Hegel e os Românticos

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MESA-REDONDA: ROMANTISMO E FILOSOFIA

FD6 (2002)

HEGEL E OS ROMÂNTICOS Márcia C. F. Gonçalves (UERJ)- Professora de Filosofia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.

A filosofia de Hegel se constrói sobre a base de um constante diálogo com diferentes modos de se fazer filosofia. Este diálogo consiste, por um lado, em uma espécie de reflexão filosófica sobre a tradição, desde seus primórdios antigos, e, por outro lado, em uma crítica contra as formas do pensar contemporâneas a ele, as quais por sua vez também discutem com a tradição. No que diz respeito à tradição, Hegel não se incomoda em nomear algumas vezes seus ilustres interlocutores, embora seja próprio de seu estilo transfigurá-los em simples e esquemáticas figuras da consciência; do espírito; da moralidade; da filosofia: Gestalten do próprio pensar ou formas do próprio saber. Mas em relação aos intelectuais de seu tempo, as referências explícitas se escasseiam, e é necessário apurar muito bem os ouvidos para identificar as vozes que se insurgem em importantes polêmicas, típicas de sua época. Essa identificação é difícil, não apenas por isto que chamo de recurso da transfiguração, mas sobretudo pela estratégia muito consciente de Hegel de absorver determinadas críticas contra sua própria forma de conceber a filosofia, de modo a resolvê-las, a partir de suas contradições próprias, e de, aprendendo com elas, evitar cair ele mesmo em paradoxos insolúveis. Alguns exemplos de temas polêmicos em voga na primeira metade do século XIX são a discussão em torno do ceticismo radical, ou sobre a impossibilidade da apreensão total da verdade; a discussão em torno do fenômeno da obra de arte; a questão sobre o absoluto, bem como sobre o seu saber; a polêmica sobre a relação entre filosofia e poesia e entre filosofia e religião; a questão da possibilidade de uma nova mitologia; a discussão a respeito da forma simbólica ou alegórica de se apresentar a filosofia, e muitos outros temas, incluindo aqueles especificamente de cunho político, como sobre o conceito de Estado ou sobre a possibilidade da revolução etc. A maioria destas polêmicas se deu entre os principais autores da filosofia clássica alemã, como Fichte, Jacobi, Schelling e Hegel e do movimento do primeiro romantismo, como Jean Paul, Friedrich Schlegel e Novalis. O principal trabalho que reúne de forma excepcionalmente sistemática estes e outros grandes temas polêmicos do período em torno da virada

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dos séculos XVIII e XIX é a obra em quatro grandes volumes editada pelo Prof. Walter Jaeschke (que orientou minha tese de doutorado em Berlim), intitulada Philosophisch-literarische Streitsachen. O último volume desta obra trata da polêmica em torno do romantismo propriamente dito, a partir da década de 20, que se aprofunda principalmente após a morte de Hegel, em 1831. Entretanto, sua voz ainda pode ser ouvida nesta discussão, que se estende até o meio da década de 50, principalmente através do velho Schelling, que se tornou um dos principais opositores de Hegel, e de alguns de seus discípulos, os ditos Hegelianos. Ou seja, a filosofia de Hegel continuará servindo de contraponto para a discussão em torno das principais idéias do romantismo, assim como o fortalecimento destas idéias envolve também um crescente anti-hegelianismo que adentra na segunda metade do século XIX, onde surgem novas formas do idealismo e do romantismo, permeadas de um discurso anti-sistemático, anti-racional e até mesmo antifilosófico. Esta reconhecida oposição entre hegelianismo e romantismo, que costuma ser reduzida e simplificada à oposição entre racionalismo e irracionalismo, tem um fundamento histórico real na relação de Hegel com a filosofia romântica de seu tempo, e envolve aspectos muito mais complexos. O que está em jogo na verdade é muito mais a discussão entre a defesa da possibilidade de uma filosofia da reconciliação, de uma filosofia da totalidade, de uma filosofia, sim, da razão capaz de alcançar esta totalidade, e a recusa desta possibilidade, com a afirmação, ora da impossibilidade da apreensão completa da totalidade, ora da apreensão não-racional ou intuitiva desta totalidade. Tanto a projeção do momento da reconciliação entre sujeito e objeto, ou pensamento e ser, para um além infinito, quanto à afirmação de uma indiferença destes dois momentos na esfera mais imediata do saber e do ser - na intuição ou na natureza - são teses que se opõem à filosofia de Hegel, ao mesmo tempo em que são combatidas por ela. Estas duas principais teses podem ainda ser reduzidas a uma questão filosófica mais originária, presente na filosofia clássica alemã, com raízes profundas na tradição: a questão sobre o absoluto, ou sobre a filosofia primeira, ou sobre a possibilidade de uma nova metafísica. De todo modo, estas e outras questões acabaram por estabelecer uma via importante de disputas entre a filosofia de Hegel e aquilo que ele considerava muito menos como uma autêntica filosofia produzida pelos primeiros românticos, do que como uma espécie de atitude romântica, que começa a se propagar em seu tempo. É evidente que não se pode, nem se deve tratar o primeiro romantismo como um bloco indiscriminado de autores e

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teses. A crítica de Hegel aos autores do primeiro romantismo tem importantes diferenças, que vão desde sua recusa de algumas representações artísticas fundadas em um modelo abstrato e fragmentário de sujeito, como identificava nas peças teatrais de Ludwig Tieck, até seu combate a algumas teses especificamente filosóficas, como as que se referem aos conceitos de absoluto e de natureza, e à relação entre ambos, cuja formulação mais sistemática se encontra na filosofia do jovem Schelling. Com isto, muitas vezes a polêmica entre Hegel e os românticos acaba mediada pela inegável discussão filosófica entre Hegel e Schelling. Schelling é sem sombra de dúvida um dos principais interlocutores da filosofia de Hegel e eu estou cada vez mais convencida de que o estudo desta relação filosófica, o estudo sobre a identidade e sobre a diferença dos sistemas de Hegel e Schelling é fundamental para entender ambos os filósofos e para entender o espírito de seu próprio tempo, cercado por uma certa atitude romântica. Na verdade, a relação de Hegel com Schelling se desenvolve como um percurso que vai da inicial posição de colega-discípulo, à necessidade de uma emancipação filosófica radical, através do combate radical de algumas idéias, terminando com o reconhecimento filosófico mútuo, que ambos selaram em suas respectivas Histórias da Filosofia. Hegel, que exclui de sua História da Filosofia seu próprio nome, situa Schelling como o último momento da filosofia moderna, e o apresenta, sem poupá-lo das habituais críticas, como a forma mais acabada de efetivação do pensamento especulativo. Schelling, que em sua História da Filosofia Moderna inclui seu próprio sistema, no capítulo intitulado Filosofia da Natureza, situa Hegel como posterior a si, embora não como o último capítulo desta história (reservado curiosamente para Jacobi). O interessante é perceber que no interior da disputa de Hegel com a filosofia de Schelling, muitas vezes, a intenção última de Hegel é marcar a diferença entre sua própria filosofia e o movimento do primeiro romantismo, no qual ele nem sequer reconhecia o estatuto de filosofia. Uma das maiores diferenças filosóficas entre Hegel e Schelling se dá em torno do conceito de natureza, ou melhor, da discussão sobre a relação entre espírito e natureza. A crítica de Hegel à concepção schellingiana de natureza, se estende, contudo, a toda uma forma de pensar romântica, que se inaugura no fim do século XVIII e início do século XIX, e que representa para Hegel uma espécie de ameaça ao estatuto racional conquistado a partir do movimento do iluminismo, como por exemplo, o retorno de categorias filosóficas pré-reflexivas, como o conceito de revelação ou a idéia mesma de intuição.

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Ao contrário de Schelling, e provavelmente em reação a este, Hegel não concebe uma filosofia da natureza como uma obra central de seu sistema, pois queria distinguir-se de todos aqueles autores contemporâneos que se dedicaram à distinta tarefa de uma Filosofia da Natureza. Na introdução de sua Filosofia da Natureza, publicada no compêndio da Enciclopédia das Ciências Filosóficas, de 1830, ele se refere ao que denomina de uma “idéia da Filosofia da Natureza tal como ela se expandiu em sua época mais recente”, como uma “descoberta”, que diante de uma “euforia inicial”, foi “grosseiramente manejada por mãos inábeis, ao invés de ser tratada pela razão pensante”. E os adjetivos negativos não param aí. “Empirismo rude” e “afetação barroca e pretensiosa”, “arbítrio da imaginação”, “ausência de todo método e cientificidade”, “beberagem” formada pela “mistura caótica de Idéia, razão, ciência e conhecimento divino” são outros termos utilizados por Hegel para caracterizar esta filosofia da natureza, que, segundo ele, justificadamente caiu em descrédito, e aí ele cita explicitamente o nome de Schelling. Essa crítica de Hegel a Schelling, no contexto mesmo de uma filosofia da natureza, ao contrário de afastá-lo radicalmente dos temas e questões abordados pela filosofia da natureza de Schelling (o grande exemplo é quando Hegel passa a falar de uma física racional), é uma crítica que tem como base, assim como em outros momentos de sua obra, a fundamental diferença entre a afirmação e a negação de uma unidade ou uma identidade imediata entre objetivo e subjetivo, não no que se refere à possibilidade e mesmo à necessidade desta unidade, mas sim em relação à afirmação de sua imediatidade, ou antes, em relação à possibilidade de uma apreensão imediata da mesma, tal como na forma de uma verdade revelada. Neste sentido, o sistema hegeliano afirma esta unificação como meta ou resultado da própria filosofia, e nunca como ponto de partida. Em outras palavras, o que está em jogo aqui é a discussão em torno da possibilidade de se apreender o absoluto de modo imediato, através de uma apreensão sensível, de uma intuição empírica, ou mesmo intelectual. Uma crítica similar estava já presente no prefácio à Fenomenologia do Espírito, na famosa passagem em que Hegel se refere à filosofia da identidade ou à tese sobre a indiferença imediata entre subjetivo e objetivo, como uma noite onde todas as vacas são negras. O interessante artigo de Kurt Rainer Meist, intitulado “Sich vollbringende Skeptizismus”, publicado no segundo volume da coleção “Philosophisch-literarische Streitsachen”, esclarece que o pivô desta crítica de Hegel ao conceito de absoluto de Schelling expressa no Prefácio da Fenomenologia foi um artigo publicado em

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1803, de autoria anônima, mas reconhecida como de G. E. Schulze, intitulado “Aforismos sobre o Absoluto”, e que é uma clara reação ao artigo de Hegel sobre a relação do ceticismo com a filosofia, comentando a obra de Schulze de 1801, “Crítica da Filosofia Teórica”. Os Aforismos sobre o Absoluto desenham uma crítica radical, mas muito bem elaborada, ao chamado idealismo absoluto de Schelling e Hegel, definindo a idéia de absoluto como um “nada”, uma “noite”, um “abismo especulativo” (Meist, p. 195). A crítica de Hegel à concepção do jovem Schelling sobre o absoluto, explicitada no prefácio à Fenomenologia do Espírito, tem de fato a intenção de preservar-se da crítica que se estava formando no início do século XIX contra a própria idéia de racionalidade defendida por ele, ou melhor, contra o projeto de um idealismo absoluto, fundado na possibilidade efetiva da apreensão filosófica do absoluto, como momento de superação da dicotomia sujeito-objeto. Em outras palavras, a crítica de Hegel ao idealismo de Schelling tem o sentido de fortalecer o projeto de conciliação do idealismo absoluto, contra a crítica cética, que afirma a impossibilidade desta conciliação. E toda a Fenomenologia do Espírito de Hegel é escrita em reação a este ceticismo radical, que tem como conseqüência a proposta de um retorno à natureza ou a um empirismo sensível. É exatamente este ponto da discussão sobre a possibilidade de uma apreensão racional do absoluto, ou da realização de um saber do absoluto - que segundo Hegel é um saber absoluto - que representa o principal elemento de discórdia entre Hegel e os principais representantes do primeiro romantismo, principalmente com Friedrich Schlegel. Esta questão pode ainda ser apresentada como a questão filosófica sobre a relação entre o finito e o infinito. O lugar em que Hegel se refere explicitamente ao movimento do Romantismo é em suas Vorlesungen über die Ästhetik, entretanto, curiosamente ele nivela este movimento estético e artístico com uma forma de arte que se inicia na Idade Média, alargando assim o conceito de forma de arte romântica com a amplitude de um fenômeno que coincide com a própria era cristã, se distinguindo apenas da arte produzida na Antigüidade. Este nivelamento extremo, que obviamente não exclui diferenças internas não é algo puramente arbitrário, porque o que Hegel identifica neste imenso período da história da produção da arte, é a perda de um ideal ético grego, representado na arte clássica, através daquilo que ele denomina de “bela individualidade”. Neste sentido, o processo de interiorização subjetiva experimentado pelo artista ao longo desta longa história, se reflete nas obras de arte, que vão se

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tornando cada vez mais dissonantes, porque separam cada vez mais o conteúdo de sua idéia da forma de sua matéria. O solo comum identificado por Hegel em todo este período pós-clássico da arte, sobre o qual emerge o conceito hegeliano de arte romântica, é esta forma de subjetividade abstrata ou unilateral, que no caso específico da arte do primeiro romantismo, Hegel interpreta como reação negativa contra a objetividade alheia e alienante do mundo prosaico moderno, a qual Hegel denomina na Estética de “prosa do mundo”. Este primeiro aspecto da crítica de Hegel ao romantismo, tem como finalidade apresentar uma alternativa, de superação desta unilateralidade, através da efetivação de uma outra forma não abstrata de subjetividade, uma subjetividade substancial, que equivale ao seu conceito filosófico de espírito, em sua absolutidade, e que esteticamente era reconhecido por Hegel principalmente na obra poética da maturidade de Goethe e Schiller, enquanto maiores representantes da realização do que Hegel denomina em sua Estética de “pathos absoluto”, também presente na poesia trágica da Grécia antiga. Ainda sob este aspecto da crítica de Hegel ao romantismo, se encontra a tão difundida tese de que a busca de unificação pelos primeiros românticos aponta não para o sentido de conciliação presente ainda neste classicismo de Goethe e Schiller, mas sim como uma busca do infinito, cujo fim nunca é efetivado, o que acaba originando os sentimentos de nostalgia presente em algumas obras românticas, principalmente de Novalis, mas também em algumas obras de Jacobi, o qual serve de caracterização fundamental da figura da “bela alma” descrita por Hegel na Fenomenologia e em sua própria Estética: A subjetividade consiste na falta de algo fixo, mas na tendência para este algo, permanecendo assim nostalgia (Sehnsucht). Esta nostalgia de uma bela alma se apresenta nos escritos de Novalis. Esta subjetividade permanece nostalgia; não chega ao substancial; vai se apagando em si, e se fixa nesta perspectiva, o tecer e fiar dentro de si mesmo. É a vida interior e a circunstancialidade de toda verdade. - A extravagância da subjetividade se torna freqüentemente loucura. Se permanece no pensamento, ela é perturbada no turbilhão do entendimento reflexivo, sempre negativo contra si.1 Na arte do primeiro romantismo, Hegel identifica a abstração de uma subjetividade que foge do mundo prosaico em direção à sua 1 VGPh, III, p. 418.

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interioridade, dando origem ao que Hegel denomina de solidão de sua beleza, uma forma de incomunicabilidade de seu páthos-sofrimento. A melancolia, a indecisão, a loucura são indícios identificados por Hegel em algumas obras de arte romântica que revelam para ele uma desestruturação irracional do poeta, recolhido na interioridade abstrata de sua própria subjetividade. Esta questão da incomunicabilidade é um dos pontos mais atacados por Hegel, em sua crítica ao subjetivismo do primeiro romantismo, e o alvo principal é a teoria estética de Friedrich Schlegel, e sua idéia de que a verdade última da filosofia, ou seja, o infinito, assim como a verdadeira beleza estética é algo “indizível”, e portanto que sua forma mais adequada de apresentação é sempre indireta, ou seja, por aproximação, através da “alegoria” ou do “símbolo”. Esta tese é claramente expressa por Schlegel nas seguintes passagens: Toda beleza é alegoria. Só é possível dizer o ser mais elevado de forma alegórica, exatamente por ele ser indizível (unaussprechlich).2 Porque todo conhecimento do infinito, assim como seu conteúdo, pode ser sempre infinito e infundado, portanto, apenas indireto, torna-se necessária a apresentação simbólica, para que aquilo que não pode ser conhecido totalmente possa ser conhecido parcialmente. Aquilo que pode ser resumido em um conceito, deixa-se talvez apresentar através de uma imagem; e assim então, a necessidade (Bedürfnis) do conhecimento conduz à apresentação; a filosofia conduz à poesia.3 A referência crítica de Hegel a esta tese de Schlegel é bastante evidente, na seguinte passagem das Lições sobre a Estética: Pois o ser mais elevado e excelente não é algo indizível (Unaussprechbar), de modo que o poeta seria em si de uma profundidade ainda maior do que a obra evidencia. Ao contrário: suas obras são o que há de melhor do artista; o verdadeiro. Ele é o que ele é; aquilo que permanece apenas no interior não é.4 2 Cf. sobre a crítica de Hegel a Friedrich Schlegel, Otto Pöggeler: Hegels Kritik der Romantik (Critica de Hegel aos Românticos), Bonn, 1956, pp. 186ss. 3 Schlegel, F.: Kritische Friedrich Schlegel-Ausgabe, Editado por Ernst Behler und Hans EichnerPaderborn; München; Wien, 1979ss, vol. XI, p. 9.

4 Ä, I, pp. 375s.

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A crítica de Hegel à tese de uma verdade indizível, e consequentemente incognoscível, e portanto exprimível apenas de forma indireta ou simbólica, é a mesma que Hegel direciona contra a idéia de uma interioridade subjetiva. No fundo, é exatamente o risco da perda de uma comunicabilidade claramente articulada, ou, em última análise, o risco de se perder, por meio de uma precipitação abismal no interior de uma subjetividade abstrata, a possibilidade das relações intersubjetivas, o que Hegel identifica com o surgimento do primeiro romantismo, como conseqëncia de um mundo burguês moderno, no qual o sujeito atingiu um nível extremo de fragmentação. Outra importante tese schlegiana criticada por Hegel diz respeito à idéia de um “caos originário”, ou ainda, de uma “bela confusão”, como a base da verdadeira poesia5. Esta tese apresentada na Conversa sobre a Poesia representa a radicalização da luta do jovem romantismo contra uma razão analítica. Contudo, Hegel interpreta esta tentativa de Schlegel de superar a razão analítica através do poético ou simbólico como produto de um entendimento abstrato, que separa, como pólos irreconciliáveis de uma oposição, de um lado, a forma sensível exterior e aparente da obra de arte, que constitui o único meio possível de expressão da arte, e de outro lado, o significado da obra, posto aqui como uma verdade inefável. O primeiro aparece como algo puramente objetivo, enquanto o segundo permanece como uma alma escondida, reclusa numa interioridade invisível. A compreensão do simbólico como pertencendo à essência da arte, resulta na idéia de arte como uma eterna multiplicidade de metáforas, que devem ser interpretadas. Hegel critica esta visão tipicamente moderna, preocupado exatamente com a perda da beleza, que é, segundo ele, a manifestação clara da idéia, a partir de uma idealização perfeita do sensível. O entendimento abstrato, que busca atrás da contingência exterior da forma sensível uma "necessidade interior", um sentido, ou seja: que busca interpretar a obra de arte, constitui para Hegel a mesma forma de reflexão exterior, que cavou o abismo irreversível entre objetivo e subjetivo. Entretanto, ao final de suas especulações filosóficas sobre a arte, Hegel acaba por admitir a inevitabilidade deste processo inerente ao desenvolvimento histórico da arte, que envolve a perda de uma harmonia entre idéia e sensibilidade. Contudo, a desproporção, a dissonância, a perda da beleza, resultantes do sobrepeso do subjetivo 5 Cf. F. Schlegel: Gespräche Über die Poesie (Conversa sobre a Poesia), Schlegels Werke, II, p. 319.

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sobre o objetivo, não implicam necessariamente em algo feio, nem contribuem para a decadência absoluta da arte, mas constituem sua mais interessante função, válida até hoje, de conscientização do destino humano. A arte, tal como ela se apresentava para Hegel em seu tempo, e tal como ele a previa, segundo um projeto de evolução no futuro, era capaz não de libertar, no sentido político prático imediato, de um mundo cada vez mais prosaico, mas de contribuir para uma liberdade mais efetiva, a liberdade espiritual, que é mediatizada pela autoconsciência da cisão, autoconsciência do destino, que caracteriza o ser do homem no mundo moderno. A crítica de Hegel a esta representação moderna do páthos como um sofrimento particular, esvaziado da coragem do herói antigo, não deve ser interpretada como um simples rechaço à figura do anti-herói moderno, mas como a comprovação de que a arte continua refletindo o espírito de seu tempo. Num tempo onde a prosa do mundo impera, a subjetividade, expressa pela poesia, interioriza não apenas a beleza, mas também a dissonância, e realiza em si mesma uma contradição. O que na tragédia grega era apresentado como colisão clara entre dois princípios éticos distintos, é na modernidade interiorizado na forma de figuras irracionais, de caracteres deturpados, de personalidades doentias e loucas, como no caso da figura do Príncipe de Homburg (Prinz Friedrich vom Homburg) de Heinrich von Kleist. Segundo Hegel, a representação estética romântica de personagens de caráter distorcidos, e de distúrbios psíquicos como o sonambulismo, são sintomas da perda de um contexto ético substancial pela subjetividade moderna. A estética hegeliana reconhece na arte um reflexo direto da perda dos valores éticos do mundo e, portanto, a perda de sua força imediata de refletir a liberdade. Por outro lado contudo, a antropomorfização ou subjetivação crescente de seu conteúdo substancial ou divino, implica necessariamente a sua libertação desta tarefa de conservação da eticidade no mundo e conseqüentemente a sua autonomia para tematizar as situações mais diversas, inclusive o contingente e o prosaico. Mesmo com bastante resistência, Hegel acaba tendo de admitir que esta tendência moderna e romântica para representar a cisão e a dissonância, faz parte de um processo inevitável e necessário da história. Dialeticamente, a arte moderna absorve cada vez mais a representação de uma individualidade singular fragmentada em seu próprio conteúdo. E a pós-modernidade é a consequência extrema deste processo. Ninguém mais ousa falar de absoluto, há como que uma desistência de tentar apreender a totalidade. A história não

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parece mais fazer sentido, a arte se reduz cada vez mais à indústria do entretenimento, e a liberdade é assunto exclusivo da esfera privada. É tarefa de nosso tempo decidir se queremos que esta fragmentação do indivíduo continue a evoluir dialeticamente até a perda total da individualidade, ou se queremos reconquistar a idéia de uma unidade, não mais apenas sobre a base de uma racionalidade absoluta, mas com base naquilo que os primeiros românticos melhor nos ensinaram: através da integração entre o homem e a natureza. Eu creio que este é o caminho possível de retomarmos um diálogo filosófico produtivo e profundo, buscando - assim como Schelling - unificar inteligência e natureza, reconhecendo agora o nosso o destino mais autêntico de seres de dupla natureza, racional e intuitiva, ou seja, de seres essencialmente contraditórios.

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