Hispanidade, iberismo, unidade espanhola e interesse nacional

June 13, 2017 | Autor: João Pedro Dias | Categoria: Espanha, Iberismo
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Hispanidade, iberismo, unidade espanhola e interesse nacional João Pedro Simões Dias – 1999.10.28

A última semana em Espanha apareceu-nos marcada e condicionada, ao nível da discussão política, pela aprovação, pelo Parlamento do País Basco, de uma estranha lei autonómica que conseguiu reunir e congregar, pela primeira vez, conjuntamente, apenas os votos do Partido Nacionalista Basco (de centro-direita) e do Herri Batasuna (o braço político da sanguinária ETA, de extrema esquerda). Em termos substantivos e materiais esta coligação ímpia e original determinou que, doravante, podem ser criadas federações desportivas no País Basco as quais estão desde já autorizadas a filiarem-se em organizações europeias desportivas. Com muita simplicidade esta lei autonómica veio admitir que, por exemplo, a Federação Basca de Futebol se venha a filiar na UEFA e que no próximo Campeonato da Europa de Futebol possamos vir a presenciar jogos entre a França, a Itália, Portugal, a Inglaterra ou qualquer outro Estado europeu contra a seleção do País Basco. E nem sequer poderemos excluir a possibilidade de se assistir a un partido Espanha – País Basco! Percebe-se, facilmente, que o que está em causa não é apenas uma questão desportiva – é muito mais do que isso e é justamente por ser muito mais do que isso que talvez o tema deva merecer alguma meditação. O verdadeiro alcance da deliberação aprovada na Euszkadi foi imediatamente apreendido, por exemplo, na Catalunha, onde o respectivo líder da Generalitat, Jordi Pujol, se apressou a manifestar a sua concordância com a decisão tomada pelas autoridades regionais do País Basco e desde logo foi adiantando que não recusava a possibilidade de o Parlamento da Catalunha poder vir a aprovar legislação

regional e autonómica idêntica. No limite, se tal princípio fizer escola, as 17 Comunidades Autónomas espanholas poderão vir a possuir federações desportivas próprias filiadas em organizações europeias e competindo nos diferentes Campeonatos da Europa a nível de seleções. Em termos muito práticos, o que até agora não era mais do que uma simples possibilidade mas que pela primeira vez começa a ganhar eventuais contornos reais, equivaleria ao puro e simples desaparecimento da Espanha, enquanto entidade autónoma, dos palcos desportivos internacionais, maxime, das próprias Olimpíadas, sendo substituída por 17 representações autonómicas. A hipótese deixou de ser simplesmente académica e, se o Tribunal Constitucional de Madrid não considerar que o normativo legal aprovado viola a Constituição do Estado espanhol, estará iniciado o caminho para a concretização da referida hipótese. Ora, é sobre ela que devemos refletir. Antecipando alguma conclusão, talvez para nos consciencializarmos de que a questão subjacente ao tema é transcendente e que pode, inclusivamente, vir a refletir-se no nosso próprio país e no relacionamento a estabelecer com o único Estado com o qual temos uma fronteira terrestre. Talvez a primeira conclusão a extrair do deliberado seja a de que o sentimento nacional que está presente nas diferentes Comunidades Autonómicas espanholas sobrepassa, de longe, o sentimento nacional espanhol. Ou seja, comprovar-se-ia, pela força irrefutável dos factos, que o princípio consagrado na Constituição espanhola da unidade e indivisibilidade da nação espanhola mais não é do que uma simples miríade ou ficção criada pelo legislador constituinte, confirmando que ainda hoje muitas constituições continuam a ser semânticas e a revelar acentuada falta de autenticidade – para empregarmos terminologia de Adriano Moreira – entre as regras e valores proclamados e a realidade política que teoricamente deveriam organizar. A nação espanhola, de facto, não existe; o Estado espanhol não é um Estado nacional uno e unitário – será, no limite, um Estado de Nações

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(enfaticamente proclamado como Estado regional autonómico) onde o sentimento nacional existente e o conceito de Nação que faz escola nos aparece associado, antes de tudo, a realidades histórico-territoriais que têm outros nomes que não Espanha: têm 17 nomes diferentes e chamam-se, por exemplo, Galiza, Catalunha, País Basco, Castela, Principado de Astúrias, Comunidade Valenciana, etc. Se associarmos aos factos descritos a constatação de que a generalidade destas realidades nacionais dispõe de um Estatuto autonómico que em muito pouco se distingue duma verdadeira Constituição estadual – dum eventual Estado federado, admitamo-lo – e que tem garantida constitucionalmente – pela Constituição mater do Estado federal, permita-se-nos a utilização da imagem – a possibilidade de se auto-governar e de se exprimir oficialmente numa língua própria e que em pleno Senado de Madrid muitos dos senadores destas – eufemisticamente chamadas – Comunidades Autónomas utilizam mesmo as suas línguas nacionais em detrimento do castelhano federal obrigando à existência de traduções simultâneas como acontece, por exemplo, em reuniões do Parlamento Europeu – concluiremos sem grande demora no sentido de que já foram dados os primeiros passos que poderão pôr definitivamente em causa a viabilidade concreta de uma realidade chamada Espanha. O tema tem atualidade e mesmo em Espanha é abundantemente discutido – e sob vários ângulos. Ainda muito recentemente Aleix VidalQuadras, o ex-Presidente do Partido Popular na Catalunha, publicou um interessante volume – denominado «Amarás a tu tribu» – onde, apesar dos cargos partidários regionais que desempenhou, se atreveu a pôr o dedo na ferida e a denunciar publicamente os excessos autonómicos desenfreados em curso e a marcha suicida a que poderiam conduzir em termos da unidade do próprio Estado espanhol (que diferença de postura, de responsabilidade e de sentido de Es-

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tado relativamente a alguns putativos proto-líderes regionais que vão emergindo noutros locais da Península Ibérica!...). Decerto: foi uma obra «politicamente incorreta», sinónimo de um pensamento perigoso e anti-autonómico que custou ao seu autor a liderança partidária regional, justamente por ter ousado colocar os interesses do Estado acima dos interesses regionais. Ora, toda esta problemática é importante mas não nos deve ser alheia. Entre nós, alguns, poucos, têm-se ocupado da reflexão sobre o tema. De entre eles não podemos esquecer o falecido Embaixador Franco Nogueira que dedicou muito da sua obra e a quase totalidade do seu último livro – sugestiva e premonitoriamente intitulado «Juízo Final» – à reflexão e à meditação sobre o tema do iberismo, das seculares ambições espanholas sobre o território português, sobre a ameaça espanhola para Portugal, simultaneamente na perspectiva da manutenção da unidade espanhola e na perspectiva do desmembramento da grande Espanha no quadro de uma Federação Ibérica. Não releva aqui ensaiar analisar ou buscar uma resposta definitiva para a magna questão de saber se os interesses nacionais portugueses seriam melhor ou pior defendidos fazendo Portugal fronteira apenas com a grande Espanha – quatro vezes superior a Portugal em extensão territorial e cinco vezes maior em população – ou tendo Portugal como vizinhas as diversas nações neste momento congregadas no Estado espanhol, em obediência ao princípio do Estado nacional que ensina e proclama que cada Nação tem o direito de se auto-governar e de se constituir politicamente como Estado – numa nova geografia política peninsular de diferentes entidades políticas sensivelmente da mesma dimensão. Qual das duas alternativas seria a ideal para Portugal? Como lidar com a hipótese mais favorável e como encarar a eventualidade de

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haver necessidade de fazer frente à hipótese menos favorável, qualquer que ela fosse e acaso ela se concretizasse? A resposta a estas e a muitas outras questões não poderá ser dada aqui e a discussão do tema deverá, seguramente, ter outra sede. Talvez política, talvez académica. O que não parece possível de aceitar é que em Portugal não exista um verdadeiro plano nacional de contingência que admita as diferentes hipóteses de trabalho e encare as diversas alternativas que podem surgir a qualquer momento e quando menos se espera. O futuro, em regra, não se costuma fazer anunciar e nem sempre coincide com aquilo de que estamos à espera. E do lado de lá da fronteira, neste momento, não se limitam a soprar ventos – sejam eles bons ou maus – ou a virem casamentos. Sopram e vêm indícios claros e precisos de uma realidade política em permanente mutação que não pode ser tida por definida ou totalmente estabilizada. Ignorar este facto seria não compreender o que está ao nosso lado – e admitir uma qualquer surpresa, fruto de uma qualquer transformação, que já não deve poder ser encarada apenas no plano teórico ou meramente académico.

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