militar defendendo a luta armada e a guerrilha como instrumento de ação política. Em 1971 surgem duas dissidências da ALN que teriam vida efêmera e contingentes reduzidos: o Movimento de Libertação Popular (Molipo) e a Tendência Leninista (TL).

24 contra o regime militar. A Ditadura se estendeu de 1964 a 1985 quando temos a redemocratização14 do país. Para João Manoel Simch Brochado, em seu “O caráter dos soldados” os antecedentes da Ditadura criaram raízes no espectro do comunismo permitido pelas políticas democráticas do país:

No dia 25 de agosto de 1961 em Brasília, recentemente inaugurada como Capital da República, a renúncia surpreendente do Presidente Jânio Quadros iniciava uma longa crise político-institucional no Brasil que só estaria encerrada com a normalização democrática, quase vinte e quatro anos depois, em março de 1985. O Vice-presidente, substituto legal para a vacância criada pelo gesto de Jânio, se encontrava na China de Mao em visita oficial. João Goulart integrara a chapa do PTB de Getúlio Vargas e se elegera com Jânio, como uma pedra no seu sapato, mas, também, como um nome que seria regurgitado pelos militares na eventualidade de substituí-lo. Os militares, com a vantagem dessa ausência, declararam o impedimento de Goulart pelo pronunciamento do Ministro da Guerra (2010, p. 37). As Forças Armadas vetaram a posse do João Goulart, que estava em missão oficial na China, alegando motivo de “segurança nacional”.

14

Fim da ditadura militar após o movimento de Diretas Já, que conta com ampla participação popular, que culmina com a constituição 1988 que restabelece os princípios democráticos.

25 Não pretendiam atuar nos limites das leis vigentes [anular a Constituição]. Surgiram, então os Atos Institucionais, decretos jurídicos de caráter centralizador e autoritário, que se sobrepunham à Constituição Federal (NAPOLITANO, 1998, p. 15).

Nesse sentido, os ministros militares solicitaram ao Congresso que aprovassem a manutenção do presidente interino, Ranieri Mazzilli, no cargo até que se realizassem novas eleições presidenciais. Mas havia divergência entre os próprios militares. O general Lott defendia a posse de Jango e o respeito à Constituição tornando pública sua posição. O general Machado Lopes, comandante do 3º Exército, no Rio Grande do Sul, tradicionalmente a mais bem armada das quatro subdivisões do Exército brasileiro, também defendia a legalidade. Também o governador do Rio Grande do Sul Leonel Brizola apoiava a posse de seu cunhado, João Goulart (BROCHADO, 2010). Uma justificativa para o golpe militar seria os humores do Jânio Quadros:

Jânio Quadros tinha um temperamento autoritário – impositivo, dominador e arrogante. A solidão de uma cidade apenas esboçada criava-lhe dificuldades para usufruir os eflúvios de uma fantástica vitória eleitoral que criara, para um Presidente brasileiro, o maior poder popular da história republicana - votação maciça, indiscutível carisma e o mito de

26 salvador incorruptível 2010, p. 38).

(BROCHADO,

Letra de música censurada pelo governo militar. Fonte: .

27 A implantação do regime militar no Brasil era justificada pelos seus próceres diante à ameaça comunista que pairava sobre a América Latina, mal vista pelo imperialismo estadunidense:

[...] aspecto a ser acrescentado é que o sucesso da Revolução Cubana (em 1959), ao tornar realidade o sonho da experiência socialista na América Latina, passou a representar uma ameaça para a influencia norte-americana no continente. Assim, a política externa dos Estados Unidos estava orientada para impedir a ocorrências de conflitos e revoltas sociais (de inspiração socialista) que implicassem qualquer mudança na ordem interna dos países sob sua influência (NAPOLITANO, 1998, p. 7).

O

congresso

decidiu,

então,

pela

implantação

do

parlamentarismo. Jango (João Goulart) poderia assumir a presidência, embora o governo, de fato, fosse para as mãos de um primeiro ministro. De setembro de 1961 e janeiro de 1963 o Brasil viveu sob um frágil regime parlamentar, colocado em prática em caráter experimental, devendo ser realizado um plebiscito em 1965, com a rápida sucessão de três primeiros ministros. Nesses termos, tornandose impossível qualquer tipo de continuidade administrativa, os problemas econômicos se aprofundaram. O fracasso do sistema era visível, e o plebiscito acabou sendo antecipado em dois anos. Após intensa campanha, os eleitores se manifestaram favoráveis ao retorno do presidencialismo com mais de 9 milhões de votos, contra os 2 milhões favoráveis a manutenção do regime parlamentar.

28 Outra justificativa para o golpe militar era o perfil dos nossos governantes e nunca os anseios da população:

O Presidente, restaurado como chefe do executivo, no entanto, não soube transformá-lo em poder político eficaz e permanente para administrar suas reformas de base e, com essa incapacidade, provocou a irrupção de 1964 (uma irada manifestação do poder das Armas estimulada e apoiada por significativa parcela da sociedade brasileira). Nunca demonstrou habilitações para o cargo e, com uma personalidade suave e sem energia, jamais pôde impor diretrizes, orientação ou ritmo adequado para um processo ambicioso de transformações políticas e sociais. Jango desenhou, talvez, o triângulo de autoridade de menor área em relação a todos os seus antecessores na república... (BROCHADO, 2010, p. 39).

Sobreveio o golpe militar que se articulava a partir da ESG (Escola Superior de Guerra) e tinha como líder o chefe do Estado Maior do Exército, o General Castelo Branco. No mesmo mês, quase 500.000 pessoas desfilaram em São Paulo, na “Marcha da Família com Deus pela Liberdade”, espécie de resposta conservadora ao Comício da Central do Brasil, feito por Jango, mostrando aos golpistas que existia uma base social de apoio ao movimento. Em seguida, iniciou-se uma revolta dos marinheiros no Rio de Janeiro que acabou servindo como causa imediata do golpe: a disciplina nas Forças Armadas.

29

A mentira da “vinda do comunismo” era evidente. Jango nada tinha de comunista, era um político bem sucedido no regime democrático. Tanto isso é verdade que o Golpe de 31 de março vingou sem resistência. Não havia nada organizado para a tal suposta revolução janguista ou comunista. Tudo não havia sido outra coisa senão uma barulheira retórica – aumentada menos por Jango do que pelos seus inimigos (GHIRARDELLI, 2010, não paginado).

Estava instalada a Ditadura no país. Em 1967 sobe ao poder o general Arthur da Costa e Silva (1967-1969). O general Costa e Silva passa por grave doença e é substituído por uma junta formada por ministros. A junta militar elege um novo presidente, o General Emílio Garrastazu Médici, conhecido por ter sido o governo mais repressivo durante o período. A luta armada cresce em todo o país, a repressão e a censura também. Jornais, livros, peças de teatro, músicas e outras formas de expressão artística são censuradas. Muitos professores, políticos, músicos, artistas e escritores são investigados, presos, torturados ou exilados do país. O DOI-CODI (Destacamento de Operações e Informações e o Centro de Operações de Defesa Interna) atua como centro de investigação e repressão do governo militar. O golpe militar segue como necessário ao Estado Democrático de Direito: “Ora, o Movimento de 1964, que chamo contra-revolução, tinha horror ao marxismo e à ação dos sindicatos, que haviam sido

30 dominados pelos comunistas, ou pelos pelegos da sonhada república sindicalista de Jango” (PASSARINHO, 1997, p. 161). Ganha força no campo a guerrilha rural, principalmente no Araguaia, com a Guerrilha do Araguaia.

Empatia e convocação à luta

O plano de convencimento da massa campesina iniciou-se em 1967, com a chegada dos guerrilheiros se instalando na região em terrenos agrícolas e em locais de venda de produtos alimentícios e

Reprodução de documento apreendido do PCdoB com comparativo de outras guerrilhas no mundo para implantação da Guerrilha do Araguaia. Fonte: .

agrícolas. A princípio nada se sabia sobre o propósito dos guerrilheiros. Eram amplamente observados pelo povo, sem entusiasmo. Aos poucos os guerrilheiros foram desenvolvendo ações

31 político social entre os camponeses – materializadas também na oralidade, meio que reclamação de compadres, para não melindrar e assustar o povo – que sugeria algum tipo de fundamento da intenção guerrilheira, mas que não revelava a abrangência da sua real intenção totalmente.

A região escolhida, a do Bico do Papagaio, era estratégica porque contava com cobertura vegetal primária. Os guerrilheiros instalariam-se nas redondezas usando técnicas militares aprendidas na China comunista. A escolha da região coube a João Amazonas 15 e Mauricio Grabois16:

Um texto de Ângelo Arroio (Apud JOFFILY, 2008, p. 40) escrito após a guerrilha fornece a descrição “A região do Araguaia oferece condições propícias. E zona da mata, e na mata o inimigo não pode usar tanques, artilharia, bombardeio 15

O comunista João Amazonas de Souza Pedroso, nascido em Belém no ano de 1912, que muito cedo começou a trabalhar, ficando como arrimo após a morte do pai. Militou num sindicato na fábrica Palmeira. Militou na ANL (Aliança Nacional Libertadora), fundada em 1935, que tinha um programa democrático e popular, de onde conheceu e se integrou ao PCB (Partido Comunista do Brasil). Reorganizou o partido em 1962 sob a legenda de PCdoB. Para saber mais ler: João Amazonas um comunista brasileiro, Augusto Buonicore, da Editora Expressão Popular, 2006. 16 Mauricio Grabois, principal dirigente da guerrilha, nasceu em Salvador no dia 12 de outubro de 1912. Iniciou na trajetória comunista nos anos 30, mal saído da adolescência. Cursou a escola militar no Rio de Janeiro. Para saber mais ler o livro de Osvaldo Bertolino, Mauricio Grabois uma vida de combates: da batalha de idéias ao comando da Guerrilha do Araguaia. São Paulo, editora Anita Garibaldi: Instituto Mauricio Grabois, 2004.

32 aéreo de precisão etc. tem que estar a pé como guerrilheiro. E uma zona de massa pobre e explorada (frente pioneira de penetração da massa camponesa sem terra), circundado por povoados e cidades pequenas medias também de grande pobreza. Dispõe de caça abundante, castanha-do-pará, babaçu, e outros meios de alimentação. Possui vasta área, em extensão e profundidade, que serve de campo de manobra as forças combatentes. Além disso, é fronteiriça a largas regiões pobres dos Estados do Mato Grosso, Goiás e Maranhão. As condições desfavoráveis que apresenta são a densidade da população, pequena na área propriamente dita, embora na periferia seja bem maior, e as doenças tropicais, sobretudo a malária e a leishmaniose [...]”.

Por todos esses pré-requisitos a área estava totalmente dentro da proposição encampada pelo PCdoB (Partido Comunista do Brasil), na sua intenção de fazer a retomada democrática do país. O coronel do Exército Álvaro de Souza Pinheiro, concordava e corroborava com a descritiva de Arroyo (Apud JOFFILY, 2008, p. 40) “A área selecionada pelo PCdoB mostrava-se extremamente adequada para a ação subversiva [...]”.

33

Segunda parte de uma carta do comandante guerrilheiro Osvaldo Orlando convocando amigo para a luta guerrilheira. Documento do PCdoB apreendido pelo DOI-CODI, p. 190. Fonte: .

Havia a intenção dos camponeses de participar da guerrilha de forma mais homogênea. Segundo Arroyo (Apud JOFFILY, 2008, p. 87) “havia condições para recrutar muitos elementos da massa para a guerrilha. Era já o número dos que tinham se comprometido a ingressar na luta caso o Exército ocupasse as roças”.

34 Fazendo-se notar entre a massa campesina, “o povo da mata” conseguia seu intuito de chamar a atenção. A desatenção do Estado sem política pública alcançável pelos camponeses favoreceu as relações interpessoais de vizinhança entre guerrilheiros e camponeses, sem intempestividade nem alarde. Havia a necessidade de desenvolver uma conscientização com resultados práticos a longo prazo. Só desta forma a massa campesina se identificaria com os ideais daqueles guerrilheiros. Daí podemos supor a participação da massa na guerrilha.

[...]... trabalho político sem falar em política [...] (JOFFILY, 2008,p. 48).

Arroyo (Apud JOFFILY, 2008, p. 85) membro da Comissão Militar “calcula que 90% da população apoiava a guerrilha. Um oficial do Exército citado por Elio Gaspari fala “apoio de oito em cada dez habitantes”. Frei Gil Vila Nova, o velho missionário dominicano junto aos índios Suruí, discorda. Entrevistado em 1981 por Paulo Fonteles, advogado dos posseiros diz que foi muito mais, calcula em 100%”.

Provavelmente os guerrilheiros estariam empreendendo uma luta de classe em que, com o campesinato, formariam a base para a retomada de redemocratização. Começariam por convencer os camponeses da necessidade de se promover a luta armada contra o processo político vigente a partir do golpe de abril de 64. Parece-nos

35 que empreenderiam uma luta quixotesca, entretanto Thompson (Apud NEGRO & SILVA, 1998, p. 100), em A História Vista de Baixo nos adverte:

Quando digo que classe e consciência de classe são sempre o último estágio de um processo real, naturalmente não penso que isso seja no sentido literal e mecânico. Uma vez que uma consciência de classe madura tenha se desenvolvido, os jovens podem ser “socializados” em um sentido classista e as instituições de classe prolongam as condições para sua formação. Pode-se gerar tradições ou costumes de antagonismos de classe que não correspondam mais a um antagonismo de interesses. Mas tudo isso faz parte da complexidade que habitualmente encontramos na nossa análise histórica, especialmente a contemporânea.

Efetivamente a Guerrilha do Araguaia começou a ser implantada no dia 25 de dezembro de 1967. No Porto da Faveira, no Sul do Pará, desembarcaram Maurício Grabois, Elza Monerat e Líbero Giancarlo Castiglia, e passaram a residir num sítio recentemente adquirido. Depois João Amazonas se juntou ao grupo. Concordando com a posição de THOMPSON (2004) “A classe operária não surgiu tal como o sol numa hora determinada. Ela estava presente ao seu próprio fazer-se. [...] A consciência e classe surgem da mesma forma,

36 em tempos e lugares diferentes, mas nunca exatamente da mesma forma”. A conquista das massas para os quadros da guerrilha deveria ser empreendida a partir daquele momento, até que as massas tivessem se empoderado dos mesmos ideais. Por esta razão achamos acertado que tivesse sido concebida da forma que se deu. Argumentamos que o termo empoderamento tem grande significado na formação da classe guerrilheira, como podemos encampar a reflexão do mestre, Paulo Freire por SCHIAVO e MOREIRA (2005) Apud em Leila de Castro Valoura (Paulo Freire, o educador brasileiro do termo empoderamento, em seu sentido transformador):

Implica, essencialmente, a obtenção de informações adequadas, um processo de reflexão e tomada de consciência quanto a sua condição atual, uma clara formulação das mudanças desejadas e da condição a ser construída. A estas variáveis, deve somar-se uma mudança de atitude que impulsione a pessoa, grupo ou instituição para a ação prática, metódica e sistemática, no sentido dos objetivos e metas traçadas, abandonando-se a postura meramente reativa ou receptiva (2006, p. 2).

A idéia seria tornar-se, basicamente, um camponês: viver junto com eles, partilhar as mesmas dificuldades, sentir as mesmas necessidades das massas desassistidas, enquanto se construía um treinamento militar adaptado às matas.

37 Os guerrilheiros começaram a trabalhar e conviver com os moradores da região em posses previamente adquiridas. Formaram lavouras, exploraram castanhais e montaram pequenos comércios. Ao mesmo tempo, desempenhavam um ativo trabalho social. O birô político da Guerrilha era formado por Maurício Grabois, João Amazonas, Ângelo Arroyo e Elza Monerat. Havia também a comissão militar e um comandante em cada destacamento (BERTOLINO, 2004, p. 176).

O braço da Guerrilha na cidade ficava por conta de Carlos Danielli, em São Paulo. Ficava encarregado de manter regularmente A Classe Operária17, de dirigir todos os passos da ligação do partido (PCdoB) com a Guerrilha. Providenciava desde a documentação junto com Lincoln Oest (que era ex-proprietário de um cartório), até o desembarque dos militantes no Pará. “Era o coração da guerrilha que batia longe do seu local de atuação” (BERTOLINO, 2004, p. 182). Mas a empatia entre guerrilheiros e camponeses começou, realmente, a vicejar desde a chegada. Entretanto, os guerrilheiros não ficaram na apatia por muito tempo. Desde logo, a partir da instalação da guerrilha, havia a necessidade de se desenvolver amizade para se embeber da cultura camponesa e assim disseminar o ideal revolucionário, pontuar a

17

Jornal editado pelo Partido Comunista do Brasil – PCdoB, 1ª edição em 1º de maio de 1925 até os dias de hoje.

38 presença na região do Bico do Papagaio, de acordo com o Relatório da Caravana dos Mortos e Desaparecidos do Araguaia:

Foi na ação política que as FGA18, através da ULDP19, arregimentaram os mais combativos e decididos camponeses para a luta, nas suas mais variadas formas: desde aquele que se esgueirava próximo a tropa para passar a informação até aquele que, com um pau-furado, fazia fogo contra o regime, como o Alumínio, Alfredo e Pedro Carretel. Isso sem falar dos que davam farinha e carne-seca para aplacar a fome dos guerrilheiros. Deflagrada a luta armada, os destacamentos guerrilheiros passaram a realizar verdadeiras campanhas de esclarecimento da população local dos objetivos da guerrilha (FONTELES, 1980, CAPÍTULO 4, p. 3-4). Na visão contemporânea de Mário Brito dos Santos 20, camponês e presidente da Associação dos Torturados do Araguaia, filho do primeiro camponês preso pelos militares, que chegou a conhecer ícones da Guerrilha do Araguaia como Osvaldão, Elza Monerat e Mauricio Grabois no Hotel Santana (de propriedade de sua avó)

inicia-se

a

amizade

entre

guerrilheiros

e

camponeses

timidamente:

18

Forças Guerrilheiras do Araguaia. União pela Liberdade e Democracia do Povo. 20 Mário Brito dos Santos. Entrevista concedida a Pedro Fonteles. Marabá, 28 de fev. 2010. 19

39 A gente só conhecia eles como paulistas, pessoas de boa indrome [índole] que respeitavam todo mundo, que ajudavam todos da comunidade as pessoas que tinham pouco conhecimento e muita necessidade... principalmente na questão de saúde, de educação, falta de conhecimento como eles eram pessoas dos grandes centros pessoas que estavam se formando, jovens que estavam na universidade...para se ter uma idéia... se ter idéia os camponeses não sabiam o regime [político] que tavam não sabiam nem o que tava acontecendo no Brasil ... [...] e aí essa ligação da nossa família era muito grande (informação verbal).

A participação campesina A guerrilha do Araguaia foi um desses movimentos sociais muito discutidos ao longo dos anos, julgada de todas as formas e diversas vezes ridicularizada, como se tivesse sido empreendida por jovens bandidos, no afã do contagiante do movimento hippie em voga naqueles anos de puro protesto, como se os protestos fossem caracterizados pela alienação política. Na fala do major Sebastião Curió21, o testemunho dos antecedentes daqueles jovens: “Quero dizer

21

Major Sebastião Rodrigues de Moura, ou simplesmente Major Curió, é um dos oficiais vivo mais conhecido do regime militar (1964-1975) e é tido como um dos algozes dos guerrilheiros do Araguaia. Para ver mais consultar . No início da operação militar batizada como “Sucuri” ele se instalou na região como se fosse engenheiro do INCRA. Ferrenho anticomunista que em 1961, como tenente, foi preso por participar da trama que tentou impedir a posse presidencial de João Goulart.

40 que eles não eram bandidos, eram idealistas, mas seus ideais eram contrários aos meus ideais de soldado, com função de defender a Constituição e a pátria” (MINISTÉRIO DA DEFESA – AUDIÊNCIA PARA OITIVA DE TESTEMUNHAS, 2009, p. 1). Temos nas palavras de D. Alamo (Apud Blog do PAULO FONTELES FILHO, 2009), em contato com a primeira Caravana dos Mortos e Desaparecidos do Araguaia, uma das impossibilidades de se fazer o relato da história tal qual ela foi:

[...] Nesses últimos dias, de fato, o Exército montou o seu esquema. Então lá no interior, por exemplo, já visitaram casa por casa da região da Palestina, São Domingos, Op1 (Operacional 1), Op2, Op3, dizendo que vinha essa Caravana e que quem abrisse a boca para falar qualquer coisa ia se haver depois, porque vai começar um movimento armado na região. Isso na cabeça do povo significa que vai começar a guerra de novo e obviamente o impacto e o clima de tensão subiu de novo. Isso nós ficamos sabendo por algumas pessoas que muito sigilosamente procuraram o Padre Roberto lá na região de São Domingos e falaram. Então já está aquele ambiente muito pesado. Eu soube anteontem que o Exército vai começar uma movimentação de tropas, dizem eles de rotina, mas nós sabemos que essa rotina é um pretexto, que vai ser mais um movimento de intimidação que ressurge novamente na região. Pra cabeça do povo, todo aquele quadro de 71, 72, 73 voltaria... (não paginado).

41

Em entrevista ao jornal Estadão (2009), mais uma vez o Major Curió reforça o que disse acerca dos jovens guerrilheiros:

Queria ser militar porque queria defender a pátria, achava bonito. Alguns guerrilheiros tinham os mesmos ideais que nós. Mas nossos caminhos eram diferentes. Eu achava que o meu caminho era o correto. Eles achavam que o deles era o correto. Não eram bandidos, eram jovens idealistas (não paginado).

Mas a ex-guerrilheira Luzia Ribeiro (Apud SOARES, 2009) vê essa defesa do Major Curió com inflexibilidade:

Foi muito triste quando li o que Curió está relatando e mostrando em documentação. Claro que o jornal (Estadão) só mostrou um pouco, mas demasiadamente forte… Esse homem que eu não considero isso, considero um bicho, foi quem comandou a Marajoara, a terceira e última operação, que exterminou os 41 combatentes da guerrilha. Ele diz que estava do lado contrário, que obedecia ordens e que por isso é inocente. Mas ele tinha que ser julgado como criminoso de guerra. Em vários países existe isso, e aqui no Brasil este homem fica impune. Isso é que dói mais”, diz a ex-guerrilheira. Curió “ganhou muito com o extermínio. Enriqueceu, ganhou prestígio, é dono de muitos hectares de terras em Serra Pelada,

42 tem uma cidade com seu nome (não paginado).

Uma das questões mais prementes está em responder se a massa campesina participou ou não da Guerrilha do Araguaia, com arma em punho. O depoimento do senhor Eduardo Rodrigues dos Santos22 nos abre precedentes para a investigação positivamente:

[...] sim, participaram, mas foi pouco, bem pouco... Eu sei de um, Pedro Carretel, esse ajudou só que eu me lembro... só que eu sei, sabe? Chamavam pra ele Pedro Carretel, esse ajudou na guerrilha, com eles (informação verbal). Depois o mesmo senhor Eduardo Rodrigues dos Santos 23, reconsidera, e fornece mais nomes de camponeses que se tornaram guerrilheiros...

Lembro de um bucado...[...] Regino, dono da casa, Manoel Brito, Ciriaco... Vou dizendo só o primeiro nome... era Domingo, Zezinho... era muita gente... muita, muita gente lá, na região, não lembro de tudo..., Antonia Bezerra, Luiza Brito... Deixa ver se eu lembro de outro mais aqui... João Pinto, Pedro do Piaba, 22

SANTOS, Eduardo Rodrigues. Entrevista concedida a Pedro Fonteles. Marabá, 27 de fev. 2010. Foi o primeiro camponês preso pelos militares e talvez o único que não tenha apanhado na prisão. 23 Idem.

43 Pedrin de novo... gente, tanta gente, não me lembro nem da metade (informação verbal). Dona Maria da Metade24 relata o que conhecia sobre os guerrilheiros e os camponeses (Apud FONTELES, CAPÍTULO 2, p. 2, 1980) “[...]... um povo tinha tomado as terras desses pobres aí. Foi no Amescão, que deixou tudo quanto foi pobre fora de casa. Aí eles, o povo da mata, reclamaram muito sobre isso. Eles convidavam o povo para a libertação...”. Sobre a ligação dos combatentes com a massa dizia: “... Tinha muita gente com eles. Só se você visse. Tanto que quando o Exército veio pela primeira vez, e era só gente nova, soldadinho, eles mataram muito. Quase que acabavam com os soldados. Gostavam de pegar aqueles que tinham grau...”

Espontaneamente dona Maria da Metade ainda esclarece à Caravana que “... O Alfredo acompanhou os guerrilheiros e aí ele foi matar um porco lá na casa dele e aí que mataram ele e o “Zé Carlos”. E a mulher do Alfredo, a Oneide, foi pega e levada lá para a Bacaba. Ela era crente, apanhava e eles mandavam ela rezar...” (Idem). Para o TERNUMA (Terrorismo Nunca Mais) a participação da massa nunca foi grande como querem dizer ex-terroristas e dirigentes

24

Maria da Metade. Entrevista concedida a Paulo Fonteles. Araguaia, 1980.

44 do PC do B, mas insignificante de todo modo sugerindo interpretação que não merece o alarde em torno de um tema:

Quase oito anos se passaram na tentativa do PC do B de formar um movimento guerrilheiro que viesse empolgar as massas para a Guerra Popular Prolongada. O Relatório Arroyo exagerou e muito no “sucesso” obtido junto à população, contabilizando o apoio de 90% dela. Admite-se que, no máximo, cerca de 180 (cento e oitenta) habitantes locais, direta ou indiretamente, tenham aderido como combatentes ou colaboradores (TERNUMA, 2005, P. 253).

Entretanto, THOMPSON (2004) analisa a questão como aquele indivíduo (que sugerimos sejam os camponeses) veio a ocupar um papel social e como a organização social específica como questões históricas,

Não há classes, mas simplesmente uma multidão de indivíduos com um amontoado de experiências, mas se examinarmos esses homens durante um período adequado de mudanças sociais, observaremos padrões em suas relações, suas idéias e instituições. A classe é definida pelos homens enquanto vivem sua própria história e, ao final, esta é sua definição (p. 11-12).

45 Foto de Maria Lúcia Petit da Silva

morta

por

militares.

Segundo depoimentos de alguns sobreviventes, no dia 16 de Junho de l972, ao se aproximar da casa de um camponês, Maria Lucia foi fuzilada por tropas do Exército, sob o comando do Gal. Antônio Bandeira,

da 3ª Brigada de

Infantaria.

Fonte:

.

As ações em torno da guerrilha empregava um grupo de jovens de classe média, em sua maioria, estudantes universitários paulistas25. Todos engajados na luta por um plano estratégico traçado pelo PCdoB26, existente na clandestinidade, com ações tais que demandariam anos e que envolviam as gentes localizadas nos confins

25

Mas, “Paulistas” foi uma definição generalizada dos camponeses aos guerrilheiros. Sabiam ser gente de nível acadêmico, geralmente, e que estavam ali para um propósito pessoal que não fosse fazer a guerrilha propriamente. Como eles tinham grande capacidade de entrosamento os camponeses apelidaram-nos de “Povo da Mata”, principalmente pelas ações sociais que empreenderam entre eles. 26 PC do B, Partido Comunista do Brasil. Trata-se do Partido Comunista do Brasil (PCB), organização comunista fundada em 22 de abril de 1922 e “reorganizada” em 18 de fevereiro de 1962, sob a sigla PCdoB, de mesma denominação - Partido Comunista do Brasil.

46 dos sertões, onde as práticas públicas voltadas para os cidadãos do país estivessem sem aplicação envolta num descaso secular. Entretanto, encontramos o Major Curió tentando apagar a memória desses idealistas em algumas ocasiões, ora por medo das práticas democráticas, ora por exercer a rançosa repressão dos tempos áureos da ditadura, ainda incutida nos seus atuais dias de reserva, mas de reconhecida, arguta e pretensiosa dissimulação:

Tenho receio de ser incriminado (MINISTÉRIO DA DEFESA– AUDIÊNCIA PARA OITIVA DE TESTEMUNHAS, 2009, p. 1))

Um dos aspectos que merece relevo é o fato de que a consciência social araguaiana é fortemente, ainda, marcada pelo medo, em função da terrível repressão perpetrada pelas forças oficiais naquele período. Dificilmente encontramos alguém daqueles tempos, camponês ou outrem, que não tenha sido atingido pelo contencioso (FILHO, 2009, p. 1 {2.9.1.1}).

[...]. O fato é que muitos se sentem controlados ou manietados por figuras que, mesmo depois de mais de vinte anos do fim do regime militar, ainda exercem controle ou são como fantasmas não exorcizados, como é o da triste figura do Major Curió, que permanece exercendo o controle sobre a vida e as mentes de muitos que ainda vivem por estas paragens e que no curso das atividades do

47 GTT27 prestaram informações, os casos dos ex-mateiros Zé Catingueiro, Zé Rita e Raimundo Loca (Idem, p. 1-2 {2.9.1.1}). Na análise de Mário Brito dos Santos 28 a participação campesina foi muito mais de apoio, mas também de identidade na luta ideológica... Até pegar em armas:

Na minha análise... Eu acho que umas das maiores participação dos camponeses , enfim, o que foi o que levou eles a ser torturados, foi a cobertura que eles deram pros... pros guerrilheiros, quer dizer, eu acho que os guerrilheiros fizeram um círculo de amizade de confiança tão grande com os camponeses, que... os camponeses protegiam eles [guerrilheiros], faziam a cobertura deles... e o Exército sentiu q os camponeses estavam fazendo essa cobertura, né... foi aí que o Exército veio a ordem, já ...não sei como se fala, na segunda ação... na terceira ação do Exército, foi mesmo de pegar os camponeses e torturar mesmo pra eles entregassem e parassem de dar cobertura... Então eu acho que foi a participação mais... de fundamental importância, né? Foi essa cobertura que os camponeses deu pra proteger os guerrilheiros, né?... E também, vários camponeses pegaram em armas, defenderam, foram mesmo, né... pra 27

GTT (Grupo Técnico de Trabalho). SANTOS, Mário Brito. Entrevista concedida a Pedro Fonteles. Marabá, 28 de fev. 2010. 28

48 guerrilha mesmo, né... não concordando com o regime militar...e acho que foi isso (informação verbal).

Foto de documento “Operações de combate à guerrilha”. Em 1973, foi montada a “Operação Sucuri” com oficiais disfarçados responsáveis por colher informações. Nesse ano, 400 soldados habituados à selva chegavam aos povoados para a “Operação Marajoara”. Para o Cap. Pedro Cabral, “a guerrilha já não era mais guerrilha. Era uma caçada”. Data:

1973.

Fonte:

MORAIS;

SILVA,

2005.

Fonte:

.

49 A repressão

Mesmo o recurso da guerrilha não será, necessariamente, uma disposição para a ação terrorista, desde que se volte para objetivos militares procurando obter o esgotamento de forças oponentes superiores e ditas regulares com ações de busca de contato com surpresa, em vantagem tática, promovendo destruição limitada e rompendo, quando conveniente, esse contato estabelecido, além de procurar e manter o apoio da opinião pública para sua causa (BROCHADO, 2010, p. 128).

Soldados do Exército à paisana, usando táticas guerrilheiras. Foto do arquivo de José Antonio Perez cedida ao jornal Diário do Pará (reprodução Tarso Sarraf) para a publicação de Domingo, 07/07/2009.

Depois do aniquilamento da Guerrilha do Araguaia, o Exército brasileiro não se deu por satisfeito. Montou postos, barreiras, a fim de estagnar novos movimentos de luta. Insatisfeitos, tentaram apagar os vestígios daquela guerra como se tivessem perdido a linha e a justeza de sua ação. A repressão não aconteceu apenas para aniquilar a

50 Guerrilha. Aconteceu para tentar apagar da memória nacional da História, como se a memória pudesse ser apagada, como se estivéssemos conformados com o ceifamento da nossa liberdade. Jacques Le Goff nos fala sobre as representações de memória na nossa mentalidade contemporânea:

A memória como propriedade de conservar certas informações, reenvia-nos em primeiro lugar para um conjunto de funções psíquicas, graças às quais o homem pode actualizar impressões ou informações passadas, que ele representa como passadas (1984, p. 11).

O processo de memória no homem faz intervir não só na ordenação de vestígios, mas também a leitura desses vestígios (Idem).

Não foram poucas as investidas, as ameaças à população camponesa. Não é desconsiderável o silêncio, o medo ainda latente pairando sobre as pessoas e as famílias. Mário Brito dos Santos29 nos fala sobre a repressão militar aos guerrilheiros e aos camponeses:

...O que sobrou eu diria... foi muito sofrimento, desestruturou muitas famílias, muitas famílias tiveram que abandonar 29

SANTOS, Mário Brito. Entrevista concedida a Pedro Fonteles. Marabá, 28 de fev. 2010.

51 suas terras, tiveram de abandonar...perderam tudo que tinham, tiveram de vir pra pequenas cidades, ou povoados, viver de formas... nas periferias desses bairros, de pequenas cidades... Muitos chegaram a passar fome... outros perderam mesmo sua identidade porque ficaram loucos, perderam suas condições de trabalho, devido a tortura, então, o sofrimento na região foi muito grande... A gente tem vários exemplos, várias pessoas hoje que... teve aquele episódio... que só não deixaram de ser homens mesmo... porque, as torturas foram de várias formas, né?... tão cruéis que foram... que eles perderam, né... a sua masculinidade, né?... Perderam a habilidade de trabalho...É... isso (informação verbal).

52 A repressão foi brutal em todos os aspectos. Não deixou brecha para manter a vida de nenhum dos guerrilheiros. Até hoje alguns exguerrilheiros vivem no obscurantismo. É o caso de uma exguerrilheira30 que vive anônima, enquanto ex-guerrilheira, em Belém

30

Essa senhora não consta na lista de guerrilheiros do PCdoB, nem do Exército. Foi identificada ao acadêmico Laércio Braga pela professora Joaquina Barata, membro histórico do PCdoB, contatada via telefone celular, no dia 18.03.2010, às 16:50 h. Essa exguerrilheira passou seis meses presa no, então, presídio São José (hoje Pólo Joalheiro São José Liberto), no centro de Belém. É uma senhora de nome conhecido da sociedade paraense ainda hoje, Maria de Lourdes Couceiro Simões. Não foi a única amiga da senhora Joaquina Barata a participar, houve uma outra já falecida. Entretanto, encontramos a assistente social Maria de Lourdes Couceiro Simões anistiada pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, durante o Fórum Social Mundial 2009, ocorrido em Belém e ainda militante do PCdoB. Realmente esteve presa no supracitado presídio, por seis meses, mas na década de 60, por panfletagem para o Partido Comunista aos trabalhadores de uma fábrica no bairro do Jurunas. Depois ficou na clandestinidade. Poderia ter feito parte da guerrilha no período de 1972-1975. Para saber mais acessar Amazônia Jornal no link: .

53 do Pará, e se mantém arredia a entrevistas, ou simplesmente a falar sobre o assunto.

Base em Xambioá às margens da rodovia Transamazônica. Era um eficiente e seguro sistema de comunicações que permitia o funcionamento do sistema de comando e controle. Fonte: .

O 1º tenente da reserva José Vargas Jiménez (na época da Guerrilha do Araguaia, 3º sargento), justifica-se (RODRIGUES, Apud revista ISTOÉ, 2037, 19.11.2008): “Só fiz o que fiz na selva porque os guerrilheiros queriam impor o comunismo no Brasil e não a democracia, como eles dizem até hoje”. Na reflexão literária de Jarbas Passarinho, a abominação da forma com que a ditadura se fez mais cruel com o povo brasileiro: “Coloco a tortura lado a lado com o terrorismo. Não distingo entre as duas formas abomináveis de violência” (1997, p. 381). Mas ainda não

54 se dando por satisfeito, re-esclarece com a ética de quem conviveu como político atuante durante o regime militar:

Insisto que é indefensável a tortura, seja a resultante de uma norma governamental, uma política de Estado, seja a decorrente do extravasamento do ódio, muitas vezes motivado pela represália ao terrorismo. Por isso, respeito a crítica dos liberais, dos verdadeiros libertários que nos censuraram, correndo riscos no período verdadeiramente ditatorial iniciado com o AI-5. Respeito-os, como desprezo os adoradores de Janus31 (PASSARINHO, 1997, p. 381).

O sentimento de repulsa advém dos dois lados envolvidos: guerrilheiros x militares. Não foram desconsideráveis as recusas de

31

Janus (latim) foi o deus romano que deu origem ao nome do mês de Janeiro. Era o porteiro celestial, sendo representado com duas cabeças, representando os términos e os começos, o passado e o futuro. De fato, era o responsável por abrir as portas para o ano que se iniciava, e toda porta se volta para dois lados diferentes. Para saber mais consultar o site: .

55 entrevistas. Pelo menos dois cabos32, do enorme contingente utilizado

Modelo de emboscada guerrilheira. Fonte: do jornal O Estado de São Paulo, dia 19.01.1979 - JORNAL DA TARDE, p. 11.

pela repressão, disseram nada a ter a dizer sobre o assunto, justificando nada saber. Um deles disse “que apenas obedecia a ordens superiores”. Mas a propósito recorremos “A História Vista de Baixo” 32

Um dos primeiros contatos foi feito ainda no ano de 2009 à família de um colega do acadêmico Laércio Braga, chamado Jorge Costa cujo pai, já falecido, era cabo do Exército durante a repressão. Pretendiase trabalhar com os relatos feitos à família, mas ninguém se dispôs a tanto. A viúva retirou-se de Belém e foi para Marajó construir uma casa, sem data para regresso. Outro colega do acadêmico, Paulo Sizo, disse ter um conhecido dos movimentos espirituais da Igreja católica e que, inclusive, esse senhor (ex-militar, ou militar da reserva) era bastante traumatizado com os desfechos da Guerrilha do Araguaia, mas que, através de muita oração em encontros de casais da Igreja, estava mais aliviado espiritualmente. Ficou de marcar uma entrevista e nunca mais deu qualquer resposta. Um terceiro contatado foi um militar da reserva, alcunhado Zé Maria (contato direto, via telefone celular, no dia 24.03.2010, às 08:00 h). O mesmo disse nada a ter a relatar porque só era soldado, comandado. Nenhuma dessas tentativas de entrevistas não foi gravada ou registradas em qualquer meio eletrônico.

56 e à história do soldado William Wheeler 33, da 51ª Infantaria Britânica, que durante na Batalha de Waterloo escreveu várias cartas à esposa. Wheeler forneceu à esposa uma descrição da Batalha de Waterloo, a partir do violento final. As suas cartas ampliaram os limites dos historiadores (PETER BURKE, 1992, p. 39-40). Para o professor Durbens Nascimento “realmente o governo de então tratou a eliminação da Guerrilha como uma questão de guerra, todos os meios eram considerados legítimos desde que conduzissem a eliminação física dos guerrilheiros. A ordem era para assassinar” (2000).

A guerrilheira Dinalva Oliveira dos Santos, única comandante feminina, provocava medo nos soldados por sua valentia e audácia. Versões garantem que Dina foi executada pelos militares, já que foi presa e interrogada. Fonte: Revista Isto é, 19 NOV/2008. Nº 2037, p. 48. 33

William Wheeler pertencia a um exército aliado, comandado pelo Duque de Wellington que derrotou o exército francês, comandado por ninguém menos que Napoleão Bonaparte. Este episódio do dia 18 de junho de 1815 acabou decidindo o destino da Europa.

57 Na “abertura” dos arquivos sigilosos promovida pelos militares da reserva, a descrição bárbara da atuação das Forças Militares do Brasil, pelo jornalista Leonencio Nossa (2010):

O guerrilheiro paulista Antônio Guilherme Ribas, o Zé Ferreira, teve um final trágico, descrito assim no arquivo de Curió: “Morto em dezembro de 1973. Sua cabeça foi levada para Xambioá”. O piauiense Antonio de Pádua Costa morreu diante de um pelotão de fuzilamento em 5 de março de 1974, às margens da antiga PA-70. O gaúcho Silon da Cunha Brum, o Cumprido, entrou nessa lista. “Capturado” em janeiro de 1974, morreu em seguida. Daniel Ribeiro Calado, o Doca, é outro da lista: “Em julho de 1974 furtou uma canoa próximo ao [rio] Caianos e atravessou o Rio Araguaia, sendo capturado no Estado de Goiás (não paginado). Em seguida, o Major Curió ressalta: “A terceira campanha é que teve o efeito que o regime desejava” (Idem). Destacamento de conscritos do Exército posam para foto ao lado de um helicóptero UH-1H da FAB durante a Operação Papagaio. Fonte: .

58 Em entrevista à ISTOÉ (2036, 12.11.2008), Vargas Jiménez revela que “a ordem era atirar primeiro, perguntar depois”. Disse que recebeu ordens superiores para matar a todos. E admite que a tortura é uma prática comum, e normal em guerras, como no caso da Guerrilha do Araguaia. A favor das declarações do tenente Vargas Jiménez encontramos o Major Curió e suas revelações bombástica ao jornal Estadão34 (Apud LUNGARETTI, 2009) “A ordem de cima era que só sairíamos quando pegássemos o último” (não paginado). Os relatos sobre a decapitação e o corte de mãos é outro aspecto visto com horror pela população local, o fato dificulta a identificação atual dos corpos dos guerrilheiros. A decapitação é negada pelo Exército, que comumente não adota tais práticas bárbaras, e afirmadas em depoimento por alguns oficiais. Em 1996 o jornal O Globo “informa que os oficiais do Exército avaliam que a Guerrilha do Araguaia duraria décadas, caso não fosse combatida da forma criminosa que foi”.

34

O jornal Estadão constata que a verdade admitida por Curió “contraria a versão militar de que os mortos estavam de armas na mão na hora em que tombaram”. E acrescenta: “Muitos se entregaram nas casas de moradores da região ou foram rendidos em situações em que não ocorreram disparos”. “O arquivo dá indicações sobre a política de extermínio comandada durante os governos de Emílio Garrastazu Médici e Ernesto Geisel por um triunvirato de peso. Na ponta das ordens estiveram os generais Orlando Geisel (ministro do Exército de Médici), Milton Tavares (chefe do Centro de Inteligência do Exército) e Antonio Bandeira (chefe das operações no Araguaia). Curió lembra que a ordem dos escalões superiores era tirar de combate todos os guerrilheiros (2009).

59 O Cel. Lício Augusto Ribeiro (Apud CARVALHO, 2004, p. 23) “Essa fotografia, que o Braga35 me passou, tinha um índio suruí, em cima de um tronco, com uma cabeça. Já tinham se passado três dias, e ele chegou lá para receber. Alguém bateu a foto e estava lá, na coleção do Braga”. O coronel Lício confessa que o general Chaloub36 levantou-se, na hora da exibição desse slide, dizendo: “Isso é uma indignidade”, indo-se embora. O Exército tinha oferecido a cada índio, dez mil cruzeiros por cabeça (CARVALHO, 2004, p. 23). Nas entrelinhas dos relatórios oficiais está contida a perversidade da repressão. Para quem considera o documento oficial como única fonte histórica, a verdade é o que está escrito, entretanto, as verdades das demais fontes são o regalo da verdade de que necessitamos. O coronel Lício explica o fato de existirem relatos de cabeças cortadas: “Nós pagamos tanto por cabeça, os índios encararam ao pé da letra, e trouxeram a cabeça do cara” (CARVALHO, 2004, p. 24). Para (PINSKY et al (Org.), 2006). Justificamos a veracidade das histórias de termos sim a existência de cabeças cortadas porque “a história oral permite o registro de testemunhos e o acesso a “histórias dentro da historia” e,

35

O tenente-coronel Arnaldo de Carvalho Braga, chefe do Centro de Informações do Exército no Distrito Federal. Braga estava encarregado de passar slides para o ministro do governo, Emílio Garrastazu Médice sobre a Guerrilha do Araguaia. 36 O general Alzir Bejamin Chaloub foi comandante da 3ª Região Militar, da Escola Superior de Guerra (ESG), do Departamento de Engenharia e Comunicação do Exército.

60 dessa forma, amplia as possibilidades de interpretação do passado (p. 155).

De forma mais abrangente essa “História de experiência” é, para o historiador Lutz Niethammer (Apud PINSKY et al (Org.), 2006) “uma possibilidade de nos aproximarmos empiricamente de algo como o “significado da história dentro da história” e permite questionar de modo crítico a aplicação de teorias macrossociológicas sobre o passado. A capacidade de a entrevista contradizer generalizações sobre o passado amplia, pois, a percepção histórica – e nesse sentido permite a “mudança de perspectiva” (p.166).

As analogias sobre o combate à Guerrilha do Araguaia e a campanha militar na Segunda Guerra Mundial são muitas, mas os heróis das Forças Armadas são reticentes, porque a guerra do Sul do Pará, oficialmente não houve. O oficial do ministro do Exército, general Zenildo Lucena (O Globo, apud MONTEIRO (Org.), 2005) declarou que “A Guerrilha do Araguaia pertence ao passado e o exército está olhando para a frente”. Nenhuma reconsideração, portanto, sobre as atrocidades empreendidas. Os próprios militares, na voz do TERNUMA37 (2005), e colocando os fatos alienados de uma conduta absurda, procurando transformar o ato da repressão como consequência da causa,

37

Grupo Terrorismo Nunca Mais

61 ação/reação, ainda enaltecem os combatentes guerrilheiros quando tentam desvinculá-los do restante da massa campesina:

O fanatismo, a cega devoção à causa, e o entorpecimento de valores éticos e morais transformaram alguns integrantes das FOGUERA em lendas vivas aos olhos de humildes moradores locais, que, crédulos, chegavam a considerá-los verdadeiros totens e senhores da imortalidade, como Osvaldo Orlando da Costa, o “Osvaldão”, e Dinalva [...], a Dina (p. 255).

Mas essa visão é o elemento catalizador entre os alcunhados “paulistas” ou „povo da mata” com a massa campesina, que se transformam

em

classe

única,

embora

elementos

culturais

diferenciados (THOMPSON, 2004).

O legado Para Renato Rabelo “A Guerrilha do Araguaia foi uma luta que tem um grande significado e se iguala a outros grandes feitos do nosso povo, mas com uma diferença: conduzida pela primeira vez por uma força revolucionária organizada – uma singularidade histórica” (MONTEIRO (Org.), 2005, p. 16). Para um grupo de oficiais reunidos numa associação chamada TERNUMA (2005) a Guerrilha do Araguaia está acima da capacidade de interpretação da massa e dos intelectuais brasileiros.

62 A abordagem do assunto, quase sempre unilateral por falta de profundidade ou por facciosismo, privilegia uma esquerda melindrada e revanchista, não contemplando as forças legais com a isenção que deveria cercar a análise de um momento político importante da História recente do País. Por outro lado, o silêncio que o Exército Brasileiro insiste em manter sobre o tema reforça o peso do relato de vertente única e estimula a crença no assentimento de culpa por acusações de desmandos e crueldades (p. 247).

O jornalista Dacio Malta38 faz acusações aos militares e críticas veladas ao movimento guerrilheiro, ao mesmo tempo em que atiça os leitores ao citar que “Curió participou do massacre dos militantes do PCdoB que se renderam ou foram capturados pelas tropas do Exército a partir de outubro de 1973” (2009). Depois abana o fogaréu das intenções dúbias com um “felizmente quem apresentou informações e documentos que ajudam a comprovar uma política de extermínio que só teve paralelo em Canudos ou na Guerra do Contestado” (2009). E ainda descreve a reportagem de O Globo:

O repórter Leonencio Nossa trouxe o major Curió de volta ao palco. Aos 74 38

Dacio Malta, carioca, 61 anos, trabalhou nos três principais jornais do Rio - O Globo, Jornal do Brasil e O Dia - e na revista Veja. Morou no Rio e em Brasília, e escreveu, em 1996, um musical sobre o compositor Gonzaguinha.

63 anos, com os cabelos pintados de vermelho, ele vive seu último ato no interior da Amazônia. Agarrado a uma velha mala, conta mais uma vez sua história da Guerrilha do Araguaia. Nesse conflito se chocaram comandantes militares ineptos, seduzidos pelo banditismo, e uma liderança do Partido Comunista do Brasil que jogou cerca de 70 jovens numa “guerra popular” iniciada em 1972 com a fuga do chefe político (João Amazonas) e terminada dois anos depois, com a fuga do chefe militar [Angelo Arroyo] (não paginado).

Estratégia guerrilheira e militar em três operações. Fonte: jornal O Estado de São Paulo, 19.01.1979 - JORNAL DA TARDE, p. 11:

As considerações finais das investigações de NASCIMENTO (2000) nos situa, temporalmente, no papel da Guerrilha, para que não caiamos nas exacerbações das combinações vitoriosas e táticas, que apenas tinha eco na postura antidemocrática do regime vigente:

Visto da contemporaneidade, parece impossível o ressurgimento dessa forma de tomar a guerrilha como instrumento

64 político-estratégico de busca da utopia socialista no Brasil. Nenhum Partido da esquerda brasileira, sustentaria, exclusivamente, esse caminho, o que não significa que ela tenha sido eliminada do horizonte da América latina (p. 171).

O filósofo Paulo Ghiraldelli Jr. (2010) traduz bem a semântica do significado da luta guerrilheira e o fato do seu acontecimento:

Quem resistiu de arma na mão, naqueles anos, pode ter errado estrategicamente, mas não pode deixar de ser chamado de herói. Alguns lutaram para trazer o país para uma democracia, ainda que, na cabeça, tivessem como sonho algo que também não era a democracia. Outros lutaram apenas por achar que o regime de força era injusto. Houve os que lutaram porque não havia outra coisa a fazer. Alguns, ainda, lutaram porque eram mesmo pessoas engajadas em lutas políticas. Todos que lutaram contra a Ditadura Militar, ou quase todos, sabiam que enfrentavam bandidos, sabiam bem que os terroristas eram, de fato, os golpistas de 64 e 68 (não paginado). Na avaliação do camponês, Mário Brito dos Santos 39, acerca do movimento guerrilheiro, desenrolado no Sul do Pará houve o pleno êxito da intenção de libertar o país da ditadura:

39

SANTOS, Mário Brito. Entrevista concedida a Pedro Fonteles. Marabá, 28 de fev. 2010.

65

O movimento guerrilheiro, na minha avaliação, é de muita coragem de uma juventude que tinha um espírito de defesa da Democracia, de combate ao regime militar. De muita coragem desses jovens que vieram ao sul do Pará para o combate, sem nenhuma experiência, combater uma ditadura que naquele momento era sanguinária, e que naquele momento não tinha limite para se combater (2010).

Sob esse ponto de vista, podemos refletir sobre a argumentação de Paulo Fonteles, de acordo com a primeira Caravana dos Mortos e Desaparecidos do Araguaia (1980):

[...] a equipe pastoral, tendo alguns comunistas à frente, preparava a população que começava a discutir o problema da guerrilha. Muitos moradores abandonaram o termo pejorativo “terrorista” pelo justo “guerrilheiro”. Eles passavam a entender os motivos da luta das Forças Guerrilheiras do Araguaia (1980, CAPÍTULO 3, p. 2).

Já para o guerrilheiro João Amazonas (Apud JOFFILY, 2008, p. 123) a Guerrilha teve um papel épico para o Brasil:

Foi justa uma luta como a do Araguaia? Foi justa; e mais, foi heróica. Envolveu a

66 maior mobilização militar brasileira depois da II Guerra Mundial. A Guerrilha do Araguaia teve grande importância no processo de derrota do regime militar e na redemocratização do pais. Quer dizer, os estrategistas do regime chegaram a conclusão de que era preciso dar um paradeiro a ditadura naquela forma – se não, onde as coisas iriam parar depois de um movimento como o Araguaia? Teriam de enfrentar um movimento ainda maior.

Até a associação para a anistia dos camponeses aconteceu muitos anos depois do evento guerrilheiro, e nasceu principalmente para reparar erros omitidos pelas leis de anistia. O atual diretor da Associação Torturados da Guerrilha do Araguaia, Mario Brito dos Santos40, nos coloca que a participação dos camponeses era negada de qualquer maneira.

A associação dos torturados da guerrilha do Araguaia surgiu em 2005... Ainda na década de 90, aliás, final da década de 90 pro ano 2000 começou a se falar na questão nas indenizações das pessoas que foram... torturados no período da guerrilha do militar [Guerrilha do Araguaia], né?... as pessoas que foram... que tinham direito a anistia, né?... Só que os camponeses não eram reconhecidos, né? A Lei não reconhecia os camponeses, e sim os parentes, os mortos, né? As pessoas que foram, comprovadamente, 40

SANTOS, Mário Brito. Entrevista concedida a Pedro Fonteles. Marabá, 28 de fev. 2010.

67 né? Mortos e desaparecidos... E pra gente... poder buscar esse direito dos camponeses se pensou em organizar dos camponeses... [...] e de que forma buscar esse direito? A gente fundou a associação [...] (informação verbal).

Com certeza algumas organizações sociais já existiam, mas não exatamente movimentos reivindicatórios de classe, no sentido de organização política. Certamente movimento de mães e jovens da Igreja Católica, entre outros, sem a atividade política expressiva, e que tivesse a intenção de mudar a realidade causticante do país.

Políticas públicas para os camponeses chegaram com o INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), porque os

Os corpos de João Carlos Haas Sobrinho e de outro guerrilheiro não identificado são observados pelo soldado Vantuir (esq.), pelo sargento Perez e um médico. Fonte: .

68 camponeses só tinham a posse da terra, não os títulos. Mas nesse meio tempo havia os grileiros, o desejo de poder e o sentimento elitista de dominação, como nos afirma Mário Brito dos Santos41:

Na região, só tinha mesmo o pessoal da região, não tinha nenhum tipo de movimento... E nos estudos ainda não encontrei se havia algum tipo de organização, não tinha conhecimento disso, não... se havia alguma organização camponesa... Tudo posterior [à Guerrilha] (informação verbal). Para a associação camponesa não há dúvida de que o povo participou, apoiou a Guerrilha do Araguaia e é herdeiro da mentalidade guerrilheira (Anexos p. 78-79). Dessa forma podemos constatar os pontos positivos desse apoio junto com Mario Brito dos Santos42:

Mais de 300 camponeses foram torturados... Os dados que a gente tem. Um detalhe que sempre colocam, do tempo da guerrilha, aproveitando... é que o movimento guerrilheiro deixou... dentro da região, um grande... O que eu queria dizer, assim... Uma forma... trouxe assim, um espelho de organização pra essa região... Quer dizer, depois da guerrilha, surgiu na região várias formas de organização... quer dizer... Aqui na região... É a região que existe os maiores 41 42

Idem. Idem.

69 movimentos, dos Sem Terra, onde existe é... Entendeu? Então, a Guerrilha do Araguaia trouxe esse tipo de organização sociais pra região, então isso fortaleceu muito os movimentos... Uma coisa que não existia e depois da Guerrilha passou a existir... Passou a criar os sindicatos, criar as associações, a criar os movimentos camponeses... Então isso, na minha avaliação, é a grande importância... Um legado muito grande que a Guerrilha do Araguaia deixou... (informação verbal).

Talvez o legado do significado da Guerrilha do Araguaia não esteja prontamente definido para a maioria dos brasileiros, mas podemos substabelecer algumas diretrizes que pode nos conduzir a um futuro, com mais cuidado e apreciação. Afinal a Reforma Parlamentar na Inglaterra, pelos anos 1792 precedeu uma certa Sociedade Londrina de Correspondência (London Corresponding Society) que nos chega a atualidade investigada por THOMPSON (2004):

Pelos padrões dos cem anos seguintes, os antagonistas parecem ter sido estranhamente amadores e incertos quanto ao seu papel, ensaiando em confrontos curiosamente pessoais o que teriam os embates massivos impessoais do futuro. Misturam-se civilidade e malignidade; ainda há espaço para atos de gentileza pessoal, ao lado da malícia do ódio de classe (p. 17).

70 CONCLUSÃO

O medo ainda ronda o povo da região. É conveniente acreditar que o espectro da Ditadura subsiste em nosso país, dando margens para que interpretações pejorativas ainda sejam disseminadas na cabeça do cidadão brasileiro. Os personagens da repressão, muitos ainda vivos, representam o entrave capaz de apagar o significado da Guerrilha do Araguaia para a memória nacional. Todas as grandes e significantes revoluções do mundo foram feitas com o apoio expressivo e participativo do povo ignorante. “La chute de la Bastille”, em 14 de julho de 1879, em Paris, representa, para o Ocidente, um fato historicamente marcante de manifestação do poder popular” (BROCHADO, 2010, p. 25). A propósito da tortura da massa camponesa, o fato de terem apoiado a guerrilha do Araguaia teve enorme significado, e não foi em vão. Serve como sustentação para a tese de que o povo caminhava e comungava lado a lado com os ideais dos guerrilheiros. Não importa se tivemos pouca representatividade da massa entre as forças guerrilheiras. O quantitativo nunca foi impedimento para o destacado papel que os militantes guerrilheiros obtiveram. Cinco ou vinte, tanto faz. Não basta dizer dos feitos heroicos, das frases de efeito. Perderam a vida por um ideal comum às massas urbanas e rurais. Sabiam das restrições das suas ações e se entregaram como mártires de um ideal, que nos faz pensar que imaginavam viver um onirismo de que o povo brasileiro se revoltasse, a partir do Araguaia, e disseminasse a luta armada contra a aviltante ditadura, instalando assim uma forma de governo que se pretendia socialista. Na fala do Cel. Lício Augusto

71 Ribeiro (Apud CARVALHO, 2004, p. 191) sobre o lamento da morte de um companheiro, por diagnóstico de apêndice supurado: “[...] para mim, o “Javali Solitário43” morreu de desgosto. De ver que a nossa luta não deu em nada. Morreu gente pra burro. E resultou em quê? Em nada. Os perdedores são os vencedores. Eles é que contam a história [...]”. Na definição do general Viana Moog (Apud BERTOLINO, 2004, p. 195), para a revista Veja44, a Guerrilha do Araguaia foi “o mais importante movimento armado rural já ocorrido no Brasil, principalmente por ter sido mais organizado”. Morrer em combate pode significar uma derrota, entretanto o sentido e a forma de combater da repressão criaram heróis, que não fugiram aos seus ideais, à sua conduta, ao sentimento político de um país melhor. Não é papel das Forças Armadas agirem como bárbaros. Não justifica a desculpa de que “em posse de armas perde-se a razão”, “que a guerra se combate de qualquer forma”. É necessário colocar as Forças Armadas, especialmente o Exército, na defesa da Nação e não contra o Estado Democrático de Direito. De que tamanho foi a guerra e a participação campesina? O que significa para nós hoje jogar desfolhante (no caso, Nalpalm45) na floresta para destruí-la e descobrir

43

O subtenente João Pedro do Rego (“J. Peter” ou “Javali Solitário”, como agente disfarçado). 44 Em 6 de setembro de 1978. 45 O napalm foi desenvolvido em 1942 durante a Segunda Guerra Mundial nos Estados Unidos por uma equipe de químicos da Universidade Harvard liderada por Louis Frieser. O nome napalm deriva do acrônimo dos nomes dos seus componentes originais, sais de alumínio co-precipitados dos ácidos nafténico e palmítico. Estes

72 guerrilheiros? E o que dizer do fato de, para destruir seres humanos, destruir

a

floresta

contemporaneamente,

inteira? o

Exército

Em

determinado

admite

o

fato

momento, de

poucos

guerrilheiros ainda subsistirem em 1974, mas continua a caça incessante, aos maltrapilhos e esfomeados até janeiro de 1975, com um aparato militar digno de uma guerra de proporção mundial. Longe de sermos panfletários e maniqueístas, lançamos mão dos direitos dos cidadãos. Não desmerecemos a Guerrilha do Araguaia, enquanto coisa mal planejada, porque ela significa o passo inicial para retomada da democracia em nosso país, mas a colocamos, especialmente, no patamar justo das grandes realizações do povo brasileiro, vitoriosa ou derrotada, com a Amazônia mais uma vez sendo cenário de uma revolução popular de envergadura e simbólica para a mentalidade nacional. Ainda hoje carecemos de uma reparação ampla, geral e irrestrita, principalmente, histórica.

Guerrilheiro Antônio de Pádua Costa, o “Piauí” que esteve nas mãos dos militares antes de desaparecer em 1974. Foto recuperada pelo pesquisador Paulo Fonteles Filho junto aos camponeses do Araguaia, 1996.

sais eram adicionados a substâncias inflamáveis para serem gelificadas. Para saber mais ver: .

73 FONTES Periódicos:

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78 ANEXO I

79 ANEXO II

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