Hermeto: \"Música e Cidadania\"

September 14, 2017 | Autor: Cesar Martin | Categoria: Music, Hermeto Pascoal
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Hermeto: "A minha música é a maneira de eu conviver com o mundo"

O lendário multi-instrumentista e compositor Hermeto Pascoal voltou ao
Ceará em maio de 2009, para convidar o público com essa eterna magia da
vibração musical que leva dentro si próprio. Sua chamada "música universal"
é um estilo que, sempre imprimindo a assinatura do albino, está sendo
reproduzido pelo mundo inteiro. Ainda, o "Mozart nordestino" comenta que
compor e executar sonoridades é exercer sua cidadania política.

Amante de todas as músicas e amado por milhares de ouvintes, compositor
infatigável e virtuoso, demonstra um domínio absoluto de cada instrumento
musical que conhece. Os sons da natureza o fascinaram desde pequeno, da
mesma forma que aos índios. Hermeto Pascoal, 75, é um artista que há mais
quatro décadas, continua levando a vibração musical com raízes do nordeste
brasileiro até os confins auditivos do planeta. Inserido numa turnê sul-
americana, Pascoal novamente reúne plateias interessadas em conhecer esse
mundo do "Brasil Universo", genialidade sonora que nasceu com ele em
Alagoas, em 1936.

No cenário, tocando flauta, trompete, acordeão, piano, saxofone,
percussões variadas e cantando (às vezes com um copo cheio de água na
boca), desde há mais de 45 anos Hermeto vem conquistando a admiração de
artistas consagrados mundialmente, dentre eles a de Miles Davis, que uma
vez declarou: "Se eu pudesse nascer de novo, queria ser Hermeto Pascoal".
Tal como o costumava fazer aquele trompetista estadunidense, Pascoal se
refere à convivência social e humana por meio da arte musical.

Sua argumentação é a de que "a música é vibração; assim ela é sinônimo
de saúde física e mental; a música que afeta o espírito deveria ser
recomendada pelos médicos, e aquela que disturba nosso ser, penalizada
pelas autoridades", já é uma frase clássica entre os musicólogos e
aficionados. Só que, a diferença de Miles, o alagoano afirma tudo com
simpatia e num perceptível alto astral, nunca tendo gerado polêmicas ou
disputas com colegas ou meios.

Morando próximo ao seu estúdio de gravação em Rio de Janeiro, Hermeto
ensaia três vezes por semana com sua banda, que é composta por integrantes
antigos e novos. Como Fábio Pascoal (filho) na percussão e voz; Itiberé no
baixo; Vinicius Dorim para as vocais e nos ventos; André Marques no piano e
teclados, além da cantora Aline Morena, sua esposa, quem na metade do show
faz uma apresentação dançando chorinho com toda desenvoltura e beleza.

Durante suas turnês de apresentações, Hermeto e sua banda mesclam o
frevo, o jazz, a música contemporânea e outras influenciadas por Amadeus ou
Listz, Bach e Villa-Lobos. Com um estilo no qual o baião se faz marcante, o
Nordeste passa a ficar implícito em cada ritmo executado por Pascoal,
expondo outro jeito de levar o sentido auditivo do Brasil típico, até as
audiências globais mais exigentes. Em entrevista efetuada previamente ao
seu concerto no Festival do Choro e do Jazz, em Jericoacoara -CE, o
virtuoso expressa o que a música significa holisticamente, declarando que
ela está em tudo o que existe, e que ele se desenvolve tanto socialmente
quanto politicamente através dela.

César Martín: Será que você atesoura a vibração musical permanente dentro
de você?
Hermeto Pascoal: Sim, absolutamente, possuo-a e moro com ela. A música vem
para mim, vai e volta para se renovar, sempre com intuição no meio. Ela não
para, está sempre presente. É como o vento, como as águas, como a lua, como
as lembranças, as estrelas ou mesmo a respiração. Fazer música é assim, é
viver e conviver, deixar as coisas acontecerem e perceber o divino som
dentro delas.

C.M.: Qual sentido possui para você o estilo do "jazz"?
H. P: O jazz é uma palavra que designa um tempo musical. A referência de
uma música que se improvisa bastante. Agora é como uma coisa erudita, nós
tocamos bastante jazz, mas eu prefiro fazer a música que eu chamo
"Universal". Eu a designo assim porque ela tem jazz, tem clássico, frevo e
maracatu do Brasil, inclui tango e tudo o que você puder imaginar. São
vários estilos, e isso é porque eu gosto de todos eles, bem diferentes, e
se você olha um pouquinho vai ver que todos eles nascem de pessoas
humildes, em situações de carência, que mesmo assim conseguem alçar sua
voz. Não dá para fazer tanta música num só concerto, por isso eu criei a
"música universal". Desejo tocá-las a todas, sempre com bom gosto, bem
tocada, moderna, com roupagens novas: harmonia e ritmos novos (7 x 4, 5 x
4, valsa ou tango), tudo misturado. E se me perguntam porque eu faço isso,
só posso responder que estou exercendo a minha liberdade, de uma forma
musical. Isso eu venho fazendo há mais de 50 anos.

C.M: Quais são os componentes sociais que você detecta nas suas músicas
prediletas?
H.P: Na verdade, eu enxergo absolutamente tudo dentro da música, sejam
fatores humanos ou naturais. Eu considero que poderia tocar em atos
políticos ou religiosos, e boa parte dos presentes compreenderiam que há
desses tipos de elementos inseridos no som. Assim como o maravilhoso Vitor
Hugo era um grande cidadão e exercia sua cidadania com sua literatura
(nossa, e que romances, meu Deus!) eu penso que os músicos a exercemos com
nossas composições e desempenhos. Ali está a responsabilidade enorme que
carregamos, e é realmente impossível negá-la.
Dependendo do artista e do ouvinte, e da apertura das suas almas, que
pode haver sociologia, antropologia e até culinária inserida na arte
musical. Eu particularmente faço o que faço com muito amor, o fator
fundamental da vida, e considero que antes que virtuosidade eu comunico
isso, amor real. Se revisássemos um pouco a história é claro que muitas
sociedades superaram momentos terríveis tendo a música como protagonista
fundamental. O "jazz" de que você falou é um exemplo claro: os americanos
saíram daquela gravíssima crise (dos anos 30s) dançando ao ritmo do swing,
com o sorriso do Louis Armstrong e o rosto engraçado com clarineta do Benny
Goodman.

C.M: Alguma vez sentiu alguma controvérsia por ter gravado uma peça com a
voz de Fernando Collor de Melo?
H.P: Claro que não, até porque, independentemente de quem ele é, a frase
que ele disse naquela vez foi muito bonita ("o pensamento positivo trará
ações positivas"), e eu concordo com ela. Também porque o ritmo e a
musicalidade da sua fala geraram mexeram com minha intuição. Eu conheço o
Collor há muitos anos de Alagoas, e fiz amizade com ele quando era senador,
eu acho. Ainda o considero um sujeito legal, e como político, posso dizer
que a sociedade soube o que fazer com ele.

C.M: O senhor considera de maior importância à música antes que o músico?
H.P: Com certeza. Eu gostaria que sejam lembradas as melodias e harmonias
que escrevi, e depois quem eu fui. Isso é básico: quando ligamos o rádio e
soa o Pixinguinha, automaticamente vamos mexer o nosso corpo, assobiar e
cantar com ele. E depois, quando o apresentador aparece, vamos confirmar
que a música era dele, tão majestoso, uma maravilha. Eu sempre pensei que a
música, quando é universal, nem expira, nem morre, e ultrapassa a vida das
pessoas.

César A. Martín.
Jornalista e Apreciador Cultural.
[email protected]
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