HIstória das intervençoes sociais e comunitárias na Psicologia

June 3, 2017 | Autor: Mariana Gonçalves | Categoria: Critical Social Psychology, Psicología Social, Historia De La Psicología
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História das intervenções sociais e comunitárias na Psicologia
Mariana Alves Gonçalves

Podemos falar da história das intervenções sociais e comunitárias na
Psicologia a partir do que se consolidou e objetivou como a área da
Psicologia Social Comunitária (PSC). Esta disciplina não engendra todas as
dimensões do campo comunitário, mas é um ponto de partida para pensar a
trajetória das ações comunitárias em Psicologia. Neste texto, falaremos a
partir desta disciplina e apresentamos as respectivas problematizaçoes
relativas a captura do movimento comunitário por mais este especialismo
psi.
A história da PSC é comumente narrada em suas principais referências e
livros-texto (Montero, 2011; Góis, 2005; Álvaro & Garrido, 2006;
Nepomuceno, Ximenes, Cidade, Mendonça, & Soares, 2008) a partir de uma
divisão primordial entre o seu surgimento e suas influências na América
Latina e nos Estados Unidos. A ênfase nessa distinção não se restringiu à
PSC, mas esteve presente nos argumentos que contam a história da própria
Psicologia Social.
Nos territórios norte-americano, o surgimento da psicologia
comunitária ocorreu em meados da década de 1960, relacionado aos movimentos
sociais comunitários (Nascimento, 2001), em especial os de saúde mental.
Inspirados nos pressupostos da Psiquiatria Preventiva, esses movimentos
tinham como objetivo não somente tratar as doenças mentais, mas também
preveni-las. As intervenções, antes limitadas aos indivíduos, foram
ampliadas para seu entorno – também chamado comunidade – concebido como
fonte dos problemas mentais e, ao mesmo tempo, como agente potencialmente
terapêutico. A conferência de Swampscott, realizada nos EUA em 1965, tem
sido apontada como um marco para a constituição da disciplina (Góis, 2005;
Álvaro e Garrido, 2006). Essa abordava a constituição dos serviços de saúde
mental de base comunitária e criticava intervenções exclusivamente médicas
e hospitalocêntricas nos casos de doença mental.
Não nos parece possível purificar a trajetória da PSC no Brasil,
identificando-a somente aos referenciais que se renovaram na Psicologia
Social após os anos 1970. Mas este, sem dúvida, foi um fator importante
para o deslocamento de psicólogos para o contexto comunitário. De fato, o
movimento comunitário surge, no Brasil, aliado a dois contextos emergentes
no campo da psicologia: o surgimento desta perspectiva crítica na
psicologia social e os problemas sobre a elitização da profissão
decorrentes das avaliações sobre o panorama da profissão no Brasil feitas,
por exemplo, por Botomé (1979), Melo (1975) e Campos (1983).
O surgimento do que chamamos hoje PSC esteve vinculada a uma
aproximação dos psicólogos aos movimentos sociais pela redemocratização do
país, aos trabalhos da Educação Popular de Paulo Freire, às reivindicações
por uma Psicologia Social atenta às necessidades da maioria da população,
às metodologias participativas, aos referenciais teórico-epistemológicos do
marxismo e ao ideário de transformação social. Também identificamos uma
vinculação com a área de saúde e saúde mental e com alguns pressupostos da
PSC norte-americana, por isso a impossibilidade de neutralizar a história
do movimento latino-americano em relação àquele contexto.
As propostas de intervenção buscam três novos objetivos: deselitizar a
Psicologia, aproximar-se da realidade concreta da população e afastar-se
dos lugares tradicionais de trabalho. A Psicologia da Libertação, a
Psicologia Social Comunitária, a Psicologia Sócio-histórica e a Psicologia
Política são alguns exemplos dessa tentativa de responder às críticas e
propor mudanças para a Psicologia Social latino-americana (Gonçalves e
Portugal, 2012).
Ao longo de sua trajetória percebemos uma captura do movimento
comunitário em Psicologia pela área que denominamos PSC. É claro que a
institucionalização de um campo responde a um processo histórico, mas
precisamos estar atentos para os regimes de saber-poder que engendram estas
formações. Não podemos esquecer que as intervenções comunitárias surgiram
também relacionadas a uma tentativa de afirmar uma perspectiva crítica aos
formatos tradicionais da psicologia e o que eles produziam como efeitos
ético-políticos. Portanto, é mais estratégico afirmar a Psicologia
Comunitária como um dispositivo de problematizaçao dos engessamentos
teórico-práticos da Psicologia do que defender os limites deste campo como
mais um especialismo. A intervenção e a luta comunitária devem atravessar
nossa formação e profissão como um analisador do que temos produzido
enquanto psicólogos e produtores de conhecimento. É nisto que aposta uma
perspectiva popular em psicologia. Martín-Baró será sempre uma inspiração
para esta aposta, já que dedicou a vida a nos dar um exemplo de libertação
da psicologia e produzir uma psicologia da libertação organicamente imersa
na luta popular e comunitária.





Referencias
ALVARO, J.L. e GARRIDO, A. Psicologia social: perspectivas psicológicas e
sociológicas. São Paulo: McGrawHill, 2006.
BOTOMÉ, S.P. A quem nós, psicólogos, servimos de fato? (1979). Em:
YAMAMOTO, O.H. & Costa, A.L.F. (orgs.). Escritos sobre a profissão de
psicólogo no Brasil. Natal, RN: EDUFRN, 2010
CAMPOS, R.H.F. A função social do psicólogo. (1983). Em: YAMAMOTO, O.H. &
Costa, A.L.F. (orgs.). Escritos sobre a profissão de psicólogo no Brasil.
Natal, RN: EDUFRN, 2010.
GONÇALVES, M.A. PORTUGAL, F. Alguns apontamentos sobre a trajetória da
Psicologia Social Comunitária no Brasil. Em: Psicologia: ciência e
profissão, 32 (num, esp.), 138-153, 2012.
GÓIS, C. W. Psicologia comunitária: atividade e consciência. Fortaleza, CE:
Publicações Instituto Paulo Freire de Estudos Psicossociais, 2005.
MELLO, S.L. Psicologia: características da profissão (1975). Em: YAMAMOTO,
O.H. & Costa, A.L.F. (orgs.). Escritos sobre a profissão de psicólogo no
Brasil. Natal, RN: EDUFRN, 2010.
MONTERO, M. Introducción a la psicología comunitaria. Desarrollo, conceptos
y procesos (4a ed.). Buenos Aires: Paidós, 2011.
NASCIMENTO, M. L. História do trabalho comunitário em psicologia. In A. M.
Jacó-Vilela, A. C. Cerezzo & H. C. Rodrigues, (Orgs.), Clio-Psyché hoje.
Fazeres e dizeres psi na história do Brasil. Rio de Janeiro (pp. 33-42).
Rio de Janeiro: Relume-Dumará / Faperj, 2001.
NEPOMUCENO, L. B., X., V. M., C., E. C., M., F., & S, C. A. Por uma
psicologia comunitária como práxis de libertação. Psico, 39(4), 456-464,
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