HEGEMONIA E LIBERTAÇÃO: A CONFIGURAÇÃO DA FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO NAS ORGANIZAÇÕES POPULARES NOS ANOS 1950 A 1980

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HEGEMONIA E LIBERTAÇÃO: A CONFIGURAÇÃO DA FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO NAS ORGANIZAÇÕES POPULARES NOS ANOS 1950 A 1980 SANTOS, Michel Serpa Graduando em Pedagogia na Universidade Federal Fluminense, membro do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Filosofia, Política e Educação (Nufipe – FEUFF), bolsista PIBIC/CNPQ.

VOIGT, Leonardo de Abreu Graduando de bacharelado e licenciatura em Ciências Sociais na Universidade Federal Fluminense, membro do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Filosofia, Política e Educação (Nufipe – FEUFF), bolsista PIBID/CAPES.

RESUMO Na presente Comunicação Oral, preparada para o Grupo de Trabalho 11 (Movimentos Sociais e Educação), iremos investigar a configuração da filosofia da educação que emerge das lutas populares ao longo dos últimos 40 anos. Na busca dos aspectos que a caracterizam, analisaremos particularmente, a interligação dos conceitos de “libertação”, “democracia” e “hegemonia” com o pensamento de A. Gramsci. Ao estudar essas referências aglutinadoras, queremos verificar a unidade de uma trajetória que foi passando da formação, atuação e queda de alguns movimentos populares que existiram entre os anos 1950 e 9160, passando para o combate à ditadura e as lutas pela democratização, durante os anos 1970 a 1980, para a consolidação de uma filosofia com uma concepção própria de mundo. Palavras-chave: filosofia, política, educação popular.

HEGEMONY AND LIBERATION: SETUP OF PHILOSOPHY OF EDUCATION IN POPULAR ORGANIZATIONS IN A YEAR 1950 1980

ABSTRACT In this Communication, Oral prepared for Working Group 11 (Education and Social Movements), we will investigate setting up the philosophy of education that emerges from popular figth over the past 40 years. In search of the aspects that characterize it, we will examine particularly the interconnection between the concepts of "liberation," "democracy" and "hegemony" with the thought of A. Gramsci. By studying these references agglutinating, we check the drive for a trajectory that passed the formation, activities and fall of some

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popular movements that have existed between the years 1950 and 9160, rising to the fight against dictatorship and the struggle for democracy during the year 1970 to 1980, to consolidate a philosophy with a self-conception of the world. Keywords: philosophy, politics, popular education.

INTRODUÇÃO Procuramos investigar a configuração da filosofia da educação que emerge das lutas populares ao longo dos últimos 40 anos. Na busca dos aspectos que a caracterizam, analisaremos particularmente, a interligação dos conceitos de “libertação”, “democracia” e “hegemonia” com o pensamento de A. Gramsci. Ao estudar essas referências aglutinadoras, queremos verificar a unidade de uma trajetória que foi passando da formação, atuação e queda de alguns movimentos populares que existiram entre os anos 1950 e 9160, passando para o combate à ditadura e as lutas pela democratização, durante os anos 1970 a 1980, para a consolidação de uma filosofia com uma concepção própria de mundo. Partindo do pressuposto de que toda construção teórico-ideológica não pode ser considerada à parte de uma totalidade, que com base material e histórica da existência humana, não podemos desvincular a realidade econômica da condição de classe e da práxis político-pedagógica, podemos afirmar que há uma relação intima entre filosofia, política e educação, que poderá ser contrastada com o momento histórico mundial de acirramento das contradições sociais, geradas pelo processo de acumulação capitalista. Na verdade é Marx quem vai preconizar essa intima relação e Gramsci partirá dela para mostrar “que filosofia e educação precisam se tornar „política efetiva‟, práticas socializadas de novos projetos históricos, se quiserem ter sentido para as classes subalternas” (In. SEMERARO,2004:36) e, no Brasil, Paulo Freire será o maior teórico dessa concepção que aglutina filosofia, política e educação num projeto voltado para e com as classes populares. Investigaremos essa intima relação na busca por aspectos que evidenciem os traços autônomos e originais de uma concepção de mundo que se apresenta como alternativa frente às propostas educativas dominantes e ao sistema vigente de sociedade. Para isso, vamos dividir o trabalho em duas partes: na primeira, trataremos do espaço de tempo que vai dos anos 1950 até 1964 e num segundo momento, analisaremos os anos de 1964 a 1988. Pretendemos analisar os conceitos de “libertação”, “democracia” e “hegemonia” em Antonio Gramsci, verdadeiros paradigmas da filosofia da educação popular brasileira, enquanto expressam os anseios e lutas dos que buscam se libertar não apenas de uma ditadura, mas da

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longa história de (neo)colonialismo externo e interno. Os fundamentos e a consistência das suas formulações serão examinados na interação com o contexto histórico. O pensamento utópico que influenciou os jovens dos anos 1949 a 1964, buscou entender a educação como um “ato político” (FREIRE,1982:23) que, na época, eclodiu com um florescimento espantoso de práticas político-pedagógicas e de criações teóricas que tiveram no conhecimento da “libertação” a temática aglutinadora, assim, a educação popular adquiriu nas lutas pela “libertação”, progressivamente, o surgimento de novos atores sóciopolíticos e de questões até então pouco consideradas, como gênero, raça, etnias, culturas, sexualidade, desejo, poder, subjetividade, ética, arte, ecologia, o que definitivamente ampliou os horizontes teóricos dos movimentos populares daquela época

1. Contexto histórico-político de 1949 a 1964 Partindo da constituição de 1937, criadora do “Estado Novo”, e culminando no final do “pacto populista” (1945 – 1964), um período de barganha entre os trabalhadores e o Estado, o Brasil tinha como as figuras mais proeminentes de sua política Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek, mas vê no rápido governo de Jânio Quadros e na confusa gestão de João Goulart (1957 a 1961) seu período de euforia econômica em que “a taxa de crescimento real foi de 7% ao ano e, aproximadamente, 4% per capita” (SKIDMORE, THOMAS, 1988. In SEMERARO,1994:24). Porém, o Presidente Goulart não obteve o apoio das forças armadas e as “bases populares de seu governo não eram sólidas, devido ao nível cultural, ao grau de interesses e ao nível real de consciência política do povo” (ROMANELLI,2007:53). Acrescentando a isso o descontentamento das esquerdas por conta de sua atuação política considerada de „centro‟ e o fato de que, no limiar dos anos 1960, jovens partindo da ótica das classes dominadas envolveram-se em atividades de educação popular, na mobilização das massas e na construção de uma consciência sociopolítica, nos perguntamos: à que poderíamos atribuir essa efervescência que tanto incomodava o modelo sócio-político hegemônico? Os jovens que tinham nas práticas político-educativas seu maior espaço de expressão, no qual vinham elaborando um modelo progressista que romperia com os modelos tradicionais e ultrapassariam os horizontes da educação oficial, objetivaram através de atividades de educação popular, de mobilização das massas e da construção da consciência sociopolítica, criar e desenvolver “uma consciência crítica, na participação popular, na concepção de um socialismo humanista e democrático” (SEMERARO,1994:32). Em 1956, surgiu o Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) com o objetivo de “elaborar uma ideologia que sustentasse os dois grandes eixos do populismo: o nacionalismo

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e o desenvolvimentismo” (Ibid,1994:24). Para o Instituto a condução do processo de desenvolvimento estaria nas mãos da burguesia industrial, sendo ela a única classe capaz de implementar as necessárias medidas corretivas e conduzir a nação ao “progresso”. Mas, a partir da tomada de consciência e o fortalecimento progressivo dos setores populares com intensa mobilização política de vários segmentos da sociedade civil, podemos considerar que o antídoto do populismo havia sido gerado de suas próprias entranhas, aumentando as pressões populares por maiores reivindicações sociais, elevando e acirrando o debate ideológico, fazendo crescer o pensamento marxista no meio intelectual e, “diante das rachaduras do „pacto populista‟, da crise de hegemonia do bloco dirigente e da inconsistência dos partidos tradicionais, delineavam-se os primeiros sinais de construção de uma nova força com base nos movimentos populares” (Ibid,1994:27) que de 1961 a 1963 conseguiram organizar mobilizações em quase todos os setores da sociedade. Naquele período surgiram diversos movimentos como a Juventude Universitária Católica (JUC), berço de importantes líderes do movimento estudantil e político desde aquela época, a Ação Popular (AP), o Movimento de Educação de Base (MEB), o Movimento de Sindicalização Rural, que exercia papel educativo, além da militância, e os Movimentos de Educação e Cultura Popular, onde a preocupação com a educação era muito forte e a consciência de ser „colonizado‟ caminhava para o enfrentamento entre aqueles que defendiam a “modernização” e o “desenvolvimento” para se integrar ao sistema e os que almejavam uma saída através do rompimento com os dominadores e a dominação exercida, construindo um caminho de “libertação” e “da criação de um projeto próprio de sociedade” (SEMERARO,2004:37). É nessa direção que as audaciosas experiências político-pedagógicas da UNE, do MCP de Recife, do MEB, dos movimentos populares, de diversos sindicatos rurais, da JUC, da JEC, da Ação Popular (AP) etc., apontavam para uma educação que visava a conscientização política para a libertação dos subalternizados. Assim, podemos destacar os governos populistas junto ao nacionalismo como elementos históricos importantes na impressão da cena social e o significativo crescimento do medo entre os latifundiários e a burguesia industrial de uma subjacente política de massas que crescia em dimensões assustadoras no governo de João Goulart (Jango), como um fator que culminaria no golpe militar de 31 de março de 1964.

2. Resistência pós golpe: de 1964 a 1988 As atuações dos militares eram contra tudo aquilo que eles consideravam como subversivo e criminoso por um suposto patriotismo. Sintetizando a época Scocuglia vai dizer

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que em virtude dos “protestos, passeatas, métodos ativos, professores progressistas, organização estudantil, repressão, Ato Institucional nº 5 (AI-5, e o artigo 477), tortura, desaparecimentos, métodos tecnicistas, autoritarismo exarcebado, delações... e tanto mais. Educação e política nunca andaram tão juntas, inseparáveis” (SCOCUGLIA,2007:18). É bem verdade que a repressão foi a primeira medida tomada pelo governo militar, todos que eram suspeitos de idéias contrarias ao regime, foram perseguidos, presos, exilados ou mortos. Os números da repressão no regime autoritário são surpreendentes: “17 atos institucionais, 130 atos complementares [...], 11 decretos secretos e 2.260 decretos-lei, 80 brasileiros foram banidos do território nacional por motivos políticos e uma dezena de milhares deixaram o País em virtude de ameaças e perseguições de caráter político-ideológio, cerca de 400 pessoas foram mortas ou se encontram desaparecidas” (CUNHA,1991:36-45). No campo da educação, os militares procuraram atacar de forma brutal tudo aquilo que poderia parecer com a idéia “comunista”, por isso “reitores foram demitidos, programas educacionais e sistemas educativos foram atingidos” (Ibid,1991:36-45). Na busca pelo desenvolvimento do capitalismo moderno, programas de educação como a “cruzada ABC”, “dirigida por missionários norte-americanos”, com dinheiro dos Estados Unidos da América, procuravam substituir projetos de educação de massas. No sistema educacional, aqueles que defendiam o ensino público, gratuito e de qualidade foram substituídos, aos poucos, por aqueles que desejavam a “hegemonia” da escola privada, subsidiada com verbas do Estado. Os conselheiros do Conselho Federal de Educação que concordavam com o regime foram mantidos e tiveram seu mandato prorrogado, professores e estudantes foram expulsos das instituições em que lecionavam ou estudavam. A fúria repressiva cassou, também, funcionários do MEC, das secretarias estaduais e municipais de educação e simples professores foram demitidos quando não concordavam com a política governista. Em fevereiro de 1969 foi lançado o decreto-lei 477, segundo o qual cometeria „infração disciplinar‟ o professor, o aluno ou o funcionário de qualquer estabelecimento de ensino, público ou privado, que praticasse atos destinados à organização de movimentos „subversivos‟, passeatas, desfiles ou comícios não autorizados ou deles participar, bem como conduzir ou realizar, confeccionar, imprimir, ter em depósito, distribuir material „subversivo‟ de qualquer natureza, sendo professor ou funcionário o infrator, seria demitido e proibido de ser nomeado por cinco anos, sendo estudante, acarretaria o desligamento do curso e proibido de entrar em outro por três anos. As apurações do processo de infração deveriam ser feitas por processo sumário, ou seja, um processo breve em que a sentença seria dada em, no máximo,

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48 horas, até esse período o acusado teria que apresentar a sua defesa. Se o júri não fosse montado e não desse o veredicto nesse prazo, o próprio agente da repressão, que também era visado, seria expulso do estabelecimento e proibido de lecionar, tido como um professor „subversivo‟. Somente em 1979 que o decreto-lei 477 e outras medidas repressivas foram revogados, porém, mesmo antes de baixado o A.I. 5 ou o decreto-lei 477, todos os professores eram considerados suspeitos de „subversão‟, tendo que apresentar um “atestado de ideologia” emitido pelo DOPS (Departamento de Ordem Política e Social). As universidades tinham assessorias de segurança e informação, professores tinham negado seus pedidos de bolsas de estudo e licenças para comparecer a congressos técnicos. Ainda não se sabe quantos professores e quantos estudantes tiveram seu trabalho ou seus estudos prejudicados pela repressão, mas sabemos que tudo isso colocou o Brasil numa „marcha lenta‟ rumo a melhorias de ensino, pesquisa e, até mesmo, qualidade de vida da população. Em 1970 o governo autoritário afirmava que a economia estava indo bem, porém o que se percebia era o contrário, principalmente para a classe menos favorecida. No entanto, uns estavam se beneficiando da miséria de outros, então alguns argumentadores do regime procuraram explicações para a miséria e exploração do povo fora do campo econômico, e foi na educação que eles resolveram jogar toda culpa pela miséria dos brasileiros. Se o problema era porque a renda estava mal distribuída, a resposta era simples: “a renda está mal distribuída porque uns tinham mais acesso à escola do que outros” (Ibid,1991:36-45). A educação foi posta como papel milagroso para os problemas sociais e a mídia de massa foi um dos maiores difusores dessa ideologia. O governo procurou lançar programas que contavam com apoio do rádio e da televisão, tais como o Movimento Brasileiro de Alfabetização (MoBrAl) e o Projeto Minerva, além de medidas como dobrar o tempo de escolaridade obrigatória de quatro para oito anos, porém a realidade mostrava que as condições de escolarização pioravam cada vez mais, principalmente na base escolar. Os excluídos da escola aumentaram de um milhão em 1970 a 1980 e isso demonstra que a política educacional pretendida mantinha-se cada vez mais lesiva aos interesses fundamentais do povo brasileiro. O número de iletrados diminuía a números irrisórios se comparados à quantidade de verbas dispostas a tal fim. O governo vangloriava-se de mais alunos nas escolas, porém essa escolarização demonstrou-se “insuficiente” e insatisfatória, os pedagogos e economistas da educação pareciam ignorar que o analfabetismo só foi superado pela expansão das oportunidades de ensino público e gratuito acompanhado

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de significativas melhorias no padrão de vida das classes populares e por meio de campanhas maciças de educação popular. O que ficou demonstrado foi a procura pela formação de uma base maciça de eleitores para a sustentação política do regime, porém o que se formavam eram eleitores para o Movimento Democrático Brasileiro (MDB) e, enquanto o governo se gabava dos dados que mostravam um aumento no número de alfabetizados, “os dados estatísticos escondiam as elevadíssimas taxas de evasão e os métodos pedagógicos eram inadequados aos analfabetos visados” (Ibid,1991:36-45). O ensino superior de qualidade demonstrou-se cada vez mais limitado, geralmente direcionado à população rica, enquanto o de má qualidade era ministrado em instituições particulares que eram, geralmente, mais procuradas pela parte pobre da população. Tendo em vista os péssimos ensinos fundamental e médio ministrados nas escolas públicas, os filhos das classes populares não conseguiam passar no funil do vestibular. Isso, sem contar os milhões de crianças e jovens que só tinham o primário e ficaram com um padrão de estudo baixo, não conseguindo dar continuidade em seus estudos e tornando-se, em muitos casos, mão-de-obra barata e desqualificada. Tudo isso não resolvia o problema social das classes populares, que eram mantidas subjugadas em sua posição subalterna e distanciada dos espaços formais e legais de deliberação sobre o bem público.

3. A Marca Popular da Educação Elaborada por Paulo Freire e Gramsci Podemos sintetizar o pensamento de Paulo Freire como uma teia educacional “filosófico-político-pedagógica,

na

qual

reinterpreta

criativamente

elementos

da

fenomenologia (FIORI,1970:3-16), horizontes marxistas (TORRES, 2003:181–228), aspectos de um cristianismo social que fazia parte dos “pobres”, dos “colonizados”, dos índios, dos negros, das mulheres, dos “condenados da terra”, uma força histórica capaz de recriar a realidade “desde el reverso” (GUTIERREZ,1970)” (In.: SEMERARO, 2004:37). Podemos localizar em 19581 elementos que permaneceram na concepção educativa de Paulo Freire, como a perspectiva de que o processo educativo não deveria ser realizado nem “para” nem “sobre” os educandos, mas “com” eles, conclamando-os a participarem de todo o processo pedagógico e político em que estão envolvidos. Sabemos também que daqueles anos “à primeira metade dos anos oitenta, parte significativa dos trabalhos realizados sobre a obra

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“A Educação dos Adultos e As Populações de Marginais: O Problema dos Mocambos”, relatoria da comissão integrada por Paulo Freire, e componente do Relatório Final do Seminário Regional de Educação de Adultos, preparatório ao 2º Congresso de Educação de Adultos, realizado no Rio de Janeiro.

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de Paulo Freire tem como base de referência teórica exclusiva proposições colocadas nas reflexões oriundas das primeiras experiências com a alfabetização de adultos no Brasil, entre 1961 e abril de 1964, girando em torno do que se conhece como „Método Paulo Freire‟” (SCOCUGLIA,1999:8). Neste período ele dedica-se à prática educativa no Movimento de Cultura Popular de Recife, inserindo-se no quadro da prática da educação popular brasileira, cuja presença dos católicos progressistas era marcante. Os ativistas cristãos animavam os movimentos de educação e cultura popular com o objetivo de educar politicamente o povo para a participação que orientasse o país a uma ampla reforma de suas velhas e injustas estruturas. Assim, o papel da educação dialógico-política seria tanto o de “catalizar” o processo de conscientização, quanto o de evitar um dos possíveis males do desenvolvimento moderno: o advento da massificação dos Seres Humanos através de uma educação mecanicista, voltada mais para o mercado do que para a emancipação humana. Ou seja, o método de Freire partindo da suposição de localizar na espécie humana uma especificidade que a distingue dos demais animais, trabalha o conceito antropológico de “cultura”. Tendo como início dois objetivos básicos: o primeiro é o de mostrar aos educandos que eles são pessoas que “fazem cultura”, valorizando a cultura popular e combatendo o discurso que os caracteriza como “incultos”; o segundo é o de fazer com que os educandos desnaturalizem sua própria existência, estranhem a si mesmos, e percebam que, como seres de cultura, podem modificar suas vidas através de uma ação político-cultural – como o próprio ato de se alfabetizar. Na célebre obra “Pedagogia do Oprimido”, Freire está mais preocupado em diferenciar as ações dialógicas das ações manipuladoras ou de conquista, mas na prática a linha que divide uma da outra é muito tênue e praticamente invisível, “especialmente nos momentos em que a efervescência político-ideológica é acentuada (como nos anos 60). As forças políticas, precisamente por serem políticas, desejam e apostam na melhor possibilidade de “vencer”. Neste sentido, a manipulação (“das consciências”) ganha terreno”, assim “a educação deixa de ter „certos aspectos políticos‟ para „ser política em sua integridade‟. O autor não consegue desvencilhar o ato educativo do ato político” (SCOCUGLIA,2001:347). Scocuglia ao analisar o pensamento de Freire descobre uma ligação com as idéias de Gramsci, para o qual a luta ideológica é tão importante quanto a do “campo da economia”. Em outras palavras, as lutas no território da „superestrutura‟ contribuem efetivamente para a construção de uma contra-hegemonia dos subalternos. Com efeito, o político italiano defende um caminho triplo para tal construção: o investimento na „crise de hegemonia‟/‟crise de

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autoridade‟; a „guerra de posição‟ e a „ação dos intelectuais‟ orgânicos ou aliados dos subalternos” (Ibid,2001:347). A problematização através da dialógica freireana é extremamente importante para uma escola que pretende ter papel destacado na construção de uma contra-hegemonia, para isso precisamos construir uma pedagogia que entre em conflito com as relações existentes, que “afirme uma concepção de educação básica (fundamental e média) pública, laica, unitária, gratuita e universal, centrada na ideia de direito subjetivo de cada Ser Humano” (FRIGOTTO, 2002:26), que forme sujeitos autônomos capazes de serem seus próprios dirigentes de sua própria história, que compreendem que “não é suficiente conhecer o conjunto das relações enquanto existe em um dado momento como um dado sistema, mas importa conhecê-los geneticamente em seu movimento de formação, já que todo indivíduo não é somente a síntese das relações existentes, mas também é a história destas relações, isto é, o resumo de todo passado” (GRAMSCI. In. VENTURA, 2011).

CONCLUSÕES Ao iniciarmos as análises dos fatos históricos construídos pelos Movimentos Populares no período de 1949–1964, notamos um conjunto de iniciativas para tirar a educação da sombra e de um plano secundário. Os movimentos reivindicavam não apenas uma universalização de um direito, mas uma educação que pudesse valorizar sua cultura, sua consciência histórica de mundo e servir como instrumento para a população se tornar dirigente de seu próprio destino. O sucesso e reconhecimento do método Paulo Freire é um pequeno exemplo, assim como movimentos iniciados e incentivados pelas organizações estudantis e populares que apontavam para uma mudança social a ser modelada com as mãos de todos das classes populares. Num país com as proporções do Brasil e com o contraste social causado em maior parte pela péssima distribuição de renda e terra, alguns chegavam a pensar que poderia se delinear até uma revolução. Os setores que acreditavam nisso “arregaçaram as mangas” e partiram com força para cima deste ideal. Por isso, na década de 1960 vimos movimentos de educação popular surgirem e serem extintos após o golpe de 1964, que foi uma verdadeira barreira de aço, somente transposta após 30 anos de massacre aos Movimentos Populares. Sabemos que as mudanças são fruto de um lento processo de persuasão e catarse, por isso o trabalho educativo de um centro de cultura popular não pode limitar-se a simples enunciação teórica de um principio metódico claro, mas deve surgir através de uma

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problematização intensa da sociedade em que vivemos, partindo para a construção de um sujeito político capaz de conduzir sua própria história, não perdendo de vista toda história da qual ele faz parte. Refletindo sobre o assunto, pensamos que os traços fundamentais de um projeto político-pedagógico brasileiro, não “pode perder de vista a condição de „colonização‟ e de „dominação‟” (SEMERARO,2004:38) que o capitalismo impõe na América Latina. Sabendo da necessidade de analisar com atenção o contexto histórico, “os atores, as circunstâncias, as ideologias e as forças políticas em jogo tanto no Brasil como no cenário mundial, quando se quer pensar e realizar um projeto de país voltado para a elevação social e intelectual da grande maioria da população empobrecida” (Ibid,2004:38), além de “potencializar as formas de resistência e as contrapropostas que inúmeros sujeitos sociais, mesmo reprimidos e desqualificados, vêm desenvolvendo para afirmar sua liberdade e criar sua própria identidade política, construindo representações e modos de viver alternativos aos modelos que são impostos de fora e pelo alto” (Ibid, 2004:38). A proposta de analisar o período em pauta vai de encontro com a de recriar a democracia e um “Estado ético-político”, que possa partir da participação das classes populares organizadas na sociedade civil, preconizando uma educação que vise um projeto de socialização e democratização, libertação e emancipação, onde aqueles que se compreendem como subalternos possam ter o controle dos setores estratégicos da sociedade, passando de atores coadjuvantes passivos a sujeitos ativos no processo de decisão dos rumos da sociedade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CUNHA, Luiz Antônio & GÓES, Moacyr. O Golpe na educação. (7ª Edição) Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1991. FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler em três artigos que se completam. São Paulo: Cortez/Associados, 1982. ROMANELLI, Otaíza de Oliveria. História da educação no Brasil: 1930/1973. (32ª edição) Petrópolis, RJ: Vozes, 2007. SCOCUGLIA, Afonso Celso. A história das idéias de Paulo Freire e a atual crise de paradigmas. (2ª edição) João Pessoa: Ed. Universitária/UFPB, 1999.

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_______________________. A educação popular no inquéritos policiais militares pós-1964. In.: Eccos: revista científica. Educação brasileira, 1960-2000: itinerários históricos e filosóficos. São Paulo: Centro universitário Nove de Julho, 2007. SEMERARO, Giovanni. A Primavera dos Anos 1960: A Geração de Betinho. Edições Loyola, 1994. ____________________. Linhas de Uma Filosofia Política da Educação Brasileira. In.: Revista Movimento, Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense, n. 10. Editora da UFF, setembro de 2004. (pp. 35 a 49). VENTURA, Jaqueline P. A Trajetória Histórica da Educação de Jovens e Adultos Trabalhadores. In.:Trabalho e Educação de Jovens e Adultos. Brasília: Liberlivro, 2011.

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