HABILIDADES E COMPETÊNCIAS DO ENGENHEIRO NO NOVO SÉCULO

July 14, 2017 | Autor: Assed Haddad | Categoria: Engineering Education, Legal Issues, Education System
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HABILIDADES E COMPETÊNCIAS DO ENGENHEIRO NO NOVO SÉCULO. Assed Naked Haddad1 , Rubenildo Pithon de Barros 2 Resumo. Um tema recorrente nos fóruns de discussão sobre ensino de engenharia é o perfil desejado ou esperado do engenheiro face aos novos desafios da globalização ou ao novo milênio. Inúmeras propostas foram postuladas e discutidas. Este trabalho procura, segundo uma abordagem transversal, definir um arcabouço, com bases conceituais e legais, no qual os possíveis perfis sejam enquadrados, com vistas às orientações da sociedade, do sistema educacional, do sistema de fiscalização profissional, bem como do mercado de trabalho. São discutidos os termos habilidades e competências à luz dos dispositivos legais e do papel de cada um dos atores sociais envolvidos na formação, no enquadramento e na absorção do engenheiro. Palavras-chave: habilidades, competências, engenharia Abstract: A desired or expected profile for engineers facing the new challenges of globalization or the millennium is a common discussion point, recurrent in engineering education meetings. Several proposals were presented and discussed. This paper aims, using a transversal approach, to determine a framework, with legal and conceptual basis, were all this possible profiles could be inserted, trying to embrace society, professional regulatory system, educational system as well as work market directions and expectations. Abilities and competences are discussed, having in mind legal issues and the expected position of each social actor involved on the formation, frame working and absorption of the engineer. Keywords: abilities, competences, engineering

DEFINIÇÕES E BASES LEGAIS Uma das coisas mais importantes em qualquer estudo ou discussão é ter de forma clara, ou o mais bem determinado possível, as definições dos termos em questão. Assim sendo, vamos iniciar este trabalho com algumas definições sobre os termos habilidade, competência e outros correlatos ou. encontrados na legislação e em trabalhos com temática semelhante. Aurélio Buarque de Holanda Ferreira define competência e habilidade, de certa forma, como sinônimos, ou mais claramente temos: “competência: (do latim competentia) 1. ...definição jurídica...; 2. Qualidade 1 2

de quem é capaz de apreciar ou resolver certo assunto, fazer determinada coisa; capacidade, habilidade, aptidão, idoneidade.” “competente: Quem tem competência legal, suficiente, idôneo, apto.” “habilidade: (do latim habilitate) Qualidade ou caráter de hábil.” "habilitação . S. f. 1. Ato ou efeito de habilitar(-se). 2. Conjunto de conhecimentos; aptidão, capacidade. 3. Jur. Formalidades jurídicas necessárias para a aquisição dum direito ou a demonstração de capacidade legal. 4. Jur. Conjunto de documentos apre-

Professor Adjunto da Escola Politécnica da UFRJ, D.Sc., Conselheiro Efetivo do CREA/RJ, [email protected] Professor do Instituto Militar de Engenharia, M.Sc., Conselheiro Efetivo do CREA/RJ, [email protected]

sentados à autoridade competente por quem está interessado em provar os fatos que legitimam e justificam sua pretensão. ~ V. habilitações." “habilitações . S. f. pl. 1. Cabedal de conhecimentos ou atributos que habilitam alguém ao desempenho de uma função; qualificação. ~ V. habilitação.”

destacam, no que diz respeito ao ensino, a autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial das universidades (Art. 207) e a extensão do ensino à iniciativa privada, sendo atendidas condições que incluem cumprimento das normas gerais da educação nacional bem como autorização e avaliação de qualidade pelo poder público (Art. 209). O Art. 205, in verbis diz:

“hábil: (do latim habilitate) 1. Quem tem aptidão para alguma coisa. 2. Competente, apto, capaz. ... 6. Quem tem capacidade legal para certos atos. ... 9. Que está de acordo com as imposições legais, com as imposições preestabelecidas.” Apenas para pontuar um tema a ser tangenciado neste trabalho, não há no dicionário Aurélio (1986) verbete para o termo "acreditação". Aproveitando as análises comparativas com a língua inglesa, do Merriam-Webster Dictionary (1974), temos: “ability: the mental or physical capacity, power or skill required to do something.” “competence: being something well.”

able

to

do

Do Oxford Dictionary (1997) temos: “competent: having the necessary ability.” “ability: the quality of being able: power, skill.” “competence: fitness, ability” Definidos os termos, o próximo passo consiste em citar alguns trechos da legislação atinente ao tema e que proporcionam as bases legais para o propósito deste trabalho, iniciando, como não poderia deixar de ser, com a Constituição Federal de 1988, que provê o arcabouço jurídico maior, estabelecendo alguns parâmetros importantes, dos quais se

“Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.” No Art. 214, in verbis: “Art. 214.. A lei estabelecerá o plano nacional de educação, de duração plurianual, visando à articulação e ao desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis e à integração das ações do poder público que conduzam à: .... IV - formação para o trabalho; ....” Quanto ao exercício profissional, destaca-se o Artigo 5º da Constituição Federal de 1988, abaixo transcrito: "Art. 5.º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: ... XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;”

A expressão genérica "qualificações profissionais que a lei estabelecer" representa, na opinião dos autores, a ligação primeira entre a formação e o exercício profissional, aí particularizando-se a Engenharia. No que tange à educação, a Lei nº 9.349, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional (LDB), introduziu uma série de inovações, principalmente no que diz respeito à educação superior. Quanto à educação a LDB esclarece, in verbis: “Art. 1º Educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, ... Parágrafo primeiro. Esta lei disciplina a educação escolar, que se desenvolve predominantemente, por meio do ensino, em instituições próprias. Parágrafo segundo. A educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social”. “Art. 21 A educação escolar compõe-se de: I – educação básica; II – educação superior.” Ainda acerca da relação educação e mundo do trabalho, exercício de profissão, etc., temos: “Art.2º A educação, ... ,tem por finalidade o pleno desenvolvimento de educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.” “Art 3º O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: ...

XI – vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais.” No seu Capítulo IV – Da Educação Superior, frisa que: “Art. 43 A educação superior tem por finalidade: ... II – formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptas para a inserção em setores profissionais ... ; ... V – suscitar o desejo permanente de aperfeiçoamento profissional e possibilitar correspondente concretização, integrando os ... ” Também é algo a se comentar que na LDB, quanto às atribuições da União e relativamente às atividades das universidades temos: “Art. 9º A União incumbir-se-á de: ... VII – baixar normas gerais sobre ensino de graduação;” “Art. 52 As universidades são instituições pluridisciplinares de formação de quadros profissionais (no ensino, vale ressaltar), de pesquisa, de extensão, ...” A Lei Nº 9.131 de 24 de novembro de 1995, que altera dispositivos da Lei n. 4.024, de 20 de dezembro de 1961, e dá outras providências, indica in verbis:. "Art. 3º Com vistas ao dispositivo na letra “e” do §2º do artigo 9º da Lei n. 4.024, de 1961, com a redação dada pela presente Lei, o Ministério da Educação e do Desporto fará realizar avaliações periódicas das instituições e dos cursos de nível superior, fazendo uso de procedimentos e critérios abrangentes dos diversos fatores que determinam a qualidade e

a eficiência das atividades de ensino, pesquisa e extensão. §1º Os procedimentos a serem adotados para as avaliações a que se refere o “caput” incluirão necessariamente a realização, a cada ano, de exames nacionais com base nos conteúdos mínimos estabelecidos para cada curso, previamente divulgados e destinados a aferir os conhecimentos e competências adquiridos pelos alunos em fase de conclusão dos cursos de graduação.” Ainda na referida lei, o parágrafo 2º do capítulo 9 define as atribuições da Câmara de Ensino Superior, das quais cita-se, in verbis: "c) deliberar sobre as diretrizes curriculares propostas pelo Ministro da Educação e do Desporto, para os cursos de graduação;” No campo da Engenharia, até a data em que o presente trabalho foi concluído, ainda não foram aprovadas ou publicadas todas as Diretrizes Curriculares, instrumento legal que viria substituir o denominado "currículo mínimo", aprovado pela Resolução do Conselho Federal de Educação – CFE (hoje extinto) Nº 48 de 27 de abril de 1976, que para todos os efeitos leais, ainda está em vigor. A Resolução 48/76 CFE, contemplava uma carga horária mínima (3600 horas) e uma duração de curso de Engenharia variável de quatro a nove anos sem, contudo, estabelecer cargas horárias para as disciplinas, salvo no caso de atividades de laboratório, deixando tal encargo a cada instituição de ensino de Engenharia. Definia seis áreas de habilitação, a saber, Civil, Elétrica, Mecânica, Metalurgia, Minas e Química. Estabelecia uma divisão de matérias englobando formação básica, formação geral, formação profissional geral e formação profissional específica. Apesar das críticas que recaíram sobre a Resolução 48/76 do CFE, uma análise mais acurada e devidamente temperada pela observação de seu desdobramento ao longo de

vinte e cinco anos de aplicação revela que esta possui vários aspectos positivos, na medida em que poderia, com algumas (poucas) alterações enquadrar-se no espírito da LDB vigente. Essa afirmação é melhor explicitada na página do INEP na internet3 :, motivo pelo qual não se tecerão outros comentários acerca do enquadramento citado. Das diretrizes curriculares para a Engenharia, existe uma série de versões e propostas, algumas periodicamente atualizadas, porém ainda sem força legal, valendo a pena mencionar as propostas da Comissão de Especialistas do Ensino de Engenharia do MEC 4 , ainda na versão de 05 de maio de 1999, disponível na página do MEC na Internet e a do sistema de fiscalização do exercício profissional da engenharia, da arquitetura e da agronomia, cujos agentes são o Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (CONFEA) e os Conselhos Regionais (CREAs). Das áreas jurisdicionadas pelo CONFEA/CREAs, apenas a Geografia (Bacharelado) teve suas diretrizes curriculares aprovadas e homologadas. A própria linguagem das diretrizes curriculares, e aqui citam-se as dos cursos de Geografia, difere da Resolução 48/76, na medida em que define um perfil profissional, a partir do qual são estabelecidas as “competências e habilidades” que os egressos devem possuir. Essas competências e habilidades são definidas pelos verbos utilizados na operacionalização de objetivos educacionais (aplicar, conceber, avaliar, etc.), remetendo à Taxonomia de Benjamin Bloom. O Art. 2º do Anteprojeto dispõe, in verbis: “Art. 2o - Os Currículos dos Cursos de Engenharia deverão dar condições a seus egressos para adquirir competências e habilidades para: ...“

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http://www.inep.gov.br/enc/diretrizes/Engenharias.htm http://www.mec.gov.br/Sesu/diretriz.shtm

No Art. 14, o Anteprojeto dispõe: “Art. 14 – Estas diretrizes referem-se exclusivamente à formação acadêmica não abrangendo os aspectos relativos ao registro para o exercício da profissão.” Deve ser ressaltado o que dispõe o seu Art. 17, in verbis, a saber: “Art. 17 - Os órgãos colegiados competentes das instituições que ministram a Curso de Engenharia deverão indicar, em termos genéricos, ao Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (CONFEA), em função do currículo pleno que for desenvolvido em suas habilitações, as características dos Engenheiros por elas diplomados.” Constata-se, desse modo, a intenção de dissociar a formação acadêmica (habilidades e competências) da prática (atividade) do exercício profissional em engenharia. Durante o processo de consultas realizado pelo MEC/SESu para recebimento de propostas, o CONFEA, após consultas junto aos CREAs, encaminhou-se um anteprojeto fixando diretrizes curriculares para os cursos de Engenharia, Arquitetura e Urbanismo e Geografia. O Art. 16 do anteprojeto, cita a Lei 5.194/66, estabelecendo que as Instituições de Ensino de Engenharia devem indicar anualmente o perfil dos Engenheiros diplomados. Uma digressão interessante é notar que no Artigo 10 da Lei 5194/66 não consta a freqüência anual da informação. A linguagem do corpo do anteprojeto de resolução proposto pelo CONFEA é a encontrada na legislação do exercício profissional de Engenharia, diferindo, portanto, das linguagens anteriormente expostas, citando-se o termo "habilitação", quase um paradigma na legislação do sistema CONFEA/CREAs e que consta das resoluções

que disciplinam o exercício profissional da engenharia, arquitetura e agronomia. Na proposta do CONFEA, o Anexo I, cujo título é "COMPETÊNCIAS E HABILIDADES QUE CARACTERIZAM A FORMAÇÃO DO ENGENHEIRO", resgata a linguagem acadêmica, estabelecendo, entretanto a frase delimitadora "...em suas várias áreas e habilitações.." De um modo geral, abstraindo-se a forma e linguagem, nota-se pontos comuns que, na opinião dos autores, evidencia uma concordância tácita com os princípios básicos, restando uma divergência, abordada mais à frente, quanto aos campos de atuação das diversas áreas (modalidades, na linguagem do CONFEA) da engenharia.

O EXERCÍCIO PROFISSIONAL DE ENGENHARIA Nesse ponto, faz-se necessário um corte estrutural no desenvolvimento das idéias expostas para que se possa apresentar ao leitor uma parte da pouco conhecida legislação do sistema CONFEA/CREA's que, em última análise, regula o exercício profissional da engenharia, arquitetura e agronomia, além de outras denominações, como geologia, meteorologia, geografia, etc. Segundo Meireles (1996), a Engenharia e a Arquitetura eram atividades livres a diplomados e leigos no Brasil, até o Decreto Imperial de 29 de agosto de 1828 que define as primeiras exigências para a elaboração de projetos e trabalhos de construtor. O Decreto 23569, de 11 de dezembro de 1933 foi o primeiro instrumento legal que regulamentou o exercício das profissões de Engenheiro, Arquiteto e Agrimensor, instituindo, como responsáveis pela coordenação e fiscalização dessas atividades, o Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (CONFEA) e os Conselhos Regionais (CREAs). O decreto ainda está em vigor, havendo muitos profissionais de

Engenharia ainda enquadrados por ele, que fixa atribuições mais amplas (até pelas características do ensino de Engenharia na época) do que as Resoluções mais recentes do CONFEA que disciplinam a matéria. Em 24 de dezembro de 1966 foi promulgada a Lei 5194 que passou a disciplinar inteiramente a matéria, embora assegurasse aos profissionais de Engenharia, Arquitetura e Agronomia, já diplomados e aos que se encontrassem matriculados nas respectivas escolas, os direitos adquiridos. Observa-se assim que a legislação de fiscalização do exercício profissional precede a legislação que estabelece parâmetros e currículos mínimos para a formação do Engenheiro, do Arquiteto e do Agrônomo. Estabelece a Lei 5194/66 in verbis em seu Art. 2º: “Art. 2º - O exercício, no País, da profissão de engenheiro, arquiteto ou engenheiro-agrônomo, observadas as condições de capacidade e demais exigências legais, é assegurado: a) aos que possuam, devidamente registrado, diploma de faculdade ou escola superior de Engenharia, Arquitetura ou Agronomia, oficiais ou reconhecidas, existentes no País;” Percebe-se, claramente, a subordinação do exercício profissional à formação em instituição de ensino, avançando nos Artigos 10 e 11, “Art. 10 - Cabe às Congregações das escolas e faculdades de Engenharia, Arquitetura e Agronomia indicar ao Conselho Federal, em função dos títulos apreciados através da formação profissional, em termos genéricos, as características dos profissionais por elas diplomados.”

“Art. 11 - O Conselho Federal organizará e manterá atualizada a relação dos títulos concedidos pelas escolas e faculdades, bem como seus cursos e currículos, com a indicação das suas características.” Pelo Artigo 10, observa-se, implicitamente, o reconhecimento pelo CONFEA da possibilidade da existência de títulos diferentes, enquanto que, pelo Artigo 11, O CONFEA é obrigado a manter um cadastro atualizado de títulos, cursos, currículos e características de cada curso. No que diz respeito à definição das atribuições profissionais, o instrumento adotado pelo CONFEA, é o uso de Resoluções, obedecendo ao prescrito na letra f) do Artigo 27. Ainda de acordo com a Lei 5.194/66, os Conselhos Regionais devem ser ouvidos. Desse modo, o processo de geração de uma Resolução é demorado, já que todos os Regionais são ouvidos e, dentro de cada um, as Câmaras e Comissões que o compõem. A primeira Resolução, a partir da Lei 5.194/66, que definiu as atividades sujeitas à fiscalização pelo CONFEA/CREAs foi a Resolução 218, de 29 de junho de 1973, portanto quase sete anos após a publicação da Lei. Até então, estavam em vigor os Decretos 23.169/33, que regulava o exercício da profissão agronômica e 23.569/33 que regulava as profissões de engenheiro, de arquiteto e de agrimensor. A Resolução 218/73 enumera em seu Art. 1º dezoito grupos de atividades sujeitas à fiscalização profissional, destacando-se a Atividade 08 - Ensino, pesquisa, análise, experimentação, ensaio e divulgação técnica. Do Art. 2º ao Art. 22 discrimina as áreas específicas de atuação, de cada modalidade em função das atividades definidas anteriormente. Observa-se, assim, uma tendência, mantida até os dias de hoje, de compartimentalização das atribuições profissionais. Esse aspecto restritivo da

Resolução 218/73 é amplificado no Art. 25 que estabelece: “Art. 25 - Nenhum profissional poderá desempenhar atividades além daquelas que lhe competem, pelas características de seu currículo escolar, consideradas em cada caso, apenas as disciplinas que contribuem para a graduação profissional, salvo outras que lhe sejam acrescidas em curso de pósgraduação, na mesma modalidade.” Traduzindo em termos concretos, e da forma como é implementada até os dias de hoje, apenas o curso de graduação gera atribuições profissionais. Um Engenheiro Civil, por exemplo, que conclua um mestrado e mesmo doutorado em Engenharia Biomédica, no que diz respeito à aplicação da Resolução 218/73, este não recebe nenhum acréscimo de atribuições. Para um profissional afeto à vida acadêmica, seja professor ou pesquisador, acostumado ao desempenho de pesquisas multidisciplinares, tal dispositivo legal soa estranho e desvinculado de sua realidade cotidiana. Uma exceção importante e amparada por legislação própria diz respeito ao Curso de Engenharia de Segurança do Trabalho. Atualmente este curso é de especialização em nível de pós-graduação e, no entanto, gera atribuições específicas, independentes da graduação cursada.

ATORES SOCIAIS ENVOLVIDOS § § § § §

Indivíduo; Sistema Educacional; Sistema Profissional; Mercado de Trabalho; Sociedade.

Na visão dos autores, os cinco atores sociais, acima especificados, ao longo do tempo cronológico de seu papel, representariam, numa analogia com a

Termodinâmica, as variáveis sociais de estado do processo formativo de um engenheiro. A educação e formação de um engenheiro pressupõem a satisfação de expectativas que partem do próprio sujeito da ação, o aluno/formando/graduado/habilitado, até sua inserção no Mercado de Trabalho, expectativas e ansiedades que, em última análise, visam atingir anseios diversos seus e da sociedade, da qual faz parte e na qual se insere. O Indivíduo, portanto, ao longo de sua formação é o grande ator social do processo, afirmativa que, neste trabalho, é endossada pelo Artigo 205 da Constituição Federal, já transcrito. O Sistema Educacional prepara o Indivíduo para seu papel de cidadão e de profissional. O Sistema Profissiona l atua como agente da sociedade, fiscalizando, por um lado, a atuação ética do engenheiro, enquanto procura garantir que esta mesma sociedade seja servida por profissionais legalmente habilitados e qualificados. É a interface entre a formação e o desempenho. O Mercado de Trabalho acolhe o engenheiro, proporcionando- lhe o campo de atuação e aplicação das habilidades e competências adquiridas na formação, remunerando-o pelos serviços prestados. Finalmente, a Sociedade é o campo maior de vida, englobando, inclusive, todos os outros atores, interagindo e modificando, através de demandas políticas, econômicas ou sociais sua atuação. Essa construção ideal exige, para seu desdobramento contínuo e harmônico, um arcabouço legal, parte do qual foi citado e transcrito, que seriam as "leis" ou "princípios", segundo o modelo "Termodinâmico" proposto, além de uma dinâmica de atuação harmoniosa, residindo aí um ponto ainda a ser atingido.

Cabe, neste momento, trazer uma formulação que identifique, à luz da atuação de cada agente social anteriormente definido, seus objetivos ou posição à luz do conhecimento. Conforme a natureza do conhecimento e sua transformação em "habilidades e competências", os autores propõem, ainda que de maneira resumida, que haja um enquadramento das atividades dos atores segundo três "estados", a saber: Estado da Arte, Estado da Técnica e Estado da Prática. O Estado da Arte tem a mesma conotação utilizada em estudos avançados e pesquisa, ou seja, representa o que de mais atual se conhece sobre determinado assunto, fenômeno, modelo ou metodologia. É um Estado em contínua expansão. Embora, predominantemente, buscado nas Universidades e Centros de Pesquisa (quase sempre dentro do Sistema Educacional), é também perseguido em centros avançados do Mercado de Trabalho. O Estado da Técnica seria definido como a viabilização tecnológica do conhecimento obtido no Estado da Arte e envolve, em muitos casos, a participação direta do Mercado de Trabalho. O Estado da Prática é a transformação dos Estados anteriores no cotidiano utilizável ou passível de consumo pela Sociedade, via a média dos profissionais atuantes.

Educacional e de forma ampla devolvida à sociedade que a demanda.. Ao longo da breve modelagem acima, não foi citado o Sistema Profissional, embora, numa primeira leitura, identifique-se seu posicionamento, até legal (habilitação profissional, mediante registro), no Estado da Prática. Abstraindo-se de aspectos temporais ou intangíveis referentes ao sistema CONFEA/CREAS, que são do conhecimento dos autores, na medida em que ambos são Conselheiros do CREA-RJ, membros de sua Comissão de Ensino e, portanto, participantes da práxis do referido sistema, pode-se afirmar que a não atualização da legislação que disciplina o exercício profissional é um dos fatores determinantes da pequena inserção e mesmo da baixo poder de influência, haja vista a diferença entre as propostas de diretrize s curriculares. Mesmo com o advento da Lei nº 9.349 (LDB), já com cinco anos de sua promulgação, ainda não foram estabelecidos estudos concretos que contemplem aspectos filosóficos ou hermenêuticos, na direção da compatibilização das legisla ções. É oportuno ressaltar que, por força legal, cada Conselho Regional possui um panorama completo dos profissionais e das empresas de Engenharia de sua área de atuação (Estado da Prática e Mercado de Trabalho), bem como dos cursos de engenharia, arquitetura e agronomia.

Primordialmente, o Indivíduo, através do processo contínuo de educação é levado até o Estado da Técnica, e, em alguns casos de aprofundamento e especialização ao Estado da Arte. Neste processo, interveniado pelo Sistema Educacional e, em menor escala, pelo Mercado de Trabalho, o Indivíduo pode atuar diretamente no Estado da Técnica.

Já definido pelos autores como interface entre formação e desempenho, o sistema CONFEA/CREAs poderia ser um agente de valor inestimável caso se decida estabelecer uma dinâmica para o modelo proposto (essa é uma das intenções dos autores).

O Estado da Prática é o grande componente das "habilidades e competências" adquiridas no Sistema

Não se poderia concluir o trabalho sem tocar num ponto, até sens ível, denominado avaliação.

A Lei Nº 9.131, já citada, instituiu o Exame Nacional de Cursos, cuja aplicação está se dando de forma gradativa desde 1996. Com grande índice inicial de rejeição por parte de alunos, docentes e estabelecimentos de ensino, aos poucos vem se firmando, senão como instrumento ideal de avaliação, pelo menos como mais uma ferramenta a ser ainda aperfeiçoada, na busca da melhoria da qualidade de ensino. Recentemente, na área do ensino de engenharia, alguns setores se movimentam na direção do que se convencionou chamar "acreditação" (lembrando que não há tal termo na língua portuguesa). Na área de saúde, já existe uma Organização Nacional de Acreditaçao 5 , surgida a partir da implantação do Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade (PBQP) 6 . No Rio de Janeiro, o CREA-RJ foi convidado para um seminário organizado pelo então denominado "Instituto Brasileiro de Acreditação", ligado à Fundação CESGRANRIO, onde seriam expostas idéias acerca da criação de um órgão de acreditação para os cursos de engenharia. Não houve receptividade para tal tema. Outro assunto recorrente é o da criação de um Exame de Ordem, nos moldes do adotado pela Ordem dos Advogados do Brasil. Padilha e Laier apresentaram um trabalho no qual defendem a adoção do Exame de Ordem e tecem pesadas críticas ao Sistema CONFEA/CREAs. Não há, entretanto, consenso quanto à adoção de outro processo de avaliação do ensino de engenharia, além do Exame Nacional de Cursos, que, mesmo com respaldo legal, ainda é sujeito a críticas. É oportuno lembrar que, na área de cursos de pós-graduação, as avaliações 5 6

http://www.ona.org.br http://www.pbqp.gov.br/

promovidas pela CAPES já detém elevado nível de aceitação.

CONCLUSÃO O "novo milênio " do título do presente trabalho, na realidade buscou incorporar os novos paradigmas introduzidos pela LDB e suas ainda inconclusas diretrizes curriculares para os cursos de engenharia à idéia de novos tempos que, afinal, o país já vive e cujos reflexos na engenharia são materializados numa queda na quantidade de formados.. As "habilidades e competências", também do título, dizem respeito não a comportamentos esperados dos engenheiros formados sob a égide da nova legislação, porém à multiplicidade de acepções dos dois termos nos diversos instrumentos legais que permeiam a formação e a atuação do engenheiro. O que se buscou foi trazer à tona, para uma discussão despida de preconceitos, as diferenças legais, conceituais e até filosóficas que marcam a atuação dos atores sociais descritos anteriormente. É inegável a fragilidade da atual legislação do sistema CONFEA/CREAs, face às mudanças aceleradas que o rápido desenvolvimento cient ífico (Estado da Arte) e tecnológico (Estado da Técnica) impõem ao Sistema Educacional, com reflexos imediatos sobre a atuação do engenheiro (Estado da Prática) na Sociedade.

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