Habitação Intergeracional nas Avenidas Novas em Lisboa: vivência e partilha de espaços

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Fevereiro 2016

Habitação Intergeracional nas Avenidas Novas em Lisboa: vivência e partilha de espaços Lídio Sousa · António Carvalho · Gonçalo Byrne

Resumo O presente artigo1 centra-se na problemática de melhorar a cidade existente e de que modo a arquitetura pode contribuir para noções como cidade, sociedade, espaço público e habitação. O caso de estudo foi a freguesia das Avenidas Novas em Lisboa, enquadrado no projeto “O Nosso Km2” proposto pela Fundação Calouste Gulbenkian (FCG, 2015). A compreensão de uma cidade consolidada é fundamental para solucionar os seus problemas, criando diferentes vivências através de novos percursos/rampas, ligações, conexões, espaços públicos e edifícios. A análise da evolução desta área da cidade ao longo do tempo e de intervenções marcantes na malha urbana, permitiu identificar a barreira ferroviária da Linha de Sintra como desafio fulcral da intervenção. Para unir o território urbano assim separado pelo comboio, propõem-se pontes pedonais e cicláveis que sobrepassam a linha férrea e fomentam as ligações físicas, a fusão cultural e a socioeconómica no quotidiano dos seus residentes. Sendo o envelhecimento populacional uma realidade das cidades de hoje, será importante contribuir com novas acessibilidades e lógicas de uso dos espaços, numa linha conceptual global, desde o espaço urbano até aos edifícios. A proposta pretende ter transparência e fluidez de percursos, onde o espaço social colectivo convive e penetra nos espaços privados, criando de modo natural novas perceções sensoriais, perceptivas e experienciais na paisagem urbana. Palavras-chave: habitação intergeracional, paisagem urbana, vivências, Lisboa.

Introdução A realidade actual e as previsões futuras (Jornal de Negócios, 2015) indicam-

FIGURA 1 PROPOSTA URBANA

FONTE LÍDIO SOUSA, 2015

-nos que a população idosa e solitária está em crescimento, pelo que este problema deve ser uma oportunidade para a arquitectura: como revitalizar uma cidade existente e consolidada, com uma paisagem urbana já formada no pensamento das pessoas? A solução passará por redefinir essa mesma cidade e paisagem com gestos e incisões simples no espaço público/ privado, que proporcionem novas vivên-

cias entre idosos e jovens. Na freguesia das Avenidas Novas o número de jovens com formação superior e de idosos com experiência de vida é elevado, pelo que se torna necessária e cativante a criação de espaços públicos e habitacionais onde possa existir partilha e convívio, que possam constituir um modelo urbano em Lisboa, promovendo intercâmbios numa cidade culturalmente ativa. Assim os temas

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da acessibilidade e mobilidade assumem papel preponderante para tornar uma cidade mais amiga dos idosos — e como tal, amiga de todos (OMS, 2009).

FIGURA 2 PROPOSTA URBANA

Proposta Urbana “Precisamos de um meio ambiente que não seja simplesmente bem organizado, mas também poético e simbólico” (Lynch, 1990, p.132). Entendemos que nem sempre a solução espacial mais eficiente é garantia de vida; em compensação, se criarmos algo estimulante que perdure na mente das pessoas, isso permitirá que esse espaço fique gravado na memória de cada um como um momento único das suas vidas. Nesse sentido, a proposta pretende ligar a zona norte com a sul resolvendo o problema da barreira ferroviária (Fig. 1), criando pontes sobre-elevadas destinadas a peões e ciclistas. O conceito destes percursos passa por criar pontos de vista que até então as pessoas nunca tinham observado. Poderemos dizer que são mapas de vistas. Os percursos serão criados com o propósito de ter pontos de paragem e descanso para que as pessoas aí possam desfrutar da cidade. São criados vários complexos habitacionais

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e um parque urbano a norte, ao longo da linha de comboio (Fig. 2). O parque tem zonas de uso e ambientes diversificados que proporcionam diferentes sensações ao longo do seu atravessamento, devido a diferentes tipos de vegetação. Outro elemento preponderante será um centro comercial que será perfurado pelos percursos/pontes

elaborados em função das vistas. Mais do que um simples percurso de atravessamento, propõe-se portanto um parque linear para desfrutar a cada passo, assumindo-se como uma peça escultórica funcional à escala urbana (ponte pedonal e ciclável) e social (parque linear). A ponte será em aço, com pavimento em madeira e diferentes

FIGURA 3 ALÇADO PRINCIPAL DA RAMPA

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elementos vegetais nos jardins (Fig. 3). À noite a luz indireta sobre o pavimento destacará a sua presença suspensa na cidade como uma obra de arte urbana.

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FIGURA 4 PLANTAS DE PISOS

Edifício Na sequência do conceito urbano global, a título de exemplificação, foi desenvolvido no gaveto da Avenida de Berna / Rua da Beneficiência (Fig. 5), o projecto dum edifício longilíneo, com grandes vazios transversais nos diferentes pisos, para que possa respirar e proporcionar vistas sobre a sua envolvente. Existem perfurações (espaços vazados) que promovem a confiança e partilha entre vizinhos (pátios sociais) e outros, mais pequenos, que pertencem a cada unidade de habitação. Todos eles surgem para transmitir sensações diferentes a quem os desfruta. O edifício tem 6 pisos acima e 1 piso abaixo do solo: estacionamento na cave, lojas comerciais no rés-do-chão e apartamentos nos restantes pisos. A composição dos alçados, com uma métrica bem definida, é caracterizada por uma alternância de pátios privados que no lado da Avenida de Berna (alçado sul) estão no lado direito e no alçado norte se encontram no lado esquerdo, no mesmo piso (Fig. 4). Estes pátios privados ajardinados, associados com os grandes pátios sociais das caixas de escadas, permitem uma grande dinâmica volumétrica e de luz nas fachadas. Os pátios sociais são geradores de laços de confiança, amizade e vizinhança porque permitem ser usados por todas as pessoas do prédio, desde crianças a idosos e pretendem replicar um pouco da emoção que as pontes-rampas transmitem: a presença de árvores, bancos de descanso e de leitura, estacionamento de

FONTE LÍDIO SOUSA, 2015

FIGURA 5 PROPOSTA DE APARTAMENTO

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bicicletas, jogos para os miúdos, permite que os pátios sejam usados consoante o gosto e vontade dos residentes. O módulo do apartamento principal foi desenvolvido em dois tipos diferentes, permitindo assim alternativas de mercado. A lógica é que a zona social possa estar virada para Avenida de Berna, com a zona privada para o lado oposto e vice-versa (Fig. 5) Este processo repete-se ao longo dos pisos, variando com o aparecimento dos pátios sociais, daí os pisos parecerem iguais mas sendo todos diferentes. O apartamento é dividido em zona social que se expande para o pátio privado e zona privativa mais resguardada. A ideia base é um edifício com jardins nos terraços (comuns e privados) para que os residentes sintam uma ligação com a natureza dentro da sua própria casa, no centro da cidade. Os jardins nos terraços permitem também criar um contato entre os vizinhos e ao mesmo tempo permitem ventilação natural na horizontal e na vertical. A imagem da fachada forma-se a partir do interior do edifício, porque cada divisão contém cinco módulos de caixilharia que deslizam todos para o vão central, sendo protegidos por portadas metálicas em chapa perfurada. Estes painéis deslizantes permitem que o edifício possa apresentar-se todo aberto ou todo fechado, ou com graus diversos de abertura, destacando como elementos permanentes da composição a horizontalidade das lajes e a verticalidade dos vãos. O material utilizado no revestimento das fachadas é GRC (Glass Fiber Reinforced Cement) em cor cinza, provocando assim um contraste com o verde dos jardins, criando um edifício sereno mas dinâmico. Nos interiores predominam os pavimentos em madeira e as paredes brancas, proporcionando um espaço confortável e

FIGURA 6 VISTA GERAL

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neutro para uma melhor apropriação por parte dos residentes. Os corrimãos encontram-se no lado interior das caixilharias porque o edifício não tem varandas projectantes, mostrando assim que o espaço interior pode tornar-se exterior através da simples abertura das caixilharias e revelando que o edifício vive de sensações e da ambiguidade interior-exterior e privado-comum (Fig. 5).

Dessa forma O projecto desenvolvido procurou dar resposta à problemática da mobilidade e acessibilidade universal, revelando como a arquitetura pode resolver problemas e simultaneamente criar sensações, vistas e partilha de espaços. Mostrar que os sentidos devem ser despertados nas pessoas ao mesmo tempo que se cria cidade. Uma cidade que pode ser construída a partir da sua malha urbana e introduzindo pequenos gestos geradores de diversidade.

REFERÊNCIAS • Jornaldenegocios.pt, 2015. Em 2050, Portugal será o 4.º país mais envelhecido do mundo. [online] Disponível: http://www.jornaldenegocios.pt/economia/detalhe/ portugal_sera_o_quarto_pais_com_populacao_mais_ idosa_em_2050.html [acedido a 10 de Setembro de 2015]. • Lynch, K., 1990. A imagem da cidade. Lisboa: Edições 70 • FCG – Fundação Calouste Gulbenkian, 2015. O Nosso Km2. [online] Disponível: http://www.gulbenkian. pt/inst/pt/Fundacao/ProgramasGulbenkian/ DesenvolvimentoHumano?a=4109 • OMS – Organização Mundial de Saúde, 2009. Guia global das cidades amigas das pessoas idosas. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.

NOTAS 1 Este artigo é uma síntese da investigação de Projecto Final realizada no âmbito do Mestrado em Arquitectura da Universidade Católica Portuguesa, defendida por Lídio de Sousa em 2015, sob o tema “Habitação Intergeracional nas Avenidas Novas em Lisboa: vivência e partilha de espaços”. Orientação de António Carvalho (UCP) e co-orientação de Gonçalo Byrne (UCP).

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