História da Estética e do Romantismo Alemães

June 19, 2017 | Autor: André Nör | Categoria: German Literature, German Idealism, Sthetics
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A importância da linguagem e da forma de apresentar o objeto e a ideia são o grande diferencial do romantismo alemão, que defendia formas alternativas e fragmentadas de discurso. O sujeito importa enquanto agente que enuncia juízos, daí a divergência com suas maiores influências: Kant e Fichte. Para estes, sujeito e linguagem não se separavam, enquanto que para os românticos havia uma clara distinção entre ambos, sendo o primeiro mais amplo. Além disso, a intenção autoral acobertava sentidos que restavam perdidos devido a essa pessoalidade que pode ser dispensável ao interpretar um texto. Ver Andrade, 2009, pp. 219-21 e 225-6.
É importante esclarecer que o "fim da arte" ou "morte da arte" não significa que não haja mais produção artística. Isso seria um evidente absurdo, tendo em vista o aumento exponencial de obras do período de Hegel até hoje. O sentido é de fim do espaço privilegiado da arte entre os povos (folclore), fim do esplendor e do ritual sagrado dos eventos e festas artísticas. Sendo assim, a beleza simbólica primitiva e a clássica grega seria mediatizada pela reflexão, o que elimina o caráter divino da arte. Esta, portanto, pertenceria ao passado, como consequência do movimento dialético do espírito em direção ao absoluto.
O sentimento pode ser de dois tipos: o dos sentidos e o do espírito. Seguindo o senso comum, Schlegel prefere o segundo, pois envolve a reflexão. É apenas com Nietzsche, com seu platonismo invertido, que a sensibilidade dos sentidos, do corpo, será revalorizada na filosofia.


HISTÓRIA DA ESTÉTICA E DO ROMANTISMO ALEMÃES

"Como odeio [...] todos os bárbaros que se presumem sábios por não terem mais coração, todos esses demônios da rudeza que, com a pequenez e a irracionalidade de sua disciplina viril, destroem e assassinam de múltiplos modos a beleza jovial". (HÖLDERLIN, 2012, p. 38)

A tragédia da modernidade é esta: a vida encontra-se reduzida pela perda de contato com a experiência imediata. O excesso de conhecimentos e técnicas (realismo) vai contra o encanto da primeira impressão permeada por mistérios. O sujeito moderno vivencia essa tragicidade diariamente, devido tanto pela ruína dos antigos referenciais quanto pela cultura de massa, que dita comportamentos à sua revelia. O que poderia nascer a partir dessa conjuntura? Do maior perigo vem também a maior salvação? Tão curto quanto a duração do Romantismo (movimento intelectual alemão que durou cerca de quatro anos) é o período de saída da adolescência do homem (dos 16 aos 20 anos de idade). E assim como a primeira infância é fundamental em nossa personalidade, esta etapa de amadurecimento é decisiva para o que seremos pelo resto de nossas vidas – é a fase do primeiro amor e das promessas que em geral não são cumpridas. Novalis escreveu um texto poético chamado Pólen, podendo ser interpretado como uma fonte existente na cultura que dispersa suas ideias pela terra, indiferentemente, e que em algum lugar esse gérmen irá vingar, sem poder precisar onde se dará. Quem, ao contrário de Werther (o jovem goethiano), sobreviver à fúria apaixonada da juventude colherá frutos macios. Foi um pouco disso o que cumpriram os românticos, os quais levantaram questões e problemas que mudaram o rumo da cultura ocidental, mesmo sem terem apresentado soluções satisfatórias.

II.1 OS PRECURSORES DA ESTÉTICA ALEMÃ

Neste artigo será dada especial atenção aos românticos, pois estes foram além da teoria e produziram arte, por exemplo, Novalis, Hölderlin e Hoffmann. A proposta deles era em prol de uma filosofia mais poética, menos sistemática e mais obra efetiva – posição de exceção dentro do pensamento ocidental, costumeiramente defensor da clareza e da univocidade. A fim de compreender a estética alemã é indispensável uma apresentação, ainda que breve, de dois autores de meados do século XVIII: Johann J. Winckelmann e Alexander G. Baumgarten. O primeiro fundou a Estética como disciplina específica da filosofia e o segundo é considerado o pai da História da Arte. Ambos influenciaram diretamente o pensamento alemão posterior, com ressonância nos séculos seguintes; o progresso dessas reflexões se confunde com a consolidação da cultura e da filosofia propriamente alemãs.
A Grécia antiga está em total consonância com o primeiro autor citado acima (J. J. Winckelmann). Ele recomenda explicitamente que os artistas deixem de imitar a natureza e que comecem a ver a arte grega como modelo para suas obras. A arte clássica era o ideal de beleza, pois possuía o que ele chamou de "uma nobre simplicidade e uma grandeza serena, tanto na atitude como na expressão", dando como exemplo a estátua de Laocoonte, o troiano morto por serpentes junto de seus filhos. Esse autor "não só fornece uma nova interpretação dos gregos, mas uma nova valoração. Ele sustenta que a arte deles seria a maior e melhor já feita [...] caberia aos modernos [...] tomar a arte grega como modelo, para tentar se aproximar deles e, assim, fazer uma arte superior e autêntica" (WERLE, 2000, p. 28). Os pré-românticos viram em sua posição uma ligeira crítica às regras iluministas e uma defesa do helenismo, e a partir dele a cultura alemã não foi mais a mesma, de Mozart a Hitler. O problema do critério em arte estava resolvido, bastava voltar os olhos para a cultura dos grandes gregos. Uma objeção imediata levantada contra essa nostalgia foi: a história não se repete, é impossível não admitir que o mundo Moderno seja muito diferente do mundo Antigo. Mas essa dificuldade é contornada ao se defender mais a inspiração do que a imitação dessa arte. A imitação é do espírito e não do produto concreto, senão seria mera cópia artesanal. O conselho era este: refazer o pensamento que levava ao ideal de beleza, dentro do contexto e das técnicas atuais. A ideia de perfeição existia. Se o artista aplicasse os meios que aprendeu ao entrar em contato com os tesouros gregos ele teria sucesso em seu feito, revigorando a relação entre homem e natureza para além dos preceitos contidos no classicismo francês, hegemônico até então. A imagem divina dos antigos não precisava sufocar o artista e nem a soberba moderna precisava desprezá-la. Dessa reverência ao helenismo nasceu o Classicismo de Weimar, preenchendo a lacuna deixada pelo projeto de Winckelmann e criando uma arte autenticamente germânica.
Sobre o outro autor, A. G. Baumgarten redige em 1750 Aesthetica, sua obra-prima, iniciando com ela a autonomia da estética enquanto disciplina da filosofia – o campo das sensações sempre foi analisado na filosofia, mas seu significado específico é tipicamente moderno. Esse pensador ainda era deveras ligado ao racionalismo, uma vez que foi discípulo de Leibniz e Wolff, mas sua obra lançou as bases para o autêntico pensamento alemão, de Kant a Heidegger. São questões fundamentais à Estética: O que é o belo? Como se forma o gosto? Qual é o objetivo da arte? Qual é o papel das sensações no juízo estético? A autonomia da estética representa também a da subjetividade em relação aos desígnios divinos. Assim como o homem moderno estava buscando novos fundamentos para a formação de sua identidade, a arte também buscava uma fundamentação distinta da ortodoxia. O projeto de Baumgarten pode ser resumido assim: "[...] existe no homem, na medida em que não pode perceber o mundo de outra maneira que não seja sob as espécies da sensibilidade, um analogon rationis, uma faculdade [...] que são para o mundo sensível o que a razão é para o mundo inteligível". (FERRY, 2012, p. 107) Essa analogia fez lançar uma ponte entre mundos insistentemente separados: o sensível e o inteligível. A finitude do conhecimento sensível e a multiplicidade dos conteúdos individuais passaram a ser levados em conta sem mais se referirem a influências externas, como a da "iluminação divina". Porém, Baumgarten não radicalizou essa valorização do que é preponderantemente individual, permeando ainda suas ideias com conteúdos platônicos e relativizando a importância dos dados sensíveis. Foi a partir da estética transcendental de Kant que se promoveu enfim a independência da estética enquanto disciplina filosófica: o belo passou a se situar a meio caminho da razão e da sensibilidade, como num jogo da imaginação. Com ele nasceu a doutrina transcendental dos elementos, que defendia o empirismo ao mesmo tempo em que valorizava o intelecto. O caminho do juízo reflexivo estético partiu do particular ao universal, e não mais do contrário.
Há outros precursores da estética alemã, como Lessing, Lenz e Herder, e há ainda o movimento Sturm und Drang [Tempestade e Ímpeto]. Este pode ser visto como um projeto de emancipação da literatura germânica. Ele foi uma espécie de rebeldia juvenil contra a hegemonia da razão propalada pelo Iluminismo, servindo-se de uma linguagem pungente a fim de criticar normas de conduta contrárias ao sentimentalismo e aos antigos valores heróicos, como os dos cavaleiros medievais e os dos mitos gregos. Os autores integrantes desse movimento, como Herder, Hamann (o mago do norte) e o jovem Goethe, defendiam uma poesia mais primitiva, espontânea e selvagem, valorizando o imediatismo das emoções.
O romantismo alemão é composto basicamente pelo grupo de Jena durante a virada para o século XIX. A fim de demarcar os autores que pertencem a ele, citamos: os irmãos Friedrich e August W. Schlegel, Friedrich von Hardenberg (mais conhecido como Novalis) e Friedrich Hölderlin. Friedrich Schelling é o filósofo com maior contato a esse grupo. Outros artistas e pensadores da época, como os filósofos idealistas Fichte e Hegel e os escritores Schiller e Goethe, tiveram algum tipo de relação com o grupo de Jena, porém esses não podem ser considerados românticos. Mais tarde, alguns escritores apresentaram-se altamente devedores a este movimento, como E. T. A. Hoffmann, C. Brentano e H. von Kleist. Vimos que o grupo não era composto apenas por artistas, motivo pelo qual explicaremos na sequência o papel do pensamento e da razão dentro desse movimento.

II.2 O ROMÂNTICO, SUA ARTE E SUAS RAZÕES

Não há dúvidas de que a arte pensava antes do romantismo. Porém, fazer de si mesma objeto de reflexão não era a condição de sua atividade, foi só na modernidade que isso passou a acontecer. O poeta deveria passar a filosofar sobre sua própria arte (caso de F. Schiller) e o filósofo, a criar; nesse hibridismo encontrava-se o jeito moderno de fazer arte e filosofia. Talvez Hegel esteja certo quando afirma que a arte pertença ao passado, pois, conforme exposto, na modernidade ela não pode prescindir do crivo do cogito. Apesar disso, a oposição moderna entre interioridade subjetiva e exterioridade objetiva precisava ser extinta; alguma unidade deveria advir. Contra o que pode alegar o senso comum, o excesso de pensamento é característico no Romantismo – ao menos no alemão. A criatividade da arte e a reflexão da filosofia foram unidas, harmonicamente ou não, tendo em vista a ingenuidade e a unidade perdidas pelo processo histórico da modernidade. A arte se tornou crítica de si mesma. Essa emergência do caráter ontológico da arte entre os românticos alemães deveu-se ao desafio de usar uma linguagem apropriada que pudesse apontar para o absoluto – era a poesia transcendental. Dessa forma poética o absoluto seria dito, isto é, seria exposto artisticamente, sem a aridez, a dureza e a clareza objetiva do discurso científico.
O termo "romântico" não é fácil definir, tendo em vista o contato e a mistura desse movimento estético-artístico-filosófico com tendências opostas entre si. Somos forçados a ir além de rótulos e categorias habituais. A definição de "romântico" no Pólen de Novalis é icônica: "Ao dar um sentido elevado ao comum, ao dar ao usual uma aparência misteriosa, ao conhecido a nobreza do desconhecido, ao fugaz uma aparência de eterno, assim é que eu os romantizo" (2001, fragmento 32). Mas nem todos os românticos eram dramáticos e radicais como Hölderlin (2012, p. 35) que, através de Hipérion, diz: "Quando sonha, o homem é um deus, mas quando reflete, um mendigo." Os românticos se posicionam entre a crítica de Kant e a síntese de Hegel: "Seu caráter era kantiano, ou seja, crítico quanto às possibilidades de alcance da verdade absoluta. Seu desejo, porém, era hegeliano: queriam o absoluto" (ANDRADE, 2009, p. 17). Posto isso, romantizar é o desafio de olhar a filosofia para além da tradição ocidental. E como isso pode ocorrer? Por sugestões da poesia a filosofia acolherá a contradição de conceitos. Conforme Andrade (2009, p. 24): "os românticos, em geral, buscaram mais borrar demarcações do que desenhá-las [...], misturar gêneros do que conceituá-los [...] fazia atacar cada fundamento conquistado e cada caracterização mais sólida." É como se eles levassem ao extremo o ditado "Deus escreve certo por linhas tortas" e acrescentassem isto: "e sobrepostas". A frase de F. Schlegel nesse sentido era: "a filosofia ainda caminha demasiadamente em linha reta, e ainda não é suficientemente cíclica" (SCHLEGEL apud ANDRADE, 2009, p. 40).
E qual é a forma mais óbvia para a filosofia deixar de ser reta e quadrada? Pela forma estética, que não é apenas abstrata, mas tem concretude enquanto obra. A arte era até pensada pela tradição filosófica, mas nunca de forma séria e profunda, constituindo uma categoria à parte. Os empiristas reabilitaram a sua importância, Baumgarten concebeu-a como mais um ramo da filosofia e Kant libertou-a definitivamente. É verdade que este tinha em mente mais as condições transcendentais para se julgar esteticamente um objeto do que esmiuçar ou exemplificar obras de arte arquetípicas. Contudo, sua contribuição foi decisiva para os pós-kantianos do período conhecido como idealismo alemão, o qual tinha como objetivo conciliar os dualismos clássicos, a fim de chegar no absoluto. A filosofia moderna surgiu com uma clara separação entre sujeito pensante e objeto pensado; na poesia, entretanto, essas posições são relativas e podem mais confundir que explicar algo. Usamos novamente uma frase de F. Schlegel para exemplificar o sentido: "a filosofia perde-se de si na incerteza poética e a poesia tende na direção de uma profundidade taciturna". Em seguida veremos o papel da linguagem dentro desse pensamento poético e artístico.

II.3 A LINGUAGEM ROMÂNTICA E O GÊNIO DA ARTE

O uso de fragmentos, da ironia, do chiste e da alegoria são modos de interromper brusca e intencionalmente a linha reta da narrativa. Os românticos exploravam essas técnicas de composição alegando a incompletude da linguagem e da razão para compreender o mundo. E o conceito de sublime era uma forma alegórica de se frisar essa impossibilidade de representação final do absoluto. Esse "quase lá", esse "ainda não", essa tragédia do sentido, é a habitual forma humana de se comunicar, daí o apelo a fragmentos e a poemas, que sempre deixam um espaço lógico a ser preenchido.

"A ironia, como respeito risonho diante do incompreensível, evita a presunção dogmática e também a humildade rígida, e por isso ela é ao mesmo tempo uma arte social, de uma urbanidade sublime: permite o diálogo porque evita o ponto morto da compreensão absoluta" (SAFRANSKI, 2010, p. 61)

Um romântico, na verdade, privilegia a noção do instante – instante que é melhor simbolizado pela poesia do que pela prosa ortodoxa. Ao mesmo tempo, por ter convicção de que o futuro começou desde já, ele deve estar aberto ao novo que sempre vem. Sua angústia é por estar hesitante entre um passado nostálgico que não se repetirá e a esperança de um porvir sem garantia de melhoras. Visa a uma sociedade alternativa contra autoridades e convenções repressivas. Possui um ímpeto questionador de hegemonias – como as do Iluminismo e do Neoclassicismo – em defesa de uma visão que atrele a Consciência à Natureza, devolvendo vida e poesia à natureza esvaziada pelo excesso de cálculos, preceitos e leis. O estreitamento dessa relação é a exortação de Hipérion: "Colocar um fim nessa eterna contradição entre nós mesmos e o mundo, restabelecer a paz de toda paz, essa que é mais elevada do que toda razão, nos reunindo com a natureza em um todo infinitamente uno, eis a meta de todo nosso empenho, quer o compreendamos ou não" (HÖLDERLIN, 2012, pp. 26-7).
Esse tipo de discurso deve aludir à essência das coisas, aproximando-se dela, nunca a tocando ou acolhendo em definitivo. O sentido do texto pertence à linguagem usada e não ao autor ou à sua intenção, até porque a produção pode ser coletiva. A estrutura coletiva de artistas e intelectuais, bem como a produção coletiva de obras (sinfilosofia e simpoesia) é a marca de vanguarda do Círculo de Jena e da revista Athenäum (fundada pelos irmãos Schlegel), influentes às demais vanguardas modernas. Na dança de palavras era concretizada a tragédia do sentido referida acima. A leveza dessa dança também simbolizava a ironia característica desses poetas. A estética a ser fundada deveria ter em sua base a história da arte (em especial a grega clássica), sem destruição total, mas reapropriação do que é bom e belo.
Nesse período, a cultura alemã estava se conhecendo e adotando uma nova consciência, combinando, experimentando e retomando pensamentos e descartando posições inúteis ou reprováveis. Havia muita reflexão em todas as correntes, a grande diferença era em sua preponderância. Por exemplo, o classicismo de Weimar e a filosofia de Hegel não são de todo estranhos ao grupo de Jena – nem só impetuosidade e nem só conceituação.

"Goethe se apresenta para Hegel como um exemplo acabado da única possibilidade que resta para a arte na época moderna: seguir a via da interioridade subjetiva e reflexiva [grifo nosso], priorizar os desdobramentos autônomos do sujeito em suas manifestações, o qual se torna então uma espécie de dramaturgo e para quem se oferecem os mais variados temas de todas as épocas e povos" (WERLE, 2009, p. 188).

A influência de Lessing como crítico de arte e de Winckelmann como historiador de arte foi generalizada ao germanismo nascente. Além deles, os referenciais em comum eram Espinosa, Rousseau e Kant. Os limites da filosofia crítica deste último exigiam superação. Quem poderia aceitar de bom grado que o homem é incapaz de conhecer o númenon, a coisa em si? A fim de resolver esse impasse nascia o Idealismo Alemão, com vários filósofos refletindo sobre o caminho do meio (o estético e intuitivo) – esse período pode ser considerado uma transição, um "estio do tempo", entre a arte moderna e a contemporânea. Como representante desse grupo, Schelling (2001, p. 24) condensa assim o desafio: "Somente mediante a filosofia podemos ter esperança em alcançar verdadeira ciência da arte [...] porque exprime, de uma maneira imutável, em Ideias, aquilo que o verdadeiro senso artístico intui no concreto, e por meio do qual o juízo genuíno é determinado". Respondeu-se filosófica e artisticamente sobre a essência do mundo, pois sozinha a linguagem conceitual não basta – Novalis e Hölderlin são os grandes exemplos nessa missão, além de F. Schiller.
Schiller e Goethe divergiam, nessa época, da proposta romântica, eles se identificavam mais com o neoclassicismo, que significa maior apego às regras que ao sentimento. Após uma fase romântica, participantes inclusive do movimento Sturm und Drang, eles começaram a racionalizar suas obras – o contato com a filosofia de Kant e a decepção com os contornos terríveis pós-Revolução foram determinantes a essa guinada de pensamento. E a noção de gênio, inspirada no culto ao Kraft-Genie incitado por Herder, estava no centro dessa mudança: genial era quem seguia os apelos do coração ou os ditames da razão? O objetivo da arte era a beleza harmônica ou a expressão de sentimentos individuais? O dom estava acima ou abaixo da técnica apreendida? Importava mais a inspiração ou a transpiração? A arte devia copiar a natureza ou ser original, i.e., diferente dela? A resposta a essas questões dividiram os que pensavam a estética na ocasião, de um lado os românticos e de outro os classicistas. No entanto, ambos tinham como ícone de artista o dramaturgo Shakespeare, especialmente devido à sua peça Hamlet. Ele personificava o espírito da poesia moderna, de caráter autêntico e não afetado e pomposo como o do teatro francês. Suas obras eram tidas como geniais porque rompiam com a tradição medieval, com a narrativa linear, com as conveniências e com a autoridade aristotélica em arte – ao menos com a interpretação usual que se deu à Poética. O personagem Wilhelm Meister, cujo livro fora elogiado por Schlegel, era como um alter ego de Goethe. O motivo das loas era a descoberta do teatro shakespeariano e o rebaixamento dos teatrólogos franceses, membros do classicismo. Na trama, após receber os livros de Shakespeare, o personagem "em pouco tempo, como se pode presumir, arrebatou-o a torrente daquele grande gênio, conduzindo-o a um mar sem fim, no qual rapidamente se esqueceu de tudo e se perdeu" (GOETHE, 2009, p. 184).
Para o pré-romantismo, a figura do "gênio iluminado" transcendia as regras e as convenções e simbolizava a luta contra as normas em geral, não apenas no domínio da arte, mas também no do social. "Para o gênio não há a realidade das regras, há a idealização delas; o poeta não se limita, expande-se" (WERLE, 2000, p. 45). Em arte, quando se infringe a lei em voga é que as obras de destaque surgem; os supostos erros são o tiro no escuro do artista, que poderá se tornar clássico ou simplesmente ser escarnecido. A submissão à moral vigente, a sujeição às regras de etiqueta, a obrigação do uso de certos trajes, eram irritantes, até mesmo abomináveis, para os pré-românticos, pois significava aceitar a mediocridade, que é um traço notório na cultura de massas. A vida burocrática e industrial já era uma tendência na época e um romântico não podia aceitar a vivência cinza, fria e turbulenta das grandes cidades. Foi então que ele voltou suas atenções à natureza e ao passado, daí a pecha de 'reacionário' tantas vezes alegada a ele. Era uma situação ambígua, de um lado estava o progresso, ao qual todos deviam se conformar, e de outro, uma rebelião sentimental deslocada de seu tempo.
Quais imperativos deviam ser cumpridos: os prosaicos e burgueses ou os líricos e bucólicos? A encenação e a hipocrisia social deveriam se sobrepor à sensibilidade de poeta? Kant tinha definido o rumo da discussão, afirmando que o gênio devia sim, com seu talento, desafiar modelos e expressar-se singularmente, mas sua expressão teria como origem a natureza e não a pessoa do artista. Era como se a figura do gênio abarcasse tanto a subjetividade quanto a reflexão quanto o mundo empírico; sua intenção consciente e seu instinto pulsante agiriam concomitantemente, produzindo uma obra de valor superior. Afirma Schiller (1991, p. 51): "O gênio tem de solucionar as tarefas mais complexas com despretensiosa simplicidade e desembaraço [...]. Legitima-se como gênio somente por triunfar com simplicidade sobre a arte complexa". Era como se esse produto genial fosse divino, além da capacidade humana. A liberdade propalada por Schiller (jogo livre da imaginação) era a chave para a síntese entre as inclinações naturais do homem e o intelecto que tudo divide e rotula. Os românticos aceitaram essa ideia e acrescentaram a do gosto refinado após longos esforços, deslocando-se assim do sentimentalismo pré-romântico ao mesmo tempo em que não retomava o classicismo, tão permeado de normas de criação; não era nem o exagero do eu localizado historicamente e nem a severa estética prescritiva, era antes o sonhado meio-termo. Essa ligeira diferença de visões pode bem ser resumida nos termos abaixo:

A obra de arte, nesse seu amplo significado e para além da mera reprodução mimética, funciona, portanto, como forma de elevação do homem em sua composição harmônica com a natureza, logo, representa também uma educação para a vida, vivida em sua intensidade e com suas demandas ordinárias. Não se trata [...] daquela consumação ética exposta na composição teórica de Schiller; [...] o sentido moral no romântico está submerso na elevação progressiva, na força criadora, no impulso de vida que era marca característica do Sturm und Drang. (SILVEIRA, 2012, p. 124)


II.4 LIBERDADE E INTUIÇÃO INTELECTUAL

Poder conciliar liberdade com as determinações da sensibilidade, uma vez que esta provém do corpo, era uma questão cara à Estética. Kant, apesar de todos os seus esforços de síntese entre a tradição racionalista e o empirismo, ainda privilegiou o intelecto sobre a confusão dos dados sensíveis. Schiller, grande kantiano, tratou a sério esse problema e trilhou uma terceira via, a estética, apenas nesta o homem seria capaz de viver a liberdade sem prejudicar a sensibilidade. Seguindo a ideia de Kant do desinteresse, Schiller aventou a possibilidade de se ir além da teoria e adentrar no terreno prático, onde predomina o corpo; pela "educação estética" o homem vivenciaria sua liberdade ao mesmo tempo em que daria a devida atenção ao que fosse do terreno sensível, desde que sua disposição de ânimo estivesse em condições corretas. Pode parecer algo distante essa proposta, porém quem já experimentou o amor terá mais condições de entender o que foi exposto, pois nele a vontade de um se entrega aos anseios do outro sem qualquer coação externa; é como se a união das partes fortalecesse o espírito de ambas, ao mesmo tempo em que eleva o intelecto e o corpo. E é justamente esse monismo, essa desordem transposta em união, que estava em jogo entre os pensadores alemães no final do século XVIII. A arte, como produto do espírito, complementaria aquilo que a natureza mesma era incapaz de elaborar, que é forma e consciência. Se o homem não estivesse cindido e exilado do Absoluto, ele não teria discordâncias; precisamente porque há esse desacordo que o homem romântico busca, pela intuição intelectual, retomar essa unidade perdida, essa comunhão fundamental com o Uno, para se inserir enfim num novo reino, onde a beleza é a rainha. A filosofia isolada não poderia realizar tal empreitada, pelo fato de lidar com conceitos; por outro lado, a arte teria mais apelo, pois seria mais completa, conveniente e plena.
"Intuição intelectual" era um termo caro aos românticos. F. Schlegel chegou a dizer que ela era o imperativo categórico da teoria estética, mas foi J. G. Fichte quem esclareceu a expressão. O filósofo queria fazer com que o "eu" estivesse no princípio de tudo o que existe, podendo assim conhecer as coisas de forma total, chegando ao Santo Graal da época: o Ser Absoluto. Fichte foi um dos primeiros a tentar responder aos impasses trazidos pela crítica kantiana. Ele procurou primeiramente abarcar toda a filosofia da fase crítica de Kant e conduzi-la além, esboçando um sistema da razão que não fazia parte da intenção kantiana, sistema esse que foi levado ao extremo posteriormente, com Hegel. Fichte então reabilitou a intuição intelectual para o interior do sujeito e não para o exterior, como era esperado, redefinindo assim o papel do eu, agora onipotente. Reconhecemos que o homem vive de suas possibilidades; ele decide como agir e encarar as coisas, e é nessa fuga ao determinismo da natureza que ele exerce sua liberdade, distinguindo-se do vulgo – essa noção encantou os românticos. Afirma Fichte (1973, p. 45): "em vez da palavra inteligência, prefiro empregar [...] egoidade, pois esta designa da maneira mais imediata esse retorno da atividade para dentro de si mesma". Com esse deslocamento conceitual ele pensou eliminar o dualismo moderno e encontrar a famigerada unidade, fazendo com que o indivíduo fosse tanto sujeito que pensa quanto objeto pensado. Todo "não eu" (objetos, natureza e meio exterior) estaria contido nessa autoconsciência arbitrária, ativa e produtora de realidade ("eu sou essa intuição e essa intuição sou eu"), como numa fenomenologia radical em que a consciência se recusa a reconhecer na alteridade uma realidade idêntica ao "eu".
Num primeiro momento essa solução parecia adequada, pois a liberdade era explicada e a imaginação, louvada. Porém, logo depois vieram as críticas, em especial as de Novalis, que retomava o dualismo clássico, garantindo que atividade e passividade não são elimináveis uma pela outra, mas que oscilam e isso é benéfico ao propósito de acesso ao absoluto. Noutras palavras, o sujeito precisava se dividir em dois, reconhecendo-se como diferente de si, para poder conhecer algo, incluindo ele mesmo. A crítica romântica alegou que a cartesiana separação sujeito-objeto continuaria a existir e de nada adiantaram os "dribles metafísicos", a procura por um princípio único seria como a tentativa de enquadrar o círculo. É a partir dessa crítica que o Romantismo rompe com o Idealismo Alemão, mas não de forma definitiva, pois as questões norteadoras eram praticamente as mesmas. E talvez o que acabou com o movimento tenha sido essa cisão, uma vez que no universo intelectual quando se prescinde da razão perde-se o solo no qual se pisa firme.
Ao explicar sobre a arte como órgão da filosofia, escreve F. Schelling:

Pois, ao invés de dirigir-se à produção, como na arte, para fora, a fim de refletir o inconsciente através de produtos, a produção filosófica se encaminha diretamente para dentro para refleti-lo em uma intuição intelectual. O verdadeiro sentido para compreender este modo de filosofia é, portanto, o estético [...] (SCHELLING apud BRANDÃO, 2009, p. 17).

Expõe ainda Schelling (1979, p. 24): "Essa intuição intelectual se introduz, então, quando deixamos de ser objeto para nós mesmos e quando, retirado em si mesmo, o eu que intui é idêntico ao eu intuído", é o senso estético que garantiria tal intuição, conforme preconizado por Kant. "A intuição estética", esclarece-nos Andrade (2009, p. 90), "é a efetivação realista da síntese entre a intuição sensível e o intelecto pensante que, na filosofia, só ocorria abstratamente enquanto atividade subjetiva". A arte é a instância privilegiada para compreender os momentos de desdobramento do Absoluto; o sujeito e o saber cartesianos estariam nela suspensos, para focar no nível estético e assim restabelecer a conexão imediata com o uno, sem conceitos e sem finalidade, como defendido por Kant. E por que a Arte? Porque no sistema de identidade schellingiano ideia e realidade não são distinguíveis no ato original do Absoluto e porque pela arte a atividade do espírito liga a significação ideal e a realização dessa significação. Em consequência: "Desta concepção resulta o modelo básico para a diferença entre natureza e mente, [...] concebidos como figuras diferentes da mesma essência divina, que aparece sob a dominância do momento objetivo (na natureza) e do momento subjetivo-ideal (na mente)" (KLOTZ, 2009, p. 109).
Essa posição implica numa filosofia poetizada que supere a lógica e a metafísica clássicas, para enfim reconhecer a bela essência do incondicionado. Esse absoluto não seria a rigor provado dentro de uma lógica aristotélica ou de um método indutivo, mas através de uma alusão indireta– antes aproximação que precisão –, procedida justamente pela intuição intelectual estética, com sua linguagem poética, sugestiva. Schelling chamava essa síntese geral da realidade de "apresentação simbólica", ela era a forma artística por excelência e ele a privilegiou sobre outros modos de apresentação. O futuro da arte moderna deveria passar necessariamente por essas exigências metafísicas, daí a explicação possível de seu fracasso e consequente acerto de Hegel, quando este decretou o "fim da arte".

II.5 AMOR, JOGO LÚDICO E NOVA MITOLOGIA

A postura romântica apela ao amor, pois é através dele (como manifestação e realização da liberdade) que as fronteiras e as linhas claras de separação de lados e conceitos se entrelaçam. Sendo assim, identidades que caminhavam afastadas, até mesmo em paralelo, passam a andar juntas, como numa aposta de que o paradoxo consiga dar sentido ao caos da realidade – notemos que, na vida concreta, nossa identidade é influenciada por diversas informações, num processo de formação que só termina com a morte, apesar da teimosia humana em se ver como uma pessoa pronta e acabada. Pelo amor são superados ou subvertidos os princípios lógicos, por tanto tempo defendidos na tradição filosófica, da identidade e da não-contradição. G. W. F. Hegel foi quem, através da dialética, empreendeu a derradeira tarefa de síntese das ideias no saber absoluto, burlando as proibições inerentes à finitude humana alertadas por Kant – tarefa condensada na sentença "fim da arte na modernidade". No entanto, Hegel não poderia ser conivente com a proposta romântica de viver oscilando entre contrários, nem com uma arte impura e muito menos com a apelação à conexão universal do amor para a solução de dilemas e conflitos clássicos. Para ele, a finalidade da filosofia era se aproximar do método científico, que representava o movimento máximo do espírito em direção ao Absoluto em sua famigerada fórmula "o que é real é racional e o que é racional é real". A essa escatologia correspondia a consciência feliz do homem, como se transportasse o mito do Éden para a Terra, mito esse reatualizado pela positividade moderna. É justamente essa cessação dos desejos e das aspirações e esse gozo perpétuo das condições ideais de existência que os românticos não podiam endossar, pois eles não subestimavam a importância da sensibilidade para o homem e nem vislumbravam um "fim da história", mas uma "infinita aproximação" da verdade.
A pretensão dos românticos era mais modesta que essa assimilação do homem com poderes divinos de acesso à essência das coisas e com o consequente fim do sofrer por anseios insatisfeitos; não, a eles, viver a tensão entre contrários, por exemplo, "razão x emoção" e "sujeito x objeto", era o principal, pois na alternância entre opostos experimentava-se uma felicidade efêmera que a síntese do processo dialético eliminava. Afinal, a dialética não esgota ou completa a vida como busca infinita do ser. Essa busca pelo absoluto era como uma séria brincadeira infantil sem vencedor; no próprio jogo estava o sentido, ele nunca se dava por encerrado. Quem deve dar um ponto final é simplesmente o sujeito que, fatigado ou aborrecido, entrega os pontos e vai cuidar de outros artifícios ou assuntos. O tempo (Chronos) era a única entidade eterna no mundo; o fluxo jamais podia ser contido, muito menos pela vontade humana, o máximo que se poderia fazer era tentar ignorá-lo. Afirma Schlegel (1994, p. 30): "o jogo da comunicação e da aproximação é sentido e força da vida, uma vez que a completude só existe na morte". Declara, ainda, o poeta Novalis: "Todo filosofar deve, portanto, acabar em um fundamento absoluto. Mas, se ele não é dado, se este conceito contém uma impossibilidade, então o impulso para filosofar seria uma atividade infinita [...]". (NOVALIS apud ANDRADE, 2009, p. 58)
A modernidade caracteriza-se pela busca de objetividade, de respostas racionais aos problemas do mundo, sejam as questões metafísicas ou as práticas. O romantismo é um caminho divergente à aposta da razão instrumental, é uma provocação aos filisteus da cultura, é uma visão desconfiada dos limites e das conseqüências de um pensamento utilitário que tudo nivela e acaba por restringir o homem, assim como o pensamento mítico e supersticioso por muito tempo o restringiu. O idealismo tenta entrelaçar filosofia, poesia e mitologia, conforme reiteradas defesas de Schelling: "a arte é a única e eterna revelação que existe e o milagre que [...] teria de convencer-nos da realidade daquele supremo" (DUARTE, 2013, p. 175); ou ainda: "De fato, os deuses de cada mitologia nada mais são que as Ideias da filosofia, mas intuídas objetivamente ou realmente" (SCHELLING, 2001, p. 32). A verdade e a beleza eram tidas como dois modos de consideração do Absoluto. Após muito esforço consciente, uma nova mitologia surgiria, ficando nítido que na sociedade moderna os mitos não podem mais se dar pela naturalidade da tradição oral. Logo, a parte divina seria reencontrada imaginativa e esteticamente, com a arte dispensando a objetividade cognitiva, agregando algum referencial místico a fim de se conhecer imediatamente a beleza das coisas. A poesia grega é tão bela porque a mitologia fornece o tema e a coesão que os modernos precisam procurar e cavoucar diligentemente, como se Homero tivesse explodido e seus pedaços estivessem espalhados e escondidos sob a terra. Ou seja, a nova mitologia se basearia nessa solidez antiga, contudo dentro do imprescindível contexto moderno, de característica fragmentação; a etimologia da palavra "religião" (religar) seria empregada aqui, conectando o homem com o universo primordial que parecia estar eclipsado para sempre.
Schiller, por outro lado, não seguiu exatamente por essa via, pois em sua proposta importava um livre jogo da imaginação com caráter lúdico – teoria exposta em 1794 que agiu como prelúdio do movimento romântico, alguns anos depois. O jogo entre opostos gera contrastes estéticos que podem garantir poderosos efeitos na obra de arte; obra empobrecida no caso de uma visão unilateral das coisas, o que ocorria tanto no racionalismo quanto no espiritualismo – a busca por homogeneidade no homem é uma afronta às ricas possibilidades de sua existência. Nesse sentido, Novalis sentenciou que "onde não há deuses, reinam fantasmas", o que pode significar que formas de dominar o pensamento (ideologias) são exploradas politicamente para substituir o obsoleto sentido sagrado da mente e do coração do povo pelo estreito e desértico "caminho correto". Segundo ele, foi o ódio moderno pela religião que desvaneceu as ternas fantasias dos homens. Safranski (2012, p. 189) resumiu assim a situação: "Quando as sociedades modernas começam a fornecer mais segurança, a ligação com o religioso se torna naturalmente mais fraca. Apenas aí é que surge a necessidade de se defender o mistério, pela simples razão de que ele não é mais tão ameaçador". O jogo lúdico resgata essa aura de mistério.
Schleiermacher é outro autor do período que vislumbrava algo como uma religião estética, tendo como meta unificar os espíritos tocados e elevados pelo poder da beleza em direção ao infinito. Essa ideia de outra mitologia (com influências gnósticas), de um cristianismo mesclado com o espírito moderno, encheria o homem de esperanças por um despertar sadio e uma juventude revigorada. E a arte seria a guardiã da semente religiosa, ainda indispensável à humanidade, tanto faz se na versão cristã ou na pagã e herética. Em suma, se todos os deuses se encontram fragmentados, se ainda predomina o pensamento da "república positivista", que retira Deus ou a Igreja do pedestal e coloca o Estado racional, impessoal e burocrático em seu lugar, nem por isso se deve render-se a esse fato social. O homem ainda pode dirigir seu olhar ao horizonte metafísico que lhe proporcione prazer e um sentimento de plenitude e de comunhão com o Universo. Hölderlin (2012, p. 127) condensou assim essa utopia romântica: "Haverá de ser uma única beleza. Humanidade e Natureza haverão de reunir-se em uma divindade tudo abrangente".
Ao homem é aberta a possibilidade de fornecer respostas originais à sua existência, afinal a pergunta pelo propósito da vida nunca será satisfatoriamente respondida, quando se vai além da constatação biológica da perpetuação da espécie. Toda individualidade se incomoda com essa retórica direta, fria e indiferente das ciências naturais, ela insiste em negar que o homem consciente seja um animal sem propósito, em que o indivíduo pouco importa para o todo, como uma colônia de formigas em que a rainha troca de soldados ou como um marceneiro troca paus e pregos imprestáveis. Qualquer pessoa se sente mal em olhar para um cenário desolador e angustiante, ela quer girar a cabeça para onde o repulsivo cede lugar para tudo que seja pulsante. Qualquer pessoa almeja intuitivamente afirmar o valor de sua própria existência, ainda que isso seja uma crença sem evidências. Igualmente é a crença no infinito (termo fundamental aos românticos): não se pode demonstrá-lo, mas como refutá-lo? Estar preso à cadeia causal do mundo material e finito é estar cotidianamente ameaçado pelo nada, pelo horror vacui, em termos kantianos. A essa falta de sentido foram dadas várias respostas ao longo dos séculos XIX e XX, ficando claro que o problema do niilismo moderno é um tema filosófico onipresente aos pensadores desse período, é a 'pedra no sapato' deles.
Ao homem nem a razão e nem o sentimento devem ser autossuficientes. Como Kant (2002, p. 92) bem percebeu: "pensamentos sem conteúdo são vazios, intuições sem conceitos são cegas." E como Schiller defendeu: através da beleza se chega à liberdade, através dela o homem efetiva a sua essência de homo ludens. Essa vinculação entre aspectos que à primeira vista estão diametralmente opostos, como a objetividade universal e a subjetividade particular, foi como o romantismo alemão tentou sair do impasse da modernidade, tendo ciência de que o processo não tem fim e que a humanidade não será salva do desamparo moderno, mas apenas esclarecida e alertada pela intuição intelectual. O mundo não está perdido, como bradam os apocalípticos, apenas o paraíso está. Os Campos Elíseos são reais apenas na imaginação de cada um. Que se aprenda a conviver com essa tragédia. Conforme conclui Andrade (2009, p. 64): "Por mais que a arte ganhe relevância para os primeiros românticos, ela não seria capaz, como nada seria, de apaziguar definitivamente as cisões da existência (trágica) do homem".















Referências

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