Heróis Injustos - Justicialismo e Conservadorismo na ficção

July 15, 2017 | Autor: Pedro Coelho | Categoria: Super-heróis, Conservadores, Justicialismo, justiça Criminal
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Heróis Injustos
Justicialismo e Conservadorismo na ficção
Pedro Miguel Coelho Miranda Ferreira, nº 7161
Licenciatura de Arte Multimédia – 3º ano
FBAUL 2014/15
Sumário
Resumo 1
Introdução 1
Justiça e Justicialismo 2
Justiceiros Ilegítimos 3
A Injustiça em Batman 4
Revolução e Conservadorismo 6
Conclusão 7
Referências 7
Resumo
Analisa-se a diferença entre justiça e justicialismo, partindo da Rule of Law, e os fenómenos do posterior na história ocidental, nas suas diversas manifestações tanto de propósito revolucionário como reacionário. Partindo dessa compreensão, procura-se perceber a corrente da ficção de super-heróis, que se apresenta à margem destas problemáticas, divinizando comportamentos criminais. Estuda-se os diferentes casos, em particular o de Batman, de modo a perceber se estas histórias em questão são mais conservadoras ou progressistas, e quais as suas implicações.
Palavras-chave: Justiça, justicialismo, conservadorismo, progressismo, heróis.
Introdução
Nesta reflexão pretende-se compreender diversos fenómenos de presença ideológica na cultura, através das noções de conservadorismo e progressismo na ficção de super-heróis, um meio de cariz fortemente sociopolítico. Desse modo é possível tornar evidente que comportamentos e ideias são transmitidas sob a superfície na sociedade contemporânea, de que modo ideologias são romantizadas ou vilificadas e qual a sua influência no panorama social.
Para tal efeito, o estudo focar-se-á na questão de justiça, e suas divergências, e de que modo são locais de manifestação ideológica, tanto na história ocidental como na sua ficção. Segue-se uma aplicação dessas premissas nas diversas histórias de super-heróis, de modo a verificar a validade da legitimação que estes apresentam, e a mensagem das suas subtis inclinações políticas, com enfase no caso de Batman, devido ao seu forte potencial político. Por fim, reapresentam-se diversos casos contrastantes de modo a diversificar a amostra antes que se possam tirar conclusões definitivas sobre a ideologia presente em tais produções fictícias.
Justiça e Justicialismo
A noção de justiça na sociedade ocidental foi vítima de mudanças radicais nos últimos séculos, abandonando a soberania ilimitada do governante, que decidia pelo seu próprio critério as permissões e punições que se exerciam sobre atividade criminal, substituindo-a por um conjunto de regras fixas e alegadamente imparciais, aplicáveis a todos os membros da comunidade sem distinção, conhecido como Rule of Law. A primazia da lei significava que as vontades do sujeito se tornavam irrelevantes perante as normas do grupo, e a noção de justiça deveria apenas derivar daí. Consequentemente, todas as formas de aplicação de justiça assentes na individualidade foram erradicadas, e categorizadas como justicialismo, uma forma corrompidas de retribuição vingativa, sem qualquer valor moral.
Tais comportamentos foram criminalizados, como a atuação à margem da lei, pelo seu potencial perturbador da ordem social, mas também pelo perigo que apresentavam enquanto cedência de poder as partes terceiras cuja legitimidade era duvidosa. No entanto diversos casos de justicialismo acompanharam permanentemente a evolução da sociedade até à época contemporânea, na forma de indivíduos descontentes com o panorama vigente, e desejosos de o reestruturar. Estes fenómenos nasceram igualmente de fações políticas revolucionárias ou reacionárias, e são geralmente encarados como períodos negros da história.
O Terror na Revolução Francesa, perpetuado pelos jacobinos, tornou-se um exemplo muito concreto da primeira opção, um grupo que encarou a solução das dificuldades sociais como uma necessidade de destituir a classe dominante, através de meios de violência extrema. Apesar da legitimação do povo, a número de decapitação que se efetuaram durante esse temo acabou por converter o movimento numa organização tirânica, e qualquer pretensão de ajudar os mais desfavorecidos acabou por falhar pelo medo que instaurou nas mentes daqueles que tentava proteger. No entanto, o conservadorismo não se encontra inocente de tais atos, como é evidente pela perseguição e assassinato de homossexuais que ainda se evidência na sociedade atual, pela vilificação de qualquer comportamento desviado da norma involuntariamente convencionada. O descontentamento é uma necessidade para uma constante evolução e melhoramento, no entanto sofre desse perigo, associações cujos métodos ultrapassem os limites e prefiram abordagens de violência excessiva.
Justiceiros Ilegítimos
Partindo destas considerações, é evidente que, mesmo que a sociedade tenha proibido a existência de vigilantes, pessoas que punem atividade criminal sem pertencer a forças policiais, tal meio de conduta beneficia de um certo prestígio na produção fictícia, nomeadamente na literatura de super-heróis. A tipologia primária de tal género literário assenta na construção de uma figura que combate o crime, um arauto da justiça, que no entanto não tem qualquer afiliação policial e trabalha à margem do sistema, cuja única legitimação são as suas capacidades, que tal personagem afirma utilizar "para o bem".
Mesmo que pequenas referências se verifiquem, a maioria dos casos opta por desculpabilizar a questionabilidade moral das ações do seu protagonista. Mas por mais que o bem seja o objetivo último, levanta-se uma problemática entre teleologia e deontologia, até que ponto os meios podem justificar os fins. No entanto, mais que reacender tal discussão, é pertinente compreender as implicações do "bem" por eles defendido, e a validade de tal fim, quem de facto beneficia da proteção dos heróis.
Super-heróis são, por natureza, protetores do status quo, ajuramentados a defender a ordem pública das ameaças criminais. A qualquer altura na sua carreira, todo o herói foi chamado a defender um banco de um assalto, auxiliar a polícia (ainda que não afiliado com ela), em suma, atividades que tendem a defender mais as ferramentas do sistema em vigor que os seus indivíduos. Mais ainda, diversos super-heróis pertencem à classe dominante, como Tony Stark (Iron Man), Oliver Queen (Green Arrow) ou Bruce Wayne (Batman), sendo ainda donos de corporações multinacionais, causando um reduzido desejo de mudança social. Esta constatação retira os casos apresentados do espectro do justicialismo revolucionário, revelando-os apenas com preocupações conservadoras.
Privados de considerações democráticas, a sua legitimação não lhes é atribuída pelo povo, que não defendem, nem pelo sistema, que não pode autorizar abertamente aquilo, mesmo que se proponha a servi-lo, não deixa de ser uma conduta desviante e criminal. Consequentemente, apenas em si mesmos encontram a justificação para as suas ações, tiranos que se autodenominam juiz e jurados do destino de outrem, forçando a sociedade a aceitar os seus ideais de justiça, um comportamento bem característico de grupos terroristas.
A Injustiça em Batman
O caso de Batman é de uma peculiaridade ainda mais extrema, pelo intenso conservadorismo que representa, e consequentemente uma análise mais extensiva é requerida. Filho de magnatas burgueses, Bruce Wayne viu o assassinato de seus pais a uma idade muito jovem, às mãos de um assaltante de rua, e foi essa tragédia familiar que inspirou a sua cruzada. Educado pelo seu mordomo, Alfred Pennyworth, teve uma infância muito protegida, característico de alguém da sua condição social, e posteriormente herdou a empresa de família, Wayne Enterprises. Sem ter que trabalhar um único dia da sua vida, e com contacto limitado com os extratos sociais desfavorecidos, Bruce autointitula-se o salvador da cidade de Gotham, sem qualquer conhecimento real da situação em que se encontram os seus habitantes. Desse modo ele perpetua o mito do patrão benevolente, alguém que, de uma posição de superioridade, administra pela sua própria vontade benefícios aos seus súbditos, sem qualquer tipo de consentimento da sua parte. Mais ainda, os métodos que ele aplica são altamente questionáveis, visto que o cavaleiro das trevas é conhecido pela sua brutalidade, que mesmo recusando-se ao assassinato, envia frequentemente para o hospital indivíduos com espancamentos severos.
Apesar disso, é nos vilões de Batman que se revela a sua verdadeira face conservadora. Em The Dark Knight (2008), o seu famoso adversário Joker acusa o herói de mentir ao público, esconder a sua identidade com a pretensão de manter a ordem pública. O antagonista afirma a injustiça desse ato, a cidade nunca pediu para ser salva, e tal conduta revela uma superioridade condescendente para com os indivíduos comuns. Esse fenómeno repete-se em The Dark Knight Rises (2012), onde Bane incita uma revolta na cidade contra as mentiras que tanto Batman como o Comissário Gordon contaram, relativamente aos eventos do filme anterior. Bane cria um tribunal para julgar as elites e urge os cidadãos a retomar a sua cidade, recuperar o poder que lhes foi retirado. Ele denuncia a corrupção dos oficiais, liberta os prisioneiros encarcerados devido a tal corrupção e instaura um regime sem unidade governamental. As suas decisões revelam um claro descontentamento social e são definitivamente abrangidas por justicialismo revolucionário, o mesmo ao qual Batman se opõe, porque ameaça o seu estatuto.
Quando abordando questões de justiça nas histórias de Batman, é incontornável mencionar Two-Face, o advogado de defesa que, após um terrível acidente, se transforma num assassino obcecado com julgamento. Harvey Dent persegue e captura criminosos, obrigando-os a enfrentar as suas ações, decidindo o veredicto pelo lançamento de uma moeda. É imediatamente evidente a falha neste sistema, a inocência ou culpa do julgado é decidida por sorte apenas, com uma hipótese em duas de ser liberto, independentemente do crime que alegadamente cometeu. No entanto, este método é pouco mais faltoso que o do cavaleiro das trevas, que decide baseado nos seus próprios critérios morais, uma fonte onde a veracidade não tem muito lugar. Sem considerar falibilidade, ambos exercem justiça pelas suas próprias mãos sem qualquer imparcialidade, sem uma legitimação.
No entanto, o exemplo mais gritante do conservadorismo do cavaleiro negro encontra-se num antagonista menos conhecido, que opera sob o nome de Anarchy. As suas tendências políticas são, como indiciado pelo título, de cariz anarquista, defensor de uma sociedade sem governo centralizado, onde a autogestão e a democracia direta são as ferramentas primazes para o funcionamento da comunidade. Ele, tal como Bane, denuncia a corrupção da burguesia dominante e opõe-se à existência de opressão e domínio sobre o povo, as diversas violências inerentes ao sistema., e a sua razoabilidade é surpreendente, convidando até Batman a juntar-se à sua demanda por uma sociedade mais justa. Ele compreende as necessidades da cidade e oferece soluções, evitando ao máximo métodos com consequências mortíferas, porque não pretende danificar Gotham. Ele pretende curá-la, e nos seus propósitos nobres considera-se a si próprio um herói. A sua postura é mais louvável que a de Batman, pela aversão à violência (não tendo reservas no entanto à danificação de propriedade privada, transgressão da qual Batman claramente não está inocente). Apesar de tudo isto, o cavaleiro das trevas compreende-o como uma ameaça, e luta contra ele diversas vezes. Porque a criminalidade das suas ações, que é inquestionável, não preocupa Bruce Wayne, mas teme a mudança social que o vilão sugere. Ele teme o caos que viria de uma cidade sem governo, porque no seu complexo de salvador ele acredita que a cidade não se consegue curar a si mesma, mas tem que ser auxiliada por ele, e mais ninguém se encontra ao nível do desafio.
Revolução e Conservadorismo
Tal como Batman, diversos casos de conservadorismo são verificáveis, heróis que, sob a fachada de combater o crime, defendem apenas corporações e as grandes fortunas, incluindo as suas próprias, sem qualquer interesse em adereçar as causas do problema que provoca tais crimes, ou em combater os crimes burocráticos que assolam suas cidades. Tony Stark revolta-se contra o seu governo quando lhe é sugerido que ceda os segredos da sua armadura, que faz dele Iron Man, para auxiliar o Departamento de Defesa dos E.U.A., recusando-se a partilhar a tecnologia que lhe permite passar julgamento sobre os outros, incapaz de abdicar do seu ilegítimo privilégio. Não obstante, quando esses segredos são revelados e utilizados na construção de Iron Patriot, um novo fato ao serviço do exército estadunidense, este é notoriamente apenas utilizado para escoltar oficiais do governo e criar espetáculo par as massas. Ou Capitão América, cuja crença cega no seu governo o impele a lutar nas forças armadas, e enquanto isso remove qualquer questão de legitimidade, executando um serviço oficializado, e não justicialismo, levanta questões sobre a utilidade de tal ocupação, intimamente ligadas com as problemáticas da política externa do país.
No entanto, apesar da esmagadora maioria, pequenos exemplos também se apresentam na face revolucionária do heroísmo. Green Arrow, apesar das suas origens burguesas, após ser expropriado da sua fortuna e conhecer em primeira mão as condições de vida dos excluídos pela sociedade, torna-se um defensor do povo, atacando e denunciando corrupção nas elites, utilizando as suas habilidades para expurgar as diferencias sociais por elas causadas. Ou Matt Murdock, um homem que se opõe à opressão das corporações aos indivíduos desfavorecidos tanto no seu emprego, uma pequena firma de advogados que se dedica a defender particulares do abuso de poder da classe dominante, como na sua ocupação noturna, onde, sob o nome de Daredevil, combate essas mesmas opressões de um modo mais físico.


Conclusão
A problemática dos super-heróis é evidente, essencialmente, em duas principais questões: legitimidade e benefício. Sendo autoproclamados arautos da justiça, a sua legitimação é condenável pelo simples facto de não ser assente em nenhum critério à parte dos complexos de superioridade que a pessoa em questão tenha, na sua demanda condescendente de administrar justiça àqueles que considera merecedores. Acreditar num dever natural pela justiça é uma atitude muito nobre, mas certos métodos levam demasiado longe esse princípio moral, uma diferença que se torna mais indistinta aquando da comparação com os vilões que se opõem
O benefício divide os heróis nas suas inclinações políticas, mais conservadoras, como Batman ou Iron Man que se preocupam com a proteção das grandes fortunas, ou mais revolucionárias, como Green Arrow ou Daredevil, que combatem a opressão daqueles que não possuem tal privilégio. É no entanto evidente que a defesa do status quo é a principal motivação de grande parte destas personagens fictícias, manter a ordem social estabelecida, pela remoção das irregularidades, os criminosos. Consequentemente, é conclusivo que, mesmo as manifestações de justicialismo de esquerda, procuram apenas corrigir par manter, e não reconstruir, pelo que, apenas de não admitido, o conservadorismo é a ideologia que impera na criação de ficção de super-heróis.
Referências

Fiennes, S. (produtor) & Zizek, S. (director). (2012) The Pervert's Guide to Ideology [Motion Picture] E.U.A
Zizek, S. (2012) The politics of Batman [Consult. 2015-05-17]. Disponível em:

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