“Habitat ” dos grupos de lobby são as comissões permanentes do Congresso

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_>>> Jornal Valor Econômico - CAD A - BRASIL - 30/10/2015 (22:40) - Página 12- Cor: BLACKCYANMAGENTAYELLOW Enxerto

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Sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Especial Ciência Politica Produção na Câmara e no Senado de autoria parlamentar supera a de origem no Executivo

Legislativo ganha poder depois do mensalão Cristiane Agostine De Caxambu (MG) Desde a crise do mensalão, o Congresso passou a dominar a agenda legislativa e conseguiu aprovar nos últimos dez anos um número maior de leis de autoria dos parlamentares do que as enviadas pelo Executivo. A inversão da lógica que marcava os dois Poderes, com o atual predomínio do Congresso sobre o Executivo nos projetos aprovados, é apontada pelo pesquisador do Ipea Acir Almeida, doutorando do Iesp/ Uerj, no estudo “Congresso Nacional: um novo protagonismo”. O trabalho foi apresentado na noite de quartafeira no colóquio de Estudos Legislativos, durante o 39 encontro da Associação Nacional de PósGraduação em Ciências Sociais (Anpocs), em Caxambu (MG). “Do início dos anos 2000 até 2014 observa-se que caíram tanto a taxa de sucesso do Executivo quanto a dominância na aprova-

ção das leis caíram de forma consistente. Não é algo diretamente associada à crise política atual. É um processo anterior”, diz Almeida.Nos últimos dez anos, o número de Medidas Provisórias editadas pelo governo federal caiu de forma significativa, assim como as propostas em caráter de urgência enviadas pelo Executivo. Ao mesmo tempo, aumentou o número de projetos dos parlamentares aprovados e as comissões permanentes tornaram-se mais atuantes. Durante o governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, a predominância do Executivo sobre o Congresso na agenda legislativa foi marcante. Em 1999, chegou-se a 192 projetos de leis com origem na Presidência e 39 com origem no Legislativo, sendo seis desses com caráter simbólico, como a aprovação de homenagens. No início dos anos 2000, depois da mudança no rito da edição das Medidas Provisórias, diminuiu o número de projetos de autoria do Executivo, mas o sucesso legis-

Leis não orçamentárias

Propostas com origem no congresso predominam desde 2007 Presidência 200

192 140

150

106 100

50

37

O lobby tem preferência definida para atuação no Congresso Nacional: as comissões permanentes. De acordo com um estudo do professor Manoel Leonardo Santos, da UFMG, lobistas avaliam que é mais relevante tentar influenciar a tramitação de um projeto de lei nessas comissões do que no plenário ou na presidência da Câmara e do Senado. Em uma pesquisa feita com 65 grupos que defendem interesses específicos no Congresso, as comissões permanentes aparecem no topo da lista de importância de atuação e são consideradas por 63,1% como “muito relevante”. A presidência do Legislativo aparece em segundo entre os locais “muito relevantes” para a ação , com 53,8% e o plenário, com 30,8%. “É nas comissões que os grupos de interesse enxergam uma porta de entrada para expor suas preferências ou tentar influenciar decisões políticas”, diz Santos. O estudo foi apresentado na noite de quarta-feira no colóquio de Estudos Legislativos, durante o encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação em Ciências Sociais (Anpocs), em Caxambu. Ao mesmo tempo em que apa-

recem como “muito relevantes” para lobistas, as comissões permanentes têm se mostrado cada vez mais atuantes e ganharam um novo protagonismo nos últimos dez anos no Congresso, conforme estudo do pesquisador do Ipea Acir Almeida, doutorando do Iesp/ Uerj (ver reportagem nesta página). Essas comissões podem votar projetos em caráter terminativo, isto é, sem que a proposta tenha que passar por votação em plenário. Dentro das comissões permanentes também estão os políticos que são alvos preferenciais dos lobistas no Congresso: os relatores de projetos de lei. De acordo com a pesquisa de Santos, os relatores são considerados mais relevantes do que o líder do governo ou líderes partidários. Dos entrevistados, 73,8% afirmaram que o relator é “muito relevante”. Líderes partidários, por exemplo, são considerados “muito relevantes” por 53,9% e líderes de frentes parlamentares, por 12,3%. “É no momento do relatório que ele [lobista] tem condições de oferecer informações, barganhar, tentar influenciar a inclusão ou retirada de alguma parte do texto. Ainda que o texto vá para o plenário, sairá da comissão já modificado, o

66

64 33 52

56 32

0

1989

1999

2007

2009

2014

Fonte: Ipea/Cebrap

lativo do governo federal continuou alto no Congresso. Em 2004, já no governo Luiz Inácio Lula da Silva, foram 79 projetos de autoria do Executivo ante 26 do Legislativo, sendo seis destas propostas dos parlamentares com caráter simbólico. No ano seguinte, com o mensalão, a agenda legislativa tornouse mais equilibrada entre as propostas aprovadas pelos dois poderes, mas posteriormente o Con-

“Habitat” dos grupos de lobby são as comissões permanentes do Congresso De Caxambu (MG)

Congresso (todas)

que aumenta o custo de reversão posterior”, afirma Santos. O estudo aponta que a oferta de informações aos parlamentares, como notas ou relatórios técnicos e emendas são moedas de troca que apresentam bons resultados, além da influência direta no conteúdo de um projeto. “Boa parte do lobby não é a compra do voto do parlamentar, mas sim a oferta de informações”, diz Santos. Dos entrevistados, 57% consideraram “altamente eficiente” oferecer notas técnicas. A participação em audiências públicas e em reuniões das comissões é uma das estratégias mais comuns dos lobistas para se aproximar dos relatores e tentar influenciá-los. Desde 2001, o aumento do número de audiências públicas tem sido significativo, apesar dos refluxos em períodos eleitorais. Só neste ano já foram realizadas 467 audiências públicas. Entre os grupos com maior participação estão a Confederação Nacional da Indústria, a Confederação Nacional dos Municípios, a Ordem dos Advogados do Brasil e a Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura. Apesar de não ser uma atividade regulamentada, o lobby é tra-

gresso passou a ter maior sucesso na aprovação legislativa. “Até o início dos anos 2000, tinha um padrão de dominância do Executivo. Percebemos uma mudança estrutural, que vai na direção de um Congresso mais atuante”, diz Almeida. “Existe uma tendência de queda da dominância legislativa da Presidência”, afirma o pesquisador. Além da inversão da dominân-

cia legislativa, o estudo mostra que o sucesso do Executivo na aprovação de suas propostas diminuiu. Ao mesmo tempo, as comissões permanentes passaram a ser mais atuantes. Essas comissões podem aprovar projetos em caráter terminativo, sem que esses textos tenham que passar pelo plenário, e têm sido alvo de lobistas, que buscam influenciar a tramitação de projetos (veja reportagem nesta página). “A produção das comissões permanentes da Câmara dos Deputados, que tinham um papel bastante secundário na aprovação das matérias do Executivo, adquiriram uma centralidade no processo bastante notável”, diz. Com a redução do envio de Medidas Provisórias pelo governo, que tiveram seu auge no governo Fernando Henrique Cardoso, a produção das comissões permanentes da Câmara - , que tinham papel secundário na aprovação das matérias do Executivo --, ganharam destaque.

O foco dos lobistas

Grupos de pressão centram sua atuação nas comissões e nas previdências das casas legislativas Relevância estratégica de cada arena política do Congresso Nacional - % Arena Política

Relevância Irrelevante

Pouco relevante

Relevância moderada

Relevante

Muito relevante

N/S

N/R

Total

0 0 0 4,6 1,5 6,2

0 3,1 10,8 10,8 21,6 21,5

3,1 10,8 21,5 21,6 26,2 30,8

29,2 27,7 32,3 41,5 29,2 29,2

63,1 53,8 30,8 16,9 16,9 6,2

0 0 0 0 0 1,5

4,6 4,6 4,6 4,6 4,6 4,6

100 100 100 100 100 100

Comissões Presidência Plenário Consultoria legislativa Mesa diretora Primeira-Secretaria

Relevância de cada posto-chave do Congresso Nacional - % Postos-chave

Relevância Irrelevante

Relator Líder do governo Líderes partidários Líder da oposição Presidentes das comissões Outros titulares das comissões que não o relator e o presidente Líderes das bancadas suprapartidárias e frentes parlamentares Membros da Mesa diretora

Pouco relevante

Relevância moderada

Relevante

Muito relevante

N/S

N/R

Total

0 0 0 0 0 0

0 1,5 1,5 6,1 1,5 3,1

0 0 10,8 18,5 7,7 43,1

23,1 24,6 29,2 30,8 46,2 36,9

73,8 70,8 53,9 41,5 41,5 13,8

0 0 0 0 0 0

3,1 3,1 4,6 3,1 3,1 3,1

100 100 100 100 100 100

4,6

10,8

27,7

41,5

12,3

0

3,1

100

3,1

12,3

36,9

32,3

10,8

0

3,1

100

Fonte: Elaboração própria com base no survey “Lobby e representação de interesses no Congresso Nacional” (UFMG/IPEA).

tado de forma profissional. Na pesquisa feita por Santos, 76,9% dos grupos que responderam à pesquisa afirmaram que existe um setor específico, de nível estratégico (diretoria, presidência, assessoria) dentro da organiza-

ção que representam para tratar de seus interesses no Congresso. No Congresso, há 17 proposições de regulamentação de lobby contadas desde 1984. O cadastro de grupos que atuam para defender interesses

Alvo do pedido de impeachment apresentado à Câmara com apoio da oposição, as pedaladas fiscais foram adotadas por diversos governos anteriores ao da presidente Dilma Rousseff e não justificam o afastamento da presidente do cargo. A análise é do professor Luiz Carlos BresserPereira, ex-ministro dos governos José Sarney e Fernando Henrique Cardoso. “Sempre houve pedaladas, não é crime nenhum. É até bom que agora esteja se levantando esse problema para fazer com que no futuro não se façam essas coisas”. Um dos destaques do encontro anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs), em Caxambu, Bresser-Pereira é categórico: “Isso é ridículo”, diz. Ex-tucano, o professor emérito da FGV critica a atuação do senador e presidente do PSDB, Aécio Neves (MG), na oposição ao governo e diz que, com isso, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, tende a ganhar espaço no PSDB para a próxima disputa presidencial, em 2018. “O grupo liderado pelo Aécio é

lastimável. É profundamente antidemocrático, é um oportunismo muito grande. Mas não acontece com Fernando Henrique, com Alckmin. Tenho dito a meus amigos que não votarei nele, mas acho que Alckmin será o próximo presidente. Ele tem condições. É o homem que está agindo de maneira sóbria”, diz. “A oposição terá nele um candidato quase que natural”. A eventual candidatura do senador José Serra (PSDB-SP) à presidência não é descartada por Bresser-Pereira, que acredita numa possível migração do tucano para o PMDB. Até 2018, analisa, o desemprego deve refluir e a conjuntura tende a melhorar, mas Dilma “dificilmente elegerá um sucessor”, afirma o ex-tucano. O ex-ministro descarta as possibilidades de golpe e impeachment contra a presidente e diz que a democracia está consolidada. Para Bresser-Pereira, que participou de um ato de apoio a Dilma no segundo turno de 2014, a presidente não é a “ideal”, mas é preciso defender a democracia e garantir a permanência do poder. “O governo da Dilma não tem legitimidade política, apoio da sociedade civil. Ela só tem o

apoio dos pobres. Mas isso de governar sem apoio da sociedade é comum. Aconteceu com Sarney depois do Plano Cruzado, com Fernando Henrique em boa parte do segundo mandato”. Defensor da permanência do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, no cargo, Bresser-Pereira afirma que a atual política econômica deve ser mantida mesmo sem Levy, apesar da pressão política enfrentada pela presidente, e considera um erro uma eventual nomeação do ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles. Na avaliação de Bresser-Pereira, o mais importante para resolver a crise econômica não é o ajuste, mas sim a valorização cambial, que já foi feita. “Dilma não volta atrás. Está convencida de que é isso mesmo que tem de fazer. Não vai recuar e não quer que o Levy saia”. Bresser-Pereira diz que é uma “bobagem” as críticas feitas até mesmo por petistas de que a presidente cometeu um “estelionato eleitoral” ao fazer o ajuste fiscal. “Quando ela declarava que ia continuar a política dela, ela estava convencida disso. Em outubro ela não tinha, nem ninguém no Brasil tinha ideia da crise eco-

nômica, da recessão que estávamos entrando”, diz. “Eu defendia um ajuste fiscal maior, me preocupava com as desonerações fiscais. Ninguém fez análise nenhuma, ela não sabia também. O que houve foi uma inabilidade política enorme. Quando Dilma viu a situação, tinha que ter feito uma discussão primeiro no seu partido depois com a sociedade e dizer: ‘aconteceu isso e vou ter que fazer isso’. Ela foi eleita e por dois meses desapareceu.” Para o ex-ministro da Fazenda, o PT errou ao promover a política de desoneração da folha de pagamento e por ter apostado em uma “apreciação cambial brutal”. Bresser-Pereira diz que o ajuste fiscal não é o mais importante neste momento para resolver o problema brasileiro. “ O mais importante é o câmbio, que já foi resolvido, pelo menos por enquanto. A economia começa a se recuperar no próximo ano – neste ano alguma coisa estará vai acontecendo. A indústria vai reagir”, afirma. Apesar dos elogios ao ministro da Fazenda, Bresser-Pereira diz que a nomeação de Levy significou uma “derrota” para os economistas “desenvolvimentistas e

específicos no Congresso tem aumentado de forma significativa na última década. Entre 2003 e 2014 foram feitos 619 cadastros , de acordo com levantamento feito por Santos com dados da primeira secretaria da Câmara. LEO PINHEIRO/VALOR

Acusação de estelionato eleitoral é “uma bobagem”, afirma Bresser De Caxambu (MG)

Em 1999, foram 185 propostas enviadas pelo governo federal, entre MPs e projetos com caráter de urgência. Segundo Almeida, a análise histórica da última década mostra um novo protagonismo do Congresso, que não está relacionado diretamente com crises pontuais do governo, como o mensalão. “O dado mais intrigante é essa mudança no processo legislativo”, afirma. As explicações sobre essa inversão diz Almeida, ainda têm de ser estudadas. “A maior dificuldade é analisar o protagonismo do Congresso, ocupando um espaço que nunca tinha ocupado”, afirma. Entre as hipóteses está a falta de apoio parlamentar ao governo, com a desarticulação na coalizão política. O estudo analisou dados de 1989 a 2014, do conjunto de leis ordinárias e complementares não orçamentárias (não incluídos os créditos adicionais), da Presidência e do Congresso.

Bresser: ex-ministro da Fazenda diz que era impossível prever dimensão da crise

pós-keynesianos”. “Significou que a presidente perdeu confiança em economistas dessa natureza e preferiu chamar um ortodoxo, o que acho perfeitamente razoável. No fundo, Lula já tinha feito quando colocou no Banco Central o Meirelles. Achou que com isso segurava, a parte econômica ficava mais sob controle. Lula se enganou totalmente a respeito do Meirelles. Ninguém fala que o grande erro econômico do PT foi cometido nos oito primeiros anos do governo Lula e não no governo Dilma e foi a apreciação cambial brutal que aconteceu de R$7 a R$ 2,2 a preço

de hoje. Quem comandou isso foi Henrique Meirelles, economista ortodoxo. É bem curioso”, afirma. “O fato concreto é que Lula tinha economista heterodoxo que era o Mantega, a Dilma conservou o Mantega , que é um homem correto mas não teve poder para enfrentar a própria Dilma e afinal foi um desastre. E o desastre caiu todo no colo da Dilma”. Mesmo com o aumento do desemprego e da inflação, o ex-ministro diz acreditar que não haverá um “colapso social” no país. Mas afirma que a insatisfação da classe média continuará marcando o governo Dilma. (CA)

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