HISTÓRIA AMBIENTAL E O ENSINO DE HISTÓRIA: UMA DIFÍCIL APROXIMAÇÃO

May 27, 2017 | Autor: E. Bergo de Carvalho | Categoria: Environmental History, History Teaching, Enviromental Education
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HISTÓRIA AMBIENTAL E O ENSINO DE HISTÓRIA: UMA DIFÍCIL APROXIMAÇÃO Ely Bergo de Carvalho1 A História Ambiental é uma clara reação aos problemas ambientais da atualidade que lançam uma incerteza sobre o futuro da própria espécie humana. O conceito de História Ambiental foi criado nos EUA na década de 1970 e hoje há associações de História Ambiental em todos os continentes ou subcontinentes, contando com revistas internacionais. Em 2009, haverá o primeiro encontro mundial de História Ambiental. Todavia, mesmo nos Estados Unidos, a História Ambiental é um grupo secundário da historiografia. No Brasil, foi somente no XXIII Simpósio Nacional de História (da ANPUH) de 2005 que se conseguiu promover simpósios temáticos voltados para problemática ambiental. Deve-se, portanto, considerar que os atuais debates da questão ambiental pelos historiadores são respostas bastante tardias da “corporação” às demandas da época atual. Também nos últimos trinta ou quarenta anos criou-se um aparato institucional para a Educação Ambiental. Todavia, a adoção do meio ambiente como um tema transversal nos Parâmetros Curriculares Nacionais repercutiu, relativamente, pouco na prática do professor em sala de aula, sendo que, no caso do ensino de História, isso foi mais grave, pois, muitas vezes, o “meio ambiente” foi/é entendido como um problema dos professores de Biologia e Geografia, e não do de História. No presente ensaio procura-se compreender algumas injunções que levam a esse afastamento entre a questão ambiental e os historiadores, tendo como foco, principalmente, mas não exclusivamente, a sala de aula. Inicia-se com algumas considerações sobre a visão de mundo mecanicista moderna, para depois situar alguns elementos da emergência da História Ambiental e da Educação Ambiental nessa tradição mecanicista, para finalmente, abordar a sua crítica que levaria para além da atual disjunção história versus natureza. A visão de mundo moderna mecanicista O mundo moderno é marcado pelo mecanicismo. Desde, pelo menos, a chamada Revolução Científica do século XVI, a máquina se tornou a grande metáfora para se entender 1

Professor Adjunto do Departamento de História da Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT.

2 a natureza. Como afirma Edgar Morin (1999), a lógica das máquinas artificiais, as quais são incapazes do desvio, do erro, tem como pressuposto que a realidade é simples, ou seja, que ela é objetiva e contém um conjunto de leis que podem ser formalizadas e que permitiriam controlar o objeto estudado, pois possibilitam a previsão de seu funcionamento. Mas a lógica da máquina artificial foi aplicada não apenas na relação dos seres humanos com a natureza, mas entre os próprios seres humanos. Dessa forma, tanto o Estado como a sociedade civil moderna se pautam em esquemas da máquina artificial, baseiam-se em uma racionalidade sustentada na centralização, na especialização e na hierarquia, ou seja, baseiam-se no que outros autores chamam de uma racionalidade burocrática-técnica, o que forma uma visão de mundo fundamentada na lógica da máquina artificial, ou seja, em uma racionalização. Entende-se que racionalização é a construção de uma visão coerente, totalizante do universo, a partir de dados parciais, de uma visão parcial, ou de um princípio único, assim, a visão de um só aspecto das coisas (rendimento, eficácia), a explicação em função de um fator único (o econômico ou o político). (MORIN, 1999, p. 155).

Com seu conceito de racionalização, Morin lembra que “o real excede o racional” (p.169). Afinal, por exemplo, uma breve incursão pela história do pensamento científico ocidental mostra os mitos sobre os quais tal visão de mundo se constrói: o mito de que o mundo é simples e controlável. Dessa forma, ressalta-se que tal visão totalizante, pautada em um elemento parcial, implica não na eliminação dos “mitos”, mas apenas na sua reelaboração e na criação de novos “mitos” (DIEGUES, 1998, p. 54). Assim, felizmente, não se está, necessariamente, condenado a uma visão de mundo racionalizadora, simplificadora e maquínica do mundo, como afirma Simon Schama: [...] se toda a história da paisagem no Ocidente de fato não passa de uma corrida insensata rumo a um universo movido a máquina, sem a complexidade de mitos, metáforas e alegorias, no qual o árbitro absoluto do valor é a medição e não a memória, no qual nossa inventividade constitui nossa tragédia, então realmente estamos presos no mecanismo de nossa autodestruição ( SCHAMA, 1996, p. 24).

Apesar do processo de racionalização da natureza procurar transformá-la em um depósito de recursos, a natureza nunca foi só isso. Como argumenta Jacques Revel, não se pode considerar que as “máquinas do poder” funcionam perfeitamente, porque, em geral, elas assim “funcionam” justamente porque os historiadores as entendem como máquinas, e não como um conjunto de relações, e “mesmo se admitir a hipótese de uma eficácia global dos aparelhos e das autoridades, falta entender inteiramente como essa eficácia foi possível, - ou

3 seja, como foram retranscritas, em contextos indefinidamente variáveis e heterogêneos, as injunções do poder” (REVEL, 1998, p. 29). Ou, para seguir o raciocínio de Edgar Morin, a lógica das máquinas artificiais não suporta a desordem, que, se por um lado, é fonte de destruição, por outro é fonte de liberdade. Como a criação pressupõe uma desordem criadora, a autoprodução permanente da sociedade não é comportada pela lógica da máquina artificial. Dessa maneira, os “processos de criatividade e de invenção não são redutíveis à lógica da máquina artificial” (MORIN, 1999, p. 110-111). Além de simplificação do mundo, tal paradigma tem como uma de suas principais caraterísticas a disjunção. O paradigma moderno foi fundado sob o princípio da reduçãodisjunção, o que leva à “grande disjunção natureza-cultura, objeto-sujeito” (MORIN, 1999, p. 30). Esta questão se situa na fundação das ciências modernas:

O problema metodológico enfrentado por Descartes é o seguinte: se existe uma unidade da razão, deve haver algo que necessariamente não seja uno e, portanto, seja divisível. Este algo é o mundo, a natureza, tornada objeto da razão. [...] A questão é simples: Como posso dominar alguma coisa da qual faço parte? A resposta é que não posso; conseqüentemente, não posso fazer parte da natureza. Se pretendo dominá-la, preciso me situar fora dela. Assim, Descartes consegue legitimar a unidade da razão às custas da objetificação da natureza. [...] É na base desse dualismo que encontramos a gênese filosófica da crise ecológica moderna [...]. A natureza e a cultura passam a ser duas coisas muito distintas ( GRÜN, 2000, p. 34-35).

Tal disjunção, bem como a simplificação, são princípios fundamentais de explicação. Formam um paradigma geral das ciências que não é formado apenas com elementos “científicos”, pois faz parte desse paradigma uma enorme parte imersa, tal como um iceberg, não científica. Assim, mudar um paradigma é mudar pressupostos da própria ciência, que fazem parte da forma como se apreende o mundo no dia-a-dia, ou seja, significa mudar a visão de mundo. Tais pressupostos de uma visão mecanicista de mundo estão na base da atual crise ambiental. E é por esse motivo que autores como Edgar Morin afirmam que a primazia deve ser dada a uma reforma na forma de como se pensa o ser humano e a natureza, pois é necessário reformar a forma como se entende a problemática ambiental para se poder agir, não a partir do modos operandi que gerou a crise ambiental, mas de uma forma nova (MORIN, 2000).

4 Da “história ecológica” à história ambiental Não é consenso entre os praticantes o que é a História Ambiental. Todavia, um dos historiadores ambientais consagrados internacionalmente, Donald Worster, afirma que no início do século XX, a história se restringia à “política do passado”. No decorrer do século, os historiadores duvidaram que poucos homens ocupados com o poder do Estado poderiam ter tal controle sobre o passado e passaram a fazer de toda a sociedade objeto da História: Agora chega um novo grupo de reformadores, os historiadores ambientais, que insistem em dizer que temos de ir ainda mais fundo, até encontrarmos a própria terra, entendida como um agente e uma presença na história (WORSTER, 1991, p. 198-199).

Assim, deve-se levar em conta esses outros “sujeitos da história”, os “elementos naturais” que têm a capacidade de condicionar significativamente a sociedade. Não mais se busca explicar os fatos sociais exclusivamente pelos fatos sociais, como fazia Durkheim, não mais explicar a sociedade pela sociedade e a “natureza” pela “natureza”, e sim procurar entender a interação entre ambos, que gera a sociedade e a “natureza” tal como se conhece, unindo, assim, o que jamais esteve separado, salvo nas análises humanas. Logo, a proposta é entender a antropossociedade dentro do ecossistema do qual faz parte e, assim, entender melhor ambos. Desta maneira, é necessário escrever e contar uma outra história para as “crianças”, a fim de contribuir para a construção de uma nova memória social, na qual os seres humanos lembrem que são partes da natureza. Essa é uma nova demanda que está diante do historiador em suas pesquisas, seja em sala de aula, seja nos “arquivos”. É preciso (re)contar a história das cidades, Estados, biomas, continentes por essa outra perspectiva, para se construir um outro olhar sobre o meio em que se vive (CARVALHO, 2007). Todavia, a História Ambiental, em especial a estadunidense, na ânsia de incorporar a história na natureza, acabou, por muitas vezes, não se afastar dos pressupostos e da visão disjuntiva que formam a relação moderna com a natureza. Simon Schama (1996, p. 24) já criticou a História Ambiental norte-americana por enfatizar o processo de destruição da natureza e não perceber os diferentes mitos e representações que envolvem a relação dos seres humanos com o mundo natural. Muitas vezes, quando a natureza é incorporada na historiografia ou em materiais para a Educação Ambiental, parte-se de uma concepção de natureza como algo ainda separado dos seres humanos. A natureza é tratada como um vestígio do Éden original, a partir do qual as ações humanas são entendias como intervenções destrutivas (DIEGUES, 1998). O ser humano

5 é pensado como um Homo devastans e a História do Brasil é reduzida a quinhentos anos de destruição da natureza por homens gananciosos e perdulários. Tal perspectiva esquece as diferentes racionalidades que orientaram os seres humanos em suas relações entre si e com o ambiente, apaga os saberes produzidos por grupos como os seringueiros da Amazônia, que desenvolveram formas mais sustentáveis de viver. No Brasil, o livro de Warren Dean (1996) é o melhor exemplo dessa problemática. Movido pelas preocupações ambientais contemporâneas, Dean abarcou o desafio de fazer uma história das florestas, produzindo uma narrativa de como a Mata Atlântica brasileira, com cerca de um milhão de quilômetros quadrados, ao longo de “dez mil anos de ocupação humana”, chegou à atual situação, com a pequena porção da floresta ainda existente, formando um dos ecossistemas mais ameaçados do Brasil. Todavia, tal obra não se constituiu em um modelo de História Ambiental das florestas. Sua abordagem foi fortemente criticada, por homogeneizar a história das florestas, pois é como se partisse da “perspectiva da floresta”, diante da qual toda intervenção humana seria negativa, não percebendo as descontinuidades que formam a história da relação das sociedades humanas com o bioma da Mata Atlântica (CARVALHO, 2005). Reforça-se, assim, a dicotomia social versus natural, em um tipo de História Ambiental que Enrique Leff denomina “história ecológica”: Nesta visão não se consegue conceber a complexidade ambiental, como um processo enraizado em formas de racionalidade e de identidade cultural que, como princípios de organização social, definem as relações de toda sociedade com a natureza; a história ambiental se limitaria a estudar as formas como diversos modos de produção, formações sociais e estruturas de classe, se apropriam, transformam e destroem os recursos do seu entorno (LEFF, 2005, p.13).

Leff afirma que o elemento que falta nessa “história ecológica” é o tempo. Esses historiadores ambientais ou ecológicos teriam ignorado o tempo e buscavam narrar a história da relação entre sociedades humanas e seus ambientes como um continuum temporal, sem cortes, sem diferença. E, em contraposição, propõem que a História Ambiental deveria ser uma hermenêutica do ser. Expresso de outra forma, o pensamento social ocidental ainda está demasiadamente preso a uma concepção de ser humano como um Homo economicus, movido por uma racionalidade mercantil individualista. E não é estranho que uma parte dos estudos das ciências ambientais atuais compartilhe uma visão de Homo devastans, ou seja, uma visão de que toda interação com o ambiente feita pelo ser humano vai gerar uma redução na biodiversidade, “destruindo” a natureza (BALÉE, 2003).

6 Diogo Cabral, em contraposição a Dean, por exemplo, aborda essa questão no período colonial no Brasil e argumenta que Dean (2007, p.2) desenvolve a ideia de que "a taxa de conversão da floresta em capital (fixo e de giro) foi irrisória ao longo de todo o período de domínio português”. Assim, Dean espera um capitalismo que maximize a produção e a eficiência e não percebe que no Brasil colônia há uma “matriz cultural” diferente. A extração do sobre-trabalho era investido, em grande parte, não na reprodução ampliada do capital, e sim na reprodução da hierarquia social. Desse modo, Cabral, apoiado em uma dada interpretação sobre a socioeconomia colonial, afirma [...] que a questão não é, absolutamente, se a economia brasileira produziu capital internamente ou não, mas sim como esse capital era ‘aplicado’ ou, em outras palavras, como a renda era alocada. Dependendo das motivações sociais e políticas dos agentes gerenciadores dos mecanismos de acumulação, uma floresta pode se transformar numa estrada ou num pelourinho, num moinho ou numa Igreja – todas estas incontestes manifestações de riqueza, a única diferença sendo a matriz cultural a partir da qual elas são percebidas e valoradas (CABRAL, 2007, p.9).

E isso não se limita ao período colonial. Recorrentemente, em nome de critérios de eficácia econômica a-históricos, condena-se como irracionais as práticas socioculturais e ambientais enraizadas do Outro. Tal condenação, em geral, é feita a partir de uma homogeneizadora racionalidade econômica que se subtrai de indagar o tempo. Quando se transforma a história em uma linha contínua e homogênea de destruição ambiental, na verdade, mata-se a história, pois se acaba com a diferença. A história de interação com a natureza não é apenas a crônica de como diferentes formações sociais se apropriaram e destruíram os recursos naturais. A história da expansão do capitalismo é, certamente, a história da transformação do mundo natural em recursos naturais, ou seja, em mercadoria, mas também comporta muitas relações diferenciadas. Um bom exemplo é a coivara. Uma prática que consiste em queimar a floresta, cultivar a terra e, quando a área da “roça” é infestada por “pragas” e a produtividade se reduz pela degradação do solo, a área é entregue à floresta para sua recomposição e se avança sobre uma nova área florestal. Tal forma de cultivo, quando exercida em certas condições, é considerada, hoje, não prejudicial ao ecossistema como um todo, ou pelo menos causadora de menor impacto ambiental do que a agricultura “moderna”, feita à base de monoculturas cultivadas com máquinas e agroquímicos. Porém, foi em nome desse tipo de agricultura “moderna” que se condenou ou se condena a coivara (CARVALHO, 2008). Hoje essa e outras práticas tradicionais são recuperadas por pesquisadores como parte de um saber que pode contribuir para a produção de modelos agrícolas alternativos. O saber

7 tradicional, rejeitado no passado, é recuperado como uma pedra angular para a produção de um agroecossistema que seja mais sustentável e justo. A atenção a essas diferentes racionalidades permite pensar para além da racionalidade produtivista, consumista e predadora que caracteriza a sociedade moderna e separa os seres humanos da natureza. Do “adestramento” à educação ambiental Houve um esforço para que a questão ambiental penetrasse os muros escolares. A Educação Ambiental é outra reação a essa crise ambiental atual. A Conferência Internacional fomentada pela ONU, em Tbilizi, 1977, já estabelecia em seus princípios que a Educação Ambiental não era repassar informações sobre o ecossistema e seu funcionamento, mas deveria ser um questionamento ético e político ao que se prefere chamar de racionalidade moderna, de domínio da natureza e de ampliação ad infinitum do consumo. A partir de Tbilizi, com pressões internas e externas do movimento ambiental, entre outros fatores, foi construído um aparato institucional para viabilizar a Educação Ambiental no Brasil, a exemplo da maioria dos países no mundo. A Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA), de 1981, entendia o meio ambiente como um bem público, atribuindo ao Estado a responsabilidade por um meio ambiente ecologicamente equilibrado e a promoção da Educação Ambiental em todos os níveis de ensino. Com a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação, de 1996, o meio ambiente passou a ser um dos Temas Transversais nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN). Os temas transversais devem ser abordados pelas disciplinas convencionais em seus conteúdos e objetivos, pois são linhas do conhecimento que atravessam e se cruzam entre as diferentes disciplinas, atuando como fator estruturador e fio condutor da aprendizagem, potencializando

valores,

fomentando

comportamentos

e

desenvolvendo

conceitos,

procedimentos e atitudes, que respondem às necessidades pessoais e da própria sociedade. E, ainda, pouco depois em 1999, foi instituída, pelo Governo federal, a Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA), determinando a obrigatoriedade da Educação Ambiental em todos os níveis de ensino. Todavia, a experiência em Educação Ambiental ainda é precária e nova no Brasil (SOARES; NOVICKI, 2006; BRÜGGER, 2004). Há pelo menos três ordens de fatores que levam a relativa pouca da Educação Ambiental nas escolas brasileiras: a) a falta de uma “consciência ambiental” por parte de gestores e educadores, ou, dito de outra forma, a não priorização dessa temática por parte

8 desses agentes; b) a crônica carência material e de condições de trabalho, em especial nas escolas públicas: baixos salários, salas super lotas, que dificultam em muito, por exemplo, um trabalho interdisciplinar nas escolas; e c) a estrutura fragmentada do conhecimento moderno, voltado para o controle e não para o diálogo com a natureza, o que é reproduzido nas escolas. Os professores de História, além dos problemas práticos de aplicação dos temas transversais em sala de aula, têm aí uma dificuldade extra: os profissionais da área de História, em geral, estão mal preparados para enfrentar o debate ambiental. O pensamento ocidental separa fortemente a sociedade e a natureza, como já se argumentou. Por exemplo: entregue uma câmera fotográfica para um estudante e peça para ele fotografar a “natureza”. A tendência será fotografar plantas e animais silvestres, o ser humano fica separado da natureza. Sendo a História uma disciplina voltada para o ser humano no tempo, aparentemente, o mundo natural estaria fora de seu escopo (CARVALHO, 2002). Em tal perspectiva reducionista e disjuntiva, a Educação Ambiental seria um tema para as áreas de Geografia e Biologia, de forma que não é coincidência que sejam os professores dessas disciplinas que organizam, prioritariamente, os trabalhos de Educação Ambiental nas escolas e que sejam tais disciplinas que hoje formam os paradigmas transdisciplinares que colonizam os estudos das relações sociedade-natureza. Em tal perspectiva reducionista, a inclusão do meio ambiente como tema transversal nos Parâmetros Curriculares Nacionais pode ser entendido como um novo conjunto de informações que devem ser “passadas” para os alunos. Mas é uma ilusão pensar que apenas informações descontextualizadas alteram o comportamento dos alunos. Para além de repassar informações, o trabalho com tal tema em sala é uma oportunidade de construção de novos valores e de incentivo à produção de modos de vida que sejam mais sustentáveis. Daí a necessidade de participação de todas as áreas de conhecimento (VIEIRA, 2002), levando a uma reflexão sobre a inserção de professores e alunos no ambiente. Todavia, tal autocrítica em geral não é feita. Por exemplo, a incorporação do meio ambiente nos livros didáticos de História, muitas vezes, é feito apenas para atender a demanda de avaliadores do Ministério da Educação e é feita de forma superficial, apenas acrescendo “informações ambientais” nos livros de História, sem a proposta de uma reflexão sobre a questão ambiental (SOARES; NOVICKI, 2006). Quando se reduz a Educação Ambiental ao repasse de informações técnicas, segundo Paulo Brügger (2004, p. 36), o que se tem é um “adestramento ambiental”. E tal reducionismo pode continuar a se reproduzir mesmo em atividades de “Educação Ambiental”, como por exemplo, na elaboração de gincanas para recolher material reciclado. Nessas atividades,

9 alguns professores notaram que, algumas vezes, os alunos, no esforço de demonstrar que são “os melhores”, acabam incentivando suas famílias a consumirem mais produtos, a fim de conseguirem mais material para reciclagem. Desta forma, uma atividade que deveria questionar o consumismo desenfreado do mundo moderno acaba por entrar em sua racionalidade, amplia ainda mais o consumismo. Considerações finais Os pontos de convergência da trajetória e aporias da Educação Ambiental e da História Ambiental mostram um terreno comum, dado em parte por pressupostos comuns: a visão de mundo mecanicista moderna. É a disjunção história/cultura e natureza, tão típica do mundo moderno, que permite entender o relativo silêncio em relação ao mundo natural no trabalho dos historiadores. Mas a incorporação da temática ambiental, seja no trabalho de pesquisa científica, seja em sala de aula, não implica na superação dessa disjunção. Ainda ocorre uma homogeneização das racionalidades e, consequentemente, das relações das sociedades humanas com a natureza, seja na forma de um Homo devastans, quando se percebe a ação humana unicamente como destruidora do ambiente, seja na forma de um bom selvagem ecológico, quando se imagina a natureza como um resquício do paraíso, no qual alguns seres humanos poderiam viver em perfeito equilíbrio com o mundo natural. De toda forma, ainda se parte de uma natureza humana a priori, em vez de entender a multiplicidade das condições humanas e ambientais. E é fundamental se perceber essas diferentes racionalidades, pois, se não houvesse tais racionalidades diferenciadas, então o ser humano estaria preso nos mecanismos da própria autodestruição. Mas se os seres humanos percebessem essas diferentes racionalidades no passado e no presente, então, isso abriria uma esperança para o futuro. É possível que a humanidade adote racionalidades diferentes da atualmente hegemônica, permita construir um futuro ecologicamente mais equilibrado e socialmente mais justo. Referências bibliográficas BALÉE, William. Diversidade amazônica e a escala humana do tempo. In: SIMPÓSIO DE ETNOBIOLOGIA E ETNOECOLOGIA DA REGIÃO SUL, 1., 2003, Florianópolis. Anais. Florianópolis: UFSC, 2003. p. 14-28.

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