HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO Fazemos parte do Claretiano -Rede de Educação

May 27, 2017 | Autor: Maria Renata Duran | Categoria: História Da Educação
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HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO

Fazemos parte do Claretiano - Rede de Educação

Claretiano – Centro Universitário Rua Dom Bosco, 466 - Bairro: Castelo – Batatais SP – CEP 14.300-000 [email protected] Fone: (16) 3660-1777 – Fax: (16) 3660-1780 – 0800 941 0006 www.claretianobt.com.br

Profª. Drª. Maria Renata da Cruz Duran (Org.) Colaboradores: Profª. Dra. Ana Heloisa Molina; Profª. Dra. Claudia Regina Bovo; Profª. Ms. Carolina Carvalho de Lima; Prof. Carlos R. da C. Amorin; Prof. Ms. Dennys Montagner; Profª. Dra. Elisa Maria Verona; Profª. Ms. Erika Moreira Martins; Profª. Ms. Juliana Ducci; Profª. Ms. Maria Raquel da Cruz Duran; Profª. Dra. Monica Edelweiss.

Graduada, mestre e doutora em História pela Universidade Estadual Paulista, pós-doutora pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, atuo como professora adjunta de História Moderna e Contemporânea na Universidade Estadual de Londrina. Entre 2003 e 2009, desenvolvi pesquisas na área de História do Brasil, enfocando a educação oitocentista e a invenção de uma literatura brasileira. Em 2008, recebi o prêmio Monografias da Sociedade Histórica da Independência de Portugal pela minha dissertação de mestrado, publicada em 2010, publicado pela Edunesp, com o título "Ecos do Púlpito". Em 2012, publiquei pela Eduff uma coletânea de sermões comentados intitulada "Triunfos da Eloquência". Recentemente, publiquei "Retórica à moda brasileira: transições da cultura oral para a cultura escrita no ensino fluminense de 1746 a 1834", minha tese de doutorado, pela Editora Unesp. Entre 2009 e 2011, trabalhei como consultora educacional para a UNESCO, OEI e Fundação Banco do Brasil na área de formação docente e uso de tecnologias de informação e comunicação. Em maio de 2013, os artigos produzidos nessa área foram contemplados pela menção honrosa do Prêmio Peter Murányi E-mail: [email protected]

Maria Renata da Cruz Duran (Org.)

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO

Batatais Claretiano 2015

© Ação Educacional Claretiana, 2015 – Batatais (SP) Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução, a transmissão total ou parcial por qualquer forma e/ou qualquer meio (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia, gravação e distribuição na web), ou o arquivamento em qualquer sistema de banco de dados sem a permissão por escrito do autor e da Ação Educacional Claretiana.

CORPO TÉCNICO EDITORIAL DO MATERIAL DIDÁTICO MEDIACIONAL Coordenador de Material Didático Mediacional: J. Alves Preparação: Aline de Fátima Guedes • Camila Maria Nardi Matos • Carolina de Andrade Baviera • Cátia Aparecida Ribeiro • Dandara Louise Vieira Matavelli • Elaine Aparecida de Lima Moraes • Josiane Marchiori Martins • Lidiane Maria Magalini • Luciana A. Mani Adami • Luciana dos Santos Sançana de Melo • Patrícia Alves Veronez Montera • Raquel Baptista Meneses Frata • Rosemeire Cristina Astolphi Buzzelli • Simone Rodrigues de Oliveira Revisão: Cecília Beatriz Alves Teixeira • Eduardo Henrique Marinheiro • Felipe Aleixo • Filipi Andrade de Deus Silveira • Juliana Biggi • Paulo Roberto F. M. Sposati Ortiz • Rafael Antonio Morotti • Rodrigo Ferreira Daverni • Sônia Galindo Melo • Talita Cristina Bartolomeu • Vanessa Vergani Machado Projeto gráfico, diagramação e capa: Eduardo de Oliveira Azevedo • Joice Cristina Micai • Lúcia Maria de Sousa Ferrão • Luis Antônio Guimarães Toloi • Raphael Fantacini de Oliveira • Tamires Botta Murakami de Souza • Wagner Segato dos Santos Videoaula: José Lucas Viccari de Oliveira • Marilene Baviera • Renan de Omote Cardoso Bibliotecária: Ana Carolina Guimarães – CRB7: 64/11

DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

INFORMAÇÕES GERAIS Cursos: Graduação Título: História da Educação Versão: fev./2015 Formato: 15x21 cm Páginas: 479 páginas

SUMÁRIO CONTEÚDO INTRODUTÓRIO 1. INTRODUÇÃO .................................................................................................... 11 2. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO ......................................................................... 19 3. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 32 4. ................................................................................................... 33

NOÇÕES PRELIMINARES SOBRE O FRACASSO ESCOLAR 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14.

OBJETIVOS ......................................................................................................... 35 CONTEÚDOS ...................................................................................................... 35 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE ................................................... 35 INTRODUÇÃO À UNIDADE ................................................................................. 37 A PAIDEIA .......................................................................................................... 38 OS PRIMEIROS FILÓSOFOS ............................................................................... 51 SÓCRATES, A FILOSOFIA SE CONSOLIDA ............................................................ 55 INSTRUÇÃO NA ROMA ANTIGA ......................................................................... 57 SINTETIZANDO .................................................................................................. 59 TEXTOS COMPLEMENTARES .............................................................................. 62 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS ........................................................................... 72 CONSIDERAÇÕES .............................................................................................. 73 ................................................................................................. 74 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 74

EDUCAÇÃO E CULTURA NA IDADE MÉDIA 1. 2. 3. 4. 5.

OBJETIVO........................................................................................................... 75 CONTEÚDOS ...................................................................................................... 75 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE .................................................. 75 INTRODUÇÃO À UNIDADE ................................................................................. 77 A ALTA IDADE MÉDIA: DA TRADIÇÃO CLÁSSICA IMPERIAL À FORMAÇÃO ESCOLAR CAROLÍNGIA ....................................................................................... 77 6. A CONTRIBUIÇÃO DE AGOSTINHO DE HIPONA ................................................. 82

7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19.

ASCETISMO E MONASTICISMO ......................................................................... 83 A CONTRIBUIÇÃO DE BENTO DA NÚRSIA .......................................................... 84 AS ESCOLAS EPISCOPAIS E AS ESCOLAS DAS CATEDRAIS ................................... 85 O RENASCIMENTO CAROLÍNGIO ....................................................................... 85 O SABER AO ALCANCE DE POUCOS ................................................................... 87 O DESENVOLVIMENTO ESCOLAR NA IDADE MÉDIA CENTRAL ........................... 88 O SURGIMENTO DA UNIVERSIDADE .................................................................. 92 OS MENDICANTES E AS UNIVERSIDADES ......................................................... 94 A CAVALARIA E A EDUCAÇÃO ATRAVÉS DA LITERATURA VERNÁCULA ............. 96 SINTETIZANDO .................................................................................................. 99 TEXTOS COMPLEMENTARES .............................................................................. 100 QUESTÕES AUTOVALIATIVAS ............................................................................. 104 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 106

A EDUCAÇÃO ARTÍSTICA E O ENSINO RELIGIOSO NA IDADE MODERNA 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14.

OBJETIVOS ......................................................................................................... 109 CONTEÚDOS ...................................................................................................... 109 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE .................................................. 110 INTRODUÇÃO À UNIDADE ................................................................................. 111 O RENASCIMENTO E AS ACADEMIAS DE ARTE: HAVIA UMA EDUCAÇÃO LAICA NA ÉPOCA MODERNA? ........................................................................... 113 A REFORMA PROTESTANTE E A EDUCAÇÃO ...................................................... 126 A CONTRARREFORMA E O ENSINO JESUÍTA ...................................................... 136 O REALISMO NA EDUCAÇÃO ............................................................................. 142 SINTETIZANDO .................................................................................................. 146 TEXTOS COMPLEMENTARES .............................................................................. 148 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS ........................................................................... 151 CONSIDERAÇÕES ............................................................................................... 152 ................................................................................................. 153 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 153

A CULTURA DOS VIAJANTES E A EDUCAÇÃO EM SEUS DESTINOS 1. 2. 3. 4.

OBJETIVOS ......................................................................................................... 155 CONTEÚDOS ...................................................................................................... 156 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE .................................................. 156 INTRODUÇÃO À UNIDADE ................................................................................. 158

5. 6. 7. 8. 9. 10. 11.

A VIAGEM, A LITERATURA DE VIAGEM E OS VIAJANTES ................................... 160 SINTETIZANDO .................................................................................................. 191 TEXTOS COMPLEMENTARES .............................................................................. 193 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS ........................................................................... 194 CONSIDERAÇÕES ............................................................................................... 196 ................................................................................................. 196 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 197

AS NOVAS LUZES EDUCACIONAIS DA IDADE CONTEMPORÂNEA 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16.

OBJETIVO........................................................................................................... 201 CONTEÚDO........................................................................................................ 201 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE ................................................... 201 INTRODUÇÃO À UNIDADE ................................................................................. 203 DO HUMANISMO AO ILUMINISMO ................................................................... 203 A PEDAGOGIA ILUMINISTA ................................................................................ 208 A PEDAGOGIA SETECENTISTA NA ALEMANHA E NA ITÁLIA ............................... 215 PEDAGOGIAS DE INSPIRAÇÃO SOCIALISTA E POSITIVISTA ................................. 221 A PSICOLOGIA ENTRA EM CENA ........................................................................ 229 PEDAGOGIAS DO FIM DO SÉCULO 19 E INÍCIO DO 20 ....................................... 234 SINTETIZANDO .................................................................................................. 238 TEXTOS COMPLEMENTARES .............................................................................. 241 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS ........................................................................... 242 CONSIDERAÇÕES ............................................................................................... 244 ................................................................................................. 245 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 245

TEATRO E EDUCAÇÃO FEMININA NO BRASIL DO SÉCULO 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10.

OBJETIVO........................................................................................................... 247 CONTEÚDOS ...................................................................................................... 247 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE .................................................. 247 INTRODUÇÃO À UNIDADE ................................................................................ 249 TRANSFORMAÇÕES HISTÓRICAS A PARTIR DE 1808 E O PAPEL SOCIAL DA ATIVIDADE TEATRAL .......................................................................................... 250 SINTETIZANDO .................................................................................................. 272 TEXTOS COMPLEMENTARES .............................................................................. 273 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS ........................................................................... 276 CONSIDERAÇÕES ............................................................................................... 278 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 278

O SÉCULO 20 E A EDUCAÇÃO NOVA 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15.

OBJETIVO........................................................................................................... 281 CONTEÚDO........................................................................................................ 281 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE .................................................. 281 INTRODUÇÃO À UNIDADE ................................................................................ 283 A PEDAGOGIA ALEMÃ NO TEMPO DE HITLER ................................................... 283 NA FRANÇA DO GENERAL DE GAULLE... ............................................................ 285 NA INGLATERRA DE WINSTON CHURCHILL ....................................................... 288 Texto NA URSS DE LÊNIN ............................................................................................ 290 ITALIANOS E ESPANHÓIS ................................................................................... 292 AS NOVAS TENDÊNCIAS DA EDUCAÇÃO ............................................................ 295 SINTETIZANDO .................................................................................................. 308 TEXTOS COMPLEMENTARES .............................................................................. 309 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS ........................................................................... 318 CONSIDERAÇÕES .............................................................................................. 319 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 319

REFORMAS UNIVERSITÁRIAS NO BRASIL: DEMOCRATIZAÇÃO, AUTONOMIA E PRODUÇÃO 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15.

OBJETIVOS ......................................................................................................... 321 CONTEÚDOS ...................................................................................................... 321 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE .................................................. 322 INTRODUÇÃO À UNIDADE ................................................................................ 323 ........................................ 324 A REFORMA E OS PROFESSORES ....................................................................... 328 A REFORMA CONSENTIDA: PESQUISADORES × PROFESSORES ......................... 335 A UNIVERSIDADE EM RITMO DE PRODUÇÃO: A REFORMA UNIVERSITÁRIA DE 1988 ............................................................................................................ 338 OS ANOS 2000 ................................................................................................... 351 SINTETIZANDO .................................................................................................. 359 TEXTOS COMPLEMENTARES .............................................................................. 361 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS ........................................................................... 363 CONSIDERAÇÕES .............................................................................................. 364 ................................................................................................. 364 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 366

DUAS VISÕES E UM TEMA: A HISTÓRIA NAS SALAS DE AULA DO BRASIL DE 1996 A 2008 1. 2. 3. 4. 5. 6.

7. 8. 9. 10. 11. 12.

OBJETIVOS ......................................................................................................... 369 CONTEÚDOS ...................................................................................................... 370 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE .................................................. 370 INTRODUÇÃO À UNIDADE ................................................................................ 372 PROPOSTAS E IMPLEMENTAÇÃO DA LDBEN 9394/96 E DAS LEIS 1639/2003 E 1645/2008 E O ENSINO DA HISTÓRIA ............................................................... 372 “EM UMA BUSCA PELO APERFEIÇOAMENTO DO MEU ESTILO DE AULA”: NARRATIVAS DOS ALUNOS DOS ANOS FINAIS DO CURSO EM HISTÓRIA. ................................................ 384 TEXTOS COMPLEMENTARES .............................................................................. 411 SINTETIZANDO .................................................................................................. 412 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS ........................................................................... 413 CONSIDERAÇÕES ............................................................................................... 414 ................................................................................................. 416 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 416

HISTÓRIA DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES NO BRASIL: ORGANIZAÇÃO DAS INSTITUIÇÕES, MODELOS EM DISPUTA E POLÍTICAS 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12.

OBJETIVOS ......................................................................................................... 419 CONTEÚDOS ...................................................................................................... 419 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE .................................................. 420 INTRODUÇÃO À UNIDADE ................................................................................. 421 ................. 424 ............... 437 SINTETIZANDO .................................................................................................. 445 TEXTOS COMPLEMENTARES .............................................................................. 448 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS ........................................................................... 450 CONSIDERAÇÕES ............................................................................................... 451 ................................................................................................. 451 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 451

EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA: UM RECORRIDO HISTÓRICO E UMA BREVE APRESENTAÇÃO SOBRE SUAS POTENCIALIDADES 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14.

OBJETIVOS ......................................................................................................... 453 CONTEÚDOS ...................................................................................................... 453 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE .................................................. 454 INTRODUÇÃO À UNIDADE ................................................................................ 455 A EXPANSÃO DA EAD PARTICULAR .................................................................... 461 AS ESTRATÉGIAS PARA A EDUCAÇÃO CORPORATIVA ........................................ 465 ........................ 467 O POTENCIAL INTERNACIONALIZADOR DA EAD ............................................... 469 SINTETIZANDO .................................................................................................. 471 TEXTOS COMPLEMENTARES .............................................................................. 473 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS ........................................................................... 475 CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................... 476 ................................................................................................. 477 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 478

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CADERNO DE REFERÊNCIA DE CONTEÚDO Contéudos –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– A educação na Antiguidade Clássica: formação do modelo ocidental de educação. A educação na Idade Média. A educação na Idade Moderna: a história da educação no renascimento, nas reformas religiosas e nas revoluções burguesas. A educação na Idade Contemporânea: a educação e as principais correntes pedagógicas dos séculos 19 e 20 na Educação Ocidental. A História da Educação como campo de conhecimento que privilegiou, até o momento, dois segmentos de estudos: a educação num sentido mais amplo e as maneiras como se estruturou o ensino formal nesta ou naquela sociedade. Formação de um sistema de ensino público no Brasil e a criação de uma noção de educação va da escola no Brasil. O período Militar. A educação tecnicista e o modelo de educação empresarial. A abertura democrática. A educação e a promoção de democracia e cidadania.

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INTRODUÇÃO

“Não existe história que não seja do presente.” (FEBVRE, 1977, p. 145 apud RICOEUR, 2010, p. 365).

O escritor argentino Jorge Luís Borges escreveu um curtíssimo texto chamado Magias parciais de Quixote . Nele, Borges apresenta a recorrente inquietação dos leitores de ficção diante de obras que contêm, dentro de si, autorrepresentações – como quando Dom Quixote lê histórias sobre um certo Quixote. Segundo Borges, esse tipo de obra inquieta o leitor porque coloca os

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personagens de ficção na mesma posição dos leitores –, o limite entre o real e o fictício, permitindo ao leitor, real, a percepção de que, de uma certa maneira, ele próprio poderia atravessar a fronteira do vivido e do escrito, tornando-se texto nas mãos do literato. Borges, entretanto, não se limita a inquietar o leitor de ficção. Ele encerra essa sua pequena consideração com as seguintes palavras: Por que nos inquieta que o mapa esteja incluído no mapa e as 1001 noites no livro das Mil e uma noites? Por que nos inquieta que Dom Quixote seja leitor do Quixote e Hamlet espectador de Hamlet? Creio ter dado com a causa: tais inversões sugerem que, se os personagens de uma ficção podem ser leitores ou espectadores, nós, seus leitores ou espectadores, podemos ser fictícios. Em 1833, Carlyle observou que a história universal é um infinito livro sagrado que todos os homens escrevem e leem e procuram entender, e no qual também eles são escritos. (BORGES, 2007, p. 65).

Se Jorge Luís Borges foi um bom entendedor de Carlyle, e nós, educadores, de Borges, nossa história inscreve-se no tempo à medida que a escrevemos. Somos seus personagens, seus autores, seus editores e seus leitores. Porém, lembremos que, em nenhuma dessas qualidades, nossa situação é estável. Como Quixote, lemos, escrevemos e atuamos nessa história a um só tempo, e quaisquer uma de nossas pequenas atitudes – uma conexão, uma vírgula, um olhar – podem modificá-la. Terreno minado de ideias, correntes de pensamento e estilos narrativos, a História, como campo de conhecimento científico, é constituída por meio da historiografia – ou seja, pela escrita da história. A historiografia contemporânea, por sua vez, é debitária de uma renovação iniciada nos anos 1940, comumente conhecida como Escola dos Annales, em que autores como Marc Bloch e Lucien Febvre, entre outros historiadores, propuseram

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uma atualização dos métodos, objetos e fontes dessa área, em detrimento de um suposto positivismo que privilegiava a história dos vencedores, agregando a ela, ainda, ferramentas e metodologias de outras áreas do conhecimento, como a Antropologia, a Sociologia, a Estatística e a Comunicação. Fernand Braudel, Jacques Le Goff, Phillipe Ariès e outros autores mantiveram e ampliaram essa proposta historiográfica até meados dos anos 1980, promovendo uma história cada vez mais cultural e das mentalidades, quando a emergência de estudos marxistas heterodoxos, além da arqueologia do saber, proposta por Michel Foucault, iriam, novamente, revolver o território historiográfico. Com Thompson, Trevor Roper, Hobsbawm e outros ingleses marxistas, o tema do trabalho e o viés da distinção por classes sociais, bem como o da tomada de consciência, são reavivados e misturados aos aspectos culturais – o ganho é imenso. Com Foucault, o entendimento da história como um discurso inventado, tal como o quadro As meninas, de Velásquez, que Foucault usa para introduzir sua tese, em mais de uma camada representativa, abre margem para verdades constituídas muito mais como um padrão de frequência do que como uma essência das coisas, colocando o historiador na posição de um arqueólogo de palavras. Recentemente, Roger Chartier e Robert Darton apontaram na leitura e nos leitores um campo de estudos sem tamanho, assim como Stephen Greenblath assinalou, também, uma maneira literária de redigir a História. Sobreviventes dessa bateria de estudos, os historiadores da Educação dedicam-se, especialmente, ao modo como o ensino e a Educação (sempre mais ampla e fugaz) se desenvolveram nas sociedades. Dominique Julia refresca os ares desse lado da biblioteca: em 1995, ele propõe um estudo da cultura escolar, tendo em vista que a História da Educação não deve ser confun-

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dida com a história da escolarização, ainda que essa última nos ajude a compreender a primeira (e vice-versa). Neste ensejo, o termo Cultura Escolar é: [...] um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses conhecimentos e a incorporação desses comportamentos; normas e práticas coordenadas a finalidades que podem variar segundo as épocas (finalidades religiosas, sociopolíticas ou simplesmente de socialização). Normas e práticas não podem ser analisadas sem se levar em conta o corpo profissional dos agentes que são chamados a obedecer a essas ordens e, portanto, a utilizar dispositivos pedagógicos encarregados de facilitar sua aplicação, a saber, os professores primários e os demais professores. Mas, para além dos limites da escola, pode-se buscar identificar, em um sentido mais amplo, modos de pensar e de agir largamente difundidos no interior de nossas sociedades, modos que não concebem a aquisição de conhecimentos e de habilidades senão por intermédio de processos formais de escolarização […]. Enfim, por cultura escolar é conveniente compreender também, quando isso é possível, as culturas infantis (no sentido antropológico do termo), que se desenvolvem nos pátios de recreio e o afastamento que apresentam em relação às culturas familiares. (JULIA, 2001, p. 10).

Assim, espraiada pela sociedade, mesmo a cultura escolar pode ser vista como algo tão abrangente quanto costumamos acreditar que a ideia de Educação o seja e, para Julia, não é possível estudar a escola sem passar pela cultura que a produz e é produzida por ela. Nesse sentido, uma das centelhas lançadas por Julia nesse importante texto é a de que a cultura escolar, como objeto de estudo histórico, deve compreender dinâmicas que vão além da hierarquização entre docentes e discentes, a fim de dar conta de seu objeto e apresentar uma história que possa contribuir para as superações momentâneas da eterna cri-

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se educacional, apontada por Nóvoa (2014) no vídeo Desafios da Educação. Educador experimentado, Nóvoa assinala o quanto a crise faz parte da natureza da Educação, uma vez que uma de suas principais funções é a criação de um futuro constante, que, por sua vez, existe negando o presente; eis um dos nós entre História e Educação e um dos motivos para que haja uma interação entre essas áreas. Se a Educação nega o presente para construir o futuro, há que se reconhecer neste e noutros presentes o passado, há que se saber: o que negar, como negar, por que negar. Ora, o que vivemos será passado, o que se viveu já foi presente e já foi futuro. Destarte, como bem salienta Paul Ricoeur, num dos textos que compõem o famoso livro de Edgar Morin (2004), A religação dos saberes, “o passado tinha um futuro”. Nesse texto, o filósofo francês problematiza o estudo da História, assinalando o desconforto dos historiadores em relação às reduções de sua área de conhecimento: evolucionista, retrospectiva, simples. A História, despossuída de seu caráter complexo, atende apenas à exaltação dos poderosos e ao preciosismo dos colecionadores, perde a capacidade de demonstração de como os discursos e as informações são construídas e ganham estatuto de verdade e, com isso, poder. Eis um movimento ao qual só atentei por causa das palavras da professora Verena Alberti, em palestra sobre o ensino de História na Universidade em que leciono atualmente. Para Alberti, numa sociedade em que basta digitar conceitos, ideias, frases, nomes num browser comum, e as informações são apresentadas, dificilmente nos ocorre de onde e como aqueles discursos foram construídos. Afinal, como as ideias e as palavras foram parar ali? Por interesse de quem? Para usufruto de quais tipos de pessoas?

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Esse é um dos principais problemas dos historiadores em geral e dos especialistas da Educação em específico: para o primeiro grupo, trata-se, como assinalou Georges Duby, de refletir sobre sua atividade, no seguinte sentido: Até então eu esperava dos documentos que me ensinassem a verdade dos fatos, cuja lembrança tinham por missão preservar. Logo verifiquei que esta verdade é inacessível e que o historiador só tem oportunidade de aproximar-se dela em nível intermediário, ao nível da testemunha, questionando-se não sobre os fatos que relata, mas sobre a maneira como os relatou. (DUBY, 1993, p. 99).

Para o segundo, trata-se de pensar que uma história da Educação no sentido amplo, tal como descrito por Dominique Julia e tendo em vista a reflexão de Duby, só é possível se o historiador for capaz de valer-se de sua análise do presente e de seu conhecimento do passado para apresentar questões pertinentes a ambos: “Não existe uma história que não seja do presente!” (FEBVRE apud RICOEUR, 2010, p. 365). Para a professora Verena Alberti, quando esse historiador entra em sala de aula, seu papel é engajar o aluno nessa mesma busca, compartilhando com ele uma visão complexa da História, em que o passado nem é dado de maneira fechada a partir de uma pesquisa no Google, nem é narrado sem uma labuta repleta de sentido e posicionamento para quem o faz. Nesses termos, a empreitada de escrever uma História da Educação do princípio ao fim para ser ministrada a distância, como fizemos aqui, é, se me permite a piadinha de historiador, uma Odisseia! E não poderia ser feita sem a ajuda de professores e pesquisadores que comungam desse respeito pela complexidade do tema e do ofício em jogo. Obviamente, apresentamos mais lacunas do que espaços preenchidos, sobretudo porque,

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para começo de conversa, nunca nos dispusemos a apresentar uma narrativa linear: nossa proposta foi pontuar os elementos que nos pareceram mais importantes, conforme os golpes de vista que nossas armas permitiram. Todavia, nada desse esforço terá sentido sem que você nos acompanhe. Mesmo do ponto de vista mais distante, como um observador das estratégias do oponente, é necessário que você esteja aqui conosco, atento ao que fizermos para tomá-lo de assalto com a realidade construída por nós. Vejamos, pois, como esse exército de palavras está disposto. Tenha em mente, em primeiro lugar, que o material se divide conforme as seguintes épocas: • História Antiga • História Medieval • História Moderna • História Contemporânea • História do tempo presente Em segundo lugar, que em cada unidade você irá encontrar, respectivamente, a seguinte estrutura: 1) Ementa: contendo o que você vai estudar. 2) Objetivos: com uma proposta do que você deve esperar como seu desempenho na leitura da unidade. 3) Texto da unidade: um texto acerca do tema proposto. 4) Sintetizando: um resumo do que foi escrito naquela unidade. 5) Questões autoavaliativas: de 3 a 5 questões para você avaliar sua atenção na leitura do texto e sua apreensão do tema.

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6) Textos complementares: será recomendado, geralmente, um artigo, um livro e um vídeo/filme para você aprender mais sobre o tema estudado. 7) Referências bibliográficas: relação completa dos livros, artigos, sites e filmes utilizados na elaboração de cada uma das unidades deste trabalho. Por fim, em todas elas, o tempo, o espaço e os temas perpassam os textos com as seguintes diretrizes: O tempo Adotou-se um posicionamento tradicional, vamos da história da Educação na época clássica, ou Antiguidade, até a época contemporânea, limitando-nos aos anos 2000. O espaço Também fomos tradicionais neste quesito, estudamos a história da Educação ocidental (há apenas um texto complementar sobre o Oriente), que, diferentemente do que costumamos encontrar nos manuais da área, passa a se entrelaçar com a história da Educação no Brasil, a partir do terceiro capítulo. Com essa estratégia, esperamos que você seja capaz de estabelecer um paralelo entre a história geral e a história local. Os temas Procuramos abordar, em cada capítulo, um tema específico. Por exemplo, no primeiro capítulo, abordamos a noção de conhecimento e o ensino filosófico. No terceiro capítulo, a educação artística e religiosa. No sétimo, a instrução das mulheres.

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Com isso, esperamos propiciar uma noção mais alargada da educação e da cultura escolar das épocas estudadas, conferindo a você subsídios para um entendimento mais aprofundado da área em questão.

ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO Abordagem Geral Neste tópico, apresenta-se uma visão geral do que será estudado nesta obra. Aqui, você entrará em contato com os assuntos principais deste conteúdo de forma breve e geral e terá a oportunidade de aprofundar essas questões no estudo de cada unidade. Desse modo, esta Abordagem Geral visa fornecer-lhe o conhecimento básico necessário a partir do qual você possa construir um referencial teórico com base sólida – científica e cultural – para que, no futuro exercício de sua profissão, você a exerça com competência cognitiva, ética e responsabilidade social. Vamos começar nossa aventura pela apresentação das ideias e dos princípios básicos que fundamentam esta obra. Unidade 1 – Um ensaio sobre o conhecimento científico e o mitológico na Filosofia do Mundo Antigo Ocidental A Paideia, ideal de formação do homem pela cultura, na Grécia, será nosso ponto de partida e a noção de conhecimento dos gregos, ensinado e aprendido conforme a Filosofia, nosso ponto de chegada. Uma antropóloga segura nossa bússola, isso porque, como você já deve saber, o passado é um país estrangeiro, e os antropólogos são bons com o reconhecimento do diferente.

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Unidade 2 – Educação e cultura na Idade Média Propondo o fim do preconceito que envolve a Idade Média, a historiadora Claudia Regina Bovo nos apresenta um período longo e polissêmico de maneira clara e didática, a fim de suprimir quaisquer dúvidas que você tenha ou já tenha tido sobre a importância do estudo desse período na atualidade. Unidade 3 – A educação artística e o ensino religioso na Idade Moderna Nessa Unidade, foi apresentada a educação moderna por meio da instrução dos artistas – pivôs do chamado Renascimento italiano, movimento ao qual reputamos o início da idade moderna. Também atuei no sentido de demonstrar influência das reformas religiosas na educação do homem ocidental, procurando, assim, apresentar-lhe tanto a educação laica e informal quanto a religiosa e formal. A interseção entre elas é tratada na Unidade 4. Unidade 4 – A cultura dos viajantes e a educação em seus destinos A literatura de viagem, segundo Flora Sussekind, apresenta fora e dentro do Brasil um país a ser descoberto, um país a ser inventado. Na criação de uma ideia de Brasil, veremos o esboço de uma instrução nacional com o trabalho dos historiadores e também de professores do Ensino Médio Carolina de Lima e Dennys Montagne.

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Unidade 5 – As novas luzes educacionais da Idade Contemporânea É a partir das ideias iluministas na Educação que esta Idade Contemporânea foi escrita. A história das ideias pedagógicas faz-se por uma revisão da bibliografia coetânea do século 19. Do Emílio, de Rousseau, aos Miseráveis, de Victor Hugo, entretanto, há muita história para ser contada! Unidade 6 – Teatro e educação feminina no Brasil do século 19 O século 19 é o campo de pesquisa da historiadora Elisa Verona, a literatura é a sua matéria-prima, e as mulheres, o seu tema. Como veremos, poucas são as instituições voltadas à instrução da mulher nos primórdios do Brasil. Então, por que escrever sobre isso? Por que a ausência de determinadas coisas, em História, também deve ser reconhecida como um objeto de pesquisa e um tópico digno de nota, dados os significados e as consequências que ela pode envolver? Unidade 7 – O século 20 e a educação nova O historiador Eric Hobsbawm costuma escrever que o século 20 durou da Primeira Guerra Mundial até a queda do Muro de Berlim. Essa periodização está baseada, entre outros fatores, porque tal intervalo encerra uma mudança radical na maneira como o mundo ocidental se destruiu, se recriou e se destruiu novamente. Sobre a capacidade regenerativa do século 20 e o apoio que a Educação deu a ela a partir de uma constante impressão de novidade, foi tratada essa unidade, que, em paralelo à Unidade 5, também se dedica à literatura; porém, à literatura científica.

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Unidade 8 – Reformas universitárias no Brasil: democratização, autonomia e produção. A autonomia universitária segue como um dos principais temas abordados em congressos internacionais acerca da educação na América Latina. A verificação dessa afirmativa, bem como a exposição de como a questão se constituiu no compasso das reformas universitárias de 1971 e 1996 são os elementos constitutivos desse texto que, escrito a quatro mãos, ainda apresenta a visão de um professor de história da rede pública de ensino sobre a instrução nacional aos auspícios dos dois últimos (e mais duradouros) ministros da educação: Paulo Renato e Fernando Haddad. Vejamos, pois, como essa fogueira será apagada nos fóruns virtuais! Unidade 9 – Duas visões e um tema: a História nas salas de aula do Brasil de 1996 a 2008 A pedagoga Monica Pagel e a historiadora Ana Heloisa Molina dedicam-se a um mesmo tema: quais os efeitos da Lei de Diretrizes e Bases dos anos 2000 para a Educação e, no limite, para a formação dos professores. Para que ficassem claras as diferenças de abordagem e metodologia de pedagogos e historiadores, ambas ainda se dispuseram a analisar um mesmo grupo em foco: a licenciatura em História e o ensino de História. A essa altura de seus estudos, você já é capaz de avaliar como esses olhares se complementam e interagem. Na leitura dessa unidade, sairá vencedor aquele que souber aproveitar a junção de esforços em vez de dicotomizar os métodos.

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Unidade 10 – História da Formação de Professores no Brasil: Organização das Instituições, Modelos em Disputa e Políticas pós-LDB/1996 Como temos visto ao longo dos textos que compõem este material didático, a Educação e mesmo o ensino formal vão além da escolarização de primeiro e segundo graus. Aqui, já estudamos o ensino profissional (das artes), informal (das mulheres), religioso (dos jesuítas), universitário (das reformas de 19702000) etc. Passemos agora a um tema que vai lhe interessar de maneira especial, porque trata-se justamente do que fazemos aqui: a formação de professores. Do ponto de vista das políticas públicas de formação inicial docente, Erika Moreira Martins, autora do capítulo, traçou esse panorama desde a década de 1990 até os anos 2000. Oxalá que essa unidade lhe permita uma autorreflexão sobre a formação que você está proporcionando a si mesmo e que, com ele, se aplique ainda mais nesta, que é uma das mais belas carreiras a seguir! Unidade 11 – Educação a Distância: um recorrido histórico e uma breve apresentação sobre suas potencialidades Presente de maneira maciça no quadro educacional atual, a Educação a Distância foi abordada aqui como tópico de pesquisa e como espaço de mudanças. Como esse tópico de pesquisa é relativamente jovem; jovem também é nossa pesquisadora. No texto, a pedagoga Juliana Duci mapeia alguns dos principais autores do tema, bem como as tendências que impulsionam a continuidade, os desdobramentos e as justificativas para um crescimento cada vez maior e mais consistente desta que é a modalidade de ensino a que se destina este trabalho: o ensino a distância.

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Como você pôde perceber, preparamos um caminho repleto de novidades e questões que farão parte de seu cotidiano de trabalho como professor. Mais do que lhe apresentar uma linha do tempo estática para que você decore as principais datas, queremos que você pense conosco a História de uma maneira complexa e multifacetada. Pode ser que seu objetivo não seja se tornar um historiador, mas, à medida que você compreender os princípios básicos desse ofício, acessará uma maneira de analisar o real, o presente, as políticas públicas, o tipo de conduta das instituições escolares, as coisas que acontecem e a própria ideia de acontecimento de uma maneira diferente: mais densa, mais polissêmica, menos simplista. Ou seja, você exercitará e desenvolverá novas e velhas capacidades de estar no mundo; lembremos o que Borges pensou em seu texto: na História, o leitor também é autor (Borges, 2007). Por isso, junte-se a nós! Glossário de Conceitos O Glossário de Conceitos permite a você uma consulta rápida e precisa das definições conceituais, possibilitando-lhe um bom domínio dos termos técnico-científicos utilizados na área de conhecimento dos temas tratados na obra História da Educação. Veja, a seguir, a definição dos principais conceitos: 1) Conceitos: diz Foucault , em A arqueologia do saber: “a história de um conceito não é, de forma alguma, a de seu refinamento progressivo, de sua racionalidade continuamente crescente, de seu gradiente de abstração, mas a de seus diversos campos de constituição e de validade, a de suas regras sucessivas de uso, a dos meios teóricos múltiplos em que foi realizada e concluída a sua elaboração”. Essa é uma ideia preciosa

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para todos aqueles que se dispõem ao estudo da História, e ela culmina no seguinte raciocínio: não é possível construir/concluir uma história positiva dos conceitos porque seu desenvolvimento e disseminação, em geral, são dispersos. 2) Historiografia: o antropólogo Marshall Sahlins define a narrativa histórica com as seguintes palavras: “O contar história histórico é o recontar, desde o começo, de um resultado já conhecido, aquele conhecimento que guia a seleção (dos arquivos) dos sucessivos eventos da narrativa”. Assim, da mesma maneira que a história dos conceitos não possui sentido (a priori), sua História (tal como contada pelos historiadores) o possui. Devemos ficar atentos, portanto, aos artifícios e interesses daqueles que escrevem a História, desvendá-los também faz parte desse jogo. Esquema dos Conceitos-Chave Para que você tenha uma visão geral dos conceitos mais importantes deste estudo, apresentamos, a seguir (Figura 1) um Esquema dos Conceitos-Chave. O mais aconselhável é que você mesmo faça o seu esquema de conceitos-chave ou até mesmo o seu mapa mental. Esse exercício é uma forma de você construir o seu conhecimento, ressignificando as informações a partir de suas próprias percepções. É importante ressaltar que o propósito desse Esquema dos Conceitos-Chave é representar, de maneira gráfica, as relações entre os conceitos por meio de palavras-chave, partindo dos mais complexos para os mais simples. Esse recurso pode auxiliar

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você na ordenação e na sequenciação hierarquizada dos conteúdos de ensino. Com base na teoria de aprendizagem significativa, entende-se que, por meio da organização das ideias e dos princípios em esquemas e mapas mentais, o indivíduo pode construir o seu conhecimento de maneira mais produtiva e obter, assim, ganhos pedagógicos significativos no seu processo de ensino e aprendizagem. Aplicado a diversas áreas do ensino e da aprendizagem escolar (tais como planejamentos de currículo, sistemas e pesquisas em Educação), o Esquema dos Conceitos-Chave baseia-se, ainda, na ideia fundamental da Psicologia Cognitiva de Ausubel, que estabelece que a aprendizagem ocorre pela assimilação de novos conceitos e de proposições na estrutura cognitiva do aluno. Assim, novas ideias e informações são aprendidas, uma vez que existem pontos de ancoragem. Tem-se que destacar que “aprendizagem” não significa, apenas, realizar acréscimos na estrutura cognitiva do aluno; é preciso, sobretudo, estabelecer modificações para que ela se configure como uma aprendizagem significativa. Para isso, é importante considerar as entradas de conhecimento e organizar bem os materiais de aprendizagem. Além disso, as novas ideias e os novos conceitos devem ser potencialmente significativos para o aluno, uma vez que, ao fixar esses conceitos nas suas já existentes estruturas cognitivas, outros serão também relembrados. Nessa perspectiva, partindo-se do pressuposto de que é você o principal agente da construção do próprio conhecimento, por meio de sua predisposição afetiva e de suas motivações internas e externas, o Esquema dos Conceitos-Chave tem por objetivo tornar significativa a sua aprendizagem, transformando

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o seu conhecimento sistematizado em conteúdo curricular, ou seja, estabelecendo uma relação entre aquilo que você acabou de conhecer com o que já fazia parte do seu conhecimento de mundo (adaptado do site disponível em: . Acesso em: 11 mar. 2010).

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Figura 1 Esquema dos Conceitos-chave de História da Educação

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Como pode observar, esse Esquema oferece a você, como dissemos anteriormente, uma visão geral dos conceitos mais importantes deste estudo. Ao segui-lo, será possível transitar entre os principais conceitos e descobrir o caminho para construir o seu processo de ensino-aprendizagem. O Esquema dos Conceitos-Chave é mais um dos recursos de aprendizagem que vem se somar àqueles disponíveis no ambiente virtual, por meio de suas ferramentas interativas, bem como àqueles relacionados às atividades didático-pedagógicas realizadas presencialmente, no polo. Lembre-se de que você, aluno EaD, deve valer-se da sua autonomia na construção de seu próprio conhecimento. Questões Autoavaliativas No final de cada unidade, você encontrará algumas questões autoavaliativas sobre os conteúdos ali tratados, as quais podem ser de múltipla escolha, abertas objetivas ou abertas dissertativas. Responder, discutir e comentar essas questões, bem como relacioná-las com a prática do ensino de História da Educação pode ser uma forma de você avaliar o seu conhecimento. Assim, mediante a resolução de questões pertinentes ao assunto tratado, você estará se preparando para a avaliação final, que será dissertativa. Além disso, essa é uma maneira privilegiada de você testar seus conhecimentos e adquirir uma formação sólida para a sua prática profissional.

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Figuras (ilustrações, quadros...) Neste material instrucional, as ilustrações fazem parte integrante dos conteúdos, ou seja, elas não são meramente ilustrativas, pois esquematizam e resumem conteúdos explicitados no texto. Não deixe de observar a relação dessas figuras com os conteúdos, pois relacionar aquilo que está no campo visual com o conceitual faz parte de uma boa formação intelectual. Dicas (motivacionais) Este estudo convida você a olhar, de forma mais apurada, a Educação como processo de emancipação do ser humano. É importante que você se atente às explicações teóricas, práticas e científicas que estão presentes nos meios de comunicação, bem como partilhe suas descobertas com seus colegas, pois, ao compartilhar com outras pessoas aquilo que você observa, permite-se descobrir algo que ainda não se conhece, aprendendo a ver e a notar o que não havia sido percebido antes. Observar é, portanto, uma capacidade que nos impele à maturidade. Você, como aluno dos Cursos de Graduação na modalidade EaD, necessita de uma formação conceitual sólida e consistente. Para isso, você contará com a ajuda do tutor a distância, do tutor presencial e, sobretudo, da interação com seus colegas. Sugerimos, pois, que organize bem o seu tempo e realize as atividades nas datas estipuladas. É importante, ainda, que você anote as suas reflexões em seu caderno ou no Bloco de Anotações, pois, no futuro, elas poderão ser utilizadas na elaboração de sua monografia ou de produções científicas.

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Leia os livros da bibliografia indicada, para que você amplie seus horizontes teóricos. Coteje-os com o material didático, discuta a unidade com seus colegas e com o tutor e assista às videoaulas. No final de cada unidade, você encontrará algumas questões autoavaliativas, que são importantes para a sua análise sobre os conteúdos desenvolvidos e para saber se estes foram significativos para sua formação. Indague, reflita, conteste e construa resenhas, pois esses procedimentos serão importantes para o seu amadurecimento intelectual. Lembre-se de que o segredo do sucesso em um curso na modalidade a distância é participar, ou seja, interagir, procurando sempre cooperar e colaborar com seus colegas e tutores. Caso precise de auxílio sobre algum assunto relacionado a este estudo, entre em contato com seu tutor, ele estará pronto para ajudar você.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BORGES, J. L. Outras inquisições. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. BURKE, P. A Escola dos Annales (1929-1989): a Revolução Francesa da Historiografia. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1997. CAMBI. F. História da pedagogia. São Paulo: Editora UNESP, 1999. DUBY, G. A história continua. Tradução de Clóvis Marques. Revisão de Ronaldo Vainfas. Rio de Janeiro: Zahar/UFRJ, 1993. FOUCAULT, M. A arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003. JULIA, D. A cultura escolar como objeto histórico. In: Revista Brasileira de História da Educação, Rio de Janeiro, ano 1, v. 1, n. 1, 2001. LUZURIÁGA, L. História da Educação e da Pedagogia. São Paulo: Editora Nacional, 1971.

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MONROE, P. História da Educação. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1958. RICOEUR, P. O passado tinha um futuro. In: MORIN, E. (Org.). A religação dos saberes. O desafio do século 21. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010. SAHLINS, M. História e cultura. Apologias a Tucídides. Rio de Janeiro: Zahar, 2006.

NÓVOA, A. Desafios da Educação. Disponível em: . Acesso em: 18 set. 2014.

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UNIDADE 1 NOÇÕES PRELIMINARES SOBRE O FRACASSO ESCOLAR

Maria Raquel da Cruz Duran Maria Renata da Cruz Duran

OBJETIVOS • Entender os primeiros esquemas de escolarização da sociedade ocidental. • Compreender a noção de conhecimento que tornou necessária a escola.

CONTEÚDOS • A distinção entre conhecimento mitológico e científico na Antiguidade. • A paideia e o ensino de filosofia na Grécia. • O ensino da oratória em Roma.

ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que você leia as orientações a seguir:

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1) Antes de começar seus estudos, é importante que você tenha em mente algumas informações sobre as autoras desta unidade. Isso lhe ajudará a tomar uma posição crítica sobre o conhecimento que está prestes a contatar, bem como a buscar, num momento posterior, informações que possam complementar seu aprendizado. Maria Raquel da Cruz Duran. Concluiu o curso de graduação em Ciências Sociais na Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), campus de Araraquara, em 2007; o Mestrado em Ciência, Tecnologia e Sociedade pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR) em 2011 e atualmente é doutoranda em Antropologia Social na Universidade de São Paulo (USP). Leciona a disciplina de Antropologia na Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul (UEMS). Tem experiência na área de Teoria Antropológica, atuando, principalmente, nos seguintes temas: conhecimento tradicional, propriedade intelectual e patrimônio cultural imaterial. E, além de ter escrito os textos “Uma análise latouriana do Caso Cupulate: os sentidos do conhecimento tradicional”, publicado no Quaderni Di Thule, v. XXXIV, p. 205-218, 2012, e “A construção paradoxal de sentido: o conhecimento tradicional no contexto da propriedade intelectual”, publicado no livro Apontamentos de Estudos sobre Ciência, Tecnologia & Sociedade. São Carlos: Pedro & João Editores, 2010, redigiu, em parceria com Maria Renata da Cruz Duran o texto “La polisemia de la cultura y de la política en el patrimonio histórico de Brasil: del Río de Janeiro ochocentista a los indios contemporâneos”, publicado na revista colombiana Baukara, v. 1, p. 99-122, 2013. Maria Renata da Cruz Duran é a organizadora do CRC de História da Educação, e nas unidades a seguir, muito será dito sobre seus trabalhos. Por hora, vale dizer que as duas irmãs redigiram juntas esta unidade, e é com um espírito fraternal, portanto, que seu trabalho começa.

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2) Ciente dos caminhos de pesquisa das autoras, prepare-se para uma leitura que deve ser feita em dois momentos: primeiro, o texto principal e, após sua reflexão, o texto complementar. 3) Todas as nossas unidades contêm um tópico intitulado Sintetizando, em que as principais referências da unidade são revisadas. Procure dar bastante atenção à leitura desse tópico e faça anotações sobre pontos que também deveriam figurar nele. 4) Na sequência, sugerimos que faça um quadro sinóptico e/ou um mapa mental dessa leitura, o que facilitará o desenvolvimento de suas atividades. Aproveite também esse momento para perguntar ao seu tutor sobre algum ponto que não ficou claro ou que lhe deixou curioso em sua leitura. 5) No final de cada unidade, há um tópico com um material de apoio. Nele figuram: um livro, um artigo e um filme. Não deixe de passar os olhos em, pelo menos, um desses materiais, são eles que vão garantir que seu aprendizado seja mais eficaz!

INTRODUÇÃO À UNIDADE Começamos nossos estudos de História da Educação na Idade Antiga. Esta teve início com a invenção da escrita, por volta dos anos 4.000 a 3.500 a.C., e terminou com a queda do Império Romano, em 476 d.C. Segundo o professor de História Antiga da Universidade de São Paulo, Norberto Guarinello (2003), é costume destacar Grécia e Roma como as civilizações clássicas que mais influenciaram a Europa Ocidental. Na Grécia Antiga, tiveram lugar as primeiras discussões sobre o que é conhecimento

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e como colocá-lo em circulação. Ainda assim, maior destaque é dado à cidade de Atenas, que, com a presença de pensadores como Platão, Epicuro e Sócrates, é reputada como o berço da academia. Como podemos notar, não nos é possível iniciar um estudo do que seja o ensino ou de qual é a ideia clássica de educação, para os povos ocidentais, sem antes revisarmos como os gregos formaram sua ideia de conhecimento e se essa ideia de conhecimento foi criada no âmbito da Filosofia e das primeiras maneiras de ensiná-la. Passemos, pois, algumas páginas detidos nesse tema e veremos como nossa compreensão de toda a História da Educação será beneficiada.

A PAIDEIA A Grécia antiga cria a ideia de um pedagogo, ou seja, um acompanhante da criança, responsável por lhe ministrar ensinamentos básicos. Somente num momento posterior é que essa criança teria contato com a Paideia, que, entre outras definições, pode ser entendida como o ideal de formação do homem pela cultura, buscando uma formação total e a perfeição interior. Todavia, um sistema efetivo de instrução só se concretizou no que chamamos de período helenístico, ou seja, entre os séculos 3-2 a.C. Nesse sistema, o indivíduo deixava de ser apenas um guerreiro para ser também um homem de letras, operação que se dava por meio da instrução. Tal sistema só foi efetivado graças às obras de Homero, a quem Platão dedica o título de maior educador da Grécia. Em sua instrução literária, dois aspectos eram recorrentes: um técnico, que dizia respeito à educação dos sentidos (música, esportes, oratória), e outro moral, de que dava conta do ideal heroico. Segundo esse ideal “agonístico grego”,

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havia que se desenvolver no homem uma espécie de ânsia em se dedicar para ser o melhor em algo. Uma maneira interessante de tomar conhecimento das linhas gerais desse tipo de ensino é assistir à série Spartacus, produzida pela Starz, em 2010. Nela, figura Spartacus, escravo feito gladiador e reputado como líder de uma grande revolta na Roma Antiga. Sua instrução como lutador inclui algumas prescrições morais que nos dão uma imagem do ensino na época (claro, salvo as muitas concessões em prol de uma boa audiência). Outros filmes sobre esse personagem são: Spartaco, filme italiano de 1952; Spartacus, filme estadunidense de 1960, dirigido por Stanley Kubrick e com Kirk Douglas no papel principal; Spartacus,

A atmosfera militar e austera de Esparta também pode ser experimentada na famosa HQ (história em quadrinhos) de Frank Miller e Lynn Varley: Os 300 de Esparta. Nos cinco volumes da série, os reis Leônidas e Xerxes enfrentam-se na Batalha de Termópilas – em que 300 espartanos foram encurralados pelo exército macedônico. Se você quiser, pode baixar as HQs para trabalhar com esse material em sala de aula, a diversão será garantida! (HQONLINE, 1998). Nessa cidade grega, a instrução era conhecida como agogé, cujo fim era único: a educação dos soldados, a preparação para a guerra, o que começava cedo, na separação, pelo Conselho dos Anciãos, daqueles recém-nascidos considerados saudáveis ou não. Vivo, o bebê ficaria na casa dos pais até os 7 anos. Dos 7 aos 21, formavam-se grupos juvenis organizados hierarquicamente para formação militar, carreira que todos seguiam após

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concluírem os estudos. As mulheres, por sua vez, estudavam esportes e artes. Em 508 a.C., com a consolidação da democracia ateniense, é comum assinalar a vulgarização da instrução e o surgimento de estabelecimentos voltados para o ensino: as primeiras escolas. As “escolas” eram, em sua maioria, estabelecimentos particulares que forneciam uma instrução básica mais artística e esportiva que literária e intelectual. O pedótriba treinava as crianças nos exercícios físicos, e o citarista, na música. Na escrita, era a vez do gramático – ainda que a escrita fosse utilizada muito mais para registro, dada a oralidade dessa cultura. Tanto para o ateniense quanto para o espartano, a educação só se efetivava na relação entre iguais: a pederastia (paiderasteia). Nela se busca um ideal de perfeição, que encontra no amor entre iguais uma forma de “realizar, em sua plenitude, as tendências próprias de seu sexo, para tornarem-se mais plenamente homens” (MARROU, 1966, p. 56). A instrução tinha início aos 18 anos. Um filme que nos dá certa noção de como se estabelecia essa relação entre homens é Troia (2004), estrelado por Brad Pitt e dirigido por Wolfgang Petersen. Vale a pena ver! A partir da segunda metade do século 5 a.C., entretanto, o ideal da paideia fica comprometido em função de uma distinção no entendimento do que seria o conhecimento. O que é o conhecimento? Conforme o exposto, a Grécia antiga foi o lugar em que se registrou o surgimento ocidental de uma perspectiva cognitiva do saber: a dos chamados “filósofos” (amantes da sabedoria), em que se buscou conhecer as coisas e os objetos que cercavam os homens. Essa busca do saber pelo saber deu início à especu-

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lação sobre todas as coisas, e a essa atitude, posteriormente, se deu o nome de “Filosofia”. Com o passar dos séculos, o homem, acreditando que seu raciocínio poderia confundi-lo ou mesmo enganá-lo, passou a observar a repetição dos fenômenos naturais e a realizar experimentações na tentativa de verificar se a exata reprodução de determinadas ações levariam a um mesmo resultado. Essa nova atitude o levou a concluir que havia duas formas de conhecimento: uma por meio do raciocínio e outra por meio da observação e experimentação. Daí em diante as duas formas de conhecimento caminharam paralelamente, pois se relacionam entre si. Elas estão intrinsecamente ligadas, uma vez que a ciência nasce da curiosidade humana, e quando o homem especula, reflete, busca formas para satisfazer sua curiosidade; questiona o que existe e está filosofando e, ao mesmo tempo, observa o mundo que o rodeia, aprendendo com ele, sendo esse o âmbito no qual as questões são levantadas e suas respostas podem ser observadas. O novo método investigativo de observação e verificação aliou-se ao crivo do raciocínio, e, assim, o conhecimento ampliou-se. Para os gregos dos séculos 6 e 5 a.C., conhecer era transportar por todos os meios e formas para dentro do nosso eu interior algo que imaginamos estar fora de nós mesmos. Segundo João Francisco P. Cabral, colaborador do site Brasil Escola, essa percepção decorre do Mito da Caverna, de Platão. Segundo ele: O mito ou “Alegoria” da caverna é uma das passagens mais clássicas da história da Filosofia, sendo parte constituinte do livro VI de A República onde Platão discute sobre teoria do conhecimento, linguagem e educação na formação do Estado ideal. A narrativa expressa dramaticamente a imagem de prisioneiros que desde o nascimento são acorrentados no interior de uma

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caverna de modo que olhem somente para uma parede iluminada por uma fogueira. Essa, ilumina um palco onde estátuas dos seres como homem, planta, animais etc. são manipuladas, como que representando o cotidiano desses seres. No entanto, as sombras das estátuas são projetadas na parede, sendo a única imagem que aqueles prisioneiros conseguem enxergar. Com o correr do tempo, os homens dão nomes a essas sombras (tal como nós damos às coisas) e também à regularidade de aparições destas. Os prisioneiros fazem, inclusive, torneios para se gabarem, se vangloriarem a quem acertar as corretas denominações e regularidades. Imaginemos agora que um destes prisioneiros é forçado a sair das amarras e vasculhar o interior da caverna. Ele veria que o que permitia a visão era a fogueira e que, na verdade, os seres reais eram as estátuas e não as sombras. Perceberia que passou a vida inteira julgando apenas sombras e ilusões, desconhecendo a verdade, isto é, estando afastado da verdadeira realidade. Mas imaginemos ainda que esse mesmo prisioneiro fosse arrastado para fora da caverna. Ao sair, a luz do sol ofuscaria sua visão imediatamente e, só depois de muito habituar-se com a nova realidade, poderia voltar a enxergar as maravilhas dos seres fora da caverna. Não demoraria a perceber que aqueles seres tinham mais qualidades do que as sombras e as estátuas, sendo, portanto, mais reais. Significa dizer que ele poderia contemplar a verdadeira realidade, os seres como são em si mesmos. Não teria dificuldades em perceber que o Sol é a fonte da luz que o faz ver o real, bem como é desta fonte que provém toda existência (os ciclos de nascimento, do tempo, o calor que aquece etc.). Maravilhado com esse novo mundo e com o conhecimento que então passara a ter da realidade, esse ex-prisioneiro lembrar-se-ia de seus antigos amigos no interior da caverna e da vida que lá levavam. Imediatamente, sentiria pena deles, da escuridão em que estavam envoltos e desceria à caverna para lhes contar o novo mundo que descobriu. No entanto, como os ainda prisioneiros não conseguem vislumbrar senão a realidade que presenciam, vão debochar do seu colega liberto, dizendo-lhe que está louco e que se não parasse com suas maluquices acabariam por matá-lo. Este modo de contar as coisas tem o seu significado: os pri-

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sioneiros somos nós que, segundo nossas tradições diferentes, hábitos diferentes, culturas diferentes, estamos acostumados com as noções sem que delas reflitamos para fazer juízos corretos, mas apenas acreditamos e usamos como nos foi transmitido. A caverna é o mundo ao nosso redor, físico, sensível em que as imagens prevalecem sobre os conceitos, formando em nós opiniões por vezes errôneas e equivocadas, (pré-conceitos, pré-juízos). Quando começamos a descobrir a verdade, temos dificuldade para entender e apanhar o real (ofuscamento da visão ao sair da caverna) e, para isso, precisamos nos esforçar, estudar, aprender, querer saber. O mundo fora da caverna representa o mundo real, que para Platão é o mundo inteligível por possuir Formas ou Ideias que guardam consigo uma identidade indestrutível e imóvel, garantindo o conhecimento dos seres sensíveis. O inteligível é o reino das matemáticas que são o modo como apreendemos o mundo e construímos o saber humano. A descida é a vontade ou a obrigação moral que o homem esclarecido tem de ajudar os seus semelhantes a saírem do mundo da ignorância e do mal para construírem um mundo (Estado) mais justo, com sabedoria. O Sol representa a Ideia suprema de Bem, ente supremo que governa o inteligível, permite ao homem conhecer e de onde deriva toda a realidade (o cristianismo o confundiu com Deus). Portanto, a alegoria da caverna é um modo de contar imageticamente o que conceitualmente os homens teriam dificuldade para entenderem, já que, pela própria narrativa, o sábio nem sempre se faz ouvir pela maioria ignorante. (CABRAL, 2014).

Conhecer é apreender; é apropriar-se espiritualmente de algo, o que pressupõe, neste contexto, dois elementos: o sujeito, aquele que conhece, e o objeto, o algo que se conhece. Conhecer é uma atividade da mente e, entre outros processos, ela significa transportar algo para dentro de nós que será racionalizado e ficará gravado, numa perspectiva digamos “virtual”, como, por exemplo, a casa em que moramos, que obviamente não cabe fisicamente dentro de nosso eu interior, mas “cabe” dentro de

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nossas lembranças e pensamentos, com seus cômodos, objetos e particularidades. Hoje em dia, costumamos dizer que existem três tipos de conhecimento: o vulgar, o científico e o filosófico. O conhecimento vulgar é o que chamamos de senso comum, aquele que fornece a maior parte das noções que temos em nosso cotidiano, como, por exemplo, ao vermos nuvens cinzentas no céu, sabemos que provavelmente vai chover; porém, esse é um conhecimento desprovido de verificação, de certeza, o que não significa que seja errôneo, pois ele é a base para o conhecimento científico. Já o conhecimento científico assinala outra atitude, pois não se conforma com o senso comum, buscando elevar-se, procurando um sentido ou razão comum no desenvolvimento ou acontecimento de um fato ou fenômeno. Por meio do trabalho científico é que se concretiza tal conhecimento, que se constitui ordenadamente, realizando uma classificação, uma síntese, buscando nexos ou laços que unam fatos. É um conhecimento metódico. No conhecimento filosófico, busca-se respostas de valor universal, não redutíveis a contingências de espaço e de tempo, pois esse conhecimento se relaciona à essência mesma dos problemas. O conhecimento filosófico tem uma especificidade própria, que é o seu caráter crítico-axiológico. Crítico para apreciar os pressupostos de algo conforme critérios de valor (axiológico), não no sentido vulgar de ver nas coisas o que elas têm de bom ou de ruim e de valor, mas no de estar de acordo com a moral, com os bons princípios, o que é direito. O que os filósofos dos tempos da Grécia antiga fizeram foi procurar conhecer as coisas “cientificamente”, indo além da maneira usual da época, que eram as explicações por meio dos mi-

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tos e lendas, e um dos principais meios de ensino-aprendizagem desse mundo grego foi a Filosofia. Ora, já sabemos que a palavra Filosofia significa amizade ou amor pela sabedoria. Os primeiros filósofos não desejavam ser chamados de sábios porque acreditavam saber pouco ou quase nada, embora gostassem do conhecimento e/ou amassem o saber. Preferiam ser chamados de filósofos, que quer dizer “amigos do conhecimento”. Para os gregos, o filósofo traz em si um estado de inquietação consigo mesmo, com as coisas, com o mundo ao seu redor. Essa inquietação se liga a uma sensação de admiração diante da realidade, resultando numa atitude crítica de tudo e da vida. Destarte, podemos dizer que o homem começou a filosofar quando adquiriu consciência de que poderia pensar sobre si e sobre o mundo, quando não se contentou com as explicações existentes. Para os gregos antigos, a filosofia era a mais alta expressão da busca pela essência das coisas, também por isso se diz hoje que essa é a ciência das causas primeiras ou das razões últimas. Trata-se mais da busca pela razão mais íntima do que pela verdade plena. Essa busca é uma penetração de camada em camada da realidade que busca atingir o cerne, o âmago do objeto delimitado para estudo. Quando se chega a esse ponto, conta-se que se chegou a uma “verdade”, ou a um “princípio”, ou ainda a um “pressuposto”. Sendo uma ciência das causas primeiras ou primeiros princípios, a filosofia pretende reduzir essa verdade a um conceito de modo que atinja juízos que integrem um sistema para a compreensão do todo, ou seja, ela busca produzir, com certeza, verdades universais, tudo isso utilizando o raciocínio. Atualmente, acredita-se que a mãe de todas as ciências está pas-

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sando por uma crise em função de sua submissão à sua filha, a Ciência. O termo “ciência”, no sentido utilizado nos dias atuais, consolidou-se somente no século 20; porém, o conceito de “ciência” remonta mais ou menos ao século 17. Nessa época, não se distinguia “ciência” de “filosofia”, tudo era Filosofia, e a palavra “ciência”, que já existia (em latim scientia, e em grego episteme), era utilizada para diferenciar o tipo de conhecimento universal (Filosofia) do particular (Ciência). Mas será que o homem sempre aprendeu por meio da Ciência e da Filosofia? No princípio, era o mito A partir do século 5 antes de Cristo, o homem começou a formular explicações dos fatos e fenômenos mundanos por meio de sua razão. Porém, até então, todas as suas perguntas tinham sido respondidas pelas diferentes religiões, explicações essas transmitidas de geração em geração. A religião está ligada ao sagrado, às divindades, ultrapassando os poderes e as virtudes humanas. Nela figuram centralmente os deuses, com seus poderes, mitos e lendas. O Mito é uma história de deuses que objetiva dar respostas aos questionamentos humanos. Para que se concretize a religião, ou seja, para que o humano se ligue ao sagrado, é preciso utilizar um processo denominado “ritual”, que são práticas tradicionais transmitidas por pessoas, de geração em geração, incumbidas especialmente dessa finalidade – os religiosos ou sacerdotes. Na Grécia antiga, havia uma comunidade religiosa na qual os homens partilhavam as mesmas crenças, os mesmos rituais

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e um mesmo santuário – a comunidade de Delfos –, em que os gregos se reuniam em ocasiões especiais, como nas Olimpíadas. Entre os gregos, poetas como Homero e Hesíodo (séc. IX a.C. e VIII a.C.), inspirados por divindades ligadas à música e à poesia, transmitiram a religião e a tradição oralmente. Lá, nesse momento, a religião era politeísta, isto é, os gregos acreditavam que vários deuses os concebiam e interferiam em suas vidas e, portanto, havia diversas crenças, cultos e práticas religiosas. Tudo estava relacionado aos deuses, aos seus humores, desejos, paixões. Por exemplo, se caía um raio em determinada região, era porque Zeus havia manifestado algum desejo; se as águas do mar estavam revoltas, era porque Possêidon poderia estar enfurecido com os homens, e assim por diante – inclusive os mortos, chamados de antepassados, eram cultuados pelas famílias. Todavia, os gregos não se preocupavam muito com a vida após a morte, não tinham dogmas e rituais muito complicados nem sacerdotes profissionais. A religião era praticada principalmente com o intuito de se obter recompensas materiais. Para os gregos, os deuses habitavam o Olimpo, um monte localizado no norte da Grécia, na Tessália, sempre com o cume coberto de neve – os deuses se reuniam nesse lugar para discutir os negócios do mundo. Acreditava-se que os principais deuses eram em número de doze: Zeus, deus do trovão, o mais poderoso de todos e o que dirigia as reuniões; Hera, sua esposa; Possêidon, deus dos mares e que fazia tremer a terra; Deméter, a deusa da fertilidade da terra; Apolo, o deus da música; Atena, a deusa da sabedoria; Afrodite, a deusa do amor; Hefesto, o deus do fogo e da metalurgia; Ares, o deus da guerra; Hermes, o deus mensageiro; Ártemis, a deusa caçadora; e Héstia, a deusa dos lares.

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Além desses, outros deuses que habitavam o Olimpo com a mesma importância dos anteriores eram Plutão ou Hades, deus do reino dos mortos; Dionísio, deus do vinho e da euforia; e Hebe, deusa da juventude. O valor dos deuses para os gregos e também para os demais povos antigos permite compreender a natureza, o universo do ser humano e da sociedade. Da curiosidade humana se desenvolveram os mitos, histórias pelas quais o homem explica sua origem e forma de ser. Mitologia é, portanto, o conjunto de mitos que constitui a memória de uma civilização, com seus valores, práticas, costumes, ideais, cultura e conhecimento. Existem inúmeros mitos em todo o mundo, alguns muito interessantes, como o mito grego sobre a criação da mulher. Segundo a mitologia grega, a primeira mulher surgiu como uma represália de Zeus contra o roubo do fogo por Prometeu. Conforme o relato de Hesíodo: Filho de Jápeto, sobre todos hábil em tuas tramas, apraz-te furtar o fogo fraudando-me as entranhas; grande praga para ti e para os homens vindouros! Para esses em lugar do fogo eu darei um mal e todos se alegrarão no ânimo, mimando muito esse mal. Disse assim e gargalhou o pai dos homens e dos deuses; ordenou então ao ínclito Hefesto muito velozmente, terra à água misturar e aí pôr humana voz e força, e assemelhar de rosto às deusas imortais, esta bela e deleitável forma de virgem; e a Atena, ensinar os trabalhos [...] em seu peito, Hermes mensageiro [...] mentiras, sedutoras palavras e dissimulada conduta, forjou, por desígnios de Zeus. [...] e a esta mulher chamou Pandora porque todos os que têm olímpica morada, deram-lhe um dom, um mal aos homens que comem pão. (HESÍODO, 1996, p. 54). Essa mulher foi dada de presente ao irmão de Prometeu, Epimeteu (o que vê depois), e trouxe consigo, em uma caixa (em algumas versões, num jarro), todos os dons maléficos que os deuses lhe deram. Proibiu-lhe abri-la, mas ele, cada vez mais curioso, não aguentou e, vendo-se sozinho, abriu-a. De dentro saíram as doenças, as infelicidades, todos os males que os

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homens não conheciam até então. Desde esse dia os homens passaram a sofrer, e os longos e despreocupados festins que tinham com os deuses nunca mais aconteceram. (HESÍODO, DEUSES E MITOS NA VIDA DOS GREGOS, 2014, p. 72).

Nem só de gregos vive a mitologia. Roma, segundo mito corrente, foi fundada por Rômulo, menino criado por uma loba, em 21 de abril de 753 a.C. Além disso, os homens da Antiguidade imaginavam que os deuses tivessem poderes superiores aos humanos e, por isso, desejavam cair nas suas graças para obterem favores especiais; então, procuravam estabelecer laços afetivos, de trocas e de consultas, por meio dos cultos e rituais, em geral, realizados nos santuários. Os Santuários Pan-Helênicos eram os mais famosos da Grécia porque eram comuns a todos os gregos, que, para buscar conselhos, se reuniam em suas portas, onde consultavam os deuses por meio dos sacerdotes. O mais importante de todos foi o santuário de Delfos, onde o deus Apolo falava pela boca da pitonisa, Pítia, que ficava sentada num banquinho sobre uma fenda aberta na terra, de onde subiam vapores inebriantes (necessários para que Pítia entrasse em “transe” e o Deus Apolo se manifestasse), respondendo a todas as perguntas que eram interpretadas pelos sacerdotes. Todos os homens, inclusive os chefes de Estado, só decidiam suas questões após consultar o oráculo de Delfos. No templo, havia uma famosa inscrição: Conhece-te a ti mesmo! Era para lembrar os homens de que eles eram mortais e que ninguém podia fugir do seu destino. As “tragédias” gregas são o exemplo das histórias de que as pessoas não podiam fugir do seu destino. O Rei Édipo, por exemplo, na tentativa de fugir de

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seu destino, acabou correndo ao seu encontro. Ora, toda a religião grega, assim como suas tragédias, constituem os primeiros traços da instrução clássica. Era a exemplo dos deuses e seguindo as instruções dos sacerdotes que os gregos antigos aprendiam como se comportar em sociedade, qual a melhor época para plantar, para colher, para casar, para procriar. Ainda assim, era com o exemplo dos deuses que eles logravam identificar as paixões humanas na tentativa de dar-lhes algum sentido ou solução – e o que é isso se não educação? Todavia, a educação grega também foi mais do que isso. Homero e Hesíodo e o registro da Mitologia Por volta de 700 a.C., Homero e Hesíodo registraram boa parte da mitologia grega em seus trabalhos – A Odisseia, Ilíada, Os trabalhos e os dias e Teogonia. Esse registro permitiu que as pessoas daquela época conhecessem seus mitos de um modo diferente do que até então ocorria. Quando esses poetas e historiadores colocaram tais mitologias no papel, criou-se uma nova situação. Nessa época, os domínios gregos se ampliaram e muitas cidades-estados gregas e colônias surgiram. Nelas os escravos faziam o trabalho pesado e os cidadãos livres dedicavam-se à política e à cultura, por isso puderam se dedicar ao pensamento. Além disso, o alargamento do mundo grego promoveu no homem a capacidade de comparar a sua cultura com as demais. Assim, notou-se que em diversas regiões havia mitos que correspondiam às necessidades e condições de cada população.

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Os cidadãos começaram a pensar sobre os escritos de Hesíodo e Homero, que falavam justamente sobre essa “grandeza do mundo”, e a criticar a mitologia grega, pois para eles os deuses do papel tinham muita semelhança com os homens, eles eram egoístas e traiçoeiros como os humanos e, pela primeira vez, foi dito que os mitos eram fruto da imaginação dos homens. Xenófanes (570 a.C.) criticou os mitos, dizendo que os homens criaram os deuses a sua imagem e semelhança – onde o povo era loiro, o deus era loiro, e onde o povo era negro, o deus era negro, e assim por diante. Passo a passo, os gregos notaram que a transmissão dos seus mitos para outros sítios, com a ajuda preciosa de obras como a Odisseia, facilitava seu domínio nesses lugares. Ou seja, foram os gregos que primeiro se deram conta do quanto o conhecimento e a cultura também representavam algum tipo de poder. Além do mais, o cidadão não dependia de nada e de ninguém e podia opinar como quisesse sobre a organização social. Essa liberdade grega concorreu para que se passasse a formular questões sem recorrer aos mitos, o que desencadeou uma transformação na forma de pensar, embora os mitos ainda não estivessem totalmente descartados.

OS PRIMEIROS FILÓSOFOS Grande exemplo do início da especulação filosófica grega foram os três de Mileto: Tales, Anaximandro e Anaxímenes. Tales era de uma cidade que era colônia da Grécia, Mileto, situada na Ásia Menor. Tendo conhecido inclusive o Egito, Tales considerava a água como a origem de tudo, talvez porque tivesse visto as cheias do Egito, que fecundavam os campos e depois faziam surgir as rãs e as minhocas.

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Anaximandro também era de Mileto e achava que a Terra era um dos muitos mundos que surgem de alguma coisa e se dissolvem nessa alguma coisa que ele chamava de “infinito”. Para ele, tudo o que é criado, é finito, e o que vem antes e depois do que é finito tem de ser infinito. Concluiu então que a água não poderia ser a “substância básica” de tudo o que existe. Anaxímenes pensou que o ar ou o sopro de ar era a substância básica de todas as coisas. Ele conhecia a teoria da água de Tales, mas não compreendia de onde vinha a água; por isso, imaginou que a água fosse o ar condensado e, se esta estivesse comprimida, bem poderia ser a terra. Quanto ao fogo, acreditou que se tratava do ar rarefeito; portanto, terra, água e fogo, para ele, surgiram do ar. Da terra e da água teriam surgido as plantas. Numa coisa concordava com Tales, tudo provinha de uma substância básica que se transformava na natureza. Mas se tudo provinha de uma substância básica, como essa substância poderia se transformar em tantas coisas, completamente diferentes entre si? Os primeiros filósofos que se interessaram por essa questão foram os eleatas, povo que viveu em cerca de 500 a.C. na colônia grega de Eleia, no sul da Itália. Parmênides (540-480 a.C.) acreditou que tudo o que existe sempre existiu, como a maior parte dos gregos, e assim nada poderia surgir do nada, e coisa nenhuma que existe poderia se modificar em nada, pois não acreditava que as coisas pudessem se transformar em algo diferente do que são, embora compreendesse que havia transformações na natureza. Parmênides não confiava nem nos próprios sentidos, só na razão, porque dizia que os sentidos fornecem uma ilusão irreal. Ele era racionalista, ou seja, alguém que tem grande confiança na razão humana, enquanto fonte de conhecimento do mundo.

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Heráclito (540-480 a.C.) era de Éfeso, na Ásia Menor, e, para ele, as constantes variações da natureza eram justamente a característica mais fundamental da natureza. Ao contrário de Parmênides, Heráclito confiava nos seus sentidos e dizia que tudo flui, tudo está em movimento e nada dura para sempre, daí não podermos entrar duas vezes no mesmo rio, porque quando entramos pela segunda vez, tanto o rio quanto nós já não somos mais os mesmos. Heráclito achava que o mundo está cheio de opostos – por exemplo, se nunca ficarmos doentes não saberemos o valor da saúde, que o bem e o mal são coisas necessárias, que o mundo não existiria sem seus contrastes. Para ele, Deus ou o elemento divino é algo que abrange o mundo inteiro. Heráclito também confiava que havia uma razão universal, uma lei universal, que dirigia todos os fenômenos da natureza e a partir da qual todos se orientariam mesmo cada qual vivendo conforme sua própria razão. Ele não dava muita importância para a opinião das pessoas que o cercavam, pois as achava infantis. Em todas as alterações e oposições da natureza ele via uma unidade, um todo, e essa “alguma coisa”, que era subjacente a tudo, ele chamava de Deus ou de logos, palavra grega que significa “razão”. Empédocles (494-434 a.C.) pensou que tanto Parmênides quanto Heráclito tinham razão em uma de suas afirmações, mas estavam enganados quanto à outra – Parmênides tinha razão em afirmar que nada se transforma sozinho, e Heráclito, em afirmar que era preciso confiar em nossos sentidos (a água sozinha jamais se transformará em peixe, mas precisamos acreditar nas constantes transformações que vemos). Empédocles concluiu então que a substância básica não poderia ser única. Afirmou, por sua vez, que eram quatro: terra, ar, fogo e água, e que todas as transformações resultariam

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da combinação desses elementos em diferentes proporções de mistura que novamente se separariam um do outro, retornando ao seu conjunto igual para se combinarem novamente. Por exemplo: a madeira quando queima, ao estalar, é água; ao emitir fumaça, é ar; quando as chamas se apagam e sobram cinzas, é terra. Além disso, ele pensou no que ocorreria para que esses elementos se unissem para se tornarem madeira e consequentemente o que aconteceria para que essa madeira se desintegrasse. Empédocles imaginou que existem duas forças na natureza: o amor, que une, e a disputa, que desagrega. Anaxágoras (500-428 a.C.) foi o primeiro filósofo de Atenas. Mudou para lá aos 40 anos e de lá teve que partir, acusado de ateísmo. Esse filósofo, diferentemente dos demais, não acreditou que água, ar, fogo e terra pudessem se transformar em ossos, pele ou cabelos. Achava que a natureza era composta por uma infinidade de partículas minúsculas, invisíveis a olho nu e que na menor parte de tudo existia um pouco de tudo (o que podemos associar às teorias de DNA). Disse também que o Sol não era um Deus, mas uma massa incandescente maior que a Península do Peloponeso (o que pode ser associado a Galileu). Demócrito (460-370 a.C.) foi o último filósofo da natureza nascido em Abdera, ao norte do mar Egeu, uma cidade portuária. Demócrito criou o que hoje se chamaria Teoria Atômica, pois acreditava, assim como seus antecessores, que as coisas se transformavam na natureza, que era construída por uma infinidade de partículas minúsculas, invisíveis, às quais denominou “átomos”, que quer dizer “indivisível”. Para ele, cada átomo não poderia ser dividido em unidades menores porque, se isso fosse possível, essas partículas se

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desintegrariam, e a natureza acabaria. Também afirmou que os átomos eram eternos, pois nada pode surgir do nada, eles não se criariam sozinhos; contudo, essas unidades, os átomos, eram diferentes uns dos outros, e era esse fato que possibilitava as transformações de todas as coisas. Quando elas morriam, retornavam à natureza para originar outras coisas. Demócrito estava certo, menos numa assertiva: os átomos ainda podem ser divididos em prótons, elétrons e nêutrons. Mas os cientistas de hoje também acreditam que ainda haverá um limite para essa divisão do átomo. Ele acreditava que só existia o átomo e o vácuo, que tudo era uma questão de combinação, sem força ou inteligência para unir ou desagregar, por isso, ele é chamado de materialista. Esses pensadores foram muito importantes na História, pois com eles houve o “despertar do pensamento humano”, para que o homem passasse a buscar a compreensão do mundo que o cercava, por meio de seu raciocínio e da observação, abandonando as explicações mitológicas. Com eles, a educação também ganha novas abordagens, passa a se basear menos nos relatos do passado e mais na observação, reflexão e discussão dos fenômenos da natureza. Obviamente, os grupos que se dedicam a esses estudos são ainda muito restritos e sua atividade, em certa medida, diletante.

SÓCRATES, A FILOSOFIA SE CONSOLIDA Sócrates (470 a 399 a.C.) viveu o apogeu e a crise da democracia ateniense, em que a vida cultural era intensa, com grandes escultores e artistas, dramaturgos como Ésquilo, historiadores como Heródoto e Tucídides, médicos como Hipócrates e homens públicos como Péricles, mas todo esse esplendor custou a rivalidade com Esparta, o que acabou desencadeando a Guerra do

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Peloponeso, sendo Atenas derrotada. A democracia enfraquecida por corrupções e conspirações cede lugar à tirania; os valores políticos e morais e a condenação de Sócrates, em 399 a.C., são o retrato dessa decadência. Sócrates foi casado com Xantipa. Guerreiro quando jovem, foi condecorado com um prêmio de bravura. Na maturidade, foi Senador e depois se dedicou à arte de esculpir e à filosofia. Seu temperamento era exótico, costumava abordar as pessoas na rua, perguntando: Quem é você? (To ti?) E quando a pessoa respondia, ele continuava perguntando, como se não tivesse ouvido a resposta. Sócrates queria que as pessoas percebessem o quanto eram ignorantes e o quanto precisavam aprender – “Conhece-te a ti mesmo!”, dizia ele. Mas os atenienses ficavam horrorizados com esse comportamento, pois se sentiam ridicularizados, e foi o que bastou para que importantes cidadãos se sentissem ofendidos e o acusassem de um crime: adoração a outros deuses que não os da cidade e a corrupção da mocidade, o que resultou em uma condenação à pena de morte. Sócrates foi a julgamento e, se pedisse clemência, sua vida lhe seria poupada, e ele seria exilado. No entanto, Sócrates não se defendeu nem pediu clemência. Platão descreve em Fedon o dia final da morte de Sócrates, que sucumbiu envenenado pela cicuta. Sócrates desenvolveu um método muito diferente, a maiêutica, ele não queria ensinar as pessoas, ele dialogava, discutia fazendo a própria pessoa chegar à resposta. Para que as pessoas usassem a razão, Sócrates fingia-se de ignorante, e a essa forma de comportamento se deu o nome de “ironia socrática”. Para ele, o importante era encontrar um alicerce seguro para os nossos conhecimentos, e ele pensava que esse alicerce estava na razão humana; foi, portanto, um racionalista convicto. Pensava que o conhecimento do que é certo poderia levar o 56

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homem a agir corretamente, tornando-o um homem de verdade – segundo ele, quando fazemos o errado, é por puro desconhecimento. Por isso a importância do saber, do conhecer, de se ampliar os conhecimentos. No entanto, acreditava que houvesse uma unidade universal do que é o correto, do que seria certo em qualquer lugar do mundo. Sócrates teve muitos discípulos, e um dos que mais se destacaram foi Platão. História e Cinema –––––––––––––––––––––––––––––––––– Roberto Rosselini foi um diretor de teatro italiano que construiu sua carreira 1971, está disponível no YouTube (2014).

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Platão (427-347 a.C.) forjou um modelo pedagógico a partir dos ensinamentos de Sócrates e Isócrates (professor de eloquência, 436-338 a.C.). O modelo platônico é de base idealista e se divide em dois tipos de paideia: uma mais socrática, voltada para a contemplação e o cultivo da espiritualidade, e a outra, política, mais preocupada com os papéis sociais dos indivíduos. Dividida entre governantes, guerreiros e produtores, a sociedade ateniense ofertava três diferentes tipos de educação nessa época, e a proposta de Platão era unificá-las em um dado momento, para benefício de todos.

INSTRUÇÃO NA ROMA ANTIGA O livro Carne e Pedra: o corpo e a cidade na civilização ocidental, de Richard Sennett, é resultado de estudos empreendidos por um grupo que trazia, em sua origem, a participação de Michel Foucault. Na explicação de seu recorte, escreveu Sennett:

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Estudei algumas cidades em momentos específicos, marcados pela eclosão de guerras ou revoluções, a inauguração de um monumento, o anúncio de uma descoberta médica ou a publicação de uma obra, que tenham assinalado significativamente as relações entre as experiências corporais e os espaços em que as pessoas viviam. (SENNETT, 2001, p. 20).

A respeito de Roma, na época do imperador Adriano, o autor escreveu: A obsessão romana por representações plásticas de pessoas ou objetos valia-se de um arranjo geométrico, fundamentado em princípios tranquilizadores que o próprio corpo podia perceber. Mais de um século antes de Adriano, o arquiteto Vitrúvio demonstrava que a estrutura corporal obedece a relações equivalentes de forma e dimensão, principalmente no que diz respeito às simetrias bilaterais dos ossos e dos músculos, dos ouvidos e dos olhos. Estudando essa harmonia, Vitrúvio concluiu que poderia traduzi-la na arquitetura de um templo. A partir desse mesmo imaginário, outros romanos planejaram cidades com base nas regras da correspondência bilateral e privilegiando a percepção visual linear. Da fórmula do geômetra nasceu a Regra; as linhas dos corpos, templos e cidades revelaram os princípios de uma sociedade bem organizada. (SENNETT, 2001, p. 23).

Nesse livro, a arquitetura das cidades é estudada como uma expressão da cultura dos homens que ali viveram. Roma é vista a partir da época do imperador Adriano (aquele mesmo do romance Memórias de Adriano, escrito por Marguerite de Yourcenar). Além disso, Sennett destaca, em um modo de morar, de viver, um modo de apreender o mundo, de aprender nele. É somente nos séculos 3 a.C. que a instrução livresca se estabelece na Roma Antiga. Dos 0 aos 7 anos, a instrução era materna. Dos 7 em diante, a criança acompanhava o pai para aprender por observação. Aos 16 anos, o jovem passava à instrução militar, tendo ali um tutor amigo da família como orientador

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e protetor. Após o serviço militar, era comum que se passasse ao estudo do Direito e da Retórica, de uma maneira muito autodidata, diga-se de passagem. Nesse ponto, o estudo da Eneida, de Virgílio, era essencial, assim como dos tratados do grande orador romano Marco Túlio Cícero (106-43 a.C.). O tratado de Cícero é mais prático, já o de Aristóteles, mais teórico. Se você tiver interesse no assunto, pode ler o trabalho desse último em Aristóteles: obras completas. (ARISTÓTELES, 2005). As escolas eram divididas em três níveis: nível elementar, que consistia em aprender a ler, escrever e calcular; nível secundário, com aprendizado de música, Geometria, Astronomia, Literatura (na forma de gramática dos textos gregos e latinos), Oratória; e escolas de retórica (política, forense, filosófica etc.).

SINTETIZANDO • A educação na Grécia antiga teve como base a Paideia, que, entre outras definições, pode ser entendida como o ideal de formação do homem pela cultura, buscando uma formação total e a perfeição interior. Efetivada somente nos séculos 3-2 a.C., essa educação era técnica (sentidos) e moral (ideal heroico). Em Esparta, os ensinamentos eram todos voltados para a guerra. Em Atenas, o ensino era politizado. Em ambas, a oralidade era o principal meio de ensino. • Para os gregos dos séculos 6 e 5 a.C., em especial para Platão, conhecer era transportar por todos os meios e formas para dentro do nosso eu interior algo que imaginamos estar fora de nós mesmos. A percepção que os gregos tiveram do conhecimento contribuiu para a maneira como o entendemos hoje. Na atualidade, o

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conhecimento é distinguido entre conhecimento vulgar, científico e filosófico. Para os gregos, o filósofo era portador de um estado de inquietação generalizado, e a Filosofia era a mais alta expressão da busca pela essência das coisas; todavia, o mito foi a primeira forma de explicá-las. • O mito é uma história de deuses que objetiva dar respostas aos questionamentos humanos. Na Grécia antiga, havia uma comunidade religiosa na qual os homens partilhavam as mesmas crenças, os mesmos rituais e um mesmo santuário, a comunidade de Delfos, em que os gregos se reuniam em ocasiões especiais, como nas olimpíadas. Entre os gregos, poetas como Homero e Hesíodo (séc. IX a.C. e VIII a.C.), inspirados por divindades ligadas à música e à poesia, transmitiram a religião e a tradição oralmente. Passo a passo, os gregos notaram que a transmissão dos seus mitos para outros sítios, com a ajuda preciosa de obras como A Odisseia, facilitava seu domínio nesses lugares. A religião era politeísta, e os santuários pan-helênicos, os mais famosos da Grécia. Era com o exemplo dos deuses que eles logravam identificar as paixões humanas na tentativa de dar-lhes algum sentido ou solução, constituindo a religião uma forma de educação. • A especulação grega teve início com os três de Mileto: Tales, Anaximandro e Anaxímenes. Parmênides (540480 a.C.) também contribuiu para o início da Filosofia e do conhecimento grego, assim como Heráclito (540-480 a.C.), Empédocles (494-434 a.C.), Anaxágoras (500-428 a.C.) e Demócrito (460-370 a.C.), entre outros. Todos eles ficaram conhecidos como os primeiros sofistas ou

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filósofos da natureza, por se ocuparem de observar e refletir sobre o mundo que os rodeava. • Com Sócrates (470 a 399 a.C.), a filosofia grega se consolida, embora não se registre. Sócrates tinha um método muito diferente, a maiêutica. Ele não queria ensinar as pessoas, ele dialogava, discutia, fazendo a própria pessoa chegar à resposta. Sócrates teve muitos discípulos, e um dos que mais se destacaram foi Platão. Este (427-347 a.C.) forjou um modelo pedagógico a partir dos ensinamentos de Sócrates e Isócrates (professor de eloquência, 436-338 a.C.). O modelo platônico é de base idealista e se divide em dois tipos de paideia: uma mais socrática, voltada para a contemplação e o cultivo da espiritualidade, e a outra política, mais preocupada com os papéis sociais dos indivíduos. • Na Roma antiga, somente nos séculos 3 a.C. é que a instrução livresca se estabelece na Roma Antiga. Dos 0 aos 7 anos, a instrução era materna. Dos 7 anos em diante, a criança acompanhava o pai para aprender por observação. Aos 16 anos, o jovem passava à instrução militar, tendo ali um tutor amigo da família como orientador e protetor. Após o serviço militar, era comum que se passasse ao estudo do Direito e da Retórica, sobretudo com o uso dos escritos de Marco Túlio Cícero (106-43 a.C.). • As escolas eram divididas em três níveis: nível elementar, que consistia em aprender a ler, escrever e calcular; nível secundário, com aprendizado de Música, Geometria, Astronomia, Literatura (na forma de gramática dos textos gregos e latinos), Oratória; e escolas de retórica (política, forense, filosófica etc.).

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TEXTOS COMPLEMENTARES Para que você se aprofunde um pouco mais no tema apresentado ao longo de nossas unidades, vamos sempre sugerir a leitura de um artigo ou de um livro, bem como que você assista a um vídeo ou filme. Ética e educação clássica: virtude e felicidade no justo meio ––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– O presente estudo debruça-se sobre a interface do problema educativo com a problemática da ética, compreendendo a pedagogia com a arte/ciência voltaconceitos da concepção ética da Aristóteles e, na atmosfera mental da Grécia paideia. A seguir, este ensaio procura pontuar alguns aspectos da concepção iluminista a propósito do tema, valendo-se da noção kantiana de imperativo categórico, a qual teria sido precedida pelo parecer de Rousseau, segundo o qual a vontade – e não a razão – seria a marca distintiva do gênero humano no ambiente natural. A ideia de Piaget de uma ética da reciprocidade também é aqui mobilizada. Abordando diacronicamente a temática, serão analisados conceitos de autores clássicos no debate da relação entre educação e ética, com destaque para o sentido conferido por Hanna Arendt para a autoridade como critério distintivo da relação assimétrica entre o educador (as gerações adultas de maneira geral) e os estudantes (ou as novas gerações). Arendt defende, como conceito e pressuposto operatório, a dimensão necessariamente conservadora do ato educativo: compete ao educador preservar do mundo as novas gerações e preservar o mundo das novas gerações – para que estas não destruam o suporte e o acervo cultural acumulados.

–––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Paideia, a formação do homem grego–––––––––––––––––– Esta obra busca ser um estudo profundo e completo sobre os ideais de educação da Grécia antiga. Jaeger estudou a interação entre o processo histórico da formação do homem grego e o processo espiritual através do qual os gregos chegaram a elaborar seu ideal de humanidade. A partir da solução histórica e espiritual, foi possível chegar ao entendimento da criação educativa sem par

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Videoaula 1: Educação na Antiguidade, o que ela nos legou? –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– dos antigos gregos e romanos sobre escola e educação, possibilitando a educação contemporânea.

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Como vimos, a educação está profundamente relacionada com a visão que o homem tem do mundo. Mas que visão é essa, e como ele chega a ela? Eis a pergunta que a antropóloga Maria Raquel da Cruz Duran se fez em um de seus trabalhos acadêmicos e cujo percurso acompanharemos neste texto complementar. Escavação: a busca da visão íntima do mundo –––––––––– Escavação Numa ânsia de ter alguma cousa, Divago por mim mesmo a procurar, Desço-me todo, em vão, sem nada achar, E minh’alma perdida não repousa!

Nada tendo, decido-me a criar: Brando a espada: sou luz harmoniosa. E chama genial que tudo ousa

Mas a vitória fulva esvai-se logo... E cinzas, cinzas só, em vez do fogo...

Noites d’amor sem bocas esmagadas –

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Tudo outro espasmo que princípio ou fim...

Nesta poesia do livro Obra Poética Completa para a compreensão dos Weblogs Mundialização e Cultura, de Renato Ortiz. a mundialização da cultura. A mundialização da cultura seria uma transformao espaço, o tempo, as relações sociais, como lidamos com estas categorias etc. – em algo mundializado, ou seja, sem orientação cultural, algo móvel, anônimo, sem pátria. culturais devem se desenraizar. Reconhecemos este movimento quando nos deparamos com locais comuns a nossa ideia de mundo em outros países, de culturas diferentes. Ortiz pensa isso quando observa nosso agir de forma natural em aeroportos ou cidades turísticas, onde as posições-padrão de determinados serviços nos fazem agir como se conhecêssemos o ambiente, mundialização, que seria uma série de produtos, os quais estaríamos aptos a entender como nossos, ou melhor, do mundo. tras mobiliam o ambiente mundializado, que nesta perspectiva está intimamente ligado ao consumo – não só de produtos, mas também de um sistema de valores. Insere-se aqui o papel da mídia. A mídia seria o instrumento ideal do consumo e aceitação deste sistema de valores, desta produção da mundialização. Na mídia, nos aconselhamos sobre diversos assuntos na tentativa de obtermos maior segurança e autorrealização neste ambiente de relações móveis, anônimas, segmentadas. É pela mídia que podemos nos deparar com discursos (re)produtores deste sistema de valores moderno, é por ela que reconhecemos os tipos/estilos de vida que devemos consumir, que devemos idealizar, perseguir, comprar. Esta sensação de estarmos no mesmo lugar sempre, parecendo-nos que a vida está se repetindo, decorrente da prolongação do presente feita pela desterritorialização da cultura, nos traz a necessidade de construir uma outra ordem, a utópica, realidade esta em que homogeneização e segmentação podem coabitar, não são pensamentos dialéticos, realidade em que a falácia de que o poder é democrático e universal se descortina. Realidade diferente desta moderna, e consequentemente, desta realidade que mundializa a cultura, em

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que a capacidade de escolha do indivíduo o oprime, tal como situou Mário de

e não sabemos o que somos realmente. O único modo de estarmos de acordo com a vida é estarmos em desacordo com nós próprios. O absurdo é o divino.

forma que as certezas da tradição e do hábito sejam substituídas pelo conhecimento racional, onde o princípio da dúvida transforma todo conhecimento em assim como a sociedade e o viver social. construir-se, ao mesmo tempo em que, sendo construído da sociedade moderna, cria processos de reorganização do tempo e do espaço. Produzem-

de sua formação e/ou realização no agora. Nesta perspectiva, a modernidade e o princípio de dúvida sobre a cultura, a tradição e a forma de aplicabilidade destas no privado e no público criam em torno de si uma atmosfera em que o risco está sempre presente, marcante. É como se soubéssemos que nossas decisões atuais serão, ou nossas tristezas ou nossas alegrias, num futuro próhumano. Insere-se neste âmbito uma série de diversidades de opções para a escolha auto-identidade multiplicidade de opções fragmenta a vida em planejamentos para a mesma mais oportunidades de escolha do que outros. A ameaça em escolher erroneamente permeia este mecanismo que está no meio de um jogo dialético entre local e global, distanciados. Entre as outras características da modernidade e da mundialização da cultura já citadas aqui – distanciamento e esvaziamento do tempo e do espaço, dispersão e fragmentação pela dúvida, dinamização, ascensão da organização sociais de grande amplitude, como aborda Giddens primordialmente, dizendo

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que “o nível do distanciamento tempo-espaço introduzido pela alta modernidade é tão amplo que, pela primeira vez na história humana, ‘eu’ e ‘sociedade’ estão inter-relacionados passam a ser características gerais da atividade social moderna, relacionadas

mundo. E precisamente porque estamos tão absortos em nós mesmos é-nos para nós mesmos ou para os outros daquilo que são as nossas personalidades. A razão está em que, quanto mais privatizada é a psique, menos estimuMultidões de pessoas estão preocupadas, mais do que nunca, apenas com as cupação tem demonstrado ser mais uma armadilha do que uma libertação. Como essa imaginação psicológica da vida tem consequências sociais amque acabamos por esperar tais benefícios psicológicos permeando a gama de terior, o mundo impessoal, parece nos decepcionar, parece rançoso e vazio. A problemática moderna está, portanto, em querermos a liberdade de arbitrar nossas vidas simultaneamente ao desejo de segurança de que este livre-arbíde legitimidade social. A indústria cultural globalizada molda os mecanismos que a totalidade mundializada utiliza, pois não há restrições de domínios para a mídia. A padronização desses mecanismos feita pela mídia - numa escala de (i)materiais. Edgar Morin, em seu livro A cultura de massa trialização do espírito e da colonização da alma, demonstra como a cultura de pela cultura erudita/dominante, e dentro disso a penetração da mídia na vida cotidiana e as peculiaridades das relações sociais que se dão no real, no ideal e no virtual. O público consome o produto (simbólico ou não) veiculado pela mídia, ao mesmo tempo em que produz esta informação, que é transmitida pela própria mídia. A industrialização no âmbito material transformou a cultura, os

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sujeitos, os objetos e suas relações, da mesma forma que a colonização ideal e materialmente transformou nossas vivências e pensamentos. No A identidade cultural na pós-modernidade,

sua ação no mundo social faria deste um sujeito que nasce e morre rapidamente, pois o sujeito moderno está, ao mesmo tempo, na condição de impor sua individualidade ao mundo e de receber do mundo uma série de padrões de comportamento que moldam esta individualidade, que pelo “livre-arbítrio sujeito optaria. A relação desta teoria com a indústria cultural é óbvia, pois ela Em A invenção do cotidiano, de Michel de Certeau, o consumo é o espaço de produção de sentido, do ideal. O produto que se consome é pensado sob a ótica do que as pessoas irão fazer dele. O que o consumidor faz do produto é pensado por Certeau em duas categorias-chave: a estratégia (cálculo de base das relações entre consumidores e produto, produção e consumo e entre produções) e a tática (opera na lógica do outro, “para subverter o domínio do e quem é produto, nas relações entre real e ideal, recebe atenção nesta temática. Na mesma concepção de Morin, a retroalimentação cultural/social é observada em Certeau: “A mídia, enquanto produtora de cultura, a distingue conforme a pedida do consumidor, agindo numa estratégia e numa tática (ou -

mídia seria o instrumento propiciador de relações entre consumo e produção na vida contemporânea, por meio inclusive – o que nos interessa – do discurso. Portanto, o ideal e o real são de naturezas coabitantes neste jogo de poderes, legitimação e de consumo. O ideal se efetua nas ações do material, ambos constroem processos de trabalho que comportam atos simbólicos, que agem sobre poderes invisíveis que controlam a reprodução da natureza e são tidos como podendo ou não conceder ao homem o que ele espera/deseja, ou seja, a realidade social. Em A parte ideal do real, Maurice Godelier diz que o pensamento (o ideal) produz sentido quando apresenta, interpreta, organiza e legitima (ou não) as representações do real/material, anteriores ao pensar – pois já do que é ou não ideológico, dos discursos de legitimação, sendo que, nesta

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zam, e opô-las como ideológicas e não ideológicas, pois não se pode organizar um poder de opressão durável a não ser que se lhe dê a forma de uma troca, de um contrato, isto é, tornando-o legítimo de alguma maneira, transformando-

Neste sentido, quais seriam as representações que legitimam, ou que organi-

discurso da felicidade neste ambiente engendra os mesmos problemas que no

para a banalização da vida cotidiana pela indústria cultural e a valorização da arte justamente por ser uma mercadoria distante desta vida. Esta negação se dá pela ideia de busca utópica de uma realidade diferente desta, que nos seria estranha. A aura da arte estaria neste afastamento do real, no vivenciar dência de sua sublime capacidade perceptiva do Belo – isto para Adorno, pois O sujeito, na vida contemporânea, não mais submerge da arte, mas sim de si mesmo. O intercâmbio entre imaginário e real e não mais o distanciamensubjetividade moderna. Ao confrontar as divergentes teorias, Barbero tenciona

instrumento transmissor, e que capta, a vida cotidiana em sua negatividade e positividade, como algo real e ideal que, em movimento simultâneo, penetra nossas vidas. alcançar, é um valor cultural, parte de um sistema socioeconômico vigente, e Disse Freud: gâmica, ao sistema estabelecido de lei e ordem. O sacrifício metódico da libido,

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Desta forma, assim como uma vida religiosa mais ascética produziu um povo mento futuro do trabalho efetuado, que o trabalho moderno então proporcionatrabalhador cognitivo é produzido para esta nova etapa do processo de desenvolvimento do capitalismo, em que a cognição humana é utilizada não para o prazer, mas para uma reprodução mais elaborada do sistema, bem como nos abalizou Berardi. O infotrabalhador talvez possa ser descrito como um artesão, porque muitas dade territorial, tinha um caráter tranquilizante, para o infotrabalhador segue O trabalho cognitivo é essencialmente trabalho da comunicação, ou comunicação empenhada em trabalhar. (BERARDI, 2005, p. 49) Esta lógica é corroborada por meio da obra A fábrica da infelicidade, em que Berardi resume sua tese central nas palavras seguintes: A questão pode ser entendida de duas maneiras. A riqueza entendida como fruição diminui proporcionalmente ao aumento da riqueza como acumulação econômica, pela simples razão de que o tempo mental é destinado a acumular, e não a fruir. Por outro lado, a riqueza entendida como acumulação econômica aumenta quando se reduz o prazer dispersivo da fruição, enquanto, em consequência, o sistema nervoso social é submetido a uma contração e a um estresse sem os quais não pode haver acumulação. pansão da esfera econômica coincide com uma redução da esfera erótica.

qual o que se vive de verdade é a produção de escassez, de necessidades, compensada por um consumo veloz culpado e neurótico, porque não se deve perder tempo, é preciso voltar ao trabalho. A riqueza então não é apenas fruição no tempo das coisas, dos corpos e dos sinais, mas produção acelerada e 2005, p. 45). que se quer construir na indústria cultural, ao diferenciar culturas, consumos, indivíduos, relações, todas elas rotineiramente vivenciadas como naturais.

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lógica: comum em mitologias modernas como Prometeu, Fausto, Frankensperante as ordens divinas é fruto da cisão entre humanidade e mundo, da invenção de que a verdade do mundo se disfarçou e que, portanto, vivenciamos o mito da caverna parafraseando com simulações da felicidade suprema. imperfeição, um purgatório, apenas a morte libertaria o espírito do corpo, e somente estando mortos obteríamos felicidade plena. Ao desenvolvermos culturalmente esta perspectiva dualista de vida, passamos a interpretar as coisas limitadamente, como se o que doesse fosse ruim e o que desse prazer fosse bom. A necessidade torna-se desejo e o desejo torna-se necessidade. O homem transforma-se em escravo de seus apetites, eterno da civilização, que tenciona a busca do prazer pelo sacrifício do mesmo (dor). E-Referências

Disponível em: < em: 22 ago. 2014.

>. Acesso

BOTO, C. Educ. Soc. >.

http:// Acesso

em: 22 ago. 2014. Referências Bibliográficas Sentimento do mundo. Record, 2004. BERMAN, M. Tudo que é sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade. A contribuição de Hayek às ideias políticas e econômicas de nosso tempo Antropologia filosófica. Ensaio sobre o homem. Introdução a

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A invenção do cotidiano. Artes de fazer. Tradução de Ephraim DEMO, P. Dialética da Felicidade: um olhar sociológico pós-moderno. O sentido dos sentidos – a educação do sensível Curitiba: Criar Edições, 2001. A ordem do discurso O mal da civilização. Tradução de José Octávio de Aguiar Abreu. GIANNETTI, E. Felicidade Modernidade e identidade 2002. Ensaio sobre a ideologia humana, A identidade cultural na pós-modernidade. Tradução de Tomaz Tadeu A condição pós-moderna . Paideia, a formação do homem grego Pós-modernismo: a lógica cultural do capitalismo tardio. Eros e civilização: uma interpretação filosófica do pensamento MARTÍN-BARBERO, J. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e MORIN, E. A cultura de massas no século XX: o espírito do tempo. Rio de Mundialização e cultura Utopia e Modernidade

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Livro do desassossego de guarda-livros

caso dos fotologs brasileiros. Liinc em Revista, v. 4, n. 1. Rio de Janeiro, p. ______. Diga-me com quem falas e dir-te-ei quem és: a conversação mediada pelo computador e as redes sociais na internet. Revista FAMECOS. Porto Obra poética completa. 2. ed. Portugal: Europa-América, O declínio do homem público: as tiranias da intimidade. Tradução

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QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS 1) A Paideia era o ideal de formação do homem pela cultura, buscando uma formação total e a perfeição interior. Nela se uniam o ensino: a) técnico e moral. b) de observação e experimental. c) ético e moral. d) do conhecimento tradicional, científico e filosófico. e) mitológico e racional. 2) Para os gregos dos séculos 6 e 5 a.C., em especial para Platão, conhecer era transportar por todos os meios e formas para dentro do nosso eu interior algo que imaginamos estar fora de nós mesmos. A percepção que os gregos tiveram do conhecimento contribuiu para a maneira como o entendemos hoje. Na atualidade, o conhecimento é distinguido entre: a) conhecimento pessoal e conhecimento geral. b) conhecimento vulgar, científico e filosófico. c) conhecimento popular e conhecimento erudito. d) conhecimento familiar e conhecimento acadêmico. e) conhecimento real e conhecimento virtual.

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3) Quem foram os três de Mileto? a) Platão, Sócrates e Aristóteles. b) Parmênides, Heráclito e Demócrito. c) Espartacus, Crixius e Batiatus. d) Sófocles, Ésquilo e Aritófanes. e) Tales, Anaximandro e Anaxímenes. 4) Marco Túlio Cícero (106-43 a.C.) foi: a) um orador. b) um senador. c) um advogado. d) um dos assassinos de Júlio César. e) Todas as alternativas estão corretas

Gabarito Confira, a seguir, as respostas corretas para as questões autoavaliativas propostas: 1) a. 2) b. 3) e. 4) e.

CONSIDERAÇÕES A educação na Grécia e na Roma antiga influenciaram toda a instrução ocidental, daí a importância de seu estudo. Esperamos que nesse capítulo você tenha gravado seus aspectos principais e se animado para estudar o que está por vir!

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Sites pesquisados ARISTÓTELES. Aristóteles: obras completas. Retórica. Disponível em: . Acesso em: 22 ago. 2014. CABRAL, J. F. P. Mito da caverna de Platão. Disponível em: . Acesso em: 22 ago. 2014. DEUSES E MITOS na vida dos gregos. Disponível em: . Acesso em: 21 ago. 2014. HQONLINE. Os 300 de Esparta. Disponível em: . Acesso em: 22 ago. 2014. ROSSELLINI, R. Sócrates – filme completo. Disponível em: . Acesso em: 22 ago. 2014. Adoro Cinema. Espártaco. Disponível em: . Acesso em: 27 out. 2014.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS FINLEY, M. Aspectos da Antiguidade. São Paulo: Martins Fontes, 1991. FUNARI, P. P. Roma, vida pública e vida privada. São Paulo: Ática, 1990. GAARDER, J. O mundo de Sofia: romance da história da Filosofia. Tradução de João Azenha Jr. 59. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. GUARINELLO, N. L. Uma morfologia da história: as formas da História Antiga. Politeia: História e Sociedade, 2003, v. 3, n. 1, p. 41-61. HESÍODO. Os trabalhos e os dias. Tradução de Mary de Camargo Neves Lafer. São Paulo: Iluminuras, 1996. (Coleção Pólen). JONES, P. V. (Org.) O mundo de Atenas. São Paulo: Martins Fontes, 1997. MARROU, H.-I. História da Educação na Antiguidade. São Paulo: Edusp/Herder, 1971. Edição original de 1966. POPPER, K. A lógica da investigação científica. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1980. (Coleção Os Pensadores).

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UNIDADE 2 EDUCAÇÃO E CULTURA NA IDADE MÉDIA

Cláudia Regina Bovo

OBJETIVO • Conhecer as bases culturais da Idade Média e seus processos educacionais, em particular o crescente domínio do saber pela igreja cristã e a multiplicação de experiências não formais de ensino entre a aristocracia laica.

CONTEÚDOS • • • • • •

Educação e cultura na Alta Idade Média. As primeiras escolas medievais. O renascimento carolíngio. O ensino na Idade Média Central. As universidades medievais. A educação através dos romances de cavalaria.

ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que você leia as orientações a seguir:

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1) Antes de começar seus estudos, é importante que você tenha em mente algumas informações sobre a autora desta unidade. Isso lhe ajudará a tomar uma posição crítica sobre o conhecimento que está prestes a contatar, bem como a buscar, num momento posterior, informações que possam complementar seu aprendizado. Cláudia Regina Bovo é Professora Adjunta de História Medieval na Universidade Federal do Triângulo Mineiro - Uberaba/MG, atua também como Professora do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Mato Grosso. Bacharel e Licenciada em História pela UNESP/ Franca (2001), possui mestrado em História pela Unesp/Franca (2004) e doutorado em História pela UNICAMP (2012).Desde 2004, trabalha no ensino e na pesquisa de História Medieval, com ênfase nos seguintes temas: História do Ocidente Medieval; História e historiografia da Igreja Medieval; Literatura cavaleiresca e representações no Medievo.

2) Ciente dos caminhos de pesquisa da autora, prepare-se para uma leitura que deve ser feita em dois momentos: primeiro, o texto principal, e após sua reflexão, o(s) texto(s) complementar(es). 3) Todas as nossas unidades contêm um tópico intitulado Sintetizando, em que as referências principais da unidade são revisadas. Procure dar bastante atenção à leitura desse tópico e faça anotações sobre pontos que também deveriam figurar nele. 4) Na sequência, sugerimos que faça um quadro sinóptico e/ou um mapa mental dessa leitura, o que facilitará o desenvolvimento de suas atividades. Aproveite também esse momento para perguntar ao seu tutor sobre algum ponto que não ficou claro ou que lhe deixou curioso em sua leitura.

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5) No final de cada unidade, há um tópico com um material de apoio. Nele figuram: um livro, um artigo e um filme. Não deixe de passar os olhos em, pelo menos, um desses materiais, são eles que vão garantir que seu aprendizado seja mais eficaz!

INTRODUÇÃO À UNIDADE A ideia tradicional da Idade Média “obscura”, que por muito tempo ofuscou esse longo período da História Ocidental, foi um preconceito criado pelos humanistas do século 14 e relançado pelos iluministas, preocupados em justificar, substancialmente, a importância e a grandiosidade do período em que viveram. É preciso lembrar que a Idade Média não é simplesmente um meio entre dois momentos altos da civilização ocidental. Entre os séculos 5-15, foram construídas as bases do chamado “velho mundo”. Seria muita ingenuidade nossa acreditar que, em cerca de 10 séculos de história, nada foi escrito, pensado ou criado. A Idade Média foi, sobretudo, a época da formação da Europa cristã e, dada a importância tanto do cristianismo quanto da construção de um mundo europeu cristão, espera-se que nesta unidade você possa acompanhar algumas das suas contribuições para a formação do Ocidente e das bases de sustentação da chamada “cultura ocidental”.

A ALTA IDADE MÉDIA: DA TRADIÇÃO CLÁSSICA IMPERIAL À FORMAÇÃO ESCOLAR CAROLÍNGIA Falar em cultura e educação a partir do século 5 é reconhecer a presença, mesmo que enfraquecida, das estruturas educativas imperiais romanas. Apesar de uma parte significativa da

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historiografia medieval defender a queda do Império Romano, a partir dos eventos ensejados pelo saque de Roma, em 410, e pela deposição do Imperador Rômulo Augústulo, em 476, em termos de estrutura administrativa, e mesmo no que diz respeito aos referenciais culturais, a herança imperial legou à Alta Idade Média um sistema educativo público de base helenística. Se na Gália as escolas públicas de inspiração grego-romana (helenísticas) deixaram de ser financiadas pelas lideranças romanas subsistentes e pela elite franca já no final do século 5, na Espanha e na Península Itálica essas escolas só desapareceram mais tarde, na transição dos séculos 6 e 7, com o fortalecimento dos reinos visigodo e lombardo (BANNIARD, 1980). Tivemos de esperar quase dois séculos para observar o fim definitivo do sistema de educação público legado pelo Império Romano. Somente no século 6 se verifica uma importante retração quantitativa no número de escolas públicas, bem como a crescente restrição da atividade básica de leitura e escrita às aristocracias germânica e romana. Se na Antiguidade Clássica ter acesso à instrução básica (saber ler e escrever) era a realidade para uma parcela maior da população romana, durante a Alta Idade Média apenas os grupos aristocráticos tinham condição de dar essa instrução básica à sua descendência. Muitos recorreram aos membros instruídos de suas próprias famílias para garantir a perpetuação das atividades de ensino da leitura e da escrita do latim. Observe que, apesar de se basearem no modelo de ensino legado pela Antiguidade, em termos quantitativos, houve uma mudança radical entre o número de pessoas com acesso à instrução básica. Podemos dizer com segurança que o ensino clássico do trivium (Gramática, Retórica, Dialética) e do quadrivium (Geometria, Astronomia, Aritmética e

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Teoria Musical), além da aprendizagem de outras línguas como o grego (tido como indispensável à atividade intelectual), era realidade para uma parcela ainda menor de pessoas dentro dos grupos aristocráticos germânicos. Segundo Banniard (1980, p. 133), nas cortes merovíngia (Franca), visigoda (Espanha) e lombarda (Itália) “[...] já não há entre os leigos classe média que continue a oferecer um refúgio, mesmo medíocre, à cultura antiga.” Apenas entre alguns altos dignitários eclesiásticos encontraremos o esforço da perpetuação da aprendizagem nas artes da gramática e retórica latinas, do Direito e da língua grega. Podemos observar o édito promulgado no Concílio de Toledo, de 527, que prevê a instrução clássica de crianças destinadas ao clero, na residência episcopal e sob a vigilância cuidadosa do bispo. A esse seleto grupo de futuras lideranças clericais, o ensino reproduzia muito do conteúdo clássico, porém, submetendo-o à inspiração evangélica cristã. De acordo com Pierre Riché (2000), a partir do século 6, com a paulatina extinção das escolas públicas, diferentes lideranças episcopais começam a montar centros de formação especiais para qualificar os futuros bispos. As escolas episcopais, diferentemente das escolas públicas romanas, selecionavam cuidadosamente seu público, reservando parte de seus bancos escolares aos filhos de famílias das aristocracias visigoda e franca, que ajudavam a manter financeiramente esses espaços. Ao criar seus próprios centros de formação, as Sés episcopais garantiam um pessoal qualificado para integrar seu corpo eclesial, ao mesmo tempo em que permitiam a sobrevivência da instrução clássica, agora sob o crivo da moralidade cristã.

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O cristianismo, enquanto matriz inspiradora da construção da sociedade medieval, também o foi da educação medieval na medida em que ela se desvinculou das estruturas institucionais remanescentes do Império Romano. “A partir da constituição e da difusão da regra de S. Bento (525), encontrava-se pronto o protótipo de uma educação exclusivamente cristã.” (BANNIARD, 1980, p. 133). Se por um lado as escolas episcopais mantiveram viva um pouco da tradição escolar clássica, nos mosteiros, pelo menos desde o século 4, a educação e a cultura são exclusivamente cristãs. Não havia lugar para a literatura pagã de Virgílio ou Sêneca. Os mosteiros de Lerins, na Provença, de Monte Cassino, na Itália e de Asan, na Espanha, refugiam-se no ensinamento e leitura do texto sagrado e dos Padres Latinos, cujos últimos grandes expoentes foram Agostinho e Boécio. Nesse sentido, é impossível desvincular a proposta cristã, principalmente a patrística, das bases de sustentação da cultura letrada alto medieval. A patrística foi o corpo doutrinário do cristianismo constituído a partir dos escritos dos primeiros padres da Igreja. Tertuliano, Cipriano, Lactâncio, Ambrósio, Jerônimo, Agostinho e Boécio foram importantes colaboradores dessa sistematização doutrinal produzida, sobretudo, entre os séculos 2 e 6. Essa herança, constituída no fim do Império Romano, deu vida a um novo modelo de civilização, baseado na Paideia cristã (formação humana em Cristo). Na valorização do amor universal (cáritas), da humildade e da mansidão como virtudes primordiais da vida, o cristão se aproximaria do modelo ideal de vida representado por Cristo. O tipo de cultura legado pelos padres latinos definiu-se através da união entre a eloquência ciceroniana e a base do

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amor universal cristão (cáritas) (GILSON, 2007, p. 210). Isto é, a eloquência enquanto virtude da fala, como definira Cícero, permite ao cristão tornar-se mais cristão tendo em vista que, além de compreender as Escrituras, é necessário saber falar sobre elas. O cristianismo tem em seu germe a função educativa. De acordo com Franco Cambi (1999), toda sociedade, se orientada religiosamente, torna-se educadora. Durante o início da Idade Média, sobretudo entre os séculos de dispersão do Império Romano e a coroação imperial de Carlos Magno, a Igreja cristã converteu-se na única instituição sobrevivente diante das correntes migratórias dos povos germânicos. Diante do estabelecimento dos ostrogodos, visigodos, suevos, alanos, francos, vândalos e hunos, os bispos cristãos auxiliaram esses povos na estruturação e organização administrativa e judiciária dos reinos. Na qualidade de alicerce da estruturação da sociedade alto medieval, as igrejas episcopais adquiriram cada vez mais prestígio, estabelecendo-se como importante instituição ordenadora dos costumes. Essas igrejas, muitas vezes divergentes em aspectos doutrinais do cristianismo, desenvolveram uma ação educativa sobre toda a sociedade ao se converterem em centros evangelizadores. Dessas comunidades cristãs e de suas lideranças partiram os modelos educativos e as práticas de formação do bom cristão. Dois aspectos, sobretudo, orientarão boa parte da educação cristã nessa primeira fase: o dualismo alma/corpo e a condenação da corporalidade. Esta era vista como pecado, como algo que se contrapõe e perturba a vida do espírito, o que implica uma educação repressiva dos instintos e valorativa em relação à sublimação da alma.

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A CONTRIBUIÇÃO DE AGOSTINHO DE HIPONA Agostinho (354-430) foi um dos principais responsáveis pela organização da doutrina cristã apreendida nos mosteiros, nas escolas episcopais e, também, nas reuniões cristãs (concílios e sínodos). Era um retórico qualificado e concluiu o seu aprendizado na corte imperial romana. Tanto as habilidades retóricas quanto a filosofia neoplatônica sustentavam sua doutrina. Para ele, a Filosofia era uma regra de vida, sendo impossível dissociar o pensamento intelectual da conduta prática. A base da sua reflexão filosófica reside na busca da verdade celeste por meio do mundo sensível criado por Deus. O homem receberia de Deus o conhecimento das verdades eternas. A verdade vem de Deus, de quem a alma humana carrega diretamente a marca criadora, já que é feita a sua imagem e semelhança. O saber, portanto, não seria transmitido do mestre ao aluno, já que a posse da verdade é uma experiência que não vem do exterior, mas de dentro de cada um. Isso é possível porque Cristo habita o homem interior. Toda educação é, dessa forma, uma autoeducação, possibilitada pela iluminação divina. Nessa trajetória racional da compreensão de Deus, Agostinho escreveu obras fundamentais, entre elas Confissões e a Cidade de Deus. A obra Confissões, composta entre os anos de 397 e 400, mostra a difícil trajetória da alma cristã para se afastar do pecado e se aproximar de Deus, por meio do arrependimento, da ascese e da orientação racional. A ascensão a Deus é um processo de autoeducação, de crescimento interior, que deve se realizar sob a direção do próprio indivíduo e da sua racionalidade, capaz de desafiar e corrigir o erro e o pecado.

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De doctrina christiana (Do ensinamento cristão) foi uma das principais obras de Agostinho a sistematizar um modelo que uniu eloquência e verdade cristã. Empenhado em compreender o texto da Sagrada Escritura, o exercício em jogo nesse longo tratado era a capacidade de estabelecer condições para ultrapassar a compreensão do texto sagrado, vislumbrando a melhor maneira de ensiná-lo. Para compreender o texto, o acesso às artes liberais era imprescindível. Outro texto do hiponense, De magistro (Do mestre), é considerado sua obra específica sobre educação. Nesse pequeno livro, Agostinho submeteu a satisfação de toda a necessidade humana, inclusive a aprendizagem, a Deus. Em sua pedagogia, recomendou aos educadores jovialidade, alegria, paz no coração e, às vezes, também “alguma brincadeira”.

ASCETISMO E MONASTICISMO O movimento monástico teve início já no tempo de Cristo, com a escolha de uma vida eremítica por parte de homens e mulheres que se afastavam das cidades para levar uma vida solitária de oração. Com o tempo, essas comunidades cresceram e fixaram-se numa instituição – o mosteiro. Nele, o homem submetia o processo formativo ao princípio da ascese (da renúncia e da mortificação), necessário para purgar e disciplinar a vida interior das tormentas das paixões, guiando a vida pela razão e pela fé. A partir do século 6, os mosteiros passaram a contribuir, significativamente, na conservação de textos e escritos do passado, por meio da cópia dos manuscritos. É também nos mosteiros que toma corpo o primeiro modelo de “escola” cristã, baseada na autoridade e obediência do mestre, no estudo da Bíblia e no uso dos clássicos greco-latinos adaptados ao cristianismo.

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A CONTRIBUIÇÃO DE BENTO DA NÚRSIA Bento da Núrsia (480-547) renovou, radicalmente, a tradição monástica e fixou a organização da vida dos monges numa Regra rigorosa. Escrita a partir de 534 e corrigida ao longo de toda a sua vida, essa regra propunha que cada mosteiro devesse ser autos-suficiente, e cada monge, vivendo em comunidade e obediente ao abade, era submetido a uma intensa vida de ascese e ao princípio do ora et labora (orar e trabalhar). Basicamente fruto de sua experiência eremítica e errante anterior, essa regra foi construída ao longo de seu abaciato no mosteiro de Monte Cassino, onde, desde 529, fundou essa comunidade a fim de abraçar definitivamente o modo de vida cenobítico (vida monástica em comunidade, sob o regime de obediência irrestrita ao abade). Bento organizou 73 disposições gerais; dessas regras, 9 referiam-se aos deveres gerais dos abades e monges, 13 ao culto, 29 a disciplina, erros e penalidades, 10 à administração do mosteiro e 12 aos demais problemas. Destinada a ser aplicada numa comunidade de laicos que queriam viver como Cristo para atingir a salvação, essa regra era calcada na obediência irrestrita ao abade e na vida em comunidade, com os princípios básicos de sua disciplina. Além de substituir parte do plano monaquista de Santo Antônio, ainda inseria uma disciplina baseada na ordem e organizada por meio da obediência. A educação que se dava estava justamente centrada nesse princípio, que, de acordo com Bento, conduzia o monge a renunciar à sua própria vontade, encontrando na humildade e na piedade a forma de realização plena do exemplo salvífico de Cristo. Também a insistência quando houve a necessidade de se desenvolver trabalhos manuais como forma de aprendizado e

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edificação do homem marcou o que era realmente inovador nessa regulação da vida monástica e nos fundamentos educativos nela presentes.

AS ESCOLAS EPISCOPAIS E AS ESCOLAS DAS CATEDRAIS Como vimos, o mosteiro foi uma das primeiras instituições de ensino medievais, mas, além dele, instalaram-se com as catedrais (a igreja em que o bispo tem seu trono ou cathedra) escolas para a formação do clero secular. O clero secular era formado por eclesiásticos que participavam do século, da vida civil, em oposição àqueles pertencentes a uma ordem religiosa que tinha por princípio o afastamento da vida civil (monge). Ao bispo cabia o dever de investir em mestres e docentes que ensinassem gramática e os princípios das artes liberais aos futuros padres. Até o fim do século 10, a proposta do ensino nessas instituições religiosas primava pela fixação da ordem e do regulamento baseado na autoridade da Sagrada Escritura, pelos textos dos Padres e dos Concílios, organizando um modelo didático conservador, memorialista e formalista. Cultivava-se o estudo do trívio (Gramática, Retórica, Dialética) e do quadrívio (Aritmética, Geometria, Astronomia e Música) e se difundia o saber tirado de Boécio e Isidoro de Sevilha.

O RENASCIMENTO CAROLÍNGIO Entre os séculos 8 e 9, a existência de um grande espaço político sob o poder do reino franco fez surgir no Ocidente a primeira autoridade secular que favoreceu o estabelecimento de uma civilização comum entre o mundo cristão romano e o

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mundo de tradição germânica. Sob a autoridade de Carlos Magno instaurou-se uma reorganização em termos políticos, com a expansão monárquica Franca e sua dominação sobre os povos saxão, frísio e lombardo. O ideal político de Carlos Magno de formar uma sociedade cristã que unificasse a Igreja e o Estado e pusesse a palavra de Deus como fermento da vida social impunha já uma formação cultural e espiritual adequada aos seus conselheiros, que eram, sobretudo, eclesiásticos. Alcuíno de York, um dos seus principais colaboradores, viveu entre 735 e 804, teve formação monástica e episcopal. Chamado à corte de Carlos Magno para tutorar o rei e seus filhos, trouxe inúmeras práticas de instrução da Escola de York. Entre elas, podemos destacar o método de ensino pelo diálogo ou debate (disputatio), presente em um dos textos do período: Disputatio regalis et nobilissimi invenis Pippini cum Albino Scolastico (Diálogo entre o jovem príncipe e nobre Pepino e o professor Alcuíno). Marcado por questões feitas pelo aprendiz, com respostas lacônicas e, às vezes, enigmáticas do professor, esse diálogo materializa a proposta de um ensino voltado a questões cotidianas, com entretenimento por meio de enigmas do tipo “o que é, o que é”, mas amplamente marcado pelo tom da moralidade cristã. Alcuíno ajudou a fundar a escola palaciana em 782 e, após os trabalhos no Palácio, foi designado abade de Tours, uma das mais importantes abadias do período. Na escola palaciana, ensinava-se, principalmente, a gramática e a retórica. Fixou-se um modelo formativo novo, ligado a uma elite de clérigos, monges e príncipes e vinculado a uma orientação religiosa que só acolhia alguns setores da cultura antiga, tendo como centro a retórica e sua teorização elaborada por Cícero.

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Com Alcuíno, estabeleceu-se a tônica do programa cultural carolíngio: providenciar a normalização da escrita, estabelecendo um vasto projeto educativo com as Igrejas e palácios imperiais, a fim de garantir uma boa formação nas artes liberais, fosse para o clero, para aqueles que almejavam ingressar na vida religiosa ou para os membros da aristocracia laica. De acordo com Anita Guerreau-Jalabert, o movimento conhecido como renovatio carolíngia (renascimento carolíngio) se resumiu no impulso à organização imperial Franco-Carolíngia, que ajudou a definir o lugar em que a Igreja deveria ocupar na sociedade da Alta Idade Média: depositária exclusiva da tradição da Antiguidade.

O SABER AO ALCANCE DE POUCOS De acordo com o que vimos até aqui, o ensino e o contato com os conteúdos escolares da tradição antiga estavam preferencialmente dirigidos àqueles que se vinculassem ao clero, seja ele regular (monges e abades) ou secular (sacerdotes e bispos). Não que os laicos, ou seja, aqueles que não participavam do clero, estivessem excluídos dessa formação educacional, mas apenas um grupo deles, a elite germânica, desfrutava do ensino elementar do latim. A maioria dos laicos era orientada substancialmente pelos sermões cristãos feitos nas missas e desconhecia tanto o latim quanto a tradição cultural clássica herdada da Antiguidade. Somente na Itália subsistiram escolas laicas: escolas particulares e mal conhecidas. Em Roma, Ravena e Pávia se ensinava com as artes liberais os elementos do direito prático e da arte notarial. Em Salerno, à beira do mundo árabe, uma ativa escola de Medicina se desenvolveu no fim do século 10. Mas, como

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afirmou Verger (1990, p. 21), “as escolas estavam inteiramente nas mãos da Igreja e viviam, tanto pela organização quanto pelas matérias ensinadas, baseadas nos princípios colocados na época Carolíngia.” Para os grupos de homens livres, camponeses e servos, restava apenas a instrução informal da educação cristã, operada pela ritualidade da missa e dos sacramentos cristãos, como o batismo e a confissão. O ambiente cristão responsável pela sociabilidade desses rituais – Igreja – era fundamental para a fixação e disseminação do cristianismo, uma vez que abundava em sua estrutura arquitetônica os referenciais dessa cultura.

O DESENVOLVIMENTO ESCOLAR NA IDADE MÉ DIA CENTRAL Ao longo dos séculos 11, 12 e 13, em um contexto global favorável, marcado pelo crescimento urbano, por fortalecimento do comércio e da circulação de mercadorias, pela reestruturação dos poderes senhoriais e monárquicos após as últimas invasões danesas e, finalmente, pela reabertura do espaço mediterrâneo ao Ocidente cristão, a estrutura instrucional Alto Medieval, maciçamente controlada pelas instituições clericais, sofreu profundas modificações. Entre elas, a proposta educacional transformou-se significativamente. A sociedade feudal inaugurou uma nova fase de expansão econômica, política e social. Impulsionada pelo movimento crescente de circulação cultural, a sociedade avançou para uma nova fase do desenvolvimento intelectual e artístico, promovendo uma nova atitude social, que ficou conhecida pela historiografia como o “renascimento do século 12”. Nesse período, compreen-

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dido entre a segunda metade do século 11 (1050) e a primeira metade do século 13 (1250), houve a promoção das artes, da arquitetura e da literatura em língua vernácula. Segundo Verger, esse “renascimento do século 12” pode ser mais bem explicado se o entendermos “como uma revolução escolar” (VERGER, 2002, p. 574. Para o autor, as primeiras décadas do século 12 marcaram uma mudança institucional importante nas escolas medievais: ascensão das escolas catedralíticas e o enfraquecimento das escolas monásticas. Cada vez mais, bispos e cônegos se preocupavam em fazer funcionar regularmente uma escola em seus domínios. A escola Catedral era a instituição de ensino mais característica do período, mas a ela vieram se juntar, seja nas cidades, seja nos burgos de menor importância, outras escolas de diferentes tipos: escolas capitulares ligadas a um cabido local, escolas privadas abertas por mestres independentes e preceptoria individual nas famílias aristocráticas. Todas essas escolas continuavam vinculadas às lideranças eclesiais, mas não dependiam de um modelo institucional único e, por isso, eram mais autônomas em relação à autoridade eclesiástica. Sem desaparecer por completo, as velhas escolas monásticas passaram a um segundo plano. A estas se juntaram, também na cidade, as inauguradas com as abadias das novas ordens de cônegos regulares (Saint-Victor, em Paris; Saint-Ruf na Provença). Cada vez mais, mestres isolados, geralmente clérigos, abriam suas escolas, onde recebiam, mediante remuneração, os alunos. Seu público deixou de ser exclusivamente composto de jovens clérigos ou monges da região, acrescido de alguns filhos da aristocracia local. Todos os que queriam aprimorar seus estudos não hesitavam em pôr-se a caminho da escola. O esquema antigo diocesano deu lugar a um novo mapa escolar em torno

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de alguns polos de excelência, dentre os quais se destacaram as cidades de Paris e Bolonha. Na segunda metade do século 12, espalhou-se a consciência das novas realizações, especialmente entre os que cultivavam a arte e a poesia. Uma nova perspectiva histórica desenvolveu-se. A História deixou de ser pensada como reflexo da decadência do homem, para mostrar-se como um encadeamento de conquistas em direção à sua regeneração. O crescente interesse pelo saber clássico despertou a preocupação com o indivíduo e suas emoções humanas. O saber adquiriu um lugar específico. Se durante os séculos 10 e 11 os centros do saber estavam localizados nos mosteiros e catedrais, no século 12 eles passaram a se situar, sobretudo, em escolas não monásticas, urbanas e rurais. Inspirado na cultura antiga, o Renascimento propiciou aos humanistas do século 12 o resgate de textos e autores antigos, reverenciando autoridades como Aristóteles e Platão. Como defendeu Georges Duby (1989, p. 147), se [...] outrora todo renascimento tinha como objetivo restaurar, arrancar à inelutável deterioração, para devolver-lhe o brilho primitivo, obras que se julgavam admiráveis porque eram a herança de uma era anterior e, por isso, melhor: renovar era uma exumação. Doravante todo renascimento foi tido como generativo. Ele retomava em mão o legado mas a fim de explorá-lo [...] os modernos se julgaram capazes, não apenas de igualar os antigos, mas também de superá-los.

A figura de Pedro Abelardo (1079-1142) se destacará nesse momento pela renovação da lógica e pela inserção da dialética como método de reflexão e ensino. Filho mais velho de um pequeno cavaleiro do condado de Nantes, nascido na região francófona do extremo sudeste da Bretanha, Abelardo estudou nas principais escolas capitulares de Anjou e Touraine. Depois, foi a

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Paris, onde acompanhou as aulas da escola catedral dirigida pelo arquidiácono Guilherme de Champeaux. Depois de indisposições com seus mestres (Guilherme de Champeaux e Anselmo de Laon), voltou a Paris com sua licentia docendi (autorização para ensinar outorgada em cada diocese pelo bispo responsável). A dialética era entendida como arte de discernir o verdadeiro do falso, parte da filosofia que tratava dos termos, proposições e do raciocínio, por meio da lógica de Aristóteles. A inserção desse novo método transformou, ao mesmo tempo, a forma e o conteúdo do ensino. Ele tinha a dupla função de introduzir no ensino problemas propriamente filosóficos e de propor um método universal de explicação de textos e exposições da doutrina, pelo viés da sentença (proposição) e da questão. Sua obra Sic et Non desenvolve questões disputadas, nas quais se aborda a apresentação sistemática de argumentos contrários e sua solução. Para Abelardo (2005, p. 88), os alunos deveriam pensar por si mesmos e não viver aceitando comentários já existentes sem argumentá-los: Muito me admirava de que para aqueles que são instruídos não bastassem, para entender as exposições dos Santos Padres, os seus próprios escritos ou os comentários, de tal modo que não precisassem evidentemente de um outro ensino.

De acordo com esse mesmo autor, a atividade de instrução deveria privilegiar o ensino das artes da linguagem e dos princípios de raciocínio que dão a chave de todas as outras disciplinas, inclusive da ciência sagrada, que não se restringia apenas a comentários da Escritura, mas à sua “teologia”. Abelardo foi o primeiro a utilizar essa palavra com o sentido moderno de relato discursivo e sistemático do conteúdo da fé.

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Segundo ele, o exercício dialético de ensino liberava ao mesmo tempo a palavra do mestre e do aluno. O afrontamento das afirmações contraditórias dava origem às questões que conduziam, segundo a regra do raciocínio justo, as formulações verdadeiras. Mestre e aluno debatiam, respeitando os princípios intelectuais da dialética, para chegar a uma formulação verdadeira e inquestionável. Assim, a prática da disputa alimentava um autêntico sentido de progresso no processo educativo. Agora o mestre não é mais o único a deter a palavra, tendo seu conhecimento posto a prova pela sua própria audiência.

O SURGIMENTO DA UNIVERSIDADE Em Paris, mestres e alunos tinham interesses materiais e espirituais idênticos, formando uma associação que, ao fim e ao cabo, deu origem à primeira Universidade, na virada do século 12 para o século 13. Corpo autônomo em matéria jurídica e de gestão, a Universidade de Paris se pretendia livre do controle de ensino imposto pela autoridade episcopal. Em 1215, o legado papal Robert de Courson outorgou-lhes seus primeiros estatuto e privilégio escritos. De acordo com Jacques Verger, a causa imediata para o surgimento da Universidade Paris foi a contenda que opôs os mestres parisienses ao bispo e ao chanceler de Notre Dame, tradicionalmente responsável pelas escolas e dispensador das licenças de ensino. Os mestres parisienses haviam mudado profundamente a natureza do ensino, utilizando novos textos, como a filosofia natural de Aristóteles, traduzidos já há alguns anos na Espanha e na Sicília, mas cuja livre circulação amedrontava os setores

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mais conservadores do episcopado parisiense. Não foi por acaso que os estatutos fixados por Robert de Courson tenham começado por pautar detalhadamente os currículos de estudos nas escolas de artes liberais, justamente para defender as inovações impostas na prática pelos magistris parisienses. Com precisão, o legado determinou a duração dos estudos (seis anos), a idade mínima para se chegar ao mestrado (vinte e um anos), as modalidades do exame de licenciatura, que incluía o estudo da lógica através do Organon, de Aristóteles e a gramática de Prisciano. A retórica e as ciências do quadrívio estavam na condição de disciplinas facultativas. A carta do legado papal Robert de Courson reconheceu a potestas statuendi para a Universidade, isto é, o direito de fazer a partir de sua própria autoridade qualquer estatuto ou convenção que se mostrasse útil à organização dos estudos, às relações com as autoridades exteriores ou em matéria de jurisdição e apelação à autoridade pontifícia. Durante o século 13, os papas favoreceram a densidade das corporações universitárias. Esse apoio garantia a autonomia das corporações ao mesmo tempo em que as submetia diretamente à autoridade papal. O principal funcionário da Universidade trazia o título de reitor; em Oxford era chamado de chanceler, pois era também, mas de forma secundária, o representante do bispo. Verdadeiro chefe da corporação universitária, o reitor tinha direitos a honra e a precedência excepcionais, tanto dentro como fora da universidade, seus poderes eram extensos; com o auxílio das nações [organização de auxílio mútuo e defesa dos mestres e estudantes], geria as finanças da universidade, era o guardião dos estatutos, possuía jurisdição civil sobre os membros da universidade, convocava e presidia assembleias universitárias, era o representante oficial da universidade, habilitado a negociar

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ou a intervir na justiça em seu nome, para fazer respeitar seus privilégios e defender seus membros. (VERGER, 1990, p. 50).

Studium generale (escola geral) indicava o lugar de estudos abertos a alunos de qualquer comarca ou nacionalidade. A universidade de Paris organizou-se em quatro faculdades, reagrupando mestres e alunos de uma mesma disciplina. Os adolescentes frequentavam de início a faculdade de artes e seguiam os estudos das sete artes liberais, repartidas nos dois ciclos tradicionais já citados: o trívio e o quadrívio. Ao sair desses ciclos, que não necessariamente eram seguidos de modo completo, eles obtinham o bacharelado em artes. Havia em seguida três opções de especialização: Direito, Medicina e Teologia, das quais saíam com o título de doutor. O ensino ainda se fazia pelo estudo dos modelos da tradição Clássica Antiga, na leitura e nos comentários dos textos, mas, nesse período, os métodos foram refinados graças ao uso da dialética, que invadiu o campo das outras disciplinas, incluindo o da escolástica. A escolástica veio da palavra latina scholasticus e se aplicava àqueles que exercitavam o ensino nas escolas episcopais. Cronologicamente, essa área se desenvolveu entre os séculos 11 e 14, remetendo-se ao corpo de especulação filosófica apoiado na filosofia de Aristóteles.

OS MENDICANTES E AS UNIVERSIDADES Algumas ordens mendicantes, como a franciscana e a dominicana, também participaram da formalização do ensino nas universidades. A maioria dos grandes intelectuais das universidades teve formação nessas novas ordens religiosas. Os Dominicanos, ou ordem dos pregadores, foram fundados pelo espanhol Domingos de Gusmão, em 1216, e os Franciscanos, ou ordem 94

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dos frades menores, foram fundados por Francisco de Assis, italiano, em 1209. A característica nova e comum dessas duas ordens religiosas foi a pobreza individual e coletiva, donde saiu o nome de mendicantes a elas atribuído e também certa liberdade a respeito das obrigações conventuais, para melhor facultar o cultivo do estudo e a pregação apostólica entre o povo. Nessas universidades recém-organizadas, predominaram professores pertencentes a essas duas ordens religiosas. Os dominicanos dedicaram-se mais ao estudo, à ciência, inspirando-se no pensamento aristotélico, exercendo, destarte, sua maior influência entre as classes sociais elevadas; os franciscanos, ao contrário, propuseram-se como finalidade principal a caridade ativa e tiveram uma enorme influência sobre o povo, inspirando-se na mentalidade agostiniana. O autor mais importante do século 13 no pensamento escolástico foi um dominicano chamado Tomás de Aquino (12251274). Discípulo de Alberto Magno, o primeiro grande estudioso de Aristóteles inspirou Tomás de Aquino a empreender a mais sistemática síntese entre o pensamento cristão e o aristotelismo, integrando, também, muitos aspectos do platonismo. Sendo o primeiro a ler integralmente toda a obra de Aristóteles, Tomás de Aquino escreveu a Suma Teológica, a Suma contra os gentios e mais alguns tratados teológicos (manuais escolares) que ajudaram a delimitar o campo da Filosofia e da Teologia a partir da diferenciação entre os preâmbulos da fé e da razão. A demarcação entre a Filosofia e a crença religiosa feita por ele deu início ao processo de independência da razão verificado nos séculos seguintes.

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A CAVALARIA E A EDUCAÇÃO ATRAVÉS DA LITE RATURA VERNÁCULA A cavalaria, em sua origem, nos séculos 10 e 11, não tinha o caráter de uma instituição e, menos ainda, de uma instituição cristã. Era definida pelo conjunto de profissionais da guerra, que, em geral, eram membros de uma comitiva comandada por um grande senhor e eram chamados a defender a morada deste. O cavaleiro podia receber de seu senhor bens e títulos e viver junto dele, ou em terras próprias por ele concedidas. Segundo Dominique Barthélemy (2010), a cavalaria do século 12 foi formada por uma elite guerreira aristocrática, com uma ideologia própria que aproximou esses guerreiros a ponto de se reconhecerem como iguais ou se respeitarem como cavaleiros. A atividade guerreira na cavalaria se tornou uma marca importante e central, não se limitando apenas a uma prática militar, mas se colocando como uma marca social que definiu e apontou um lugar e um papel social para os cavaleiros na sociedade feudal do século 12. Apesar das constantes investidas do papado na administração e no controle ideológico sobre a cavalaria (DUBY, 1989), de acordo com Franco Cardini (LE GOFF, 1989), ao longo do século 12 observamos que não há uma cristianização da cultura cavaleiresca, mas uma militarização e heroicização de alguns modelos do testemunho cristão considerados particularmente capazes de conquistar, de comover, de servir, em suma, como instrumentos de propaganda. A Igreja apoiou-se na popularidade, que de certa forma ela mesma propiciou à cavalaria, para concretizar seus espaços de intervenção na aristocracia laica guerreira. Entretanto, os sé-

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culos 12 e 13 assinalaram uma espécie de vitória da cavalaria, comprovada principalmente pela divulgação do comportamento laico e pelo questionamento do comportamento eclesiástico por meio de crônicas, poemas e pinturas produzidos durante o renascimento cultural do século 12. Segundo Brooke (1972), os homens desse período se serviram da arte como forma de manifestar os seus interesses e ideais. Os assuntos teológicos interessavam às pessoas, das escolas clericais aos solares corteses. Floresceu um grande número de obras produzidas por e para os laicos que não estavam filiadas oficialmente à produção escrita da Igreja. Essas obras trouxeram à tona os grupos aristocráticos e sua dinâmica social, baseada nos laços artificiais de parentesco e no estabelecimento de relações de poder sobre terras e sobre homens. A mais antiga manifestação dessa literatura de corte saiu dos círculos eclesiásticos de Henrique II Plantageneta. A matéria que animou esses romances se baseava em lendas greco-romanas e, também, em lendas bretãs. As figuras do rei Artur e da Távola Redonda foram um dos principais temas dessa literatura. Os romances de cavalaria foram o principal exemplo dessa literatura. Contrário às formas poéticas tradicionais como as canções de gesta, transportavam um caráter de ensino e entretenimento. Se a escrita permaneceu até esse momento monopolizada pela Igreja, a partir da segunda metade do século 12, com o avolumar de contos orais sobre a experiência cavaleiresca, a produção escrita em língua vulgar se multiplicou. O controle sobre a composição dessas obras era exercido pelas próprias práticas das quais ela resultava. A literatura vernácula tornou-se uma prática social que conferia à sua audiência um lugar determinado, redistribuindo

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o espaço das referências simbólicas, impondo-lhe uma lição didática, porque instrui, e uma lição magisterial, porque ensina. Por isso, essa literatura manifestou intensamente os questionamentos e anseios da sociedade aristocrática cavaleiresca. Em última instância, ela demonstrou como a cultura desse período se propagou amplamente tanto entre as populações incultas quanto nas escolas, desenvolvendo temas tanto seculares quanto espirituais. O interessante na França do século XII é que nela se desenvolvem, praticamente ao mesmo tempo, duas literaturas vernáculas para glória ou uso dos guerreiros nobres [...] A Cavalaria tem uma necessidade intrínseca de se fazer ver (pensemos no espetáculo do torneio) e também de contar – mesmo na ficção – sob a forma de esboços, uma vez que ela é em si mesmo uma idealização. (BARTHÉLEMY, 2010, p. 2).

De acordo com Dominique Barthélemy, os romances de cavalaria têm algo a ensinar, além de formalizarem a publicidade sobre o estilo de vida da aristocracia cavaleiresca e seus valores. Sendo assim, essas obras literárias têm muito a dizer sobre o período em que foram escritas, sobretudo, por buscarem divulgar uma visão de mundo onde os cavaleiros são os protagonistas das relações sociais. Não só em muitíssimos episódios, mas em geral, no espírito que anima a literatura cavaleiresca, o tipo de cristianismo proposto é, explicitamente, leigo e folclórico, isento de preocupações doutrinárias e não raramente contaminado de certo teor anticlerical, muitas vezes irreverente, e outras vezes reivindicativo, de uma sacralidade específica da profissão de cavaleiro, diferente e, talvez, melhor e mais grata a Deus do que a exercida pelos padres.

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SINTETIZANDO • A educação na Alta Idade Média integrava resquícios da tradição educacional helenística sistematizada durante o Império Romano, como a manutenção do ensino do trívio e do quadrívio. Ao mesmo tempo, restringia, cada vez mais, o acesso ao ensino, vinculando-o à formação de uma elite episcopal eclesiástica e restringindo-a a uma alta aristocracia de origem romano-germânica. • O Renascimento Carolíngio promoveu uma grande guinada na educação medieval ao formalizar, nas estruturas das escolas palacianas, modelos de ensino que valorizavam a retórica, vinculando-a à aprendizagem da paideia cristã. • Foi durante o chamado Renascimento Carolíngio que a Igreja Cristã passou a ocupar o lugar de depositária exclusiva da tradição erudita da Antiguidade. O saber e o domínio da escrita estavam restritos ao Clero. • O Renascimento Cultural do século 12 ajudou a dar um novo impulso à educação medieval: multiplicação do interesse pela leitura dos autores antigos e desenvolvimento de outras estruturas de ensino como as universidades e as escolas de mestres autônomos. • Os romances de cavalaria foram o principal exemplo da expansão dos espaços de educação, mesmo não formal, e a crescente desvinculação dos representantes eclesiásticos da posição de depositários exclusivos do saber.

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TEXTOS COMPLEMENTARES Écoles et enseignement dans le haut Moyen Âge –––––––– Neste livro, Pierre Riché aborda um dos problemas mais importantes da históda escassez e dispersão dos documentos históricos, o autor conseguiu reagrupar vários testemunhos sobre as atividades escolares e de ensino na Alta Idade Média.

–––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Lógica para principiantes –––––––––––––––––––––––––––– Abelardo, como um grande teólogo moral, rompeu regras institucionais da Igreja, foi perseguido e castigado pela sua conduta e por seus pensamentos, mas mesmo assim fazia correr para ele estudantes de todos os países da tipo de ensino enciclopédico vigente em toda a Idade Média. Na obra Logica Ingredientibus e profundo da dialética, entendida como arte de discernir o verdadeiro do falso. Introduzindo um método de inspiração aristotélico, Abelardo transformou, ao mesmo tempo, a forma e o conteúdo do ensino.

–––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Em nome de Deus (Stealing heaven)––––––––––––––––––– -

–––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Cultura e Educação Oriental ––––––––––––––––––––––––– trar em seus períodos mais remotos e em algumas particularidades que dee considerar o saber. Ao lê-lo, por favor, levem em conta que se trata de uma

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breve introdução e que, se sua intenção for estudar o tema, recomendamos a leitura de O Oriente Médio O novo médio oriente um dos autores mais acessíveis hoje em dia. Entre seus livros, Neve, em que te Médio, sugiro os de Abbas Kiorastami, entre eles, Dez, sobre uma mulher primeiramente ao documentário Promessas de um mundo novo (disponível no da Palestina e de Jerusalém num intervalo de 4 anos.

Os chineses A educação chinesa é comumente dividida em quatro períodos de estudo. O primeiro é denominado Primitivo ou Arcaico e começa com alguns registros materiais não datados que, possivelmente, iniciaram muito antes do século XXX a.C. e que tem seu limite, recortado pela literatura especializada, no século XXXIII a.C. O segundo período começa no século XXXIII a.C. e termina Imperial ou Tempo dos Mandarins. Do século XX até a atualidade, chamamos de Contemporaneidade.

o estabelecimento de uma família. Desse período datam os escritos de Confúcio, que viveu entre 551 e 479 a.C., para ele a educação cumpria um papel de desenvolvimento das capacidades intelectuais e morais de um homem. Entre os livros escritos por Confúcio, temos: o Livro dos Versos, o Livro da História, o Livro dos Ritos, o Livro da Adivinhação e a Crônica de Lou. Esses livros foram utilizados durante muitos anos, inclusive até o século XX d.C., como base da educação desenvolvida na China. O processo de aprendizagem incluía o aprendizado hereditário de um ofício e o conhecimento dos escritos de Confúcio.

O Taoísmo

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acreditava que o mundo obedecia a uma dinâmica própria na qual a mínima interferência humana poderia desequilibrar as forças da natureza. distinções econômicas ou de linhagem familiar, tentar ingressar no ensino suaplicado pelo chanceler literário provincial. O segundo era realizado, alguns meses mais tarde, na capital da província. O terceiro e último era realizado temas referentes aos escritos sagrados, eles avaliavam o domínio da leitura e a composição literária. cie de funcionário do governo que atuava nas áreas administrativas, legislati-

Em 1898, o Imperador, por edito, substituiu o sistema de exames pelo sistema dos colégios do Ocidente. Esse ato foi demasiadamente radical e foi depressa rescindido. Em 1903, a Imperatriz Dowager substituiu os exames de composição literária por exames de ciências e línguas ocidentais. (MONROE, 1958, p. 21).

A educação hindu A população hindu inicialmente foi dividida em três grupos: os aborígenes, que é, atualmente, parte do território da Índia, em torno de 1500 a.C. Após a a população em quatro segmentos: o primeiro, e mais prestigiado, é o dos sem casta.

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A educação no regime de castas A educação, assim como as demais instâncias dessa sociedade, obedecia educadas durante muitos anos – senão até a atualidade – da maneira mais simples: em suas casas, junto com seus familiares. Já os brâmanes tinham seu ensino baseado numa esmerada educação literária da juventude, que primava pelo conhecimento regular ao longo de toda a vida do brâmane. Ela disseminada casta. metafísico. Praticamente todas as formas de saber eram transmitidas dessa forma. resse bem, ela receberia o cordão sagrado que o investia como um homem Podemos dizer que não havia um ensino sistemático, mas uma aprendizagem que duraria a vida toda.

Buda e a educação

1º. Tudo o que existe está sujeito ao sofrimento. 2º. A origem de todo sofrimento reside nos desejos humanos. 3º. A supressão dos pesares decorre da dos desejos. 4º. A vida que conduz a essa supressão é a “nobre senda” óctupla: bom juízo, boa aspiração, bem falar, boa conduta, bom esforço, boa vida, boa atenção e boa concentração. (LUZURIAGA, 1971, p. 25). Ao seguir tais verdades, poder-se-ia alcançar o nirvana, ou, em outras palavras, o equilíbrio e a paz. De um modo geral, uma das maiores vantagens do

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aluno uma forma de conquistar a paz, servindo-lhe não apenas como mediador de informações, mas também como guia no caminho do equilíbrio pessoal. No mesmo sentido, a importância de se conhecer a educação oriental reside no contato com culturas diferentes, por vezes estranhas, que nos mostram como outras pessoas em outros lugares e tempos procuraram ser felizes e traçaram, na educação, um dos caminhos pelos quais essa felicidade poderia ser alcançada. Referências Bibliográficas Lógica para principiantes. CAMBI, F. História da pedagogia.

Paulo: Editora

P, 1999.

EM NOME de Deus (Stealing heaven). Direção: Clive Donner. Produção:

min), son., color. História da educação e da pedagogia Nacional, 1971. MONROE, P. História da educação RICHÉ, P. Écoles et enseignement dans le haut Moyen Âge. Paris: Picard, 2000.

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QUESTÕES AUTOVALIATIVAS Sugerimos que você procure responder, discutir e comentar as questões a seguir que tratam da temática desenvolvida nesta unidade. Um dos filmes mais famosos sobre a instrução monástica e seus efeitos é O nome da rosa. Seu roteiro foi criado a partir do trabalho de um importante historiador italiano chamado Umberto Eco. O enredo do filme inclui toda uma história de mistério que envolve a importância com que os livros e o conhe-

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cimento foram tratados durante a Idade Média. Assista a esse filme e depois responda às seguintes questões: 1) No filme O nome da rosa, o personagem de Sean Connery faz parte de uma ordem mendicante. Qual é ela? a) Dominicanos. b) Franciscanos. c) Beneditinos. 2) No filme, podemos notar que o personagem de Sean Connery tem uma postura diferente em relação ao conhecimento, entendendo-o como benéfico para o ser humano. Nesse sentido, é possível afirmar que: a) o filme é fantasioso, todos os religiosos da época medieval viam o conhecimento como uma coisa danosa para a sociedade. b) não há elementos no filme, nem no texto da unidade que forneçam dados para uma conclusão sobre o tema. c) o filme procede, não podemos ser ingênuos a ponto de acreditar que toda a Idade Média foi construída sob uma única ótica acerca do conhecimento. 3) No filme, um dos grandes personagens subliminares é Aristóteles, autor de uma obra sobre a comédia. O bibliotecário do monastério retratado chega a morrer para esconder essa obra. Segundo o texto, todavia, outros autores serviram como guias para o pensamento medieval. Quais são eles? a) Homero e Epicuro. b) Santo Agostinho e Santo Tomás de Aquino. c) Homero e Santo Agostinho.

Gabarito Confira, a seguir, as respostas corretas para as questões autoavaliativas propostas: 1) b. 2) c. 3) b.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABELARDO, P. Lógica para principiantes. São Paulo: Nova Cultural, 2005. ______. A história das minhas calamidades. São Paulo: Nova Cultural, 2005. BANNIARD, M. A Alta Idade Média Ocidental. Lisboa: Europa América, 1980. BARTHÉLEMY, D. A Cavalaria. Campinas: Editora da Unicamp, 2010. BLOCH, M. A. Sociedade Feudal. Lisboa: Edições 70, 1987. BROOKE, C. O Renascimento do século XII. Lisboa: Verbo, 1972. CAMBI, F. História da Pedagogia. São Paulo: Ed. Unesp, 1999. CARDINI, F. O guerreiro e o cavaleiro. In: LE GOFF, J. (Dir.). O Homem Medieval. Lisboa: Presença, 1989, p. 57-78. DE BONI, L. A. A entrada de Aristóteles no Ocidente Medieval. Porto Alegre: EST Edições/Editora Ulisses, 2010. DUBY, G. A sociedade cavaleiresca. São Paulo: Martins Fontes, 1989. ______. Idade Média, Idade dos homens: do amor e outros ensaios. São Paulo: Cia. das Letras, 1989. ______. O cavaleiro, a mulher e o padre. Lisboa: Dom Quixote, 1988. FRANCO JR., H. Idade Média: o Nascimento do Ocidente. São Paulo: Editora Brasiliense, 1994. FRAPPIER, J. Vues sur les conceptions courtoises dans le littératures d’oc et d’oil au XII siécle. Cahiers de Civilisation Médiévale, v. 2, n. 2, 1959, p. 135-156. GILES, T. R. História da Educação. São Paulo: EPU, 1987. GILSON, É. A filosofia na Idade Média. São Paulo: Martins Fontes, 2007. GUERREAU-JALABERT, A. La “renaissance carolingienne” modèles culturels, usages linguistiques et structures sociales. Bibliothèque de L’École des Chartes, T. 139, 1981, p. 5-35. LE GOFF, J. Para um novo conceito de Idade Média. Lisboa: Estampa, 1980. ______; SCHIMIT, J.-C. Dicionário Temático do Ocidente Medieval. Bauru: Edusc, 2001. 2. v. NUNES, R. A. Gênese, significado e ensino da filosofia no século XII. São Paulo: Edusp, 1974.

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O NOME da rosa. Direção de Jean-Jacques Annaud. Intérpretes: Sean Connery, Christian Slater, Valentina Vargas e outros. Alemanha, França e Itália, 1986, color. PAYEN, J-C. L’ humanisme médiéval dans les littératures romanes du XII au XIV siècle. Le Moyen Âge, n. 1, 1966, T. 72, p. 129-138. RICHÉ, P. Écoles et enseignement dans le haut Moyen Âge. Paris: Picard, 2000. VERGER, J. As Universidades na Idade Média. São Paulo: UNESP, 1990. ______. Universidade. In: LE GOFF, J; SCHIMIT, J-C. Dicionário Temático do Ocidente Medieval. V. 2. Bauru: Edusc, 2001, p. 573-587.

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UNIDADE 3 A EDUCAÇÃO ARTÍSTICA E O ENSINO RELIGIOSO NA IDADE MODERNA

Maria Renata da Cruz Duran

OBJETIVOS • Refletir sobre o quanto a instrução da Idade Moderna foi marcada pela difusão da leitura e da escrita. • Ser capaz de distinguir entre o ensino laico e religioso da época.

CONTEÚDOS • A escolarização na Idade Moderna conforme o Renascimento, em que será abordada a educação laica e artística da época. • A escolarização na Idade Moderna conforme as reformas religiosas, em que o ensino protestante e a reação católica, também em função da expansão marítima, foram abordados.

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ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que você leia as orientações a seguir: 1) Antes de começar seus estudos, é importante que você tenha em mente algumas informações sobre a autora desta unidade. Isso lhe ajudará a tomar uma posição crítica sobre o conhecimento que está prestes a contatar, bem como a buscar, num momento posterior, informações que possam complementar seu aprendizado. A autora desta unidade é professora adjunta de História Moderna e Contemporânea na Universidade Estadual de Londrina, já lecionou a disciplina de História Moderna, como conferencista, na UNESP – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” de Franca, além de ter publicado o artigo Transições: um debate entre Dobb e Sweezy acerca das causas da queda do feudalismo e entre Perry Anderson e Norbert Elias acerca dos limites da corte, em parceria com Minisa Napolitano, na revista Primeira Versão (UFRO), v. 1, p. 1-11, 2005 e organizado o livro Triunfos da Eloquência. Sermões reunidos e comentados de 1654 a 1858, publicado em 2012, pela Editora da Universidade Federal Fluminense, em que o tema em foco foi tratado segundo a voz dos mais importantes sermonistas das épocas moderna e contemporânea. Destarte, uma boa maneira de iniciar seus estudos é procurar essas leituras complementares, a fim de tomar conhecimento dos caminhos de pesquisa aqui desenvolvidos.

2) Ciente dos caminhos de pesquisa da autora, prepare-se para uma leitura que deve ser feita em dois momentos: primeiro, o texto principal, e após sua reflexão, o(s) texto(s) complementar(es). 3) Todas as nossas unidades contêm um tópico intitulado Sintetizando, no qual as referências principais da unidade são revisadas. Procure dar bastante atenção à

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leitura desse tópico e faça anotações sobre pontos que também deveriam figurar nele. 4) Na sequência, sugerimos que faça um quadro sinóptico e/ou mapa mental dessa leitura, o que irá facilitar o desenvolvimento de suas atividades. Além disso, aproveite este momento para perguntar ao seu tutor sobre algum ponto que não ficou claro ou que lhe deixou curioso em sua leitura. 5) No final de cada unidade, há um tópico intitulado Textos Complementares, em que há a indicação de um livro, um artigo e um filme sobre o tema estudado. Não deixe de passar os olhos em, pelo menos, um desses materiais, são eles que vão garantir que seu aprendizado seja mais duradouro e profundo!

INTRODUÇÃO À UNIDADE O início da Idade Moderna ocorreu após a queda de Constantinopla e com o desenvolvimento da cultura renascentista, em meados do século 15. Seu fim foi estipulado no ano da Revolução Francesa, em 1789, com a ascendência do Iluminismo. Entre os quatro séculos que compõem esse período, do Humanismo ao Iluminismo se costuma situar a emergência das escolas como as conhecemos hoje. Nesse período ocorreram a Reforma Protestante, a Contrarreforma Católica, a inserção da América no mapa-múndi ocidental, as Revoluções Inglesas, a emergência do Estado Moderno, do absolutismo e da sociedade de corte. Mundo de movimentos rápidos, de grande aumento populacional, do incremento das cidades e dos Estados Modernos, seus dias puderam contar com homens como Descartes, Galileu

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Galilei, Erasmo de Roterdã, Thomas More, Santo Inácio de Loyola, os Médici, Maquiavel, Thomas Cromwell, Cesar Bórgia, Cristóvão Colombo, Pedro Álvares Cabral, Maximiliem Robespierre, Voltaire, Molière, Shakespeare e, ainda, com mulheres como Elizabeth I, Catarina de Médici, Isabel de Castela, Ana Bolena, la Malinche... Nesse aglomerado efervescente, Philipe Ariès, Yves Castan, François Lebrun e Roger Chartier – responsáveis pelo volume da História da Vida Privada no Ocidente, que versa sobre o período em questão – indicam uma mudança que atingiu de forma singular a esfera privada da sociedade ocidental: [...] os limites móveis da esfera do privado – quer abranja quase a totalidade da vida social, quer, ao contrário, se restrinjam ao foro íntimo, doméstico e familiar – dependem antes de tudo da maneira como se constitui, em doutrina e em poder, a autoridade pública e, em primeira instância, aquela reivindicada e exercida pelo Estado Moderno – nem sempre absolutista, mas em toda a parte administrativo e burocrático – que se revela condição necessária para se poder definir, pensar como tal ou apenas vivenciar de fato um privado doravante distinto de um público claramente identificável. (ARIÈS, 2009, p. 22).

Esses autores afirmam, pois, que a Idade Moderna se caracterizou pela diferenciação das esferas pública e privada, tanto no âmbito íntimo como na vida política. Ainda, para eles, na Idade Moderna se intensificou um processo de individualização, segundo o qual o homem passou a considerar o indivíduo, a pessoa ou o sujeito, enfim, a unidade, como medida de referência para tudo o que faria e pensaria a partir de então. A centelha dessa concepção deflagraria, no Iluminismo, a noção de cidadania e, como sustentáculo dessa lógica, garantir-se-ia a centralidade do direito à vida. Nada disso, sobretudo para Philipe Ariès, seria possível sem o incrível incremento que a escrita, com a prensa

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de Gutenberg, traria à sociedade ocidental. Movimento ímpar, a popularização da escrita e da leitura teria no desenvolvimento da escola moderna um parceiro de grande valia na invenção de uma nova sociedade. No berço dessas transformações estiveram a instrução laica e a religiosa. Para entender melhor a instrução laica, iremos recorrer ao ensino das artes, âmbito em que ocorreu o pontapé inicial dessa época: o Renascimento. Depois, iremos nos deter à instrução religiosa, focando as escolas luteranas e jesuítas. O nascimento do capitalismo––––––––––––––––––––––––– e compreender que, se esta possibilidade é plausível, então a Modernidade, tas acerca do período. Entre elas, vale a pena conferir o debate entre as obras A Evolução do Capitalismo, de Maurice Dobb, e Do Feudalismo ao Capitalismo

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O RENASCIMENTO E AS ACADEMIAS DE ARTE: HA VIA UMA EDUCAÇÃO LAICA NA ÉPOCA MODERNA? Para Le Goff, “o século XIII é o século das universidades porque é o das corporações” (1999, p. 59). Todavia, já de início, entre 1213 e 1231, essas corporações enfrentariam algumas dificuldades mediante a separação em relação à Igreja – ainda que mantivessem o princípio da gratuidade, entre outros elementos marcadamente religiosos –, e a aproximação da universidade com o embrião do que chamaríamos, anos depois, de Estado. Nesse período de conflitos entre regulares e seculares, que se estendeu até o século 14, a universidade era regulamentada

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pelo sistema de nações e o âmbito corporativo das universidades equilibrava-se em face do âmbito dogmático da Igreja. Tradição e hereditariedade garantiam espaço nessa universidade, que, a partir do final da Idade Média, já contava com a contribuição, se não a condução, de ordens mendicantes. Nesse ensejo, “o intelectual de fins da Idade Média fez uma escolha definitiva entre a participação no mundo do trabalho ou a integração nos grupos privilegiados” (LE GOFF, 1999, p. 96). Seu ingresso no segundo grupo foi reforçado pela titulação de Francisco I, em 1533, como Magister-Dominus: “eis a ciência transformada em posse e tesouro, instrumento de poder e não mais fim desinteressado”. (LE GOFF, 1999, p. 100). Definido como um humanista, e sendo “o humanista [...] um aristocrata” (LE GOFF, 1999, p. 120), segundo Le Goff, o intelectual passa a separar a ciência da vida, o estudo do trabalho, a burocracia da produção. Deste modo, fundiram-se organicamente a ordem feudal e a hierarquia burocrática: o sistema da nobreza de serviço fazia do Estado, em princípio, um simulacro virtual da estrutura da classe fundiária, sob o poder centralizado de seu delegado absoluto. (LE GOFF, 1999, p. 220).

Nesse simulacro, a cidade se sobrepôs ao campo como espaço de poder, forjou-se a propriedade urbana e, com ela, a ideia de um território de poder híbrido, estatal. Com o nascimento do mundo Atlântico, também iriam emergir espaços híbridos ou comuns de poder, como é o caso dos cabildos e das sesmarias. Teoricamente, o poder seria despersonificado com o advento da soberania nacional, mas, ao mesmo tempo, o pagamento por sua utilização iria permanecer por meio de impostos, como a décima urbana anual. Essas transformações provocaram o que Le Goff chamou de modificação nos processos mentais, o que também interferiu no plano intelectual, se não educacional, das

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universidades, ao longo do período que costumamos chamar de Renascimento. Petrarca, importante literato italiano, foi um dos primeiros a anunciar a chegada de uma nova era. Marcada pela claridade, pela aurora e pelo cultivo às artes e letras, a nova era de Petrarca se sobrepunha a uma idade de trevas e mediocridade: a Idade Média. Assim, foram os modernos que agiram como os primeiros detratores do medievo. Mas, quais as razões para tanto rancor? Bem, o final da Idade Média é marcado por uma terrível peste, que dizimou cerca de 50% dos europeus ocidentais da época. Registrada em inúmeros textos, como A megera domada, de William Shakespeare, a peste contribuiu para o fim de uma sociabilidade medieval voltada para a cultura, dando aos homens da geração seguinte a impressão de ter sido uma época sem amor ao conhecimento. Todavia, como vimos na unidade anterior, reduzir a Idade Média a uma idade das trevas é um equívoco. O Renascimento, por sua vez, foi um movimento artístico-cultural do início do século 15, cujos principais focos se situaram no norte da Itália e no sul da França e da Alemanha. Artistas como Dante (1264-1321), Petrarca (1304-1374), Boccaccio (1313-1375), Barzizza (1370-1431), Vittorino da Feltre (13781446), Johan Wessel (1420-1489), Rodolfo Agrícola (1443-1485), Alexandre Hégio (1420-1495), Johan Reuchlin (1455-1522) e Jacob Wimpheling (1450-1428) participariam desse movimento, a respeito do qual escreveu Paul Monroe (1958, p. 170): O conteúdo desta nova educação consistindo principalmente nas línguas e nas literaturas clássicas dos gregos e dos romanos veio a ser designado durante esse período pelo termo Humanidades. Batista Guarinos, resumindo essa nova educação em seu tratado (1459), escreve o seguinte: “O conhecimento e a prática da virtude são peculiares ao homem; eis porque os nossos antepassados chamavam HUMANITAS aos propósitos, às ativida-

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des específicas da humanidade. Nenhum ramo do conhecimento abrange uma extensão tão ampla de assuntos quanto esta ciência que tento descrever”.

O movimento renascentista desencadeou novas técnicas artísticas que requisitavam equipes para trabalhos manufaturados e uma organização racionalizada dos projetos a serem desenvolvidos, o que implicou estabelecimento de novas relações de trabalho que demandavam o aprendizado de técnicas diferentes e da sistematização de equipes aptas ao seu planejamento e à sua execução. Essa novidade contribuiu para a fundação de uma educação complexa e, ao mesmo tempo, humanista, por ser voltada para o homem, seus prazeres e necessidades. Para Paul Monroe (1958, p. 180), “A vitória das ideias humanistas em educação se deu, em primeiro lugar, nas instituições educativas existentes, principalmente nas universidades, e nas escolas municipais recentemente fundadas”. A estrutura geral das instituições educacionais manteve, portanto, os parâmetros medievais, sendo essa educação concluída em escolas e seminários religiosos. Antigas escolas passaram a incluir as novas disciplinas humanistas, como a retórica e a poesia e; por decorrência da cisão entre Henrique VIII e Roma (quando o rei inglês decidiu se casar com Ana Bolena sem bula papal), as escolas públicas inglesas passaram a ser independentes do Estado e da Igreja. A principal representante dessa nova era inglesa foi a escola de São Paulo, de 1512, fundada em Londres, por John Colet e as Escolas de Gramática, na América, em Massachusetts, Connecticut e Maryland. Entre os alemães, podemos destacar Johan Wessel (1420-1489), Rodolfo Agrícola (1443-1485), Alexandre Hégio (1420-1495), Johan Reuchlin (1455-1522) e Jacob Wimpheling (1450-1428).

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Nesse período, já despontavam oficinas nas quais havia maior proximidade entre mestres e aprendizes e novas maneiras de entender a educação, em livros como O elogio da loucura, Os colóquios, Os adágios, Os ciceronianos, Método de Estudo e Educação Liberal das Crianças, de Desidério Erasmo de Roterdã (Gerardus Gerardi) (1467-1536); e O mestre-escola (1571), do inglês Roger Ascham (1515-1568), nos quais se ironizava a esterilidade do Humanismo. Não obstante, é no ensino da arte que veremos as principais modificações educacionais do Renascimento e do Humanismo. Nikolaus Pevsner, que dedica seu livro Academias de arte: passado e presente ao estudo do ensino da arte na sociedade ocidental da antiguidade à era industrial, comunga dessa ideia. Antonio Pinelli, ao introduzir a obra de Pevsner, afirma haver um paradoxo da história da arte entre o tema ético da funcionalidade e o gozo subjetivo e fechado em si mesmo da erudição. Para Pinelli, Pevsner ultrapassa esse problema recorrendo ao trabalho de Thomas Kuhn, que, ao estudar a ciência em A estrutura das revoluções científicas, a define segundo a análise intrínseca de paradigmas, sua formação, sobreposição e os desvios daí decorrentes – enunciados como inovações. Segundo Pinelli (2005, p. 45), Pevsner aplica “essa fórmula à arte do passado” fazendo a academia surgir “como um autêntico ‘laboratório de arte normal’, o lugar onde se institucionalizam e se transmitem os paradigmas hauridos da arte extraordinária de outrora”. Além disso, aproveitando-se de uma crítica de Giulio Carlo Argan, historiador que também foi prefeito de Roma, Pinelli alerta que o historiador que se preocupa apenas com os artistas se comporta como um historiador da economia que só considera os operadores econômicos, esquecendo-se dos consumidores e das relações entre ambos.

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Para Pevsner, as academias de arte do início da idade moderna destacam-se por suas preocupações em relação à questão da nacionalidade e da necessidade de criar uma expressividade peculiar às cores locais. Cultiva-se a razão, o método e a ordem do idioma em quase todo o território da Europa ocidental e, na arte, esses valores também estão presentes. Esse é o contexto em que a obra e a educação de Leonardo da Vinci se desenrolaram; o estudo das artes passava, lentamente, do ensino de um ofício na guilda para a pesquisa das obras modernas e antigas que compunham, por exemplo, a coleção dos Médici, o que aconteceu sob a tutela de Bertoldo, em meados de 1490, a quem Pevsner (2005) chama de primeiro mestre do método moderno de ensino da arte. Uma primeira academia, contudo, só seria cognoscível por meio dos trabalhos de Giorgio Vasari, que registrou e administrou “o estabelecimento de uma associação reunindo os mais importantes florentinos sob a especial proteção do grão-duque”, hoje conhecida como Accademia Del Disegno. Nessa academia, destacou-se a formação dos principiantes, por meio do acompanhamento obrigatório dos artistas mais experientes aos novatos no ambiente do ateliê projetado por Zucari. O saldo da academia foi assinalado por Pevsner (2005, p. 115) nos seguintes termos: Na prática, a academia não fez mais que livrar os artistas de Florença das restrições das várias corporações de ofício a que tinham de filiar-se e agrupá-los em uma nova guilda. O resultado pode ter sido uma certa ascensão social do artista, mas nada que se compare ao projeto inicial de Vasari. Seu plano, cabe repetir, era romper completamente com o sistema medieval de guildas de artistas. Vasari achava que um artista não devia estar na mesma situação de dependência do artesão. Tornar-se membro de uma academia seria uma demonstração de que a posição social do artista era tão elevada quanto a de um ho-

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mem de ciência ou qualquer outro erudito; e o fato de a academia estar sob o patrocínio do grão-duque seria uma prova de que, se o artista aceitava uma certa dependência, ela se devia unicamente a um príncipe.

Assim, o artista igualava-se ao pensador, alçando o status de sua produção/produto ao de objeto produzido em benefício do todo e, portanto, a ser financiado por quem se preocupa com o todo – o rei, cujas responsabilidades e alcance, sobremaneira do Estado, passavam a desenhar-se em função, justamente, de ideias como essa. De um modo mais geral, Pevsner (2005) refere-se à academia dessa época como um microcosmo do embrionário sistema absolutista, apontando para sistemas rígidos de configuração, desconfianças em relação à liberdade e à divinização de poucos artistas do passado. Passados alguns anos, Pevsner (2005) assinala que o reconhecimento da pintura como uma profissão nobre persistiu, embora a distinção entre academia e guilda tenha se dissipado. Segundo esse autor, o papa Urbano VIII acentuou essa indistinção por meio do breve de 1633, em que estabelecia um imposto comum a artistas e artesãos. Em 1600, pois, o ensino da arte encontrava dificuldades em razão da permanência de regras medievais. Uma delas era que cada artesão poderia ter apenas um aprendiz e, se o trabalho encomendado excedesse a capacidade de trabalho dessa dupla, o ateliê deveria passar a atividade para outro ateliê. Nesse mesmo sentido, a não ser na Florença dos Médici, tudo o que pudesse atestar a usura, mesmo o trabalho com vistas a um lucro maior do que o dos pares (ainda não existia a ideia de “concorrentes” de mercado), era proibido. Além disso, o estudo da matéria envolvida no produto artístico solicitado era feito primeiro pela Matemática, depois pela Geometria e Filosofia – o que lhe conferia um valor técnico, an-

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tes de artístico, conceito que também seria desenvolvido a partir da Idade Moderna. Na prática, a observação servia como principal apoio, dado que a arte era considerada um dom inato, impossível de ser ensinado. Ainda assim, algumas conquistas despontavam como esperança para a área, a pintura, por exemplo, a partir de uma petição de Girolamo Paggi ao Senado de Gênova, foi liberada para quem quisesse praticá-la, na proporção que lhe parecesse adequada, ou seja, é com os pintores que parte da liberdade artística começa a ser desenvolvida. Entrementes, há que destacar o papel dos pintores flamengos, entre eles Rubens. Atuante também como representante real em outras cortes, em razão de sua educação esmerada e de seus conhecimentos como vendedor de obras de arte, Rubens formou não apenas um ateliê, mas uma espécie de “marca” Rubens. O pintor mantinha uma série de artistas produzindo, de acordo com um estilo único, diferentes tipos de obras de arte em uma escala relativamente grande para a época. Com isso, contribuiu para a criação do que hoje chamamos de “escolas artísticas”, em que não apenas um lugar de ensino é levado em conta, mas também o resultado do ensino (um modo de ser, de criar, de disseminar conhecimentos e técnicas) é considerado para sua filiação a algum grupo criativo. Considere-se, ainda, que a maturidade das escolas italianas culminou na sistematização de um ensino técnico laico que, pela demonstração de práticas e costumes ministrados por mestres autorizados pelo reconhecimento do mercado, forjou um tipo de ensino menos hierarquizado, individualizado e mais bem remunerado do que o da época. Assim, o que as escolas como a de Giorgio Vasari propiciaram nesse início da Idade Moderna foi uma valorização da figura do artista, que passava a deter conhecimentos técnicos peculiares e filiações produtivas distinti120

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vas, o que lhes atestava competências particulares e, portanto, habilidades especiais – todos elementos que convergiram para o amálgama da figura do artista renascentista. E, ainda, uma valorização da figura do professor ou do mestre artesão. Ora, se antes disso poucos eram os mestres que não estavam filiados a alguma ordem religiosa, a partir do Renascimento e, conforme o modelo das escolas de artistas, não eram apenas os iniciados que lecionavam: os leigos também tinham algo a ensinar, as pessoas também podiam aprender com interesses distintos do que o de alcançar os céus ou louvar um determinado deus. Com tal prerrogativa, nobres e comerciantes também passaram a investir na educação como um meio de galgar espaço entre aqueles que seriam lembrados na posteridade (por terem financiado a educação de fulano ou beltrano), bem como passaram a depositar suas fichas no incremento de maneiras distintas (mais baratas, rápidas ou engenhosas) de produzirem tal ou qual bem. Na França, a presença de Colbert entre os ministros da corte de Luís XIV contribuiu muito para a instauração de uma academia de arte voltada para a formação de principiantes. A medida atendia, em parte, uma demanda criada com a construção do Palácio de Versalhes. Com o Palácio, Luís XIV pretendia tanto demonstrar seu poder, quanto desenvolver as artes e ofícios na França moderna. Como sabemos, ambos os objetivos foram alcançados e a criação da academia de arte corrobora essa tese. Para os franceses da época, uma academia de arte, assim como uma academia de ciência, contribuía para a força do Estado, uma vez que o conhecimento era considerado não apenas uma moeda de troca, mas também um produtor dela. Por fim, a transferência da academia de arte para o Louvre, no coração da Paris mais moderna da época, indicava sinal de prestígio. Ao

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mesmo tempo, um decreto de 8 de fevereiro de 1663 estabelecia que todos os pintores da corte deveriam ser filiados à academia, o que lhes usurpou totalmente a autonomia e aproximou, ainda mais, a lógica do mundo da arte à lógica de prestígio do Estado absolutista. A academia francesa não era pequena, foi estruturada com 14 reitores, 12 professores, 6 conselheiros e um número ilimitado de acadêmicos. Segundo Pevsner (2005, p. 147), seu dirigente, Colbert, acreditava que “formar alunos – e instruí-los em um estilo peculiar de desenho e modelagem, o estilo do rei da corte – era o objetivo da nova instituição”. Lembremos, ainda, apoiados no livro A fabricação do rei, escrito pelo historiador inglês Peter Burke, que Luís XIV foi um rei fabricado por meio de sua imagem em obras de arte do período, e que boa parte da pompa e circunstância que o envolveram foram por ele consideradas também como legitimadoras e propulsoras de seu poder. Na academia, instaurou-se ainda um calendário de exposições para o qual as obras eram previamente analisadas. Não houve objeções a essa tal análise. Pevsner (2005) acredita não existir resistências subjetivas à qualificação das obras pela sua adequação às regras estabelecidas pela academia – para quem gosta de arte, é mister lembrar que os expressionistas como Monet e Manet, muitos anos depois, iriam se contrapor expressamente às regras pelas quais a Academia de Arte Francesa determinava quais artistas iriam participar ou não de suas grandes exposições, ou seja, pela maneira a qual essa instituição se elevou ao direito de decidir o que era ou não considerado arte na França. No mesmo sentido, a premiação das melhores obras foi instaurada, no que se seguia o exemplo romano. Para Pevsner (2005, p. 153), “entre as vantagens da academia, a mais valorizada pelos estudantes era, sem dúvida, a isenção do serviço militar, 122

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enquanto, do ponto de vista da instituição, a mais importante era o monopólio do desenho a partir de modelo vivo”. A academia oferecia aos seus convivas algumas vantagens: financiava viagens de estudos a Roma, proporcionava a possibilidade de um emprego como docente na própria academia, como agréé, (espécie de professor assistente), a partir de 1672, com a fusão entre as academias parisiense e romana, oferecia aos seus estudantes a possibilidade de concorrer aos prêmios de ambas, bem como facilitava o trânsito entre elas até a conclusão dos estudos. Com práticas como essas, forjou-se na Europa o costume de encerrar longos ciclos de estudos, além de incluir nos mesmos ciclos o que ficou conhecido como grand tour. O grand tour consistia numa viagem de conhecimentos e explorações por outros países e culturas. Essa viagem deveria ser realizada mediante a orientação de mestres ou colegas de estudos de instituições equivalentes àquelas em que se realizava a parte inicial dos estudos. Com a institucionalização dessa prática, as relações internacionais entre países foi valorizada, se não impulsionada. Além disso, o estudo de línguas, assim como o estudo do latim como língua mater dos sábios e letrados, foi incentivado. Em outros espaços europeus, como na Antuérpia, o poder da academia não emanava do Estado em direção ao sistema corporativo, fazia o caminho contrário. Ali, sem as regras do gosto ditadas e subsidiadas pela corte, submeteu-se o artista ao mercado, produzindo, portanto, obras de outras dimensões, gostos, custos e usos. Na Alemanha, por sua vez, embora as corporações e companhias possuíssem extrema organização interna, a falta de apreço pela cultura e pelos valores franceses de Frederico Guilherme I o motivaram a reduzir muito o subsídio de seus artis-

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tas no quesito “ensino”, liberando-os para uma educação muito mais individual, mas não menos qualificada, como observamos nas obras de Dürer. Finalmente, na Inglaterra, a sistematização de formas de renda para a academia renderam, a um passo, liberdade e exclusão aos artistas ingleses. Isso porque boa parte deles, inclusive os da grandiosidade de Turner, produzia sozinho, o que contribuiu para que não fosse criada uma “escola inglesa” de arte. Para Pevsner (2005), em síntese, havia nessa época três tipos de artistas: mestres, que, “no sentido medieval da palavra”, trabalhavam “em ateliês próprios para compradores particulares e para autoridades eclesiásticas ou laicas”, sobretudo na Itália, Flandres, Inglaterra e Alemanha; acadêmicos, cuja proximidade com a nobreza e o rei constituía tanto suas vantagens quanto desvantagens – caso dos franceses; e os pintores flamengos, que dependiam do gosto do mercado, ainda que desfrutassem de uma liberdade completa. Desses três tipos de artistas, apenas os dois últimos permaneceram, e de suas distinções criaram-se os principais dilemas da arte que se seguiu. Segundo Pevsner (2005), no século 18, a utilidade da arte foi colocada em questão e, do mesmo modo, a utilidade da manutenção de suas academias para o Estado. Assim, “os professores deveriam estar sempre atentos a possíveis aplicações de seus ensinamentos nas artes tipográficas, na tecelagem de tapetes, na impressão de papel de parede, na confecção de bordados, na decoração de porcelana e na manufatura do vidro soprado”(PEVSNER, 2005, p. 202). Não obstante, a educação dos artesãos passou a ser tema de consideração inclusive na França, durante a segunda metade do século. Desse modo, concorre para essa nova demanda educativa a divulgação de novas teorias educacionais, como as de Voltaire e Rousseau. Para além dos li124

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mites franceses, a inspiração iluminista alcançava todos aqueles monarcas que se viam como ilustrados, afinal, “cuidar da difusão do conhecimento era servir concretamente aos interesses políticos e econômicos do Estado” (PEVSNER, 2005, p. 209). Assim, até mesmo a academia francesa procurou instalar filiais em outras cidades do Estado, “democratizando”, portanto, o acesso ao ensino. Como vimos, a relação entre educação e arte modificou-se bastante desde o Renascimento até meados do século 18. Entretanto, podemos notar o quanto os primeiros ateliês renascentistas contribuíram para que esse processo se iniciasse. Foi neles que se alargou o número de aprendizes, que se conferiu importância e respeito a eles, que se introduziu a teoria e as línguas em seus estudos – possibilitando sua integração com outras escolas, bem como o incremento de uma teoria da arte e/ou de uma estética. No final das contas, a educação artística passou por um processo de especialização e de abstração na época moderna, saindo cada vez mais do mundo artesanal para aproximar-se cada vez mais de uma produção essencialmente voltada para o elogio do belo e, ao mesmo tempo, cada vez mais aspirante a um ensino completo – do ponto de vista téorico. É mister notar que essa instrução era tida como popular e que com o tempo passou a ser considerada de elite. Esse processo de abstração e distinção no universo educacional, entretanto, não é especificidade do campo artístico, como veremos ao estudar a relação entre educação e religião na época moderna. Para ver mais! ––––––––––––––––––––––––––––––––––––– sistir duas grandes produções sobre a arte e a educação na época moderna. A era Médici. Nes-

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o Renascimento em Florença a partir da vida de Cosme de Médici, um dos mais importantes patronos da arte na época. Destaque-se a presença do humanista Alberti e suas ideias sobre a educação, bem como todas as tomadas principais monumentos da arte renascentista italiana. ci, intitulada: A vida de Leonardo da Vinci RAI em 1972, ano em que também recebeu a Palma de Ouro em Cannes. portante artista/inventor nem tampouco sua vida romanceada. Trata-se de uma -

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A REFORMA PROTESTANTE E A EDUCAÇÃO As reformas religiosas tiveram início em meados do século 15 quando a autoridade papal começou a ser questionada, gerando posturas de protesto em relação à doutrina, organização e alcance do domínio católico na sociedade. Tal protesto foi concretizado na criação de novas doutrinas cristãs, como o calvinismo, na Suíça, o luteranismo, na Alemanha, e o anglicanismo, na Inglaterra. A contribuição das reformas religiosas à educação na Idade Moderna foi considerável tanto porque exigiu das pessoas uma reflexão sobre sua fé quanto sobre sua postura em relação à sociedade, o que foi estabelecido num sentido mais amplo. De um modo específico, esse sentido contemplava: a economia, na medida em que deixava de condenar o lucro como pecado; a política, ao demonstrar o apoio das religiões protestantes à separação de uma antiga unidade, o Estado e a Igreja; e a cultura, acentuan-

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do as noções de individualismo propagadas pelo Humanismo, durante o Renascimento. Para Monroe (1958, p. 191): O resultado lógico das teorias dos reformadores tinha de ser, primeiro, um desenvolvimento contínuo do relevo dado pela Renascença à aplicação da razão na interpretação da vida secular e da natureza, segundo, a restrição da autoridade das Escrituras a matérias religiosas, e, terceiro, o uso da razão pelo indivíduo mesmo na interpretação das Escrituras. Mas essas tendências foram sopitadas na primeira geração. Lutero, nos seus primeiros dias em Wittenberg, escrevia: “O que é contrário à razão é certamente muito mais contrário a Deus. Como não estará contra a verdade divina o que está contra a razão e a verdade humanas?”. E mesmo mais tarde ele dizia: “Admite-se que a razão é a principal de todas as coisas, e o melhor de tudo o que pertence a esta vida – que digo? – algo de divino”. Mas, nos últimos tempos de sua vida, afirmava: “Quanto mais sutil e aguda for a razão, mais venenoso monstro com muitas cabeças de dragão será ela contra Deus e contra todas as suas obras”. Esta é a última posição, reiterada com veemência característica e denota não somente uma mudança individual, mas também geral.

Nesse sentido, a história da Reforma Protestante e da Contrarreforma na educação é uma história que, para dizer o mínimo, é complexa. Creio, portanto, que uma boa maneira de começar a estudar o tema é pensar sobre o que foram as reformas protestantes de uma maneira bem geral. Há que se ter em mente que a Reforma é um movimento protestante que antecede a Contrarreforma, esta sim, católica. Ambas são consideradas movimentos cristãos, ou seja, ninguém nega a centralidade e a existência de Jesus Cristo. Ainda, destacamos que a Reforma Protestante serve como guarda-chuvas para, pelo menos, três diferentes propostas religiosas. A primeira, cronologicamente, é a Reforma Luterana. A segunda é a Reforma Anglicana e a terceira, a Reforma Calvinista.

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Segundo o historiador francês Lucien Febvre (2012), Martinho Lutero foi um monge agostiniano que, atingido por um raio durante a juventude, mostrava-se calado e resignado às suas orações entre os demais. Em 1510, o monge alemão partiu para Roma em viagem de trabalho e orações. A viagem, assim como a cidade de Roma, então conhecida como “a grande prostituta”, chocaram o monge provinciano, que viu o quão mundana era a casa que havia abraçado em vocação. Em sua volta, pensamentos e dúvidas sobre a Igreja de um modo geral povoaram sua mente. Entre os mais latentes havia um acerca da natureza da relação entre o homem e seu deus, bem como sobre o modo como a fé deveria ser expressada. Para o Lutero de Febvre, nem Deus deveria ser um ícone de temor nem os pecados eram caracterizados apenas pelas intenções e desvios da mente – era necessário conciliar-se com Deus (e para isso era importante dialogar com ele), era necessária a materialidade do desvio para que se configurasse o pecado (antes disso, se controlado o ato, não se efetivaria a danação). Mais brando, o Deus de Lutero se contrapunha ainda à venda do perdão, uma vez que nem era tão severo quanto o Deus católico nem era tão inacessível que não se pudesse entrar em contato com ele como propagava a Igreja de então. Para entender a si próprio e lograr bom entendimento com Deus, para Lutero era necessário que os homens estudassem a palavra de Deus. O conhecimento servia, nas ideias de Lutero, como uma espécie de libertação da dor e do subjugo daqueles que, na Igreja, faziam mau uso do legado cristão. Assim, uma das mais importantes mudanças promovidas pela fé protestante foi a noção de que a relação entre o homem e seu Deus deveria ocorrer de uma maneira direta e, portanto, mais individualizada. Essa noção implicava a abertura do acesso 128

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que o fiel tinha aos mistérios de sua fé, o que incluía, por exemplo, a tradução das Bíblias e dos cultos cristãos para as línguas vernáculas e a prática familiar da religiosidade, assim como inseriu o costume da leitura e da discussão no cotidiano de seus praticantes. Enfim: Para Martinho Lutero (1483-1546), a educação deveria se libertar das amarras que a prendiam à Igreja e subordinar-se ao Estado. Só assim o ensino poderia atingir todo o povo, nobres e plebeus, ricos e pobres, meninos e meninas. Caberia ao Estado tornar a frequência à escola obrigatória e cuidar para que todos os seus súditos cumprissem a obrigação de enviar seus filhos à escola. O currículo proposto por Lutero para as escolas protestantes continuava dando preponderância ao grego e ao latim. Entretanto, acrescentou a língua hebraica, incluiu a lógica e as matemáticas e deu grande ênfase à ciência, à música e à ginástica. (PILETTI, 1991, p. 106).

Obviamente que da viagem a Roma até a criação das escolas protestantes percorreu-se um longo caminho. Há que se ter em mente que a Alemanha da época era constituída por principados desarticulados politicamente, o que Max Weber, em A ética protestante e o espírito do capitalismo, chamou de junkers. Já nessa época, a dinastia Hohensollern tinha alguma ascensão entre os povos germânicos e dela emergiu o bispo que, aos 21 anos, não só administrava três das principais regiões do Vale do Ruhr, como também o fazia mediante apoio romano e, por isso, convidara o dispensador de indulgências Johan Tetzel para uma “purificação” na região. Prevendo a venda desenfreada de indulgências em sua região, bem como a subversão da doutrina cristã, Lutero torna públicas suas 95 teses contra aquilo que chamava de desvios da Igreja Católica. Daí em diante, conforme os mais interessados no tema poderão ler em Martinho Lutero, um destino, de Febvre, uma série de peripécias levou o cristão fervoroso

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que era Lutero a se desligar da Igreja Católica e fundar uma nova religião – o que, a princípio, não era sua intenção. Há, portanto, que recordar que muitos foram os críticos da religião católica, o que inclusive era permitido pela própria Igreja, sem que isso os tenha levado a criar novas religiões, como foi o caso desse professor da Universidade de Wittemberg. Entre os principais representantes das mudanças implementadas por Lutero estiveram: João Calvino (1509-1564); Zwinglio (1484-1532), com o livro A maneira de instruir-se e educar meninos cristãmente; John Knox (1505-1572), em seus trabalhos de Reforma da escola paroquial escocesa, e John Huss (1369-1415). Segundo o historiador Lucien Febvre, no livro Martinho Lutero, um destino, a intenção de Martinho Lutero ao desenvolver as 95 teses contra algumas das práticas católicas de seu tempo – entre elas a venda do perdão eterno, como indulgência, entre outros, por Tetzel na Alemanha – não era criar uma nova Igreja. Para o historiador, o objetivo desse dedicado padre e professor universitário era promover uma discussão sobre o verdadeiro objetivo da Igreja Católica e os meios de conquistá-lo. Para Lutero, a Igreja deveria se concentrar menos nos pecados e mais na paz; menos no luxo e na beleza da capela Sistina – então em construção sob o comando do papa Leão X, um Médici de Florença, e sendo pintada por ninguém menos do que Michelangelo – e mais nos necessitados. Entretanto, como a aceitação de suas teses configurou também a criação de um novo rebanho, por assim dizer, uma cisão foi estabelecida, e uma nova religião foi criada. Esse processo, como tudo na História, foi lento e de nenhuma maneira linear. Visando nosso objeto de estudos, é importante ressaltar que a Reforma levada a cabo por Lutero reservou um espaço

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muito importante para a educação. E, como um dos princípios dessa Reforma era a paz interior, segundo ele atingível de maneira individual e solitária, a solidão dos estudos e a individualidade dos processos de acesso ao conhecimento serviriam como prerrogativa importante da escola protestante. Filipe Melanchthon (1479-1560) fez parte desse movimento de instrução protestante e também deve ser destacado entre as personalidades importantes da época. Conhecido como o “Preceptor da Alemanha”, grande foi seu esforço na Reforma Educacional desse país, onde as ideias protestantes tiveram maior alcance no âmbito da educação. Marburgo, fundada em 1527, foi a primeira universidade protestante. Nela, o ensino perdeu um pouco do caráter imagético e oral, vinculando-se muito mais à escrita. Com uma retórica voltada para essa prática, em que o franqueamento da palavra era conferido a um número maior de fiéis e, também, em que a leitura da Bíblia era considerada uma maneira de oração, a educação passou a depender de uma maior circulação de livros e papéis. A arquitetura escolar também se transformava – o espaço de leitura foi ampliado, e considerando-se que o discente lê sozinho, ou seja, prescinde da figura do professor leitor, o número e as técnicas de aula também mudam para os docentes. Entretanto, deve-se considerar a lentidão desse processo, mesmo que o protestantismo tenha se propagado no espaço de um século para outras universidades, como as de Königsberg, Jena, Helmstadt e Dorpat. (MONROE, 1958, p. 200). Como assinalei acima, a Reforma protestante foi constituída, pelo menos, de três movimentos. Já falamos de Lutero; resta tratar de Calvino e da Reforma anglicana. No site Wikipédia, enciclopédia virtual de acesso livre na internet (o que é muito difícil

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em tempos do império Google e Copyright), Calvino é apresentado com as seguintes palavras: João Calvino (Noyon, 10 de julho de 1509 — Genebra, 27 de maio de 1564) foi um teólogo cristão francês. Calvino teve uma influência muito grande durante a Reforma Protestante, uma influência que continua até hoje. Portanto, a forma de Protestantismo que ele ensinou e viveu é conhecida por alguns pelo nome Calvinismo, embora o próprio Calvino tivesse repudiado contundentemente este apelido. Esta variante do Protestantismo viria a ser bem-sucedida em países como a Suíça (país de origem), Países Baixos, África do Sul (entre os africânderes), Inglaterra, Escócia e Estados Unidos. Nascido na Picardia, ao norte da França, foi batizado com o nome de Jean Cauvin. A tradução do apelido de família “Cauvin” para o latim Calvinus deu a origem ao nome “Calvin”, pelo qual se tornou conhecido. Calvino foi inicialmente um “humanista”. Nunca foi ordenado sacerdote. Depois do seu afastamento da Igreja católica, este intelectual começou a ser visto, gradualmente, como a voz do movimento protestante, pregando em igrejas e acabando por ser reconhecido por muitos como “padre”. Vítima das perseguições aos protestantes na França, fugiu para Genebra em 1536, onde faleceu em 1564. Genebra tornou-se definitivamente um centro do protestantismo Europeu, e João Calvino permanece até hoje uma figura central da história da cidade e da Suíça. Martinho Lutero escreveu as suas 95 teses em 1517, quando Calvino tinha oito anos de idade. Para muitos, Calvino terá sido para a língua francesa aquilo que Lutero foi para a língua alemã – uma figura quase paternal. Lutero era dotado de uma retórica mais direta, por vezes grosseira, enquanto que Calvino tinha um estilo de pensamento mais refinado e geométrico, quase de filigrana. Citando Bernard Cottret, biógrafo (francês) de Calvino: “Quando se observa estes dois homens podia-se dizer que cada um deles se insere já num imaginário nacional: Lutero o defensor das liberdades germânicas, o qual se dirige com palavras arrojadas aos senhores feudais da nação alemã; Calvino, o filósofo pré-cartesiano, precursor da língua francesa, de uma

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severidade clássica, que se identifica pela clareza do estilo”. (WIKIPEDIA, 2014).

Como você sabe, na Wikipedia, podemos submeter correções, adendos e referências aos verbetes encontrados, bem como propor mudanças de redação. No texto acima, lido em 7 de janeiro de 2014, algumas modificações viriam a calhar; seria importante destacar que João Calvino não apenas difundiu as teses luteranas com o melhor estilo como foi o mais rigoroso no que diz respeito à disciplina religiosa e ao comportamento cristão na Terra, bem como mais radical quanto à cisão protestante e católica. Devemos lembrar, entretanto, que Calvino verteu para o idioma francês as dúvidas protestantes quanto à Igreja Católica, acrescentando a elas um tom humanista, que, segundo Lefebvre (2012), foi expressamente negado por Lutero, mediante um distanciamento em relação ao renomado Erasmo de Roterdã – foi um ótimo trabalho! Desse modo, assim como na Wikipedia, a construção do conhecimento fez-se de modo coletivo; é mister notar que a Reforma protestante também foi tarefa de muitos. Entre eles, Henrique VIII, rei da Inglaterra entre 1509 e 1547, que preocupado com a falta de um herdeiro para seu trono, separou-se de Catarina de Aragão e, de maneira surpreendente, casou-se com uma jovem que não fazia parte da primeira linhagem da nobreza europeia, ou seja, que não era princesa, Ana Bolena. Sem bula papal, isto é, sem o aval da grande diplomata da época, Roma, Henrique VIII viu-se na situação de fazer com que o poder real fosse, também, religioso e bastasse para considerar seu casamento legítimo e seus frutos suficientes para a linha sucessória. Para isso, criou a Igreja Anglicana. Como Bolena só deu à luz uma menina, Elizabeth I (a rainha da Golden Age de Shakespeare e de um dos períodos mais prósperos da Inglaterra), Henrique VIII

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entrou num ciclo de matrimônios que só teve fim com Catarina Parr, sua sexta esposa. Durante seu primeiro matrimônio e, sobretudo, pelo apoio de seu primeiro ministro, Thomas Cromwell, a primeira fase da Reforma Anglicana teve um tom mais luterano. Na etapa seguinte, a proposta de Henrique VIII foi a de uma igreja que aceita o mistério da transmutação do corpo de Cristo, o que levaria a crer na interseção da igreja entre os homens e Deus, suspendendo a relação direta, supostamente estabelecida na doutrina protestante. Na educação, o significado da conversão inglesa ao anglicanismo e, posteriormente, de uma antecipação desse país em relação à tolerância religiosa, não sem que antes fosse derramado muito sangue, foi uma dedicação inglesa ao entendimento da religião como um conjunto normativo e ao estudo das normas como prerrogativa para a compreensão e leitura de quaisquer tipos de sistemas de pensamento, ensino e aprendizagem. A esse exercício se dedicaram a Cambridge, do Cardeal Wolsey, e a Oxford, de Cromwell, ambas depositárias dos princípios e investimentos da fé e da disciplina de seus antigos discípulos. Como Henrique VIII foi capaz de urdir tal polissemia? Talvez seja o caso de lembrar que o herdeiro da dinastia Tudor tivera como preceptor o humanista cristão Thomas More. Autor de A utopia, More, que também atuou como funcionário do Estado inglês em diversas posições, durante o reinado de Henrique VIII (o que não o salvou de uma condenação à fogueira por heresia cometida contra a igreja anglicana), construiu nesse livro de nome emblemático uma ideia de Estado articulada em torno da cultura de seus convives. Os utopianos, por exemplo, riem daqueles que usam grande joias, pois, desde pequenos, em suas casas, são ensinados a ver esse tipo de prática como tola e desnecessária. Eles herdam de seus pais as profissões que deverão 134

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desempenhar na maturidade, mas também podem optar por carreiras distintas, desde que se esforcem por elas e demonstrem dom natural. Assim, o ensino em Utopia acontece no seio das famílias; havendo, entretanto, escolas destinadas ao ensino coletivo e indiscriminado dos homens e mulheres – que em Utopia são considerados iguais (claro que essa igualdade se refere à distinção social, e não de gênero). Os utopianos não vivem sós, sabem que a sociedade é seu berço e alimento; por isso, um de seus principais objetos de estudo é essa vida em sociedade e seu equilíbrio mediante as mudanças que o mundo lhe incute. Ora, assim como para o mestre de Henrique VIII foi possível inventar um mundo novo, para o Tudor criar uma nova religião também o era. Desse modo, cremos que um dos principais legados das reformas protestantes para a educação, além da individualização do estudo e da disseminação da leitura e da escrita, seja a propagação da noção de que os homens inventam os mundos em que vivem; podem inventá-los, e outros ainda os seguirão. Enfim, esse homem moderno, que procura maior aceitação de si e melhor convivência com o outro (e nem por isso deixa de lado sua crueldade), para arrebanhar adeptos às muitas doutrinas inovadoras, amplia o escopo de atendimento e justifica a criação de novas formas de pensar o mundo. Talvez, como assinalou Trevor Hoper, em A crise do século XVIII, não sejam os protestantes aqueles que fizeram avançar mais a ciência e a instrução da época, e sim os hereges, seja para quaisquer que fossem as doutrinas. Ainda assim, foram esses primeiros – em certa medida – que inauguraram o fomento à publicização de distintos modos de apresentar o pensamento.

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A CONTRARREFORMA E O ENSINO JESUÍTA Conforme assinala com muita propriedade a professora de História Moderna da Universidade de Lisboa, Isabel Drummond Braga, no livro Bens de Hereges, publicado pela editora da Universidade de Coimbra, em 2013, a reação da Igreja Católica às novas propostas deu-se não apenas pela Inquisição, mas por uma série de outras atitudes de renovação e reconfiguração da Igreja Católica. Uma delas foi a criação de novas ordens que atendessem a novos públicos cristãos, que representassem a fé católica de uma maneira distinta daquela exercida até então. A Companhia de Jesus foi uma delas, e é consenso que a implementação de um novo sistema de ensino foi uma de suas melhores contribuições ao mundo moderno. Segundo Monroe (1958, p. 205), “O método de ensino jesuítico caracterizava-se pelas revisões frequentes da matéria. Cada dia começava com uma revisão, cada ano, com uma revisão do trabalho anual, e, finalmente, o estudante destinado à Ordem revia o curso inteiro, ensinando-o”. Em geral, o regime de revisões era intercalado com as leituras e as aulas em si. Ou seja, quando o estudante ia começar um novo tema, História de Nero em Roma, por exemplo, primeiro ele teria duas ou três aulas conhecidas como “Leituras”. Quem lecionava essa aula era o “lente”, que poderia ser um noviço, um dos melhores alunos ou um docente iniciante. O lente lia a matéria – um texto escolhido pelo professor para estudo do tema. A leitura era pausada e feita em grupo, nem sempre era permitido aos ouvintes tomarem nota do escrito, às vezes os textos eram lidos mais de uma vez antes da aula principal. Na aula do professor, a matéria era explicada, e as questões eram feitas. Essa aula ocorria uma única vez, e um número maior de discentes aglomerava-se para vê-la. Na sequência, viria o “pas-

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sante”, com a finalidade de revisar a matéria, pelo menos, duas vezes. Além disso, debates ou disputas sobre diferentes temas de acordo com as matérias estudadas eram agendados reiteradamente e programados a fim de rememorar as matérias e aprimorar as capacidades de argumentação dos discentes. Assim, os jesuítas também fizeram uso das chamadas “sabatinas”, em que mestres e pupilos se dispunham a sessões abertas de questões sobre um tema ou matéria. Nelas, além da argumentação, a memória e a capacidade de reação discursiva estavam em jogo. Para os jesuítas, importava treinar seus alunos para um mundo com poucos livros, em que a lembrança das leis, regras e casos similares poderia servir como distintivo para homens de Estado e sua habilidade no convencimento oral essencial para a sobrevivência intelectual. A filiação a essas escolas era voluntária e as vagas estavam disponíveis gratuitamente a todos que pudessem se sustentar durante o período de estudos. Os diplomas seguiam um padrão pelo qual as honras dependiam do mérito dos alunos. Do mesmo modo, as academias de origem católica tiveram seus currículos e funcionamento regidos por esse modelo, que sustentava o seguinte princípio: é melhor aprender pouco e bem do que muito e superficialmente. Posteriormente, tal pressuposto fez com que o ensino jesuíta ficasse conhecido por imensas discussões acerca de questões, por vezes, consideradas irrelevantes. Seu método de ensino, todavia, pode ser conhecido por meio da Ratio Studiorum, que, segundo o verbete da enciclopédia virtual de História da Educação da Faculdade de Educação da Unicamp (HISTDBR), consiste em um: Conjunto de normas criado para regulamentar o ensino nos colégios jesuíticos. Sua primeira edição, de 1599, além de sustentar a educação jesuítica ganhou status de norma para toda

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a Companhia de Jesus. Tinha por finalidade ordenar as atividades, funções e os métodos de avaliação nas escolas jesuíticas. Não estava explícito no texto o desejo de que ela se tornasse um método inovador que influenciasse a educação moderna, mesmo assim, foi ponte entre o ensino medieval e o moderno. Antes do documento em questão ser elaborado, a ordem tinha suas normas para o regimento interno dos colégios, os chamados Ordenamentos de Estudos, que serviram de inspiração e ponto de partida para a elaboração da Ratio Studiorum. A Ratio Studiorum se transformou de apenas uma razão de estudos em uma razão política, uma vez que exerceu importante influência em meios políticos, mesmo não católicos. O objetivo maior da educação jesuítica segundo a própria Companhia não era o de inovar, mas sim de cumprir as palavras de Cristo: “Docete omnes gentes, ensinai, instrui, mostrai a todos a verdade”. Esse foi um dos motivos pelos quais os jesuítas desempenharam na Europa e também no chamado “Novo Mundo” o papel de educadores, unido à veia missionária da Ordem. Para seu estudo é obrigatória a leitura da tradução do documento para o português, feita pelo padre jesuíta Leonel FRANCA (1952). É recomendável também a consulta à mais recente edição francesa, traduzida por DEMOUSTIER & JULIA (1997), que traz junto o original latino (Ver Referências Documentais). Além da leitura do próprio documento, consultar as Constituições da Companhia de Jesus que ajudam a entender as normas que regem o funcionamento interno da Ordem (Ver Referências Documentais). As obras essenciais relacionadas ao tema foram escritas por Daniel ROPS (1965), A. GUILLERMOU (1960), L. LUKÁCS (1965 e 1974), José Maria DE PAIVA (1981), IGNÁCIO DE LOYOLA (1982), R. FRÖLICH (1987), Émille DÜRKHEIM (1990), DE DAINVILLE (1991), Cézar de Alencar ARNAUT DE TOLEDO (2000) (Ver Referências Historiográficas). (TOLEDO, C. A. A. et al., 2006).

Margarida Miranda, professora do Instituto de Estudos Clássicos da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, compilou, em seu blog, algumas passagens desse importante do-

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cumento. Vejamos, pois, alguns extratos para termos uma ideia do pensamento educacional dos jesuítas: Nada deve ser mais importante nem mais desejável […] do que preservar a boa disposição dos professores […]. É nisso que reside o maior segredo do bom funcionamento das escolas […]. Com amargura de espírito, os professores não poderão prestar um bom serviço, nem responder convenientemente às [suas] obrigações. [...] Quando um professor desempenha o seu ministério com zelo e diligência, não seja esse o pretexto para o sobrecarregar ainda mais e o manter por mais tempo naquele encargo. De outro modo os professores começarão a desempenhar os seus deveres com mais indiferença e negligência, para que não lhes suceda o mesmo. [...] Incentivar e valorizar a sua produção literária: porque “a honra eleva as artes”. [...] Em meses alternados, pelo menos, o reitor deverá chamar os professores […] e perguntar-lhes-á, com benevolência, se lhes falta alguma coisa, se algo os impede de avançar nos estudos e outras coisas do gênero. Isto se aplique não só com todos os professores em geral, nas reuniões habituais, mas também com cada um em particular, a fim de que o reitor possa dar-lhes mais livremente sinais da sua benevolência, e eles próprios possam confessar as suas necessidades, com maior liberdade e confiança. Todas estas coisas concorrem grandemente para o amor e a união dos mestres com o seu superior. Além disso, o superior tem assim possibilidade de fazer com maior proveito algum reparo aos professores, se disso houver necessidade. (FIOLHAIS et al., 2008, n.p.).

Vale dizer que, em sua maioria, as escolas do período, católicas ou protestantes, eram voltadas para a formação de uma elite cultural destinada ao convívio na corte e formada por nobres, cuja intricada relação de linhagem familiar concedia medidas de poder e importância distintas. A lógica de prestígio que vigorava nas cortes absolutistas, como não podia deixar de ser, também vigorava no âmbito da educação.

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Se a maior parte das poucas escolas existentes até então era destinada ao ensino de príncipes e guerreiros, ordens às quais o poder do saber era concedido, os movimentos de Reforma religiosos propiciaram certas modificações nessa disposição, já que uma de suas prerrogativas era a socialização do saber. Além disso, a difusão dos livros e a alfabetização da população, movimentos comuns, já demonstravam que a educação era necessária às novas perspectivas daquela sociedade e era possível em várias de suas instâncias, ainda que de maneira diferenciada. Para saber mais! ––––––––––––––––––––––––––––––––––– Popular na Idade Moderna.

Cultura

zendo se adequar a seus parâmetros de interdisciplinaridade – sobremaneira criado e quais suas consequências (o que representa e como desenvolve nosão comparativa de Marc Bloch para não furtar o leitor de uma visão mais

No primeiro capítulo, trabalha com os contos populares, relatos de viagem e canções. O segundo capítulo discute a metodologia de uma pesquisa histórica sobre a cultura. Ao terceiro capítulo reserva o tema da mediação da cultura, historiadores. Da transmissão dessa cultura se ocupa no quarto capítulo, não em suas matérias, mas em seu locus. Ao quinto capítulo, relações de gênero e continuidades nessas estruturas, sobretudo nas literárias, para as quais o -

tros nos quais as apontadas transformações culturais aconteceram, ligando-as

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O interessante desse trabalho é que ele lida com a educação popular e não formal da época. Ora, bem sabemos que há diversas modalidades ou tipos de ensino de acordo com a riqueza e a classe social das pessoas. Também sabemos o quanto é difícil encontrar referências sobre a instrução das classes menos abastadas: eis o caso! Burke aborda a cultura e o modo de disseminação desta na sociedade europeia ocidental e, mais do que isso, inicia seu trabalho por uma revisão teórico-metodológica sobre como estudar a cultura.

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Há que se assinalar, ainda, que houve alguns movimentos de reação à Contrarreforma forjados na criação das escolas de Port Royal, por exemplo: [...] As escolas desta ordem representavam uma reação contra a educação jesuítica, tanto em sua concepção da educação quanto em seu método atingiram importância não pelo número nem pela duração de 1637 a 1661, mas por sua influência, a qual, aliás, se limitou à França e se exerceu sobretudo pelas obras dos membros da Ordem. (MONROE, 1958, p. 206).

Assim como nas escolas fundadas por Durvengier de Houranne: [...] mais conhecido como São Cirano, nome da abadia que dirigia. Diversos líderes da Ordem escrevem tratados educativos que tiveram ampla divulgação. Os seus alunos mais famosos foram La Fontaine (1621-1695) e Pascal (1623-1662). (MONROE, 1958, p. 207).

Não obstante, os momentos que sucederam as chamadas Reforma e Contrarreforma foram marcados pela tendência de sistematização e racionalização do ensino e da noção de educação. É preciso entender que, com as mudanças na postura em relação à fé, a sociedade europeia passava por um momento de busca de um novo paradigma de explicação do mundo; nesse sentido, o modelo científico – pretensamente racional e objetivo – respondia às expectativas da população na medida em que tornava o conhecimento acessível a todos e não somente aos

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“iniciados” ou “escolhidos”. Além disso, as mudanças na maneira como a produção e a economia eram encaradas suscitavam a urgência por uma forma sistematizada de ensino, que fosse capaz de suprir o crescente mercado de trabalho de homens aptos às novas funções. Esse ensino precisava, portanto, ser rápido, útil e democrático.

O REALISMO NA EDUCAÇÃO Na busca por soluções para as novas condições socioeconômicas, de meados do século 16, vários pensadores do período debruçaram-se sobre o estudo da educação e da pedagogia. Entre as tentativas de atender às demandas por uma maior formação profissional daquele momento, cuja maior expressão foi dada pelas Revoluções Inglesas, algumas correntes podem ser destacadas, como o movimento que ficou conhecido como Realismo e esteve vinculado a importantes pensadores, como Rabelais (1483-1553); Francis Bacon, com sua Psicologia Educacional; John Milton (1608-1674), com seu Tratado sobre educação; Montaigne (1533-1592), com Da pediatria, da educação das crianças e Da afeição dos pais pelos filhos; e Richard Mulcaster (1530-1611), autor da frase “O fim da educação é auxiliar a natureza a alcançar a perfeição”, noção representativa desse movimento, que se caracterizou pela aspiração à universalidade, pelas reservas ao Humanismo e pelo Realismo Sensorial – entendido como o início do movimento científico moderno. Para saber mais! ––––––––––––––––––––––––––––––––––– gues de Menezes, em seu blog Ao correr do Teclado. Nele, Menezes se esque-

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rei e estudou Medicina, mas assinala que Pantagruel é um gigante amante da e anticristão, Rabelais ri dos costumes católicos e propõe fé na vida natural.

O bom homem Grangousier bebia e se regalava com os outros, escutou o horrível grito que seu filho deu ao entrar na luz do mundo, exigindo: “Beber! Beber! Beber!” Então disse: “Que garganta!” Ao ouvirem isto, os assistentes disseram que a criança deveria se chamar Gargântua, porque esta havia sido a primeira palavra dita pelo pai após o nascimento, em imitação ao exemplo dos antigos hebreus, com o qual ele concordou, e agradou bastante também à mãe. E, para acalmar a criança, eles lhe deram de beber em abundância, e a carregaram até à fonte e a batizaram, como é o costume dos bons cristãos. E ordenaram que trouxessem dezessete mil, novecentas e treze vacas de Pautille e Brehemond para amamentá-la ordinariamente, porque era impossível encontrar amas suficientes no país, considerando a grande quantidade de leite necessária para alimentá-la; apesar de alguns médicos escotistas terem afirmado que sua mãe a amamentaria e que ela poderia tirar de suas mamas mil, quatrocentos e dois barris e nove canecas de leite por vez; o que não é provável, e esta proposição foi considerada mamariamente escandalosa e ofensiva a ouvidos pios, e com um toque de heresia. E-Referências Ao correr do teclado. Disponível em: . Acesso Gargântua

(excertos).

Disponível

em:

. Acesso em: 27 ago. 2014. O desaparecimento da infância. Rio de Janeiro: Graphia, 1999. MARANGON, A. C. R. Janusz Korczak, precursor dos direitos da criança: uma

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QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS Sugerimos que você procure responder, discutir e comentar as questões a seguir, que tratam da temática desenvolvida nesta unidade. 1) Qual é o nome da corrente de pensamento que prevaleceu no início do Renascimento?

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a) Humanismo. b) Realismo. c) Comportamentalismo. 2) Martinho Lutero, antes de liderar a Reforma Protestante, era: a) um homem sem religião. b) um protestante. c) um mestre católico. 3) O realismo inglês foi uma das criações de: a) Shakespeare. b) John Locke. c) Thomas More.

Gabarito Confira, a seguir, as respostas corretas para as questões autoavaliativas propostas: d) a. e) c. f) b.

CONSIDERAÇÕES Assim, vimos como a educação da época moderna passou por uma série de mudanças. Todavia, de um modo geral, pode-se dizer que ela tenha se alargado e laicizado. Desde os ateliês e corporações de ofício, o que vemos é uma abstração constante do ensino, o que poderia nos levar a concluir que a instrução se elitizou. Desde os mosteiros e seminários, católicos e protestantes, o ensino aproximou-se da escrita e da leitura, cuidando para que essas atividades fossem cada vez mais recorrentes. Entrementes, a instrução passa a figurar como uma questão de Esta-

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do: investir na educação passa a representar um investimento no bom funcionamento e na prosperidade do Estado em si, na medida em que a burocracia ganha cada vez mais importância nas relações exteriores – lembremos que o exterior, com a expansão marítima, é cada vez maior. Não obstante, a configuração das línguas vernáculas como línguas cultas também implica uma necessidade ampliada e distintiva de instrução e, se a educação dos povos os diferencia entre si, também a educação dos pares os distingue. Eis a emergência da sociedade de corte e com ela, pouco a pouco, do Iluminismo.

FIOLHAIS, C. et al. The Rerum Natura. Disponível em: . Acesso em: 27 ago. 2014. TOLEDO, C. A. A. et al. Ratio studiorum. Disponível em: . Acesso em: 27 ago. 2014.

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UNIDADE 4 A CULTURA DOS VIAJANTES E A EDUCAÇÃO EM SEUS DESTINOS

Carollina Carvalho Ramos de Lima Dennys Montagner

OBJETIVOS • Apresentar um panorama da literatura de viagem produzida nas primeiras décadas do século 19 sobre o Brasil. • Refletir sobre o impacto do gênero na formação cultural do Brasil-Nação. • Analisar a passagem dos estrangeiros pelo Rio de Janeiro na época de Dom João VI. • Mapear as visões dos viajantes estrangeiros acerca da educação no Brasil oitocentista. • Avaliar a contribuição desses visitantes estrangeiros no processo de institucionalização da cultura escrita no país recém-independente.

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CONTEÚDOS • Relação dos estrangeiros com a cidade do Rio de Janeiro antes e depois de 1808. • Principais medidas adotadas pelo governo português para criar, na nova sede do Império, uma atmosfera europeia, moderna e civilizada. • Participação dos estrangeiros nesse processo de urbanização e institucionalização da cultura escrita, bem como as diligências do Estado nesse sentido.

ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que você leia as orientações a seguir: 1) Antes de começar seus estudos, é importante que você tenha em mente algumas informações sobre os autores desta unidade. Isso lhe ajudará a tomar uma posição crítica sobre o conhecimento que está prestes a contatar, bem como a buscar, num momento posterior, informações que possam complementar seu aprendizado. 2) O presente texto é resultado das pesquisas realizadas durante a produção da dissertação de mestrado e de estudos complementares dos autores. LIMA, C. C. R. Os viajantes estrangeiros nos periódicos cariocas (1808-1836). Franca-SP: UNESP, 2010. Carollina Carvalho Ramos de Lima é bacharel e licenciada em História pela Faculdade de História, Direito e Serviço Social da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP; Mestre em História pelo Programa de Pós-Graduação em Histó-

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ria da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP, Campus de Franca; Doutoranda do Programa de Pós-Graduação do Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade de Campinas – UNICAMP. Trabalha atualmente como professora do Instituto Germinare do Grupo JBS e na Instituição de Ensino Superior Anhanguera Educacional. Entre seus principais trabalhos estão: O Rio de Janeiro no tempo de D. João VI, publicado pela Revista OPSIS (Dossiê História e Sensibilidades) – Universidade Federal de Goiás. Catalão-GO, v. 8, n. 11, jul./dez. 2008, p. 341-360 e Os viajantes estrangeiros nos periódicos cariocas (1808-1836). Franca-SP: UNESP, 2010. Dissertação (Mestrado em História). Dennys Montagner é seu esposo e revisor oficial, mestre em História Econômica pelo Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Econômico do Instituto de Economia da Universidade de Campinas – UNICAMP. Trabalha atualmente como professor do Colégio Brasília de São Paulo e da União das Instituições de Ensino Superior de São Paulo – UNIESP. Seu principal trabalho é sua dissertação de mestrado, cujo título é A gestão dos recursos do primeiro Programa de Valorização do Café (1906-1914), disponível no site da Unicamp.

3) Ciente dos caminhos de pesquisa dos autores, prepare-se para uma leitura que deverá ser feita em dois momentos: primeiro, o texto principal, e após sua reflexão, o(s) texto(s) complementar(es). 4) Todas as nossas unidades contêm um tópico intitulado Sintetizando; é nele que as referências principais da unidade são revisadas. Procure dar bastante atenção à leitura desse tópico e faça anotações sobre pontos que também deveriam figurar nele. 5) Na sequência, sugerimos que faça um quadro sinóptico e/ou mapa mental dessa leitura, o que facilitará o desenvolvimento de suas atividades. Também aproveite esse momento para perguntar ao seu tutor so-

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bre algum ponto que não ficou claro ou que lhe deixou curioso em sua leitura. 6) No final de cada unidade, há um tópico intitulado Textos Complementares, em que há a indicação de um livro, um artigo e um filme sobre o tema estudado. Não deixe de passar os olhos em pelo menos um desses materiais, são eles que vão garantir que seu aprendizado seja mais duradouro e profundo!

INTRODUÇÃO À UNIDADE Há uma relativa escassez de notícias sobre o Brasil vindo de fontes estrangeiras, em períodos anteriores à vinda da família real ao país. Devido às políticas de defesa do território brasileiro, os estrangeiros eram recebidos nos portos brasileiros com grande desconfiança e não podiam transitar livremente pela colônia portuguesa. A abertura dos portos brasileiros ao comércio marítimo internacional, decretada por D. João VI, não apenas favoreceu, comercialmente, os estrangeiros como também facilitou a entrada dos viajantes europeus, dando origem ao aparecimento de livros de viagens sobre o Brasil em quantidades cada vez maiores. Sendo assim, esta unidade versa sobre um período no qual o Brasil alcançou notoriedade na literatura de viagem mundial. Entre 1808 (abertura dos portos) e 1836 (publicação da revista Niterói – marco do Romantismo no Brasil), o número de viajantes convidados pela corte triplicou, se comparado aos séculos anteriores, resultando no aumento de livros publicados na Europa a respeito do Brasil. Dada a complexidade deste assunto, nesta unidade nos restringimos à análise de relatos acerca do Rio de Janeiro. Isso porque a cidade, desde a metade do sécu-

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lo 18, passou a se destacar no contexto do Império Português. Três eventos exemplificam a importância alcançada pela cidade fluminense: transferência da capital de Salvador para o Rio em 1763; mudança da Corte para a cidade, em 1808; e, por fim, a elevação do Brasil a Reino Unido de Portugal Algarves, em 1815. Consideramos, portanto, o Rio de Janeiro uma referência política e cultural para todo o Império, já que a cidade foi o centro político-administrativo e palco do desenvolvimento das belas-letras, irradiando modelos de comportamento para a nação como um todo. Em 1822, enquanto ações revolucionárias fragmentavam as antigas colônias da América espanhola, no Rio de Janeiro uma cerimônia de sagração coroava o novo imperador constitucional do Brasil, D. Pedro I; era, portanto, o nascimento de uma nova nação. Então era preciso formar um estado autônomo, forte e coeso, o que implicaria, necessariamente, a criação de uma brasilidade, de um sentimento de pertença e de identificação com a pátria recém-independente. Nesse contexto, os jornais exerceram um papel relevante, pois foram eles, dadas as facilidades de circulação e acesso, os responsáveis pela divulgação de um ideal pátrio, no qual foi possível delimitar os contornos da nação. Esses jornais, apesar de sua efemeridade, foram talvez o maior veículo de propagação de ideias e conceitos sobre o Brasil e sua gente, durante a primeira metade do século 19. Os relatos de viagem foram importantes nesse processo, pois instituíram sentidos à nossa história por meio de um discurso que era o resultado de observações, descobertas e interesses. Em outras palavras, a identidade brasileira construiu-se por meio da leitura que realizou a intelectualidade brasileira das visões dos estrangeiros, por meio de seus relatos de viagem e, mais ainda, pela própria convivência que estes estabeleceram

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nos diversos círculos de contato que a elite nacional constituiu, o que significa, em outros termos, que o espaço político e social que a Corte estabeleceu na capital do Império contou com a presença marcante desses estrangeiros, que de perto trocaram com os nacionais seus costumes e visões de mundo.

A VIAGEM, A LITERATURA DE VIAGEM E OS VIAJANTES Pensar em uma Literatura de Viagens é admitir, a priori, que há um conjunto de textos construído a partir de um deslocamento espacial (a viagem), real ou imaginário, que possui protocolos narrativos próprios e que forma um conjunto autônomo e distinto de outros conjuntos textuais. No entanto, não se trata de uma noção tão simples, talvez por conta da variedade de textos que compõem seu corpus – cartas, diários, itinerários, relatórios, memórias e narrativas – e da própria ambiguidade presente no conceito de viagem. Rastreando alguns dicionários editados até o século 19, o termo “viagem” foi praticamente definido da mesma forma, o “[...] caminho que se faz por mar [...]” (BLUTEAU, 1728, p. 174); vinculando, assim, a viagem às atividades marítimas. No entanto, o dicionário de António de Morais Silva, publicado em Lisboa, em 1831, acrescentou outras informações – importantes para pensarmos o sentido que essa noção ganha no século 19 – àquelas vinculadas por seus antecessores: VIAGEM: s.f. O caminho que se faz por mar: desfazer a – arribando, ou por outro tal estorvo. Jornada. Viajante, Viajeiro, Viajar, Viajador: com todas estas formas exprimem os portugueses modernos a mesma ideia. Os antigos tinham o termo viagem, que parece significativa mais comumente navegação, ou jor-

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nada, ou caminho, e sendo longas e em país estrangeiro, pela palavra peregrinação. Hoje é geralmente adotado o vocábulo viagem para significar outras jornadas, e dele derivamos com boa analogia o verbo viajar, pelo qual dizíamos d’antes peregrinar, ver o mundo, andar por terras estranhas, ou fazer jornada, fazer caminho, etc. De viajar se forma naturalmente o adj. Viajante, que diz tanto os antigos viadante, e caminhante. Porém, viagem, do francês voyageur, e viajador, do italiano viaggiatore, são escusados, como também viajente, que Madureira pretende derivar do latim Viagens. Viajeiro, que achamos usado pelo P. Pereira, e por outros escritores, também não é necessário; mas tem melhor analogia, e podem bem derivar-se de viagem, assim como de portagem, portageiro, de mensagem, mensageiro etc. Glossário por D. Francisco de São Luiz. (SILVA, 1831, 19).

É interessante notar que, para além do alargamento da própria noção viagem, esta aparece análoga à ideia de mensagem, o que por sua vez nos remete à ideia de que o viajante ocupa a função de mensageiro, aquele que, segundo a definição desse mesmo dicionário, “[...] traz ou leva mensagens de uma a outra parte.” (SILVA, 1831, 19). Destarte, o viajante é um mediador entre a sua cultura e a cultura do lugar que visita. Entendida como gênero literário, a escrita de viagens apresenta características linguísticas, literárias e históricas que lhe são próprias, temas recorrentes (tópicas) e metáforas que, embora não sejam uma exclusividade do gênero, se impõem de forma significativa pela frequência, originalidade e modo de tratamento. A literatura de viagem é, sem dúvida, um importante veículo de informações, que torna conhecidos, em escala planetária, lugares inusitados, curiosos, distantes e culturalmente distintos. Nesse sentido, o viajante e sua literatura de viagem podem ser entendidos com passeurs, termo em francês que faz referência à noção de mediador cultural.

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Na cultura ocidental, a origem da literatura de viagem esteve vinculada à tradição cristã da Peregrinação, intensificada a partir do século 13. Contudo, foi pelo Renascimento e Expansão Marítima, em meados do século 16, que o número de relações de viagens se multiplicou, as “quatro partes do mundo” passaram a estar conectadas, e a escrita tornou-se parte essencial dessa conexão (GRUZINSKY, 2004, p. 63). No decorrer do século 18 surge o Grand Tour (dessa expressão deriva o termo “turismo”), uma excursão, geralmente para a Itália ou França, realizada por jovens aristocratas britânicos a fim de ampliar os conhecimentos adquiridos na educação formal. Uma série de livros e artigos de jornais foi publicada na Europa por esses jovens “turistas”, popularizando esse tipo de texto entre os letrados. O século 18, além do Grand Tour, inaugurou outra modalidade de viagem: as expedições científicas, caracterizadas, em linhas gerais, pelo movimento de viajantes naturalistas, cujo objetivo era investigar, medir, classificar e quantificar o material recolhido ao longo da viagem, a partir dos pressupostos taxonômicos de Carl Linné e, na segunda metade do século 19, de Charles Darwin. Com um público leitor consolidado, o século 19 assistiu à publicação de uma série de coletâneas de viagens, cartas e mapas de expedições e também viu proliferar obras literárias – como Itinéraire de Paris à Jerusalém (1811), de Chateaubriand; Voyage em Orient (1835), de Lamartine; e Voyage em Orient (1856), de Nerval – ambientadas na América, China e África. Esse período também se notabilizou pela publicação de grandes coleções de viagem, conjunto de livros (porque, geralmente eram publicadas em vários volumes) que compilavam diferentes narrativas, novas ou milenares, e que se tornaram verdadeiros best-sellers para a época. Os editores dessas coleções não mediam esforços para agradar o público leitor, tanto que quando julgavam necessário

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adaptar um livro de viagem, faziam-no, inserindo mapas, gravuras, ilustrações e, em alguns casos, até notas explicativas. O Brasil, nesse contexto, passou a figurar significativamente nas relações de viagem a partir de 1808, quando os empecilhos que existiam para a permanência de estrangeiros na Colônia deixaram de vigorar, graças à Abertura dos Portos, decretada pelo rei D. João VI, após a instalação da Família Real no Rio de Janeiro. Desde a vinda da Corte Portuguesa e a abertura dos portos, a vida na cidade fluminense passou a seguir muito de perto o movimento de embarque e desembarque de pessoas e de mercadorias do seu porto. Pela cosmopolita praça cívica, além das caixas abarrotadas de produtos europeus e dos inúmeros escravos que ali eram comercializados, circulavam também estrangeiros de diferentes origens, que traziam na bagagem as novidades de um mundo considerado moderno e civilizado. (FIGUEIREDO; LENZI; SANTOS, 2005, p. 11). A região do desembarque concentrava os principais órgãos da administração portuguesa: o Palácio Real, a Alfândega e o Tribunal da Relação. Tais prédios dividiam espaço com o notável convento do Carmo e com o Mosteiro de São Bento. Além disso, a região era o endereço dos mais ilustres comerciantes da cidade e abrigava a sede da Junta do Comércio. (MACEDO, 2001, p. 2935). A capital fluminense concentrava também uma diversificada gama de profissionais liberais, que faziam do Rio, além de centro político, um polo cultural. Os inúmeros estrangeiros que circularam pelo Rio de Janeiro participaram do desenvolvimento urbano e institucional que, nas primeiras décadas do século 19, conferiu novas formas à capital. A partir do documento produzido pelo Arquivo Nacional,

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Registro de Estrangeiros (1808-1822), é possível dimensionar a movimentação e a atuação dos estrangeiros nesse período: O número de estrangeiros que entraram no Brasil entre 1808 e 1822 é espantoso. Só o cartório do Rio arrola 4.234, sem contar, em muitos casos, esposas, filhos e criados. Uns 1.500 eram espanhóis, sobretudo hispano-americanos, quase 1.000 eram franceses, mais de 600 eram ingleses, e mais de 200 eram alemães. Havia também italianos, suíços, norte-americanos, suecos, holandeses, irlandeses, austríacos, dinamarqueses e escoceses. Procediam da China, de Java, do Cabo da Boa Esperança, da Índia, do Egito, das ilhas do Cabo Verde, das Canárias, de Moçambique e Luanda, Malta, Grécia, Rússia, Martinica e de todas as partes da América espanhola. Entre eles figuravam 23 médicos e cirurgiões, 17 pintores, 15 professores, 14 músicos, 13 bailarinos, 10 atores, quatro farmacêuticos, 21 alfaiates, 17 sapateiros, 17 cozinheiros, 10 padeiros, nove jardineiros, nove modistas e um número análogo de artesãos. Muitos estavam em trânsito, alguns entre portos estrangeiros, mas a grande maioria ficou no Rio de Janeiro. Esses adventícios deram números e elementos culturais novos à capital e ao país. (OLIVEIRA, 2005, p. 125).

Para além desses ofícios característicos das cidades, os estrangeiros tiveram papel fundamental no desenvolvimento das ciências e das artes na jovem capital do Império Português. Eles ajudaram a promover o que podemos chamar de europeização dos costumes brasileiros. O restabelecimento das relações diplomáticas entre Portugal e outras nações europeias, especialmente Inglaterra, França, Alemanha e Áustria, estimulou acordos de cooperação econômica e política, bem como o intercâmbio cultural e científico com esses países, possibilitando a organização de expedições científicas ao Brasil. Tais expedições foram decisivas para o mapeamento da natureza brasileira e para a difusão das tendências europeias

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nas artes e no ensino de ofícios técnicos para os habitantes da capital. Alguns de seus integrantes estabeleceram residência no país, mas a maioria era “nômade”, transitando pelas principais províncias do Brasil, tais como Rio de Janeiro, Bahia, São Paulo, Minas Gerais, Santa Catarina e Recife. O período entre 1816 e 1821 foi marcado por grandes expedições culturais e científicas, organizadas com o patrocínio das cortes europeias: a primeira, de 1816, foi a Missão Francesa (patrocinada pelo governo português); no ano seguinte, foi a vez da Missão Austríaca e, em 1821, a Expedição Langsdorff. Dessas missões, originaram-se boa parte dos relatos e das litografias sobre o Brasil da primeira metade do século 19. A conhecida Missão Artística Francesa foi uma das primeiras medidas no âmbito cultural, mais especificamente no que concerne ao ensino das artes, tomada pelo Estado português depois da transferência da Corte. (OLIVEIRA, 2008, p. 27). A iniciativa partiu de Antônio de Araújo Azevedo, o Conde da Barca, que, ocupando o Ministério de Assuntos Estrangeiros, teve a ideia de fundar, no Rio de Janeiro, uma escola de ciências e artes. Para que tal intento se concretizasse, o Conde da Barca incumbiu o Marquês de Marialva, o então representante do governo português em Paris, de contratar, em 1815, profissionais da arte que o pudessem fazê-lo. (PEDROSA, 1995, p. 44). A ideia, o convite e a organização da missão francesa foram, sem dúvida, motivadas por questões políticas e diplomáticas entre o Brasil e a França. A partir de 1815, percebem-se articulações em torno do estreitamento das relações entre as duas monarquias, tanto pelas ações do coronel Maler e de outros representantes do governo francês no Brasil quanto pelas ações dos agentes portugueses em Paris. No entanto, para além

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de tais questões, D. João deixava transparecer a preocupação com o desenvolvimento do ensino “técnico” na colônia, o que de certa forma explica os diferentes perfis dos integrantes da missão (DIAS, 2006, p. 301), que contribuiriam, decisivamente, para a implementação da Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios na Corte (PINASSI, 1998, p. 57). O intento do Príncipe Regente coadunava com as ideias de Lebreton. Em uma de suas cartas, datada de 3 de outubro de 1815, encaminhada ao representante da Corte Portuguesa em Paris, o líder da missão reafirmava que seu desejo era organizar um projeto voltado para os Ofícios, sob a proteção do governo lusitano: Uma vez estabelecida esta exclusão (isto é, retirada a ameaça da revolução), eu gostaria de enviar ao Brasil talentos práticos que aí propagassem a indústria. Esta classe de homens é a mais fácil de se governar; ela está muito bem em todos os lugares onde ela prospera. É necessário ao Brasil o crescimento da indústria, visto que os Estados que o rodeiam o adquirem a cada dia tomarão um crescimento muito grande (distanciamento?); É o caso, de alguma maneira, que conduz os homens de um mundo ao outro, e quando a imigração é considerável, nem a sabedoria dos Governos consegue dirigir este mínimo acaso; acontece como nos Estados Unidos, onde a amálgama não se dá, ou se dá de forma prejudicial. O Brasil não está tomado pelas ações políticas ou religiosas. O Governo estabelece, com grande maestria, um bom sistema de colonização. [...]: mas para não antecipar nada sobre os desenvolvimentos que se seriam, talvez, generosos demais, eu chego ao ponto de vista específico que me interessa em primeiro lugar, qual seja o de realizar uma escolha limitada de homens dotados de conhecimentos ou de talentos práticos. (DIAS, 2006, p. 306).

O Decreto de 12 de agosto de 1816, que determinava a criação da Academia de Belas Artes, para qual a missão francesa havia vindo ao Brasil, somente saiu do papel dez anos mais tarde, em 1826. Durante esse tempo, ocorreram muitos desentendi-

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mentos entre a comitiva e o governo português, especialmente porque, segundo Mário Pedrosa (1995, p. 98), havia uma “[...] incompatibilidade manifesta entre os artistas que vieram, todos bonapartistas fervorosos, principalmente seu guia, e a realidade de uma Corte ainda apavorada com as ideias revolucionárias que ainda agitavam a França.” No mesmo ano, outro decreto, promulgado em 23 de novembro de 1820, pretendia efetivar o projeto de 1816, e determinava que, sob a alcunha de Academia de Artes, tivessem início as aulas de desenho, pintura, escultura e gravura. Por meio desse decreto, ficou determinado que o cargo de diretor da academia seria ocupado pelo pintor português Henrique José da Silva, e a função de secretário passaria para outro português, o padre Luís Rafael Soyé. Com a posse de dois portugueses para os cargos de maior destaque da academia, o ambiente foi tomado pelo descontentamento entre os artistas franceses e constantes desavenças com o novo diretor. Nicolau Antonio Taunay não se conteve e, “[...] reagindo à afrontosa escolha, retirou-se em princípios de 1821 para a pátria.” (PEDROSA, 1995, p. 52-53). Ficaram no Brasil apenas Debret, Grandjean de Montigny, Augusto Taunay – o filho de Nicolau – e Félix Émile. Jean Baptist Debret, desde sua chegada ao Brasil, destacou-se entre os membros da comitiva pelos inúmeros trabalhos que fez para a Corte e por seu empenho em viabilizar o projeto do Conde da Barca e de Lebreton. Paralelamente aos trabalhos de cenógrafo da monarquia e pintor oficial da missão francesa, o francês produziu inúmeros retratos da família real e de seus ministros. Debret também desenhou na ocasião da proclamação da Independência, em 1822, o primeiro símbolo da nova nação – a bandeira brasileira (OLIVEIRA, 2008, p. 28-29).

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O advento da missão francesa para o Rio de Janeiro foi resultado de diligências que pretendiam a organização de uma estrutura educacional voltada para o aperfeiçoamento das artes e dos ofícios e representou um grande impulso para o desenvolvimento de novas ideias e comportamentos na capital brasileira. Dentre os efeitos imediatos provocados na cultura local, podemos assinalar: O primeiro deles, talvez o mais contundente, foi emancipar a inteligência local da predominância artística e intelectual da antiga metrópole, estabelecendo uma ruptura fundamental com a cultura desenvolvida na era colonial[...]. De forma geral, pode-se dizer que a Missão promoveu uma transformação radical no gosto do carioca. (FRANÇA, 1999, p. 57-58).

Mas, para além desses objetivos almejados por seus idealizadores, a presença do grupo francês difundiu novos padrões de convivência e sociabilidade, além de influenciar nos traços arquitetônicos da capital do Império luso-brasileira. Pelo longo tempo que estiveram na cidade e o prestígio que alcançaram nesse período, Jean Debret e Grandjean de Montigny foram os principais responsáveis pelas obras que deram ao Rio de Janeiro um novo perfil urbano. Depois de 1816, as casas mal planejadas, rústicas e de fachadas monótonas, principalmente por influência de Montigny, o arquiteto da missão, cederam lugar para modernos palacetes (FREYRE, 2006, p. 269-270). Europeus e homens do governo passaram a construir suas residências nos arredores do centro, formando vivendas e chácaras no Catete, na Glória, em Botafogo, no Flamengo e na Tijuca. Os franceses, entretanto, não foram os únicos que colaboraram com a emancipação e enriquecimento intelectual do Rio de Janeiro. Como já dissemos, após a abertura dos portos (1808), várias foram as expedições de cunho científico que pas-

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saram pela cidade. D. João VI esteve preocupado em colocar o Brasil nos trilhos do progresso e, portanto, interessava-lhe conhecer melhor as riquezas do país, motivos que o levaram a ser o principal incentivador das missões científicas capitaneadas pelos estrangeiros, como observou Taunay: Não há dúvida possível, o Brasil muito deve aos estrangeiros que vieram estabelecer-se em seu seio ou dele fizeram motivo de estudo e investigação, visitando e viajando pelas suas vastíssimas zonas, alguns ilustres, muitos prestimosos, todos ativos, enérgicos amigos do trabalho e de coração dedicados ao progresso e à grandeza dessa bela parte do continente. (TAUNAY, 1895, p. 248).

A segunda grande expedição, à qual nos referimos anteriormente, foi a missão austríaca, que desembarcou no Rio de Janeiro em 1817, juntamente com a comitiva nupcial da princesa austríaca Dona Leopoldina. A missão encontrou no matrimônio real a oportunidade de realizar o intento que há algum tempo era desejo de Sua Majestade, o Rei da Áustria: Empecilhos, supervenientes obrigaram, entretanto, o governo real a adiar por algum tempo a expedição. Pouco depois, repetiu sua Majestade bávara o desejo de que empreendesse a viagem àqueles países, e o casamento de Sua Alteza D. Carolina Josefa Leopoldina, Arquiduquesa da Áustria, com S.A Real D. Pedro de Alcântara, Príncipe herdeiro de Portugal, Brasil e Algarves, ofereceu a mais bela oportunidade para a realização da idéia do rei. Justamente quando esse laço unia a nova parte do mundo em relações mais estreitas com a Europa, estava S. M. o Rei de Bávara presente em Viena, e resolveu, de acordo com a corte imperial, fazer seguir, no séquito da ilustre noiva, cientistas austríacos, membros da sua Academia. (SPIX; MARTIUS, 1976, p. 21).

O grupo austríaco permaneceu no Brasil durante quase cinco anos e tinha por objetivo colecionar espécimes e fazer ilus-

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trações de pessoas e paisagens para um museu que seria fundado em Viena. Entre os participantes estavam: Johann Christof Mikan, botânico e entomólogo; Johann Emanuel Pohl, médico, mineralogista e botânico; Johann Buchberger, pintor de plantas; Thomas Ender, pintor; sem esquecer ainda a presença do naturalista italiano Guiseppe Raddi. A estes se juntaram ainda – a convite do Imperador da Áustria e da Baviera – dois viajantes e pesquisadores que se celebrizariam pelos seus depoimentos e escritos sobre o Brasil da época: o zoólogo Johann Baptista Spix e o botânico Karl Friedrich Philip von Martius. Johann Baptist Emanuel Pohl, professor de botânica na Universidade de Praga, veio primeiramente encarregado dos estudos referentes à mineralogia e depois assumiu os de botânica. Na companhia da missão austríaca, recolheu mais de quarenta mil plantas, das quais cerca de cinco mil eram espécies recém-descobertas. Pouco tempo depois do início da missão, desligou-se da expedição e, a partir daí, traçou seu próprio roteiro, empreendendo uma jornada que durou quatro anos pelo interior do Brasil, durante a qual atravessou as capitanias do Rio de Janeiro, Minas Gerais e Goiás, o que lhe possibilitou publicar, posteriormente, uma série de mapas dessas regiões. Pohl morreu em 1834, depois de uma longa enfermidade. De sua viagem vieram a público Viagem no Interior do Brasil e uma obra de botânica, Plantarum Brasiliae icones et descriptiones hactenus ineditae. Sobre o relato, escreveu: Receba o público este trabalho com benevolência e aprovação, não peço maior recompensa ao meu empenho. Se esta viagem, para mim sempre memorável com seus incômodos e fadigas, com suas canseiras e privações, que aumentavam meus caros desejos; se a minha honesta vontade de contribuir, na medida de minhas forças para aumentar os conhecimentos dos domínios da geognosia e das ciências naturais forem apreciadas na

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proposição de seu entusiasmo e sinceridade, estará agradavelmente atingido o alvo que tive na mira. (POHL, 1976, p. 5).

O pintor Thomas Ender foi convidado para fazer parte da missão pelo príncipe de Metternich, comprador de um de seus quadros, premiado num concurso em 1817. Apesar de dominar várias modalidades de pintura, destacou-se como aquarelista. Ender estudou na Academia de Artes Sant’Anna, na Áustria, e se tornou paisagista muito cedo. Não obstante o pouco tempo que ficou no Brasil, cerca de dez meses somente, conseguiu produzir quase oitocentos trabalhos inspirados, principalmente, no Rio de Janeiro e um pouco em São Paulo, sendo a maioria produzida com a técnica da aquarela. Em razão de sua debilitada condição física, o pintor viu impedida a sua permanência em território nacional por mais tempo, partindo em 1818. À comitiva nupcial de D. Leopoldina pertencia também o naturalista italiano Giuseppe Raddi, que por falta de recursos voltou para a Europa em 1º de julho de 1818, levando consigo quatro mil gêneros de plantas e três mil espécies de insetos. Decorrente de seus estudos sobre a fauna e flora brasileira, publicou Flora Brasiliense. Também editou, em 1820, os seus levantamentos botânicos realizados durante a expedição Johann Christian Mikan, em uma obra intitulada Delectus Florae et Faunae Brasiliensis. Porém, dois dos expoentes da missão austríaca, o zoólogo Johann Baptista Spix e o botânico Karl Friedrich Philip Von Martius, ficaram mais tempo no Brasil e percorreram grande parte de seu território. As expedições que empreenderam tornar-se-iam, para a época, uma das realizações mais significativas no que tange ao levantamento da flora e da fauna brasileira para o mundo, já que os estudiosos voltaram à pátria de origem com

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uma parelha de índios, cerca de três mil tipos de insetos e seis mil gêneros de plantas, além das centenas de espécies animais (ISEMBERG, Teresa, 1999, p. 45). A morte do zoólogo Spix, em 1826, fez com que ele somente participasse da confecção do primeiro volume da obra Viagem ao Brasil (1817-1820), relato esse que “[...] aproxima-se mais de um diário de campo, com suas características próprias de espontaneidade e fragmentação da informação temporal e espacial, compensada com a regularidade do registro científico.” (LEITE, 1997, p. 212). A lista dos viajantes que passaram pelo nosso país entre as primeiras três décadas do século 19 é relativamente extensa. Aliás, como salientou Johann Emanuel Pohl: [...] é natural que, numa cidade de tanta importância marítima e comercial, se achem reunidos habitantes de todas as regiões e países do mundo civilizado. Os mais numerosos entre eles são os antigos aliados de Portugal, os ingleses. Aos franceses, com os quais têm afinidade de religião. Os alemães têm boa fama de probidade. Vêem-se também com frequência, italianos, espanhóis, holandeses e até suíços. Como os nossos ferros velhos judeus, que fazem pequenos negócios, aqui os chineses percorrem as ruas do Rio. (POHL, 1976, p. 41-42).

Independentemente da formação ou do país de origem, todos esses estrangeiros, à sua maneira, colaboraram com o desenvolvimento científico, comercial, intelectual e moral da cidade do Rio de Janeiro. Por intermédio desses adventícios, os cariocas, após três séculos de relativo isolamento em relação à cultura europeia não portuguesa, conheceram os modos de pensar e agir do Velho Mundo e, talvez, mais importante ainda, conheceram as riquezas e potencialidades de sua própria terra, da qual pouco se conhecia até então.

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Os avanços, as melhorias e a magnificência aduzida pelos estrangeiros foram peremptórios para os rumos que tomou o Rio de Janeiro. Despertava, então, o sentimento nacionalista, a vontade de estimular minimamente os saberes e mudar os comportamentos de uma sociedade que ainda trazia consigo muitos dos traços marcantes da vida colonial. A sociedade fluminense, das primeiras décadas do século 19, estava disposta a modificar-se e buscava modelos diversos dos da velha metrópole, a fim de se enquadrar no chamado mundo moderno. Por isso, “[...] o afluxo de estrangeiros foi de uma enorme importância, pois não só tirou os habitantes locais da letargia intelectual em que jaziam, como também fomentou entre eles sentimentos morais e políticos fundamentais para a futura emancipação do país.” (FRANÇA, 1999, p. 59). Martius, a esse respeito, escreveu: Quem chega convencido de encontrar esta parte do mundo descoberta só desde três séculos, com a natureza inteiramente rude, violenta e invicta, poder-se-ia julgar, ao menos na capital do Brasil, fora dela; tanto fez a influência da civilização e cultura velha e educada Europa para remover deste ponto da colônia os característicos da selvageria americana, e dar-lhes cunho de civilização avançada. Língua, costumes, arquitetura e afluxo dos produtos industriais de todas as partes do mundo dão à praça do Rio de Janeiro aspecto europeu. (SPIX; MARTIUS, 1976, p. 41).

O estreito contato entre europeus e brasileiros, facilitado após a abertura dos portos, deu ao Rio de Janeiro ares europeizados – como explicitou o naturalista von Martius. Em diversos aspectos da vida carioca, pode-se observar o impacto da cultura europeia e a adoção de comportamentos característicos do Velho Mundo. Além de uma mudança de costumes, isso representou, nas palavras de Octávio Tarquínio, uma metamorfose da fisionomia da antiga cidade colonial:

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Essa reeuropeização modificava extraordinariamente a fisionomia da antiga cidade colonial, impondo-lhes novos estilos de vida, criando-lhes necessidades antes desconhecidas. Nada dará melhor uma ideia do que foi a transformação que se operou no Rio do que a leitura dos jornais, dos anúncios publicados neles, fixando verdadeiros flagrantes, as influências inglesas e francesas nas ideias, nos sentimentos, nos hábitos, nas modas, na alimentação, na vida íntima e na vida social dessa época. (TARQUÍNIO, s/d,s/p apud SOUZA, 1957, p. 34).

O contato estrangeiro insuflou um sopro de vida no Rio de Janeiro; criou e fez crescer o espírito moderno que passou a conviver e influenciar o arcaico no espaço da urbe – tudo coordenado pela batuta política da Corte. As diligências de D. João VI viabilizaram a criação de instituições imprescindíveis para a modernização da capital, tanto no que concerne à infraestrutura quanto no que tange à instrução. Ainda que algumas medidas não tenham saído do papel ou mesmo não tenham sido suficientes para preencher as lacunas deixadas pela política colonial, estas foram indispensáveis como ponto de partida para estabelecer no Rio de Janeiro um estilo de vida mais citadino. No referente à urbanização, as reformas lentamente implementadas pelo Príncipe Regente ofereceram ao Rio de Janeiro um aspecto mais salubre e civilizado, que valorizava seus atributos naturais. A criação de espaços comuns, como o Passeio Público e o Jardim Botânico, aliada à remodelação e ao fortalecimento dos órgãos policiais propiciou uma mudança significativa nos costumes da população fluminense, que passou a trocar a casa pela rua, participando mais assiduamente dos passeios, festejos e cerimoniais da Corte. (FREYRE, 2006, p. 126). O Rio de Janeiro colonial, proibido de travar relações comerciais com outras nações, com ruas tortuosas e escuras, um

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precário sistema de saneamento e mergulhado no obscurantismo intelectual, foi lentamente se transformando em uma cidade de arquitetura aprazível, com constante circulação de pessoas, dotada de uma polícia mais atuante e abastecida pelo comércio daquilo que de mais moderno havia na Europa. A capital dispunha, portanto, de uma vida urbana mais organizada e tornou-se o centro intelectual do país, para onde se dirigiam brasileiros vindos de quase todas as províncias. Dentre as diligências de D. João VI, que possibilitaram ao Rio de Janeiro se tornar uma cidade cosmopolita, no sentido pleno da palavra, é justo destacar a atenção do monarca à questão da instrução pública mediante iniciativas que pretendiam reformar o sistema de ensino e desenvolver no Brasil o gosto “pelos conhecimentos úteis”. Durante três séculos a educação na colônia esteve relacionada à força da Igreja Católica, à atuação do Estado e às posses dos interessados. A Igreja, através da Companhia de Jesus, incumbiu-se, até a segunda metade do século 18, de educar aqueles que residiam na colônia. O Estado português, por sua vez, alicerçou parte das atividades eclesiásticas e, após a expulsão dos jesuítas, em 1756, criou as chamadas aulas régias, além de fomentar a migração de professores estrangeiros para os trópicos (DURAN, 2007, p. 232). Os nascidos no Brasil, se desejassem obter o diploma universitário, deveriam cursá-lo com recursos próprios em Portugal. O inglês J. Luccock descreveu a situação do Brasil no que diz respeito à educação antes da chegada da Corte: [...] não havia escolas na colônia; isto, embora pareça estranho, é literalmente verídico; não havia nenhum dos estabelecimentos comuns para a primeira educação da infância. A grande maioria das pessoas entrava na vida sem que possuíssem o mais leve conhecimento dos primeiros rudimentos da instrução; o que sabiam, tinham-no apanhado principalmente dos caixeiros de seus pais, em geral moços portugueses que haviam

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emigrado na intenção de tirar o melhor partido possível de seus talentos. (LUCCOCK, 1975, p. 86-87).

Em depoimento ao Instituto Histórico francês, em meados de 1830, Francisco Sales Torres-Homem analisou as iniciativas de D. João VI no âmbito da educação, creditando ao rei português os progressos culturais ocorridos no Brasil durante as primeiras décadas do século 19: Dom João, fugindo do palácio de seus antepassados, foi procurar na América um abrigo contra a tempestade. A travessia de um só homem coroado inverteu as posições respectivas de Portugal e do Brasil; o primeiro deixou de ser metrópole; o segundo deixou de ser colônia: os papéis foram trocados. Dessa época data o aparecimento das ciências no Brasil: médicos, matemáticos, naturalistas, literatos para aí afluíram de todos os pontos de Portugal. Dom João VI, embora amoldado ao padrão dos antigos reis, incentivava a emigração para o Brasil; em 1808, no ano de sua chegada, transferiu para o Rio de Janeiro a Academia da Marinha, consagrada às ciências matemáticas e físico-matemáticas e ao estudo da artilharia, da navegação e do desenho; três anos mais tarde, atendendo aos conselhos do Conde de Linhares, seu ministro, fundou na mesma cidade uma Academia Militar com um curso de sete anos, em que ensinavam as ciências matemáticas, militares e naturais; finalmente, anos depois, duas escolas de medicina e cirurgia foram criadas no Rio de Janeiro e na Bahia. Desde então a mocidade brasileira, sem atravessar o Atlântico, sem esgotar seus recursos em uma longa viagem e numa estada mais longa e mais onerosa, pôde dispor, dentro de sua própria pátria, de alguns meios de instrução, imperfeitos sem dúvida, mas que poucas fortunas podiam antes, no regime degradante dos vice-reis, ir buscar em Portugal. (DEBRET, 1972, p. 94).

Quando o Príncipe Regente aportou no Rio de Janeiro, a cidade dispunha apenas de três instituições de ensino: os seminários de São José, São Joaquim e da Lapa. O último (o da Lapa) foi

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fechado alguns meses depois da transferência da Corte, tendo em vista que suas instalações foram ocupadas pelas Carmelitas e anexadas à residência Real (FRANÇA, 1999, p. 60). Já os seminários de São José e São Joaquim possuíam características distintas no que se referia à infraestrutura e à finalidade dos estudos. Pela descrição do comerciante inglês John Luccock: Dos colégios, o de São José é o mais antigo e o mais afamado. Foi provavelmente fundado logo após a Igreja de São Sebastião, encontram-se ao pé do morro que traz seu nome, perto da Rua da Ajuda. Na frente há um portão, mais que sólido, degenerando já para o pesado estilo brasileiro. Passando por debaixo desse portão, os visitantes atingem uma área aberta, coberta de grama, em cujo fundo encontram um só lance de edifício com janela de rótulas pintadas de vermelho. A aparência externa oferecia sinais palpáveis de negligência, e exames ulteriores confirmavam as primeiras impressões. Os quartos eram suficientemente numerosos, mais pareciam incômodos, estando alguns desocupados. Avistamos alguns poucos colegiais que se achavam por ali passeando, de beca vermelha; alguns já tonsurados, mas a maior parte ainda muito jovem. Não apresentavam nenhuma elasticidade de espírito, nenhuma curiosidade sagaz, nenhuma urbanidade de maneiras e pouquíssimo asseio pessoal [...]. Ao sairmos dali estávamos todos prontos a dizer: nem um raio de ciência jamais penetrou aqui. Outro colégio, mais respeitável quanto à aparência e direção que o anterior, encontra-se na estreita e suja rua de São Joaquim, tendo o mesmo que ela. Ali os letrados fazem praça de educar os jovens para futuras funções do estado e de lhes ensinar muito, especialmente os conhecimentos próprios para este fim. Mas embora o governo empreste seu patrocínio à instituição, o número de estudantes é pequeno e, na realidade, a casa não está em condições de os receberem em grande quantidade. (LUCCOCK, 1975, p. 49).

Afora esses dois colégios, havia duas outras possibilidades para se obter uma formação básica: aos homens de posses era

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possível contratar um professor particular (preceptor) e aos pobres restava frequentar a classe de algum mestre-escola instalado na cidade. As aulas régias foram criadas para substituir o sistema de ensino jesuítico, em 1759, após a expulsão da Companhia de Jesus (AZEVEDO, 1976, p. 53). No entanto, o número de professores era irrisório, uma vez que o salário desses profissionais era baixíssimo e, por vezes, viam-se obrigados a improvisar mecanismos para poderem lecionar. Além de custear as instalações das aulas – que geralmente eram dadas em sua própria casa –, os mestres arcavam com os gastos de sua formação pessoal. “Desse modo, a maioria dos professores régios não tinham na atividade de ensino a sua principal ocupação, deixando muito a desejar no que tange à instrução daqueles poucos que conseguiam um professor.” (DURAN, 2007, p. 233). Com a vinda da Corte e a abertura dos portos, muitos estrangeiros que fizeram da capital brasileira o seu novo endereço ofereceram seus serviços de professores particulares por meio de anúncios nos jornais da época, especialmente a Gazeta do Rio de Janeiro e o Jornal do Comércio. Entretanto, apesar do importante trabalho desempenhado pelos estrangeiros e dos esforços dos mestres régios nacionais, a educação básica no país era lamentável. Em 1825, Frei Miguel do Sacramento Lopes fez um balanço dessa atividade: As aulas de primeiras letras, tão necessárias à Mocidade, estão comumente em lamentável estado. Os professores pela maior parte ignoram os primeiros rudimentos da Gramática da língua; e daqui os rapazes saem sem a mais leve ideia da construção e regência da oração, e nenhum conhecimento de ortografia, e prosódia da língua; daqui os barbarismos, os solecismos, os neologismos. E infinitos erros, a que desde os tenros anos vai se habituando a mocidade. (DURAN, 2007, p. 234).

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A débil situação na qual se encontrava a instrução básica nas primeiras décadas do século 19 opõe-se aos avanços que ocorreram no ensino “técnico” no mesmo período. D. João VI esteve mais preocupado com a formação técnica de seus súditos do Brasil, já que a transferência da Família Real demandou novos serviços, exigindo a criação de cursos “profissionalizantes” para capacitar os profissionais cariocas. Ao comentar as políticas do monarca lusitano, o mineralogista inglês John Mawe escreveu: [...] foram adotadas medidas para efetuar uma reforma completa nos seminários e outras instituições de instrução pública; e que o Príncipe Regente, na sua solicitude pelo bem-estar de seus súditos, zelosamente patrocinou todos os empreendimentos, para neles desenvolver o gosto pelos conhecimentos úteis. (MAWE, 1978, p. 86).

No alvará de 1º de abril de 1808, o monarca permitiu o livre estabelecimento das fábricas. A iniciativa teve seu reflexo no ensino do país, sobretudo, porque concedia um papel de destaque aos conhecimentos úteis, uma vez que estes auxiliariam na produção técnica. No mesmo mês, preocupado com o precário serviço de saúde prestado por “médicos” sem qualificação científica, o Príncipe Regente criou no Hospital Militar a cadeira de Anatomia Cirúrgica. E, em 5 de novembro de 1808, um decreto real fundou a Escola Anatômica, Cirúrgica e Médica do Rio de Janeiro. A nova instituição funcionava no Hospital Militar e oferecia aulas de cirurgia, com a duração de cinco anos, cujo intuito era formar cirurgiões práticos que substituíssem o trabalho dos curandeiros. Padre Perereca elogiou a iniciativa de D. João e ressaltou o quanto era benéfica para o país a fundação dessa instituição de ensino:

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Debalde o Brasil, rico em ouro, rico em diamantes, ostentaria riquezas ainda maiores em tantas, e tão diversas produções, que a natureza tão prodigamente repartiu por este imenso país, e que tanto concorrem para benefício dos homens, se eles carecessem de que os soubessem aplicar nas ocasiões precisas com mão hábil, e inteligente, subministrando-lhes os salutíferos remédios. Desta escola, pois, sairão professores de cirurgia para o serviço da Real Marinha, e Exército, para os navios de comércio, para os hospitais, e para as povoações marítimas, e centrais, aonde escassamente tem chegado um ou outro cirurgião, ou médico digno deste nome, com dano. E ruína evidente da população ainda tão mesquinha, principalmente nas capitanias interiores. Graças, e mil graças sejam dadas ao pai da pátria, ao piedoso, e magnânimo Príncipe Regente Nosso Senhor, que, com tanto desvelo e prontidão, ocorreu este mal, criando nesta Corte, tão sábia como previdentemente a primeira Escola Médico-Cirúrgica do Brasil em benefício dos seus vassalos. (SANTOS, 1943, p. 305-306).

Dois anos depois de sua fundação, a Carta Régia de 1810 previa que três hábeis e aplicados alunos do curso de Medicina fossem aperfeiçoar seus estudos em Edimburgo e Londres, para que, quando voltassem ao Brasil, pudessem passar o conhecimento adquirido para outros alunos, de forma a contribuir para o desenvolvimento das Ciências Médicas no país (LIMA, 1996, p. 161). Tanto o médico quanto o cirurgião, além do domínio do sistema classificatório das moléstias, deveriam conhecer “[...] a arte de prescrever remédios necessários para a cura das enfermidades.” (SILVA, 1974, p. 133). O governo português atentou também para outras áreas deficitárias no país. No âmbito do ensino militar, era projeto de D. Rodrigo de Sousa Coutinho, o Conde de Linhares, estabelecer no Rio de Janeiro uma academia de guardas-marinhas. Para efetivar esse plano, o ministro conseguiu espaço no hospício do

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mosteiro de São Bento, onde organizou todos os instrumentos, livros, modelos, máquinas, cartas e planos que possuía em Portugal. Em 1809, para o uso da academia, foi criado um observatório astronômico; e, em 4 de dezembro de 1810, fundou-se a Academia Militar, “[...] agregando-se deste modo por completo ao cultivo das Ciências Exatas o ensino dos profissionais, a técnica da guerra e a arte da defesa.” (SILVA, 1974, p. 161). Maria Beatriz Nizza da Silva destaca a importância dessas academias, uma vez que a arte da guerra ou ciência bélica era entendida como uma área do saber tão superior quanto outra qualquer; além disso, para a época, o militar possuía um estatuto cultural semelhante ao do bacharel ou ao do cirurgião (SILVA, 1974, p. 157). No entanto, apesar do prestígio que a carreira militar gozava, os naturalistas Spix e Martius comentaram que a escola militar atraía poucos alunos: A Real Academia Militar, fundada em 1810, ocupa-se em dar o último remate científico à instrução daqueles que, desde a mocidade, querem dedicar-se ao serviço da guerra; embora provida de bons lentes e favorecida especialmente pelo rei, não tem quase ação alguma, pois faltam alunos. (SPIX; MARTIUS, 1976, p. 55).

Antes de inaugurar a Academia Militar, D. João VI fundou, em 7 de abril de 1808, o Arquivo Militar, cujo objetivo era reunir e conservar todos os mapas e cartas (da costa brasileira, do interior e dos domínios ultramarinos), assim como copiá-los, com a finalidade de retificação das fronteiras, planos de fortaleza, projetos de novas estradas e comunicações. A iniciativa abriria espaço para o trabalho de engenheiros, “desenhadores” e empregados de “maiores luzes”, como afirma o texto do decreto (OLIVEIRA, 2005, p. 109). Atendendo a uma demanda de profissionais qualificados ainda mais urgente e efetiva, o Príncipe Regente instituiu algumas aulas avulsas – cursos de curta duração

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– com finalidades específicas, tais como: o Curso de Economia Política, em 1808; o Curso de Comércio, em 1810; o Curso de Química, em 1812; o Curso de Agricultura, em 1814. (FRANÇA, 1999, p. 63-64). Quando D. João retornou a Portugal, em 1821, malgrado os avanços mencionados, ainda restava muito a fazer no que diz respeito à formação moral e intelectual da população fluminense. Durante a administração de D. Pedro I, o governo não fez muitos progressos na área da educação, conforme observou França: Na verdade se nos restringirmos à atuação dos poderes públicos, as ações civilizatórias levadas a cabo no Primeiro Reinado são bem menos representativas que aquelas que tiveram lugar nos anos de D. João VI. As razões desta desaceleração são muitas – foram anos de pobreza dos cofres públicos e de agitação política nada desprezível. Em razão disso pouco tempo e pouca atenção foi despendida à educação e instrução da população. Mas não se trata um período nulo nesse setor, ao contrário, alguns importantes resultados obtiveram-se dele. (FRANÇA, 1999, p. 68).

No início do primeiro Império pouco se fez pela educação, muito embora a Constituição de 1824, no artigo 179, estabelecesse muito generosamente uma “[...] instrução primária e gratuita a todos os Cidadãos [...]” (parágrafo 12) e garantisse a instalação de “[...] colégios e universidades, onde seriam (sic) ensinados os elementos das ciências, belas-letras e artes.” Três anos depois, a lei de 15 de outubro de 1827 determinava a criação, “[...] em todas as cidades, vilas e lugares mais populosos [...]”, de escolas de primeiras letras (BRASIL, 1824). Além disso, legislava sobre o que os professores deveriam ensinar (artigo 6), sobre a contratação e remuneração dos mestres (artigos de 7 a 10) e sobre a criação de escolas para meninas (artigo 11). Apesar da letra da lei, na prática, as determinações mostraram-se um

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fracasso. Segundo Fernando Azevedo, as falhas foram devidas à incapacidade do governo de gerir a instrução: Os resultados, porém, dessa lei que fracassou por várias causas, econômicas, técnicas, políticas, não corresponderam aos intuitos do legislador; o governo mostrou-se incapaz de organizar a educação popular no país; poucas as escolas se criaram, sobretudo as das meninas, que em todo o território, em 1832, não passavam de vinte, segundo o depoimento de Lino Coutinho, e na esperança ilusória de se resolver o problema pela divulgação do método Lancaster ou de ensino mútuo que quase dispensava o professor, transcorreram quinze anos (1823-1838) até que se dissipassem todas as ilusões. (AZEVEDO, 1976, p. 72).

No âmbito do ensino universitário, não houve nenhum esforço real para a criação de uma instituição de Ensino Superior no Rio de Janeiro. Às instituições fundadas por D. João acrescentaram-se, durante o Primeiro Império, somente dois cursos de Ciências Jurídicas e Sociais. O primeiro, em 1827, instalado na cidade de São Paulo; e o segundo, um ano mais tarde, instituído em Olinda, no Recife. Desse modo, “[...] com as duas faculdades que se fundaram, uma no Norte, outra no Sul, e cujo papel foi capital na vida do país, se completou o quadro das escolas destinadas à preparação para profissões liberais.” (AZEVEDO, 1976, p. 73). Esse conjunto de instituições educacionais – fundadas a partir de 1808 – foi responsável pela formação de toda uma elite de médicos, engenheiros e bacharéis, tornando-se o âmago da vida profissional e intelectual da nação. Outra instituição criada por D. João VI, cuja finalidade era difundir as belas-letras e os conhecimentos úteis, foi a Real Biblioteca (atual Biblioteca Nacional). O decreto de fundação é de 27 de junho de 1810; porém, somente foi inaugurada em 13 de maio de 1811, no dia do aniversário do Príncipe Regente. Instalada no andar superior do Hospital do Convento da Ordem Terceira

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do Carmo, na rua Direita, a Real Biblioteca, em seus primeiros anos de funcionamento, permitiu que o acervo fosse consultado apenas por estudiosos, mediante pedido. Foi em 1814 que a biblioteca passou a ser aberta ao público, a partir de então, a leitura foi franqueada à população como um todo (SPIX; MARTIUS, 1976, p. 47-48). Como observou John Luccock, a Real Biblioteca integrou o rol de instituições científicas da capital brasileira: Como instituições científicas, possui o Rio uma biblioteca e um museu. A primeira está instalada no Largo do Paço em edifício adaptado para o fim, de 3 andares, e contém cerca de 60.000 volumes, na maior parte antigos. Seu diretor foi amabilíssimo, prontificando a mostrar-me tudo. No primeiro andar está a grande sala de leitura, franqueada ao público pela manhã; lá encontrei meia dúzia de leitores. (LUCCOCK, 1975, p. 106).

A princípio, o acervo contou com a valiosa coleção real, vinda de Lisboa com a Corte; porém, constantemente foi enriquecida com doações. Segundo aponta Rubens Borba de Moraes, a Real Biblioteca, somente em 1811, recebeu 2.500 volumes, entre manuscritos e gravuras, do legado literário de Frei Mariano da Conceição Veloso. Em 1815, a Corte comprou a biblioteca particular de Manuel Inácio da Silva Alvarenga e, três anos mais tarde, a coleção do arquiteto José da Costa Silva, “[...] que continha uma valiosa série de estampas, manuscritos e, principalmente, um grande número de desenhos originais de mestres da renascença italiana.” O acervo pessoal do Conde da Barca, falecido em 1817, foi agregado à biblioteca em 1822. No total, a Biblioteca Real contava com cerca de sessenta mil volumes, além das gravuras, manuscritos e mapas. (MORAIS, 1979, p. 85). O francês Ferdinand Denis fez o seguinte comentário sobre o acervo da instituição: Embora se componha, em geral, de livros modernos pertencentes, sobretudo à literatura francesa; a biblioteca do Rio de Ja-

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neiro é desprovida de curiosidades bibliográficas; destaque-se uma grande coleção de Bíblias, entre as quais convém distinguir um belo exemplar da Bíblia de Mongúcia, impressa em 1462, e que faria inveja as mais ricas bibliotecas das capitais da Europa. Entre os manuscritos, distingue-se uma obra magnificamente executada, que trata, como o seu título indica, da Flora do Rio de Janeiro. (DENIS, 1980, p. 130).

Em 1821, quando D. João VI retornou a Portugal, a Real Biblioteca continuou no Rio. No regresso, o monarca teria levado apenas parte dos manuscritos da Coroa – documentos referentes à história de Portugal. Entre as “coisas” deixadas pelo Rei no Brasil e pelas quais Portugal queria ser indenizado, o segundo item mais importante relacionado pelo governo português era a Real Biblioteca. Por meio da Convenção Adicional ao Tratado de Paz e Amizade, de 29 de agosto de 1825, no qual Portugal reconhecia a independência brasileira, D. Pedro I pagou ao governo lusitano a quantia de dois milhões de libras esterlinas pelos bens deixados no Brasil, inclusive a Real Biblioteca, que na ocasião já se chamava Biblioteca Nacional Brasileira. (MORAIS, 1979, p. 84). O acesso aos livros era indispensável ao desenvolvimento do ensino, e este foi facilitado pela Fundação da Biblioteca Real. No entanto, além dos livros que desembarcaram no Rio, juntamente com a Família Real, diversos compêndios foram editados na capital. No estatuto da Academia Militar, por exemplo, havia a exigência de que os professores contratados produzissem seus próprios manuais didáticos e que estes, por sua vez, passariam pelo crivo da Junta Militar, que aprovaria, ou não, a sua impressão. Nesse sentido, outra medida joanina fundamental para o progresso do ensino, bem como para o desenvolvimento das letras no país, foi a autorização da impressão no Brasil, em 1808.

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Padre Perereca, testemunha ocular desse acontecimento, o descreveu com euforia: O Brasil até ao feliz dia 13 de maio de 1808 não conhecia o que era tipografia: foi necessário que a brilhante face do Príncipe Regente Nosso Senhor, bem como o refulgente sol, viesse vivificar este país, não só quanto à sua agricultura, comércio e indústria, mas também quanto às artes, e ciências, dissipando as trevas da ignorância, cujas negras, e medonhas nuvens cobriam todo o Brasil, e interceptavam as luzes da sabedoria. Assim, por decreto datado deste mesmo dia dos seus felizes anos, Sua Alteza Real foi servido mandar que se estabelecesse nesta Corte a Impressão Régia [...]. (SANTOS, 1943, p. 256-257).

Hipólito da Costa, fundador do jornal Correio Brasiliense – que apesar de ser editado em Londres tinha ampla circulação no Rio de Janeiro – também comentou o decreto joanino em seu periódico: O mundo talvez se admirará que eu vá enunciar, como uma grande novidade, que se pretende estabelecer uma imprensa no Brasil; mas tal é o fato. Começou no século 19 e ainda os pobres brasilienses ainda não gozavam dos benefícios que a imprensa trouxe aos homens; [...] Tarde desgraçadamente tarde, mas, enfim apareceram os tipos no Brasil. (CORREIO BRASILIENSE, 1808, p. 393).

O decreto de 13 de maio de 1808, das leis promulgadas por D. João, foi, talvez, o mais importante para o desenvolvimento intelectual do país. Isso porque a Impressão Régia foi a responsável pela edição dos primeiros livros (compêndios) de Matemática, Física, Química, Gramática, História Natural, Filosofia, entre outros, que eram utilizados nos cursos criados na época. Rubens Borba de Moraes fez um inventário das obras publicadas pela tipografia real, e o que podemos observar é que publicações de cunho didático constituíram parte considerável de seu catálogo – apesar de os livros de Literatura no conjunto serem maioria.

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(MORAIS, 1979, p. 107-123). Luccock salientou a importância dos livros educacionais impressos pelo órgão real: A imprensa licenciada [...] produziu mais algumas obras úteis além das que se referem a questões militares. Entre estas, estimamos como a de maior valia o “Tesouro dos Meninos”, que trata da “Moral, virtude e boas maneiras”. Com muita propriedade foi ela dedicada a Dom Miguel, segundo filho do Rei, pois que não há menino que tanto necessite dos seus ensinamentos como esse; sua educação foi mui limitada e infeliz. Um livro intitulado Lições de Filosofia contém por demais dogmas de Aristóteles e dos tempos sombrios para que demonstre que seu Autor não é instruído nem judicioso. Temos também a História das Ilusões Extravagantes e Influência Sobrenatural; as Leis Comerciais do Brasil; várias obras úteis sobre o Comércio e Navegação, muito especialmente um almanaque Náutico, calculado para o Meridiano do Rio, obra malfeita, mas seguida de tábuas de declinação do Sol, de latitudes e de logaritmos; uma ou duas obras de geografia e um Tratado das Doenças dos negros. (LUCCOCK, 1975, p. 379-380).

A imprensa foi crucial para a ampliação do saber no Rio de Janeiro e inconcebível seria pensar o desenvolvimento da cultura e da ciência de forma eficaz sem ela. Malgrado o país, antes mesmo da instalação dos prelos, possuir uma (pequena) elite instruída e familiarizada com a cultura escrita – impressa na Europa e introduzida nos trópicos muitas vezes por contrabando –, o seu alcance era pequeno e a interlocução entre os alfabetizados foi restrita. A presença da imprensa, nesse sentido, ampliou o gosto pelo saber. A inglesa Maria Graham esteve no Rio pela primeira vez em 1821 e teceu o seguinte comentário acerca da fundação da imprensa em 1808: Fundou-se uma gazeta regular, para mais rápida disseminação de quaisquer notícias que chegassem de Portugal, onde haviam ficado as propriedades e os interesses da corte e da nova gente do Brasil. Ainda que a imprensa, naturalmente, não se pudesse

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gabar de muita liberdade, mesmo porque realmente sua liberdade por essa época não teria muita importância, foi isso o primeiro gosto pela leitura, que se tornou, não somente um luxo, mas até uma necessidade em certos países e que aqui progride rápida e diariamente. (GRAHAM, 1956, p. 55).

Pelo que sugere o comentário de Graham, a criação da imprensa oficial no Brasil não significou livre circulação de ideias, já que o governo também criou meios de cerceá-la. Os prelos, a princípio, eram administrados por uma junta composta pelo oficial da Secretaria de Estrangeiros e da Guerra, José Bernardes de Castro, um antigo membro da Sociedade Literária, Mariano da Fonseca, e José da Silva Lisboa. Os três administraram o órgão até 1830, quando a administração passou a ser de responsabilidade do Cônego Januário da Cunha Barbosa. Conforme o regimento (de 21 de junho de 1808), competia-lhes “[...] examinar os papéis e livros que mandassem publicar, fiscalizar que nada se imprima contra a religião, o governo e os bons costumes.” (RIZZINI, 1988, p. 174). A Impressão Régia foi nas duas primeiras décadas dos oitocentos a maior tipografia brasileira, tanto por conta do monopólio quanto pela existência da censura oficial, que afastava do ramo possíveis interessados. Ao todo, a Impressão Régia editou, entre 1808 e 1822, 1.173 títulos, dos quais 531 apareceram nos anos de 1821 e 1822 (RIZZINI, 1988, p. 320-321). Para Rubens Borba de Moraes: A impressão Régia foi uma excelente editora: publicou dezenas de livros de real valor cultural, fez conhecer os poetas famosos, em moda em Portugal, imprimiu os versos nossos, lançou o romance e a novela no Brasil, resolveu o problema didático para o ensino superior inaugurado no Rio de Janeiro e cumpriu sua missão principal quanto à legislação. (MORAIS, 1979, p. 122).

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Com a promulgação da liberdade de imprensa, em 1821, duas tipografias foram instaladas no Rio de Janeiro: a Nova Tipografia e a Tipografia de Moreira e Garcez. No ano seguinte, outras quatro foram montadas na cidade: a de Silva Porto e Cia., de Felizardo Joaquim da Silva Morais, a de Manuel Joaquim Silva Porto e a de Santos e Sousa. Todas se dedicaram à publicação de textos avulsos de cunho político e ao jornalismo noticiário (RIZZINI, 1988, p. 322). A censura lusitana sempre existiu, porém, nunca conseguiu impedir efetivamente que livros e jornais chegassem ao Rio de Janeiro. Antes mesmo do desembarque de D. João, sobretudo a partir da segunda metade do século 18, havia circulação, ainda que restrita, de papéis impressos. Nireu Cavalcanti aponta que, entre 1754 e 1850, a cidade contava com 23 oficiais livreiros, que comercializavam e restauravam livros. Tais profissionais mantinham estreito contato com seus congêneres de Lisboa e do Porto, o que lhes permitiam receber publicações de vários países europeus. Também por conta dessa rede de contatos, os livreiros do Rio obtinham edições atualizadas e que despertavam o interesse de seus contemporâneos (CAVALCANTI, 2003, p. 146). Todavia, o pesquisador adverte que “[...] tanto o comércio livreiro quanto a circulação e difusão do livro não se davam de forma tranquila. Forte cerceamento sobre os comerciantes de livros e leitores foi exercido pela Igreja e o Estado, que criaram instrumentos poderosos de censura para controlar o que se lia.” (CAVALCANTI, 2003, p. 148). Quando do desembarque do Príncipe Regente, a cidade contava com apenas duas livrarias, que comercializavam livros e outros artigos, tais como tinta, rapé, chá, porcelana, tecidos etc. “A venda de livros não era suficiente para garantir ao comerciante lucros capazes de sustentar o negócio.” (MACHADO, 2003,

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p. 19). Apesar disso, nos anos que se seguiram, esse reduzido número cresceu pouco, mas constantemente. Segundo levantamento de Laurence Hallewell, em 1809 eram cinco livrarias; em 1812, esse número subiu para sete; quatro anos mais tarde, eram doze, e, às vésperas da Independência, somavam quinze livrarias. Dentre os títulos comercializados, os estrangeiros eram os que faziam mais sucesso. Segundo contam os viajantes da época. Spix e Martius notaram que: A literatura francesa, que conquistou também neste país as camadas mais ilustradas, é a preferida. A propagação da língua francesa e a importação de enorme quantidade de seus livros supera tudo que se pode imaginar, tanto mais que no Rio de Janeiro só existem duas livrarias mal fornecidas. (SPIX; MARTIUS, 1976, p. 50).

O alemão Johann M. Rugendas também confirmou a preferência brasileira pelas publicações importadas da França, porém, ressaltou que, para assuntos ligados ao comércio e aos hábitos cotidianos, a influência inglesa era imbatível: No Brasil, como na Metrópole, a literatura francesa do último século teve grande influência na educação das classes elevadas e permanece, ainda agora, a única literatura mais ou menos conhecida dos brasileiros e portugueses, tanto nas obras originais como através de traduções. Isso é tanto mais estranho quanto o número de ingleses estabelecido no Rio é muito mais considerável que o de franceses; por outro lado, o comércio propagou o conhecimento do inglês muito mais que o do francês, e os costumes ingleses também encontram maior número de imitadores. (RUGENDAS, 1979, p. 109).

A repercussão mais perceptível da introdução da imprensa no Brasil foi o início da circulação de periódicos. O primeiro a ser impresso no país, a Gazeta do Rio de Janeiro, de 1808, saiu das prensas régias e funcionava praticamente como um diário oficial

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da Corte, que dava conta dos atos do governo e da vida da família real, embora divulgasse assuntos científicos e literários, noticiando a produção de obras e a realização de cursos, bem como a produção e a venda de livros na capital do Império. Entre janeiro de 1813 e dezembro de 1814, outro importante periódico era impresso pela tipografia real, o Patriota, jornal literário, político, mercantil e de cunho literário, fundado por Manuel Ferreira de Araújo Guimarães. Em 1821, com o retorno de D. João VI para Portugal e as querelas que daí surgiram, rapidamente se multiplicaram os impressos no Rio de Janeiro, motivados, sobretudo, pelas reviravoltas políticas vindas de Portugal, que buscavam frear os progressos alcançados pelo país durante a administração joanina. Contrária aos rumos que as cortes de Lisboa pretendiam dar ao país, a “intelligentsia carioca” manifestou-se através de inúmeros panfletos e jornais contra aquilo que considerava um retrocesso ao estado colonial. A polêmica estendeu-se até a Independência, caracterizada pelo anonimato e pelo tom combativo. Ao longo desse período, o número de impressos circulando pela Corte multiplicou-se, e as discussões em torno do que seria a nação brasileira ganharam corpo.

SINTETIZANDO • O ano de 1808 marcou, sem dúvida, um novo momento para a história do Brasil: foi o início de um processo de “descolonização”, que culminaria na proclamação da Independência no ano de 1822, e, nove anos mais tarde, na abdicação de D. Pedro I. Tudo isso porque a crise política que forçou a vinda da Corte Portuguesa para o Rio de Janeiro desencadeou, aqui, importantes

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transformações, a começar pela imediata abertura dos portos às nações amigas, que favoreceu o aumento das transações comerciais e um intercâmbio cultural maior com o estrangeiro. Além disso, durante a estada do monarca lusitano foram criadas escolas, museus e bibliotecas; procedeu-se à urbanização da capital, tendo início a circulação da imprensa nacional. Essas medidas, embora pretendessem transplantar as instituições portuguesas para a cidade carioca, servindo às necessidades da Corte, acabaram por dar início à institucionalização da cultura brasileira e por estimular os brasileiros a elaborarem uma identidade nacional e a organizarem-se como nação. • Os viajantes estrangeiros desempenharam um papel fundamental na formação da cultura no Brasil. Foram eles, por exemplo, os primeiros a escreverem trabalhos de História do Brasil. Além disso, as descobertas e as apreciações sobre os costumes e natureza tropical que esses estrangeiros difundiam despertavam o interesse dos brasileiros, especialmente das elites. Sob essa perspectiva, as inúmeras narrativas de viagem sobre o Rio de Janeiro joanino difundiram conceitos e ideias sobre o país, que até 1808 era pouco conhecido pela Europa. • Para os viajantes, o Brasil era, em muitos aspectos, um dos lugares mais interessantes do Novo Mundo e talvez aquele que, pelo seu aspecto material, apresentava as maiores garantias de um rico porvir. Possuía os mais belos portos da Terra, situado num país que produz tudo que as necessidades físicas do homem exigem, tudo o que o Estado pode precisar da natureza para a sua propriedade. Todavia, a apreciada generosidade da mãe

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natureza exigia um povo sábio, perspicaz, capaz de implementar as bases da modernidade, que abdicasse da educação tradicional, tida como retrógrada, para adquirir qualidades intelectuais e físicas necessárias e gozar dos dotes de uma natureza tão pródiga. • Intelectuais da envergadura de Adolpho Vanhargen, um dos fundadores, no final da década de 1930, do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil (IHGB), em sua História Geral do Brasil, apontou a importância dos viajantes na construção da história do país recém-independente e elencou alguns autores-viajantes, tais como Robert Southey, Maximiliano Wied, Spix e Martius, Ferdinand Dennis e outros, cujas narrativas considerava fundamentais para a composição de um passado para o Brasil. • Considera-se que parte significativa da construção do imaginário nacional do Brasil independente se fez em interlocução com a imagem construída e projetada pelos viajantes europeus, sobretudo, aqueles que começaram a frequentar o país no final do século 18 e que contaram os detalhes do processo de emancipação e o nascimento de uma nova nação.

TEXTOS COMPLEMENTARES Versalhes Tropical –––––––––––––––––––––––––––––––––– Versalhes Tropical trata-se de uma nova visão sobre a Corte Portuguesa no Brasil. Trabalhando com um número variado de fontes e um novo olhar sobre fontes já consolidadas, o livro trata dos aspectos cotidianos do Rio de Janeiro joanino e dos embates no âmbito da cultura política, que se desenvolvia em Oitocentista.

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O endereço da cultura para o carioca joanino ––––––––––– Neste artigo, a autora procura mapear as transformações culturais ocorridas busca a tônica das transformações no encontro entre reino e os habitantes da Colônia.

–––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Carlota Joaquina, Princesa do Brazil ––––––––––––––––––

– muito a contragosto – com a Corte Portuguesa para o Brasil. Aqui, Carlota mostra, com um ar de comédia, as tramas e as disputas políticas que envolviam a Coroa Portuguesa, a Inglaterra e a Espanha. Referências Bibliográficas Marco Nanini Antonio Abujamra Maria Fernanda. Roteiro: Carla Camurati Melanie Dimantas Angus Mitchell, 1995. 100 min, son., color. Opsis, Versalhes Tropical: Império, Monarquia e a Corte Real Portuguesa

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QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS 1) As expedições científicas de estrangeiros para o Brasil, durante o estabelecimento da Corte de Dom João VI no Rio de Janeiro, tinham por objetivo: a) mapear a natureza brasileira, bem como difundir tendências europeias nas artes e no ensino de ofícios técnicos para os habitantes da capital.

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b) explorar a colônia, anunciando a revitalização do antigo colonialismo europeu, iniciado no século 16. c) fazer contato com povos indígenas selvagens, de modo a incorporá-los à Corte Portuguesa. d) difundir a fé católica, de modo a arrebanhar novos fiéis e combater o crescimento do protestantismo no Brasil. 2) Sobre as Aulas Régias, criadas para substituir o ensino jesuítico, extinto após a expulsão da ordem religiosa em 1759, podemos afirmar que: a) obtiveram um bom resultado no que tange à instrução dos colonos, já que o ensino jesuítico era voltado somente para a catequização dos indígenas. b) foram um fracasso, já que o pequeno número de professores existentes recebiam salários muito baixos, as instalações escolares eram precárias e os professores tinham de pagar por sua formação profissional. c) não chegaram a entrar em vigor, já que a Coroa Portuguesa não regulamentou seu funcionamento. d) foram reformuladas por Dom João VI, de modo a estender as escolas para o interior da Colônia. 3) O decreto de 13 de maio de 1808 criou a Imprensa Régia, uma das mais importantes resoluções do governo joanino. Tal importância pode ser atribuída ao fato de: a) a imprensa ser livre, estendendo a todos o direito de expressão escrita. b) a imprensa ter se tornado um grande negócio, proporcionando a formação de grandes grupos editorais na Colônia. c) a imprensa encontrar-se ligada a grupos oposicionistas à monarquia, algo que se refletiu na articulação dos movimentos de emancipação nacional. d) não obstante fosse controlada pela Coroa, a imprensa proporcionou a circulação de ideias, bem como veiculou a publicação de novos livros, folhetins etc., algo que não havia antes da chegada da Corte ao Brasil.

Gabarito Confira, a seguir, as respostas corretas para as questões autoavaliativas propostas:

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1) a. 2) b. 3) d.

CONSIDERAÇÕES O ano de 1808 marca, sem dúvida, um novo momento para a história do Brasil: é o início de um processo de “descolonização”, que culminaria na proclamação da Independência, no ano de 1822, e nove anos mais tarde, na abdicação de D. Pedro I. Tudo isso porque a crise política que forçou a vinda da Corte Portuguesa para o Rio de Janeiro desencadeou, aqui, importantes transformações, a começar pela imediata abertura dos portos às nações amigas, que favoreceu o aumento das transações comerciais e um maior intercâmbio cultural com o estrangeiro. Todas essas transformações foram observadas por inúmeros estrangeiros que, a partir de 1808, passaram a circular pelas principais cidades brasileiras. Os testemunhos de tais viajantes, além de se constituírem em uma fonte histórica privilegiada, nos permitem refletir sobre o alcance do discurso adventício sobre os trópicos e o impacto de suas ideias sobre a formação de uma certa imagem do país recém-independente.

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UNIDADE 5 AS NOVAS LUZES EDUCACIONAIS DA IDADE CONTEMPORÂNEA

Maria Renata da Cruz Duran

OBJETIVO • Entender como se constituiu o ensino contemporâneo, conforme a inspiração iluminista da Revolução Francesa.

CONTEÚDO • Principais aspectos da História da Educação na Idade Contemporânea, especialmente a inspiração iluminista e romântica da Educação.

ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que você leia as orientações a seguir: 1) Antes de começar seus estudos, é importante que você tenha em mente algumas informações sobre a autora desta unidade. Isso lhe ajudará a tomar uma posição crítica sobre o conhecimento com que está prestes a

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entrar em contato, bem como a buscar, num momento posterior, informações que possam complementar seu aprendizado. Professora adjunta de História Moderna e Contemporânea na Universidade Estadual de Londrina, leciono a disciplina de Aspectos Culturais de Países de Língua Francesa, no curso de Letras/ Francês, na UEL. Fruto desse curso, foi publicado, em 2014, na revista Domínios da Imagem (v.14, no. 14) o texto “Espelhos da revolução francesa: cinema e história no estudo da cultura francófona”, redigido pela turma de 2013 e orientado por mim.

2) Ciente dos caminhos de pesquisa do autor do capítulo, prepare-se para uma leitura que deve ser feita em dois momentos: primeiro, deve ser lido o texto principal, e após sua reflexão, o(s) texto(s) complementar(es). 3) Todas as nossas unidades contêm um tópico intitulado Sintetizando, no qual as referências principais da unidade são revisadas. Procure dar bastante atenção à leitura desse tópico e faça anotações sobre pontos que também deveriam figurar nele. 4) Na sequência, sugerimos que faça um quadro sinóptico e/ou mapa mental dessa leitura, o que facilitará o desenvolvimento de suas atividades. Além disso, aproveite esse momento para perguntar ao seu tutor sobre algum ponto que não ficou claro ou que lhe deixou curioso em sua leitura. 5) No final de cada unidade, há um tópico intitulado Textos Complementares, em que há a indicação de um livro, um artigo e um filme sobre o tema estudado. Não deixe de passar os olhos em, pelo menos, um desses materiais, são eles que vão garantir que seu aprendizado seja mais duradouro e profundo!

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INTRODUÇÃO À UNIDADE Nesta unidade, estudaremos o Iluminismo e sua influência na educação contemporânea. A história contemporânea começa oficialmente em 14 de julho de 1789, quando a queda da Bastilha marcou, também, o fim do Absolutismo. Esse marco é importante porque, a partir dele, acredita-se que foi estabelecida uma nova forma de constituir e/ou legitimar o poder, baseada na democracia e numa ampliação substancial da participação popular na construção do Estado. Para muitos autores, dentre eles Roger Chartier (2009), em Origens culturais da Revolução Francesa, o longo processo revolucionário só teve êxito na medida em que promoveu ou foi promovido por um movimento educacional, senão cultural, conhecido como Iluminismo. Jean Jaques Rousseau, com seu famoso Emílio, está na lanterna desse movimento, e sua influência para a formação de uma educação contemporânea é, como veremos, fundamental. Concentre-se e esteja atento, na liturgia revolucionária tudo também é divino e maravilhoso!

DO HUMANISMO AO ILUMINISMO Novas mudanças agitaram a Educação europeia no século 18. As revoluções inglesas desse século dinamizaram a mercantilização e a industrialização da produção, o que acentuou a já citada urgência pela criação de uma massa trabalhadora apta às novas experiências sociais. O início do século 18 marcou, além dessa necessidade, a criação de um sentimento de cidadania pelo qual os habitantes de uma cidade eram também responsáveis por seus progressos e deveriam, portanto, obter parte em seus sucessos. Essa exigência por igualdade gerou inúmeras mu-

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danças na Educação, pois ela foi entendida como meio de sustentação e fomento da referida cidadania. Nesse momento, a figura do intelectual – e, no limite, do educador–, tornou-se central. Ele passou a ser o mediador entre sociedade e poder, adquiriu maior autonomia e sua presença tornou-se mais ativa na sociedade. Sua função educativa caracterizou-se por um duplo aspecto: o de promover os ideais das “luzes” e também o de amortecer os conflitos sociais. A época contemporânea propriamente dita teve seu marco inicial em 1789, com a Revolução Francesa, e perdura até os dias atuais, ainda que alguns intelectuais, entre eles Jean François Lyotard, proponham uma subdivisão a partir das duas grandes guerras mundiais – havendo aí uma suposta pós-modernidade –, e outros, mais recentes, como , cogitem a possibilidade de uma nova ruptura após o 11 de setembro e a queda das torres gêmeas, nos Estados Unidos. A partir da Revolução Francesa, a sociedade europeia entrou num momento de transformações profundas em todos os âmbitos de sua estrutura organizacional. O fim do Ancién Regime, na França, teve como decorrência a descentralização do exercício do poder estatal e da sociedade de corte, bem como o crescimento de uma organicidade entre as classes, dando espaço a um momento totalmente novo, marcado pela inquietação, pluralismo e busca constante de renovação, com o olhar voltado para o futuro e para o novo. Os países que circundavam a França naquele momento tiveram parte de sua ordem modificada, seja por novas revoluções – nem tão bem-sucedidas como a francesa –, seja por medidas de Estado que pudessem acalmar a população – evitando movimentações bruscas. Assim, uma parte das mudanças ocorridas

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na França depois da Revolução de 1789 também aconteceu e/ou reverberou nos países vizinhos, daí a importância de seu estudo. A Educação na Idade Contemporânea privilegiou a formação do homem como cidadão, tornando-o capacitado a ser um indivíduo mais ativo e autônomo na sociedade, sem atribuir a outros (a castas sacerdotais e ordens sociais) o papel de guia de sua formação e fortuna. Isso implicou o reconhecimento do papel de agentes marginalizados da história, como as mulheres, o povo, os deficientes e as minorias étnicas, e sua inclusão como elementos produtivos na sociedade atual, por meio de uma educação que os libertasse do atraso psicológico e cognitivo. Segundo Cambi (1999), em História da Pedagogia, podemos dizer que essa renovação ocorreu em três planos: 1) no da organização, pela elaboração de um “sistema escolar” articulado e orgânico sob o controle público; 2) no nível dos programas de ensino, pela valorização de saberes úteis, abarcando as novas ciências, as línguas nacionais, em contraposição ao modelo humanístico de escola (linguístico-retórico, não utilitário etc.); 3) no nível didático, cedendo espaço a processos de ensino-aprendizagem inovadores, mais científicos, empíricos e/ou práticos. Os estabelecimentos escolares da Europa do século 18 têm uma proposta abertamente reformadora no sentido de dar vida a uma escola estatal, nacional e laica. No entanto, as condições reais para a efetivação desse ideal foram bastante diferenciadas, sendo mais inovadoras na Prússia e Áustria, oscilantes entre o velho e o novo na Itália e na Rússia e, paradoxalmente mais tradicionais, na França e na Inglaterra, em um misto de inovação cultural e conservadorismo político. São a Prússia de Frederico II e a Áustria de Maria Teresa e depois de José II as vanguardas na efetivação dessas reformas educacionais.

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Cambi (1999, p. 342) argumenta que, na verdade, essas reformas teriam por intuito formar funcionários mais preparados e eficientes para o Estado nesse momento de grandes transformações, e não dar início a um programa sistemático de difusão da educação pública e sua laicização. Não obstante, como vimos em toda essa História da Educação, formar quadros para as lideranças governamentais e para o mercado de trabalho sempre foram os principais objetivos da Educação. Educação para todos e educação pública –––––––––––––– Como vimos na unidade anterior, já em meados do século 17 a instrução púo ensino público fosse também um ensino para todos. Na França, o abade Charles Démia publicou um trabalho no qual defendia o ideal da escola pública dação de diversas escolas para crianças pobres e de um seminário para a fore preferia a adoção de lições práticas para os alunos, os quais, por sua vez, mundo, ampliando a prática pedagógica para o ensino secundário e superior, bem como para a formação dos professores.

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Entre o ensino humanista e o ensino iluminista, as distinções que podemos notar são várias; destaque-se entre elas que: no Humanismo, confere-se protagonismo ao “indivíduo”; e no Iluminismo, esse indivíduo evolui para “cidadão”. Entrementes, não podemos nos esquecer, houve o profundo desenvolvimento do “cortesão”. Conforme atentou Norbert Elias em vários de seus livros, entre eles O processo civilizatório e A sociedade de corte, cortesão é aquele homem devidamente polido para viver em sociedade. A esse processo de refinamento do homem, dá-se o nome de civilização. O homem civilizado das cortes dos séculos

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17 e 18 aprende com os pares como se comportar não apenas para tirar maior vantagem de seus dons naturais, empregando-os em atividades úteis, mas também para conviver de maneira equilibrada e próspera coletivamente. Compartilhando com o humanista os princípios do bom, belo e útil, o cortesão aprende naquilo que Molière e Cornuelle chamariam de “escola da vida”. Entre outras coisas, essa “escola” daria lições sobre a hipocondria, a avareza e o egocentrismo – como podemos ver em peças teatrais como O doente imaginário e O avarento. Sobre a sedição e a luxúria, em Don Juan. E, em todas elas, sobre a hipocrisia da sociedade. Hipocrisia que mereceria ser extirpada pela dor, prazer secreto dos cristãos revelado nas obras do Marquês de Sade, como a famosa Justine. Destarte, entre espelhos de príncipe e manuais de bom comportamento, há uma educação que antecede a Revolução Francesa e só pode ser ensinada pela própria vida, há um ensino que não é passível de regras que possam ser escritas nem tampouco de limites temporais: aprende-se todo o tempo, a vida toda – eis uma das principais lições da “escola cortesã”. De uma maneira ou de outra, o que vemos é a emergência de novas teorias educacionais, bem como novas instituições escolares e projetos educacionais de Estado. Passemos, pois, os olhos sobre cada uma dessas dimensões a fim de compreender como se configura a Educação contemporânea a partir do Iluminismo. Para ver mais..... ––––––––––––––––––––––––––––––––––– A dica para se ambientar nessa época que estamos estudando é assistir a dois Ligações Perigosas e Danton. Em Ligações Perigosas a direção de

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uma jovem virgem e ela deseja que o Marquês, que é conhecido por sua vida devassa e suas conquistas amorosas, a seduza antes do dia do casamento. No entanto, ele tem outros planos, pois planeja conquistar uma bela mulher ele conseguir tal façanha, ela lhe promete como recompensa passarem uma noite juntos. Mas os jogos de sedução fogem do controle, e os resultados são bem mais trágicos do que se podia imaginar. Em Danton, apresenta-se a França dos momentos que antecedem e dos que um menino recitar a Declaração dos Direitos Humanos!

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A PEDAGOGIA ILUMINISTA A Pedagogia do Iluminismo francês, fora do círculo dos filósofos, teve a importante contribuição de Louis-René de La Chalotais (1701-1785), com o seu Ensaio de Educação Nacional (1763), no qual apresentou oposição à tradição aristocrática dos colégios e reivindicou uma instrução estatal com vistas a formar o cidadão a partir de um saber moderno e útil para a sociedade. (CAMBI, 1999). O programa educativo dos enciclopedistas também estava impregnado do mesmo ideal de educação civil e cultura utilitária. Nesse sentido, Denis Diderot (1713-1784) formulou um programa educacional orgânico e renovado para Catarina da Rússia, em Plano de uma universidade para o governo da Rússia (17751776). (CAMBI, 1999). Já Jean Le Rond D’Alembert (1717-1783) exaltou o papel da Ciência na formação intelectual e, juntamente com Condillac, ressaltou a necessidade de partir das coisas sensíveis e das impressões por elas proporcionadas para a formulação das ideias, 208

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construídas gradualmente, para se alcançar sua completa clareza e coerência. (CAMBI, 1999). As teorias psicológicas de Étienne Bonnot de Condillac (1715-1780) também foram amplamente difundidas na França por meio do Ensaio sobre as origens dos conhecimentos humanos (1746) e do seu Tratado das sensações (1754), nos quais defende que a formulação de ideias parte das sensações. (CAMBI, 1999). Voltaire (1694-1778) segue na mesma linha de oposição aos jesuítas e de valorização do saber útil e da formação civil. (CAMBI, 1999). Revisando todos esses nomes na área da Educação, você pode se perguntar: “Por que será que tanta gente se dedicou, a partir dessa época, a pensar sobre novas teorias educacionais?”, “Desde quando a instrução havia ganhado tanta importância?” e “Por que renomados filósofos da política e da sociedade passaram a se preocupar com o tema?”. A fim de procurar respostas para essas questões, vale a pena pensar no potencial da Educação como instrumento político de aceleração de mudanças e no quanto os iluministas aplicaram nesse espaço uma proposta pioneira e ampliada. Acredito que essa percepção e aplicação da instrução pelos iluministas só foi possível porque a maioria de seus idealistas era egresso do universo acadêmico sem necessariamente ser também frequentador da alta nobreza. Oriundos de um universo cuja moeda de troca era a meritocracia, eles também a impuseram à sociedade que esperavam fundar. Nesse sentido, o filósofo brasileiro Renato Janine Ribeiro, que também foi diretor de avaliação da CAPES entre 2004 e 2008, em seu pequeno, mas denso livro sobre o tema, intitulado Etiqueta no Antigo Regime, destacou o quanto

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os chamados “reis filósofos” da época adotaram uma nova maneira de pensar pela qual o conhecimento, ou melhor, a Ciência e a Filosofia, serviam de base para a Política. Para Ribeiro, na pequena ética criada pela sociedade de corte, estava contida uma ética política. À medida que a Filosofia e a Ciência se tornaram temas recorrentes à ética criada pela sociedade de corte, também se pôde notar o quanto irrigaram a ética política. Uma vez no poder, a aceleração no amadurecimento da sociedade conforme os ideais iluministas só poderia ser alcançada, para pensadores como Diderot, por meio de uma instrução sistemática e “massiva”. Educado, ou seja, disciplinado, o povo aceitaria e apoiaria mais facilmente as propostas do Estado, bem como resistiria mais bravamente às tentativas de retorno ao Antigo Regime. Lógica que não impediu, porém, o retorno do trono ao Estado francês. Antes de “colocarmos o carro na frente dos bois”, contudo, devemos assinalar que, se Diderot, Voltaire e D’Alembert foram importantes para a instrução iluminista, Jean Jacques Rousseau foi essencial. Vejamos por quê. Jean-Jacques Rousseau Em meio ao crescimento e à renovação dos modelos educativos e dos estabelecimentos escolares, surgiram propostas teóricas avançadas, dentre elas a de Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), filósofo francês que promoveu uma “revolução copernicana” em Pedagogia, segundo Cambi (1999). Nenhum pensamento pedagógico anterior teve ação mais ampla e profunda, despertando uma nova e revolucionária sensibilidade em relação à infância e aos problemas educacionais, tendo grande repercussão em toda a França, Inglaterra, Alemanha, Suíça, dentre

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vários outros países, sendo numerosos os seus discípulos, alguns tão famosos quanto ele, como Basedow, Pestalozzi e Froebel. Foi Rousseau quem estabeleceu os princípios de todo o movimento das novas ideias pedagógicas dos séculos 19 e 20, tais como: a) a noção de natureza humana e de uma natureza característica da infância; b) a distinção de fases sucessivas de desenvolvimento; c) a importância dos métodos sensitivos, intuitivos e ativos em todas as formas de ensino; d) a aprendizagem motivada; e) a dialética entre liberdade e autoridade; e, sobretudo f) a forte convicção de que não há a possibilidade de transformação social sem uma revolução prévia da Educação. Dessa forma, a partir de Rousseau é que se efetivou uma complexa e profunda relação entre Educação e Política. Segundo Cambi (1999, p. 344-345), o pensamento pedagógico de Rousseau se pautou por dois modelos pedagógicos alternativos e complementares entre si, sendo, por um lado, aquele exposto em Emílio, no qual são centrais as noções de educação negativa, educação indireta e no qual o educador assumia um papel singular nessa empreitada; e, por outro lado, aquele modelo apresentado no Contrato Social, em que se propõe uma educação totalmente socializada e regulada pela intervenção do Estado. Carlota Boto, professora de História da Educação na Universidade de São Paulo, em um livro que podemos considerar um clássico sobre a Educação Iluminista – A escola do homem novo. Entre Iluminismo e a Revolução Francesa, publicado em 1996, pela editora Unesp –, destaca o primeiro como a principal obra educacional de Rousseau e também do período. No livro Emílio, Rousseau apresenta uma crítica aberta às pedagogias de seu tempo. Por um lado, a dos jesuítas e seus colégios, com uma educação artificial, livresca, autoritária e pedante;

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por outro lado, a aristocrática, de habituar as crianças à imitação dos adultos, sem preocupação com as necessidades próprias de sua idade e, em particular, com a necessidade de viver em contato e crescer sob a orientação dos pais. Assim, Rousseau critica tanto a instrução humanista quanto a cortesã e, por isso, entre outras razões, sua teoria é distinta como algo novo na sociedade ocidental. O Emílio de Rousseau é a teorização do homem enquanto homem (e não do homem como cidadão), conforme o crescimento e a formação de um menino do nascimento ao casamento – aproximando-se, assim, do Realismo naturalista que grassou na Inglaterra anos antes, como vimos na unidade que passou. Emílio, uma criança nobre e órfã, é levado para o campo, e crescerá sob o acompanhamento zeloso de seu preceptor. Crescerá como “um rapaz comum” na companhia de seu preceptor-amigo, a ritmo lento e aprendendo as várias disciplinas científicas, bem como História, Religião e Moral, conforme sua maturidade psicológica. Nessa empreitada, o preceptor tem como incumbência evitar qualquer antecipação perigosa e deve fazer com que Emílio viva o máximo possível sua infância. O preceptor deve ainda corrigir o menino, evitando maus hábitos e desvios de comportamento. Tal formação se realiza pelas cinco etapas que Rousseau apresenta nos cinco capítulos do seu romance-tratado. A primeira etapa é dedicada ao que o autor chama de educação negativa (1 a 5 anos), que parte do seguinte princípio: Chamo educação positiva à que tende a formar prematuramente o espírito da criança e instruí-la nos deveres do homem. Chamo e considero educação negativa à que tende a aperfeiçoar os órgãos que são os instrumentos do conhecimento, antes de dar este conhecimento diretamente, e que busca preparar o cami-

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nho da razão, pelo exercício adequado dos sentidos. Uma educação negativa não significa um período de indolência; longe disto. Ela não dá virtude, protege contra o vício; não inculca a verdade, protege contra o erro. Dispõe a criança para que tome o caminho que conduzirá à verdade, quando chegar a idade de compreendê-la; e o da bondade, quando adquirir a faculdade de reconhecê-la e amá-la. (ROUSSEAU apud MONROE, 1958, p. 289).

A segunda etapa trata de um período pré-moral e pré-racional (dos 5 aos 12 anos), totalmente voltado para os interesses do presente, sendo o objetivo primordial dessa fase o fortalecimento do corpo e o uso correto dos sentidos, com espaço bastante reduzido à instrução de tipo escolar. Já a terceira etapa configura um período caracterizado por Rousseau como “idade do útil” (dos 12 aos 15 anos), na qual a formação intelectual do rapaz ocorrerá por meio do estudo das coisas que estimulem nele o gosto de aprender, de forma que aprenderá pela experiência e não por lições abstratas. Além disso, aprenderá um ofício que o habitue a se submeter às regras, a estar em contato com outras pessoas e que o torne economicamente autônomo em caso de algum revés: Emílio será carpinteiro. A quarta etapa abrange o período que vai dos 15 aos 20 anos. Já foram formados o corpo, os sentidos e o cérebro de Emílio. Essa etapa é de desenvolvimento emocional e aperfeiçoamento da moral. Momento do despertar das paixões e de uma primeira atenção para com outras pessoas; é hora da aprendizagem de matérias como História, Moral e Religião. Feito homem, dotado de paixão e razão, Emílio pode, livremente, procurar sua Sofia (a mulher ideal).

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O quinto momento é dedicado ao amor de Emílio e Sofia, que se conclui com o esforço de Emílio em ser o preceptor do próprio filho. Ele contém também duas outras partes igualmente significativas: um projeto de educação para a mulher, exaltada como modelo de virtude e sabedoria, mas condicionada a uma posição naturalmente inferior à do homem; e um projeto de educação social e política de Emílio, que se compõe de viagens, estudo de idiomas e de humanidades e da adoção de uma postura política próxima a existente no Contrato Social. Por fim, Emílio opta por residir no campo, longe da corrupção das grandes cidades. Como vimos, o Emílio de Rousseau, mais do que uma estória, é um modelo educacional ou instrutivo. Nesse modelo, o projeto de futuro que se cria é o de homens honestos e modestos, ciosos dos próprios limites e obrigações. Sua polidez é oriunda muito mais de sua capacidade de observar o mundo e observar-se do que de criticá-lo abertamente. Entretanto, Emílio tem condições suficientes para reconhecer e lutar pela justiça, tal como os cidadãos iluministas. Para ver mais.... –––––––––––––––––––––––––––––––––––– link: <

> e

divirta-se!

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Como assinalamos, as ideias iluministas não grassaram somente na França; Alemanha e Itália foram dois dos países em que a árvore da liberdade deitou suas raízes, daí a necessidade de abordá-las nesta unidade.

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A PEDAGOGIA SETECENTISTA NA ALEMANHA E NA ITÁLIA Como vimos na unidade anterior, a Alemanha viu mais de perto algumas das modificações ocorridas a propósito da Reforma Protestante. Em terras germânicas, ao longo dos séculos 17 e 18, a união dos principados fazia-se lentamente e muito mais em função de interesses econômicos do que socioculturais – ainda que a criação de uma religião tenha contribuído muito para o estabelecimento de uma identidade cultural germânica. Assim, quando a Revolução Francesa eclodiu em Paris, Kant, filósofo conhecido pela pontualidade em seus passeios vespertinos, perdeu a hora de excitação. Ao contrário da França, entretanto, na Alemanha o movimento reformador precedeu a elaboração de modelos pedagógicos, tendo estes suas aparições somente no final do século, em especial com Basedow, Herder e Kant. Vejamos, pois, as linhas gerais das ideias desses pensadores. Johann Bernhard Basedow (1723-1790) desenvolveu uma pedagogia civil e social segundo uma forte preocupação com as condições psicológicas da infância por meio do Livro elementar (1770-1774), no qual estabeleceu os critérios de sua pedagogia. Teólogo e educador, foi mais conhecido como criador de Philanthropinum, em 1774, instituição que tinha por objetivo efetivar os princípios da educação reformada, buscando transpor para a prática as ideias desenvolvidas por Rousseau no Emílio. No âmbito religioso, expressava ideias avançadas para seu tempo, ao defender que “as verdades da religião e da moralidade deviam ser dadas livres de preconceitos, estreiteza e formalismo no ensino religioso existente” (BASEDOW apud MONROE, 1958,

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p. 300). Ao mesmo passo, assinalava a necessidade de um saber útil e voltado para a formação da moral, a partir do “método da experiência”, tal como preconizado por Rousseau. Num plano mais teórico, Johann Gottfried Herder (17441803), em Filosofia da história para a educação da humanidade (1773), critica a condição fragmentada da Educação na Alemanha e exalta a humanidade-nação como um novo ideal de formação humana e como o princípio maior de seu pensamento pedagógico. Immanuel Kant (1724-1804), por sua vez, foi um marco na Filosofia moderna, com sua obra sobre as três críticas: Crítica da razão pura (1781), Crítica da razão prática (1788) e Crítica do juízo (1890). Ele se ocupou uma única vez do problema da Pedagogia, em 1776, quando foi incumbido de desenvolver um curso de Pedagogia para os alunos da Universidade de Koenigsberg, onde lecionava. Sua publicação só ocorreu em 1803 e não há uma exposição sistematizada de temas, haja vista que foram lições recolhidas por um estudante, Theodor Rink, sendo o texto bastante conciso e oscilante entre exposição de princípios e enunciação de conselhos práticos. Para Cambi (1999), o Kant pedagogo segue a tradição de Rousseau e Basedow; todavia, enfatiza, em relação à proposta rousseauniana, uma contraposição mais nítida entre natureza e moralidade, além de fixar a moralidade como o fim específico da Educação e reclamar um papel mais central para a questão da disciplina e da autoridade. Com relação a Basedow: Kant vê alguém que conseguiu “revolucionar” o problema da educação através da superação dos erros tradicionais da pedagogia e o início de uma “nova formação dos docentes”, objetivos atingidos na sua “escola exemplar”, de modo a tornar

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possível “a salvação do gênero humano” com “um gradual melhoramento das escolas”. (CAMBI, 1999, p. 362).

Para Kant, o objetivo maior da Educação é o desenvolvimento da razão, o que não é possível pelo instinto, mas somente com a ajuda de outrem, motivo pelo qual ressalta a importância dos adultos nesse processo (na medida em que uma geração educa a outra) e também da disciplina. Esse último aspecto, em particular, juntamente com a educação ética como formação da consciência do dever, tem peso determinante na Pedagogia Kantiana. Com fins de promover uma reforma da sociedade e, por extensão, o progresso da humanidade, a proposta pedagógica de seu plano educativo pauta-se por quatro elementos ideais: 1) A disciplina: para a contenção da selvajaria e da animalidade do homem. 2) A cultura: consistindo este item na instruiã cultura: consistin. 3) A educação (em sentido estrito): das boas maneiras e cortesia. 4) A moralidade: voltada para a formação do caráter. Kant acredita que a sociedade de sua época só valorizou os três primeiros aspectos, negligenciando o quarto e tornando os homens infelizes, de forma que a educação pela moralidade e o fortalecimento das escolas públicas seriam os meios mais apropriados para a realização dos fins que objetiva atingir: uma reforma da sociedade. Na Itália, as teorizações pedagógicas seguiram uma orientação bastante próxima do movimento intelectual nas outras áreas da Europa, sendo amplamente influenciada pelos “clássicos” da

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Pedagogia Europeia do século 18, como Rousseau e Condillac, constituindo estes um misto de interlocutores e mestres dos teóricos italianos. Em Nápoles, os principais pensadores da Educação foram Antonio Genovesi e Gaetano Filangieri (1752-1788). Genovesi, imbuído de um marcado senso burguês, ressalta a importância dos sentidos e da fantasia na psique infantil e, por extensão, na Educação. Defende também o estabelecimento de uma escola elementar gratuita e de uma escola média, responsável pelo ensino da Matemática e da Física. Seus estudos influenciaram largamente as reformas da Educação em Portugal, o que significa que a Educação no Brasil, que, na época, era América Portuguesa, também foi fortemente influenciada por esse pensador. Filangieri, no quarto volume de A ciência da legislação (1780-1791), dedica sua atenção ao problema educacional. Seu plano de reforma educacional tem como princípio uma educação pública, gratuita, mas não uniforme, de forma que as escolas estarão abertas a todos, mas com orientações diferenciadas para as diversas classes sociais. Basicamente, são dois os modelos educativos desse pensador: 1) Classe produtiva: dos 6 aos 18 anos, na qual a Educação se restringe a aprendizagem da leitura e escrita, do cálculo e do conhecimento de normas civis: “Tal escola deverá formar cidadãos laboriosos e atentos ao respeito das leis, além de bons pais e bons soldados”. (FILANGIERI, 1788, p. 45 apud CAMBI, 1999, p. 340). 2) Classe improdutiva, essencialmente humanística. O eixo comum de ambos os modelos é a formação de uma rigorosa consciência moral, “que só é possível se realizar numa sociedade bem ordenada, devendo ser produzida pela ‘aquisição

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das cognições e das luzes’”. (FILANGIERI, 1788, p. 52 apud CAMBI, 1999, p. 340). Os nomes significativos na área lombarda foram o do padre Francesco Soave (1743-1816), seguidor de Condillac, autor de vários livros educativos e considerado o primeiro autor de literatura infantil na Itália; e o de Giuseppe Gorani (1740-1819) que, em Saggio sulla pubblica educazione (1773), expõe sua proposta de Educação inspirada em La Chalotais e Rousseau, sendo fortemente marcado pela divisão educativa através das classes sociais, como em Filangieri, mas aberto ao estudo das ciências e da educação feminina. Nesse panorama, Sigismundo Gerdil (1718-1802), defensor da ortodoxia católica, ocupa um lugar peculiar, constituindo uma espécie de anti-iluminismo do século 18, ao mesmo passo em que se configura como o primeiro teórico de uma pedagogia da “restauração”. Em L’anti-Emilio, o reflessione sulla teoria e la pratica dell’educazione (1763), Gerdil aponta problemas no texto de Rousseau. Já em Considerazione sopra gli studi della gioventù (1785), entra em choque com as práticas educativas da época e reivindica a necessidade de estudos mais severos e metódicos, nos moldes dos colégios jesuítico-humanistas. Os modelos pedagógicos católicos também sofreram influências da época. Um exemplo é o liberalismo católico do século 18 na própria Itália, com um grupo de intelectuais bastante homogêneo. Eles apareceram em regiões caracterizadas por uma economia avançada e por uma vida cultural mais aberta. Os autores dessa vertente buscam uma fusão entre cristianismo e liberalismo, de forma que se opõem às teses racionalistas e anticristãs do Iluminismo, ao mesmo passo em que buscam se inserir nas conquistas e reflexões da sociedade moderna, afastando-se

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do tradicionalismo da Igreja e chegando, às vezes, a reivindicar uma reforma radical da Igreja. No âmbito político, chegaram a se aliar aos liberais laicos durante o processo de unificação da Itália e, no campo social, defendiam a necessidade de aliviar a miséria popular, com vistas a uma evolução da classe popular que, dentro da perspectiva do grupo, desembocaria na construção de um Estado guiado pelos princípios do cristianismo. Suas ideias derivam de correntes do catolicismo francês, mas se desenvolveram com significativa autonomia na Itália. Seus principais representantes são o genovês Raffaello Lambruschini (1788-1873), o fiorentino Gino Capponi (1792-1876) e Niccolò di Tommaso (1802-1874), entre outros. Como se pode notar, as ideias iluministas francesas difundiram-se por boa parte da Europa, mas isso não significa que sua materialização tenha sido bem-sucedida. Além de revisar o pensamento educacional dos iluministas, Carlota Boto também nos dá notícias da execução de alguns de seus planos na França. Para isso, destaca o trabalho de Condorcet como presidente do Comitê de Instrução Pública da Assembleia Legislativa Francesa. Segundo Boto (2003), nesse cargo, Condorcet irá contribuir no desenho do Plano de Instrução Nacional promulgado em 1792. Para a pesquisadora, vale destacar que, conforme o Plano, “o esclarecimento das luzes seria necessariamente fonte de prosperidade comum” (BOTO, 2003, p. 735-762). Boto apresenta, nesse texto, um ensino que será dividido entre a instrução primária e a secundária, sendo distribuídas escolas por toda a França à proporção de 1 de cada nível para cada 4.000 alunos. O fato lamentável é que cada escola possuía apenas 1 (um) professor. E, ainda assim, o Plano não foi completamente efetivado – ainda que Condorcet, desde o princípio, anunciara que apenas o Ensino Primário seria universalizável naquele momento. 220

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Boto não é a única a fazer algumas críticas à Revolução Francesa. Anatole France, em meados do século 19, foi, aliás, muito menos entusiasta a respeito da instrução iluminista. Ao redigir Os deuses têm sede, France retrata uma França exaurida pela revolução e seguidora dos preceitos iluministas com o mesmo fanatismo de algumas crenças religiosas. Seu protagonista, o pintor Evariste Gamelin, torna-se cada vez mais radical em sua fidelidade ao Ser Supremo e ao que acredita ser a natureza humana. Tomando as próprias paixões como referência para compreensão da humanidade, Gamelin, que se torna juiz das causas revolucionárias, equivoca-se no julgamento sobre o próprio poder e papel, mandando à guilhotina muitos de seus pares e conhecidos. Na crítica à supremacia da razão e à imparcialidade do conhecimento, reside boa parte das virtudes desse livro de Anatole France que, na opinião de quem lhes escreve, oferece justo contraponto ao Emílio de Rousseau para uma compreensão mais complexa das influências do Iluminismo na instrução ocidental. No século 19, em meio à difusão e consolidação da sociedade industrial, as formulações pedagógicas, inspiradas no positivismo de um lado e as de inspiração socialista (utópica e marxista) por outro lado, valeram-se das experiências iluministas para traçar planos de ação e diretrizes de pensamento. Tomemos, pois, contato com algumas delas.

PEDAGOGIAS DE INSPIRAÇÃO SOCIALISTA E POSITIVISTA De uma maneira geral, os autores que iniciam a vertente socialista das teorias pedagógicas do século 19 foram os seguintes:

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François-Noël Babeuf (1760-1797), na França, parte de princípios rousseaunianos, mas salienta a importância formativa do trabalho, defendendo, portanto, uma articulação entre trabalho manual e intelectual no processo educativo. Em Cadastre perpétuel (1787) formula um plano de educação nacional no qual as escolas deveriam ser oferecidas pelo Estado e abertas a todos, sendo que os professores seriam pagos com a venda de bens eclesiásticos. A oposição a preconceitos e a valorização da solidariedade deveriam ser as principais características dessa educação, ao mesmo passo em que Babeuf critica a ideia da superioridade do talento e da capacidade de alguns indivíduos e o princípio de uma maior valorização do trabalho intelectual, na medida em que, para ele, a sociedade é uma grande família na qual todos trabalham para o bem-estar comum, cada qual de acordo com suas possibilidades, de forma que todos devem ter direitos iguais. Já a utopia de Claude-Henri de Saint-Simon (1760-1825) caracteriza-se por uma valorização da Revolução Industrial, a qual reclama um novo tipo de cultura e na qual urge a solução da questão social. Desta forma, caberia às elites econômicas, políticas e pensantes agirem em favor das camadas desfavorecidas, sendo o princípio norteador dessa sociedade o “novo cristianismo”, baseado na fraternidade universal. Para Saint-Simon, deveria haver uma educação indireta (que ocorreria a partir do ambiente social) e uma educação essencialmente científica. Ele ainda critica as estruturas educacionais existentes que, ao seu ver, são socialmente discriminatórias e deficientes no que tange à formação intelectual, bem como se interessa pelos procedimentos pedagógicos destinados à educação popular. A pedagogia de Pierre-Joseph Proudhon (1809-1865) também valoriza o papel do trabalho manual no processo educativo 222

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e exalta o papel da educação como o principal instrumento de renovação social, através de uma forte crítica da educação burguesa, desigual e ineficaz no que diz respeito a alguma resolução para o problema da pobreza, “a ela contrapondo a educação do operário evoluído e eticamente formado, honesto e religioso, vivendo sem a orientação de patrões e de padres e que encarna os valores fundamentais da civilização moderna”. (CAMBI, 1999, p.480). Charles Fourier (1772-1837), em Teoria dos quatro movimentos (1808) e em Novo mundo amoroso (1809), elaborou um modelo de sociedade pautado em critérios antiautoritários e por um ideal de vida artesanal e campesino, centrado na harmonia e solidariedade. Fourier defendeu propostas escandalosas para a época, como a abolição do casamento e a igualdade total entre homem e mulher, motivo pelo qual ocupou papel secundário no cenário do século 19. Ele propugna que a educação deveria ser educação para a liberdade e para a felicidade para todos os indivíduos e através da harmonia entre todos os indivíduos. Neste sentido, critica as instituições educativas existentes por estarem voltadas para os interesses das elites e organizadas segundo princípios do ensino clássico, e também a família, acusada por ele de autoritarismo, por causar frustrações e revoltas, e de destruir o afeto entre pais e filhos. Na Inglaterra é Robert Owen (1771-1858) quem desenvolve uma proposta pedagógica na mesma linha desses teóricos franceses. Owen valoriza a importância do trabalho na educação e defende uma educação igual para todos. Sua proposta tem como fundamento uma profunda análise dos problemas da sociedade industrial, preocupação esta originada a partir de sua experiência pessoal de vida – teve origem humilde – e que o le-

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vou a buscar respostas e soluções que promovessem uma real melhoria das condições de vida da classe operária. Entretanto, o socialismo na Educação, assim como em outras áreas, só seria levado a bases mais elevadas por Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895). Ainda assim, a questão pedagógica nesses autores está dispersa nos seus vários escritos, às vezes de forma mais explícita, através de algumas propostas presentes em obras de propaganda e intervenção política, como o Manifesto Comunista (1847-1848) e Instruções aos delegados (1866-1867); às vezes de maneira implícita, no desenvolvimento de alguns dos temas da filosofia marxista. Em particular, são duas as contribuições mais significativas do pensamento marxista à Pedagogia contemporânea: a impossibilidade de se refletir sobre a Educação sem levar em consideração condições sociais e políticas precisas, pois é a luta de classes que a caracteriza e sustenta; e a importância do papel do trabalho na Educação, em contraposição à tradição intelectualista e espiritualista predominantes. Muitas das proposições educacionais presentes no pensamento desses autores incidiram em medidas educativas empreendidas pela Comuna de Paris, em 1871, como a promoção de um ensino laico, uma educação igual para todos (inclusas aqui as mulheres), além da busca de se efetivar a conjugação de ensino e trabalho, com vistas a realizar um novo tipo de escola que preparasse, profissionalmente, o indivíduo e que o instruísse, cientificamente, de maneira rigorosa. Desaparece ainda a atenção especial voltada para os “abrigos”, nos quais se introduziu uma educação completa da criança. Entre seus escritos sobre Educação, destacamos um que nos pareceu memorável por encerrar um apanhado geral das crí-

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ticas dos sistemas de ensino e ideias pedagógicas de Alemanha e Inglaterra a partir das quais os autores construíram suas diretrizes educacionais para os trabalhadores em geral: A Inglaterra manifesta um fato notável: quanto mais baixa se encontra uma classe no seio da sociedade e mais inculta no sentido corrente do termo, mais próxima está do futuro e do progresso. Isto é, em suma, o que caracteriza toda a época revolucionária que deu lugar ao cristianismo, disse-se “bem aventurados os pobres”, a “sabedoria deste mundo se fez loucura” etc. Este sinal anunciador de uma revolução nunca foi percebido com tanta nitidez e clareza delimitada como na Inglaterra de agora. Enquanto que na Alemanha o movimento parte não só da classe culta, como também dos atuais, na Inglaterra os setores cultos, inclusive os inteligentes, são cegos e surdos a todos os sinais dos tempos. O desleixo mais sórdido reina nas universidades inglesas enquanto os centros alemães de ensino superior são uma maravilha. É um fato conhecido em todo o mundo. Porém, o que dizer dos trabalhos dos primeiros teólogos e inclusive dos primeiros naturalistas ingleses! Que obras tão miseráveis vemos nas “listas semanais de novos livros”! No continente não é possível imaginar. Certamente, a Inglaterra é a pátria da economia política; porém, o que foi feito desta ciência na prática entre os professores e políticos! A liberdade de comércio de Adam Smith foi levada até a consequência absurda da teoria da população de Malthus, e não produziu nenhuma outra a não ser uma nova versão civilizada do antigo sistema de monopólio, que encontra seus representantes nas novas teorias e combate com êxito os absurdos malthusianos; porém, todos se encontram embarcados nas mesmas teorias. Tudo isso não passa de inconsequência e hipocrisia, enquanto que os trabalhos mais notáveis dos socialistas e, em parte, dos carlistas, são desprezados e só encontram leitores nas classes baixas. A Vida de Jesus, de Strauss, foi traduzida para o inglês, porém nenhum editor “respeitável” quis editá-la. Finalmente, foi publicada em fascículos, a três “pences” cada um, por um editor de segundo escalão, um antiquário enérgico. Isto é o que acontece também com as traduções de Rousseau, Voltaire, Holbach etc. Byron e

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Shelley, praticamente são lidos somente pelas camadas baixas – a obra deste último não figuraria na mesa de nenhuma pessoa “respeitável” sem que caísse no descrédito. Assim: bem aventurados os pobres, porque deles será o reino dos céus e com um pouco de tempo, sem dúvida, também o reino deste mundo. (ENGELS, 1844, p. 66 apud LOMBARDO, 2011, p. 65-66).

A partir de meados do século 19, ocorrem as primeiras grandes manifestações do positivismo pedagógico, na França e Inglaterra, sendo posteriormente difundidas para os outros países, com pequenas variações, mas mantendo as características originais, fundamentais do movimento. As propostas pedagógicas de cunho positivista podem ser caracterizadas, basicamente, por dois aspectos principais: a elaboração da Pedagogia como ciência e uma reformulação dos currículos formativos que, a partir de então, estariam voltados para as Ciências. Além disso, valoriza-se a Educação como um direito do cidadão e, por extensão, como um caminho para a evolução laica e racional da vida coletiva. Seria válido notar que tais modelos permaneceram apenas na intenção, longe de serem realizados. As reformas dos currículos redundaram, de uma forma geral, em um enciclopedismo. Não obstante, foi significativa a contribuição do positivismo para a Educação contemporânea no que diz respeito a uma reflexão mais “científica” acerca da Pedagogia. Entre seus principais pensadores, estão: 1) Auguste Comte (1798-1857): fundador do positivismo. No seu Curso de Filosofia Positiva, prometeu a elaboravismoncipais pensadores, estão:flexão mais “científica” acerca da gnificativa a contribuição do positivismo para a s outros países, com pequenas variações, mas mantendo as características originais, fundamentais

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do mo como um de seus princípios uma “rigorosa universalidade” da educação, o que implica uma abrangência que atinja a todo o povo, independentemente das condições socio-econômicas. 2) Edouard Séguin (1812-1880): preocupou-se com a educação dos excepcionais. Segundo ele, sensação, intelecto e vontade constituem os três aspectos fundamentais de todo indivíduo, configurando o desenvolvimento de sua personalidade. Séguin também considera a atividade física e motora como intimamente ligada à individualidade e aos processos de socialização do excepcional. Tratamento moral, higiênico e educação dos idiotas e de outras crianças retardadas é sua obra mais famosa e foi publicada em Paris, no ano de 1846. Nela, o autor destaca a importância dos aspectos mencionados sobre a educação do deficiente e ressalta o papel fundamental do ambiente para esse tipo de educação, numa crítica às instituições típicas para excepcionais, segregantes e autoritárias, propondo como alternativa um ambiente menos institucional e mais livre e estimulante. 3) Émile Durkheim (1855-1917): é o maior expoente do positivismo na sociologia. Para ele, a educação consiste num processo de conformação do indivíduo às normas e valores sociais. Além disso, também é instrumento de perpetuação das tradições e conquistas de um determinado patamar de desenvolvimento social e cultural atingido por um povo. Tais processos são historicamente variáveis e condicionados pelas estruturas econômicas e sociais de cada sociedade. Durkheim ministrou um curso sobre “A educação moral”, em 1902-

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1903, que juntamente com alguns artigos de caráter geral e verbetes para um dicionário pedagógico sobre Educação, Infância e Pedagogia (Nouveau Dictionnaire de Pédagogie, 1911) constituem o corpus principal no qual o autor reflete sobre o problema educacional e formula um modelo pedagógico condizente com as necessidades da sociedade atual. Tal projeto valoriza os aspectos laico, racional, moral e estatal da educação, seguindo tendência de boa parte dos modelos pedagógicos da época. 4) Herbert Spencer (1820-1903): foi o maior expoente da Pedagogia Positivista na Inglaterra. Sua obra Educação intelectual moral e física, de 1861, foi uma espécie de manifesto do positivismo pedagógico na Europa. A partir dela, podemos destacar dois aspectos principais de seu pensamento educacional: 1) uma crítica à educação clássica, segundo ele antiutilitarista e tendente ao “decorativo”; e 2) uma teorização do processo educativo pautado pela defesa de uma educação consoante às exigências, à evolução psicológica e às experiências concretas da criança. Para tanto, devem articular-se a educação física, a educação intelectual (que deve partir do concreto para o abstrato) e a educação moral (prática e baseada na avaliação das consequências das ações da criança). Spencer foi acusado de evolucionismo e conservadorismo por sua atenção quase exclusiva ao problema do “físico”, ao mesmo tempo em que no plano “moral” valoriza somente as virtudes burguesas, negligenciando o problema da educação popular, sendo estas algumas das principais limitações de seu modelo.

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Vale ressaltar o quanto as teorias socialista e positivista da Educação eram politizadas e, supostamente, representavam grupos sociais antagônicos na sociedade de sua época – posicionamento que, aliás, perdura até os dias atuais.

A PSICOLOGIA ENTRA EM CENA É no âmbito do Realismo Naturalista, com inspiração em Rousseau, que emerge certa tendência psicológica na Educação. Em termos gerais, essa tendência psicológica na Educação poderia ser definida como explicação e desenvolvimento dos princípios da vertente naturalista (que tinha em Rousseau a referência principal), num esforço de elaborar uma forma mais científica e concreta de suas ideias para a prática escolar. O pensamento naturalista não considerava a Educação como um processo artificial no qual se adquire conhecimentos de língua e literatura, bem como de ciências formais de qualquer espécie, mas como um desenvolvimento de capacidades natas da natureza humana. Dentro da perspectiva psicológica, tal natureza é sinônimo de espírito do homem, de forma que os princípios sobre os quais a Educação deveria basear-se seriam, então, procurados no conhecimento e atividades voltados para o desenvolvimento do espírito humano. Dessa maneira, a formulação científica desses princípios deveria se fundamentar na observação e na experimentação, procedimento este que não começou, a rigor, senão por volta de meados do século 19. Essa tendência buscava uma melhoria do processo educativo, o que fez com que o foco da atenção dos estudos se voltasse para a Educação Infantil, momento este negligenciado pelos pensadores da Educação devido ao fato de concentrarem suas

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atenções nos estágios posteriores (secundário e superior). Entre os protagonistas dessa nova maneira de pensar esteve Johann Heinrich Pestalozzi (1746-1827), que, influenciado por Rousseau e por aspectos do movimento romântico (como, por exemplo, a valorização da imaginação), em 1781, publica Leonardo e Gertrude, com sequências publicadas em 1783, 1785 e 1787. Nessa sequência de obras, Pestalozzi desenvolve, à maneira de Rousseau, uma proposta educacional cronológica. Dela podemos depreender que a teoria pedagógica de Pestalozzi gira em torno de três princípios fundamentais: 1) a Educação como processo que deve seguir a natureza (tal como proposto por Rousseau); 2) formação espiritual do homem, desenvolvida por meio da educação moral, intelectual e profissional; 3) valorização da intuição na instrução, aspecto no qual deteve mais sua atenção, desenvolvido, particularmente, em Gertrude instrui seus filhos (1801), obra na qual defende a necessidade de ensinar partindo sempre da intuição e do contato direto com as diversas experiências de cada aluno. Sua obra também tinha uma dimensão política. Ele criticava a ordem social de seu tempo e reivindicava reformas que efetivassem uma verdadeira liberdade e igualdade entre os indivíduos, com vistas a fundar uma “sociedade ideal”, pautada em princípios comunitários e éticos. Pestalozzi havia efetuado uma “revolução prática” no que diz respeito às propostas rousseaunianas, mas conforme notou Cambi (1999, p. 419-420), ele tinha revivido, como educador, os problemas da Pedagogia tal como se apresentavam no início da sociedade contemporânea e os tinha enfrentado a partir de uma teoria pedagógica alimentada por princípios da cultura romântica (como a atenção ao povo, o papel do sentimento nos vários âmbitos da vida das pessoas, a referência à formação espiritual, a visão orgânica da sociedade, por exemplo), sendo marcada por uma forte concepção da

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Educação como formação humana, ao mesmo tempo espiritual e política. Em 1778, dirigiu o Jornal do Povo Suíço, no qual difundia suas ideias pedagógicas. Na mesma época, dirigiu um instituto para órfãos, voltado para a educação intelectual e moral de rapazes. Nele, desenvolvia princípios fundamentais de sua pedagogia: o método intuitivo e o ensino mútuo. Situado em Stans, o instituto teve sua experiência interrompida e foi continuada em Burgdorf, onde o sucesso fez com que se tornasse uma parada obrigatória para as viagens pedagógicas de estudiosos e políticos. Mas foi só em 1805, em Yverdon, que organizou seu método de maneira mais completa, e este passou a servir como modelo educacional para toda a Suíça, bem como internacionalmente. Não obstante, em meio a dificuldades, a experiência termina em 1825. Ainda em 1826, publica duas autobiografias – O canto do cisne e Destinos da minha vida –, vindo a falecer no ano seguinte. O alemão Friedrich Froebel (1782-1852) também esteve em cena nesse período. Froebel teve sua iniciação como professor em 1808 com Pestalozzi, e eles permaneceram juntos até 1810, quando divergências constantes entre ambos o obrigaram a partir. Em 1826, publica sua principal obra, A educação do homem, fortemente marcada pela influência de Rousseau e Pestalozzi. Realiza em Blaukenburg, em 1839, sua maior obra como educador: o jardim de infância. Seu pensamento pedagógico caracteriza-se por três aspectos principais: a concepção da infância, da qual parte de um pressuposto religioso no qual “Se na infância está depositada a voz de Deus, a Educação deve apenas deixá-la se desenvolver, agindo de modo que se reconheça como ‘o divino, o espiritual, o eterno’, por meio de uma comunicação profunda com a natureza

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e a constituição de uma harmonia entre o eu e o mundo.” (CAMBI, 1999, p. 425-426). Dessa forma, faz-se necessário desenvolver a capacidade criativa da criança e incentivá-la a conhecer o mundo por meio do sentimento e da arte (com suas cores, sons, figuras etc.). No sentido de desenvolver tais habilidades, há um grande destaque para o jogo nos pensamento froebeliano. O segundo aspecto é a organização dos jardins de infância, os quais não são apenas locais de recolhimento das crianças (abrigos), mas espaços em que há toda uma estrutura voltada para o jogo, para as atividades de grupo (como o canto, por exemplo), com canteiros e áreas verdes, no intuito de fomentar nas crianças o interesse pelas mais variadas atividades. O terceiro aspecto é a didática para a primeira infância. Cabe à professora orientar as atividades, mas de maneira alguma da forma programática que acontece nas escolas. Froebel enfatiza a Educação como um processo no qual o indivíduo “realiza a sua própria natureza, pelo qual constrói seu próprio mundo ou a representação do exterior, e pelo qual une e harmoniza os dois”. (MONROE, 1958, p. 338). Assim, a espontaneidade das iniciativas concede ao professor a oportunidade para a instrução, ou seja, o professor é um auxiliar no estabelecimento dessa harmonia entre os mundos exterior e interior, pensamento e mundo externo, relações essas que a criança não seria capaz de estabelecer sozinha. Problemas políticos fizeram com que, em 23 de agosto de 1851, fossem proibidos todos os jardins de infância na Alemanha, a despeito de Froebel argumentar nunca ter se envolvido com política. Froebel faleceu em 1852, sem ver seus jardins de infância voltarem a funcionar.

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Já Johann Friedrich Herbart (1776-1841) segue uma linha um pouco diferente da seguida por Pestalozzi e Froebel, apesar de ter sido muito influenciado por ambos, e é com ele que surge um empenho claro da Pedagogia, nessa vertente, em constituir-se como “ciência”. Ele expõe seu pensamento pedagógico, particularmente, em Sobre a representação estética como tarefa fundamental da Educação (1806), Pedagogia geral (1806) e Esboço de lições de Pedagogia (1835). A partir de princípios da Psicologia e da Ética, determina-se o “governo” da criança, o qual abrange pais e educadores numa relação pautada por autoridade e amor, com vistas a tornar moral a natureza da criança “sem vontade”, de “selvagem desregramento” e “rudes tendências”, preparando-a para a vida em sociedade. No que diz respeito à instrução propriamente dita, propõe uma conjugação das diversas disciplinas de estudo com as exigências individuais do aluno, sem programas demasiado rígidos e uniformes. Herbart ocupou-se, principalmente, das escolas secundárias, distinguidas entre escola técnica e ginásio, com objetivos e programas diferentes. O professor deveria ser culto, didaticamente preparado e atento às individualidades dos estudantes para guiá-los e educá-los com êxito. O autor defende a autonomia da escola em relação ao Estado e à Igreja, argumentando que a Educação cabe à família e que seu objetivo maior é a formação do caráter do jovem por meio de uma cultura moral. Para Monroe, “O objetivo da educação, de acordo com Herbat, é ético. O trabalho único e total da educação pode ser resumido no conceito moralidade.” (MONROE, 1958, p. 324). Assim: A análise da virtude feita por Herbat não ficou apenas em termos formais, mas foi reduzida a cinco relações ou ideias morais. A fundamental era a de liberdade interna – a harmonia entre a

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evolução ou o desejo, de um lado, e a compreensão e convicção do outro. A isto foram acrescentadas a eficiência, ou perfeição (o equilíbrio ou harmonia dos gregos); a benevolência, ou boa vontade; a justiça e a equidade. (MONROE, 1958, p. 324).

As idéias de Herbat foram muito importantes para a construção da educação contemporânea, assim como as dos demais autores estudados nesse tópico. Note-se que uma revolução, também na educação, esteve em curso em todo esse período e se consubstanciaria no próximo século, que iremos estudar a partir de agora.

PEDAGOGIAS DO FIM DO SÉCULO 19 E INÍCIO DO 20 O fim do século 19 e o início do 20 caracterizaram-se por um momento de tensões e crises, de oposição entre burguesia e proletariado, nacionalismos e colonialismos, ao mesmo passo em que ocorreu uma renovação cultural, de forte oposição ao positivismo. Como não poderia deixar de ser, tais questões também incidiram nas formulações pedagógicas. Foram Nietzsche, Dilthey e Bergson os autores mais representativos envolvidos no debate pedagógico daquele momento. Vozes radicais e críticas, que levantaram problemas novos e inquietantes, ao imprimirem feições bastante distintas das vigentes durante o século 18. De um modo geral, Friedrich Nietzsche (1844-1900) faz uma crítica da Educação tradicional e coloca em causa o modelo antropológico grego-cristão-burguês, nascido com Sócrates e confirmado com o cristianismo, avesso aos valores trágicos, de inserção em um horizonte de repressão-sublimação e de oposição aos valores vitais:

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Contra ele [o modelo em questão] e a sua “moral” deve agir uma educação que vise – como enuncia Zaratustra na sua mensagem ética e filosófica – à formação do “espírito livre” (Der freie Geist), do “espírito nobre” (Der vornehme Mensch) e do “espírito dionisíaco” (Das Dionysische), que se realize numa disposição interior para a “leveza”, como liberdade, jogo e nobreza, que desenvolva tensões heroicas e atitudes de luta, reconhecendo como própria do homem a condição existencial aberta para a “morte de Deus” e pelo reconhecimento do niilismo. (CAMBI, 1999, p. 504).

Dentro de sua perspectiva, a nova paideia deveria ser crítica e trágica, com vistas a (re)construir um homem que afirme as tensões vitais de sua existência, o que incidirá, por conseguinte, na edificação de uma nova sociedade (dos fortes, dos eleitos e dos ultra-homens). Nietzsche ainda se inspira em valores desprezados pelas teorizações pedagógicas tradicionais, como o jogo, a “dança”, a luta, a precariedade da vida etc. A Pedagogia de Nietzsche trabalha como uma “toupeira” (escava galerias para fazer desmoronar os castelos das certezas) e com o auxílio do “martelo” (para ouvir se as ideias soam no vazio e promover uma destruição criativa), operando uma radical destruição das tradições pedagógicas e educativas, propondo a elas alternativas que visam a um modelo de homem, de cultura, de civilização totalmente novos, organizadas em torno de valores que a tradição metafísica e moralista do Ocidente, desde as suas origens, ocultou e afastou. (CAMBI, 1999, p. 504-505). Não tão radical quanto a Pedagogia de Nietzsche, mas na mesma linha de crítica ao positivismo, há o pensamento educacional de Wilhelm Dilthey (1833-1911), fundador do historicismo, de que podemos destacar dois aspectos principais de sua pedagogia, ambos complementares: 1) a defesa de um ensino que não seja voltado apenas para os elementos formais e eruditos da

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aprendizagem, portanto, de um recurso à intuição, de forma a fazer “reviver” a cultura e a vida espiritual do aprendiz através de 2) um apelo a um desenvolvimento formativo que leve em conta a vida espiritual e o desenvolvimento cultural do indivíduo. Esses aspectos serão retomados pela Pedagogia alemã até tempos recentes, levando ao desenvolvimento de teorizações educativas preocupadas com os problemas de cultura e história, mas especialmente com os processos formativos (psicológicos, éticos, sociais, políticos etc.), em meio à dinâmica e ao enriquecimento progressivo da consciência e da vida espiritual do homem moderno. Para Monroe (1958, p. 392), “De 1808 a 1811, com von Humboldt e von Schukmann, o espírito e a conduta das escolas elementares foram revolucionados pela introdução de métodos melhorados, baseados nos de Pestalozzi”. Na França, Henri Bergson (1859-1941) irá redigir A especialização (1882), O bom senso e os estudos clássicos (1895), Da inteligência (1902), entre outros. Em sua obra, Bérgson expõe sua concepção educacional, orientada no sentido espiritualista e dinâmico, voltada para os estudos clássicos e para a formação do indivíduo. Ele valoriza aspectos interiores e subjetivos nos processos de formação, o que leva, no plano educativo e escolar, à oposição a toda especialização profissional da instrução, sublinhando seu compromisso ético, além da valorização da criatividade, e opondo-se a intelectualismos. Segundo Paul Monroe (1958, p. 387): Em 1797, o Dr. Andrew Bell introduziu na Inglaterra o sistema de empregar os meninos mais velhos para a instrução dos mais jovens, o que fizera anteriormente num asilo de órfãos. Por ele, e especialmente por Josef Lancaster (1778-1838), o sistema foi desenvolvido até que se tornou para a Inglaterra um substituto, embora algo inadequado, de um sistema nacional de escolas. Por meio do emprego de alguns monitores diretores e um nú-

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mero suficiente de decuriões escolhidos entre os estudantes mais adiantados e mediante um sistema detalhado de organização e de método, era possível a um professor dirigir um grande número de alunos. Com Lancaster o ideal que ele próprio alcançou antes de 20 anos, foi que um só professor controlasse uma escola de 1000 meninos.

E na Rússia: [...] A Frederico, o Grande, e a outros monarcas alemães do fim do século XVIII. Mas só em 1763, ao terminar a guerra dos 7 anos, Frederico pode voltar suas grandes energias para o problema da educação. Em seus Regulamentos Escolares daquele ano, tornou obrigatória a frequência escolar, estipulou a preparação adequada e a remuneração dos professores, providenciou para a organização de livros didáticos apropriados para o aperfeiçoamento dos métodos, criou a inspeção escolar e proclamou a tolerância religiosa na educação. (MONROE, 1958, p. 392).

Para saber mais... –––––––––––––––––––––––––––––––––– A obra Os miseráveis

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capital e pelo interior francês, onde se depara com inúmeros tipos e formas ou colaboram com a educação de seu caráter e costumes. na Cosete. Filha de uma prostituta moribunda e entregue a uma família de páginas desse belo romance. O acompanhamento dedicado pelo protagonista

indivíduo.

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ção como suporte da vida e da permanência daquela unidade inicialmente responsável por assegurá-la: a família. educação de ambos pode se equiparar em conteúdo ou disciplina. De qualquer maneira, na criação de um modelo (a ser seguido ou rechaçado), esses autores apresentam um dos fatores mais essenciais da História da Educação: a noção de que ela está intimamente relacionada com os problemas de cada mente, a mesma prerrogativa.

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Assim, consideramos ter feito um balanço da instrução nos séculos 18 e 19. Ainda que o século 20 faça parte da época contemporânea, achamos por bem incluí-lo numa unidade específica: a próxima. Ao longo dessa unidade, estudamos a História da Educação na Idade Contemporânea. Um pouco antes, estudamos a Antiguidade e a Idade Média. Mas será que nosso olhar não deixou escapar nada? É claro que sim, senão pelos métodos escolhidos, pela simples razão de que o passado nos foge como um desconhecido, a quem não sabemos sequer o que perguntar quando queremos começar a nos conhecer. Desse modo, antes de tratarmos sobre o século 20, sugiro um exercício solitário: reflita sobre o homem e sua educação; passando pelo homem antigo, medieval, moderno e contemporâneo, e, por favor, não se assuste ao constatar o quanto somos diferentes e iguais ao mesmo tempo.

SINTETIZANDO • A Educação na Idade Contemporânea privilegiou a formação do homem como cidadão, tornando-o capacitado a ser um indivíduo mais ativo e autônomo na sociedade, o que ocorreu em três planos: 1) no da organização, por meio da elaboração de um “sistema es-

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colar” articulado e orgânico sob o controle público; 2) no nível dos programas de ensino, por meio da valorização de saberes úteis, abarcando as novas ciências e as línguas nacionais, em contraposição ao modelo humanístico de escola (linguístico-retórico, não utilitário etc.); 3) no nível didático, cedendo espaço a processos de ensino-aprendizagem inovadores, mais científicos, empíricos e/ou práticos. A Pedagogia do Iluminismo francês, fora do círculo dos filósofos, teve a importante contribuição de Louis-René de La Chalotais (1701-1785), Denis Diderot (17131784), Jean Le Rond D’Alembert (1717-1783), Étienne Bonnot de Condillac (1715-1780), Voltaire (1694-1778). Contudo, o pensador mais importante dessa época foi Jean-Jacques Rousseau. Na Alemanha, Basedow, Herder e Kant seguiram o rastro de Rousseau em suas propostas. Na Itália, os principais pensadores da Educação foram: Antonio Genovesi e Gaetano Filangieri (1752-1788), em Nápoles. Francesco Soave (1743-1816) e Giuseppe Gorani (1740-1819), na Lombardia. Raffaello Lambruschini (1788-1873), Gino Capponi (1792-1876) e Niccolò di Tommaso (18021874), na Toscana. E Sigismundo Gerdil (1718-1802), entre os poucos defensores da ortodoxia católica. Entre as pedagogias de inspiração socialista e positivista, destacamos inúmeros autores, e Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895) estão entre os principais. Sua bibliografia sobre Educação, todavia, está dispersa em vários escritos desses autores. A partir de meados do século 19, ocorrem as primeiras grandes manifestações do positivismo pedagógico, que,

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basicamente, podem ser caracterizadas por dois aspectos principais: a elaboração da Pedagogia como ciência; e uma reformulação dos currículos formativos, que, a partir de então, estariam voltados para as ciências. Além disso, valoriza-se a Educação como um direito do cidadão e, por extensão, como um caminho para a evolução laica e racional da vida coletiva. Entre seus principais pensadores, está Auguste Comte (1798-1857), para quem uma educação científica tendo como um de seus princípios uma “rigorosa universalidade” da Educação era urgente. • No âmbito do Realismo naturalista, com inspiração em Rousseau, emergiu ainda certa tendência psicológica na Educação. Essa tendência buscava uma melhoria do processo educativo e teve como protagonista Johann Heinrich Pestalozzi (1746-1827). Dela podemos depreender: 1) a Educação como processo que deve seguir a natureza (tal como proposto por Rousseau); 2) a formação espiritual do homem, desenvolvida por meio da educação moral, intelectual e profissional; 3) a valorização da intuição na instrução, aspecto que deteve mais sua atenção. O alemão Friedrich Froebel (1782-1852) também esteve em cena nesse período, e sua maior obra como educador foi o jardim de infância. Johann Friedrich Herbart (1776-1841), por sua vez, procura constituir a Pedagogia como uma “ciência”. • No final do século 19 e início do 20, Nietzsche, Dilthey e Bergson levantam problemas novos e inquietantes. Nietzsche (1844-1900) critica a Educação tradicional e coloca em pauta o modelo antropológico grego-cristão-burguês, nascido com Sócrates e confirmado com o

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cristianismo de inserção em um horizonte de repressão-sublimação e de oposição aos valores vitais. Nietzsche inspira-se em valores desprezados pelas teorizações pedagógicas tradicionais, como o jogo, a “dança”, a Henri Bergson (1859-1941) expõe sua concepção educacional, orientada no sentido espiritualista e dinâmico, voltada para os estudos clássicos e para a formação do indivíduo.

TEXTOS COMPLEMENTARES Aprendendo a ser professor(a) no século 19: algumas –––––––––––– ções de professor(a), ensino e método. Essas mudanças propiciaram o que tas por esses três pedagogos, este estudo tem por objetivo apresentar, especires e professoras para a escola primária a partir dos centros de formação e/ou escolas normais. Entre as qualidades requeridas para professores estavam as características de cuidado, afetividade e carinho para com os meninos e mee da Psicologia), as escolas normais disseminaram novas concepções sobre a infância e passaram a propagar modelos pelos quais a prática do professor Em consequência, o espaço da sala de aula passou a ser, cada vez mais, evocado como ideal para as mulheres. Em suma, a discussão aqui realizada se concentra na análise iniciada por Pestalozzi sobre o conceito de mulher como mãe-educadora e o fato de que Froebel foi o primeiro a incorporá-la como

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A escola do homem novo: entre o Iluminismo e a –––––––––––––––––––––––––––––––– Esse livro mostra como há muito o que se recolher das posturas sobre a Educação assumidas pelo Iluminismo e pela Revolução Francesa – sobre as funções do Estado, sobre políticas públicas e mesmo sobre o problema teórico crucial, o poder da Educação. A autora foi buscar nas suas fontes primordiais um discurso ainda muito atual sobre a Educação.

–––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Lutero (2003) –––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Para narrar a Reforma Protestante, a sequência apresenta a vida do religioso criar as 95 Teses, bem como estabelecer uma nova inspiração educacional na Alemanha. Referências Bibliográficas BOTO, C. A escola do homem novo: entre o Iluminismo e a Revolução

http://search.scielo.org/resource/ >. Acesso em: 29 ago. 2014.

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QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS 1) A Educação na Idade Contemporânea privilegiou a formação do homem como cidadão, tornando-o capacitado a ser um indivíduo mais ativo e autônomo na sociedade, o que ocorreu no seguinte plano: a) da organização, por meio da elaboração de um “sistema escolar” articulado e orgânico sob o controle público. b) no nível dos programas de ensino, por meio da valorização de saberes úteis, abarcando as novas ciências e as línguas nacionais, em con-

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traposição ao modelo humanístico de escola (linguístico-retórico, não utilitário etc.). c) no nível didático, cedendo espaço a processos de ensino-aprendizagem inovadores, mais científicos, empíricos e/ou práticos. d) Todas as alternativas estão corretas. 2) O teórico francês mais importante no tempo do Iluminismo, quando o tema é Educação, foi: a) Louis-René de La Chalotais. b) Jean-Jacques Rousseau. c) Denis Diderot. d) Jean Le Rond D’Alembert. 3) Para Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895), é impossível refletir sobre a Educação sem levar em consideração: a) condições sociais e políticas precisas, pois é a luta de classes que a caracteriza e sustenta. b) que o homem é um indivíduo que busca o equilíbrio interior e que o temor a Deus, mais do que sua compreensão, o impede disso. c) a importância do papel do trabalho na Educação, em contraposição à tradição intelectualista e espiritualista predominantes. d) Apenas as alternativas a e c estão corretas. 4) No entendimento de Auguste Comte, principal representante da Pedagogia Positivista, a Educação é: a) um dever do cidadão e, por extensão, um caminho para a evolução laica e racional da vida coletiva. b) um direito e um dever do cidadão e, por extensão, um caminho para a revolução laica e racional da vida coletiva. c) um direito do cidadão e, por extensão, um caminho para a evolução laica e racional da vida coletiva. d) Nenhuma das alternativas está correta. 5) Para Johann Heinrich Pestalozzi (1746-1827), a Educação é um processo que deve seguir a natureza e a formação espiritual do homem, desenvolvida através da educação moral, intelectual e profissional. Nesse sentido, deve-se:

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a) valorizar a intuição na instrução, porque ela representa a inteligência nata dos homens. b) valorizar a inteligência racional na instrução, porque ela representa a necessidade de ordem na sociedade. c) valorizar a reflexão na instrução, porque ela representa a capacidade de os homens reconhecerem seus erros e viverem em melhor harmonia consigo mesmos. d) Todas as alternativas estão corretas.

Gabarito Confira, a seguir, as respostas corretas para as questões autoavaliativas propostas: 1) d. 2) b. 3) d. 4) c. 5) a.

CONSIDERAÇÕES A cidadania e os direitos humanos são dois dos pontos mais importantes da educação contemporânea. No Brasil, entre outros efeitos, o Estatuto da Criança e do Adolescente é um dos pontos nevrálgicos dessa orientação, sendo assim, sempre que esse campo da história estiver em foco, lembre-se dos temas aqui levantados.

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ENGELS, F. Cartas de Londres. In: LOMBARDO, J. C. Karl Marx e Friedrich Engels: textos sobre Educação e Ensino. São Paulo: Navegando Publicações, 2011. p. 65-66. Disponível em: . Acesso em: 1 set. 2014.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARCE, A. A Pedagogia na “era das revoluções”: uma análise do pensamento de Pestalozzi e Froebel. Campinas: Autores Associados, 2002. 228 p. BOTO, C. Na Revolução Francesa, os princípios democráticos da escola pública, laica e gratuita: o Relatório de Condorcet. Educação e Sociedade, Campinas, v. 24, n. 84, p. 735-762, 2003. BOURDIEU, P. Razões práticas: sobre a teoria da ação. São Paulo: Papirus, 1996. CAMBI, F. História da Pedagogia. São Paulo: Editora UNESP, 1999. CHARTIER, R. Origens culturais da revolução francesa. São Paulo, Unesp, 2009. HABERMAS, J. Conhecimento e interesse. In: Os pensadores. Tradução de Maurício Tragtemberg. São Paulo: Ática Cultural, 1980. p. 300-312. HUBERT, R. História da Pedagogia. São Paulo/Brasília: Nacional/INL, 1976. LUZURIÁGA, L. História da Educação e da Pedagogia. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1971. MONROE, P. História da Educação. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1958.

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UNIDADE 6 TEATRO E EDUCAÇÃO FEMININA NO BRASIL DO SÉCULO 19

Elisa Maria Verona

OBJETIVO • Entender as concepções de educação feminina partilhadas por nossos escritores dramáticos por meio de suas peças.

CONTEÚDOS • Pressupostos da educação feminina no Brasil do século 19. • Papel desempenhado pela atividade teatral na tarefa de instruir e moralizar a sociedade.

ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que você leia as orientações a seguir: 1) Antes de começar seus estudos, é importante que você tenha em mente algumas informações sobre a autora desta unidade. Isso lhe ajudará a tomar uma posição crítica sobre o conhecimento que está pres-

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tes a contatar, bem como a buscar, em um momento posterior, informações que possam complementar seu aprendizado. Formada em História pela UNESP, campus de Franca, em 2004. Desenvolveu pesquisa de mestrado (2007) e doutorado (2011) pela mesma instituição, com financiamento Capes, oportunidade em que trabalhou com romances e peças teatrais produzidos no Brasil do século 19, com o objetivo de entender os modelos de feminilidade e de casamento defendidos por nossos literatos. Essas investigações resultaram na publicação de um livro em 2013, pela Editora UNESP, intitulado Da feminilidade oitocentista, e em artigos científicos publicados em revistas acadêmicas. Como docente, trabalhou na Faculdade Frutal (FAF) e no Instituto de Ensino Superior de Bebedouro (IMESB), ministrando disciplinas como Filosofia da Educação, Estudos da Realidade Brasileira e Antropologia e coordenando o Núcleo de Pesquisa e Extensão (FAF) e o Projeto de Extensão “Tecendo Redes”, que explorou o tema da violência doméstica. Atualmente está vinculada à Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, com dedicação ao Ensino Fundamental e Médio.

2) Ciente dos caminhos de pesquisa do autor, prepare-se para uma leitura que deve ser feita em dois momentos: primeiro, o texto principal, e após sua reflexão, o(s) texto(s) complementar(es). 3) Todas as nossas unidades contêm um tópico intitulado Sintetizando, é nele que as referências principais da unidade são revisadas. Procure dar bastante atenção à leitura desse tópico e faça anotações sobre pontos que também deveriam figurar nele. 4) Na sequência, sugerimos que faça um quadro sinóptico e/ou um mapa mental dessa leitura, o que facilitará o desenvolvimento de suas atividades. Aproveite esse momento para perguntar ao seu tutor sobre algum

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ponto que não ficou claro ou que lhe deixou curioso em sua leitura. 5) No final de cada unidade, há um tópico intitulado Textos Complementares, em que há a indicação de um livro, um artigo e um filme sobre o tema estudado. Não deixe de passar os olhos em, pelo menos, um desses materiais, são eles que vão garantir que seu aprendizado seja mais duradouro e profundo!

INTRODUÇÃO À UNIDADE Os pais antigos proibiam a leitura às filhas, afirmando que os livros eram os piores inimigos da alma. Para livrarem então as pobres inocentes de, por qualquer causalidade, estarem um dia em contato com tão perigosos conselheiros, faziam uma coisa que lá consigo julgavam muito acertada – não as ensinavam a ler! Era evidente o meio mais coercitivo. Hoje em dia o não saber ler é, felizmente, considerado uma vergonha, e não há uma pessoa que propositalmente condene os filhos a tamanha desgraça; agora o que ainda há são chefes de família que abominam os livros, ordenando às filhas que não toquem nunca em semelhante coisa. (ALMEIDA, 1905. p. 35.)

Pensar sobre a educação feminina no Brasil do século 19 nos obriga a ir além de uma reflexão sobre todo o esforço realizado em prol da constituição de uma rede oficial de ensino. Ainda que tenham sido erguidas inúmeras escolas por meio de decretos imperiais, é sabido que o percentual da população brasileira que frequentava os bancos escolares no século 19 permanecia reduzido, sobretudo se contabilizarmos apenas as mulheres. No entanto, se as iniciativas do poder público eram insuficientes para contemplar toda a demanda educacional do Brasil Império, outros canais de trocas culturais buscavam contornar essa lacu-

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na. Ou seja, para impulsionar o progresso brasileiro, nossa elite letrada valeu-se dos mais diversos mecanismos de divulgação de ideias e moralização dos indivíduos. O objetivo central desta unidade é mapear a contribuição do teatro nessa investida. Este estudo se encontra subdividido em três partes, nas quais abordaremos, respectivamente: a) as mudanças desencadeadas a partir da transmigração da corte lusitana para suas extensões coloniais, a promoção do ideal de civilização levada a cabo por nossos homens de letras, bem como a ênfase que atribuíram ao desenvolvimento da atividade teatral para a prosperidade pública; b) alguns avanços educacionais do período com ênfase para os saberes valorizados nos currículos adotados por escolas femininas; c) as concepções acerca da educação feminina partilhadas por nossos escritores dramáticos através de suas peças.

TRANSFORMAÇÕES HISTÓRICAS A PARTIR DE 1808 E O PAPEL SOCIAL DA ATIVIDADE TEATRAL Durante o século 19, o contato do Brasil com a Europa renovou-se; os traços culturais mais marcadamente portugueses de nossa tradição passaram, progressivamente, a serem associados ao “mau gosto” e a dar lugar a novos hábitos, mais afrancesados e inglesados. Tal “reconquista”, como analisa Gilberto Freyre (1936), que começou com D. João VI e se acentuou com D. Pedro II, alterou a paisagem brasileira em diversos aspectos e produziu uma “re-europeização” do modo de vida local, isto é, produziu um abrangente processo de mudanças, com marcada influência do Velho Mundo, que abarcou desde o jeito de se vestir e de se divertir do brasileiro até a sua maneira de conceber as instituições sociais. A crescente importação de artigos europeus

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demonstra que não era pequeno o interesse no Brasil por tudo o que era moda no Velho Mundo. França e Inglaterra eram, então, os exemplos de nações ilustradas, que serviam de referência para os que se empenhavam, seriamente, na melhoria das condições de vida do brasileiro. Grosso modo, o século 19 foi um período marcado pela gradativa “derrocada do modus vivendi patriarcal” e pela proeminência de um estilo de vida mais urbano ou mais “civilizado”, como gostavam de salientar os contemporâneos. A valorização social do homem formado foi um dos aspectos desse processo de transformação. A ascensão dos bacharéis às principais carreiras públicas marca o triunfo desse novo elemento de diferenciação social e a afirmação de um novo estilo de vida, mais urbano e polido. Para debater suas opiniões, essa nova elite letrada tinha a seu favor um ambiente relativamente propício, sobretudo se levarmos em conta as mudanças desencadeadas após a transmigração da Corte Portuguesa para o Rio de Janeiro, em 1808. A transferência do monarca português tornou possível uma série de medidas que alterariam, decisivamente, a configuração urbana dessa cidade, que passou a desempenhar um papel de “laboratório”, onde as medidas eram, primeiramente, testadas para depois serem estendidas às demais localidades do país. Olhar para o Rio de Janeiro desse período era, de certa forma, olhar para um projeto de Brasil que se queria viabilizar (FRANÇA, 1999, p. 10). Além disso, era olhar para uma cidade em que, dia após dia, multiplicavam-se os cenários que favoreciam a discussão de novas ideias: livrarias, teatros, cafés, bailes, academias eram os principais pontos de encontro dessa nova camada social, preocupada em estimular a troca de opiniões e em expressar o seu interesse pelo progresso brasileiro. A adesão aos ideais de “ordem” e “civilização”, partilhada pelos integrantes dessa nova elite letrada brasileira, justificou

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uma série de medidas instituídas ao longo do século 19. Civilizar correspondia, então, a um empenho de caráter pragmático, cuja finalidade era banir os elementos que denunciavam nosso atraso e melhorar as condições materiais, de saúde e de higiene da população. Correspondia também a uma ação educativa que visava intervir, diretamente, nos hábitos e costumes locais, de modo a coagir os desajustes e promover certo ideal de moralidade. A fala de um coetâneo resume de forma expressiva a conduta de nossa inteligência da época: “É tempo de mostrar que a civilização da Europa penetrou em nosso país [...].” (MACHADO, 1978, p. 216). Regenerar os costumes e cooperar para o progresso foram propostas que se objetivaram de diferentes formas: o interesse na fundação de um teatro nacional, por exemplo, representa uma faceta importante dessa cruzada, responsável também por instaurar diversos debates sobre as condições sociais, culturais, científicas e econômicas do Brasil. Ou seja, além de incentivar as produções dramáticas nacionais, era preciso garantir a difusão dos princípios higienistas e a realização de reformas sanitárias, permitir a criação de periódicos comprometidos com a divulgação de saberes científicos, literários e morais, criar novas instituições de ensino, modificar a paisagem urbana, entre outras coisas. A partir da intervenção progressiva do bacharel em diferentes domínios da vida privada e pública, muitas frentes de atuação, portanto, foram abertas. Muitas foram, portanto, as reivindicações apresentadas por esse corpo de escritores, e variados foram os temas discutidos: educação, saneamento, criminalidade e outros, entre os quais aqueles relativos à família e aos casamentos, preocupações constantes e emergenciais na época. É fundamental destacar, no entanto, que todas essas preocupações têm origem num eixo comum: a necessidade de impulsionar o progresso local. Fosse por meio da fundação de escolas, do

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estabelecimento de reformas sanitárias, da coerção dos desajustados ou do desenvolvimento teatral, era preciso contribuir de alguma forma para o “melhoramento” do país. Há de se ter em conta que, para muitos deles, a atividade de escritor era encarada como algo quase tão desafiador e fundamental como o trabalho realizado pelos heroicos desbravadores que se embrenhavam nos sertões para catequizar os aborígenes: “missionários do progresso”, “pregadores dos princípios sãos” são algumas das expressões utilizadas por esses comprometidos homens de Letras para se autodenominarem. Essa elite letrada partilhava de um “senso de missão” bastante aguçado e se ocupou dos mais variados problemas sociais. Independentemente da “materialização”, no entanto, um eixo comum orientou as escolhas desses homens que se puseram a escrever por aqui: fazer do Brasil uma nação mais ordeira e civilizada. Nossos letrados dedicavam-se à escrita de diferentes formas, manifestando alguma opinião por meio da imprensa periódica ou estimulando o mercado editorial com uma nova publicação brasileira. O fim do monopólio da Impressão Régia, o aumento do número de livreiros, sobretudo na corte, e o surgimento de diversos periódicos e associações comprometidos com a difusão do saber favoreceram imensamente o debate de opiniões e a formação de um público receptor para os conteúdos impressos. Graças a todos esses mecanismos de divulgação das ideias, as questões mais importantes para a época puderam ser discutidas publicamente, e a tão reivindicada “difusão das luzes”, levada a cabo. Difundir as luzes, cooperar para o progresso nacional e para o bom funcionamento da sociedade eram as principais intenções dos que se punham a escrever. Nos prefácios de gran-

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de parte das obras redigidas durante o século 19 e no programa editorial de muitos jornais e revistas, editados no mesmo período, essas intenções são insistentemente reiteradas. Um meio que favoreceu bastante o debate de opiniões e a difusão de modelos de comportamentos no século 19 foi o teatro. Por isso não é pequena a quantidade de escritores que se dedicaram ao gênero, fazendo da arte dramática um canal privilegiado de divulgação de suas ideias. Dito de outra maneira, além de livros, artigos e teses, muitos de nossos letrados também se valeram de peças teatrais para espalhar alguns “conhecimentos úteis” e contribuir para a mudança de costumes da sociedade brasileira. Já que o teatro era então considerado um “ verdadeiro meio de civilizar a sociedade” é natural que os primeiros teatrólogos nacionais buscassem, com suas peças, demonstrar quais os preceitos deveriam orientar adequadamente a educação do “belo sexo”. É no século 19 que as condições para o desenvolvimento de um teatro brasileiro começam a ser criadas. Não que as representações teatrais fossem desconhecidas por aqui: nos tempos coloniais, eram presença constante nas festividades públicas e religiosas, sobretudo a partir da segunda metade do século 18, sendo utilizadas pelos jesuítas na sua atividade missionária, em período mais remoto. Como observou José Veríssimo, no entanto, esse teatro só detinha de brasileira a circunstância de estar no Brasil, pois não constituiu um produto do nosso gênio; tampouco contribuiu para desencadear uma literatura dramática. Data do século 19 o teatro brasileiro, caracterizado pela existência de um conjunto de autores que produziam com regularidade, de um repertório razoável de peças voltadas para temas tidos como nacionais e de uma atividade crítica minimamente constituída.

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A vinda da família real para o Brasil, o advento do Romantismo, bem como a noção de missão que orientava o trabalho dos literatos brasileiros foram circunstâncias que favoreceram imensamente o desenvolvimento teatral no país. A partir do desembarque do monarca português, em 1808, novas casas de espetáculo foram fundadas no Rio de Janeiro e em outras localidades mais diretamente afetadas pelos progressos da corte. Companhias dramáticas estrangeiras passaram a se apresentar por aqui com alguma frequência, e o público brasileiro foi, aos poucos, incluindo o teatro entre suas práticas de sociabilidade. Também não demoraria para que os primeiros atores nascidos no Brasil começassem a dividir o palco com os estrangeiros e a organizar as primeiras companhias dramáticas nacionais. A proteção que nossos governantes dispensaram ao teatro, estimulando a construção de novas casas de espetáculo e subvencionando empresas dramáticas, foi igualmente um fator fundamental para o desenvolvimento de nossa cena. Eles assim agiam por acreditar que todas as nações que aspiravam a um lugar dentre as nações cultas tinham de estimular a atividade teatral. Em uma das diversas reflexões sobre a arte dramática que desenvolveu ao longo de sua carreira de crítico, Machado de Assis situou o teatro ao lado da imprensa e da tribuna e argumentou que, tal como os dois últimos, o teatro era capaz de gerar transformações sociais, por ser o meio “mais eficaz, mais firme, mais insinuante” de demonstrar uma verdade e de assinalar as aspirações éticas de um povo. Para atingir esse grande objetivo, o teatro devia ser mais que uma casa de espetáculo ou um local de entretenimento, como destacou Quintino Bocaiúva em texto de 1858: Hoje o povo e os literatos simultaneamente hão compreendido, que o teatro não é só uma casa de espetáculos, mas uma escola

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de ensino; que seu fim não é só divertir e amenizar os espíritos, mas, pelo exemplo de suas lições, educar e moralizar a alma do público; e o que tivesse nos dias presentes a extravagante ideia de querer ressuscitar no teatro essas diabrites atrabiliárias de uma consciência gasta e impura seria com razão repelido da cena pelo consenso soberano das turbas e seu nome entregue ao desprezo. Por mais opiniões que tenho lido em contrário, resta-me ainda a convicção de que o teatro é definitivamente uma escola, onde o povo, conforme o gênero dos espetáculos que lhe for oferecido, pode adquirir ou bons ou maus costumes, profícuas ou danosas lições. (BOCAIÚVA, 2001. p. 449).

Tal como Machado de Assis, Bocaiúva acreditava que, de todos os gêneros literários, o teatro era o mais vigoroso e eficaz, na medida em que apresentava um espetáculo vivo de emoções e sentimentos. Aos seus olhos, a produção dramática deveria ter uma função “utilitária” e concorrer para a perfectibilidade humana. Joaquim Manuel de Macedo foi outro escritor que se prontificou a defender a importância do teatro para a “correção dos costumes”, apresentando argumentos bastante semelhantes aos de Quintino Bocaiúva. Acompanhemos o seu ponto de vista: O teatro não deve ser unicamente uma instituição de entretenimento público, entretenimento passageiro, estéril e sem resultados de futuro; o governo que deixa o teatro limitar-se a essa missão exclusiva não só despreza o sábio preceito do poeta, que recomenda a mistura do útil com o agradável, como se expõe ao triste castigo de ver estragar-se e corromper-se no país a língua, o gosto, a arte, e, o que é mais, de sentir dentro de algum tempo o fruto de falsas doutrinas, de erros inconvenientes espalhados na população. (FARIA, 2001, p. 532).

A formação do teatro brasileiro, portanto, foi amplamente orientada por um propósito instrutivo e moralizador, ou seja, nossos principais escritores partilhavam um desejo de fazer da

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literatura dramática um agente significativo de transformação social e regeneração dos costumes. Na falta de escolas em quantidade suficiente para suprir as necessidades locais, os teatros tinham uma importante contribuição social para desempenhar. Aspectos formais da educação da mulher Antes de analisarmos os pressupostos da educação feminina defendidos por nossos escritores dramáticos, tratemos sucintamente de alguns avanços educacionais do período e dos saberes valorizados para a formação da mulher no Brasil oitocentista. A política educacional, durante o Império, quando comparada aos séculos precedentes, passou por uma série de mudanças significativas. Pode-se mesmo dizer que “a história da formação do Estado Imperial brasileiro oitocentista foi também a história da invenção da instrução e de sua emergência como temática.” (VAINFAS, 2002, p. 382). Esse vínculo pode ser percebido pelas próprias intenções que norteavam a organização do ensino, quais sejam a de contribuir para a construção da nação, para o progresso do país e para a moralização do povo. Se, por um lado, as conquistas nesse campo podem ser consideradas irrisórias diante da extensão territorial e do número de habitantes do Brasil da época, por outro, cabe entendê-las como o início de um processo que reclamava por maior acesso à instrução pública. Por meio de uma infinidade de leis, decretos, regulamentos e reformas, tentava-se viabilizar um projeto que pretendia implantar uma rede mais ampla de ensino primário, secundário e superior e garantir o derramamento da instrução e de suas “ideas mui luminosas” sobre a população. Mencionemos, rapidamente, alguns dados para que o leitor tenha uma ideia do relativo desenvolvimento do setor edu-

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cacional durante o período. A província do Rio de Janeiro contava, em 1840, com 23 escolas públicas, sendo 17 masculinas e 6 femininas. Quatro décadas mais tarde, em 1888, os relatórios administrativos apontam 426 escolas, das quais 250 eram de meninos, 166 de meninas e 10 mistas. Só no município neutro eram 93 escolas públicas em atividade, sendo 46 para meninos e 47 para meninas, com uma frequência em torno de 7.840 alunos. As particulares contavam com 955 matrículas nas 22 escolas disponíveis. No nível secundário, havia 247 alunas frequentando a Escola Normal, 569 alunos e 219 moças frequentando o Colégio Pedro II, 161 alunos frequentando a Escola Politécnica, 543 a Escola de Medicina e 2.144 o Liceu de Artes e Ofícios. (Apud RENAULT, 1982, p. 217). Para uma população calculada em torno de 400 mil habitantes, as estatísticas demonstram que apenas 5% da população livre da corte frequentava escolas, porcentagem essa que aumenta um pouco se for contabilizado o ensino informal, ministrado nas casas e oferecido por meio de anúncios de jornais. As famílias mais abastadas empregavam tutores particulares ou enviavam seus filhos para instituições religiosas, ou seja, a maior parte das crianças de elite não frequentava escolas públicas de instrução elementar. O ensino era um bom negócio, sobretudo para os imigrantes, que habitualmente expunham nos jornais suas habilidades aos interessados em seus serviços: “Une dame etrangère, fille de bonne maison, s’offre pour enseigner la langue française dans des maisons perticulières en ville ou hors de ville”. (Apud RENAULT, 1982, p. 63). O projeto em prol da instrução era, no entanto, prejudicado por muitos entraves, citados, frequentemente, nos relatórios administrativos que prestavam contas sobre as condições de ensino – queixava-se da falta de pessoas idôneas que gostariam 258

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de se dedicar ao magistério, da falta de inspeção acurada e inteligente dos poderes locais, da incúria e ignorância dos pais, que em sua maioria não queria que seus filhos fossem à escola ou não se importava com isso. Aliás, a questão da impermeabilidade da população ao aliciamento escolar foi apontada, repetidas vezes, como causa do atraso da instrução pública. “Difundir a instrução em um país como o nosso é tarefa quase tão enfadonha como a do enfermeiro de crianças que se recusam a ingerir a poção que há de salvá-las.” (Apud RENAULT, 1982, p. 106), escreveu o cronista do jornal Diário do Rio de Janeiro, em maio de 1877. No ano seguinte, uma pesquisa proposta pelo Instituto Pedagógico da Província lança as seguintes questões: “Quais os meios de forçar o pai a mandar seus filhos para a escola? Deve o governo usar de rigor ou brandura?” (Apud RENAULT, 1982, p. 114). Mesmo com a lei n. 1.571, de 1871, que regularizou a obrigatoriedade do ensino e estabeleceu multas e sanções em caso de seu descumprimento, convinha ao poder público ser cauteloso na adoção de medidas que pudessem melindrar a opinião pública. É o caso do dispositivo de 1862, que exigia atestado de vacinação para matrícula na província, suprimido em 1870 por ter suscitado diminuição de matriculados. Tendo em vista que a seleção cultural dos saberes e das disciplinas que deveriam fazer parte do currículo escolar é condicionada por fatores de diversas ordens, cabe pensar sobre quais conteúdos eram comumente ministrados às mulheres. Em geral, à menina ensinava-se as primeiras letras, os trabalhos de agulha e os princípios de piano; às que chegavam ao ensino secundário recebiam basicamente instrução moral e religiosa, noções de leitura, escrita e gramática, princípios de aritmética, além de costura, bordado e outras exigências da educação doméstica. No

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regulamento da Escola Normal, de abril de 1869, ressaltou-se justamente essa questão: “Para alunas, menos álgebra e mais o ensino de trabalhos de agulha e prendas do exercício doméstico.” (PRIMITIVO, 1939, p. 195). Segundo consta no Dicionário do Brasil Imperial (2008), no verbete que trata das Escolas Normais, o ensino de corte, costura e bordados perfazia um total de vinte horas semanais, enquanto o de língua portuguesa correspondia a dez horas semanais, e o de teoria pedagógica, a duas horas semanais. Afinal, um destino comum era esperado por e para essas mulheres, e os bancos escolares deveriam consistir em mais um dos lugares onde se ensinava e aprendia como ser menina. “O casamento as espreita e não tarda a tomá-las” (AGASSIZ, 1977, p. 277), escreveu a senhora Elizabeth Agassiz, em 1865, não sem antes pontuar: Em geral, no Brasil, pouco se cuida da educação das mulheres, o nível de ensino dado nas escolas femininas é pouquíssimo elevado; mesmo nos pensionatos frequentados pelas filhas das classes abastadas, todos os professores se queixam de que lhes retiram as alunas justamente na idade em que a inteligência começa a se desenvolver. A maioria das meninas enviadas à escola aí entram com a idade de sete ou oito anos; aos treze ou quatorze são consideradas como tendo terminado os estudos. (AGASSIZ, 1977, p. 43 apud ALMEIDA, 2007, p. 3).

A desproporção da instrução para homens e mulheres pode ser verificada na comparação entre o número de alfabetizados, obtida através do recenseamento de 1872: em cada 100 pessoas, 23 homens e 13 mulheres sabiam ler. Mas a diferenciação sexual da educação formal também pode ser averiguada em outros aspectos. Mais de meio século separa a fundação dos primeiros cursos de ensino superior no Brasil da data em que se formou a primeira mulher graduada em universidade brasileira. Trata-se de Rita Lobato Veloso Lopes, formada em Medicina, na

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Bahia, no ano de 1887. A lei que autorizou a presença feminina em cursos superiores brasileiros foi aprovada por D. Pedro II em 19 de abril de 1879, porém, continuou reduzido o número de mulheres que passaram a frequentar faculdades. A desaprovação social em torno da mulher formada ainda era grande, e a quadrinha popular podia continuar a ser repetida: Menina que sabe muito É menina atrapalhada Para ser mãe de família Saiba pouco ou saiba nada. (Apud HAHNER, 2003, p. 57)

A imprensa debateu a capacidade da mulher para atividades científicas. Muitos ainda insistiam que não se deveria proceder contra as “leis da natureza”, afinal, ninguém gostaria de se casar, por exemplo, com uma médica “viciada pelo contínuo costume de frequentar a rua.” (Apud HAHNER, 2003, p. 149). Às mulheres, sobretudo as de classe média ou baixa, cabiam as atividades que exigiam menor especialização, às quais se dispensava pouco prestígio, como o Magistério e a Enfermagem. Nos termos da moral pública, a Medicina era incompatível com a mulher honrada, a dama de elite deveria permanecer em sua casa e ocupar-se dos seus filhos. Mas, além da hostilidade pública, outros obstáculos dificultaram o acesso da mulher aos cursos superiores. Com exceção das Escolas Normais, foram tardios e poucos os estabelecimentos de ensino secundário públicos que abriram suas portas ao “sexo frágil”. E manter as meninas em escolas secundárias particulares era custoso demais para pouco retorno.

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Construção social do papel feminino pelo teatro E na ficção, quais foram os postulados da educação feminina defendidos por nossos escritores dramáticos? De acordo com as peças teatrais escritas no Brasil oitocentista, as mulheres deveriam ser preparadas apenas para se tornarem esposas e mães zelosas, ou a educação feminina deveria transcender esses objetivos? Nenhum outro assunto foi tão explorado por nossos teatrólogos quanto aquele relativo aos papéis sociais que deveriam ser observados por homens e mulheres. Dentro dessa questão dos papéis sociais, sobressai nas peças analisadas uma discussão acerca do novo papel da mulher na sociedade e das mudanças que estavam em curso quanto ao modo de educar o “belo sexo”. Muito significativa em relação a esse tópico é a peça As doutoras, de França Júnior, que consegue expor de forma bastante interessante o impasse social existente a respeito da educação feminina, ou seja, devia a mulher aspirar às mesmas carreiras que os homens ou sua instrução devia limitar-se a uma formação elementar? Em As doutoras, os diversos pontos de vista sobre o assunto são apresentados pelo posicionamento dos diferentes personagens. Manuel Praxades, personagem entusiasmado com o grande progresso da civilização moderna, mostra-se um convicto defensor da emancipação feminina e, por isso, apoiou que sua filha Luísa se formasse em Medicina; segundo Manuel: O papel da mulher de hoje não é o da de ontem. Aquelas criaturas que viviam em casa trancadas a sete chaves, pálidas, anêmicas, de perna inchada, feitorando as costuras das negrinhas, começam, por honra nossa, a ser substituídas pela verdadeira companheira do homem, colaborando com ele no progresso da grande civilização moderna. (FRANÇA JR., 1980, p. 229).

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Para Maria Praxades, esposa de Manuel, uma senhora bem mais cautelosa do que o marido quanto à adoção de ideias progressistas, as mulheres deviam limitar-se ao nobre e verdadeiro papel de mãe de família – fora contra a vontade de Maria que a filha se formara em Medicina. Outras divergências aparecem também entre o casal Luísa Praxades e Pereira, em virtude de os dois personagens serem médicos e defenderem diferentes posições acadêmicas quanto à prática da Medicina. Esses desentendimentos repercutirão na relação de matrimônio, acerca do qual a dupla tem perspectivas diferentes. Enquanto para Luísa a mulher devia gozar de posição igual à do marido no casamento – “Eu não sou uma mulher vulgar que veio colocar-se pelo fato do casamento sob a proteção de um homem. A minha posição no casal é igual, perfeitamente igual à de meu marido sob o ponto de vista do trabalho.” (FRANÇA JR., 1980, p. 244), para o Doutor Pereira o homem tinha de manter a sua posição de chefe de família, a quem a mulher devia se submeter – “Sou cabeça do casal. Tenho minha posição definida em direito perante a família e perante a sociedade.” (FRANÇA JR., 1980, p. 252), afirma o moço. Apesar de lançar algumas bases para a discussão sobre como seria a “família do futuro”, essa peça de França Júnior acaba por reafirmar alguns valores mais tradicionais sancionados pelo pacto familiar do período. Depois de se tornar mãe, Luísa abdica da profissão de médica e, a partir de então, terminam os desentendimentos com o marido. Em um diálogo entre Luísa e seu pai, inconformado com a resolução da filha, a moça explica os motivos que a levaram a optar por abandonar a carreira: Meu pai: dizem que o cérebro da mulher é fraco. Pois bem, por um sentimento de vaidade, que dizem também ser inato em nosso sexo, eu enchi esse cérebro de tudo quanto a ciência

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pode ter de mais grandioso e mais útil. Percorri com coragem inaudita toda a escala do saber humano na minha especialidade. Calquei ódios e vaidades dos colegas, ergui a cabeça, sem corar, acima desses preconceitos sociais de que falou há pouco e que eu também considerava estúpidos! Venci. Entrei na sociedade triunfante com o meu título. O prestígio que se formou em torno do meu nome fez-me esquecer de que era uma mulher... a glória atordoava-me... Dentro de mim sentia, porém, qualquer coisa de vago, de estranho, que não sabia explicar! Eu que muitas vezes no anfiteatro havia apalpado o coração humano, que o tinha dissecado fibra por fibra, que pretendia conhecer-lhe a fundo a fisiologia! Desconhecia, entretanto, o sentimento mais sublime que enche todo esse órgão. Tudo quanto aprendi nos livros, tudo quanto a ciência podia dar-me de conforto, não vale o poema sublime do amor que se encerra neste pequeno berço! (FRANÇA JR., 1980, p. 287).

Ao abrir mão de sua profissão para exercer plenamente seu papel de mãe, Luísa também reassume uma nova postura em relação ao vínculo matrimonial. Se antes defendia a igualdade de posições entre o casal, passa, depois da maternidade, a acreditar que, pelas “leis naturais”, há deveres que cabem unicamente ao marido, como a obrigação de garantir o “pecúlio do casal”, e responsabilidades que cabem à esposa, como a de bem criar e educar os filhos. Igualmente preocupado em reafirmar papéis sociais já sancionados pelo senso comum, estava Antonio de Castro Lopes, na sua peça A emancipação das mulheres, composta em 1852. Apesar de todo o enredo desenvolver-se no sentido de fomentar a reivindicação da igualdade de direitos entre homens e mulheres, é a ideia de que toda glória da mulher consiste no amor conjugal, na dedicação aos deveres domésticos e na prática da virtude que prevalece no desfecho. Julieta e Deolindo, par romântico que protagoniza a ação da comédia, mostram-se convictos defenso-

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res de uma proposta de regeneração social que tem por finalidade “melhorar a sorte” das brasileiras. O progresso da humanidade deve, necessariamente, contar com o espírito cultivado da mulher, até então condenada a um modo de vida um tanto prosaico, argumenta Julieta. Seguindo o exemplo dos países mais adiantados, em que as mulheres já tinham maior participação social, Julieta e Deolindo vão organizar um movimento pela emancipação das mulheres, que contará com a participação da personagem Clemência, tia de Julieta e diretora de um colégio para moças. Esse movimento terá o propósito de “proclamar” a emancipação feminina. Só a partir de uma resolução firme, defendia a moça, é que “o grito da emancipação” poderia surtir o efeito esperado. Segundo Julieta, após a “proclamação de emancipação feminina” toda mulher deveria ter, inclusive, seu direito eleitoral assegurado: JULIETA: Sabemos que, dada a nossa formal emancipação, devemos gozar dos mesmos privilégios, imunidades, garantias e isenções de que gozam os homens [...]. As urnas eleitorais deverão receber nossas listas; seremos alternadamente votantes e candidatas aos cargos [...] mais eminentes do Estado; o parlamento nos acolherá em seu recinto [...] por toda a parte nossa influência se fará sentir metamorfoseada em fatos, que provarão o efetivo exercício de nossa inteligência, solta das cadeias de uma estúpida escravidão. (LOPES, 1865, p. 236).

O noivo de Julieta, aproveitando a inspiração do momento, compõe um “hino marcial” em homenagem a tão grandiosa iniciativa: Eia, ó sexo encantador, Fujamos à escravidão, Defendemos com valor A nossa emancipação. Nesse dia prazenteiro

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Levantemos um padrão Saiba e veja o orbe inteiro A nossa emancipação. (LOPES, 1865, p. 260).

Ao mesmo tempo em que organizam a “proclamação da emancipação feminina”, Deolindo e Julieta também ajustam a cerimônia de casamento entre ambos, que ocorre às escondidas, ou seja, sem o consentimento de Salvador, tio de Julieta, personagem avesso às ideias libertárias do jovem casal. Mas, depois de alcançado seu verdadeiro intento, ou seja, depois de casado com Julieta, Deolindo vai reconsiderar todas as suas ideias emancipatórias e reafirmar as vantagens dos papéis sociais femininos habituais. O personagem expressa sua mudança de opinião nos seguintes termos: Confesso que abusei da credulidade de um sexo tão frágil, fomentando ideias que não poderão jamais ser realizadas; mas tudo quanto fiz não foi senão para alcançar com mais brevidade a minha união com aquela que de hoje em diante, no amor conjugal, na dedicação aos deveres domésticos e na prática da virtude fará consistir toda a sua glória, deixando em profundo olvido os pensamentos romanescos, as ideias extravagantes, que uma educação mal dirigida imprimiu em seu espírito exaltado. [...] a mulher é a flor mimosa da criação, destinada a aformosear com a sua beleza o painel da humanidade e amenizar com o perfume de suas virtudes a existência terrestre! (LOPES, 1865, p. 295).

Apesar do desfecho, A emancipação das mulheres, assim como As doutoras, aborda o assunto da possível mudança na condição feminina da brasileira, ainda que de modo caricato e com a intenção de valorizar os papéis sociais mais tradicionais. Tratam-se também de dois enredos que guardam certa dose de originalidade, já que a maior parte dos autores estava preocupa-

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da em abordar temas como o do casamento por interesse ou das mulheres seduzidas – esses, sim, temas que renderam muitas páginas no Teatro Oitocentista. Mas se poucas foram as peças que interrogaram a divisão de papéis sociais entre homens e mulheres, mesmo que a partir de uma perspectiva cômica e caricatural, muitas foram as que se ocuparam da discussão acerca da educação da mulher. Conscientes de que as mulheres tinham uma grande contribuição a dar ao projeto de tornar o Brasil uma nação civilizada, escritores teatrais do país exploraram a coexistência de modelos educacionais diferenciados e procuravam traçar a síntese desejada para que uma menina pudesse se tornar uma mulher completa, digna do título de mãe de família. Entre a “educação do espírito” e a “educação moral”, que se preferisse sempre a segunda, pois a educação do espírito não era suficiente para fazer de uma senhora uma mulher de família e, muitas vezes, acabava por transformar as moças em “taboletas de conhecimentos literários tão levianos como descolados.” (BERLINH, 1869, p. 6.). A exemplo de Manuel Praxades em As Doutoras, outro personagem que se mostrou insatisfeito em relação à condição das mulheres no Brasil foi Rodrigo, na peça O Crédito, de José de Alencar. De acordo com o ponto de vista desse personagem, que também pode ser considerado o principal porta-voz do autor, por ser ele o mais importante emissor de conselhos morais da peça, a mulher, para ser a grande companheira do homem, deveria ter direito à instrução e ao trabalho. “Para elevar o Brasil à altura do progresso moral e material da Europa, bastava-me a mulher”, afirma o moço. (ALENCAR, 1977, p. 130). Segundo Rodrigo, era preciso criar uma lei segundo a qual nenhuma mulher poderia se casar antes de aprender a ler e a escrever. Dessa forma, acreditava ele, a família tornar-se-ia uma “escola moral e

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instrutiva” e a mulher poderia cooperar, tal como o homem, para a prosperidade pública. Desde que a mulher do pobre levasse para a comunhão do matrimônio, além do coração, um espírito cultivado, a civilização desceria às últimas classes; o seio da família seria uma escola moral e instrutiva, na qual o homem receberia desde o berço até o serão do trabalho, com o leite materno, e com as afeições domésticas, as lições de sua mãe ou de sua esposa. (ALENCAR, 1977, p. 131).

A mulher ainda deveria, de acordo com Rodrigo, ter o direito de trabalhar quando a renda do marido não fosse suficiente para manter devidamente o lar. Isso não deveria ser considerado uma vergonha ou um sinal de desmerecimento para a família. No Brasil há esse prejuízo e por isso a primeira impressão que sofre o estrangeiro, observando os nossos costumes, é essa ociosidade completa em que vive a mulher. Nem uma sociedade da Europa apresenta este fenômeno porque ali a civilização já fez compreender que a mulher não é nem uma senhora, nem uma escrava, nem um traste; que seu mais belo título é o de companheira do homem; companheira no trabalho, na honra, no amor, na vida enfim. No Brasil, ao contrário... (ALENCAR, 1977, p. 167).

Apesar de apresentar essas insatisfações em relação à condição feminina no Brasil, a peça de José de Alencar não põe em causa a tradicional divisão de papéis sociais: a mulher tinha de ser instruída, mas apenas o suficiente para conseguir “inocular no coração do povo” os princípios da virtude e não para competir com os homens nas carreiras públicas. A mulher devia também abrir mão da ociosidade completa, mas apenas para ajudar a complementar a renda do marido, que continuava o maior responsável pelo provimento da casa.

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A verdadeira educação da mulher, portanto, de acordo com essa peça de Alencar e de algumas outras escritas por diferentes autores, era aquela que a preparasse para ser uma boa dona de casa e mãe exemplar. Que tivesse o “espírito cultivado”, ou seja, que entendesse de piano, canto, francês, inglês, pintura, desenho e bordados, mas fosse principalmente recatada e virtuosa e não uma “boneca de sabão”, como as moças que só se importavam com vestidos e penteados, bailes e passeios na Rua do Ouvidor. Mulheres acostumadas, desde novas, a verem satisfeitos todos os seus caprichos tornavam-se esposas fúteis e vaidosas, que facilmente poderiam levar o marido à falência. Acerca dos principais erros da “educação moderna”, acompanhemos as considerações do personagem Anastácio, na peça Luxo e Vaidade. A menina toca alguma coisa no seu piano; canta um pouco mal a sua ária italiana; tem de cor algumas frases do francês; desenha um nariz que parece uma orelha; dança e valsa noites inteiras nos bailes; passeia e conversa sem vexame com os rapazes, e presume por isso que tem uma educação completa. Engano, menina! A verdadeira educação de uma moça é aquela que, antes de tudo, deve torná-la uma boa mãe de família; a outra, a educação fictícia, aquela que recebeu, e que muitas recebem, pode dar em último resultado excelentes e divertidas namoradas, porém, esposas extremosas e mães dignas deste nome sagrado, palavra de honra que não, minha senhora! (MACEDO, 2002, p. 1.010).

Igualmente preocupado com os novos rumos da educação feminina estava o conservador Vasconcelos, em O demônio familiar, para quem a uma verdadeira dona de casa eram indispensáveis alguns predicados: D. MARIA – Por isso não; Henriqueta é uma boa menina! Bem educada! VASCONCELOS – Sim; é uma moça de tom; porém não serve para aquilo que se chama uma dona de casa! Estas meninas de

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hoje aprendem muita coisa: francês, italiano, desenho e música, mas não sabem fazer um bom doce de ovos, um biscoito gostoso! Isto era bom para o nosso tempo, D. Maria! D. MARIA – Eram outros tempos, Sr. Vasconcelos; os usos deviam ser diferentes. Hoje as moças são educadas para a sala; antigamente eram para o interior da casa! VASCONCELOS – Que é o verdadeiro elemento. Confesso que hoje, que vou ficar só, se ainda encontrasse uma daquelas senhoras do meu tempo, mesmo viúva! (ALENCAR, 1977, p. 182).

Na peça Romance de uma velha, é a personagem Violante que questiona a forma como seu irmão, Casimiro, educou a filha Clemência. De acordo com Violante, um exemplo de “anacronismo vivo”, segundo seu irmão, as “donzelas deviam ser como as flores cultivadas em estufas”. (MACEDO, 2002, p. 1.590). Acompanhemos um diálogo entre esses dois personagens: CASIMIRO – E esta? Violante, você é a mais impertinente das velhas. VIOLANTE – Clemência é boa menina por dotes que deve à natureza; tu, porém, deste-lhe uma educação que faz pena; preparaste nela uma boneca e não uma senhora, um atavio de sociedades e não um tesouro do lar doméstico; não a ornaste, enfeitaste-a; e por fim de contas tornaste-a joia falsa, resplendendo por fora, como diamante, e valor intrínseco nulo. Nem ao menos a ensinaste a amar a Deus; mas, em compensação, ela parece amar o próximo desesperadamente. (MACEDO, 2002, p. 1.594).

Nossos dramaturgos, portanto, mostraram-se bastante dispostos a discutir o tema da educação da mulher, apresentando desde as posições mais audazes até as mais conservadoras. De uma forma ou de outra, no entanto, buscaram reafirmar que os principais destinos da mulher eram o casamento e a maternidade, e que todos os modelos de educação tinham de priorizar

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esses elementos. Mal fizesse quinze anos, começavam os arranjos matrimoniais para que a moça pudesse se casar e, assim, evitar o “horroroso” título de tia. Se uma moça tivesse a sorte de encontrar um bom marido, tinha todos os motivos para se sentir feliz e realizada. Frases do tipo: “o futuro das mulheres é o casamento” (BOCAIÚVA, 1866, p. 35) ou “uma moça solteira é um perigo” (ALENCAR, 1977, p. 182) confirmam, o tempo todo, essa perspectiva. Fica pois sabendo que para a mulher o casamento é aos dez anos um brinquedo, aos quinze, sonho dourado, aos vinte, empenho aflitivo, aos trinta, sede devoradora, aos quarenta, desesperado desejo, e aos sessenta e daí por diante, mais do que paixão, desatinada fúria [...]. (MACEDO, 2002, p. 1.594).

Depois de casada, a mulher podia enfim realizar a grande missão de se tornar mãe e, dessa forma, dar a sua grande contribuição social, formando novos cidadãos para a pátria. Afinal, as lições recebidas na infância eram as que mais influenciavam nas escolhas futuras dos indivíduos. A mãe de família não era considerada só alicerce do lar doméstico, mas a base da sociedade inteira. As lições e exemplos que bebemos no seio da família jamais se desapegam do nosso espírito, e a família, meu caro Luís, resume-se nessa mulher que nos dá o ser, que acalenta-nos em seu seio, que nos ensina a balbuciar as primeiras palavras e que aponta-nos o caminho do céu nas primeiras orações que ouvimos de seus lábios. (FRANÇA JR., 1980, p. 83).

Amar e respeitar o seu marido, ser fiel e amável, cuidar bem da formação de seus filhos eram, em suma, os principais deveres de uma boa esposa segundo nossos homens de teatro. Daí a educação da mulher ser considerada garantia, honra, civismo e dignidade para as gerações futuras, pois o exemplo materno era como um espelho, que refletia o caráter moral das crianças.

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A crença de que a instrução constitui elemento vital nas sociedades modernas e é condição essencial de qualquer progresso marcou o pensamento desses escritores, que também pretendiam concorrer para a diminuição dos vícios e para a propagação das virtudes entre a população. A mulher esteve no centro das atenções desses autores teatrais, sobretudo em função dessa preocupação com a moralização dos indivíduos, ou seja, como primeira mestra do homem, a mulher deveria possuir condições mínimas para proporcionar aos seus filhos uma formação baseada em bons princípios. Idealizadores de uma sociedade “civilizada”, os prosadores oitocentistas não pouparam esforços nesse projeto de moralização dos habitantes; corroborados por parte substantiva da elite letrada, fizeram de suas peças teatrais verdadeiros repositórios de papéis sociais e modelos de conduta esperados para os indivíduos. Esperavam, enfim, concorrer para a difícil tarefa de instruir a população, incutir-lhe hábitos ordeiros e dóceis, para que se consumasse a construção de um Estado calcado em sólidos preceitos morais.

SINTETIZANDO • A civilização da população foi uma das missões moralizantes do início do século XIX no Brasil em que estiveram empenhados dramaturgos e atores locais. Nessa atividade, o papel da mulher foi prescrito conforme a educação vigente. • Nossos dramaturgos mostraram-se bastante dispostos a discutir o tema da educação da mulher, apresentando desde as posições mais audazes até as mais conservadoras. Estudar o papel da mulher e sua educação é im-

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portante mesmo para repensarmos a instrução feminina nos dias atuais.

TEXTOS COMPLEMENTARES Minha história das mulheres ––––––––––––––––––––––––– Rosa Bonheur teve de solicitar a autorização do chefe de polícia para montar fose das lagartas, com ilustrações que lhe valeram uma sólida reputação. Essas e outras histórias de mulheres podem ser encontradas nesse livro, que oferece ao público brasileiro a tradução de mais uma obra da historiadora francesa Michelle Perrot. Minha história das mulheres deve ser situado na importante lista de trabalhos dessa pesquisadora que são dedicados ao estudo da condição feminina, dentre os quais se encontra a valiosa coletânea que a História das mulheres no Ocidente. Michelle Perrot apresentou um programa de rádio pela emissora Rádio France Culture, por meio do qual pôde divulgar para um público mais amplo suas reuma audiência considerável, que resultou nesse seu mais recente trabalho. Escrito em tom de conversa informal, Minha história das mulheres recebe esse título porque sua autora se percebe como testemunha e atriz dessa área histopondências entre seu itinerário pessoal como pesquisadora e um movimento sociocultural coletivo que criava uma demanda pela memória feminina. Interessada inicialmente na história da classe operária, Perrot viu-se atraída, nos idos da década de 1970, pelo movimento das mulheres: “desejava conhecer sua -

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quistou, e ainda conquista, cada vez mais espaço, seja no âmbito intelectual, seja em áreas de políticas públicas ou conquistas de direitos civis. sições históricas para o estabelecimento de novas formas de convívio entre homens e mulheres, sem perder de vista, no entanto, que a história das mulheres, além de sofrer grandes interferências de grandes acontecimentos políticos e sociais, possui também seus próprios marcos. O relato foi desenvolvido com Perrot, possua a marca do inacabável. A narrativa subdivide-se em cinco temas que procuram abarcar desde a disponibilidade de arquivos para o estudo da história das mulheres a questões relacionadas ao cotidiano feminino no campo e na cidade, no passado e no de natureza, como se o desempenhar de certos papéis sociais por parte da

desse campo possam ser mais frágeis e reversíveis do que se supõe represen-

–––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Vida de menina –––––––––––––––––––––––––––––––––––– no Festival de Gramado, é uma adaptação livre para o cinema do livro Minha vida de menina os doze e os quinze anos), o livro Minha vida de menina foi publicado pela publicar seus escritos de juventude originou-se de uma vontade de mostrar para o francês, o inglês e o italiano e recebeu elogios de nomes célebres de mond de Andrade, entre outros. Ainda que tenha sido escrito sem uma inten-

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ção literária aparente, Minha vida de menina já havia alcançado, em 2004, sua 19º edição – tratando-se do mercado editorial brasileiro, o fato ganha maior esse clássico de nossa literatura para o cinema, opinião compartilhada por vários especialistas brasileiros em cinema, que concederam ao longa diversos prêmios e elogios. a virada do século 19 para o século 20, ou seja, é uma oportunidade para os espectadores estabelecerem alguns contrapontos entre as formas de educapossibilita o diálogo sobre as conquistas femininas ao longo do século 20, que englobam desde o acesso ao ensino superior e a possibilidade de ter uma prooutros aspectos históricos, tais como a passagem da Monarquia para a Repúda igreja no cotidiano das pessoas, as formas de violência contra a mulher, o confronto entre Ciência e Religião, entre outros, tudo do ponto de vista da au-

–––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Leitura das famílias brasileiras no século XIX: o “Jornal –––––––––––––––––––––––––––– Nos dizeres da própria autora, Maria Helena Camara Bastos (2002), “o estudo analisa o Jornal de Famílias periódicos — revistas, jornais, boletins —, além de serem um produto de consumo, são sobretudo um veículo de ideias e mensagens. Fazer a história deste periódico é também fazer a história da propagação de ideias, de hábitos de (Bastos, 2002, p. 200). O objetivo principal do artigo é analisar o processo educativo e pedagógico presente no corpus discursivo da publicação: “é um discurso que permite a formação de outros discursos, enunciados que ecoam e reverberam efeitos no dia a dia, na reconstrução cotidiana de laços sociais, na identidade de leitor/leitora, que tecem e homogeneizam a memória de uma época. O que interessa é a historicidade desses processos discursivos destinados a forjar a mulher brasileira, na segunda metade do século 19. Nessa perspectiva, pretende-se analisar os sa(Bastos, 2002, p. 202).

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A imprensa periódica, assim como as peças teatrais produzidas durante o século 19, assumiu um importante papel instrutivo e moralizador. A circulação do Jornal das Famílias insere-se nesta perspectiva normativa, com função moral na sociedade. “Abordando temas moralmente formadores, objetivava propagar . O estudo permite observar o processo de construção do universo feminino/masculino e das famílias brasileiras em uma sociedade que impressa, em que códigos morais e de civilidade precisavam de legitimação. Referências Bibliográficas

Revista portuguesa de educação, Portugal, v.

Minha vida de menina: cadernos de uma menina provinciana nos p. 4. PERROT, M. Minha história das mulheres

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QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS 1) Segundo a trova popular abaixo, a educação feminina no Brasil do século 19 era concebida como: Menina que sabe muito É menina atrapalhada Para ser mãe de família Saiba pouco ou saiba nada.

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a) uma forma de preparar devidamente as meninas para se tornarem boas mães e esposas zelosas. b) um dos caminhos possíveis para a construção da cidadania. c) uma etapa de preparação para o ensino superior. d) uma estratégia de emancipação das mulheres frente ao poder patriarcal. 2) Sobre a atividade teatral no Brasil do século 19, é correto afirmar: a) Sua missão foi a de difundir princípios revolucionários entre a classe oprimida. b) Sua finalidade não era só a de divertir e amenizar os espíritos, mas, pelo exemplo de suas lições, educar e moralizar o público. c) Papéis sociais femininos e masculinos não foram temas debatidos por nossos autores teatrais. d) Diversas peças escritas no período lançaram o debate sobre o direito das mulheres ao voto e à participação na vida política. 3) O desfecho da peça As doutoras, de França Júnior, reforça o seguinte argumento: a) As mulheres deviam gozar de direitos iguais aos homens na vida pública. b) No amor conjugal, na dedicação aos deveres domésticos e na maternidade consistia toda a glória da mulher. c) A formação superior ajudaria as mulheres a desempenharem melhor o seu papel social. d) O progresso brasileiro dependia da construção de universidades e escolas em quantidade suficiente para atender ao público masculino e feminino.

Gabarito Confira, a seguir, as respostas corretas para as questões autoavaliativas propostas: 1) a. 2) b. 3) b.

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CONSIDERAÇÕES Um meio que favoreceu bastante o debate de opiniões e a difusão de modelos de comportamentos no século 19 foi o teatro. Já que o teatro era então considerado um verdadeiro meio de civilizar a sociedade, é natural que os primeiros teatrólogos nacionais buscassem, com suas peças, demonstrar quais os preceitos deveriam orientar adequadamente a educação do “belo sexo”. Nossos dramaturgos, portanto, mostraram-se bastante dispostos a discutir o tema da educação da mulher, apresentando diferentes posicionamentos sobre o assunto. De uma forma ou de outra, no entanto, buscaram reafirmar que os principais destinos da mulher eram o casamento e a maternidade e que todos os modelos de educação tinham de priorizar esses elementos. Amar e respeitar o seu marido, ser fiel e amável e cuidar bem da formação de seus filhos eram, em suma, os principais deveres de uma boa esposa segundo nossos homens de teatro.

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UNIDADE 7 O SÉCULO 20 E A EDUCAÇÃO NOVA

Maria Renata da Cruz Duran

OBJETIVO • Verificar a amplitude, a permanência e as consequências do escolanovismo para a educação atual.

CONTEÚDO • Educação do século 20, de inspiração industrial e liberal, caracterizada pelo movimento escolanovista.

ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que você leia as orientações a seguir: 1) Antes de começar seus estudos, é importante que você tenha em mente algumas informações sobre a autora desta unidade. Isso irá lhe ajudar a tomar uma posição crítica sobre o conhecimento que está prestes a contatar, bem como a buscar, num momento pos-

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terior, informações que possam complementar seu aprendizado. Maria Renata da Cruz Duran é professora adjunta de História Moderna e Contemporânea na Universidade Estadual de Londrina. Recentemente publicou, em parceria com o professor Julio Bentivoglio, da Universidade Federal do Espírito Santo, o artigo Paul Ricoeur e o lugar da memória na historiografia contemporânea, na revista Dimensões. Além disso, entre 2011 e 2012, realizou, sob a supervisão da professora Belmira Amélia de Oliveira Bueno, pós-doutorado na área de Políticas Públicas para formação docente na América Latina contemporânea. Tendo esses trabalhos como aporte, desenvolveu a unidade apresentada.

2) Ciente dos caminhos de pesquisa da autora, prepare-se para uma leitura que deve ser feita em dois momentos: primeiro, o texto principal, e após sua reflexão, o(s) texto(s) complementar(es). 3) Todas as nossas unidades contêm um tópico intitulado Sintetizando, é nele que as referências principais da unidade são revisadas. Procure dar bastante atenção à leitura desse tópico e faça anotações sobre pontos que também deveriam figurar nele. 4) Na sequência, sugerimos que faça um quadro sinóptico e/ou um mapa mental dessa leitura, o que facilitará o desenvolvimento de suas atividades. Além disso, aproveite esse momento para perguntar ao seu tutor sobre algum ponto que não ficou claro ou que lhe deixou curioso em sua leitura. 5) No final de cada unidade, há um tópico intitulado Textos Complementares, em que há a indicação de um livro, um artigo e um filme sobre o tema estudado. Não deixe de passar os olhos em, pelo menos, um desses materiais, são eles que vão garantir que seu aprendizado seja mais duradouro e profundo!

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INTRODUÇÃO À UNIDADE Na unidade passada entramos na Idade Contemporânea, estudando o fim do século 18 e todo o século 19. Nesta unidade, estudaremos um pouco do século 20, a fim de conhecer suas diretrizes gerais. Isso porque nas unidades que sucedem este texto entraremos no estudo da História da Educação no Brasil, esmiuçando melhor nossa educação mais recente. Aqui, começaremos com a Alemanha, não só porque as grandes guerras mundiais marcaram o início desse século de maneira indelével, mas também porque foi ali que uma série de novidades educacionais começou a pulular no século 20.

A PEDAGOGIA ALEMÃ NO TEMPO DE HITLER Na Europa Ocidental, a Alemanha despontou das épocas Moderna e Contemporânea como precursora das novidades da área de educação. Uma das principais razões dessa originalidade está na adoção de uma religião protestante que incentivava os estudos em caráter individual. Como vimos, a instrução alemã, desde o século 19, compreendia não apenas os aspectos racionais da vida humana, mas também o sentido espiritual do estudo e da inteligência. Lembremos, com ajuda de Luziriága (1971, p. 197), que para Hegel, por exemplo, “a educação é o meio de espiritualizar o homem”. Além disso, vale lembrar os conceitos de Froebel (1852, p. 300 apud LUZURIÁGA, 1971, p. 202), para quem “não há antagonismo entre a escola e a vida”, ou seja, desde o século 19, o modelo alemão de instrução procura integrar as diversas áreas e formas de desenvolvimento do conhecimento, entendendo-o como parte da vida e necessário a todos.

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Em 13 de novembro de 1918, o Governo Provisório da República Alemã criou a escola unificada e liberou o ensino de toda tutela eclesiástica. Depois, com o ministro Konrad Hamish, efetivou-se a organização de comunidades escolares, conselho de mestres e de pais e decretou-se a supressão de frequência obrigatória ao ensino religioso. Entretanto, as mudanças mais profundas seguiram a aprovação da Constituição da República de Weimar, cujo Artigo 146 dispunha: A Instrução Pública constituir-se-á organicamente. O ensino médio e superior assentarão numa escola básica comum. Para essa organização, cumpre ter em conta a multiplicidade de profissões de vida, e para a admissão de uma criança a uma escola determinada, não se atenderá senão à sua capacidade e vocação e, não à posição social e econômica, ou à confissão religiosa dos pais [...] par. 3: “Para o acesso dos desprovidos de recursos às escolas médias e superiores, o Reich, os Estados e os municípios deverão facilitar fundos públicos, especialmente subsídios de educação, dos pais das crianças que pareçam capazes de aperfeiçoamento educacional nas escolas médias e superiores. (LUZURIÁGA, 1971, p. 212).

Além dessas disposições, foi decretada a “Lei da escola básica”, que propunha a existência de uma escola primária que fosse universal, obrigatória e comum a todos. Contudo, a partir do governo do chanceler Adolf Hitler, do Partido Nacional Socialista, todas essas medidas foram revogadas, e novos objetivos foram dispostos à educação, tais como: 1º. Formação do homem como soldado – político e sua subordinação ao chefe supremo, o Führer. 2º. Criação de uma consciência racial – nacional como entidade suprema. 3º. Desenvolvimento da disciplina e da obediência cega às autoridades políticas.

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4º. Cultivo e endurecimento do corpo por modo semelhante ao exercício militar. 5º. Subordinação da educação intelectual à política, não admitida a existência de uma ciência independente. 6º. Supressão da liberdade e da iniciativa individual na educação da vontade. 7º. Subordinação da educação religiosa à política nacional socialista. (LUZURIÁGA, 1971, p. 212).

A fim de afirmar essas prerrogativas, foram criadas escolas especiais para a formação de lideranças políticas. Essas escolas foram chamadas “Escolas Adolf Hitler”, “Burgos das Ordens”, entre outros nomes. Elas primavam, sobretudo, pelo ensino da disciplina e da ciência, como meio útil de desenvolvimento do ser humano segundo as teorias pedagógicas mais modernas naquela época. Seus resultados foram consideráveis e seu alcance não deixa de ter sido um dos mais abrangentes – se levarmos em conta a população considerada pelo governo de então e que, na maior parte do tempo em que vigorou esse tipo de educação, o país se encontrava em estado de guerra. Para saber mais! ––––––––––––––––––––––––––––––––––– O documentário Arquitetura da Destruição trata da relação entre a arte e o das pelo Führer para desenvolver um projeto de urbanização e educação da

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NA FRANÇA DO GENERAL DE GAULLE... Um breve recorrido pela história da educação na França nos mostra que em 1764 ocorreu a expulsão dos jesuítas e a ins-

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tauração da escola pública. Em 1795, foram promulgados os Colégios Centrais, referências institucionais e pedagógicas. Em 1833, ocorreu a entrada de Guizot no Ministério da Instrução Pública e com ele sérias mudanças, que representaram uma ampliação do ensino. Em 1880, na França, foram promulgadas as Leis escolares; um ano depois, a instrução primária tornou-se gratuita e em 1882, obrigatória. Em 1886, ela se tornou totalmente controlada pelo Estado e, em 1901, o governo cedeu autorização às instituições religiosas para ministrarem seu ensino novamente – em caráter complementar ao já robusto sistema público de ensino francês. Após a Primeira Guerra Mundial, as reformas na área de Educação ocorreram segundo as ideias da École Unique, em que houve um prolongamento da obrigatoriedade escolar até 14 anos e a redução a 5 dos 7 anos de Ensino Secundário. Mais amplo e compreensivo foi o movimento desenvolvido pelos representantes dos partidos democráticos, como o radical-socialista, distinguindo-se nesse trabalho o líder daquele, Edouard Buisson. O 1º apresentou à Câmara dos Deputados, em 1920, projeto de lei que reorganizava o ensino nacional nestas bases: suprimir as classes primárias dos liceus e colégios; abolir as contribuições escolares em todos os estabelecimentos públicos de ensino secundário e profissional; substituir o regime de bolsas pela admissão gratuita, nesses estabelecimentos, dos candidatos mais capazes, mediante exames e concursos acessíveis aos alunos das escolas públicas ou particulares; contribuir com as subversões do Estado e as contribuições da iniciativa privada [para] um fundo nacional, para empréstimos aos estudantes, ou para adiantamentos à família. (LUZURIÁGA, 1971, p. 213-4).

Em 1930, foi decretada a gratuidade do ensino secundário, efetivada em 1932 e 1933. Mais adiante, o Ministro Jean Zay, em 1937, a fim de facilitar passagens do ensino primário para o secundário, criou as “classes de orientação”, que tinham o objetivo de guiar a finalização do primário. Nesse momento também

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foram implementados os princípios da escola ativa, com as chamadas “atividades dirigidas”. O plano de uma escola única foi suprimido devido à Segunda Guerra Mundial, a ocupação alemã e as reformas do governo Vichy, sob as ordens do Marechal Pétan. Segundo Luzuriága : Esse governo suprimiu a escola única, introduziu o ensino confessional, restringiu a cultura intelectual e intensificou a educação física, suprimiu a gratuidade do ensino secundário, tudo isso baseado nas ideias de “Pátria, Família e Trabalho”, muito próximas do movimento hitlerista e introduzindo as ideias de obediência e hierarquia, em vez das ideias de liberdade e democracia, puramente francesas.

No final da Segunda Guerra, essas mudanças foram substituídas pelos planos do cientista Lagevin: O Plano Lagevin é inspirado nas ideias da educação democrática e trata de trazer à prática a ESCOLA ÚNICA anterior à guerra, ainda que sem se referir a ela, ou a seus defensores. Por outro lado, tende especialmente a favorecer a educação dos trabalhadores a quem trata de dar a maior cultura geral e profissional possível. No Plano, de execução progressiva, estabelece-se um ensino de primeiro grau, dos 3 aos 10 anos, dividido em escola maternal (3 a 6 anos) e escola primária (7 a 10 anos), segue-se o ensino do segundo grau, (dos 11 aos 18); finalmente, o ensino de 3º grau, composto, por sua vez, de 3 ciclos: um pré universitário, de preparação para o ensino superior (2 anos), um de licenciatura (2 anos) e outro de investigação e doutorado (2 ou mais anos). (LUZURIÁGA, 1971, p. 124).

Mas, como o plano não pôde ser realizado, em 1949, o Ministério da Educação apresentou ao Conselho Superior de Educação um plano que recolhia as ideias essenciais do Plano Lagevin e, em 1959, o governo do General De Gaulle apresentou outro projeto que, segundo Luzuriága, ia no mesmo sentido unificador e democrático.

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Para saber mais! ––––––––––––––––––––––––––––––––––– O Caderno Mais!, da Folha de S. Paulo França, descreve o sistema universitário francês no século 20 e as transformalink é: .

Educação on-line: teorias, práticas, legislação e formação

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QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS 1) Vimos que as políticas educacionais brasileiras desenvolvidas nos anos 1990 seguiram as orientações de setores internacionais, dentre eles a Unesco, por meio do Relatório da Comissão Internacional sobre a Educação. Tal relatório apresenta quatro aprendizagens que serão utilizadas pelo sujeito ao longo de sua vida. De acordo com o que foi lido, quais são essas aprendizagens? a) Aprender a viver separados, aprender a ser individualmente, aprender a fazer e aprender a conhecer. b) Aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a não viver juntos e aprender a ser. c) Aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver juntos e aprender a ser. d) Nenhuma das alternativas está correta. 2) Quais os valores sociais atrelados às multifacetadas práticas de contextos pedagógicos que condizem com modelos e teorias educacionais que foram apropriadas pela EaD? a) Propósito de ineficiência, eficácia, improdutividade, otimização, heteronomia, incompetência e velocidade, valores que contribuem para a obtenção de habilidades e competências valorizadas pelo mercado de trabalho. b) Propósitos de eficiência, eficácia, produtividade, otimização, autonomia, criação, competência e velocidade, valores que contribuem para a obtenção de habilidades e competências valorizadas pelo mercado de trabalho. c) Propósitos de habilidades, competências e irresponsabilidades que contribuem para a obtenção de habilidades e competências valorizadas pelo mercado de trabalho. d) Todas as alternativas estão corretas. 3) Quais são as ações possíveis à EaD que apresentamos de maneira breve em nosso texto? a) Aumento das instituições privadas como formadoras em EaD, utilização dos recursos EaD nas chamadas universidades corporativas, desenvolvimento de Recursos Educacionais Abertos (REAs) como metodologias

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de apropriação das técnicas e uso de novas plataformas de EaD que internacionalizem e congreguem outras universidades no mundo. b) Diminuição do número das instituições privadas que oferecem EaD, o meio corporativo ainda não se adaptou e não utiliza, de nenhuma maneira, estratégias de EaD para formar seus colaboradores, ainda não é possível desenvolver Recursos Educacionais Abertos (REAs), e o caráter internacionalizador da EaD ainda é restrito ao Brasil. c) Aumento das instituições privadas como formadoras em EaD, utilização dos recursos EaD nas chamadas universidades corporativas, desenvolvimento de Recursos Educacionais Abertos (REAs) como metodologias de apropriação das técnicas, e restrição do caráter internacionalizador da EaD ao Brasil. d) Todas as alternativas estão erradas.

Gabarito 1) c. 2) b. 3) a.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Apresentamos, então, neste capítulo um recorrido histórico de como a modalidade a distância se fortaleceu e se disseminou em nosso país, através de políticas públicas e educacionais, promovendo uma grande expansão do ensino superior. Consequentemente, tais iniciativas permitiram que outros setores também se fortalecessem, tais como o ensino particular e o coorporativo, os quais também compreenderam as possibilidades formativas promovidas pelas Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs).

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Os recursos tecnológicos atrelados aos avanços audiovisuais permitiram, também, outras configurações e transformações no campo educativo, vide o que aprendemos sobre os Recursos Educacionais Abertos (REAs) e as diversas iniciativas para integração e divulgação dos saberes acadêmicos através da aprendizagem massiva aberta (MOOCs), os quais estimulam pessoas do mundo todo a construir e reconstruir seus conhecimentos e saberes de modo colaborativo e interativo. Temos, então, de refletir sobre as possibilidades existentes em relação à EaD e suas ferramentas, que a cada dia são atualizadas e transformadas sem deixar de perceber os limites que ainda persistem e que devem ser ultrapassados para que a formação aberta e de qualidade prevaleça. Esperamos que esta discussão tenha provocado muitos questionamentos, e que você continue a refletir e estudar os caminhos já percorridos pela educação on-line e as possibilidades e limites que essa modalidade ainda precisa superar. Desejamos que você, como nós, termine o trabalho justamente no espírito de quem ainda quer mais. Isso porque, como assinalamos em nossa apresentação, esta é só a ponta do iceberg; muito ainda há por conhecer na área da História da Educação. Esperamos, portanto, encontrar com vocês por aí, nas salas de aula, nos congressos acadêmicos, nas editoras, nas empresas educacionais, no meio on-line, enfim, que estejamos sempre conectados pela Educação. Um grande abraço!

ABED – Associação Brasileira de Educação a Distância. Homepage. Disponível em: . Acesso em: 17 set. 2014.

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