Gunder Franck e a hipótese da decadência da supremacia norte-americana

July 3, 2017 | Autor: Valerio Arcary | Categoria: Marxism, Marxismo, Trotskismo, Sistema Internacional
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Está ameaçada a supremacia dos EUA no Sistema Internacional de Estados?
Valerio Arcary
O argumento principal deste trabalho foi que o impasse de acumulação da atual fase B diferentemente da fase B do final do século XIX, não apresenta nenhuma solução capitalista óbvia. Certamente, a atual fase B se transformará, mais cedo ou mais tarde, em uma nova fase A (...) mas a acumulação capitalista pode estar se aproximando de seus limites históricos.
O próximo Kondratiev bem poderia ser o último.
Giovanni Arrighi
Em diferentes obras, Arrighi e Wallerstein, pesquisadores, pesquisadores,po, assumidamente inspirados em premissas semi-marxistas e semi-schumpeterianos, invocaram a teoria das ondas longas Kondratiev para defender que estaríamos diante de uma crise da hegemonia norte-americana no mercado mundial. E esta mudança seria a ante-sala de um deslocamento da supremacia dos EUA no sistema internacional de Estados.
As mudanças na economia – deslocamento de investimentos e de grandes indústrias para a Ásia – antecipariam uma nova relação de forças político-militares. O agigantamento do papel da China, que alcançou no final da década passada o estatuto de segunda economia, quando considerado o valor bruto do seu PIB, seria uma das expressões desta dinâmica. Já houve quem previsse que até 2030 o PIB da China deveria superar o dos Estados Unidos.

Gunder Franck e a hipótese de reorientalização do eixo da economia mundial
Arriscar prognósticos é sempre perigoso. Os vaticínios são, todavia, inescapáveis, tanto para historiadores como para economistas. Reconhecer as tendências mais poderosas de evolução da situação internacional é um desafio teórico importante. O argumento deste artigo é que esta hipótese, apresentada de forma pioneira por André Gunder-Frank em sua obra Reorient, merece ser problematizada.
Os que defendem que a diminuição do peso relativo dos EUA na economia mundial teria uma dinâmica irreversível argumentaram, preventivamente, diante das críticas polêmicas que o processo só poderia ser considerado, à maneira braudeliana, na longa duração. O que é prudente, mas não resolve o problema.
Procuraram nas regularidades do final das fases B das ondas Kondratiev uma das chaves explicativas para o deslocamento das supremacias anteriores à dos EUA (Holanda no século XVII, e Grã-Bretanha no final do XIX), mas focalizaram nos processos de transformação econômica: aumento da produtividade em países semiperiféricos, e inovação técnica com a criação de novos setores de ponta produtivos, ou novos patamares da financeirização, nos países centrais.
Nesta interpretação, a questão chave para a explicação da decadência de uma potência, e elevação de outra, teria sido o contexto de maior intensidade da concorrência entre as grandes empresas, e a rivalidade no sistema internacional de Estados nas fases descendentes das ondas longas. Seria nesses momentos, como já tinham assinalado, entre outros, o próprio Kondratiev, que ocorreriam as novidades no aproveitamento das fontes de energia (do carvão para o petróleo e para a eletricidade, para a energia nuclear e, finalmente, para as novas energias pós-carbono), tecnológicas e organizacionais que irão estabelecer um novo padrão de renovação de capital fixo da infraestrutura, e nos sectores de produção de bens de capital.

O capitalismo está na aurora de uma nova revolução industrial?
Ou seja, quando se objetivam massas colossais de capital fixo, de acordo com o padrão estabelecido pela revolução industrial. O impulso da fase A (1892/1929) do terceiro ciclo Kondratiev teria sido, em suas palavras, a revolução organizacional (conhecida também como reestruturação taylorista ou fordista) e a revolução na informação, o impulso da fase A (1943/1974) do quarto Kondratiev,:

Segue-se daí que as ondas longas diferem umas das outras (a) de acordo com a natureza da revolução econômica que provocou a sequência desafio-resposta (Primeiro e Segundo Ks vs. terceiro e Quarto Ks) e (b) dependendo de elas serem ou não configuradas pelo surgimento de um desafio (Primeiro e Terceiro Ks) ou por uma resposta a um desafio (Segundo e Quarto Ks). Além disso, a resposta a um desafio, uma vez completada com sucesso, pode se transformar em uma luta pela hegemonia mundial que dota o K subsequente com a peculiaridade de a luta competitiva ser travada pelos Estados, ao invés de pelas empresas capitalistas. Foi isso o que ocorreu com o Terceiro K. mas há boas razões para não se esperar que a atual oscilação para baixo tenha o mesmo resultado. [...] Aqui reside a diferença mais fundamental entre a atual fase B e a fase B do final do século XIX. Como sugerido [...]de todas as fases B dos últimos duzentos anos, essas duas fases B são aquelas que apresentam as maiores semelhanças: ambas foram associadas com a generalização de uma revolução econômica anterior e nenhuma das duas foi associada com uma luta aberta pela hegemonia mundial. Contudo, as duas fases B diferem radicalmente entre si porque as lutas intermédias pela hegemonia mundial e a expansão subsequente da Revolução Organizacional fecharam opções que estavam abertas no final do século XIX e abriram opções que, há cem anos atrás, eram impraticáveis ou inconcebíveis."

Arrighi conclui, portanto, que é improvável que uma quinta onda Kondratiev se desdobre em uma terceira revolução industrial. Para outros, essa hipótese já teria se dado, a partir do início de uma fase A (1981/2008) com a telemática, e uma nova reestruturação produtiva, o toyotismo, e já estaríamos no limiar de uma nova fase B descendente, desde 2008. Para Arrighi, os avanços tecnológicos que se generalizam com a microeletrônica e a biotecnologia, assim como os novos modelos de gestão (just in time, downsizing, qualidade total) seriam a extensão de inovações do período anterior.
Nesse sentido faz um paralelo entre as semelhanças do atual período de internacionalização do Capital, e o final do século XIX. Por outro lado, contudo, descarta como improvável, uma nova etapa de luta competitiva entre Estados, na disputa pela hegemonia mundial, tal como ocorreu na vagas B dos segundos e terceiro K, que desembocaram, respectivamente, na Primeira Grande Guerra e nas trevas dos anos 30 e na Segunda Guerra Mundial. A crise da liderança norte-americana não desembocaria em uma Terceira Guerra Mundial.

Está próxima do fim a hegemonia dos EUA?
A indústria dos EUA diminuiu, proporcionalmente, o seu peso no mercado mundial em comparação ao período do pós-guerra. A evolução desfavorável desse indicador, entre outras variáveis, tem alimentado discussões sobre o seu declínio relativo, e a capacidade maior ou menor dos EUA manterem a posição de supremacia no sistema internacional de Estados. Wallerstein, Arrigui, e Gunder Franck, entre outros, defenderam que uma lenta decadência da hegemonia norte-americana teria se iniciado nos anos setenta.[7] No entanto, em comparação com a etapa política entre 1945-89, o papel dos EUA como defensor da ordem imperialista desde 1991, aumentou, como se verificou nas guerras dos Bálcãs, do Afeganistão e do Iraque.
A responsabilidade que cabe a Washington na coordenação internacional da resposta à crise econômica aberta em 2008, preservando o privilégio de ser o Estado que pode emitir a principal moeda de reserva mundial, será colocado à prova. As vantagens relativas dos EUA, a partir de 1945, explicam a sua superioridade no sistema de Estados e Obama não deixará de defendê-la, a qualquer custo. Em primeiro lugar, os EUA ainda são, comparativamente, a maior economia nacional. Sua produção industrial deixou de corresponder a metade da capacidade mundial instalada como em 1945, mas seu PIB de estimados US$15 trilhões em relação a um PIB mundial de aproximadamente US$65 trilhões corresponde a um quarto da riqueza mundial.
Não obstante, esse recuo relativo foi compensado pela importância do seu capital financeiro. Ela é avassaladora: o capital financeiro dos EUA opera em escala mundial e seus fundos de investimentos controlam corporações em todos os continentes. Controlam parcelas gigantescas dos PIBs das maiores economias do mundo, em especial, na China. No entanto, a estabilidade do sistema de Estados que garante a segurança dos negócios é muito menor do que antes de 1991. A restauração capitalista na ex-URSS e na China foram derrotas do proletariado mundial - derrotas históricas, em especial, dos trabalhadores russos e chineses. Mas, paradoxalmente, o sistema de Estados era mais estável entre 1945 e 1989/91, porque os condicionamentos da coexistência pacífica induziam movimentos como a Organização pela Libertação da Palestina, a OLP, nos territórios ocupados por Israel, ou partidos leais a Moscou, como na França e na Itália, a cumprirem um papel de preservação da ordem política.
Não existem, contudo, possibilidades para uma renegociação do alcance de Bretton Woods[8], ou seja, a refundação de um novo sistema monetário internacional. Não existem, porque não interessa a Washington, e sua liderança permanece intacta. Não haverá refundação do capitalismo. Não haverá New Deal nos EUA.[9] O plano de trilhões de Obama não é senão um Proer para salvar o capital financeiro de Wall Street.
O lugar de cada imperialismo no Sistema Internacional de Estados dependeu, historicamente, de um conjunto de variáveis: (a) as dimensões de suas economias, ou seja, os estoques de capital, os recursos naturais – como o território, as reservas de terras, os recursos minerais, a auto-suficiência energética etc... - e humanos – entre estes, o peso demográfico e o estágio cultural da nação – assim como a dinâmica, maior ou menor, de desenvolvimento da indústria; (b) a estabilidade política e social, maior ou menor, dentro de cada país, ou seja, a capacidade de cada burguesia imperialista para defender o seu regime político de dominação diante de seu proletariado; (c) as dimensões e a capacidade de cada um destes impérios em manter o controle de suas colônias e áreas de influência; (d) a força militar de cada Estado, que dependia não só do domínio da técnica militar ou da qualidade das Forças Armadas, mas do, maior ou menor, grau de coesão social da sociedade, portanto, da capacidade do Estado de convencer a maioria do povo da necessidade da guerra; (e) as alianças de longa duração dos Estados imperialistas, uns com os outros, e o equilíbrio de forças que resultavam dos blocos formais e informais etc.
Se considerarmos estes cinco critérios, não parece provável que a liderança dos EUA venha ser desafiada, porque suas vantagens relativas são insuperáveis. Ela veio se exercendo no interior da Tríade (EUA, Europa Ocidental, Japão), ou seja, na colaboração de Washington com Londres, Paris, Berlim e Tóquio, há décadas, desde o final da Segunda Grande Guerra, em função das condições da coexistência pacífica com a ex-URSS. A eleição de Obama, depois de oito anos de unilateralismo de Bush, muda o tom das relações entre EUA e Europa, mas o tom não é a música.
As únicas alternativas que poderiam ser potencialmente consideradas à dominação norte-americana seriam a União Européia ou o Japão. Mas, a União Européia não é um Estado, ou sequer uma Federação de Estados. E o Japão aceitou resignado, após a tragédia da II Guerra Mundial, um papel complementar à economia dos EUA, sendo um dos financiadores da dívida pública dos EUA. O Estado chinês, uma potência nuclear em uma das nações mais pobres do mundo - uma das últimas sociedades de maioria camponesa - conformou-se com um lugar complementar na relação com os EUA, porque aceita o papel econômico de semicolônia privilegiada, que na dimensão regional tem função de submetrópole. O regime ditatorial do Partido Comunista se manteve depois do massacre da Praça Tian An Men porque se apoiou, além do terror, no crescimento intenso de duas décadas, apesar da maior desigualdade social. Quando esse crescimento for bloqueado, ficará patente a baixa coesão social interna e o regime será desafiado pelo imponente novo proletariado, como aconteceu com as ditaduras sul-coreana e brasileira que fomentaram industrialização acelerada. Não é, portanto, sequer razoável imaginar que um processo dessa amplitude pudesse ser resolvido sem uma comoção que exigiria, possivelmente, uma guerra mundial, o que na atualidade não interessa a nenhum Estado.




ARRIGHI, Giovanni. A ilusão do desenvolvimento. Petrópolis, Vozes, 1998. p. 46-9
Em um dos artigos que remetem ao tema, O declínio do império americano, Wallerstein destacou que: "Não há dúvida de que os EUA continuarão a declinar como força decisiva nos assuntos mundiais na próxima década. A verdadeira questão não é se a hegemonia americana está a decair, mas se os EUA podem encontrar uma maneira de declinar graciosamente, com danos mínimos para o mundo e para si próprios". Disponível em: http://resistir.info/eua/declinio_imperio_americano.html; Consulta em 27/06/2011
ARRIGHI, Giovanni. Adam Smith em Pequim. São Paulo, Boitempo, 2008.
GUNDER FRANK, Andre. ReORIENT, Global Economy in the Asian Age. San Francisco, UCPress, 1998

ARRIGHI, Giovanni. A ilusão do desenvolvimento. Petrópolis, Vozes, 1998. p. 31 e 46









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