Hino à Minha Terra, de José Craveirinha: sons e identidades

May 24, 2017 | Autor: Vinícius Moraes | Categoria: Poetry, African Literature, José Craveirinha
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Vinícius Moraes Tiago (UFJF)

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HINO À MINHA TERRA, DE JOSÉ CRAVEIRINHA: SONS E IDENTIDADES A partir da análise do expansionismo ocidental sobre o continente africano, é possível constatar em Moçambique a luta de resistência às consequências de um dos processos de colonização mais duros e rígidos do continente. Conforme aponta Maria Armando (As literaturas africanas em língua portuguesa, 1986), a diferente situação econômica dos colonizadores de Moçambique contribuíra bastante para tal. Além disso, as manifestações culturais moçambicanas que resistiam à empreitada dos colonizadores se deram de maneira dispersa, sem raízes sociais – não possuindo um foco cultural, como Luanda, no caso de Angola. Isso, claro, sem mencionar as próprias singularidades políticas e socioculturais de Moçambique. Portanto, através da análise de um trecho do poema Hino à minha terra do poeta moçambicano José Craveirinha, este trabalho busca fazer uma breve investigação acerca das relações entre esse fazer poético e a luta anticolonialista. Nesse sentido, a título de elucidação, é necessário destacar alguns paralelos e particularidades do fazer literário moçambicano. Diferente do teor direto e realista do contexto angolano, o texto moçambicano possui uma linguagem mais velada e metafórica, justificada a priori por uma repressão intensa. Além disso, Moçambique é caracterizada pelo seu diversificado mosaico de identidades, ainda mais através do contato entre moçambicanos, indianos, mulçumanos e chineses (que não se integravam), para além dos próprios portugueses. Essa pluralidade de singularidades promove um texto com uma significação mais aberta aos leitores e aos indivíduos do que uma significação definida pelo próprio autor, a quebra do pacto social de falar pelo outro – estabelecido em Angola. Filho de uma africana com um português, vínculos que ressoam em sua poesia através da(s) língua(s), José Craveirinha, assim como outros escritores, promoveu sua atividade literária principalmente por meio de periódicos como O Brado Africano (1918-1974) – jornal da capital Lourenço Marques, atual Maputo, que reuniu negros, mestiços, indianos e “raros brancos” em torno do objetivo de colocar em voga a discussão da colonização em Moçambique. Dessa discussão, passou-se “da consciência de pertencer a uma determinada classe, à de pertencer a uma nação” (ARMANDO, 1986, p. 61). Amanhece sobre as cidades do futuro. E uma saudade cresce no nome das coisas e digo Metengobalame e Macomia e é Metengobalame a cálida palavra que os negros inventaram e não outra coisa Macomia. — Excerto de Hino à minha terra, José Craveirinha (v. 1-7, 1950~1964 [1999])

Juiz de Fora, dezembro de 2016

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Vinícius Moraes Tiago (UFJF)

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No poema Hino à minha terra, por meio de sons, ritmos e uma sintaxe mais aproximada da oralidade, Craveirinha celebra em línguas naturais moçambicanas os espaços, paisagens, tradições, frutas e instrumentos musicais do seu país, difundindo um ideal de resgate cultural e identitário de Moçambique. Através da apropriação e africanização do português, o poeta resgata esses elementos do esquecimento provocado pela rasura dos nomes dados pelos colonizadores. Nos sete primeiros versos do poema, a partir da repetição dos topônimos Metengobalame e Macomia, “e é Metengobalame a cálida palavra” e “e não outra coisa Macomia”, fica evidente essa reivindicação de resgate identitário e cultural. Portanto, é possível perceber como Craveirinha vai ao encontro dos autores engajados, “que ratificam o ideal do anticolonialismo e, mediados pela literatura, se utilizam de estratégias para que o texto literário abarque essa luta” (DEUS, 2016, p. 54). Não obstante, conforme nos lembra Deus (2016), cantar sobre as frutas de seu país em sua língua de origem é quase sentir-lhes o gosto. Na poesia de Craveirinha, a oralidade e a linguagem moçambicana estabelecem um vínculo estrito com a memória afetiva e com o elemento narrado, reivindicando diferentes maneiras de pensar, ver e sentir um mesmo elemento – diferentes formas de viver e significar. Portanto, apesar de ser compreendido em parte como uma reação à forte repressão dos colonizadores, o caráter velado e metafórico atribuído à poesia de Craveirinha também pode ser entendido como uma característica que busca expor múltiplas identidades e significações de uma África híbrida. Afinal, para que o leitor consiga decifrar essas palavras enigmáticas, mais do que compreender seus sentidos, é necessário que ele compartilhe daquela forma de vida (daquela identidade), pois, só assim, esses sons fazem surgir o mundo africano em toda sua diversidade e riqueza... só assim... “uma saudade cresce no nome das coisas” (v. 3).

Referências & Bibliografia ARMANDO, M. L. C. As literaturas africanas em língua portuguesa. In: ______ Cadernos LusoAfricanos. Ijuí: Livraria Unijuí, v. 1, 1986. CRAVEIRINHA, J. Hino à minha terra. In: ______ Obra Poética I. Lisboa: Caminho, 1999. p. 20-23. DEUS, L. P. S. E. Msaho e a proposta de renovação da linguagem literária. In: SILVA, F. C. Literaturas africanas: narrativas, identidades, diásporas. Colatina: Clock-Book, 2016. p. 53-87.

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