Hip-Hop e Direitos Civis: o reflexo da cultura de resistência estadunidense na representatividade do negro brasileiro.

May 26, 2017 | Autor: Leonardo Ribeiro | Categoria: Brazilian Studies, Hip-Hop/Rap, Brazilian Black Music, Brazilian Black Movement
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Conselho Editorial Técnico-Científico Mares Editores e Selos Editoriais: Renato Martins e Silva (Editor-chefe) http://lattes.cnpq.br/4416501555745392 Lia Beatriz Teixeira Torraca (Editora Adjunta) http://lattes.cnpq.br/3485252759389457 Ilma Maria Fernandes Soares (Editora Adjunta) http://lattes.cnpq.br/2687423661980745 Chimica Francisco http://lattes.cnpq.br/7943686245103765 Diego do Nascimento Rodrigues Flores http://lattes.cnpq.br/9624528552781231 Dileane Fagundes de Oliveira http://lattes.cnpq.br/5507504136581028 Erika Viviane Costa Vieira http://lattes.cnpq.br/3013583440099933 Joana Ribeiro dos Santos http://lattes.cnpq.br/0861182646887979 José Candido de Oliveira Martins http://www.degois.pt/visualizador/curriculum.jsp?key=5295361728152206 Liliam Teresa Martins Freitas http://lattes.cnpq.br/3656299812120776 Marcia Tereza Fonseca Almeida http://lattes.cnpq.br/4865156179328081 Ricardo Luiz de Bittencourt http://lattes.cnpq.br/2014915666381882 Vitor Cei http://lattes.cnpq.br/3944677310190316

Violência e Resistência problematizações estéticas 1ª Edição

Rosani Umbach Carla Lavorati Adriana Yokoyama (Organizadoras)

Rio de Janeiro Mares Editores 2016

Copyright © da editora, 2016. Capa e Editoração Mares Editores

Dados Internacionais de Catalogação (CIP) Violência e resistência: problematizações estéticas/ Rosani Úrsula Ketzer Umbach; Carla Lavorati; Adriana Yokoyama – Rio de Janeiro: Mares, 2016. 501 p. ISBN 978-85-5927-017-4 1. Análise e crítica literária. 2. Violência. 3. Estéticas I. Título. CDD 801.95 CDU 82

2016 Todos os direitos desta edição reservados à Mares Editores Contato: [email protected]

Sumário

Apresentação ................................................................................................ 9 Violencia y resistencia en Os Sertões de Euclides Da Cunha ....................... 21 Literatura negro-brasileira e resistência na produção ensaística e ficcional de Cuti ......................................................................................................... 44 Resistência e ética em W. G Sebald ............................................................. 73 Persépolis, de Marjane Satrapi: Identidade e Alteridade; Violência e Resistência .................................................................................................. 95 Hip hop e educação: sobre resistência e ruptura na arte das periferias urbanas ..................................................................................................... 120 Resistência ao genocídio nas composições do Racionais MC´S: criminologia e violência urbana ........................................................................................ 157 Representações literárias da Guerra do Paraguai em Joaquim Manuel de Macedo e Machado de Assis ..................................................................... 196 A ditadura militar e a importância de expressões culturais como arma “antiesquecimento” .......................................................................................... 231 Sob (re) o Tropical Sol (o) brasileiro: a escrita da perda em Ana Maria Machado ................................................................................................... 258 Os discursos do poder em Mineirinho de Clarice Lispector ....................... 278

O devir horribilis e a violência na modernidade kafkiana: ecos de uma literatura de terror .................................................................................... 314 Hip-Hop e Direitos Civis: o reflexo da cultura de resistência estadunidense na representatividade do negro brasileiro. .................................................... 346 “A escrita tomou as ruas!”: a tática black bloc como crítica da linguagem .................................................................................................................. 380 Êxodos: O corpo, a memória e a tarefa persistente ................................... 411 A figuração da Ditadura Militar em três obras literárias posteriores à época: uma reflexão ............................................................................................. 440 Marcas de violência na literatura clariceana ............................................. 462 Sobre os autores ........................................................................................ 493

Hip-Hop e Direitos Civis: o reflexo da cultura de resistência estadunidense na representatividade do negro brasileiro. Leonardo José de Araújo Ribeiro111 Thaís Budoia de Almeida Prado112

Introdução O presente trabalho se propõe a compor obra que mostra relação entre a sociedade, política e arte, tendo esta última como lugar de resistência da primeira. As artes representadas como resistência neste texto são as provenientes da cultura hip-hop. Esse movimento cultural nasce nos Estados Unidos da América em uma época marcada por sucessivas lutas do povo negro, pelos movimentos dos direitos civis, mortes de líderes e promoção de políticas meramente aparentes. Influenciada pela música negra e levantando contestações à manutenção de poder e diferenças econômicas e sociais, o hip-hop destaca-se como movimento cultural da população negra.

111

Mestrando em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Advogado, com atuação cível e empresarial. 112 Pós-graduanda em Liderança e Desenvolvimento Humano pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.

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A origem dessa cultura é representada, atualmente, pela série The Get Down, que narra o que seria a biografia de um dos fundadores do hip-hop, o DJ Grandmaster Flash. Esse expoente, juntamente com outros, possui grande influência na cultura jovem e urbana atual por todo o mundo. O Brasil, portanto, não estaria alheio à essa influência. Mesmo com uma cultura rica e diversificada, o país é influenciado cultural e economicamente em toda a sua história. Assim, como maior representante do poder econômico mundial, os Estados Unidos da América também influenciam a cultura brasileira. A influência do hip-hop no país foi, contudo, benéfica, pois pôde

ajudar

criar,

intensificar,

consolidar

e

ampliar

um

reconhecimento e autoafirmação (empoderamento) histórico, social e cultural do negro no Brasil. O país incorporou referida cultura e apresentou diversas fases dos gêneros musicais do hip-hop (funk brasileiro e rap). Contemporaneamente, os artistas representantes de tais gêneros musicais são amparados pelo poder econômico, o que faz surgir novos modos de expressar a cultura. Não esquecendo, contudo, da origem do hip-hop brasileiro – e com ela dialogando –, o cenário atual do rap nacional permite que um de seus expoentes presencie a pré-estreia da série supramencionada; oportunidade na - 347 -

qual é ressaltada a semelhança entre as origens étnicas e sociais entre os povos que criaram a cultura hip-hop em ambos os países. Contextualizar a identidade histórica e social de um povo, como faz o hip-hop é garantir a resistência a um povo que sofre demasiadamente com diversas violências. O rap pode, então, ajudar a emergir uma conscientização que conteste tanto a manutenção do status quo, quanto a maneira que o povo negro e sua história são apresentados. De igual ou maior importância, apresenta-se a participação das mulheres no hip-hop. Ao se autorrepresentarem, além de garantir maior visibilidade – o que é raro na mídia tradicional –, elas demonstram que sua história é baseada em resistência, superação e força, ao contrário da mistificação e da objetificação a elas outorgada.

Cultura Estadunidense Pós-64 Os Estados Unidos da América foram marcados por uma história escravagista com um ponto de transição no século XIX, a chamada Guerra de Secessão, que foi guiada por interesses nacionalistas e econômicos. Após tal guerra – e em razão dela –, o país publicou a 14ª Emenda à sua Constituição (em 9 de julho de 1868). Tal emenda caracterizou como cidadãos todas as pessoas do - 348 -

território, proibindo a existência de leis ou atos que retirassem (de fato ou de direito) essa conquista. A mesma emenda proibiu, também, qualquer forma de indenização pelo auxílio a grupos e atos contra o governo estadunidense ou pela perda de escravizados (CORNELL). O uso de tal emenda foi, contudo, pouco proveitoso à luta de emancipação dos negros anteriormente escravizados e seus descendentes. Embora utilizada para os fins que deveriam tê-la criado (quota para negros, entre outros), entre os anos de 1890 e 1910, sua utilização em cortes judiciais foi massivamente para a equiparação de pessoas jurídicas aos cidadãos estadunidenses, tendo conseguido reconhecimento do direito à vida, liberdade e propriedade para as empresas (BAGNOLLI 2009, p. 40). Assim, deu-se maior importância ao individualismo e à economia de mercado até a crise ocorrida em 1929. Ainda com as mudanças perpetradas pela política econômica do Welfare State, pela economia de guerra e, posteriormente, pela Guerra Fria, as atenções do governo estadunidense voltaram-se à proteção do Estado e à sensação de bem-estar das pessoas que poderiam, de fato, atingir o poder econômico (brancos). Portanto, não há estranhamento em relação à manutenção e incentivo do segregacionismo em locais públicos. - 349 -

A partir do ganho econômico, da ascensão social e do aumento da educação de alguns cidadãos ou grupos – que eram socialmente excluídos pelo segregacionismo ou pela condição econômica –, as ações segregacionistas (públicas e privadas, combatidas desde o século XIX) passaram a ser questionadas com maior veemência113. Ganham forte evidência, portanto, os líderes Malcolm X e Martin Luther King, com discursos radicais e integrativos, respectivamente, dentre outros. A propagação das lutas sociais contra violência, guiadas pelas personalidades acima, gerou holofotes a muitos grupos que impunham resistência às políticas segregacionistas com ações coordenadas e planejadas, como em diversos protestos em cafeterias e restaurantes – bem encenado em The Butler (O Mordomo da Casa Branca). Todos esses feitos geraram imensa pressão política à época, num país em que a preocupação era a Guerra Fria – e, portanto, o fortalecimento de pesquisa e indústria bélica e espacial não mais para uso iminente, tampouco havia necessidade constante de ajuda 113

Lembra-se, aqui, que a luta dos negros (ex-escravizados ou não) e pelos negros, por representatividade e por direitos, ocorreu dentro e fora do Congresso dos Estados Unidos – ao qual os primeiros negros sulistas foram eleitos na década de 1870. Certamente, tal luta gera forte repressão de quem era abertamente contra ela, tal qual a Klu Klux Klan, cujos membros possuíam poder político e influência, além de alguns serem juízes, entre outras autoridades. Assim, diversos Estados da federação iniciam a legislar leis segregacionistas, conhecidas como Leis "Jim Crow". in COLEMAN, 2015.

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aos países europeus, como nas décadas anteriores. Destarte, na ausência de outras preocupações mais próximas que o Estado estadunidense pudesse pôr em destaque, houve uma cobrança às lideranças governamentais para o fim do segregacionismo local e um posicionamento em relação ao Apartheid sul-africano (política que atingia a façanha de ser mais rígida e cruel que o próprio segregacionismo estadunidense). Após ampla resistência, e em momento que não seria politicamente viável postergar, os Estados Unidos publica o Civil Rights Act (Lei de Direitos Civis) em 1964, que precisou ser seguido pelo Voting Rights Act (Lei do Direito ao Voto), em 1965, e pelo Civil Rights Act (Lei dos Direitos Civis), em 1968.

Civil Rights Act de 1964 Antes do Civil Rights Act de 1964, haviam sido publicados os Civil Rights Act de 1957 (garantindo, através de medida judicial, o direito de voto à população negra) e de 1960 (que cobriu algumas brechas do primeiro Act) (LANEY, 2008). O principal foco das duas primeiras leis era o voto, cujas legislações locais dos Estados obtiveram êxito em burlar a igualdade legal supostamente trazida pela 14ª Emenda à Constituição estadunidense.

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A lei de 1964 possuía o intuito de efetivar ou garantir o sufrágio. Assim, tal lei foi elaborada com o seguinte preâmbulo: Uma lei para efetivar o direito constitucional de voto, dar competência às cortes distritais dos Estados Unidos para dar medida cautelar contra discriminação em locais públicos, autorizar o Procurador Geral a ajuizar ações para proteger direitos constitucionais em serviços locais e educação pública, para estender a Comissão de Direitos Civis, para evitar discriminação em programas assistenciais federais, para estabelecer a Comissão de Igualdade de Oportunidade de Emprego, e para outras providências.114

Evidencia-se, portanto, um caráter público do Civil Rights Act de 1964, destacando-se as proibições de impedimento ao registro de voto, de discriminação na oferta de empregos115 e o segregacionismo em locais públicos ou de acesso ao público. Certamente, o objetivo da lei não foi alcançado. Não foi possível alterar a cultura popular (efetivar a legislação) somente com 114

Tradução de: "To enforce the constitutional right to vote, to confer jurisdiction upon the district courts of the United States to provide injunctive relief against discrimination in public accommodations, to authorize the Attorney General to institute suits to protect constitutional rights in public facilities and education, to extend the Commission on Civil Rights, to prevent discrimination in federally assisted programs, to establish a Commission on Equal Employment Opportunity, and for other purposes". 115 Pode-se discutir se haveria a mesma proibição para cargos e funções, que seriam uma organização do emprego dentro do ente privado. Como o Act tinha o escopo de eliminar o segregacionismo no âmbito público, é possível sustentar que em nada poderia tal lei interferir na esfera privada da companhia que fornecia o emprego.

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um ato estatal que regulava de maneira genérica as relações sociais. Assim, foi necessário o Voting Rights Act de 1965 para regulamentar o voto nos distritos americanos – e efetivamente permitir o sufrágio116. Ainda demonstrando a ausência de efetividade [ou falta de eficácia plena] do Act de 1964, a história mostrou necessária a prolação de um novo Civil Rights Act, em 1968 – pouco menos de um mês antes da morte do líder popular Martin Luther King Jr.117 O Act de 1968 (além de tratar dos direitos indígenas) previa penas administrativas mais rígidas para atos discriminatórios. Porém, tal ato também punia (criminalmente) a desobediência civil, o que pode ser externado como uma repressão política aos atos do Partido dos Panteras Negras (parte de toda a repressão legal e política feita aos partidos e pessoas assumidamente comunistas). Pode-se verificar, então, um ambiente que se pretendia democraticamente amplo e aceitável, ouvindo as reivindicações das lideranças representativas e dos populares pertencentes às camadas 116

A sensibilidade do sufrágio (direito ao voto), bem como a importância dele na vida política de cada cidadão, diante do impedimento prático do que seria um direito universal, é perfeitamente retratada no filme Selma (2014), que retrata a luta dos líderes populares em Alabama no ano de 1965, quando o voto já seria plenamente possível pelo Act de 1964. 117 Os discursos dessa tão aclamada figura histórica não cessaram nem diminuíram de tom após a elaboração dos Acts, justamente porque ele tinha ciência de que a mudança necessária não seria trazida meramente por leis. Tal contexto é trazido, com perfeição artística, pelo espetáculo, internacionalizado e representado no Brasil por Lázaro Ramos e Taís Araujo, "O Topo da Montanha".

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excluídas,

elaborando

diversas

normas

que

os

proteger

teoricamente. Na realidade, as desigualdades [não formais] permaneceriam, bem como a repressão a determinados movimentos estaria legalmente permitida e, portanto, institucionalizada. Omi e Winant (2015, pp 14-15) afirmam que houve vitórias (ainda que parciais) com as lutas dos movimentos sociais na década de 1960, mas também mostram que Tornar ilegal a segregação de jure não preveniu contra a segregação de facto por outros meios. Derrubar as políticas de imigração imensamente restritivas que duraram da década de 1920 até a década de 1960 não preveniu contra a continuidade, e em verdade o crescimento, de um sistema draconiano de deportação e aprisionamento de imigrantes que continua até os dias autuais.118

O Surgimento do Hip-Hop Nesse contexto conflituoso, de proteção aparente e repressão legal, além da exclusão social, surge um movimento cultural dos excluídos, trazido das ruas e dos ghettos119 estadunidenses, na forma

118

Tradução de: "To outlaw de jure segregation did not prevent the preservation of segregation de facto by other means. To overturn the highly restrictive immigration policies that had lasted from the 1920s to the 1960s did not prevent the continuity, and indeed the increase, of a draconian system of immigrant deportation and imprisonment that continues to this days". 119 Guetos, como a palavra foi importada para o português brasileiro, ou áreas periféricas, com uma população de renda mais baixa, chamadas de minoria, por vezes ocupantes de favelas.

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de música (rap e disc jockeying, DJ), dança (break), arte visual (grafite), entre outros entretenimentos (como disputa de rimas entre os mestres de cerimônias, MCs). O Hip-Hop, nascido nos anos 70, tem grande influência da década de 1960, seja pela música (funk) ou pela luta pelos direitos civis. Por sua origem e suas mensagens, a cultura do Hip-Hop tem um vínculo indissociável com a resistência – majoritariamente com a resistência da população negra estadunidense. Ainda que muitas músicas pareçam puramente agressivas, nota-se tons de uma revolta, gerada por uma violência perpetrada por séculos e por uma aberta exclusão social. Demonstrar a origem de toda essa cultura pareceria uma tarefa demasiadamente pretenciosa e difícil. Porém, houve certa facilitação desta tarefa em razão de outra criação artística, o seriado The Get Down, distribuído pela Netflix em 2016.

The Get Down The Get Down, da Netflix, é um seriado drama que situa sua história na década de 1970, no bairro do Bronx em Nova Iorque (Estados Unidos), narrando a vida de um grupo de jovens que começam a participar da origem da cultura hip-hop.

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O enredo, focado no grupo de protagonistas, gira em torno de Gandmaster Flash – um dos DJs expoentes do ritmo dessa cultura –, mas a série faz menção a outros grandes nomes do gênero, tal qual Afrika Bambaataa. Sobre a importância desses expoentes para o hip-hop e viceversa, expõe Nelson George: Kool DJ Herc. Afrika Bambaataa. Grandmaster Flash. Velha Escola, você diz? Caramba, esses três são os fundadores da música do hip-hop – os progenitores da cultura jovem mundial dominante. Para eles, hip-hop não é uma gravação, um concerto, um estilo de roupa ou gírias. Essa é a constância da vida deles. Isso define o passado e afeta o a visão deles do futuro. Como DJs nos anos 70, esses três irmãos eram o núcleo do hip-hop – encontrando as gravações, definindo tendências, e mexendo com multidões de público em espaços abertos ou fechados em partes do Bronx e Harlem (GEORGE, p. 45)120

A história se passa em um bairro pobre e periférico da capital financeira estadunidense, demonstrando claramente a exclusão social oriunda de uma violência secular contra grupos étnicos 120

Tradução de: "Kool DJ Herc. Afrika Bambaataa. Grandmaster Flash. Old School, you say? Hell, these three are the founding fathers of hip-hop music – the progenitors of the world's dominant youth culture. For them, hip-hop is not a record, a concert, a style of dress or a slang phrase. It is the constancy of their lives. It defines their past and affects their view of the future. As DJs in the '70s, these three brothers were the nucleus of hip-hop – finding the records, defining the trends, and rocking massive crowds at outdoor and indoor jams in parts of the Bronx and Harlem".

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minoritários do país. É um conto histórico que remonta uma população e as origens de uma parte de sua cultura, sendo um diferencial

para

a

produção

da

indústria

cinematográfica

estadunidense, pois – como destacou a produtora da série Catherine Martin, alertada por um comentador – é uma "série histórica sobre a cultura negra que não tem escravos" (CARVALHO, 2016). Nas palavras da jornalista portuguesa Cláudia Lima Carvalho, a série mostra o hip-hop antes de ser hip-hop. O que se mostra é a origem plural e multicultural desse conjunto de artes. Em uma periferia esquecida, na maior cidade estadunidense, havia na época uma mistura entre negros e latinos (em sua maioria), além de outras etnias. Embora o hip-hop traga em sua essência a cultura negra estadunidense – funk, soul, jazz, blues, entre outros – não se pode negar que há uma influência, ainda que pessoal a cada indivíduo, das demais culturas presentes no local. A realidade de muitas famílias é representada em alguns dos personagens – que perderam os pais e são criados por familiares, que encontram em sua família-modelo uma para seguir com o talento musical, ou que são forçados a entrar e se manter em grupos criminosos por ausência de qualquer outra possibilidade real de modo de vida –, o que faz com que o hip-hop seja um refúgio para uma realidade devastada social e economicamente, bem como para - 357 -

uma

população

historicamente

oprimida

e

financeiramente

explorada. Cláudia Carvalho, tal qual Nelson George, destaca, também, a importância do hip-hop para outras culturas e modas, musicais ou não. As afirmações desses autores são tão reais que não podemos mais dissociar essa influência na cultura brasileira.

A Imersão Cultural Estadunidense no Brasil A cultura brasileira é riquíssima e diversificada. Porém, talvez por uma herança colonial, tende-se a importar culturas, ainda que não sejam plenamente aplicáveis e proveitosas. Como se nota na Cidade de São Paulo, o seu chamado Centro Velho é repleto de construções arquitetônicas à moda francesa; por sua vez, o seu chamado novo Centro ou Centro expandido (majoritariamente a região da Avenida Paulista) foi reconstruído com uma arquitetura aparentemente anacrônica, mas que se assemelha com Manhattan, em Nova Iorque (Estados Unidos). Em razão de existir uma forte influência econômica externa no país, gerando (a princípio) produtos industrializados estrangeiros que eram os únicos ou os de melhor qualidade no mercado nacional, criou-se – em algum tempo na história – o mito de que o é estrangeiro é melhor. - 358 -

Assim, atualmente submetidos economicamente aos mandos estadunidenses, importamos muito dessa cultura – cinema, televisão, arquitetura, política, ideologia, economia, entre outros –, mas principalmente a música. Entretanto, nem tudo nessa influência pode ou deve ser encarado como um óbice à identidade histórica e cultural brasileira. As histórias das duas nações tiveram marcas muito semelhantes. Certamente, a mais profunda marca em comum – e que gerou cicatriz até os dias presentes – foi a escravização da população trazida, desumanamente, do continente africano e de seus descendentes. Ambas as nações deixaram de incluir, no centro da política econômica e da vida social, a população negra – fosse legalmente, pela permissão do segregacionismo nos Estados Unidos, fosse sistematicamente excluindo com uma aparente inclusão através da mestiçagem que imobilizava anseios transformadores no Brasil121. Tais exclusões geraram, através da tomada de consciência, movimentos que se assemelhavam (pelo menos em reivindicações e propostas). Como mencionado anteriormente, o hip-hop representa a ala cultural da reclamação e das reivindicações da população negra

121

O que Florestan Fernandes chama de "O Mito da Democracia Racial".

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estadunidense. A música brasileira é marcada pela cultura negra, em qualquer década do século XX que se eleja para demonstração; o cume dessa influência foi a criação da Bossa Nova, com raiz no samba (não muito bem visto pelas elites da época), ritmo que exportamos. Assim, não é novidade ver o negro ou a cultura negra representada nos ritmos musicais brasileiros. Mesmo existindo um sentido de protesto em diversas letras representados pelos ritmos variados, certamente não haveria um grande interesse propagandear letras que retomam um passado e cobram, historicamente, reparação. Os raps, tanto nos Estados Unidos da América quanto no Brasil, trazem – através de um ritmo pesado – revoltas e reivindicações. São um nicho de resistência e representatividade, mas, também, um memorial histórico que, ao mesmo tempo, reivindica melhorias reais para a população nele representada. A seleção por músicas mais adequadas às elites (ausentes de revolta, protesto e reivindicação) seria, portanto, algo impossível no início do rap no Brasil. O rap, nascido em meio à decadência urbana de Nova York, surgiu como um espaço de diversão, que transformou os produtos tecnológicos e o contexto étnico, social e econômico dos Estados Unidos em formas de diversão, denúncia e protesto. Pode-se falar que essa característica do

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rap em ser contestatório faz parte do perfil de resistência da música negra norte-americana, que, desde as work songs e os spirituals, tentam preservar e manifestar sua cultura. No entanto, esse caráter de resistência cultural da música produzida pela população negra não foi exclusividade dos EUA. Podemos encontrar essas mesmas características na música dos países caribenhos, como também no Brasil, onde os batuques, os tambores, os choros, o samba são exemplos. No entanto, em decorrência da indústria cultural, a música negra produzida nos EUA, principalmente a partir do final da década de 1960, não demorou a causar reações no Brasil. Esse fato foi importante para que, naquele momento, camadas da juventude negra de cidades como Rio de Janeiro e São Paulo se identificassem com elementos internacionais da cultura negra norte-americana, tendo como motivador central os ritmos musicais sou e funk (TELLA, p. 55)

O Curso do Hip Hop no Brasil O hip-hop surge em um ambiente onde a chamada black music já predominada. Nos anos 70, era comum haver reuniões ("bailes") para entretenimento com funk e soul – espelho da imersão cultural estadunidense na periferia brasileira –, criando um reduto de conscientização e afirmação, através da absorção das ideias do black power e do black is beautiful (oriundos dos Estados Unidos da América). A partir da década de 1980, na Cidade São Paulo, ascende uma prática cultural, produzida por parte da juventude negra que - 361 -

habitava a periferia da cidade, "a partir da produção de representações, símbolos e modelos gerados pela música funk e o rap" (TELLA, pp. 57-58). Assim, o rap – segmento de letra e música da cultura hip-hop – cria uma identificação em meio ao povo negro, com conscientização histórica e social, colocando em evidência as distinções reais da sociedade, possibilitando a contestação do status quo, estigmas, valores e preconceitos. O imaginário idealizado (ausência de desigualdades) é questionado e se cria um novo imaginário (permeado de conflitos). A integração social de grupos semelhantes, seja como espaço de lazer ou como mobilizador social, nas rodas de danças de break na Estação São Bento (metrô da Cidade de São Paulo) e shows de rap, trouxe uma oportunidade única de formação de representantes brasileiros dessa nova cultura. Essa cultura inclui atividade organizadas por grupos de rap. breakers ou grafiteiros que sempre tiveram como objetivo resgatar a auto-estima, principalmente do jovem negro, bem como tentar construir identidades coletivas, mediante o discurso e a postura dos integrantes do movimento hip hop. Nas letras dos raps a construção de uma identidade positiva e a reflexão sobre os problemas do cotidiano dão a tônica das músicas. Por outro lado, há jovens que não estão envolvidos com a produção artística do hip hop, mas consomem discos ou CDs e/ou acompanham seus grupos prediletos em shows

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realizados em espaços públicos, como escolas ou praças, em pequenos salões dos bairros periféricos de São Paulo. Creio que o rap possibilita, para quem reside na periferia da cidade de São Paulo, tornar o simples momento de escutar o rap em um disco ou show um gesto de concordância social. Dentre as artes do movimento hip hop, o rap ganha destaque em virtude do fato de ser um veículo no qual o discurso possui o papel central, e por intermédio dele o rapper transmite suas lamentações, inquietações, angústias, medos, revoltas, ou seja, as experiências vividas pelos jovens negros nos bairros periféricos de São Paulo. A periferia torna-se o principal cenário para toda a produção do discurso do rap. Todas as dificuldades enfrentadas por esses jovens são colocadas no rap. Encaradas de forma crítica, denunciando a violência – policial ou não -, o tráfico de drogas, a deficiência dos serviços públicos, a falta de espaços para a prática de esportes ou de lazer e o desemprego (TELLA, pp. 58-59)

Assim, com o enfoque étnico-social como centro do discurso produzido, a década de 1980 produz três discursos, nascidos em tempos subsequentes, mas sem extinguir o anterior. No início do movimento artístico, discursam-se mensagens de protesto, denúncia e revolta quanto ao que ocorre na periferia (refletindo o black power); segue-se um discurso de afirmação da negritude (black is beautiful); no final da década, leituras históricas da cultura negra estrangeira (religiões de matrizes africanas, datas históricas,

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movimentos dos direitos civis, luta contra o apartheid) e um pouco das figuras históricas (recentes e distantes) brasileiras. Assim, forçando uma maior pesquisa para escrita da própria história em versos, o rap ajudou a definir identidades, além da criação de consciência para questões socioculturais mantidas há décadas. Não por outro motivo, um dos atuais expoentes do rap nacional brasileiro, Leandro Roque de Oliveira – o rapper Emicida – afirma, na letra de sua música Ubuntu Fristaili (do álbum O glorioso retorno de quem nunca esteve aqui, 2013), que "Eles não vão entender o que são riscos, e nem que os nossos livros de história foram discos". Da sua nascença e afirmação de temas na década de 1980, o hip-hop

expande

na

década

de

1990,

passando

de

um

reconhecimento regional para um reconhecimento nacional. Os nomes existentes desse cenário (regional) se consolidam e outras personalidades surgem, ganhando a mesma abrangência. Contudo, havia uma aversão social por parte das pessoas que consumiam a cultura padronizada, sem contestação social, racial ou de classe. Nos anos 2000, a música do hip-hop passa por uma dualidade – que de certa maneira permanece contemporaneamente. O rap e o disc jockeying continuam ganhando força em âmbito nacional, mas passam a ter melhor aceitação; ao mesmo tempo, surge um ritmo - 364 -

novo, derivado do Miami bass (subgênero do hip-hop ligado ao eletro funk estadunidense), um gênero musical genuinamente brasileiro é criado no Rio de Janeiro: o funk (que não guarda relação direta ou semelhança com o funk estadunidense). O funk carioca (também conhecido como Brazilian funk) não é amplamente aceito popularmente e gera desentendimento até mesmo dentro dos representantes do hip-hop brasileiro. Por ter uma batida festiva e descontraída – e, portanto, muito distinta do rap –, muitos afirmam que em nada há relação entre o funk e o rap ou o hip-hop. De outro lado, há quem afirma que o funk é gênero musical do hip-hop, sendo o único hip-hop puramente brasileiro (sendo que rap, grafite, break e DJ foram importados). Na década atual – 2010 –, ambos os gêneros musicais do hip-hop (o rap, em conjunto com o DJ, e o funk) dialogam bastante, em composições ou apresentações conjuntas. A maior semelhança entre eles é a aceitação pelo poder econômico, ainda que haja certa rejeição de parte da população (com maior e mais manifesta a rejeição ao funk). A importância da aceitação pelo poder econômico reflete diretamente nas produções artísticas dos gêneros. Enquanto o funk, na década de 2010, entra na sua fase "funk ostentação" (semelhante ao que ocorre com o rap nos Estados Unidos na década anterior), o - 365 -

rap continua se aprofundando nas temáticas de afirmação social e pessoal, reconhecimento histórico e empoderamento dos negros, mas conta com superproduções, investimentos mais rentáveis e o aparecimento (dentro do cenário brasileiro) de subgêneros como o love rap. Certamente, os artistas que contam com essas recentes vantagens econômicas (mesmo com origem humilde ou paupérrima), bem como os que se destacam nos subgêneros menos ligados à tradição do discurso de luta, são alvos de duras críticas de parte dos integrantes ou consumidores de vertentes mais ligadas à origem "fora da lei". Entretanto, até os dias presentes, o hip-hop brasileiro não se desvincula de sua origem. Convidado por um portal de notícias online, rapper brasileiro Emicida foi ao Bronx para assistir à pré-estreia da série The Get Down, com o elenco original, e comentou, em emocionada reação ao final: Achei um arregaço. Uma parada bonita. Foi foda porque mesmo sendo uma história original dos EUA, a quebrada é tudo igual. Favela é tudo igual. Ver como nossos pais tiravam uma onda na disco, ver como isso nasceu ali e depois se transformou no hip-hop e como isso se espalhou no mundo e virou essa cultura foda que deu origem a nós todos.

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O músico também destacou que, num ano em que não houve nenhuma indicação de atriz ou ator negros ao Oscar, todos os atores e artistas negros estadunidenses que participaram do evento foram pronta e intensamente ovacionados. Infelizmente, a mídia brasileira – em sua maior e mais influente parte – segue a linha demonstrada no Oscar, ao invés da linha do público de The Get Down, e o faz sistemática, contínua e permanentemente.

A Representatividade do Negro Brasileiro na Grande Mídia Parte-se de duas premissas: a primeira, de que não há possibilidade de analisar ou verificar, ainda que brevemente, a condição do negro brasileiro na mídia sem abordar a caracterização das relações raciais no Brasil; a segunda, de que tais relações atuais não podem ser realmente verificadas sem abordar a construção histórica da sociedade brasileira (OLIVEIRA, 2011, pp. 26-27). A exclusão do negro e das pessoas econômica e socialmente desfavorecidas não é mero acidente histórico, mas um projeto de nação gerado pelos poderes dominantes a partir do final do século XIX. O projeto de branqueamento e exaltação do homem branco europeu – em detrimento do povo originário das Américas ou trazidos à revelia da África – iniciou-se com as massivas imigrações a - 367 -

partir da década de 1850 (RIBEIRO, 2006, p. 222). Tal projeto, compreendendo um plano estatal estruturado na sociedade brasileira, transformou-se em política de governo, abertamente declarando a necessidade de um embranquecimento da população para melhor qualidade dos trabalhadores industriais, obedecendo a um "critério étnico" (VARGAS, 2011, p. 287). Assim, sendo intencionalmente afastada – no imaginário popular – a possibilidade de negros serem expoentes intelectuais ou econômicos, relegam-se a eles áreas como música e esportes, além os trabalhos braçais (OLIVEIRA, 2011, p. 31). A mídia brasileira (que é controlada pelos detentores do poder econômico) tem o condão de reproduzir um imaginário e induzir comportamentos padrões que deixam de questionar os privilégios, a manutenção do status quo e afastam a conscientização histórica-social de cada grupo de indivíduos. Nas palavras de Denis de Oliveira A mídia hegemônica é uma etnomídia, pois propaga valores referenciais de uma determinada tipologia humana e é centrada na branquitude normativa. Negros, negras e seus descendentes são colocados na perspectiva de um desvio e, portanto, segregados simbolicamente em determinados espaços, cujas competências associadas à caracterização como minoria, sensualidade extremada e objeto de satisfação. Apesar de as revistas de comportamento não

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negativarem sempre tais valores – nas revistas masculinas eróticas, a objetificação sexual extremada é até valorizada –, a cristalização destes consolida a supremacia dos valores brancos como referenciais de poder nas estruturas sociais. Concedendo um espaço insignificante para os afrodescendentes – inferior, até mesmo, ao dos EUA, país com percentual de negros três vezes inferior ao do Brasil –, a mídia cria uma paisagem estética branca, com pinceladas de participação negra em determinadas situações, nas quais o negro sempre aparece como algo exótico e voltado para satisfação da curiosidade ou do desejo sexual diferente. Colocada nesses termos, a sociedade de consumo construída pela mídia permite a pequena participação de negros e negras como objetos de consumo – sexuais ou folclóricos. Assim, a transfiguração de que fala Ianni (2003), da sociedade em mercado, não transforma o cidadão negro em consumidor negro – isto está reservado ao branco –, mas sim em objeto de consumo; este é o lugar do negro na sociedade de consumo na reconstrução social operada pela mídia. Diante disso, as pequenas concessões de espaço aos negros e negras nas revistas segmentadas não significam uma redução do preconceito racial, mas sim um deslocamento deste, com a criação de bantustões simbólicos formados por processos de objetificação (grifos não originais) (OLIVEIRA, 2011, pp. 39-40)

O hip-hop, a partir de seu expansionismo nacional e de um aumento do poder econômico (através de alguns poucos de seus representantes), tem o papel da transformação real desse cenário

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operado pela grande mídia. Ele [hip-hop] permite ao negro falar por si próprio, gerando forte empoderamento e criando nos demais negros – que consomem a cultura do hip-hop – conscientização sobre si e sobre suas origens.

Emicida e África: busca por história e tradições Em 2015, o rapper Emicida foi ao continente africano buscar inspiração e gravar seu mais recente álbum, "Sobre crianças, quadris, pesadelos e lições de casa…", cujos temas são o preconceito racial velado, a exaltação da cultura negra e o reavivamento da influência direta do continente africado nesta cultura. A primeira música revelada do álbum, "Boa Esperança" – irônico nome de um dos maiores navios negreiros português na época da colônia –, traz em sua letra uma condensação perfeita da origem histórica, da tomada de consciência e da hipocrisia dos detentores do poder econômico e da grande mídia. Há uma mistura de referências diretas a temas debatidos contemporaneamente à época da música, temas recorrentes, conexões históricas com o presente, reivindicações e revoltas, bem como as possíveis consequências da repressão histórica. A música – tal qual seu vídeo lançado em conjunto – aborda questões atuais, com reflexão sobre a construção histórica, - 370 -

reforçando a conscientização, autoafirmação, contestação ao sistema padrão, características típicas do hip-hop, mas que apresentam um reflexo da época em que é produzida (RABASSALLO, 2015-1). Atualmente, as questões – e principalmente a conscientização e a representatividade – sociais trazidas pelo hip-hop ainda carecem de intenso debate, que deve envolver um maior número de pessoas. Sobre Crianças, Quadris, Pesadelos e Lições de Casa é, sobretudo, um disco pop, mas, nem por isso, abandona a mais importante premissa do hip-hop: contestação. O registro traz, embalados em uma roupagem sonora de fácil digestão, temas pouco discutidos no Brasil – como, por exemplo, a escravidão e o ranço que esse período tenebroso nas relações deixou nas relações sociais do país. O racismo velado que assola a população negra, os preconceitos enfrentados pelos participantes de religiões afro-brasileiras e as dificuldades enfrentadas diariamente pelos trabalhadores brasileiros (RABASSALLO, 2015-2)

Esse álbum é um exemplo – dentre muitos – da forma como o hip-hop pode resgatar um orgulho histórico, mantendo seu poder de contestação, gerando uma representatividade do negro por si próprio, forçando-se dentro da grande mídia (contando a própria história) ou ignorando a mídia tradicional ao adentrar em outros meios de comunicação.

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De Angela Davis e Lelia Gonzalez à Karol Conka e a Mulher Negra Brasileira na atualidade Ainda relacionando o reflexo do ativismo negro nos Estados Unidos (EEUU) no Brasil, vemos frutos do ativismo de Angela Davis nos EEUU e de Lélia Gonzalez no Brasil, no que se refere a representatividade da mulher negra na mídia brasileira, quando avaliamos a participação de Karol Conka na abertura das Olimpíadas de 2016 no Rio de Janeiro. Mesmo havendo majoritariamente uma população feminina negra no Brasil, é facilmente percebido que mídias direcionadas ao público feminino relega ínfimo espaço à mulher negra – o qual comumente é seguido de adjetivos desviando a atenção da essência do "belo", sendo estampada como exótica ou mais sensual que a mulher branca. Notamos esta restrição de espaço quando apenas em 2011, a Revista Vogue Brasil, voltada ao público feminino da "alta sociedade", publica a primeira revista com uma mulher negra brasileira sozinha em sua capa – Emanuela de Paula – ainda assim, possuindo cabelos lisos (MARQUES, 2014). Anteriormente, houve apenas publicações de Naomi Campbell, replicando o modelo da revista europeu e americano. Em contrapartida ao lamentável percentual de participação da mulher negra no nicho representado acima, deve-se atentar ao ritmo - 372 -

crescente na representatividade da mulher negra no hip-hop e rap brasileiro, direcionado ao empoderamento feminino e enaltecimento da cultura e fenótipo negro, reduzindo a objetificação e machismo iminente nas anteriores aparições de mulheres negras na música brasileira. Citamos como participantes deste movimento, possuindo tais prismas em comum e com maior visibilidade na veiculação de suas produções a própria Karol Conka anteriormente comentada, Negra Li, Yzalu, Ellen Oléria, Drik Barbosa, Tássia Reis, Flora Matos, Nega Gizza. Tal

participação

não



eleva

a

autoestima

e

representatividade da mulher negra, mas hinos de resistência e ativismo negro são criados. Abaixo citações que explicitam tal afirmação: Herdeira dos meus ancestrais, Cultivando a paz, que o verde me traz [...] Espalho minha mensagem e nada mais Você parece que esquece que eu não uso estepe Meu poder é black. Te provo tudo isso no rap (CONKA 2013) A mocinha quer saber por que ainda ninguém lhe quer Se é porque a pele é preta ou se ainda não virou mulher Ela procura entender porque essa desilusão Pois quando alisa o seu cabelo não vê a solução

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(CONKA 2014) Alma negra, pura e verdadeira Luta guerrilheira, classe tão sofrida Discriminação Desumana, verbal crise, sem convite Me convide Não hesite! não hesite! [...] Foi eu que cresci e ouvi Que o preto não tem vez (YZALÚ)

Novamente, observa-se o hip-hop como veículo auxiliar no ativismo e representatividade de um grupo desfavorecido pela elite dominante. Desta vez duplamente discriminado, pelo machismo e racismo, como cita a rapper Yzalú na letra de sua música Mulheres Negras " Enquanto mulheres convencionais lutam contra o machismo, as negras duelam pra vencer o machismo, o preconceito, o racismo".

Considerações finais O hip-hop, por mais que represente uma influência estrangeira, traz consigo uma história de luta e autoafirmação. Assim, após sua plena integração à cultura brasileira, o hip-hop possui um papel essencial ao povo negro: reconhecimento de si e da sua história, conscientização, empoderamento e o imaginário para uma transformação. - 374 -

Faz-se com que o próprio negro escreva e conteste sua realidade e sua história, buscando um futuro melhor para um imenso grupo de pessoas. Há importantíssima função, também, para as mulheres negras, especificamente, pois elas tomam grande espaço de representação e, por falarem por si, retiram os estigmas e objetificação que lhes foram impostos.

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