Hábitos de consumo de informação em saúde entre estudantes de Educação Física, Enfermagem e Nutrição: o olhar do especialista em contraponto ao olhar do jornalista

September 28, 2017 | Autor: Amanda S. de Miranda | Categoria: Jornalismo de saúde
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Introdução

A saúde tem sido uma das grandes preocupações do homem moderno. Entre os séculos XX e XXI, grandes revoluções científicas promoveram um maior conhecimento do corpo humano, bem como a evolução de saberes que até então eram restritos somente aos círculos especializados. Hoje, boa parte dos cidadãos são capazes de compreender o que faz bem e o que faz mal para o seu corpo e para a sua vida. Cigarro e álcool prejudicam a saúde, açúcar e sal demais também. Em contrapartida, um volume de descobertas nos permite achar benefícios para o tomate, a banana e qualquer alimento natural nas prateleiras dos supermercados. Evidentemente, não foi sempre assim. E, no nosso entendimento, boa parte dos saberes acumulados dos quais a sociedade usufrui atualmente foram, em alguma instância, compartilhados pela mídia. Não se trata de uma visão deslumbrada: evidentemente, a educação formal, as influências familiares, o universo dos valores e da cultura também cumprem esse papel, mas o volume de informações sobre nutrição, estética, prevenção, saúde, doença e todas as suas nuances é tão grande que seria difícil encontrarmos alguém que jamais tenha lido, ouvido ou visto algo a respeito. Esta pesquisa parte justamente do entendimento de que há um discurso sobre saúde que circula na mídia e sedimenta hábitos junto aos receptores, numa relação de tensionamentos e disputa de sentidos. Os profissionais da área também não estão imunes a este discurso e recebem a informação veiculada pela imprensa da mesma forma que um cidadão comum, mas com pelo menos uma escala de mediação a mais: o conhecimento científico. Desse suposto conflito entre o que aprende na faculdade e o que recebe como informação midiática deriva nossa questão problema: como os estudantes dos cursos de Enfermagem, Nutrição e Educação Física recebem a informação jornalística especializada na área? Sugerimos, aqui, uma perspectiva voltada para a comunicação relacional, trazendo as contribuições de Quéré (1991) apud Carvalho (2009, p.26): “É na ação comunicativa, enquanto um pro-cesso de ‘publicização’, que as coisas e os seres adquirem sua 1

determinação - para todos os fins práticos - através da construção - através da construção de relações como um ‘NÓS’”. Este olhar aponta para uma perspectiva complexa das relações comunicacionais, que reconhece as especificidades de todos os sujeitos envolvidos no jogo da comunicação:

Nesse modelo, a comunicação não é mais vista como um ato exclusivo de disponibilizar um patrimônio comum, mas com a possibilidade de se construir esse mundo comum que será, por sua natureza de algo construído, sempre alguma coisa que está por vir (...) O cotidiano, com sua multiplicidade de ocorrências, torna-se palco das intersubjetividades, e não da permanente objetivação aprisionada das potencialidades comunicativas.

Nesse aspecto, podemos pensar o jornalismo a partir do aporte de diversas correntes teóricas, mas é importante afirmar que estamos influenciados por um paradigma que compreende a comunicação que se estabelece entre emissor e receptor do produto jornalístico como um jogo de intenções permeados pelo contexto e pela cultura. Na nossa pesquisa, precisamente como um jogo em que ambos os pólos da comunicação assumem a posição de sujeitos do discurso especializados em saúde. A partir do olhar para a dimensão narrativa da constituição da notícia, por exemplo, podemos refletir a luz da pragmática da comunicação, proposta por Motta (ANO). Por meio dessa abordagem, discute-se a reconfiguração da narrativa pelo olhar do leitor. Nesse contexto, cada leitura é uma reescrita, já que o receptor produz sentidos quando em contato com a notícia. Como o profissional da saúde em formação reescreve o texto especializado que chega a ele? A partir de que referenciais, de que contextos de mediação ele disputa ou produz sentidos em torno da notícia? Já pelo entendimento do jornalismo como gênero discursivo, conforme sugere Benetti (2012), podemos pensar que o contrato comunicativo que rege a relação entre as notícias especializadas em saúde e o leitor igualmente especializado tem conotações próprias, que passam pelo reconhecimento de que o discurso do jornalismo é diferente do discurso científico e, por isso, produz sentidos também diferentes. Uma outra abordagem possível, com a qual escolhemos nos filiar, coloca o texto 2

jornalístico como um produto imbricado na cultura, e a cultura como contexto que alimenta e é alimentada por tais manifestações. Como trataremos adiante, em um capítulo específico, trazemos o conceito de cultura da mídia (Kellner, 2001) para o centro de nossas reflexões, entendendo que as manifestações midiáticas - entre elas o jornalismo surgem a todo momento e fazem parte das nossas decisões e escolhas cotidianas. Também pelo viés culturalista, compreendemos a relação comunicacional de forma completa e complexa, reconhecendo os pólos de emissão e recepção como sujeitos em ação. Para

chegar

à

resposta

às

nossas

perguntas,

trabalhamos

com

dois

direcionamentos. Num primeiro momento, uma pesquisa quantitativa para mapear os hábitos de consumo da informação jornalística desses estudantes, precisamente os do primeiro e último ano de faculdade. Num segundo momento, partimos para um estudo de recepção cuio objetivo foi identificar como ocorre a interação entre os profissionais em formação e os produtos midiáticos.

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1. Jornalismo especializado em saúde O jornalismo especializado em saúde se consolidou como área de interesse do jornalismo entre os séculos XX e XXI, conforme aponta Miranda (2013). Isso aconteceu exatamente na virada de um século conhecido e marcado pelas revoluções científicas dentre elas o mapeamento do genoma humano, as pesquisas relacionadas à clonagem e às modificações genéticas, por exemplo. No período anterior, a temática já era investigada nas editorias de Ciência, mas hoje parece usufruir de relativa autonomia, dado o volume de pautas relacionadas ao tema. Alguns exemplos são marcantes. A Folha de São Paulo, um dos principais jornais do país, conta com uma seção de saúde e com programas de treinamento para repórteres em formação que pretendem se especializar nessa área de cobertura. As organizações Globo, principal conglomerado de mídia do país, também investe em produtos relacionados ao tema, vide a plataforma Bem Estar, na Internet, o programa televisivo Bem Estar e as séries do médico Drauzio Varella no dominical Fantástico. Conforme aponta Lopes (2013):

a comunicação mediática passou a ser entendida como o meio privilegiado para aumentar o conhecimento e a consciência das populações sobre os assuntos de saúde, bem como para influenciar as suas percepções, crenças e atitudes, muito para além do clássico modelo de comunicação médico-paciente. (Lopes et al 2012, p. 131).

O que antes era restrito ao espaço do consultório, hoje chega à sala de estar, pelos programas de televisão, ou aos escritórios, em nossos computadores, celulares e outros dispositivos por meio do qual nos conectamos ao mundo. Aqui, resta-nos alertar que nossa visão, no contexto dessa pesquisa, se enquadra em um conjunto de estudos que observam a mídia como uma das instâncias por meio das quais nossas relações se constituem na modernidade. Não estamos entre os apocalípticos, tampouco entre os integrados, em uma perspectiva de descrença ou crença total no produto midiático. Buscamos, isto sim, compreender o fenômeno comunicacional aqui estabelecido. Ao buscar esse entendimento, marcamos nossa posição de quem entende os pólos

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envolvidos no jogo comunicacional como sujeitos com plena capacidade de produzirem sentido acerca das notícias que circulam socialmente. Deste modo, buscar essa compreensão para a relação entre o jornalismo especializado em saúde e os profissionais da saúde em formação é uma maneira de compreender como os discursos se alinham ou se contrapõem diante de preocupações com o corpo e com a saúde. 1.2 Um breve histórico Por esse entendimento de que o jornalismo nada mais é do que um ator no âmbito social - e que, como tal, produz sentidos e é afetado por eles -, salientamos que nossa perspectiva de um resgate histórico do jornalismo especializado em saúde vem totalmente conectada à história da própria saúde e sua institucionalização no cenário nacional. Dessa forma, podemos destacar que os princípios de um jornalismo especializado em saúde no país surgiu no século XIX, no bojo do discurso das “tecnologias e controle e disciplina do corpo (…) para as medidas de controle coletivo, que priorizariam as regras sociais de prevenção” (Edler, 1998, p. 174).

Neste mesmo momento histórico, potencializa-se o termo “ordem médica”, a partir do qual o discurso da medicina e do médico surgem como discurso da verdade e da cura, em sua hegemonia e manifestação ideologicamente marcada (Miranda, 2013, 141).

Ainda de acordo com Miranda (2013), foi em 1870 que começou a ganhar espaço no país a chamada imprensa médica, que se abastecia de textos técnicos voltados especialmente para esse público, mas que certamente, pelo compartilhamentos de dados científicos, marcou a homogeneização do discurso entre seus adeptos. No século XX, precisamente na Era Vargas, a criação de um Ministério da Educação e Saúde deu novo tom às manifestações midiáticas em torno do assunto. A perspectiva era a da instrumentalização da população para lidar com doenças, especialmente as sanitárias. De forma metafórica, seria como dizer que o receptor, em contato com os produtos da imprensa, poderia ter acesso à cura. Para Araújo (2007), era um momento em que se “ignoravam as causas sociais das doenças e se confiava à educação dos 5

indivíduos a superação do atraso e a instalação de condições mais propícias ao progresso”. Esse entendimento moldava o receptor como um paciente, no sentido mais literal da palavra: um sujeito que espera pacientemente a salvação e, como uma tábula rasa, não reage ou não produz seus próprios sentidos a partir dela. Este cenário acabou se estendendo até meados da década de 1980, momento em que a reforma sanitária mudou os rumos da saúde pública no Brasil e, por consequência, influenciou diretamente no cenário da imprensa especializada. Conforme Miranda (2013):

O que mais chamou atenção no documento e na movimentação que ele gerou (...) foi uma concepção mais democrática da saúde. Nesse mesmo momento, (...) abre-se um amplo espaço para que a mídia atue também como difusora de práticas educativas e preventivas para a área. (p. 142)

Em um salto para o século XXI (evidentemente e propositalmente apressado, por conta dos limites dessa pesquisa), ocupamo-nos com um cenário mais complexo, do ponto de vista social, cultural e político. No mesmo movimento em que se aumenta o acesso aos tratamentos e à prevenção de doenças, no contexto de criação e difusão do Sistema Único de Saúde, aumenta também a preocupação do homem com seu bem estar e com a sua qualidade de vida. É aí que o discurso midiático começa a ocupar um lugar próprio - de normatizador, de guia para a qualidade de vida, de orientador de modos de ser e viver, seja na saúde, seja na doença. É aqui, também, que encontramos as bases para a nossa pesquisa e destacamos mais uma vez nossa questão-problema: de que forma se dá o diálogo entre o que está na mídia e o que está na cultura profissional do enfermeiro, do nutricionista e do educador físico? Há sobreposições de discursos ou cada qual ocupa seu lugar? Há disputas no que se refere ao protagonismo do discurso da prevenção? Buscaremos refletir sobre isso mais adiante.

1.3 Conceitos e debates Para além da sua história, descrita de forma breve no sub-item anterior, o jornalismo especializado em saúde precisa ser compreendido a partir de suas especificidades, qual seja, como um conceito que se relaciona a um campo específico da nossa vida social - a saúde -, onde se estabelecem relações institucionais - o homem e o hospital -, formais - o paciente e o

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médico -, informais - o amigo que lhe receita um chá, com diferentes espaços de interação e tensionamentos.

O jornalismo especializado em saúde vem ganhando a atenção de pesquisadores em paises como Portugal. No final de 2013, um grupo de estudiosos da Universidade do Minho lançou um e-book com uma série de reflexões sobre o assunto e sobre como é abordado no país. O livro, intitulado “A Saúde em Notícia: Repensando Práticas da Comunicação”, mostra a interface entre a comunicação, a educação e os ideias de prevenção e promoção da saúde. Há um entusiasmo crítico diante da possibilidade de os veículos de comunicação assumirem um papel cujas tarefas precisam ser postas a prova. Citando outros teóricos, Lopes et al (2013) elucidam onde reside o entusiasmo e onde se mostra a crítica:

Os media informam, explicam e enquadram temas de saude que podem ajudar o cidadao na tomada de decisoes sobre a sua propria saude. A cobertura deste campo deve ser 'precisa, equilibrada e completa', para que o publico esteja adequadamente informado e esteja preparado para participar na tomada de decisoes sobre os seus cuidados de saude. Se a cobertura for errada, desequilibrada ou incompleta, os cidadaos podem ficar com expetativas irreais e exigir dos medicos cuidados de saude de que nao precisam ou que lhes sejam prejudiciais (Schwitzer, 2008). Alguns academicos defendem ainda que a cobertura mediatica contribui para a imagem publica da ciencia e influencia a sua legitimaçao e representaçao social (Weingart, 2005 in Schafer, 2012: 651). Darrin hodgetts afirma que “os media ocupam um lugar central no processo de poder simbolico atraves do qual a saude e assuntos sociais sao definidos e as soluçoes legitimadas' (p.31)

Em que pese a crítica a termos como “adequadamente informado”, que nos levam a entender o fenômeno comunicacional como um mero processo de estímulo-resposta, entendemos que o jornalismo especializado em saúde assume um importante papel em uma sociedade na qual nem todos têm acesso à prevenção e a tratamentos garantidos: o de oferecer um conhecimento imediato sobre o tema. Não ignoramos, aqui, a noção dos estudiosos culturalistas, e entendemos que a mensagem midiática é permeada por sentidos e valores que nem sempre são transparentes ao leitor. Neste caso, entendemos

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fazer parte de um cenário de cultura da mídia (Kellner, 2001), no qual existem conflitos políticos, ideológicos, raciais, sexuais ou de gênero nos produtos midiáticos e que, de certa forma, também exercem um poder simbólico na sociedade. Tais problemas também são identificados no jornalismo especializado em saúde, que, muitas vezes, homogeniza tratamentos (quase sempre sob a ótica da medicina ocidental) e ignora questões culturais que permeiam as relações do homem com o corpo, com os medicamentos e com formas de prevenção. Assim mesmo, o segmento parece estar imunizado contra algumas das críticas que combatem o jornalismo feito pelas grandes empresas de comunicação. Para citar um exemplo, a fanpage do programa Bem Estar, matinal da Rede Globo tem quase três milhões de usuários e uma interação baseada em questionamentos sobre prevenção, tratamento, sugestões de pauta e pedidos de auxílio por parte do leitor. Em contrapartida, as páginas no Facebook do jornais tradicionais ou mesmo das revistas semanais de informação também contém críticas e questionamentos acerca de seleção da notícia e da sua credibilidade, mostrando que a natureza do contrato (Benetti, 2010) estabelecido com o receptor da informação é de natureza diferente, talvez assemelhando-se a um contrato que se firma dentro de um consultório médico. Neste aspecto, convém destacar que a credibilidade assumida pelo jornalismo especializado em saúde é dupla: além de alimentar-se de credibilidade do próprio jornalismo, alimenta-se também da credibilidade do discurso da Ciência e de suas promessas (Miranda, 2012). Tabakman (2013) tece reflexões sobre o assunto no manual “A Saúde na Mídia”, em que procura auxiliar médicos e jornalistas na compreensão do tema. A autora trata da questão falando sobre os efeitos que a informação em saúde podem gerar no público, considerando que “para cada dólar investido em informação sobre saúde são poupados dois dólares em tratamentos e consultas” (p. 121). Ela evidencia também que “conseguir que a mensagem seja bem decodificada pelos receptores é o grande desafio que preocupa (ou deveria preocupar) tanto médicos quanto jornalistas” (p.121). A autora lembra, ainda, que os assuntos sobre saúde não se restringem aos espaços informativos dos veículos de comunicação: estão também nas séries, reality shows, nas telenovelas e em programas de entretenimento. 8

Goldacre (2013) é um crítico do tratamento que a mídia dispensa à ciência e, em particular, à saúde. Conhecido por desmentir teses oferecidas pela imprensa, ele é enfático ao criticar os jornalistas que atuam na área, formados em ciências humanas, não em ciências biomédicas. Segundo ele, os profissionais de comunicação “pouco entendem sobre ciência biomédica, mas usam sua ignorância como se fosse um distintivo de honra” (p. 245).

(…) existe um ataque implícito em toda a cobertura sobre ciência na mídia: na escolha das histórias e no modo como elas são cobertas, a mídia cria um arremedo de ciência. Segundo esse modelo, a ciência não tem base prática, é incompreensível e formada por figuras de autoridade não eleitas, socialmente poderosas e arbitrárias, que fazem afirmações sobre verdades didáticas. (p. 246).

Evidentemente, há que se relativizar tal compreensão levando em conta que o universo da Ciência e do Jornalismo são distintos. Enquanto um trabalha com o método e é baseado na validação de seu caminhar por parte dos pares, o outro é feito em pouco tempo, espaço pré-definido e a partir de fontes com disponibilidade para interpretarem e contextualizarem determinados assuntos. O papel do jornalista não é fazer Ciência, mas levá-la ao público com ética, responsabilidade e pautando-se pelo interesse público. Tabakman (2013) e Goldacre (2013) revelam uma visão um tanto quanto maniqueísta do processo comunicacional que se estabelece entre emissor e receptor da informação em saúde. Enquanto a autora acredita no dever do jornalismo para com a prevenção e promoção da saúde, ele aponta o desserviço da mídia especializada na cobertura de assuntos da Ciência. O ideal, no nosso ponto de vista, é reconhecer que nas duas perspectivas existem coerências e incoerências e que um bom mediador para transformar as informações em saúde em produtos de qualidade para o público é o profissional especializado.

1.4 Saúde e cultura da mídia

Nesta pesquisa, nos filiamos teoricamente ao conceito de cultura da mídia, cunhado pelo filósofo britânico Douglas Kellner, no lastro dos estudos culturais. Trata-se 9

de uma escolha consciente, a partir de um entendimento de que seu olhar nos possibilita compreender os produtos do jornalismo em saúde como estando imersos em um contexto informacional claro - no qual a mídia não apenas propaga seus discursos, como se manifesta como cultura, impregnando hábitos, conceitos e normatizações. Para Kelnner (2001, p. 11), “a cultura, em seu sentido mais amplo, é uma forma de atividade que implica·alto grau de participação, na qual as pessoas criam sociedades e identidades”. De acordo com a sua reflexão, “a cultura modela os indivíduos, evidenciando e cultivando·suas potencialidades e capacidades de fala, ação e criatividade”.

A cultura da mídia participa igualmente desses processos, mas também é ·algo novo na áventura humana. As pessoas passam um tempo enorme ouvindo rádio, assistindo à televisão, freqüentando cinemas, convivendo com música, fazendo compras, lendo revistas e jornais, participando dessas e de outras.formas de cultura veiculada pelos meios de comunicação. Portanto, trata-se de uma cultura que.passou a dominar a vida cotidiana, servindo de pano de fundo onipresente·muitas vezes de sedutor primeiro plano para o qual convergem nossa atenção e nossas atividades, algo que, segundo alguns, está minando a potencialidade e a criatividade humana. ·

Assim, ao buscarmos entender como os textos da saúde que circulam na mídia são compreendidos por profissionais da área em formação, abrimos nosso olhar para uma situação complexa, na qual dialogam conhecimento científico, conhecimento popular e conhecimento jornalístico, em relação que hora pode ser de aproximação, hora de afastamento, mas que inevitavelmente será guiada por um contexto de recepção. Ainda segundo Kellner (2001):

Precisamos compreender uma contradiçao: a midia de fato manipula, mas tambem e manipulada e usada. Os estudos culturais britanicos tentam capturar essa contradiçao na distinçao entre codificaçao e decodificaçao, em que os textos da cultura da midia podem ser codificados das formas mais grosseiras, ideologicas e

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banais, mas o publico pode produzir seus proprios significados e prazeres com esse material. (Kellner, 2001, p. 142).

Desta forma, trazemos um olhar crítico acerca dos papéis do emissor - o produto jornalístico em si - e do receptor - no contexto da pesquisa, estudante em fase de formação na área da saúde. Este olhar crítico será útil na compreensão de que nem o jornalismo pode ser compreendido como um produto deslocado de seus interesses, nem o profissional pode ser entendido como alguém que não deve dialogar com esse discurso. Conforme Miranda (2013), “nas suas reflexões sobre a televisão, Kellner (2001, p. 14) destaca que a compreensão de produtos de notícia e de entretenimento veiculados pela mídia pode nos ajudar a compreender o meio social” (p. 6). Desta forma, é importante pensar que a inserção de programas de saúde na grade fixa de programação da emissora de televisão de maior audiência do Brasil sinaliza, de certa forma, uma aparente preocupação social com o tema. Mas essa preocupação também deve ser entendida dentro de determinados valores culturais e ideológicos, conforme argumenta o pensador:

Certos textos dessa cultura propõem pontos de vista ideológicos específicos que podemos verificar estabelecendo uma relação deles com os discursos e debates políticos de sua época, com outras produções culturais referentes a temas semelhantes e com motivos ideológicos que, presentes na cultura, estejam em ação em determinado texto. (KELLNER, 2001, p 123.)

Assim, reiteramos que nosso olhar está inteiramente relacionado ao cenário desenhado pelo filósofo, o que nos força a pensar no fenômeno comunicacional como uma relação complexa, que esbarra em tensionamentos e em acordos informais, negociações entre emissor e receptor que podem reiterar ou negar a informação em saúde que circula na mídia.

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2. Apresentação dos dados da pesquisa

Esta pesquisa foi desenvolvida em duas etapas: a primeira consistiu na aplicação de questionários junto a estudantes do primeiro e último ano dos cursos de Enfermagem, Educação Física (bacharelado e licenciatura) e Nutrição. O instrumento foi desenvolvido com o objetivo de identificar hábitos de consumo de informação jornalística especializada em saúde entre o público alvo, além de fornecer um panorama sobre as reflexões dos acadêmicos acerca da mídia. Por conta dessa múltipla finalidade, combinamos questões fechadas, em formato de múltipla escolha, com questões abertas e discursivas. Cabe ressaltar que não conseguimos atingir todo o público alvo planejado quando do início da pesquisa. Isso aconteceu porque a turma do último ano do curso de Nutrição não pode ser reunida em virtude dos estágios obrigatórios, que ocorrem fora do espaço de sala de aula. Já com relação ao curso de Educação Física, por se tratar de um curso recentemente credenciado, ainda não há formandos. Desta forma, nosso corpus conta com questionários respondidos por acadêmicos do primeiro e último ano de Enfermagem e dos primeiros anos de Nutrição e Educação Física. O objetivo de trabalhar com as fases iniciais e finais era justamente poder estabelecer uma comparação, mas no que se refere ao curso de Enfermagem, único em que a comparação tornou-se possível, percebemos que não há diferenças significativas com relação ao consumo de informação midiática. Desta forma, acreditamos que as mudanças e adaptações à pesquisa não comprometem nossa reflexão final. A segunda etapa da pesquisa foi desenvolvida a partir da análise dos questionários. Com as respostas dos questionários abertos, selecionamos quarenta alunos para participarem do grupo de foco na pesquisa qualitativa. Apesar do nosso esforço, nenhum acadêmico compareceu à dinâmica. Vislumbramos, então, a possibilidade de organizarmos o grupo de foco no espaço de sala de aula, na disciplina de Antropologia, junto aos alunos de Nutrição. Essa etapa será discutida em um outro relatório. A seguir, apresentamos os resultados dos questionários tomando por base apenas as questões fechadas.

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2.1 Análise dos hábitos de informação especializada em saúde

2.1.1 Resultados gerais

Um total de 140 acadêmicos dos cursos de Nutrição (primeiro ano), Enfermagem (primeiro e quinto ano) e Educação Física (licenciatura e bacharelado) responderam ao questionário, em sala de aula. Consideramos o alcance representativo, principalmente porque percebemos uma série de semelhanças e de tendências entre o público. De forma geral, 85,7% dos acadêmicos costumam acompanhar as notícias sobre saúde que circulam na mídia. O dado reforça nossa hipótese de que os textos midiáticos fazem parte do processo de formação dos acadêmicos, ainda que por vias informais. Por outro lado, enxerga-se, aqui, um cenário em que nossos discursos e formas de ver o mundo encontram-se imbricados e, em alguns casos, até conformados, com o cenário da cultura da mídia (Kellner, 2001). Um dos pontos a ser debatido nesse cenário é uma espécie de código dos produtos midiáticos, o código conflito-resolução, que “passa a noção ideológica de que todos os problemas podem ser resolvidos dentro da sociedade existente, seguindo-se comportamentos e normas convencionais (p. 130)”. De acordo com Miranda (2013):

São esses comportamentos e normas convencionais, por sua vez, que podem ser fixados no imaginário do receptor quando o assunto é a pauta dos programas da saúde. Se um determinado veículo, financiado por uma indústria farmacêutica, achar conveniente divulgar alguns dos seus produtos, é absolutamente possível que o faça por meio do jornalismo, levando como uma espécie de norma a indicação do seu consumo. Embora essa situação hipotética possa render celeumas do ponto de vista ético, a forma como as empresas de comunicação se constituem e sobrevivem nos mostra que não seria impossível. (p.5).

Essa reflexão também pode ser motivada pelo percentual de estudantes que acompanham as notícias de saúde sempre (8,5%) e quase sempre (65,7%), somando um total de 74,2%. É importante pensarmos que o índice é alto e demonstra que existe um diálogoentre os profissionais em formação e o produto midiático - diálogo esse aberto pelo

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receptor, que aceita o produto, qualquer que seja a sua forma, e interage com ele de diversas maneiras, por meio de um contrato comunicacional (Benetti, 2010), um contrato implícito que sedimenta nossas relações com o discurso midiático. Aqui, enfatizamos a necessidade da realização de um estudo qualitativo, já que o alto número de estudantes que acompanham as notícias não sinaliza, de forma alguma, que os produtos midiáticos exerçam algum tipo de influência sobre eles. Demonstra única e exclusivamente que existe um diálogo possível entre uma e outra ponta nesse processo comunicacional tão complexo. Com relação aos assuntos de maior interesse, há dados relevantes. O tema “doença” foi assinalado por 71% dos acadêmicos, mostrando, por um lado, um viés da busca pelo jornalismo de serviço (ou jornalismo utilitário), que traz informações importantes para o dia a dia do cidadão. Por outro lado, também revela uma face que precisa ser problematizada e que está diretamente ligada ao que chamaremos mais adiante de “midiapondria”, um paralelo à sociedade hipocondríaca e dependende de medicamentos. O segundo tema de maior interesse dos acadêmicos foi a alimentação, com 61,4% de marcações, seguido pela estética, com 48,5%. Se por um lado o dado reflete que a compreensão sobre o tema saúde é bastante abrangente entre o público, que também se preocupa com os cuidados com o corpo e qualidade de vida, por outro identificamos a possibilidade de que os meios de comunicação normatizem e redirecionem hábitos de vida dos cidadãos. Isso, evidentemente, deverá ser problematizado no estudo qualitativo, mas trazemos à tona a reflexão do antropólogo Le Breton, que nos ensina a relativizar o corpo, a não homogeneizá-lo e a entendê-lo no seu espaço social. Entre outras coisas, ele pondera ao falar sobre o domínio do modelo médico (que sistematicamente é reproduzido pelo discurso midiático), que corresponde “às condutas quotidianas das populações de classes médias de nossas sociedades, e corresponde menos àquelas das camadas populares” (p.58). Além disso, compreende que o corpo vive momentos de medicalização, da procura por novos tratamentos e pela perfeição estética. O sociólogo antevê, no discurso científico contemporâneo, o ideal do corpo como 14

sendo apenas um suporte, algo que pode ser aprimorado constantemente, cujo último nível de perfeição seria o dos ciborgs. Le Breton (2003) aponta para o conceito de “gestão de si”, segundo o qual o homem toma suas decisões pautado em desejos que acabam produzindo identidades que ele deseja assumir. Neste caso, identificamos que essas mesmas identidades nada mais são do que imagens as quais buscam alcançar.

A gestão de si ao modo da technè não é somente o fato de recorrer maciçamente à psicofarmacologia diante das dificuldades ou das sinuosidades da existência no cotidiano, revelando-se, também, em outras práticas sociais: o uso corrente das vitaminas, dos fortificantes, da diética, etc., a modelagem da forma do corpo: ginástica tonificante, aeróbica, regimes alimentares etc., cujo sucesso também se conhece hoje em dia. Essas práticas são modos voluntários de produção de si, de modelagem da identidade pessoal – elas testemunham um imaginário no qual o indivíduo se desdobra, faz do seu corpo um alter ego e se coloca diante de si como bio engineer ocupado em gerir seu capital físico ou afetivo, em retificar os erros que ele acredita descobrir em sua ‘máquina’, em otimizar e explorar seus recursos (Le Breton, 2003, p. 66).

Trata-se, portanto, de um interesse que pode estar diretamente relacionado ao nosso desejo de perfeição, ao desejo de que nossa máquina - o corpo - funcione a pleno vapor e se mostre esteticamente atrativa e interessante. Com relação aos assuntos de maior interesse também nos importa falar sobre o “não dito”, ou, nesse caso, sobre as opções que receberam poucas marcações. Entre estes, destacam-se os debates sobre bioética, selecionados por apenas 0,7% do grupo e as doenças psíquicas, com 18,5%. Nossa hipótese é de que os debates no campo da bioética estejam ocorrendo no ambiente da sala de aula e de que o universo das doenças psíquicas se encontre desconhecido demais para ser absorvido por meio de um produto midiático junto a um público especializado. Os estudantes também se mostram relativamente satisfeitos com a qualidade da informação que circula na mídia. 65,7% deles afirmaram que os produtos midiáticos quase sempre contemplam aquilo que eles desejam saber sobre a saúde. Apenas 14% raramente sentem contemplados quanto aos seus interesses. 20% estão plenamento

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satisfeitos. Apesar de os dados mencionados anteriormente registrarem um movimento de satisfação com relação ao consumo de mídia, 37,14% dos acadêmicos indicam que as informações são controversas e polêmicas. Isso indica uma relação dicotômica com o produto jornalístico: ao mesmo tempo em que respeitam e se sentem contemplados, sabem que as informações não podem ser relacionadas à realidade ou à verdade e que é necessário relativizá-las. Apesar disso um número também relevante de estudantes considera as informações importantes para se trabalhar estratégias de prevenção: 31,4%. Apenas 0,7% dos acadêmicos consideram que as informações que circulam na mídia não fazem diferença alguma para o receptor. Sobre os veículos por meio dos quais os acadêmicos se informam, a predominância é dos meios digitais e da televisão. A internet foi selecionada por 51,42% dos estudantes, e a televisão por 32,8%. Os dados refletem à ascenção dos portais e do jornalismo online como fontes de informação e registram que a TV continua tendo uma grande penetração junto ao público. Abaixo, apresentamos os dados separados por cursos.

2.1.2 Curso de Nutrição

A turma do primeiro ano do curso de Nutrição respondeu ao questionário-piloto, para que pudéssemos perceber alguma eventual falha de origem nas perguntas elencadas. De partida, destacamos a considerável adesão aos produtos midiáticos relacionados à saúde, com 83,72% dos respondentes afirmando que consomem esse tipo de informação. O resultado, de certa forma, vai ao encontro do que propõe Kellner (2001), de que o discurso midiático permeia a cultura e nossas relações sociais. Nesse aspecto, também destacamos que 67,44% dos acadêmicos do primeiro ano manifestaram que quase sempre estão em contato com algum produto midiático, sendo a mídia preferencial a internet (58,13%) e a televisão (39,53%). O dado pode ser justificado pela proliferação do uso de dispositivos como tablets e smartphones, de cujos aplicativos chegam notícias a qualquer momento, em qualquer espaço. Já a televisão, uma das mídias mais estudadas por Kellner (2001) continua tendo forte adesão: 16

Na, verdade,nossa tese é de que (...) programas de notícias e entretenimento da televisão pode ajudar-nos a entender nossa sociedade contemporânea. Ou seja, entender o porquê da popularidade de certas produções pode elucidar o meio social em que elas nascem e circulam, podendo, portanto, levar-nos a perceber o que está acontecendo nas sociedades e nas culturas contemporâneas (p. 14).

No que diz respeito aos produtos consumidos, os programas Bem Estar (58%) e as séries de Drauzio Varela (32%) lideram a preferência dos acadêmicos. Aqui, cabe evidenciar o que consideramos uma falha do questionário, já que se tratava de uma pergunta aberta, mas demos alguns exemplos dos produtos que os estudantes poderiam citar. Coincidentemente ou não, esses produtos lideram a preferência de quase todos os cursos. Com relação à temática que mais acompanham, os acadêmicos confirmaram a nossa hipótese de que se trata de assuntos ligados à alimentação (83,72%) Tal percentual pode manifestar o interesse dos acadêmicos em se informarem sobre assuntos que não chegam até eles por meio de outros canais, como a universidade, por exemplo. Mas também houve uma considerável adesão ao tema doenças (76, 74%). Tais dados podem apontar para um fenômeno que o filósofo Sfez (1996) denomina “utopia da saúde perfeita”, que seria sedimentado pela mídia. Segundo ele, “a informação sobre os problemas de saúde circula (...) entre as diferentes culturas, tendendo a homogeneizar as práticas particulares, e o vírus da ‘saúde’ tende a tornar-se universal”. É como se todas as nossas buscas convergissem para um ideal, cujas característas são determinadas pela sociedade, ou, em certos sentidos, até mesmo imposta.

O corpo vai à desforra, reaparece na frente do palco, exige cuidados, uma atenção constante, oferece-se como sujeito e como objeto. Radiografado, auscultado em suas menores dobras, substituído por pedaços, enxertado em todos os sentidos, prometido à sobrevida de seus órgãos, o corpo humano é fonte e foco de pesquisas, tecnocientíficas e paracientíficas, provocando uma inflação de proibições e de injunções que confluem num discurso de

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mídia bastante confuso e de práticas autoritárias até o totalitarismo: governos, comunidades científicas, “sábios” reunidos em comissões de vigilância chamadas “bioéticas” tomam medida sobre medida. (Sfez, 1996, p.41)

Destacamos que os estudantes de Nutrição também identificam o discurso midiático como um discurso de utilidade, já que 70,41% deles assinalaram que as informações que circulam quase sempre contemplam aquilo que eles desejariam saber. Acerca da qualidade das informações, os dados mostram uma certa contradição: enquanto 37,20% qualificam-nas como controversas e simplificadas, 34,88% consideramnas importantes para se trabalhar estratégias de prevenção. Tal dado nos leva a refletir que, embora vejam utilidade nos textos midiáticos, os profissionais em formação reconhecem que nem sempre eles são expostos de forma precisa e coerente.

2.1.3 Enfermagem Somente nas turmas de Enfermagem temos o elemento comparativo, do primeiro para o último ano, quando os profissionais já estão atuando na área. Apesar de nossa hipótese inicial ser de que os acadêmicos do quinto ano pudessem ser mais críticos do que os do primeiro, os dados não se confirmaram.O percentual de estudantes que acompanha as notícias que circulam na mídia, por exemplo, é alto nas duas turmas: 100% no último ano e 83,33% no primeiro. Nesse aspecto, inferimos que isso ocorre porque a necessidade de informação tende a crescer à medida que os acadêmicos se aproximam do final do curso. Esse dado também pode ser utilizado para entendermos a frequência com a qual os estudantes se informam pela mídia. No último ano, 81,25% afirmaram se informar quase sempre. O percentual cai para 66,66% entre os estudantes do primeiro ano, em que há também um número significativo (22,91%) que disseram que raramente se informam pela mídia. Com relação aos assuntos de maior interesse, novamente o grupo de alunos pesquisados mostra uma tendência muito semelhante. Entre os acadêmicos do primeiro ano, o maior interesse é por temas relacionados a doenças (79,17%) e descobertas 18

científicas (70,3%). O padrão se repete entre os pesquisados no último ano, com 81,25% de interesse nos temas doença e descobertas científicas. Aqui, cabe problematizarmos dois aspectos. O primeiro deles é sobre a necessidade de informações relacionadas à doença, padrão que se repete em todos os cursos pesquisados. Trata-se de um ponto cuja reflexão deve ser aprofundada em outras pesquisas, mas que já vem ocupando parte das discussões entre teóricos da área. Conforme aponta Gomes (2012):

Nos dias de hoje, as notícias de saúde são tidas como um produto cujo objetivo é ser vendido, sendo a saúde vista como uma mercadoria. Neste sentido, os meios de comunicação tendem a afastar-se dos verdadeiros problemas que inquietam a população, sendo a participação dos media na promoção da saúde quase nula. Em algumas circunstâncias, os media conseguem até ser contra 'certos pressupostos deste processo'. Isto acontece, pois, tendencialmente, veem a saúde como a ausência da doença, apoiando o consumo de determinados produtos para curar as ditas doenças (p. 344).

Isso nos leva a pensar, por exemplo, que o índice de público interessado nesse tipo de conteúdo pode motivar os produtores da informação a pensarem em pautas cada vez mais voltadas ao assunto. Assim, a prevenção pode perder espaço para a espetacularização da doença ou mesmo para o sensacionalismo baseado em depoimentos de cidadãos que sofrem de determinado problema. Trata-se, sim, de uma espécie de ciclo vicioso: o receptor pede, o emisso produz e gera uma espécie de dependência, uma espécie de “midiapondria” (Miranda, 2013). O outro aspecto diz respeito à questão da descoberta científica. Aqui, cabe salientarmos que a mídia exerce duplo papel - ao mesmo tempo em que pode sedimentar hábitos, imaginários e levar informações sensacionalistas aos cidadãos, ela também tem o dever de informar. Muitas das descobertas sobre a Ciência e Tecnologia que chegam aos jovens em formação não vêm por meio dos periódicos especializados, mas sim por meio da imprensa, trazendo à tona também sua função social. No que se refere aos veículos que os acadêmicos escolhem para se informar,

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novamente a Internet aparece como grande destaque, com 50% dos alunos do primeiro ano elegendo-a como principal fonte de informação, e 43,75% dos estudantes do último ano fazendo a mesma opção. Apesar disso, 32,75% dos acadêmicos, somados os grupos, citam um programa de televisão como referência na área, o Bem-Estar, da Rede Globo. Sobre a qualidade da informação, os números novamente indicam semelhanças entre as turmas de primeiro e último ano. Nas fases iniciais, a maior parte dos acadêmicos (62,5%) revela que quase sempre os meios contemplam aquilo que o grupo deseja saber. O número sobe para 68,75% entre acadêmicos do último ano. No que se refere ao atributo das informações, entre o último ano, 31,25% consideram importantes para trapabalhar estratégias de prevenção, mas outros 31,25% consideram-nas controversas e simplificadas, revelando uma aparente dicotomia. Já no primeiro ano, o número de acadêmicos que escolheram esta opção sobe para 39,58%, com apenas 25% considerando a imprensa um veículo importante para divugar estratégias de prevenção.

2.1.4 Educação Física - Licenciatura Entre os acadêmicos do primeiro ano do curso de Educação Física - Licenciatura, 77,78% costumam acompanhar as notícias sobre saúde que circulam na mídia, sendo que 66,67% deles quase sempre têm acesso ao produto jornalístico. Trata-se do menor número entre todos os grupos pesquisados, proporcionalmente. Com relação aos assuntos de maior interesse, a ênfase se encontra na alimentação (66,67%) e na estética (66,67%), dois dos principais focos do curso. Também de acordo com o padrão já observado entre os outros cursos, um número considerável (50%) registra interesse no tema doenças. As descobertas científicas interessam a 44,44% dos estudantes. Novamente, a Internet aparece como principal difusora das informações, com 50% dos estudantes considerando-na a maior fonte de informação. A televisão também atrai 33,33% dos acadêmicos, cujo principal produto de interesse é o Bem-Estar, da Rede Globo (61,11%). Com relação à qualidada da informação, 61,11% afirmam que quase sempre 20

contemplam às suas necessidades. Apesar disso, é alto o percentual de respondentes que considera o conteúdo divulgado pela mídia controverso e simplificado (50%). O índice de estudantes que considera as informações completas e eficientes também é alto (65,56%), revelando que os acadêmicos apresentam uma relação de dualidade e conflito com a mídia - ao mesmo tempo em que acham-na importante, consideram que existem dados que precisam ser questionados.

2.1.5 Educação Física - Bacharelado

Entre os acadêmicos do curso de Educação Física - Bacharelado, as tendências verificadas entre os outros grupos de análise também se confirmam. Dos 15 acadêmicos que responderam o questionário, 80% afirma acompanhar as notícias sobre saúde que circulam na mídia e 53,33% responderam que o fazem quase sempre. Os assuntos preferenciais são semelhantes aos registrados no grupo de Educação Física - Licenciatura: 93,3% se interessam pela pauta de alimentação e 86,67% têm interesse pela estética. Também há um número considerável de estudantes que procuram assuntos relacionados à doença (40%), outra tendência observada junto aos outros cursos. A televisão e a Internet dividem, com 46,67% o interesse dos estudantes. Além disso, 66,66% registram como programa que mais assistem o Bem-Estar, da Rede Globo. Com relação à qualidade do que consomem, 73,3% indicam que quase sempre a informação que circula na mídia contempla aquilo que o acadêmico deseja saber. Entre o grupo, 33,33% consideram-nas importante para trabalhar estratégias de prevenção, 26,67% acham que as informações são controversas e simplificadas e 20% destacam que são completas e eficientes.

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3. Em busca de conclusões Rejeitamos a ideia de que um trabalho ainda em andamento possa ter alguma espécie de conclusão. Temos, a bem da verdade, novas perguntas para o tema que inicialmente nos inquietou: como se dá o processo de diálogo entre emissor e receptor do produto midiático? O produto jornalístico é capaz de influenciar de alguma maneira o modo de entender o corpo, a saúde e a doença por parte de um público em fase de especilização? As principais perguntas dessa pesquisa permanecem e aguardam a fase qualitativa desse trabalho. Entretanto, tivemos acesso a dados que nos auxiliam na compreensão do fenômeno que denominamos como “midiapondria”. Ao mesmo tempo em que existe uma dependência da medicalização e da indústria farmacêutica, também existe uma espécie de overdose de informações chegando à imprensa a todo momento. Entendemos que isso obedece a um ciclo: só há oferta porque há procura. Quanto maior a procura, maior a oferta. Estamos observando esse fenômeno do ponto de vista acadêmico desde 2012, com pesquisas e estudos que buscam entender como a imprensa tomou a saúde como uma das suas grandes pautas na modernidade. Entendemos que, em parte, é pela amplitude garantida ao discurso médico, que tem amplo espaço nos meios de comunicação, sejam eles de mídia impressa ou eletrônica. O médico ou o especialista em saúde saiu do seu consultório para expor receitas, modelos e formas de prevenção a um amplo público. Por fim, salientamos a necessidade urgente e imediata de aproximação entre os campos da comunicação e da saúde, algo que tradicionalmente vem ocorrendo no espaço de elaboração de políticas públicas, mas que também deve se voltar para o espaço do ensino universitário. Profissionais em formação devem conhecer as potencialidades e fragilidades dos meios de comunicação para utilizá-los de forma crítica e consciente no sentido de articular novas estratégias de prevenção junto aos seus pacientes.

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ANEXOS

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