História, ciência e política no alvorecer da Modernidade: algumas reflexões sobre Maquiavel

May 24, 2017 | Autor: Vitor Batalhone | Categoria: Early Modern History, Philosophy of History, Theory of History, History of Political Thought
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História Unisinos 20(3):339-350, Setembro/Dezembro 2016 Unisinos – doi: 10.4013/htu.2016.203.09

História, ciência e política no alvorecer da Modernidade: algumas reflexões sobre Maquiavel History, science, and politics during the dawn of Modernity: Some thoughts on Machiavelli

Vitor Claret Batalhone Jr1

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Resumo: Este estudo discute determinadas características da cultura e da epistemologia históricas do alvorecer da modernidade, estudando especificamente O Príncipe e Os Discursos de Nicolau Maquiavel. A hipótese é que, com a crise de alguns enquadramentos epistemológicos e culturais de origem antiga e medieval, abriu-se espaço para o surgimento de uma concepção do mundo e da realidade que, progressivamente racionalizadas, passaram a ocupar a função da religião e da vida política em sentido clássico, dando origem ao império da ciência e da história como disciplina com pretensões à cientificidade a partir da segunda metade do século XVIII. Em relação a esse processo, proporemos algumas ideias sobre se e como o pensamento político pode ser pensado à época como uma forma de tecnologia da ação humana. Palavras-chave: Maquiavel, história, ciência. Abstract: This paper aims to discuss particular features of the culture and epistemology of history during the dawn of modern times, specifically studying The Prince and The Discourses by Niccolò Machiavelli. The hypothesis is that since the crisis of some ancient-medieval epistemological and cultural frameworks, possibilities were opened for the rise of a new concept of world and reality, which, progressively rationalized, begun to occupy some of the roles of religion as well as of classic political life, giving origin to the reign of science and also of history understood as a scientific discipline, from the second half of 18th century onwards. Regarding this process, we suggest some ideas on whether and how at the referred period the political thought could be thought of as a special form of technology of human action. Keywords: Machiavelli, history, science.

Pós-Doutorado pela UFRRJ com bolsa CAPES PNPD. Doutor em História pela UFRGS, CAPES-Fulbright Fellow. VSRC na Princeton University. Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. BR-465, Km 7, 23897-000, Seropédica, RJ, Brasil.

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Finance is a gun. Politics is knowing when to pull the trigger. Don Lucchesi. Hannah Arendt propôs uma instigante avaliação das vicissitudes sofridas pelo núcleo semântico do conceito de história entre os períodos antigo e moderno. Segundo Arendt, com o fim do período medievo e o início das sociedades

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modernas, teria ocorrido um rompimento nas formas de reprodução das próprias sociedades em questão. Aquilo que a autora define sucintamente como “a tradição” teria entrado em colapso e dado lugar ao seu “primeiro substituto”, ou seja, o “fio da continuidade histórica” (Arendt, 2000, p. 55). Todavia, é provável que a primeira extensão desenrolada desse “fio da continuidade histórica” tenha sido muito menos profunda do que os dados exatos dos cálculos astronômicos e cronológicos, ou mesmo o historicismo poderiam nos fazer supor. O início da experiência histórica moderna constituiu uma cultura histórica muito mais próxima do que hoje entendemos como a experiência de alteridade característica do exercício etnográfico do que aquela sensação de profundidade temporal tão cara à cultura histórica constituída após a segunda metade do século XVIII. Isso pode ser percebido principalmente através das consequências da descoberta do Novo Mundo, quando os nativos americanos passaram a ser identificados progressivamente a análogos clássicos, transformando incas, astecas e maias em símiles de gregos, romanos, fenícios e persas (Cañizares-Esguerra, 2001, p. 38-44). É provável que essa assimilação indique antes uma experiência de afastamento entre duas plataformas temporais paralelas do que uma percepção temporal de profundidade histórica. A reflexão a partir da bibliografia referente e das fontes do início da modernidade indica tal experiência do tempo fundamentada numa cultura histórica que se encontrou diante do desafio de compreender dois deslocamentos dimensionais decisivos. As sociedades dos séculos XV ao XVII tiveram que lidar com o nível da dilatação espacial causada pela descoberta do Novo Mundo, assim como com a distensão temporal causada pela recuperação da cultura da antiguidade clássica. Os modernos tiveram que aprender a lidar com ambas as sociedades clássicas e indígenas americanas, como também com os deslocamentos espaço-temporais derivados destas relações. Além disso, desenvolveram parâmetros sócio-institucionais alternativos, uma vez que as grandes noções aglutinadoras tais como a de império e cristandade sofriam abalos substanciais. A recuperação da filosofia aristotélica via traduções árabes, catalãs e aragonesas, fosse sob a forma de fragmentos ou de compêndios manuscritos, colaborou na reformulação da teoria do escravo natural então utilizada pelos ibéricos para justificar teologicamente a escravidão e as encomiendas na América. As religiões e formas de escrita nativo-americanas representavam uma alteridade radical que a ortodoxia católica tentava ordenar segundo seus próprios quadros conceituais tradicionais (Pagden, 1994, 1986; Cañizares-Esguerra, 2001). Por fim, ao longo dos séculos XVI e XVII, o golpe decisivo Vol. 20 Nº 3 - setembro/dezembro de 2016

para abalar o medievo caráter de solidez da concepção de cristandade fora desferido pelos reformadores (Grafton e Rice, 1994, p. 146-157). Não foi sem razão que o historiador Reinhart Koselleck, ecoando Troeltsch, problematizou a cronologia tradicional ao afirmar que seria mais apropriado pensarmos o início da modernidade a partir do século XVIII. A afirmação é interessante por si só, mas se torna ainda mais importante se considerarmos que os historiadores Anthony Grafton e Eugene F. Rice Jr. também pensam ser problemático o tradicional estabelecimento cronológico do início da modernidade. Segundo os dois historiadores, a “modernidade” do século XVI não possuiria os mesmos caracteres da “modernidade” das sociedades oriundas de fins do século XVII em diante. As sociedades anteriores, segundo os autores, deviam muito mais às suas heranças greco-romanas, pagãs e medievas. Curiosamente, negamos com certa frequência o fato de que os homens medievais ainda se sentiam pertencentes, se não ao Império Romano em sentido estrito, ao menos à sua herança experimentada cotidianamente através de instituições e costumes (Koselleck, 2002, p. 156-159; Grafton e Rice, 1994; Strayer, 1970). O Renascimento foi possível porque houve um momento a partir do qual o homem medieval – no limite próprio de não ser mais medievo – passou a não se reconhecer plenamente no substrato cultural e institucional que ainda permitia lhe qualificar como medievo. Cessada a possibilidade de se reconhecer como herdeiro direto da antiguidade greco-romana e imerso num denso substrato de cultura cristã, tornou-se possível renascer aquilo que até pouco tempo era experimentado não como passado deslocado, pretensamente obscurecido pelas trevas da “ignorância” religiosa ou mesmo morto, mas como parte constituinte de seu próprio mundo. Para renascer foi preciso acreditar que algo ainda persistente, embora de formas cada vez mais difusas, enfim morrera. Koselleck discorreu sobre o fenômeno que em sua opinião seria fundamental para a compreensão da especificidade da experiência histórica moderna: a ocorrência daquilo que ficou conhecido pela expressão “a não simultaneidade do simultâneo” ou “a simultaneidade do não simultâneo”. A partir das alterações culturais radicais experimentadas pelas sociedades dos séculos XVI e XVII, a compreensão religiosa do mundo foi progressivamente substituída por paralelos científicos. Assim, a profundidade temporal registrada através da noção de história da humanidade foi sustentada pelos simulacros de laboratórios que as populações não ocidentais pareciam representar. “Toda divisão de época que considera lógicas científicas e tecnológicas de forças de produção conduz a desacelerações e acelerações, a saltos e deslocamentos temporais específicos a países particulares”, cuja ilusão da “cronologia natural” reduziria a

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um denominador comum capaz de serem compreendidos como processos lineares recheados de pontos decisivos ou datas-chave válidos em geral. Por fim, o autor nos conduz à sua hipótese: “o começo da Modernidade (Neuzeit), com todas as dificuldades que surgem deste conceito, foi manifestada pela primeira vez no Iluminismo, o qual identificara a si próprio como o sustentáculo de um novo tempo (neue Zeit)” (Koselleck, 2002, p. 160). A experiência do tempo histórico inaugurada no início do século XVIII, diferentemente daquela condensada nos conceitos de Antiguidade ou Idade Média, passou a implicar a experiência de uma profundidade temporal nunca antes experimentada. Em vez de duas ou mais plataformas temporais a partir das quais a experiência do tempo podia ser estabelecida, conforme argumentaremos teria sido o caso entre Antiguidade e Idade Média, e Antiguidade-Idade Média e séculos XVI e XVII, o século XVIII experimentou o surgimento daquilo que eu gostaria de chamar de “vertigem histórico-temporal”. Até o século XVII, a experiência do tempo era estruturada fundamentalmente por versões clássicas ou teológicas, tais como a divisão entre idades do ouro, prata e bronze; deuses e heróis; criação e dilúvio; declínio e queda de impérios. Todas essas formas de pensar e experimentar o tempo histórico acomodavam-se na teleologia cristã através da doutrina das quatro monarquias de Daniel, sendo que “até o século XVII, era teórica e amplamente aceito que nada fundamentalmente novo poderia ocorrer até o fim do mundo”, pois, “dentro da doutrina cristã das épocas, todas as datações cronológicas pertenciam à última época da história mundial”. Segundo o historiador, tal situação mudou apenas com Chladenius a partir de meados do século XVIII, ao reconhecer não somente uma formulação tripartite do tempo, mas também ao prover justificativas epistemológicas para tratar a história como uma ciência (Koselleck, 2002, p. 160-161). E aqui creio residir o nó axial que diferencia a cultura histórica e a experiência do tempo dos séculos XVI e XVII daquelas do século XVIII em diante. Aquilo que Reinhart Koselleck sugeriu como sendo um processo de naturalização estética da história a partir da aparentemente paradoxal postulação de sua pretensa cientificidade produziu as filosofias da história com pretensões universais. O ponto crucial da questão esteve situado em torno da tradição humanista de produção de conhecimento dentro da qual a história pertencia ao conjunto das artes clássicas enquanto um gênero de produção de discursos (Grafton e Rice, 1994, p. 77-109; Grafton, 2007). Dentro de tal enquadramento do conhecimento renascentista, vale dizer, de origem clássica, e com a recuperação da Poética de Aristóteles, os indivíduos que se debruçaram sobre a atividade de pensar a história enfrentaram o desafio de

justificar o conhecimento histórico para além do caráter aparentemente inferior que Aristóteles havia lhe concedido face à poesia e à filosofia (Koselleck, 2004, p. 47-58). Em um primeiro momento tudo indica que a solução proposta à história foi apropriar-se dos limites comuns com a filosofia e a poesia. Mas, à medida que a ciência moderna foi sendo desenvolvida, a cosmologia ocidental começou a passar por um processo de secularização de seus fundamentos, instituindo o mundo natural como instância última dos fenômenos naturais em vez de Deus ou da Natureza, esta compreendida enquanto representação da totalidade das coisas que existem; a história, pautada pelo exemplo das ciências naturais, transformou-se progressivamente no último reduto da experiência humana até o nascimento das ciências sociais no final do século XIX e início do XX. Tanto a dimensão da produção do conhecimento histórico quanto das ciências naturais tiveram transformados seus domínios em “instâncias últimas” em função do processo de subsunção do conteúdo de verdade do conhecimento que produziam ao conceito de realidade. O substrato religioso que operava como fundamento da cognição foi secularizado sob a forma da ciência de forma que sua dimensão transcendental que fundamentava a realidade por princípio persistiu enquanto virtualidade do conhecimento científico possível, ou seja, ainda não realizado. A partir do século XVIII, esse núcleo virtual concebido como perene tornou-se famoso pelo historicismo através de expressões tais como “ainda não”, “em gérmen” ou “pré-algo-ismo”. Mesmo a história das ciências naturais teve que dobrar-se às consequências de seus próprios efeitos e desenvolvimento histórico, como bem demonstrou Thomas Kuhn, ao realizar a crítica das formas tradicionais de história da ciência (Kuhn, 1970). Em suma, é provável que essa dimensão virtual tenha ficado por tanto tempo obscurecida em relação ao pensamento crítico sobre a historiografia em razão das relações complexas e difusas entre ciência e história consolidadas principalmente a partir do século XIX, mas originadas no século XVIII. Por isso, a sugestão deste estudo é discutir a estrutura epistemológica e histórica que conformou e foi conformada pelos escritos de eruditos e humanistas, particularmente de Maquiavel, pois acredito ser possível perceber as modulações sofridas na transição entre uma cultura ainda fortemente ligada à antiguidade clássica e medieval e a outra moderna fundamentada na experimentação e observação com vistas à formulação metódica de um conhecimento sistematizado aplicável. Arendt sugeriu que “o fato fundamental acerca do moderno conceito de História é que ele surgiu nos mesmos séculos XVI e XVII que prefiguravam o gigantesco desenvolvimento das Ciências Naturais”, mas sem negar, porém, que “em qualquer consideração do conceito moderno de História Unisinos

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História um dos problemas cruciais é explicar seu súbito aparecimento durante o último terço do século XVIII e o concomitante declínio de interesse no pensamento puramente político”. Sugerindo conclusões próximas às propostas por Reinhart Koselleck, Arendt afirma que, “desde o século XVII, a preocupação dominante da investigação científica, tanto natural como histórica, têm sido os processos”. Com a realização da crítica das propriedades e do potencial dos sentidos humanos nos séculos XVI e XVII, as ciências naturais se libertaram “com a descoberta de que nossos sentidos, por si mesmos, não dizem a verdade”, de forma que, convictas da “infidedignidade da sensação e da resultante insuficiência da mera observação, as Ciências Naturais voltaram-se em direção ao experimento, que, interferindo diretamente com a natureza, assegurou o desenvolvimento cujo progresso desde então pareceu ser ilimitado” (Arendt, 2000, p. 84-89, 111). Assim, a partir do momento em que passaram a comungar suposições epistemológicas acerca do caráter necessário da virtualidade dos processos possíveis, as ciências naturais acabaram paradoxalmente abrindo as portas para o império da história a partir do século XIX, embora não sem custos, uma vez que a história sofreu o refluxo do imperativo de verdade exigido pelo pressuposto de verdade científica, o qual, por sua vez, foi subsumido à ideia e à dimensão da realidade natural. Em outras palavras, o reinado do método histórico tornara-se enfim um império. Secularizadas, ambas colocaram de lado a tradição de pensamento político tão caro aos pensadores dos séculos XVI e XVII cujo declínio Arendt diagnosticara. Uma hipótese seria pensar que ciências naturais e história teriam incorporado a dimensão política aos seus domínios através da postulação das referidas dimensões virtuais do mundo-natureza e da história-processo enquanto realidades irredutíveis científica e tecnologicamente controláveis. É provável que o potencial de ação até então inerente à dimensão política da vida tenha sido apropriado por sua contraparte científica da tecnologia conforme a noção de “conquista da natureza”. Talvez seja por isso, inclusive, que encontramos ecos da historia magistra vitae – proposta pedagógica, com vistas à orientação da ação presente voltada ao futuro com base em modelos pretéritos – ainda dentro de estruturas culturais historicistas.

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Maquiavel: os homens como astros Niccolò di Bernardo dei Machiavelli nasceu em Florença no ano de 1469. Pouco se sabe a respeito da educação que recebeu na famosa cidade-estado da Vol. 20 Nº 3 - setembro/dezembro de 2016

Península Itálica em fins do século XV. Possivelmente Nicolau Maquiavel frequentou a Universidade de Florença, mas o que se sabe ao certo é que ele foi aluno de um conhecido professor de Latim da época, Paolo Ronciglione. Maquiavel teve uma carreira consideravelmente bem-sucedida no que toca aos negócios do Estado. Após a queda do regime de Savonarola em 1498, Maquiavel foi eleito líder da segunda gestão da Chancelaria de Florença e também secretário dos Dez da Guerra (ou Conselho dos Dez da Milícia), órgão responsável por organizar as relações do novo governo com outros Estados, fossem eles reinos ou repúblicas. Mas, em 1512, Fernando de Espanha e a Santa Sé assaltaram Florença após retirarem as tropas de Luís XII de Milão. Com a nova troca de regime, os Médici, família que por tanto tempo regera Florença, retornaram ao poder após quase vinte anos de exílio. Demitido da Chancelaria, Maquiavel foi acusado, preso e torturado por ter supostamente participado de uma conspiração contra o novo governo em fevereiro de 1513. Mas algum tempo depois ele foi libertado e recebeu permissão para se retirar da vida pública, permanecendo em suas propriedades rurais até o final de sua vida, dedicando-se à escrita de estudos sobre as artes da política, da guerra e da história. Publicado apenas em 1532 assim como sua História Florentina, O Príncipe foi possivelmente escrito entre 1513 e 1515. Em 1518 ele escreveu Mandragola; entre 1518 e 1519, Os Discursos sobre Tito Lívio, publicados em 1531; em 1521 foi publicada A arte da Guerra (Skinner, 1981). Ao longo de suas atividades diplomáticas, Maquiavel estabeleceu contato pessoal com muitos dos soberanos discutidos nas páginas de O Príncipe, por exemplo, Luís XII, Cesare Bórgia, o Papa Júlio II e o imperador Maximillian. De tais viagens e contatos políticos, Maquiavel retirou parte considerável de seus conhecimentos sobre a política praticada entre os Estados europeus do início do século XVI. Seus estudos devem muito à sua “experiência” com “assuntos políticos”, mesmo se considerarmos Os Discursos sobre a Primeira Década de Tito Lívio. Nos Discursos, apesar de analisar parte da história romana a partir da História de Roma de Tito Lívio, o interesse de Maquiavel era antes discorrer sobre a melhor forma de governo possível à sua época do que escrever comentários estritamente historiográficos. Para o florentino, existiam apenas duas formas aceitáveis de governo: a república ou o principado-reino. Para avaliar a melhor forma de adquirir, preservar, governar e fazer prosperar principados ou reinos, Maquiavel escreveu O Príncipe. Para a forma republicana de comunidade política, a qual ele acreditava ser a melhor, pois apenas sob uma república pode o homem ser livre e responsável pela sua própria grandeza, dedicou Os Discursos.

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Entretanto, o interesse deste estudo não recai especificamente sobre o pensamento político do autor, mas, antes, sobre os indícios da cultura e epistemologia históricas nas quais estava inserido Maquiavel. Situado numa tensão entre saber prático oriundo da experiência, espécie de precursor do empirismo, modelos e objetos de origem moderna, e uma cultura livresca de fundamento clássico, Maquiavel representa através de seus escritos esse momento histórico singular no qual as heranças antigas – preservadas em parte pelas instituições medievais persistentes no mundo do autor, em parte pela cultura clássica preservada ou resgatada pelos humanistas – chocavam-se com novos adventos materiais e culturais. A importância desta questão reside na possibilidade de compreender melhor como tais sociedades do início da modernidade lidaram com a constituição de um mundo que apresentava características novas, embora persistisse aderido a um substrato cultural de longa data. No início da modernidade, humanistas e acadêmicos de diferentes origens e formações desempenharam um papel importante na condução simbólica das diversas sociedades em que viviam. Após o Papado ter desertado Roma por Avignon, em 1309, e o Imperador Germânico ter abandonado a Itália à sua sorte, em 1313, o humanismo se tornou a esperança e a meta dos líderes intelectuais de uma nação dividida e em desintegração. A partir daquele momento os humanistas adquiriram uma posição proeminente na vida espiritual e social italiana, secular mas também religiosa. Suas atividades eram consideradas como uma nova revelação de tesouros literários escavados dos rejeitos de um passado bárbaro. Eles tinham o apoio inteligente e ativo das classes dominantes da sociedade italiana porque lhes deram um abrigo espiritual e uma direção intelectual. Através desta extensa participação de espíritos produtivos e empreendedores na glorificação e transfiguração da antiguidade, o humanismo se tornou o primeiro mito secular desenvolvido dentro da esfera da civilização cristã (Olschki, 1945, p. 18-19). A abertura de Os Discursos ajuda a entender melhor essa tensão entre modelos e culturas. A obra começa com uma dedicatória estruturada segundo códigos retóricos tradicionais de normatividade discursiva. Intitulada Agradecimento de Nicolau Maquiavel para Zanobi Buondelmonti e Cosimo Rucellai, tal dedicatória contém justamente o que o título anuncia, ou seja, os agradecimentos àqueles que Maquiavel alega serem seus amigos. Mais do que um rotineiro discurso epidítico de abertura textual, o Agradecimento de Nicolau Maquiavel nos informa sobre suas concepções

acerca dos processos de produção de conhecimento, sobre a historicidade inerente a esse momento específico e sobre as alterações institucionais e culturais em jogo. Ao afirmar, por exemplo, que “nisto [seu livro] eu coloquei tudo o que sei e aprendi da minha longa experiência e da minha constante leitura sobre os assuntos da política”, o autor torna evidente o cisma a partir do qual enuncia seu discurso e produz saber-conhecimento. Como provavelmente quase todo sujeito formalmente educado do século XVI, Maquiavel experimentava, se não o rompimento, ao menos uma tensão entre cultura canônica e livresca de origem clássica e os desafios colocados desde Petrarca acerca do tipo moderno de produção de conhecimento. Não somente a experiência ganhou lugar de destaque dentro dessa estrutura epistemológica, como também sua formalização teórica com vistas à normatização da ação (Machiavelli, 2003, p. 93). Embora os espelhos de príncipe – prescrições normativas direcionadas a soberanos – configurassem importante tradição, O Príncipe foi composto segundo normatividade e epistemologia diversas daquelas que estruturavam os espelhos. Refiro-me aos espelhos de príncipe porque existe uma semelhança inegável entre este tipo de formulação discursiva e os textos políticos de Maquiavel, constituindo indício dos efeitos de sua educação oriunda da tradição latina clássica. Os primeiros humanistas escrevendo sobre o príncipe ideal descreveram uma f igura ideal – um homem virtuoso, altivo e orgulhoso, que procurava prover seus súditos com justa e frugal administração, recebendo lealdade em retorno. Seus tratados constam de listas de virtudes que um bom príncipe deveria possuir, temperadas com admoestações exemplares da história antiga. Maquiavel usou a mesma forma literária de seus predecessores. Ele também descreveu as qualidades necessárias a um príncipe ideal. Ele inclusive usou os mesmos títulos de capítulo em latim que um leitor encontraria numa obra [espelho de príncipe] do estilo antigo, perguntando, por exemplo, se é melhor para um soberano ser amado ou temido. Mas o conteúdo do livro de Maquiavel impiedosa e deliberadamente subverte sua forma. Ele insistiu que no mundo político que ele conhecia, com este novo constante embate entre Estados modernizados com seus poderosos exércitos, as virtudes tradicionais não tinham lugar. [...] Maquiavel insistiu que o que importava era a vida real, “a verdade efetiva das coisas”, e não os Estados ideais sonhados por acadêmicos (Grafton e Rice, 1994, p. 141-142). As analogias entre O Príncipe e os espelhos de príncipe são provavelmente mais devedoras de sua apropriação História Unisinos

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do De Officiis de Cícero do que de um possível recurso direto à literatura dos espelhos (Colish, 1978, p. 90-93). Apesar da semelhança formal e da origem numa tradição intelectual latina comum, O Príncipe não pertence à mesma tradição humanista dos espelhos de príncipe. “Sua estrutura é determinada pela nova e pessoal abordagem aos eternos problemas do poder e da política [...] O Príncipe se inicia como um trabalho de ciência com uma série de classificações e definições ilustradas por exemplos”. Maquiavel não pode ser caracterizado nem como um empirista e tampouco como um humanista vinculado a uma cultura antiquária ou livresca (Olschki, 1945, p. 8-14). A situação de Maquiavel neste momento de tensão epistemológica se faz mais evidente se considerarmos não somente sua ênfase na experiência como também na afirmação de que não escrevera “como a prática usual dos autores, os quais sempre dedicaram seus trabalhos para algum príncipe, e, cegos de ambição e avareza, louvam-no por qualidades virtuosas quando deveriam culpá-lo de todas as maneiras pelos seus feitos vergonhosos”. Assim, “para evitar esse erro”, o autor preferiu dedicar seu texto “não àqueles que são príncipes, mas àqueles que pelas suas inúmeras boas qualidades merecem; não àqueles regados de hierarquias, honras e riquezas, mas àqueles que, embora inábeis, desejariam agir” (Machiavelli, 2003, p. 93-94). Tais palavras chegam a soar como prefiguração dos anseios revolucionários do século XVIII, mas não devemos ceder a tal simplificação. Maquiavel escreveu O Príncipe como prescrição para se bem governar reinos e principados, mas apesar disso pensava que a república era uma melhor forma de comunidade política. Apesar de baseado nas suas experiências e observações de Fernando de Espanha, Cesare Bórgia e Luís XII, seu libreto era dedicado aos Médici no intento de lhes sugerir como manter o bom governo do Estado que haviam recém reconquistado após quase duas décadas de exílio. Na Carta dedicatória de Nicolau Maquiavel à Sua Magnificência Lorenzo de Médici, a tensão entre duas culturas históricas e estruturas epistemológicas é enunciada ainda mais enfaticamente:

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Desejando eu mesmo oferecer à Vossa Magnificência algo retirado de minha devoção a vós, não achei nada entre meus pertences que eu estimasse ou valorizasse mais do que meu conhecimento sobre a conduta dos grandes homens, aprendida através de muita experiência com assuntos modernos e contínuo estudo de história antiga: eu refleti sobre e examinei tais assuntos com grande consideração e os resumi em um pequeno volume, o qual ofereço à Vossa Magnificência. E embora eu considere este trabalho indigno de ser apresentado à Vossa Magnificência, confio bastante Vol. 20 Nº 3 - setembro/dezembro de 2016

que sua humanidade o guiará a aceitá-lo, visto que não está em meu poder oferecer-vos tão grande presente o qual em um curto período de tempo permitiria que entendêsseis tudo o que eu aprendi ao longo de tantos anos, e com muita dificuldade e perigo. Eu não embelezei este trabalho recheando-o com períodos redondos, com palavras que soam bem ou frases finas, ou com nenhum dos outros artifícios sedutores de aparente beleza os quais a maior parte dos escritores emprega para descrever e embelezar seus assuntos; de forma que meu desejo é que, se for para receber as honras, a originalidade e a importância do assunto tratado deveriam bastar para fazê-lo aceitável (Machiavelli, 2010, p. 3). Se, no texto introdutório a Os Discursos, Maquiavel nos apresenta o cisma moderno de maneira sucinta, em O Príncipe seu discurso é mais contundente. O conhecimento produzido pelo autor torna-se válido a partir do recurso a “muita experiência com assuntos modernos e contínuo estudo de história antiga”, os quais foram sistematizados resumidamente “em um pequeno volume”. Além disso, critica o rebuscado estilo oratório asiático de outros autores de sua época. As palavras de Maquiavel são de grande importância não somente porque evidenciam o contraste entre uma cultura livresca, clássica e a forma de conhecimento moderno fundamentalmente produzido pela experiência, mas também a maneira como tal tensão se apresentava simultaneamente aderida à tradição e aberta à mudança. Sua crítica ao estilo de “períodos redondos” empregado para “embelezar” foi construída simultaneamente sobre sua apropriação do estilo oratório ático, representado pelas prescrições de Cícero acerca de como construir um discurso da maneira mais clara e “reta” possível, como também sobre sua percepção moderna de que o conteúdo de um conhecimento verdadeiro não precisaria de ornamentos para ser compreendido, pois uma vez que verdadeiro o seu conteúdo sua relevância seria evidente para que fosse aceito. O interesse que a obra de Maquiavel suscita vincula-se justamente ao seu posicionamento nesta tensão epistemológica. Ele não era um homem totalmente descolado da cultura histórica e intelectual de seu tempo. Não somente Os Discursos são baseados na História de Roma de Tito Lívio, como também O Príncipe está eivado de referências clássicas, tais como aquelas a Políbio, Homero, Aristóteles, Sêneca, Lívio, Virgílio, Tácito e Luciano de Samósata. Em um excelente estudo intitulado Cicero’s De Officiis and Machiavelli’s Prince, Marcia Colish demonstra as relações entre O Príncipe de Maquiavel e De Officiis de Marco Túlio Cícero. Imensamente difundida durante a Idade Média e o Renascimento, são conhecidos mais de 600 manuscritos da obra de Cícero, muitos dos quais

História, ciência e política no alvorecer da Modernidade: algumas reflexões sobre Maquiavel

podem ter sua origem direta rastreada até a Antiguidade, enquanto outros são compilações vernáculas de natureza difusa encontradas em diversas línguas, por exemplo, alemão, italiano, francês arcaico e inclusive 38 versões em islandês. Sua repercussão na Florença dos séculos XV e XVI também pode ser documentada, inclusive através de escritos de Petrarca. A importância do tratado ciceroniano reside em parte na sua imensa apropriação por parte de tratadistas dedicados à reflexão sobre ética, principalmente cristãos como Santo Ambrósio e mesmo Dante. De Officiis “ofereceu orientações éticas para homens de Estado e do serviço público, tema que foi reformulado no gênero do espelho de príncipes já a partir do período carolíngio”, sendo posteriormente estudado ao lado da Política de Aristóteles: Todavia, uma análise mais detida do De Officiis em comparação com O Príncipe mostrará que o trabalho de Cícero foi capaz de prover Maquiavel com muito mais do que uns poucos topoi isolados ou com uma ideia de ética em relação à qual ele pudesse formular a sua própria posição mais pragmática. De Officiis pôde suprir Maquiavel com isso, mas também pôde provê-lo com um caminho para definir sua própria terminologia e uma estrutura para suas análises da ética referente à vida pública (Colish, 1978, p. 82). Cícero foi Cônsul da República Romana, mas, após a tomada do poder por Júlio César, teve que se retirar da vida política forçosamente, como ocorreria com Maquiavel alguns séculos depois. Após seus revezes políticos, ambos passaram a se dedicar à reflexão teórica sobre política. Foi a partir de sua leitura do De Off iciis de Cícero que Maquiavel pôde formular sua ideia de que a ação direcionada a um fim maior justifica os meios adequados para tanto. Todavia, o conceito de virtu tal qual exposto por Maquiavel não é radicalmente diferente daquele oferecido por Cícero, o qual já havia modulado o sentido estoico das virtudes para justificar que uma ação honesta poderia e deveria ser condicionada por sua utilidade. Assim tornava-se possível pensar que as circunstâncias alteram o julgamento moral aplicado a ações direcionadas a casos similares. Apropriação do estoicismo por Cícero e seu redimensionamento em Maquiavel propiciaram a transformação do útil em um bem não mais condicionado pelo critério da honestidade. Essa era a questão que fundamentava a apropriação da alegoria do leão – símbolo do uso da força e da ação virtuosa – e da raposa – contraparte da astúcia e ação direcionada a um fim. “Assim, Cícero ajusta sua maior virtude, a justiça, à situação” (Colish, 1978, p. 85-88). 2

E aqui encontramos mais dois elementos importantes dos fundamentos epistemológicos em Maquiavel. Se, por um lado, submete outras virtudes à utilidade, por outro recorre insistentemente a formas tradicionais de conhecer o mundo. O conceito de história conhecido por sua rubrica ciceroniana magistra vitae abunda pelas páginas dos escritos do autor, funcionando como um enorme repositório de registros de experimentos intrinsecamente humanos. Em Maquiavel, os exemplos históricos não se prestam à imitação direta, mas colaboram no processo de formalização de um sistema das ações políticas possíveis. Segundo Perelman e Olbrechts-Tyteca em seu Tratado da argumentação (2005), a enumeração e a categorização de exemplos constituiriam justamente a estrutura fundamental do processo de formulação teórica. Podemos observar em sua obra tanto exemplos retirados da tradição pagã, por exemplo, as remissões a “Alexandre o Grande [que] imitou Aquiles, César [que] imitou Alexandre, e Scipio [que] imitou Ciro”; quanto do Antigo Testamento, ao citar o “relevante exemplo” de David, Saul e Golias. Todavia, na abertura do Capítulo XIII, no segundo parágrafo, o autor afirma que, “embora a história antiga ofereça inúmeros exemplos”, ele preferia “discutir o caso recente do Papa Júlio II”, o qual conhecera em uma de suas missões diplomáticas (Machiavelli, 2010, p. 48-53). Em carta enviada ao seu amigo Francesco Vettori, Maquiavel expõe sua dívida com os antigos apesar das inovações teóricas e epistemológicas que faz surgir em seus escritos. Quando a noite chega, eu retorno para casa e retorno aos meus estudos; antes de começar eu removo minhas roupas rotineiras, as quais estão bastante lamacentas e sujas, e ponho roupas apropriadas para uma corte real. Estando assim vestido apropriadamente, eu entro nas cortes antigas de homens antigos, nas quais sou recebido efusivamente por tais homens e compartilho da comida que apropriadamente me pertence e para a qual eu nasci. Lá eu não hesito em conversar com tais homens e perguntar-lhes por que eles agiam como agiam; e eles me respondem com toda generosidade. Por horas eu não experimento aborrecimentos de tipo algum, esqueço todos os meus problemas e meu medo da pobreza, e a morte não mais me aterroriza: eu estou completamente absorvido por eles (MachiavellI, 2010, p. 93).2 O recurso a alegorias também é recorrente e esperado, uma vez que fazia parte da cultura intelectual na qual estava inserido. Em O Príncipe nos deparamos não somente com a alegoria do leão e da raposa; existem

Carta de Nicolau Maquiavel a Francesco Vettori, então enviado florentino à Santa Sé, 10/12/1513.

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outras, como a do arqueiro que precisa mirar alto para acertar longe; ou aquelas de fundo religioso, como quando estabelece o paralelo entre Deus e Fortuna, mas também entre Fortuna e a mulher (Machiavelli, 2010, p. 19, 84-87). O recurso à alegoria como um procedimento de aproximação paralela entre elementos de ordens distintas pertence à tradição retórica de produção de conhecimento e discursos amplamente difundida por humanistas. Provavelmente a alegoria que mais indica a dimensão tradicional da forma de produzir conhecimento operada por Maquiavel é aquela referente ao centauro Quiron, na qual este representa as maneiras possíveis do soberano agir politicamente. Você deveria saber, então, que existem duas formas de disputa: uma pelo recurso das leis, outra pela força. A primeira é apropriada para homens, a segunda para animais; mas porque a primeira é frequentemente ineficaz, às vezes é preciso recorrer à última. Portanto, um soberano deve saber como bem imitar bestas assim como empregar propriamente os meios humanos. Esta política era ensinada alegoricamente aos soberanos pelos escritores antigos: eles dizem como Aquiles e muitos outros soberanos antigos eram confiados a Quiron o centauro, para por ele serem cuidadosamente educados. Ter um mentor que era meio besta e meio humano significa que o soberano tem que usar ambas suas naturezas, e que uma sem a outra é ineficaz (Machiavelli, 2010, p. 61). Maquiavel sabe que seu tempo já não é mais idêntico àquele dos antigos. A modulação do sentido antigo da ideia de virtu para um novo significado moderno compreendido “como atividade decisiva e energética e não meramente como uma intencionalidade mental interior” nos permite observar o caráter científico de suas proposições (Colish, 1978, p. 84). Através da sistematização oferecida em seus escritos, a ação humana pode ser compreendida segundo parâmetros regulares e reproduzíveis direcionados para obtenção de resultados práticos definidos. Ele oferece uma tecnologia da ação humana que permite àquele que a aplica lograr a desejada grandeza do reino governado. Existe bastante bibliografia acerca do caráter científico dos trabalhos de Maquiavel, mas a maior parte dela se limita a assinalar sua objetividade ou linguagem não rebuscada. Talvez a melhor formulação dessa questão esteja em Machiavelli the scientist de Leonardo Olschki, que nos propõe uma interessante observação ao afirmar

que os conceitos de virtu e fortuna funcionam na obra de Maquiavel como espécies de “conceitos elementares” ou “princípios fundamentais” cujas combinações possíveis possibilitariam a formulação de uma ciência do homem. Tais “termos técnicos” operariam funções dentro de um sistema da ação humana no qual o conceito de virtu representaria o conteúdo ativo, a eficiência da ação, enquanto fortuna seria a dimensão passiva (Olschki, 1945, p. 35-49).3 Todavia, creio que tal caracterização extrapola as possibilidades de se interpretar a obra de Maquiavel como obra de ciência. Creio que a obra de Maquiavel deva ser compreendida antes como um dos resultados da tensão epistemológica entre duas estruturas de produção de conhecimento divergentes. Em vez de afirmar os escritos de Maquiavel como pertencentes estritamente ao âmbito da ciência ou da tradição humanista renascentista, o objetivo deste estudo é oferecer uma reflexão sobre a tensão entre uma forma de conhecimento fundamentado na tradição e outra, científica se quisermos, estruturada pela relação dialética e necessária entre experiência e sistematização de abstrações. Tudo indica que o conjunto de proposições acerca do potencial de ação do homem, e, mais especificamente, da ação do soberano, do homem de Estado do século XVI, tradicionalmente conformado segundo proposições normativas de “leis maiores” naturais ou divinas, foi secularizado a partir da modulação do fundamento natural ou divino para um paralelo histórico. Através de formulações teóricas como as propostas por Maquiavel, surgiu a possibilidade de transformar a história no fundamento indisputável acerca da realidade do mundo humano. Contra a necessidade metafísica do passado, ou seja, contra o fato de que eventos aconteceram no passado e não podem não acontecer mais ou acontecer de forma diferente, os partidarismos reinóis ou confessionais pouco podiam lutar. Na verdade, a forma que os diversos partidarismos encontraram para lutar contra o caráter necessário do passado foi o advento da crítica histórica e documental. Foi preciso quebrar definitivamente a tradição e desenvolver aparatos metódicos impessoais, objetivos por princípio, para poder disputar aquilo que também por princípio era indisputável. A história antiga mostrou o homem agindo como seu próprio mestre por sua própria conta e ação. Isso mostrou a política como ela sempre foi e como sempre será. Questionando como principados são ganhos, como eles

346 3 Cf. Masters (1996). A obra de Roger Masters é bastante significativa pelas relações que descreve entre o pensamento de Maquiavel e o de Leonardo da Vinci, e pelo que oferece para descrever a época moderna como aquela na qual “uma justa integração de teoria científica e técnica ou prática social” estava em pleno desenvolvimento. Além disso, também argumenta que Maquiavel e Leonardo se conheceram em 1502 e provavelmente estabeleceram alguma amizade, a qual teria possivelmente enfraquecido após Leonardo entrar para o serviço do rei Louis XII de Franca em Milão. Todavia, Masters extrapola as relações possíveis de serem estabelecidas entre Maquiavel e a ciência de sua época, buscando estabelecer vínculos entre o pensamento dos autores e a ciência contemporânea. O autor recorreu a estudos contemporâneos seus para justificar, por exemplo, a alegoria de origem ciceroniana do leão e da raposa a partir de estudos científicos do comportamento sociobiológico dos animais em questão. Em contrapartida, provavelmente um dos melhores estudos para se entender a especificidade do pensamento político de Maquiavel seja o livro The Machiavellian moment (Pocock, 2003).

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são mantidos ou perdidos, Maquiavel transformou a história numa ciência empírica e fez da política um sistema de regras universais. Esta completa secularização e ativação da história converteu o racionalismo moderado dos acadêmicos e teóricos humanistas em uma interpretação geral da estrutura e do desenvolvimento dos Estados. Por sua atitude inicial face ao problema e por sua clara formulação, Maquiavel criou uma “ciência nova” no mesmo sentido em que Galileu começou, no final do século, sua nova ciência do movimento e sua nova filosofia natural; ou seja, circunscrevendo o fenômeno em questão em sua própria esfera e campo como objetos independentes metodicamente interpretados. Quando Galileu se dispôs – em 1590 – a descobrir não porque as coisas caíam, mas como, as ciências naturais encontraram-se separadas de todas as implicações metafísicas, ontológicas e morais com as quais estavam conectadas como parte de um sistema de conhecimento total (Olschki, 1945, p. 25-26). Com a maturação desta estrutura epistemológica, principalmente a partir da publicação e difusão dos escritos de Maquiavel, Sir Isaac Newton e René Descartes, a realidade passou a confundir-se progressivamente com o mundo natural por um lado e, por outro, com a história. Os mundos natural e histórico passaram a configurar a dimensão última a partir da qual conhecimento verdadeiro e justificado poderia ser produzido para além de partidarismos ou da subjetividade. Com vistas a se autonomizar de abordagens metafísica, teológica ou politicamente determinadas, o conhecimento científico moderno foi estruturado a partir da valorização da experiência, do pensamento indutivo e do enquadramento teórico dos fenômenos humanos e naturais. Durante o século XVI, ciências, artes, política, retórica, filosofia e história não obedeciam a divisões teóricas, disciplinares e epistemológicas tais como as sustentadas a partir do século XIX. Inclusive a formulação da expressão “lei natural” surge pela primeira vez nos escritos de Leonardo da Vinci, e não através de obras de astronomia ou metafísica (Olschki, 1945, p. 28-29). Acredito que a transformação da história em dimensão última, imperativa, apenas se consolidou a partir do século XVIII, deslocando definitivamente o caráter preponderante do pensamento político para a esfera do conhecimento histórico. Newton colaborou para esse processo com a publicação de A cronologia dos antigos reinos corrigida (1728), assim como Thomas Hobbes com seu Leviatã (1651), cujos capítulos iniciais misturam formas de conhecimento atualmente definidas como história, ciências naturais e filosofia, mas que à época compunham um único esforço de tentar pensar o mundo para além das formas tradicionais, antigas, de conhecimento.

O que parece ter ocorrido foi que, ao longo do processo histórico de desenvolvimento do conhecimento científico e do pensamento político moderno, o fundamento lógico das operações cognitivas que fundamentam toda forma de conhecimento não foi suficientemente distinguido. Todo conhecimento fundamentado empiricamente opera a partir da produção de sínteses de relações particulares sob regras gerais. Se a consolidação das ciências naturais dos séculos XVI e XVII, simbolizadas pelo desenvolvimento da física moderna, representou a secularização da unidade do real antes garantida por ontologias de caráter transcendental religioso ou mítico, a partir do século XVIII, com o surgimento da epistemologia aqui caracterizada pela expressão “vertigem histórico-temporal”, as próprias ciências naturais não conseguiram manter sua unidade ainda persistente no século anterior, passando a ser percebidas historicamente. O maior sintoma desse fenômeno foi o surgimento das ciências biológicas com as noções de embriologia e de evolução morfológica dos organismos vivos. E, ao longo do século XIX e início do XX, observamos o advento das ciências humanas e do enquadramento do conhecimento histórico sob a rubrica da história científica. Em todos esses processos ocorreu a tentativa de redução de causalidades particulares a noções e regras gerais (Cassirer, 1979, p. 122-125). Por fim, talvez o trecho mais alusivo do fenômeno discutido esteja no primeiro livro de Os Discursos de Maquiavel. No início do primeiro livro, o autor principia por discutir as dificuldades e os perigos de se “descobrir novas maneiras e métodos” para se explorar “novos mares e terras desconhecidas, porque a maioria dos homens estão muito mais preparados para diminuir do que para louvar as ações de outro”, impelidos pela “inveja inerente à natureza humana”. Para evitar essa natureza humana de inveja impiedosa, Maquiavel uma vez mais afirma a correção e a qualidade de seus escritos sobre seu “conhecimento da antiguidade” e “experiência dos casos atuais”. Caso isso não seja suficiente, ao menos seu trabalho servirá para que “outro de maior habilidade, capacidade de análise e julgamento” atinja suas ambições (Machiavelli, 2003, p. 97). Desta forma, apesar de reconhecer as “altamente virtuosas ações perfeitas por reinos e repúblicas antigas”, reconhece também que aquilo que a história tem a oferecer são antes ensinamentos para se “admirar do que imitar”. O mundo em constante mudança vivido por Maquiavel já não pode mais prescindir da experiência, do experimento. Ao discutir a medicina e o direito civil como casos de conhecimento sustentados por conjuntos de experimentos antigos transformados em exemplos, o autor reitera simultaneamente tanto a nova epistemologia da experiência metódica com vistas à produção de conhecimento sistematizado quanto a importância dos repositórios de exemplos passados (Machiavelli, 2003, p. 98). História Unisinos

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O mundo de Maquiavel, apesar das mudanças radicais que enfrentava, ainda era um mundo regulado por noções de estabilidade. A “ideia da unidade física do universo” e da unidade ontológica e transcendental oferecida pela religião encontravam paralelos nos “elaborados sistemas de doutrinas que inauguraram uma nova era do pensamento humano. Nenhuma lei da natureza, nenhuma ‘regola generale’ da história podia ser formulada, ou mesmo concebida, sem o pressuposto teórico de um valor universal” (Olschki, 1945, p. 31-32). Por isso é que, apesar de toda reiteração do valor do conhecimento adquirido e sistematizado a partir tanto da experiência atual quanto dos exemplos históricos, podemos encontrar a equiparação dos homens aos corpos celestes no livro introdutório dos Discursos. Por isso acontece que a grande maioria daqueles que a leem [história] obtêm prazer em escutar sobre os grandes episódios contidas nela, mas nunca pensam em imitá-los, desde que eles consideram-nos não apenas meramente difícil mas impossível de imitação, como se os céus, o sol, os elementos e o homem considerados nos seus movimentos, suas ordens e suas potências, se tornassem diferentes daquilo que eles costumam ser (Machiavelli, 2003, p. 98-99).

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Apesar de nosso deleite com a história e da possibilidade de se aprender com as experiências pretéritas através do estudo metodicamente sistematizado, não apenas é impossível imitar o que ela nos oferece, mas fazer isso também seria agir contra a própria natureza humana. Os homens do passado continuarão como foram porque nada pode mudar o passado. E por obedecer a um tipo de “regra geral” análogo ao qual obedecem os corpos celestes é que se torna impossível para o homem moderno não agir como tal, da mesma forma como os elementos seguirão combinando-se como sempre fizeram e os corpos celestes seguirão em suas órbitas. A noção de uma natureza humana una e estável persistia para além dos eventos singulares ocorridos a partir do final do século XVI, embora não sem sofrer os efeitos de tais eventos, como é o caso da historicização dessa própria noção de natureza humana perene. “Sua mente científica [de Maquiavel] não se revela por seu realismo, mas pela qualidade abstrata de seu pensamento e pelo poder de sua generalização”, pela “expressão de seu gênio prático e artístico” (Olschki, 1945, p. 53). Por ser regular como a natureza, ou melhor, por ainda ser compreendido como parte da natureza é que era possível a Maquiavel formular um sistema, uma ciência da ação humana e uma tecnologia política. Homem e mundo natural deveriam obedecer a regras paralelamente semelhantes. Com o advento da “vertigem histórico-temporal” no século XVIII, a unidade e a regularidade do mundo se Vol. 20 Nº 3 - setembro/dezembro de 2016

esvaem através da diluição temporal das substâncias dos seres, ou seja, não mais compor repositórios de exemplos antigos, mas ser histórico no devir do fluxo temporal. E a história encontrou-se livre de vez para aspirar à cientificidade sustentada pelo paralelo das ciências naturais e biológicas.

Apontamentos finais Ao longo deste artigo, tentamos oferecer uma reflexão sobre a questão proposta por Hannah Arendt acerca do progressivo colapso da forma de pensamento político tão característico dos séculos XVI e XVII. A própria autora nos apresenta sugestões de investigação ao propor que o surgimento das ciências naturais modernas influenciou a transformação do conceito antigo de história em uma noção moderna caracteristicamente processual. Ao mesmo tempo, é preciso não perder de vista os apontamentos oferecidos por Reinhart Koselleck em relação ao surgimento das filosofias da história a partir do desafio estético lançado à historiografia quando da recuperação da Poética aristotélica. A conjunção destes dois fenômenos nos conduziu ao conceito de história moderno que, além de processual, também é caracterizado pelo seu direcionamento temporal qualitativo, a saber, o progresso. Desta forma, o conceito moderno de história possui certos caracteres simétricos àqueles presentes no conceito moderno de ciência, ou seja: oferta de normas e procedimentos capazes de facilitar a ação; acúmulo de conhecimento considerado como superávit qualitativo sobre seus próprios fundamentos tradicionais; crença em fundamentos últimos capazes de garantir o conhecimento ofertado para além de subjetivismo ou partidarismos. Tanto na história da historiografia como na da ciência, o desenvolvimento da noção de método foi fundamental para garantir a aproximação do sujeito ao mundo e seus objetos potenciais. O que a reflexão sobre o pensamento político dos primeiros séculos da modernidade parece oferecer de forma privilegiada é a possibilidade de percepção e compreensão do momento no qual ciência era acima de tudo saber algo verdadeiro, fosse em relação ao mundo natural, fosse ao mundo humano. Nesse momento de tensão epistemológica e cultural, o exercício do pensamento não estava preso dentro das nossas rubricas disciplinares contemporâneas. É bastante plausível que a resposta ao desafio poético, que tornou a história num processo humano geral, “instância última” segundo Koselleck, tenha ocorrido paralelamente à secularização do mundo pela ciência. O que parece ter ficado fora desta equação foi sugerido pela indagação de Arendt. É possível que o pensamento

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político do início da modernidade, ainda muito identificado tanto à ciência antiga quanto à sua nascente versão moderna, tenha sido progressivamente subsumido sob o conceito moderno de história, o qual, por sua vez, nunca deixou de pretender ofertar exemplos e modelos para ação. Compreendida cientificamente, a dimensão histórica da realidade se tornou a “instância última” na qual os sentidos dos processos políticos e culturais podiam ser pretensamente deduzidos de combinações possíveis feitas a partir do repositório de experiência humana comum. Até que a crítica das formas tradicionais de conhecimento fosse realizada a partir do início da modernidade, principalmente a partir da filosofia do século XVII, um substrato epistemológico comum tendeu a colocar natureza e homens sob a potência de divindades. Com o advento da modernidade, a nova ciência evidenciou um mundo regido por forças naturais impessoais e regulares, que, todavia, poderiam ser controladas pelo seu conhecimento sistematizado descoberto por operações metódicas. Para os homens que viveram tal fenômeno, não parecia haver diferença substancial entre natureza humana e natureza mundana; ambas deveriam ser regulares e cognoscíveis. O conhecimento produzido poderia também, em ambos os casos, oferecer normas e procedimentos para o controle efetivo de seus objetos. Para a natureza, a tecnologia. Para os homens, o pensamento político e a história. Apoiado principalmente em Kant, Ernst Cassirer nos ofereceu uma reflexão fundamental para compreendermos a tensão epistemológica discutida aqui. Segundo Cassirer, o ponto fundamental estaria na forma como percebemos os limites das diferentes dimensões da realidade cognoscíveis pelo homem. Todos nós assumimos que a história é uma forma de conhecimento humano que consiste de conceitos, de proposições, de julgamentos; que estes julgamentos pretendem ser asserções verdadeiras sobre o mundo empírico. O historiador não é como o artista que vive num mundo de imaginação; ele vive num mundo da realidade empírica de coisas e eventos. Ele tem que descrever esta realidade e investigar as relações causais entre fenômenos particulares. Em tudo isso não podemos encontrar nenhuma diferença específica entre saber histórico e outras formas de conhecimento. Com respeito a isso, parece perfeitamente arbitrário traçar uma linha definida de demarcação entre a lógica da história e a lógica da ciência. Há apenas uma verdade – e apenas uma lógica geral. As formas de pensamento estudadas em lógica são as mesmas para qualquer que seja o objeto a que se aplica nosso pensamento. A formação de conceitos e julgamentos, as formas do raciocínio e da argumentação, o método de verificação de hipóteses

– tudo isso é usado na história da mesma maneira que em qualquer outra ciência. Se olhamos para o problema do ponto de vista formal, não podemos identificar nenhuma diferença específica. [...] Não mais discutimos o problema da causalidade em termos metafísicos, mas em termos de lógica e epistemologia. Desde a época de Hume e Kant não mais consideramos causalidade como uma espécie de força que atua nas coisas. É uma categoria, uma condição e um pré-requisito de nosso conhecimento empírico. E nós não podemos negar que esta categoria se estende a todos os campos de nosso conhecimento empírico. Não há domínio isento das regras da causalidade. Mesmo o princípio do “livre-arbítrio” – o que quer que isso possa significar – não pode implicar que o homem esteja acima da natureza e que ele não esteja sujeito às leis da natureza. [...] se tivéssemos perfeito conhecimento do caráter empírico do homem, poderíamos predizer suas ações da mesma maneira que um astrônomo prevê um eclipse do sol ou da lua. E aqui também encontramos a unidade fundamental do uso da categoria de causalidade. Não há tipos diferentes ou divergentes de causalidade – um para a matéria e um para a vida, um para a natureza outro para a história (Cassirer, 1979, p. 130-131). O grande problema para os primeiros indivíduos modernos esteve justamente em estabelecer o fundamento regular último para a compreensão de um mundo até então estável que progressivamente enfrentou mudanças radicais. A história universal da humanidade veio substituir a partir de meados do século XVIII aquilo que a Reforma, a descoberta do Novo Mundo e seus habitantes, as filosofias do racionalismo, e as novas formas de ciência e tecnologia demoliram parcialmente, ou seja, fundamentos estáveis de constituição do mundo humano. Desta forma, o conhecimento sobre o homem adquiriu um novo fundamento estável questionável apenas a partir do recurso ao exercício crítico metodicamente regulado, de forma análoga àquela pelas quais as forças físicas naturais passaram a ser compreendidas sobre um fundo de relações estáveis matematicamente traduzíveis e independentes da ação de forças metafísicas ou divinas. O homem moderno não podia mais ser afirmado a partir das noções tradicionais – cristãs ou pagãs – de estabilidade de sua própria natureza. Todavia, relações de ajustamento tais como o recurso à filosofia natural aristotélica para justificar a ação castelhana de dominação das populações nativas americanas, o misticismo e o interesse pela cronologia dos povos antigos de Sir Isaac Newton, assim como a tensão epistemológica na qual estava inserido Maquiavel nos mostram que a constituição das “instâncias últimas” modernas não se deu de forma linear como as históHistória Unisinos

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rias disciplinares tradicionais podem nos fazer pensar. No que toca à história da historiografia, é provável que os processos de modulação e constituição do conhecimento histórico moderno devam tanto ao surgimento da ciência dos séculos XVI e XVII quanto à sua emancipação das estruturas de codificação retórica do discurso histórico em curso ainda ao longo do século XIX.

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Submetido: 20/08/2015 Aceito: 28/10/2016

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