Hannah Arendt e a política excêntrica. In Multitextos - Revista do Decanato do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-RJ, Julho de 2008

June 3, 2017 | Autor: André Duarte | Categoria: Politics, Hannah Arendt
Share Embed


Descrição do Produto

Hannah Arendt e a política excêntrica André Duarte



“...estou convencida de que tão importante quanto confrontar impiedosamente todos os desesperos intrínsecos do presente é apresentar todas as esperanças inerentes a ele”. Hannah Arendt “El trabajo de un grupo es un trabajo de liberación. Un grupo de trabajo es una alianza de amigos.” Coletivo Espai en Blanc

À primeira vista, o título destas breves considerações não parece lisonjeiro à autora que pretendemos homenagear em seu centenário de nascimento. Celebração, aliás, mais do que merecida, visto que ninguém melhor que Hannah Arendt compreendeu as implicações político-filosóficas da natalidade, que ela entendeu como a capacidade genuinamente humana de dar luz ao novo, ao inesperado, aos eventos políticos.1 Em uma primeira interpretação, caracterizar o pensamento de um autor como excêntrico é o mesmo que colocá-lo à margem, à distância do centro, longe do foco de atenção do público especializado e, portanto, longe também do interesse do público em geral. Inúmeros são os pensadores cujas excentricidades os relegaram ao rol das prateleiras empoeiradas. Tal caracterização, se entendida desta maneira, seria não apenas deselegante, em se tratando de uma homenagem; seria mesmo incorreta. Afinal, isolamento ou ostracismo não é o que parece ocorrer com o pensamento arendtiano, que desperta cada vez mais interesse entre especialistas em teoria política e filosofia política, bem como entre o público letrado em geral, no Brasil e no mundo. Mas então, em que sentido faz sentido homenagear um pensamento caracterizando-o como excêntrico? Por um lado, é certo que o crescente interesse pelo pensamento de Arendt é sinal que ele está sendo finalmente reconhecido como central para os debates teóricos sobre a política no presente. Por outro, o problema é que tal reconhecimento parece se dar às expensas do caráter intempestivo e radical de sua Professor do Departamento de Filosofia da Universidade Federal do Paraná e Pesquisador do Cnpq. A definição do pensamento arendtiano como político-filosófico, e não como uma filosofia política, não é casual, mas diz respeito à desconfiança crítica da autora em relação à filosofia política ocidental, que teria relegado a política, em suas determinações democráticas essenciais, ao esquecimento. Por sua vez, Arendt definia-se como uma teórica da política, mas é bastante evidente que a filosofia constitui um importante arcabouço de conceitos e problemas a partir dos quais a política e a filosofia política são repensadas. ∗

1

1

reflexão, sobretudo quando Arendt é aproximada e assimilada às principais correntes teóricas da teoria política contemporânea.2 Afinal, sabemos que ela se sentia confortável no papel de maverick thinker, isto é, como pensadora independente e não conformista no cenário intelectual norte-americano e mundial; sabemos também que ela gostava de se definir, em alusão a um poema de Schiller, como ein Mädchen aus der Fremde, como a menina vinda do estrangeiro, da distância, ou seja, como alguém que, por não se reconhecer como pertencente ao seu tempo e ao lugar que ocupa no mundo, tornou-se capaz de ver o presente com olhos aguçados e desconfiados.3 Na perspectiva assumida pela presente reflexão, portanto, caracterizar o pensamento político-filosófico de Arendt como excêntrico e à margem não significa roubar-lhe a dignidade e a capacidade de elucidar os problemas políticos do nosso tempo, pelo contrário. Trata-se, por outro lado, de fazer justiça a um pensamento contundente e extemporâneo, abrindo espaço para considerar a política excêntrica favorecida por este pensar que causa estranhamento, que é estranho aos debates centrais do pensamento político contemporâneo, ocupados com a fundamentação moral e cognitiva da prática política. Trata-se, portanto, de homenagear um pensamento que se coloca num lugar ‘outro’ para pensar uma ‘outra’ política e suas possibilidades no presente, um lugar distanciado, estrangeiro, periférico – será por isso que tantos de nós, brasileiros, se interessaram pelo pensamento arendtiano? Para frisar o caráter excêntrico e extemporâneo do pensamento político arendtiano, basta recordar que, em meados dos anos cinqüenta, quando lhe propuseram escrever uma Introdução à Política, Arendt se entregou a um longo questionamento orientado pela pergunta: “o que é a política?” Quem se proporia tal questão nos dias que correm? Tal questionamento implica não possuir uma resposta canônica para a pergunta; mais ainda, implica desviar-se das respostas já dadas, assumindo que, talvez, já não saibamos mais de que se trata quando se fala em política: “a política ainda tem um sentido?”4 2

SAUHÍ, A. Razón y Espacio Público. Arendt, Habermas y Rawls. Mexico, DF: Ediciones Coyoacán, 2002. Cf. “Hannah Arendt on Hannah Arendt”. In HILL, M. The Recovery of the Public Realm. Nova York: St. Martin’s Press, 1979; veja-se também a declaração de Arendt a Joachim Fest, datada de 1964. “Das Mädchen aus der Fremde”. In Der Spiegel, n. 38, 13.09.2004, p. 143. 4 ARENDT, H. Was ist Politik? Aus dem Naclaß. Editado por Ursula Ludz. Munique: Piper Verlag, 1993. A tradução nacional de Reynaldo Guarani, O que é a política? RJ: Bertrand Brasil, 1998, não é recomendada, pois contém inúmeros erros graves de tradução e de revisão. Pode-se consultar a tradução francesa: Qu’est-ce que la politique?de Sylvie Courtine-Denamy. Paris: Seuil, 1995. 3

2

A presente reflexão toma como ponto de partida o diagnóstico arendtiano a respeito da crise da política na modernidade, definida em termos da sua crescente perda de autonomia em relação ao âmbito das necessidades econômicas e de seus de imperativos estratégicos violentos e privatistas. Tais fenômenos geram não apenas despolitização, desinteresse e apatia entre os cidadãos, como também, freqüentemente, reduzem a política à violência. Em face destes problemas contemporâneos, trata-se de avaliar a reconstituição arendtiana dos traços fenomenológicos da ação política e do espaço público, tendo em vista responder à seguinte pergunta: qual política se deriva dessa fenomenologia da ação e do espaço público? A hipótese que orienta estas considerações é a de que Arendt pensa a ação política genuinamente democrática como não-teleológica e excêntrica. Para Arendt, a ação política é um fim em si mesmo e não um meio para a realização de fins predeterminados, condição que, por sua vez, opera uma transfiguração do ser dos agentes políticos e do próprio espaço público em que eles aparecem. A ação política democrática, sendo nãoteleológica e excêntrica, transforma o caráter privado e solipsista da subjetividade burguesa moderna, pois o ator democrático, definindo-se na e a partir da relação com uma pluralidade de outros agentes, deixa de ser o centro, isto é, deixa de ser a fonte de justificação das motivações e metas de seu agir. Tal ação e tal política, portanto, escapam às exigências tradicionais da fundamentação racional-moral, recusam a submissão da práxis às coerções da verdade, bem como ignoram a exigência de cumprimento de qualquer finalidade histórica. Não por acaso, tal política há de nos parecer estranha e excêntrica, acostumados que estamos à repetição do mesmo, na certeza de que nada de novo surgirá sob o sol escaldante do deserto político do presente. Se, ao final, pudermos indicar alguns exemplos dessa prática política descentrada, teremos então de voltar os olhos para as margens, isto é, para formas de auto-organização, ainda incipientes, porém manifestas na formação de coletivos de reflexão e atuação política subversiva em relação àquilo que se aceita como o consenso inquestionável a respeito da política de nosso tempo. Em textos anteriores, procurei caracterizar o diagnóstico crítico que Arendt elaborou em relação às condições de impossibilidade da política na modernidade e no mundo

3

contemporâneo, motivo pelo qual serei breve a este respeito nesta oportunidade.5 Não é de pouca importância para o posterior desenvolvimento do pensamento político da autora, que ela tenha inaugurado seus exercícios de compreensão da política e de seus dilemas cruciais no presente por meio de uma análise do fenômeno totalitário, que, segundo ela, explodiu as categorias políticas e morais da tradição da filosofia política ocidental.6 Tal início, desde o princípio comprometido com o esclarecimento do caráter inédito e original, sem precedentes históricos, da dominação totalitária, fez com que a autora já não pudesse se dar ao luxo de extrair aquilo que foi bom no passado e simplesmente chamá-lo nossa herança, deixar de lado o mau e simplesmente considerá-lo como um peso morto, que o tempo, por si mesmo, relegará ao esquecimento. A corrente subterrânea da história ocidental veio à luz e usurpou a dignidade de nossa tradição. Essa é a realidade em que vivemos. E é por isso que todos os esforços de escapar do horror do presente, refugiando-se na nostalgia por um passado ainda eventualmente intacto ou no antecipado oblívio de um futuro melhor, são 7 vãos.

Estas palavras contundentes, com as quais a autora concluiu o prefácio à primeira edição de Origens do Totalitarismo, não dizem respeito apenas ao contexto imediato de sua primeira grande obra, mas iluminam, retrospectivamente, as linhas gerais de todo o desenvolvimento posterior de seu pensamento político-filosófico, merecendo, pois, toda atenção. Arendt entende que o fenômeno totalitário impôs uma ruptura entre presente e passado, cindindo os elos hermenêuticos que permitiam compreender o presente e antecipar o futuro, recorrendo à consideração dos acontecimentos do passado. O fenômeno totalitário não pode ser considerado como mero acidente no curso virtuoso da história ocidental, o que também implica que o passado deixou de ser uma herança imaculada, destinada a ser recuperada e aplicada no presente. O fenômeno totalitário não é um “peso morto”, um acontecimento pretérito que o escoar do tempo nos fará esquecer, pois “usurpou a 5

DUARTE, A. “Biopolitics and the dissemination of violence: the Arendtian critique of the present. In: Hannah Arendt. Critical Assessments of Leading Political Philosophers. Ed. Abingdon, UK: Routledge, 2006, v.3, p. 408-423; uma versão em português deste texto se encontra in Duarte, A.; de Magalhães, M.B.; Lopreatto, C. (orgs.) A banalização da violência: a atualidade do pensamento de Hannah Arendt. RJ: Relume-Dumará, 2004. 6 ARENDT, H. “Understanding and politics”. In KOHN, J. (ed.) Essays in Understanding 1930-1954. Nova York: Harcourt Brace, 1994, p. 309-310. 7 Arendt, H. Origens do Totalitarismo. SP: Cia das Letras, 2000, p. 13.

4

dignidade” do próprio passado do qual ele brotou, exibindo “a corrente subterrânea da história ocidental”. Esta tese a respeito da ruptura operada pelo totalitarismo no âmago da história ocidental precisa ser devidamente compreendida, pois não significa nem que o fenômeno totalitário não possua vínculos com o passado histórico do ocidente, como se ele tivesse surgido do nada, nem, tampouco, que o próprio passado tenha se tornado ininteligível ou mesmo desprezível para a compreensão e renovação do presente.8 Tratavase de pensar os elementos históricos do passado recente (em particular, do século 19 e das primeiras décadas do século 20) que se cristalizaram no evento totalitário, tarefa que Arendt cumpriu em Origens. Mas também, ampliando o escopo da análise, tratava-se de pensar o contexto histórico e teórico da modernidade e do Ocidente como um todo, visto que este foi o solo do qual emergiu a catástrofe totalitária, tarefa que a autora levou a cabo em A Condição Humana e em alguns dos ensaios que compõem a coletânea Entre o Passado e o Futuro. As suas afirmações na seqüência do referido prefácio parecem-me ainda mais proféticas, pois ali se vislumbra todo o caminho futuro do seu pensamento. Arendt declara que o pensamento político não pode pretender escapar ao horror da realidade política tal como experimentada no presente, recusando, deste modo, como impossíveis, as alternativas teóricas que recomendariam um retorno nostálgico ao passado, ou o esquecimento cínico da fratura totalitária por meio da antecipação de um mundo melhor, o mundo pós-totalitário das democracias realmente existentes, como se aí se encontrasse o verdadeiro antídoto contra o mal absoluto do genocídio industrializado e burocratizado. Para Arendt, o século vinte testemunhou o obscurecimento da experiência democrática radical, tanto em função do crescente emprego da violência por parte do Estado, elevado ao paroxismo no fenômeno totalitário, quanto pelo processo histórico de privatização da esfera pública, isto é, pela transformação estrutural da esfera pública no espaço social das trocas econômicas de uma sociedade constituída por cidadãos reduzidos à função básica de trabalhadores-consumidores, fenômeno que acarretou a crescente perda de autonomia do político em relação ao âmbito das necessidades econômicas, pensadas como

8

Desenvolvi estes argumentos em meu livro O pensamento à sombra da ruptura: política e filosofia em Hannah Arendt. RJ: Paz e Terra, 2000. Veja-se, mais particularmente, DUARTE, A.. “Hannah Arendt e o evento totalitário como cristalização histórica”. In Origens do Totalitarismo, 50 anos depois. Org. Aguiar, O., de Almeida, J.C. Silva, Batista, E. RJ: Relume-Dumará, 2001.

5

necessidades vitais, próprias de um contexto biopolítico. Para espanto e incompreensão de muitos intérpretes, particularmente nos Estados Unidos, a mesma pensadora que estabelecera a comparação estrutural entre o nazismo e o stalinismo, recusou-se, em sua segunda obra, A Condição Humana, de 1958, a esposar francamente a democracia liberal parlamentar e a economia de mercado como os modelos normativos de seu pensamento político. Ao contrário, Arendt apresentou em A Condição Humana uma crítica vigorosa da modernidade e do estado de bem-estar social, afirmando que, em função de múltiplos fatores históricos e sociais modernos, as condições de possibilidade do exercício democrático radical da política estavam a ponto de se exaurir nas democracias realmente existentes do mundo pós-totalitário, nas quais a política transformara-se em administração burocrática das necessidades vitais da sociedade. Nas páginas que se seguem, tentarei extrair do pensamento de Arendt as linhas gerais de uma política ‘outra’, em confronto com os processos contemporâneos de despolitização tecnocrática e de gestão biopolítica dos interesses vitais da sociedade dos produtores-consumidores, isto é, do animal laborans. Bem entendido, Arendt não chegou a formular explicitamente o projeto teórico de uma nova política, aspecto que seria contraditório à sua exigência de não submeter o campo de experiências do político a um princípio normativo extra-político, de natureza moral ou epistemológica. Deste modo, as seguintes notas a respeito da política excêntrica, que penso estar contida de maneira fragmentária e incipiente no âmago da reflexão arendtiana sobre as determinações essenciais do fenômeno democrático originário, não pretendem constituir um sólido plano de ação a ser efetivamente cumprido. Antes, tais notas pretendem apenas contribuir para ressaltar certas possibilidades e experiências marginais de organização política de nosso tempo, as quais se constituem na ausência de qualquer certeza ou expectativa quanto a sua eficácia, isto é, no abandono da ansiedade pelo alcance de resultados previsíveis e calculáveis. Se a política, tal como pensada por Arendt, ainda tem algum sentido, provavelmente ela deve se encontrar nas pequenas “ilhas de liberdade” em meio ao oceano do obscurecimento cotidiano do interesse pela política, em meio à própria impossibilidade de exercício de uma política autônoma e livre em nosso tempo.

6

Para enxergar no pensamento arendtiano os traços teóricos que permitem ressaltar esta política ‘outra’, disto que venho chamando de uma política excêntrica, é fundamental compreender que sua reflexão sobre a ação e o espaço público não constitui nem a descrição empírica de casos concretos, à maneira das ciências políticas, nem a formulação de um modelo ideal normativo, conceitualmente perfeito e fechado, à luz do qual pudéssemos avaliar criticamente a realidade política do presente, à maneira das filosofias políticas tradicionais. Por sua vez, Arendt procurou desenvolver uma fenomenologia da ação política e do espaço público, visando desencobrir e trazer à luz suas determinações democráticas essenciais, recorrendo, para tanto, a uma análise fragmentária da constituição da experiência democrático-republicana originária, greco-romana, cujo núcleo essencial se encontraria preservado, ainda que precariamente, na linguagem política do ocidente. Retornar a esse núcleo originário da experiência política ocidental não significava pretender repetir no presente um conjunto de acontecimentos pretéritos, mas visar, no passado, aquilo que nele é ainda novo, não tematizado, verdadeiro manancial de possibilidades políticas encobertas e não transmitidas pela filosofia política. Tratava-se, pois, de explorar o que ainda pode ser a política no presente a partir de uma reflexão nada nostálgica, que enxergava no passado greco-romano não um modelo a ser imitado pelos modernos, mas sim um potencial de experiências que, não esgotadas, são ainda novas e inovadoras. Eis como defino o projeto de reflexão político-filosófico de Hannah Arendt: uma descrição fenomenológica daquilo que a experiência política pode ser, a partir de uma análise de fragmentos das experiências políticas que inventaram a democracia e a república, tendo em vista compreender certas experiências políticas excêntricas do presente. Nem saudosismo nostálgico, satisfeito em lamentar aquilo que ‘foi’ a política antiga; nem a arrogância teórica de pretender determinar, pela construção racional de modelos normativos, aquilo que a (boa) política ‘deve’ ser; antes, e por outro lado, a discussão daquilo que ‘é’ a política, à luz da descoberta, no passado, daquilo que ela ainda pode ser, hoje e no futuro. Para Arendt, gregos e romanos descobriram o caráter genuíno da ação política na medida em que a exerceram como um fim em si mesmo, e não como apenas um meio ou instrumento para a realização de fins predeterminados. Numa fórmula algo enigmática, Arendt afirmou que, “Para ser livre, a ação tem de ser livre de motivos, por um lado, e de

7

seu objetivo intencionado enquanto um efeito previsível, por outro”.9 Como compreender tal afirmação? Evidentemente, Arendt não pensa que a ação política autêntica seja desprovida de fins e de motivações prévias, o que seria absurdo. O que ela quer enfatizar é que a ação política genuína, em seu caráter de pura manifestação da liberdade humana, possui sentido apenas na medida em que excede a justificação de motivos, bem como na medida em que ultrapassa a consideração de sua eficácia ou efetividade, isto é, sua capacidade de alcançar os fins intentados. Não se nega que todo agir tenha motivos e objetivos, apenas se afirma, mas isto não é pouco, que o sentido da ação livre não se subordina a eles, pois os transcende, sendo mais produtivo que qualquer motivação ou objetivo previamente definidos, pois a ação livre instaura novas e imprevisíveis relações entre os homens no espaço público. Ao transcender motivos e objetivos, a ação livre se origina da adesão dos agentes a princípios gerais que não pertencem à ordem da subjetividade, pois dizem respeito à qualidade mundana do espaço público no qual certos atos são possíveis. Tais princípios não são uma criação racional, abstrata e ideal, mas radicam na própria tradição política ocidental, isto é, estão enraizados na história da prática e da reflexão política do ocidente: no âmbito democrático-republicano, por exemplo, podem-se enumerar os princípios da solidariedade para com o outro, do amor à igualdade de direitos e à justiça, bem como o apreço pela felicidade pública, pelo prazer de discutir e atuar coletivamente, questionando, criticando e renovando o espaço político constituído. De todo modo, o aspecto importante é que tais princípios não se confundem com quaisquer motivações psicológicas dos atores, mas permanecem como fontes de inspiração que fazem com que as ações no espaço público sejam tais ou quais, constituindo-se como os “critérios de acordo com os quais toda a vida pública é conduzida e julgada”. 10 Quem é capaz de agir sob a inspiração de um princípio geral não perde de vista seus fins e motivações particulares, mas tampouco transforma tais fins e tais motivações em justificações de sua ação. Em outras palavras, ao centrar sua atenção nos princípios políticos diretores do agir, os quais só se tornam manifestos na performance do ato, Arendt considera a ação e seu significado como independentes da prévia necessidade de justificação racional-moral de fins e motivos, libertando, deste modo, a ação de toda coerção instrumental: a ação já não é

9

Arendt, H. “O que é a liberdade?”. In Entre o Passado e o Futuro. SP: Perspectiva, 1979, p. 198. ARENDT, H. Essays in Understanding 1930-1954; op. cit., p. 332.

10

8

mais julgada por sua eficácia, nem pela justeza de suas motivações, mas apenas por sua grandeza intrínseca, isto é, por sua capacidade de instaurar novas relações entre os agentes, bastando-se a si mesma: “A grandeza, portanto, ou o significado específico de cada ato, só pode residir no próprio desempenho, e não nos motivos que o provocaram ou no resultado que produz”.11 Tudo isto equivale a afirmar que a fenomenologia política arendtiana desloca o centro de preocupação da reflexão política para o mundo das aparências e para a pluralidade interpretativa do espaço público, descentrando o caráter de revelação inerente à ação do âmbito das motivações internas do agente.12 A existência de um ser que é capaz de agir e falar – afinal, os animais apenas repetem comportamentos e anunciam sonoramente suas necessidades – atesta a existência da liberdade como fenômeno concreto no mundo compartilhado. No entanto, isto não é o mesmo que afirmar a liberdade como um dado imutável da natureza humana, como uma propriedade do homem considerado no singular, isolado dos outros, ou como característica definidora de todas as formas de relação entre os seres humanos. Por outro lado, a liberdade política só pode manifestar-se nas relações que ocorrem num espaço público habitado por uma pluralidade de homens e mulheres que podem aparecer uns aos outros por meio da ação e de palavras intercambiadas sobre assuntos de interesse coletivo. Para Arendt, o espaço público não se limita a uma região determinada da cidade, previamente designada como locus exclusivo da atuação política; igualmente, os atores políticos não se restringem aos chamados representantes do povo; tampouco se pode considerar o poder como um bem capaz de ser estocado e manipulado por aqueles que o detém; nem, por fim, se pode definir previamente o que é um assunto político por sua própria natureza. Para a autora, mais importante do que a consideração do espaço público, dos agentes políticos, do poder e dos próprios assuntos políticos como instâncias determinadas e já constituídas em cada momento histórico é a consideração das condições essenciais sob as quais se constituem, em ato, o espaço público, os atores políticos e, portanto, o poder e a própria política. E mesmo a política institucionalizada (Estado) nunca é pensada como um produto acabado, pois ela sempre depende da co-participação de muitos agentes e de seus atos continuados

11 12

ARENDT, H. A Condição Humana. SP: Forense Universitária, 1981, pp. 218, minha ênfase. DISCH, L. J. Hannah Arendt and the Limits of Philosophy, Cornell University Press, 1994, p. 80.

9

no espaço público constituído. O potencial constituinte que está na origem de toda política constituída é determinado pela capacidade especificamente humana da natalidade, isto é, pela capacidade de dar início, em atos e palavras, a algo novo no mundo, sempre que se reúna uma pluralidade de atores que, a despeito de se reconhecerem como politicamente iguais, assumem perspectivas diferentes quanto àquilo que lhes inter-essa coletivamente, isto é, quanto àquilo que está entre eles. Decorre destas considerações o fato de que a vida política cotidiana é conflituosa, competitiva, agonística, marcada por confrontos entre posições antagônicas, as quais, entretanto, são capazes de pactuar e estabelecer acordos e consensos transitórios, visto que incapazes de eliminar a pluralidade e a diferença que eles pacificam apenas temporariamente. A legitimidade e a durabilidade das instituições políticas não depende da formação racional e moral de uma vontade coletiva única, mas da disposição presente e contínua dos cidadãos para apoiar o poder, as leis e as instituições políticas constituídas que vinculam os cidadãos entre si. O consentimento às leis não depende nem de uma submissão involuntária e cega ao passado, à tradição e à autoridade constituída, nem de um reconhecimento racional-moral da validade do ordenamento legal vigente, mas, como nos diz Arendt, do “desejo de jogar”, isto é, de participar ativamente da comunidade política a que se pertence. Nesse sentido, Arendt pensa o consentimento “não no velho sentido da simples aquiescência que distingue entre o domínio sobre sujeitos submissos e o domínio sobre sujeitos insubmissos, mas no sentido do apoio ativo e da participação contínua em todos os assuntos de interesse público”.13 Para participar desse “jogo do mundo” é preciso obedecer às regras acordadas ou, então, tentar modificá-las por meio da ação coletiva. Assim, a obediência não implica a impossibilidade do questionamento, da desobediência como ato extremo visando a mudança ou a conservação de determinadas leis. Os homens vêm ao mundo em comunidades já constituídas, que os recebem e acolhem sob a pressuposição do seu “consentimento tácito” à autoridade das instituições e leis constituídas. No entanto, só pode haver consentimento de fato onde está garantida legalmente a possibilidade do dissenso, pois apenas “quem sabe que pode divergir sabe

13

ARENDT, H. Crises da República. SP: Perspectiva, 1972, p.76.

10

também que de certo modo está consentindo quando não diverge”.14 Estamos distantes, portanto, das concepções ideais e normativas de uma política pacificada e purificada pelo procedimento da formação racional-dialógica da vontade geral, à maneira de Habermas; ou, então, da ficção contratual em que as partes racionais dos representantes do povo, protegidos pelo véu da ignorância, deliberam em torno dos princípios de justiça eqüitativa que todos poderiam aceitar, à maneira de Rawls.15 Para Arendt, as inegáveis dimensões comunicativa e deliberativa da ação política não entram em contradição com as suas dimensões conflituosa e individualizante, pois uma leitura cuidadosa de A Condição Humana mostra que a autora não opôs o heroísmo político às formas participativas e deliberativas de engajamento político, assim como não opôs o consenso deliberativo e dialógico ao agonismo heróico. Tais atitudes políticas não são auto-excludentes, desde que o consenso não seja concebido como racionalmente fundado, mas constitua apenas o resultado de acordos transitórios efetuados entre partes em desacordo; e desde que os líderes políticos, considerados como máxima expressão da excelência individual, não sejam pensados como apartados dos demais cidadãos, mas apenas como primus inter pares, isto é, como os primeiros em meio aos seus iguais.16 De qualquer modo, é importante ressaltar que uma concepção da ação política inspirada num modelo constitutivamente agonístico e pluralista tende a exaltar o inconformismo e a busca da excelência contra a passividade monótona e repetitiva da política partidária do cotidiano, adequando-se, perfeitamente, aos parâmetros de uma política de resistência que intenta multiplicar os espaços da diferença em seu caráter incomensurável e irredutível ao consenso, entendido como a domesticação e a dominação do potencial político de iniciativa.17

14

ARENDT, H. Crises da República; op. cit., p. 79. HABERMAS, J. Three normative models of democracy. In BENHABIB, S. Democracy and Difference. Princeton: Princeton Unversity Press, 1996; do mesmo autor, veja-se também Direito e Democracia. RJ: Tempo Brasileiro, 2003, dois volumes; RAWLS, J.: Liberalismo Político. SP: Ática, 2000. 16 Lisa Disch estava certa, portanto, ao afirmar que “uma performance heróica só pode dar início à ação quando ela mobiliza uma rede de atores”. Cf. Disch, L. J.: Hannah Arendt and the Limits of Philosophy, op. cit., p.81. 17 Segundo Bonnie Honig, “Arendt pensou que a melhor resposta para esse dilema era recuperar a possibilidade de uma ação política autêntica, capaz de resistir à ascensão do social e da administração do Estado na modernidade tardia ao estabelecer novas comunidades de sentido e novos locais de resistência”. Cf. Honig, B.: “The politics of Agonism” in Political Theory, vol. 21, nº3, 1993, p.531. 15

11

Por certo, Arendt não pretendeu recusar a democracia representativa parlamentar, mas encontrar alternativas para redefini-la no sentido de preservar e estimular o surgimento de novos espaços de liberdade, de novos atores sociais e de novas preocupações políticas. Pensar a política para além do sistema representativo e partidário implica favorecer novas formas de associação, menos centralizadas e cristalizadas, mais autônomas e flexíveis, menos disciplinadas e, portanto, mais criativas e ousadas, capazes de fazer proliferar diferentes estratégias de atuação no confronto de novos e velhos dilemas políticos. A preocupação arendtiana era, portanto, dupla: por um lado, tratava-se de dessacralizar o sistema representativo atualmente existente, contestando a opinião hegemônica de que esta é a única alternativa política de que dispomos. Por outro lado, tratava-se de nomear e chamar a atenção para o sentido de um conjunto de experiências políticas que, discretamente, já vêm se repetindo no cenário político moderno e contemporâneo: a súbita irrupção do desejo de participação e intervenção política populares, nos mais variados modos. Se Arendt não pretendeu recusar o sistema democrático representativo tout court, o que lhe pareceria absurdo, tampouco estava satisfeita em simplesmente aceitá-lo ou reformá-lo no detalhe, tal qual o conhecemos atualmente. A reflexão política de Hannah Arendt compromete-se com a exigência de revitalizar o sistema democrático representativo a partir do estímulo a novas formas de participação, discussão e compreensão políticos. Para Arendt, se há uma instância capaz de atenuar o caráter privado da subjetividade burguesa moderna, enredada no ciclo acelerado do consumo-trabalho, confrontando, deste modo, a privatização do espaço público, trata-se ainda da experiência da ação política coletiva mediada pela palavra significativa, capaz de estabelecer redes e teias de relações entre atores políticos descentrados, ou, se quisermos, excêntricos. À primeira vista, tudo isto poderia parecer excessivamente teórico e afastado da consideração das experiências políticas do presente. Tal impressão, no entanto, parece-me equivocada, e penso que as reflexões arendtianas sobre a política encontram ecos e ressonâncias em nosso próprio tempo. Para a autora, à margem do ofuscamento contínuo da participação e do interesse popular pela política no presente, que, certamente, constitui a experiência central de nosso tempo, observam-se inúmeras tentativas, ainda que freqüentemente malogradas, de afirmação da atuação democrática e pluralista. Em eventos

12

suntuosos como as revoluções, mas também em movimentos pontuais de resistência à opressão, de desobediência civil e pelo reconhecimento dos mais variados direitos, tal como protagonizados pelos novos movimentos sociais (gays, ecologistas, mulheres, negros e demais minorias, além de certas ONGs), mas também, e sobretudo nos novíssimo movimentos sociais suscitados pelos coletivos políticos, Arendt nos ensina a enxergar instâncias da reapropriação da política pelos próprios cidadãos, em atos e palavras compartilhados. A este respeito, em particular, os novos coletivos políticos espanhóis me parecem dignos de menção e atenção. Eles atuam de maneira excêntrica, à margem dos partidos políticos burocratizados, estabelecendo redes de relações com outros coletivos, de maneira que se constituem como locais móveis, capazes de deslocamento, locais simultaneamente reais e virtuais, em que ação e pensamento políticos não se dissociam. Na perspectiva desses coletivos, elaborar a crítica refletida do presente não significa assumir a posição do intelectual descomprometido com a práxis cotidiana; do mesmo modo, nestes coletivos o tradicional ‘tarefismo’ militante é desconstruído em nome da multiplicação de formas criativas de ação e de pensamento que visam denunciar, provocar e questionar a hegemonia consensual das democracias liberais de massa e mercado. Um exemplo notório dessa capacidade auto-gestionária para agir e pensar de maneira hiper-crítica é o coletivo catalão espai en blanc, “espaço em branco”, autodenominado como um “programa de subversão”.18

18

Veja-se a página web http://www.espaienblanc.net, de onde reproduzo o seguinte texto e as demais citações encontradas a seguir no corpo de meu texto: “La obviedad del mundo satura cualquier pretensión de agujerear su realidad. Pero se trata de una obviedad tramposa: afirma que vivimos en la sociedad del conocimiento y en cambio no existen ideas; inventa modelizaciones virtuales y sin embargo no hay caminos para el pensar; anima a una comunicación permanente y no obstante la comunidad resulta impensable. Espai en Blanc quiere precisamente poner en primer plano las ideas, el pensamiento y la comunidad. Porque sabe que tenemos necesidad de vivir y de creer en lo que nos hace vivir. No es tarea fácil. No quedan vías alternativas o heterodoxas y el recurso a la cultura como lugar de encuentro no tiene valor cuando borra de las relaciones su dimensión política, mientras prosigue el avance del Estado-guerra, pavoroso y brutal, sobre el centro de nuestras vidas. Sólo desde una actitud vanguardista podemos hacer frente a esta realidad. No aludimos ya a una vanguardia revolucionaria, que abra y sostenga un horizonte definitivamente alejado. La única vanguardia que Espai en Blanc asume es la que aspira a desaparecer, la que sin salvar a nadie nos hace a todos un poco más valientes. Actitud vanguardista significa entonces la defensa de un pensamiento crítico y experimental, que, sin recurrir a un Afuera, clandestino en la superficie de la vida, logre romper esta realidad sin límites, atrapada en las prisiones de lo obvio. Romper la realidad para liberarla y liberarnos. Espai en Blanc surge así como un dispositivo al servicio de una práctica crítica y experimental, destinado a quienes soportan, solos, este consenso opresivo; a quienes velan sin sosiego en la oscuridad de esta luz. Espai en Blanc no quiere cambiar el mundo; sólo quiere cambiar la vida.”

13

Este coletivo, assim como tantos outros, está associado à prática (ilegal) das okupaciones, da invasão de espaços públicos e privados abandonados, os quais são transformados em espaços livres de pensamento, discussão e organização de ações políticas coletivas. Nas ações promovidas por espai en blanc não se tem em mente apenas o problema da especulação imobiliária e a necessidade de ampliar espaços de moradia para os jovens e para aqueles desprovidos de meios para financiar uma vida independente e digna (pobres, desempregados, imigrantes), problema que, evidentemente, não pode ser ignorado. Entretanto, pretende-se sobretudo criar e ampliar espaços de encontro nos quais se entreteçam novos laços de solidariedade, novas amizades, novas formas de questionamento e de luta, em suma, novas formas de vida, à margem do consenso capitalista em suas novas variações hegemônicas. Por isso, o ‘espaço’ a que tal coletivo se refere não se afirma como “promessa de um futuro melhor”, mas sim como “paixão pela conquista de lugares nos quais se possa viver de outra maneira”; e tal espaço se encontra em ‘branco’, visto que os envolvidos sabem que suas reflexões e atuações não estão ancoradas em “referências préestabelecidas”, uma vez que “a experiência não se acumula e o passado já não funciona hoje como força de transmissão e de transformação”. Em outras palavras, os envolvidos e interessados neste coletivo reconhecem que os velhos sonhos revolucionários e iluministas de emancipação se evaporaram; no entanto, continuam dedicados ao esforço subversivo de liberar a vida ali mesmo onde ela se encontra aprisionada. Para isso, sabem apenas que necessitam superar a solidão e o isolamento de nosso cotidiano, para que melhor possam pensar e agir em termos de cooperação e de articulação de redes e de conhecimentos. Não pretendem repetir o velho assistencialismo paternalista, que vê o intelectual como o portavoz e consciência das massas despossuídas; mais ainda, rejeitam, inclusive, os velhos ideais da participação e do pertencimento. Não querem estimular a participação, pois sabem que tal apelo está freqüentemente assombrado pela representação do êxito ou do fracasso de cada ação em relação direta com o número maior ou menor de pessoas que consigam reunir. Tampouco querem estimular a participação em seu sentido tradicional, pois reconhecem a impossibilidade de alcançar resultados palpáveis e concretos. Em outras palavras, este coletivo barcelonês não vincula a prática política e pensante à obtenção de quaisquer vitórias – trata-se, antes, de experimentar, de provocar, de perfurar a lisura homogênea do real, de tal modo que mesmo a ‘derrota’ sobressaia como uma ‘vitória’: ao

14

menos não se caiu no engodo, ao menos se denunciou a iniqüidade, a violência e o absurdo da política contemporânea. Por fim, espai en blanc tampouco reproduz a velha partilha entre os que são de ‘dentro’ do movimento e aqueles que são de ‘fora’, recusando a idéia comunitária de pertença. Os interessados são muitos e eles já existem de fato, bastando apenas garantir as condições para sua reunião e para sua ressonância, arrebentando os guetos e pulverizando a solidão que nos torna a todos impotentes. Em uma palavra, e tal como eles próprios se definem, espai en blanc é um “catalisador de experiências: uma rede de cumplicidades, um dispositivo para uso dos próprios interessados”. Trata-se, evidentemente, de apenas um exemplo de política excêntrica; no entanto, muitos outros poderiam ser mencionados.19 Menos importante do que saber se tais coletivos reivindicam a memória ou o legado do pensamento político de Arendt – e não me parece que seja assim! – é saber que, por outro lado, o pensamento arendtiano pode nos permitir avaliar a presença e a relevância política de tais movimentos políticos de nosso tempo. A força do pensamento políticofilosófico arendtiano jaz em sua tentativa de repensar o espaço público e a ação para além de suas sombrias configurações moderno-contemporâneas, sem pretender oferecer respostas prontas e acabadas, sem pretender exercer qualquer influência teórica ou prática, mas satisfazendo-se em suscitar novas formas de ação e novas formas de compreensão das esperanças e temores políticos de nosso mundo.

19

Uma boa sugestão é visitar a página web sinDomínio.net, além das outras páginas referidas no próprio site de Espai en Blanc.

15

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.