Henry Veitch (1782-1857): um anglo-madeirense, decano dos cônsules britânicos em Portugal (2014)

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Henry Veitch (1782-1857): um anglo-madeirense, decano dos cônsules britânicos em Portugal. Paulo Miguel Rodrigues Universidade da Madeira (UMa) Faculdade de Artes e Humanidades (FAH) Centro de Investigação em Estudos Regionais e Locais (CIERL) [email protected]

Henry Gordon Veitch nasceu em Selkirk (Escócia), a 2 de Julho de 1782 e foi um dos mais importantes e influentes cônsules britânicos na Madeira. Começou a exercer funções no Funchal em 1799, então como assistente, nos consulados liderados por Charles Murray (alguns meses) e Joseph Pringle1, substituindo depois este último, em Abril de 1809, numa fase crucial das guerras napoleónicas e, em particular, do envolvimento das forças britânicas na zona do Atlântico onde se insere a Madeira (decorria então a segunda ocupação da Ilha) e do seu compromisso na guerra peninsular2. Assumiu então as funções de cônsul geral e de agente britânico para o arquipélago, por nomeação de Jorge III, exercendo o cargo, de forma ininterrupta, durante as duas décadas seguintes. Em Setembro de 1807, então ainda assistente de Pringle, aparece definido no “Memorandum of Characters” que Beresford remeteu a Castlereagh, em vésperas da tomada da Ilha, no qual eram caracterizadas as principais personalidades da Ilha, como um indivíduo “calmo” e “sensato”, “respeitado” e bem visto pela elite insular. Ainda assim, também se acrescentava que adoecia com alguma frequência e que levava uma vida algo retirada, afirmando-se que não era de palavra ou acção fáceis (no original “it is not easy to get him to speak or to act”), embora se reconhecesse que era um homem “prudente e com bom senso”3. Na verdade, tendo em conta uma visão global sobre o período em que desempenhou funções, não custa reconhecer que quem dele, no início do século XIX, traçou o breve perfil, atrás mencionado, acertou no essencial. 1

Charles Murray, nomeado cônsul a 7/9/1771, esteve em funções até 1800; Joseph Pringle foi nomeado a 15/3/1800 e exerceu até 1809. Veitch foi nomeado a 29 de Abril deste ano. 2 A respeito da Madeira durante as guerras napoleónicas vide Paulo Miguel Rodrigues, A Política e as Questões Militares na Madeira - o Período das Guerras Napoleónicas, Funchal, C.E.H.A., 1999, p. 450. 3 WO 1/354, Beresford para Castlereagh, 9/9/1807, “Memorandum of Characters” (autor anónimo). Este texto foi analisado, transcrito e impresso por M. D. D. Newitt, "Who was in Madeira at the time of the second British occupation of 1807", Portuguese Studies, Vol. 15, 1999, pp. 70 -80. O original encontra-se em língua inglesa.

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Como é evidente, para além da personalidade evidenciada, também contibuiram para a sua nomeação os apoios que conquistou junto do Foreign Office e o facto de, à época, ser sócio da importante Firma Scott Pringle & Cª (mais tarde Scott, Longhnan, Penfold & Veitch), de onde já tinham saído, aliás, outros cônsules. Assim, para além da intervenção de Pringle, Veitch também contou, em Londres, por exemplo, com o apoio de Spencer Perceval4, futuro primeiro-ministro, e do seu secretário, George Harrison5, de quem era cunhado. Contudo, só a intervenção de Henry Dundas, Visconde de Melville6, se revelou fundamental e decisiva para convencer o então ministro dos negócios estrangeiros, George Canning, a nomeá-lo. Uma vez em funções, tudo indica que só passados doze anos, em 1821, é que Henry Veitch solicitou a primeira autorização para se deslocar à Grã-Bretanha, alegando necessidade de tratar de assuntos particulares. Foi a partir da Madeira, portanto, que viu o decorrer e a conclusão das guerras napoléonicas, chegando, inclusive, a contactar com Napoleão Bonaparte, quando este passou pela Baía do Funchal, a bordo do HMS Northumberland, em Agosto de 1815, a caminho do exílio em Santa Helena7, e assistiu ao processo de transição, que conduziu à chamada revolução liberal e lidou, de muito perto, com as consequências que aquele e esta tiveram nas relações da Madeira com a Coroa e o(s) poder(es) central(ais). Depois, em 1828, com o decorrer da guerra civil em Portugal, Veitch recebeu ordens de Londres para suspender as suas funções, acusado pelos miguelistas, que entretanto tinham conquistado a Ilha, de estar a apoiar e a proteger os liberais. Já então era o decano dos cônsules britânicos no mundo - ele próprio chegou a fazer disso menção, na correspondência para o Foreign Office - e, de facto, nunca escondera a sua

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Spencer Perceval (1762-1812): político britânico, KC e First Lord of the Treasury. Primeiro-ministro (em Out. 1809), foi o único que desempenhando tal cargo foi assassinado (Maio 1812). Conservador, apoiante de William Pitt, opôs-se à emancipação dos católicos e à reforma do parlamento. Foi favorável à abolição do tráfico de escravos. 5 George Harrison (1767-1841): Era irmão de Margaret Antoinette Harrison, primeira mulher de Veitch. foi o primeiro secretário permanente do Tesouro (1805), embora então ainda com os títulos de assistant secretary e de law clerk. Quando assumiu funções tinha já uma razoável experiência administrativa. Conservador, manteve-se sempre muito próximo das ideias políticas de Lord Liverpool, Robert Jenkinson, ministro da guerra e colónias de Perceval e futuro primeiro-ministro, após a morte deste. Sobre a sua actividade política e administrativa vide J. R. Torrance, “Sir George Harrison and the growth of bureaucracy in the early nineteenth century”, English Historical Review, vol. LXXXIII, nº 326, Jan. 1968, pp. 52-88. 6 Henry Dundas (1742-1811): 1º visconde de Melville, escocês, como Veitch, antigo ministro da guerra (1794-1801), já então reformado, mas ainda com muita influência nos bastidores da vida política do Reino Unido. 7 Cf. Paulo Miguel Rodrigues (1999).

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simpatia, primeiro pelos vintistas (de quem depois se afastou) e mais tarde pelos cartistas (com os quais melhor se identificou). A este respeito, convém esclarecer que as acusações de que então foi alvo tinham fundamento, pois em várias ocasiões foram visíveis do exterior das suas casas no Funchal alguns dos seus hóspedes, em particular os que acolheu naquela que tinha por residência, contigua à Ribeira de Santa Luzia, cujo edifício chegou a ser apedrejado por populares. Mas se tinham sido as simpatias políticas do cônsul a impor a sua retirada, no quadro da defesa dos interesses britânicos na primeira fase da guerra civil, também foram aqueles que promoveram o seu regresso, em Fevereiro de 1832, então numa conjuntura em que ao governo britânico, liderado por Charles Grey (2º Conde de Grey), já pouco interessava a manutenção de D. Miguel em Lisboa. Claro que em Londres, para além disto, também já se percebera que era praticamente impossível os miguelistas conservarem o poder por muito mais tempo. Uma vez mais, numa fase de transição e de conflito na política e sociedade portuguesa e madeirense, Veitch regressou ao serviço (do qual, aliás, na verdade, nunca fora formalmente destituído), desta vez para cumprir aquele que seria o seu último exercício consular, durante quatro anos, até 1836. Só então foi definitivamente demitido do cargo, em parte devido às inimizades que entretanto gerara (na Ilha e fora dela), mas também por causa dos conflitos e das rivalidades em que se envolvera no seio da própria comunidade britânica, um corpo muito mais complexo do que vulgarmente se pensa, mas no qual, até meados da década de 30, Veitch sempre conseguiu exercer a sua reconhecida capacidade para harmonizar diferenças identitárias, fundadas em diversidades de carácter religioso e/ou político, que se faziam sentir em particular entre escoceses e ingleses, mas também entre estes e os irlandeses. Aqui residiu, aliás, um dos seus maiores trunfos: a capacidade de pensar como britânico, fazendo-o, durante quase três décadas, com uma astúcia que fomentou e fortaleceu a união na comunidade de língua inglesa, sem colocar em causa, de uma forma geral, o entendimento com as autoridades e os civis portugueses e madeirenses. Não por acaso, a partir do momento em que Veitch deixou de funcionar como elemento aglutinador, viu desvanecer grande parte do interesse e do crédito que sucessivos governos britânicos lhe haviam reconhecido. Neste quadro, acabou por ser afastado não por qualquer sugestão do governo português, mas devido a jogos de poder e de influência no seio da sua própria comunidade, da qual, aliás, se foi afastando gradualmente. 3

A isto dever-se-ão juntar, ainda para explicar o seu afastamento, as crescentes disputas em que se envolveu com alguns dos seus superiores, no Foreign Office, em particular após 1825, quer por se sentir afectado pelas reformas administrativas que então se inauguraram no serviço consular britânico, quer por discordar de algumas das políticas seguidas pelo Gabinete e pelos poderes instituídos em Lisboa. No primeiro caso, viu desaparecer parte da sua autonomia política e assistiu à redução dos seus rendimentos consulares; no segundo, foi evidente, por diversas vezes, a sua discordância em relação a algumas das opções políticas seguidas por Londres, quanto à inserção da Madeira nos impérios (informal) britânico e português. Note-se que, a este respeito, foi frequente Veitch pautar a sua atitude pela defesa dos interesses madeirenses e a sua especificidade, o que muitas vezes o levou a entrar em conflito tanto com os poderes instalados em Inglaterra, como com aqueles que se encontravam no Reino. O consulado de Veitch pode dividir-se em quatro períodos: 1. o inicial, entre 1809 e 1815, que coincidiu com as guerras napoleónicas (um período áureo da História da Madeira, saliente-se), e, por isso, com a presença militar e a crescente migração de elementos britânicos para o espaço insular, que fomentaram novos paradigmas nas relações internas e entre a Ilha e os espaços exteriores, em particular com o Reino Unido, com o Reino e até com o Brasil8; a questão que levantou, quanto ao teor da presença britânica na Madeira no fim do conflito; 2. entre 1816 e 1822, durante o qual contribuíu para que se ultrapassassem, de uma forma geralmente pacífica, algumas das questões políticas que haviam emergido como consequência das guerras napoleónicas (desde o teor da presença e das relações com a Inglaterra e com o Brasil, até às correntes independentistas, passando pela definitiva consolidação da soberania portuguesa, através do conceito de adjacência, a que adiante regressaremos)9, abrangendo este período a instituição do Reino Unido de Portugal e do Brasil e as suas múltiplas implicações, a emergência do primeiro liberalismo português e a adesão da Madeira (no final de Janeiro de 1821) à causa do Reino. É durante este período que surge como um dos defensores da criação de um Cf. Paulo Miguel Rodrigues (1999) e “Pontes transatlânticas: das relações entre a Madeira e o Brasil no primeiro quartel do século XIX (alguns aspectos)”, Memória, Trânsitos, Convergências - Anais do XXII Congresso Internacional da ABRAPLIP (Salvador da Baía, Setembro 2009), 2011, pp. 989-999. 9 Cf. Paulo Miguel Rodrigues, “A Madeira durante o primeiro triénio liberal (1820-1823): autonomia, adjacência ou independência?”, Lusofonia - Tempo de Reciprocidades - Actas do IX Colóquio da AIL (Agosto 2008), vol. II, Porto, Edições Afrontamento, 2011, pp. 451-463. 8

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porto franco e que alguns sectores vintistas o associam ao que consideravam ser uma cabala anglomana para dominar o arquipélago10; 3. entre 1823 e 1828, em que se verifica o envolvimento do cônsul quer nas tentativas de definição e implantação do modelo liberal português na Ilha, quer nos diversos conflitos que então se geraram, inclusive nos primeiros anos de guerra civil, adoptando então uma atitude de claro apoio aos liberais, que o levou a ser afastado do exercício de funções; 4. o período final, entre 1832 e 1836, após o seu regresso ao consulado, que corresponde ao desfecho da guerra civil e à transição de poderes na Ilha, com a saída dos miguelistas (em Agosto de 1834, mais de dois meses após a Convenção de ÉvoraMonte) e o regresso dos liberais ao poder, processo no qual Veitch se envolveu directamente, contribuíndo para que tudo tivesse decorrido sem incidentes, durante a saída D. Álvaro da Costa Macedo. Um período que culminou com o seu afastamento definitivo, desgastado não só pelas diversas questões (algumas de carácter pessoal) em que se viu envolvido11.

A este propósito, aliás, em qualquer destes períodos existiu um denominador comum: o esforço constante do cônsul para garantir a paz interna e assegurar transições de poder pacíficas, em particular desde o início dos anos 20, quando no Reino se mergulhou num verdadeiro turbilhão político que marcou as gerações seguintes. No extremo, não é despiciendo afirmar que em muito se ficou a dever à acção de Veitch não só o facto da guerra civil portuguesa não se ter estendido, de forma sangrenta, à Madeira, assim como o desenvolvimento de focos internos de conflito armado, para além das habituais (à época) escaramuças pontuais. Mais, a este respeito, persiste, na historiografia portuguesa, o desconhecimento de que no primeiro quartel do século XIX a Madeira esteve, em diferentes momentos, perante quatro hipóteses, então bem identificadas e qualquer uma delas contando com apoiantes definidos12:

Cf. Paulo Miguel Rodrigues, “João Francisco de Oliveira entre Paris, Londres e o Funchal: percursos de um diplomata e activista político (1820-1823)”, Anuário do CEHA, nº 4, Funchal, SREC/CEHA, 2012, pp. 107-128. 11 Cf. Paulo Miguel Rodrigues, Madeira entre 1820 e 1842: relações de poder e influência britânica, Funchal, Funchal500Anos, 2008, p. 784; Cláudia Faria Gouveia, Phelps, percursos de uma família britânica na Madeira de Oitocentos, Funchal, Funchal500Anos, 2008, p. 261. 12 Para o seu dsenvolvimento, vide Paulo Miguel Rodrigues (2011). 10

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a) a adjacência ao Brasil (onde até 1821 se encontrava a Coroa); b) a independência da Ilha, pura e simples (embora reconhecendo-se que só seria possível com o apoio britânico); c) a adjacência ao Reino (de Portugal), na sequência da revolta liberal (a via que acabou por ser adoptada); d) a inserção da Ilha no império britânico, embora, neste caso, nunca se tivesse definido, de um modo claro, os termos em que tal se poderia verificar, para além da reconhecida e incontornável inserção do arquipélago na esfera do chamado império informal.

Ora, como facilmente se deduz - e não poderia ser de outra forma -, os britânicos estiveram envolvidos na definição do caminho a seguir e Veitch, pelas suas funções e influência, participou neste processo, sustentando reivindicações e decisões, pacificando disputas e até coordenando algumas acções. Isto significa, em concreto, que se é certo que o governo britânico, através do cônsul, contribuiu, por um lado, para o não desenvolvimento das ideias independentistas (por motivos que aqui não cabe desenvolver), também não é menos verdade que sempre sustentou as reivindicações autonomistas madeirenses13. Não porque em Londres se simpatizasse mais com uma das opções, em detrimento de outra, mas apenas porque, enquanto poder hegemónico, quanto maior fosse o grau de autonomia dos poderes insulares, menor era a necessidade da comunidade e dos interesses britânicos existentes no espaço atlântico madeirense ficarem dependentes das flutuações de poder em Lisboa14. No extremo, é certo, a independência também garantiria tal objectivo, mas com um outro custo (muito mais elevado), pelo grau de compromisso, inevitavelmente superior e a múltiplos níveis, a que iria obrigar, sem qualquer necessidade evidente na conjuntura pós-napoleónica. Cf. Paulo Miguel Rodrigues (2011) e “Da Autonomia na Madeira: uma proposta de reapreciação da sua génese e desenvolvimento durante a primeira metade do século XIX”, Das Autonomias à Autonomia e à Independência. O Atlântico político entre os séculos XV e XXI (coord. Avelino de Freitas de Meneses), Ponta Delgada, Letras Lavadas Edições, 2012, pp. 153-177. 14 Paulo Miguel Rodrigues, “Os interesses britânicos na Madeira”, O Exército Português e as Comemorações dos 200 Anos da Guerra Peninsular, I Vol., Lisboa, Tribuna da História, 2009, pp. 101152; “Um bastião britânico: a Ilha da Madeira durante a Guerra Peninsular, sep. Congresso Internacional e Interdisciplinar comemorativo da Guerra Peninsular - Perspectivas multidisciplinares, Comissão Portuguesa de História Militar / Academia Portuguesa de História / Centro de Estudos AngloPortugueses Universidade Nova, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian (9 Novembro de 2007), Lisboa, CPHM, 2008, pp. 319-336. 13

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Henry Veitch desempenhou, assim, um papel essencial na construção do novo paradigma, no sentido da afirmação de uma ideia de autonomia, que depois se desenvolveu e alicerçou, de uma forma relativamente pacífica, durante o primeiro quartel do século XIX, graças a uma conjuntura internacional favorável aos interesses madeirenses, fruto quer das profundas mudanças que se verificavam no mundo atlântico, quer do fraccionamento do poder da Coroa e do ‘Estado’ portugueses. Neste sentido, a defesa dos interesses madeirenses por parte de Veitch (os quais, note-se, não eram necessariamente coincidentes com os interesses britânicos ou sequer com os dos portugueses do Reino) vai destacar-se, pela sua maior premência, a partir da revolução liberal, desde logo porque esta, no caso português, significou, antes de mais, um processo de centralização do poder15. Daí a multiplicação dos focos de conflito que se começaram a verificar entre o cônsul e o poder liberal instituído em Lisboa, tanto por aquele considerar, em abstracto, que havia necessidade de promover a autonomia insular, como por apoiar várias propostas apresentadas pelos poderes insulares, no sentido da defesa dos chamados interesses madeirenses. Entre elas, podem destacar-se, por exemplo, a liberalização do mercado insular (com a excepção do comércio dos vinhos), a redução geral das taxas e dos impostos aduaneiros e a criação de um porto franco. A partir de meados dos anos 20, Veitch passou a contar no consulado com a assistência do seu primogénito, Robert Harrisson, tudo indica que o fez, até por tradição, com o objectivo de o promover ao lugar, mas a morte inesperada deste, numa deslocação a Inglaterra, em Outubro de 1833, não só o impediu de concretizar tal intenção, como também e acima de tudo, o abalou de sobremaneira, tanto física, como financeiramente, pelas dívidas do filho que se viu obrigado a assumir. Para o substituir ainda se serviu de outro dos seus filhos, George Waterloo (assim chamado por ter nascido em 1815), mas se então Veitch já era um homem frio, amargo e ressentido, cada vez mais sozinho, aquela perda, associada às crescentes disputas de poder internas, contribuíram para que se afastasse, cada vez mais, do meio social onde preponderara durante décadas. A partir de meados dos anos 30, aliás, começou a queixar-se de problemas de saúde graves e crónicos, servindo isto também para induzir, junto do Foreign Office, a 15

A este respeito vejam-se as sínteses apresentadas nas Histórias de Portugal sob a direcção de João Medina e José Mattoso, ambas publicadas em 1993.

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necessidade do seu afastamento. Uma vez retirado da actividade consular, ficou a receber uma pensão e até à sua morte só por uma vez voltou a estar presente nas reuniões gerais da comunidade britânica. Em 1837 aparece como presidente da Sociedade das Corridas Funchalenses e no início da década de 40 é fortemente elogiado pela prestigiada revista O Panorama. Em 1844, chegou mesmo a oferecer um plano para a construção de um cais na baía do Funchal, reivindicação esta que se tornara muito preemente desde pelo menos o período da presença militar britânica, no início do século, e que se manteria como uma das grandes questões durante todo o século XIX, só tendo começado a ser efectivamente resolvida pelo Estado Novo. No fundo, seguido por uns e detestado por outros, acabou por se revelar, como ele próprio muitas vezes afirmou, um elemento essencial para a manutenção da harmonia no seio da multifacetada comunidade britânica e para um relativo bom entendimento entre esta e a madeirense, na defesa de interesses que muitas vezes eram comuns. A demonstrá-lo, aliás, parecem estar as disputas que se deram após à sua retirada16. Casou por duas vezes: a primeira com Margaret Antoinette Harrison, de quem ficou viúvo em Julho 1837, e a segunda com a madeirense Carolina Joaquina de Freitas, em Julho de 1855, dois anos antes de falecer. Teve vários filhos e a morte inesperada e prematura de dois deles marcou-o dolorosa e profundamente. Foi na Madeira que Veitch passou a maior parte da sua vida (mais de 70%, ou acima dos 95%, se considerarmos apenas a sua vida adulta), circulando pelas suas propriedades, entre as quais, para além daquela que usava como residência e consulado no Funchal, se podem destacar as actuais Quinta Calaça e a sempre muito citada Quinta do Jardim da Serra, autêntico retiro romântico e onde tentou desenvolver o cultivo do chá. Homem de forte personalidade, teve uma vida privada algo atribulada, a respeito da qual ainda hoje se especula. Para tal, muito terá contribuido o seu feitio austero e a circunstância de, a partir de certa altura, se ter afastado de reuniões e de festividades comunitárias. Tudo isto associado a um pensamento político moderado, que ideologicamente se pode inserir no quadro de um liberalismo conservador, mas exercido 16

Cf. Paulo Miguel Rodrigues (2008).

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durante um período muito atribulado, que em Portugal se caracterizou por conflitos múltiplos e intensos, propenso a radicalismos. Henry Veitch morreu na Madeira, a 7 de Agosto de 1857, tinha 75 anos.

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