Hip Hop e pão. Cadê o circo?

June 3, 2017 | Autor: Def Yuri | Categoria: Hip-Hop/Rap, Artigos, Viva Favela
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Hip Hop e pão. Cadê o circo? Autor: Def Yuri | 03/02/2004 | Seção: Def Yuri

Pensei muito antes de escrever este artigo. A princípio não queria alimentar a recente discussão sobre os rumos e/ou os donos do Hip Hop, porém realmente é impossível não meter a colher nesse angu de caroço. Ainda mais quando percebemos que muitas falas e posições quase que instantaneamente vão por ralo abaixo, colocando em cheque, ou melhor, tornando visíveis as contradições e a famigerada hiphopcrisia. Esta que quase sempre não é reconhecida, fato decorrente de receios diversos. No auge da “polêmica”, estava conversando na redação do Viva Favela sobre um dos ingredientes, no caso o alto valor dos ingressos. Comentei que muitos não têm R$ 40 para ir a um grande show, porém muitos também não têm R$ 5, e no final das contas sempre tem uma grande legião de adeptos da cultura na pindaíba, sendo esta a cópia fiel da maioria da população brasileira. Mesmo assim muitos preferem (mesmo sendo de direito) gastar o minguado dinheiro em “fantasias Hip Hop”, camisas, calças, tênis importados, ou em CDs cujo valor comercial está muito acima das possibilidades das enormes massas excluídas. Também existem os que investem no mercado da destruição, desviando o dinheiro das bocas de filhos e famílias para “as bocas”. Estes são os capitães-do-mato dos tempos modernos. Nessas condições, somente aqueles que têm recursos podem comprar e/ou usufruir, e é óbvio que muitos reclamam que os playboys estão consumindo. Porém essa choradeira é da boca para fora, pois quem coloca um produto à venda ou em exposição almeja algum tipo de retorno. Ou estou errado? A choradeira faz parte do marketing, podemos chamar também de vitimologia, é o grande combustível para alguns. Para alguns. Digam-me onde no Rio de Janeiro (e em muitos estados não é diferente) encontramos CDs de REP brasileiro com preços reduzidos (mesmo com os altos encargos fiscais)? Não vale mencionar aquelas liquidações de grandes supermercados onde é possível encontrar até um lançamento por preços módicos. Isso aliado ao fato de que aqui o público não tem referenciais locais – em tempo, o Hip Hop carioca não se restringe a MV Bill ou Marcelo D2 – além desses dois grandes nomes, existe muita gente boa que tem uma enorme qualidade e mesmo assim fica a ver navios, digo a ver camburões, pois parece que quem passou pela porta não faz muita questão de deixá-la aberta. A mudança desse quadro se faz necessária para que ocorra uma grande oxigenação no meio e que ocorram avanços na prática. Nomes como Weelf, Baixada Brothers, 73, CCR, Anfetaminaz, DR Sam, Inumanos, Caleho, Revolta Feminina, Poder Consciente, Veredito do Gueto, Descendentes da Ralé, A Filial, 5o andar, Negativas, PHP, Posse Reagir, Posse Domínio Apocalipse, Rabu Gonzáles, Vozes do Gueto, A Resistência, Poetas de Ébano, Slow, Odoyá, O Bando, Marcelo Elcy... E tantos outros que se fosse citar um a um ficaria semanas e mais semanas escrevendo (isso é força de expressão!). Estes deveriam e merecem ter seu lugar ao sol. Quando o pão será repartido? Vale frisar que essas oportunidades devem estar alinhadas com a força de vontade de cada um e não com o comodismo (outro vilão, digo componente do estado de inércia em que vivemos). Lembro que a participação em eventos gratuitos galgados somente no Hip Hop (quando ocorrem) normalmente é bastante reduzida, pelo menos essa é a realidade aqui na cidade maravilhosa. Será esse mais um dos vários vícios de comportamento da nossa população que embriagada por conceitos errôneos desmerece iniciativas denominadas populares? E segue vestindo a camisa do consumismo desenfreado. No último dia 23, sexta-feira, aconteceu aqui no Rio de Janeiro, um evento chamado “Hip Hop Festival”, com a organização feita pelos “nossos”. Pensei que seria uma grande oportunidade pós-polêmica Hip Hop, Pão e Circo, para que muitos dos envolvidos mostrassem todo o engajamento, articulação, disposição, características principais dos que não se rendem aos “playboys” (do asfalto ou da favela - este estilo de vida merecia um estudo aprofundado, pois diferente do passado não é mais restrito aos bonachões

endinheirados, é uma patologia que infecta todas as classes). Este evento era uma oportunidade do discurso ser mostrado na prática, e como eu queria participar, saí do trabalho e segui para Madureira, na periferia, digo no subúrbio (é, aqui é subúrbio!) No caminho ficava pensando se conseguiria ver uma enorme legião de artistas, ativistas, admiradores do Hip Hop lotando o “viaduto”. Chegando em vans, trens, ônibus e via viação canela. Ficava imaginando ver uma multidão de insurretos, atentos a nossa realidade, tendo capacidade de discernir sobre o jogo (que às vezes não é tão limpo). Seria uma confraternização onde política e entretenimento estariam lado a lado e o bom REP nacional enfim tocaria em condições de igualdade com as músicas de origem estadunidense. Lá chegando encontrei com camaradas e durante a conversa analisava tudo o que estava a minha volta; a cada observação feita, eu ficava com uma vontade de escrever, só que para variar não tinha levado um bloco de rascunho. Então fui “arquivando” na memória. Estava eu no principal pólo cultural preto ou negro da zona norte do Rio de Janeiro. Para quem não conhece, este bairro, além de berço das escolas de samba Portela, Império Serrano, do Jongo da Serrinha e do Madureira Futebol Clube, é também a grande Meca dos amantes da Black Music. Incrédulo, observava o fraco movimento na região em plena sexta-feira. E as perguntas surgiam com uma velocidade incrível. Onde estão os antiplayboys? Onde estão os playboys? Por que ambos os grupos não estariam prestigiando essa iniciativa? Esse não seria um autêntico evento do meio? Esse não seria um evento de excluídos, feito em área de excluídos e com preços acessíveis aos excluídos? E pensar que no “Manifesta” foi possível encontrar “quase” todo mundo da polêmica. Vai entender! Não tenho como contabilizar o número de pessoas no local. Entre o público posso dizer que chegava a uma centena, quantidade muito inferior aos dias normais de festa. O que é uma pena. Ainda tinha o pessoal que estava trabalhando com barracas de comidas, bebidas e artigos representativos da “nossa” cultura. Me recordo do Fúria Hip Hop, o primeiro baile genuinamente do meio com uma grande equipe de som, fruto do sonho, luta e investimentos do DJ Marcelo MG, esta iniciativa que aconteceu no fim do ano passado na quadra da escola de samba Estácio de Sá naufragou devido à ausência do coeso “Movimento (?) Hip Hop carioca”, que não se deixou seduzir pelos convites cortesia nem pelo valor do ingresso a R$ 3. Até hoje me pergunto por que todos da falação não prestigiaram... Seria por que era realizado em uma escola de samba? Sei lá, o pessoal está ficando tão sectário, que de repente qualquer hipótese é válida. Em decorrência, o dinheiro não circulou no meio e já pensaram quantos camaradas não ficaram sem um ganha-pão? Apesar dos pesares, é muito bom ver a vontade e a disposição da rapaziada em organizar e participar desses eventos; nessas horas é que podemos ver com exatidão quem é, e quem diz que é. A esses gostaria de parabenizar pelas iniciativas. Peço que não esmoreçam e continuem na correria, essas iniciativas são vitais para quem faz na prática. Uma pena que a mídia em geral, sempre ávida por fomentar a discórdia, não faça a cobertura desses eventos e que os “nossos iguais” não se manifestem com tanta constância. As discussões que visam ajudar o nosso crescimento, enquanto segmento social pretensamente forte e representativo, não deve ou não deveria cessar com o apagar dos holofotes (sempre eles). Vamos avançar, nos alinhar e partir para dentro. Até por que “não proponho ódio, porém acho incrível que o nosso conformismo já esteja nesse nível mais...” (Voz Ativa, Racionais MC’s). Vamos mudar o curso do rio das lamúrias e tentar fazer com que o sonho Hip Hop seja uma realidade acessível a todos. Possibilitando uma mudança real que transcenda o roteiro, digo o blá, blá, blá... Durante o fechamento desse artigo, estive conversando com uma pessoa do meio, e torno pública a minha opinião após essa conversa. É necessário, com extrema urgência, que algumas pessoas ditas referenciais venham a ter noção da sua própria história, da história do segmento onde estão inseridos. De que adianta saber de cor e salteado as inúmeras histórias de resistência negra ou popular e ser totalmente ignorante no que diz respeito ao Hip Hop no seu estado. Considero esse tipo de postura extremamente prejudicial e equivocada, porém esse é assunto para outro artigo. “24 de janeiro de 2004, lá se vão 365 dias desde o assassinato do Sabotage. E aí? Impera o silêncio,

especulações, descaso e a omissão. Cadê a justiça e as grandes manifestações por justiça? Quantos terão que morrer para se tomar providência?” “Vergonha, Esperança e Indignação!”

Asé

Trilha sonora para elaboração desse artigo: Dê nos Ouvidos, Câmbio Negro (DF). Iguais Sobrepondo Iguais, Afroreggae (RJ). Questão de Bom Senso, Hip Hop Na Linha de Frente Contra o Tabaco (RJ). Caxambu de Sá Maria, Jongo da Serrinha (RJ). Coitado do Zé Maria, Jongo da Serrinha (RJ). Mentiras por Enquanto, Plebe Rude (DF). Caso de Polícia, Código Penal (DF). Zwei Nações, Noje’N Tombre apresenta Vollzeit Crew (Blumenau/SC e Alemanha). Negros do Sul, Faces Iguais, Blumenau / SC.

Dicas de leitura: Hip Hop Brasileiro em Revista

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